Depoimento de Helton Mendes Hidalgo
Entrevistado por Marcia Trezza
Sorocaba, 13 dezembro de 2018
Entrevista número PCSH_HV669
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Para a gente começar a entrevista, fala seu nome completo, onde você nasceu, a cidade, e que data.
R - Meu nome é Helton Mendes Hida...Continuar leitura
Depoimento de Helton Mendes Hidalgo
Entrevistado por Marcia Trezza
Sorocaba, 13 dezembro de 2018
Entrevista número PCSH_HV669
Realização: Museu da Pessoa
P/1 - Para a gente começar a entrevista, fala seu nome completo, onde você nasceu, a cidade, e que data.
R - Meu nome é Helton Mendes Hidalgo, eu nasci em Sorocaba, dia 01 de junho de 1983.
P/1 - Você pode falar o nome dos seus pais.
R - Meu pai, Jesus José Martins Hidalgo, e minha mãe, Sueli Mendes Hidalgo.
P/1 - Eles também eram de Sorocaba?
R - Sim, aqui de Sorocaba.
P/1 - Sempre viveram aqui?
R - Sim.
P/1 - Qual é a origem da sua família, do seu pai e da sua mãe?
R - Meu pai é filho de um imigrante espanhol que fugiu da guerra, no começo do século vinte, e eles vieram para duas cidades antes de Sorocaba, Avaré, eu acho e mais alguma outra e acabaram ficando em Sorocaba e a família da minha mãe era de Minas Gerais, aqui do Brasil, mesmo, e de Minas vieram para Sorocaba.
P/1 - O seu avô veio junto com a sua avó?
R - Não, meu avô era espanhol e minha avó não, conheceu ela aqui.
P/1 - E a atividade dos seus pais, o que seu pai e sua mãe fazem?
R - Meu pai faleceu ano passado e minha mãe sempre ficou com a gente em casa, mesmo, cuidou da casa, trabalhou quando era mais jovem em fábrica de tecido, foi lá que eles se conheceram, em uma tecelagem aqui em Sorocaba.
P/1 - Seu pai trabalhava nessa tecelagem?
R - Sim, meu pai foi metalúrgico a vida inteira, mas antes de entrar para a carreira em fábrica, na área de metalurgia ele trabalhava nessa tecelagem fazendo manutenção de maquinário, ele sempre mexeu com essas coisas, isso tem tudo a ver com o que eu faço hoje em dia, mas depois a gente chega lá.
P/1 - E sua mãe trabalhava na produção?
R - Eu não sei bem o que ela fazia, mas ela trabalhava, deve ser operando máquina, e sempre que dava problema na máquina ela chamava meu pai, que era da manutenção, e começou, pegou amizade e tal e acabaram se casando.
P/1 - Seu pai depois entrou no ramo metalúrgico e até se aposentou no ramo?
R - É, ele começou a estudar, fez SENAI, um monte de cursos mais específicos, e trabalhou em fábrica, trabalhou a vida toda em fábrica.
P/1 - Aqui em Sorocaba, mesmo?
R - Tudo em Sorocaba.
P/1 - Ele teve alguma participação em movimento dos metalúrgicos?
R - Eu acho que não, ele viveu toda aquela onda, a efervescência desses movimentos trabalhistas, ele viveu e sempre me contou muito, mas participar, mesmo, não, ele nunca gostou de ter que parar de trabalhar para fazer greve, já foi obrigado, mas se dependesse dele, jamais deixar de trabalhar, ele nunca achou que era certo parar o trabalho, dava para protestar, e trabalhar ao mesmo tempo.
P/1 - De quando você era criança, você lembra de situações vividas com o seu pai?
R - Sim, a vida inteira, eu sempre fui muito apegado com ele, sempre foi o amor da minha vida.
P/1 - O que vocês faziam?
R - É que naquela época o menino era sempre mais para o lado do pai, não em todos os casos, mas no meu era, então eu gostava de sair com ele, jogar bola, minha mãe nunca jogava bola, então eu só queria jogar bola e eu tinha só ele, eu tinha uma irmã mais velha, ela também nunca gostou, então não tinha, ou era um amigo ou ele, e ele jogava bola, mesmo, ele quase foi profissional aqui em Sorocaba, mesmo, então acho que isso acabou fazendo eu ficar mais próximo, mas a minha relação com ele foi muito intensa, mesmo, a vida inteira, na verdade.
P/1 - Além de jogar bola, tinha outras situações que você ficava bastante com ele, ou ele fazia para você?
R - Ele sempre trabalhou muito, na verdade, eu fiquei pouco com ele até meus dez anos, ele só trabalhava, porque a gente veio de famílias muito pobres, ele passou fome, faltava muita coisa na vida, da minha mãe foi uma vida difícil também, mas do meu pai talvez tenha sido um pouco pior, mas dos meus dez anos em diante eu tive mais contato com ele, tanto que ele quem criou a empresa que eu tenho hoje, eu aprendi com ele, eu devo a ele o conhecimento pouco, se é que eu tenho algum.
P/1 - Como você disse, ele era um grande amor para você, seu pai, você acha que além do que você tem como trabalho hoje, que é a empresa, outras influências que ele teve na sua formação, no que você é hoje, você consegue dizer para a gente?
R - Tem, é impossível não ter, não só ele, minha mãe, também, nesse caso de influência os dois tem muito, e ele foi uma figura que eu me espelhei por eu conviver mais com ele, eu contava mais alguns segredos para ele, a gente acabava compartilhando um pouco mais, tinha coisas que ele não sabia me responder, às vezes era minha mãe quem respondia, fica bem misturado, mas tem muita influência dele na minha vida, até hoje, sempre vai ter, talvez hoje mais, do que era quando... porque eu sempre fui um adolescente péssimo, rebelde...
P/1 - É mesmo? Então conta isso.
R - ...bravo, briguento, hoje eu vivo a paz de Cristo, hoje eu sou da paz, mas nossa... era um terror...
P/1 - Conta uma história, assim.
R - Na minha infância, eu era aquelas crianças terríveis, de filme, mesmo, é melhor eu não contar muita história aqui, não. Pode ser que uma criança esteja assistindo e vai querer copiar, é bom essa criança saber que esse tipo de gente está extinto do mundo.
P/1 - Mas como esse vídeo vai ser um registro da vida inteira, a gente vai ter que...
R - É... sem barreiras?
P/1 - É. Fala para a gente uma história, só, pelo menos, do que você aprontou na infância.
R - Uma história... meu Deus, é muito vergonhoso, isso, mas teve várias. Teve uma vez, eu vou contar, porque já passou, mesmo, a gente estava fazendo um churrasco, na casa da minha avó, todo domingo a gente ia na minha avó, mãe da minha mãe, porque a mãe do meu pai faleceu há muito tempo, eu acho que conheci, eu era bebê, mas não me recordo, e a minha avó por parte de mãe é viva, é uma benção a gente convive muito, até hoje, e é uma família muito grande da minha mãe, eles são dez filhos, minha mãe tem nove irmãos, então a família toda se reunia no domingo, tinha corrida, a gente assistia o Ayrton Senna, e tinha churrasco, e
um dia, meu pai que era o responsável por cuidar do churrasco, a gente chegou mais cedo, colocou toda a carne lá, eu estava com ele, eu não tinha com quem brincar, porque a gente chegou cedo, eu tenho muitos primos, mas só estava eu, meu pai sempre bebeu, começou cedo a beber, e ele foi pegar a bebida e eu fiquei lá embaixo, e ele falou: “Você olha a churrasqueira, que eu já volto”, e a carne estava quase no ponto de ser servida, eu falei: “Tá bom, pode deixar”, e ele subiu, e eu fiquei sozinho e me deu uma vontade de fazer xixi, quando eu olhei para aquela churrasqueira, eu falei: “É aqui, mesmo”, e eu fiz xixi na carne, mas muito, e ele voltou só que ele já estava meio bêbado, na época era normal, depois ele parou de beber, e seguiu o jogo, eu saí correndo depois que ele chegou, ele não percebeu eu vou sumir daqui, eu vou embora de Sorocaba, vou sair do Brasil, e meu tio chegou do trabalho para comer, com pressa, porque ele iria voltar do almoço e eu me lembro muito bem da minha avó servir um prato com várias coisas do churrasco, e ninguém tinha comido, o pessoal estava bebendo e ele começou a comer, e ele deu um grito, assim: “Quem fez xixi na carne?” E todo mundo parou: “Como assim?”, nisso eu estava subindo correndo a rua, lá em cima, e lógico que meu pai sabia que era o filho retardado dele, e nossa eu apanhei tanto da minha mãe, na minha vida eu apanhei muito, acho que ninguém apanhou tanto. Uma vez eu taquei fogo em uma escola, eles cortaram o mato de uma escola perto da casa dos meus pais, que é onde eu trabalho hoje, e meu pai jogava bola de final de semana lá, e eu ia, porque eu não tinha o que fazer, por isso que eu falo que eu convivia mais com ele, minha mãe me batia, em casa, então meu pai eu ia com ele, aonde ele fosse, e cortaram o mato, era época de férias tipo agora, assim, final do ano, e eles jogando bola, e em volta da escola era mato, ele cortaram, o mato ficou lá até ser retirado, e eu adorava fazer fogueira, minha infância era fazer fogueira, qualquer coisa que eu pegasse, eu juntava uns pauzinhos, e jornal, papel, não sei o porquê, mas eu adorava fazer fogueira, e eu falei: “Vou fazer uma fogueirinha, meu pai jogando bola, eu não tenho o que fazer, só tem adulto, e eu de criança”, e eu estudava lá, era a escola que eu estudava, falei: “Só uma fogueirinha, daqui a pouco eu vou embora”, paz de Cristo, comecei com uma fogueirinha com um jornalzinho, um papelão, achei um plástico, quando eu vi, pegou fogo em tudo, e é muito rápido, porque começou a ventar, e a escola grande, e o vento batendo e eu falava: “Meu Deus, o que que eu fiz?”, saí correndo, e é do lado da minha casa, dá uns 200, 300 metros, dali a pouco chega meu pai, depois de meia hora, só que de longe você via aqueles cogumelos de fumaça enormes, ele falou: “Eu não preciso nem perguntar quem foi que fez aquela cagada, lá”, e minha mãe me bateu, minha mãe que nem estava lá, não foi jogar bola, mas me arrebentou, eu apanhava muito, assim, mas eu merecia, eu não sei como eu não fui jogado fora, eu não sei, me pergunto até hoje. Era outra pessoa, na verdade, não me sinto eu, não sei quem era.
P/1 - Mas era muito inocente, não é?
R - Não era muito, não, eu não acredito muito nisso... hoje as crianças são mais inocentes, eu vejo, mas eu não era nem um pouco, jamais.
P/1 - Tem mais só uma para contar e a gente passa para a adolescência?
R - Mais uma, eu posso ficar quatro dias contando aqui, que não vai acabar, mas são coisas meio... deixa eu ver, história de criança.
P/1 - Podemos passar então para algumas brincadeiras, você disse que jogava bola com seu pai.
R - Eu sempre quis ser jogador de futebol, frequentava escolinha de futebol, meu pai jogou muita bola, e até hoje que ele faleceu eu encontro algum amigo e ele fala: “Seu pai jogava muita bola, e eu jogava com ele”, e eu nunca fui nada de jogador, péssimo, e ele dava risada de mim, ele falava: “Meu Deus do céu”, e recentemente a gente assistia jogos de futebol pela televisão e quando acontecia alguma cagada no jogo ele falava: “Aluno seu”, e péssimo, tentei futebol de campo, de salão.
P/1 - Mas o que acontecia?
R - Eu não sei jogar bola, eu não sirvo para isso.
P/1 - E na época que você estava lá na escolinha que você tentava, tinha alguma situação, você viveu alguma situação de um jogo, alguma coisa?
R - Eu sempre ficava na reserva dos jogos, eu era péssimo, mesmo, para eu ser ruim, na verdade, eu precisava melhorar bastante, mas minhas histórias são mais da infância, com meus primos, eu posso contar mais uma. Teve uma vez que a gente tinha chácara e estava chovendo e a gente foi na chácara e ia ter um churrasco com um pessoal, amigo, e eu sei lá o que acontecia que eu precisava fazer alguma cagada para completar o meu dia, porque parecia que o dia não ficava feliz se eu não fizesse nada de bizarro, e eu estava de havaianas, e eu não sei se você já foi em Chácara, você já pisou no barro, de havaianas? Você sabe o que acontece? A havaiana trava no barro, e a minha travou, só que era um barro e na frente tinha uma poça de merda de vaca enorme, e eu caí de cara na merda de vaca, e eu ia em uma festa, cheguei na festa, de bosta de vaca, imagina você, por exemplo, sendo meu pai, e trazendo filho com bosta de vaca, na vida inteira dele, e ele foi um dia que ficou tão marcado, que eu não queria entrar na festa, eu fiquei fora da festa, e meu pai lá: “Vamos filho, não tem problema”, e eu: “Pai, olha isso aqui, eu sou um estômago de vaga praticamente”, e ele vinha trazer a comida para mim, eu não sei se foi esse dia, mas foi nesse mesmo lugar da festa, os carros ficavam em uma rampa e eu fui brincar dentro do carro do meu pai que estava lá em cima e ele falou: “Saia daí, Elton, por favor”, falei: “Pai, eu estou brincando aqui, estou sujo de bosta de vaca, o que eu vou fazer nessa festa, não tenho nada para fazer nessa festa”, e ele falou: “Saia daí, você vai apanhar, se você mexer em algum coisa, você vai apanhar”, “Não, pai, eu só vou brincar” é lógico que era mentira, eu sabia que era mentira, ele também sabia, e eu peguei e abaixei o freio de mão do carro, o carro veio e pum, e mais dois e mais três, fez uma porcaria, eu só o vi abrindo a porta, assim, e pau na minha cara, Meu Deus, a alma amortece quando você apanha, eu acho que do meu pai eu apanhei umas três vezes, mas as três eu vi Jesus, nas três, eu acho, foi muito forte, mas era um impacto emocional, porque como ele batia pouco, era estranho apanhar do me meu pai, minha mãe me batia toda hora, isso para mim era normal, eu achava estranho quando eu não apanhava da minha mãe, eu pensava, será que ela esqueceu de me bater, aconteceu alguma coisa, mas do meu pai eu apanhei umas três vezes só, mas nessas três eu achei que ia morrer, mas não morri.
P/1 - E você foi crescendo, virando adolescente, e quais eram...
R - Aí fazia outros tipos de cagadas.
P/1 - ...quais eram as atividades, vamos dizer assim.
R - Quando eu vi que eu não tinha talento para jogar bola, eu passei a ir para a música, eu sempre gostei, na verdade meu pai sempre ouviu música, minha mãe, então ele gostava de tomar a cerveja dele, aí colocava música e a gente cantava ou no churrasco na minha avó, e eu fui para a música, mas eu gostava de Rock, eu era muito Rockeiro, hoje eu não sou mais só rockeiro, eu gosto de tudo, mas eu tive banda, montei banda de Rock, ele me deu minha primeira bateria, tocava bateria, e fui para esse lado, comecei a crescer, me desenvolver, e os meus vizinhos também faziam parte da banda, as bandas são com vizinhos, normalmente, e a gente é amigo até hoje, alguns ainda tocam, mas eu fui para a música e compartilhei muita coisa com a minha mãe, com o meu pai, de música.
P/1 - O seu pai cantava, então?
R - Meu pai tocava em grupo de samba e pagode, ele sabia tocar muito bem, percussão, e samba era a especialidade dele, então meio que a parte de batucar foi herdada.
P/1 - Só para fechar essa parte da infância que você tinha voltado, você falou que as brincadeiras eram muito... só repete essa parte que você falou, na rua, e tal.
R - A minha infância, foi uma infância... eu peguei o final dos anos 80, então não tinha, por exemplo, nada do que tem hoje, não tinha nada, você ficava na rua o dia inteiro, saia de manhã, voltava no final da tarde, ou às vezes à noite, minha mãe me batia porque eu chegava tarde, e era isso, jogando bola, às vezes brigada, e era soco, dava tapa, xingava, mas era gostoso, era muito intenso, você fazia um grupo de amigos muito intenso, então você não tinha, por exemplo, a televisão, jamais, era muito raro uma criança... ficava para assistir desenho de manhã, e eu já queria sair, assim que minha mãe falasse: “Pode sair”, sabe touro quando está no rodeio, eu era assim, almoçava, e depois você começa a crescer, se interessar pelas meninas, porque é ali no grupo da rua que você conhece as meninas, e é muito legal, tem as festinhas, tem briga porque um menino gosta da mesma menina, mas foi legal, para fechar a minha infância, era muito diferente, não dá nem para comparar, eu acho.
P/1 - E qual foi a primeira menina, como é que foi a primeira paixão?
R - Minha primeira namorada eu tinha 7 anos, meu primeiro selinho foi na pré-escola, ela era muito bonita, por sinal, me orgulho até hoje, só que ela namorava eu e um amigo meu, também, então eu não tenho tanto orgulho assim, porque é um orgulho compartilhado pela metade, mas foi assim, e desde a primeira série da escola, pelo menos eu, sempre tinha alguma menina que eu gostava.
P/1 - E mais velho, você se lembra do seu primeiro beijo de verdade, sem ser um selinho? Como foi? Descreve.
R - Lembro, foi com quinze anos, quatorze, eu acho. Foi em um bailinho, a gente, quando ficou adolescente, já nesse fase, a gente queria um pretexto para estar com as meninas, porque com treze, quatorze anos você não saia para lugar nenhum, era um absurdo, jamais, e muito menos as meninas, era muito diferente, assim, homem ficava na rua, por exemplo, quando eu ia para a rua brincar, às vezes, ia por causa das meninas, e elas nem todas iam todos os dias para a rua, os pais não deixavam, ou tinha que entrar para casa muito cedo, e a gente fazia os bailinhos, porque ali a gente ia ter que dar um jeito, e não se conversava muito, era na escola que a gente se falava, mas não tinha essa de trocar mensagem, ou ligar, por exemplo, jamais, nem pensar.
P/1 - E fazia os bailinhos onde? Como eram?
R - Com os meus vizinhos, que depois a gente montou a banda, então esse mesmo grupo, a gente fazia os bailinhos antes da banda, que a banda já vem depois, com uns quinze, dezesseis anos, dezessete anos, mas dos trezes, quatorze, foi quando eu dei o meu primeiro beijo, por exemplo, era esse esquema mesmo.
P/1 - E você lembra da situação, da sensação?
R - Eu achei bem ruim, bem estranho, eu falei: “Nossa, é isso aqui? Que horror”, mas era uma menina muito legal, a gente era amigo, na verdade ela começou a gostar de mim, porque ela era mais novo, e gostava de menino mais velho e tal, eu falei: “Por mim, está bom, está ótimo”.
P/1 - E com a banda, conta um pouco dessa fase.
R - Esses meus amigos são um pouco, são dois anos mais novos do que eu, por isso que eu conheci essas meninas, então eu que comecei a cutucá-los para ter banda, mas eles já escutavam Rock in Roll, tinham irmãos mais velhos, o material de música eles já tinham e até ouviam, mas não se ligavam muito, e eu falei: “Vamos montar uma banda”, e começou com três caras que são... eu e mais dois que a gente cresceu junto, mesmo, na rua.
P/1 - E qual o nome deles?
R - O André e o Igor. E a gente é amigo, assim, os nossos pais se conheciam, então com 9 anos a gente já andava junto, a gente tem muita história, e é amigo até hoje, muito amigo, e eu falei: “Vamos montar uma banda, você vai tocar alguma coisa e você outra, escolhe, se vira”, a gente conheceu, eles estudavam em uma outra escola, ensino médio, a gente não estudava mais na mesma escola, eu fiz escola Técnica aqui em Sorocaba, o Igor também fez, mas em uma outra unidade, o André não, então o Igor conheceu uns caras que também queria montar banda, e banda com três ficava meio fora, faltava, e aí chamou mais dois que é o Paul, o Bruno e o Alexandre,
o Lele, e a gente montou a primeira banda, que foi muito legal, mesmo, a gente fazia cover de bandas tipo Pearl Jam, a gente tocava Nirvana, Red Hot Chilli Peppers, era muito legal, mesmo, e a gente ganhou várias amigas por causa disso, era muito bom, para pegar as meninas e tal.
P/1 - Você disse: “vamos montar a banda”, você já tinha a bateria?
R - Eu cheguei para o meu pai um dia, ele estava deitado, eu falei: “É o seguinte, eu quero montar uma banda”, ele: “Pode montar, fica à vontade”, eu falei: “Mas eu preciso de uma bateria, quero tocar bateria”, “mas como assim você vai tocar bateria, você não sabe tocar”, eu falei: “Mas eu dou um jeito, eu me viro, pode deixar” e era caro, hoje em dia é caro, mas é mais acessível, naquela época era um terror, eu falei, estou ferrado, jamais ele vai comprar uma bateria para uma pessoa igual a mim, depois de tudo o que eu fiz ele passar na vida, até então, e um amigo da escola, Flávio, estava vendendo, ele já tocava com banda, eu falei: “Pai, o Flávio está vendendo a bateria”, mas era um lixo, nem lixo serve, se o lixo ver que eu estou falando isso dele, ele vai ficar bravo, mas era a pior bateria que você possa imaginar, e na época era muito caro, tipo quatrocentos reais, quando começou o plano real, eu acho que foi logo depois, quatrocentos reais era um absurdo, ele: “Jamais que eu vou gastar quatrocentos reais com essa porcaria”, e eu falei com meu amigo e ele baixou o preço e deu certo, e eu comecei a aprender sozinho, eu escutava... na verdade, a banda eu tinha antes de ter o instrumento, e eu escutava, treinava, e eu treinava na perna, e eu chegava no estúdio para ensaiar e conseguia fazer, lá tinha as peças certas, e eu tocava, mas eu sabia o que eu tinha que fazer, e eu conseguia, a gente fazia show e eu não tinha bateria, emprestava, e eu comecei a fazer aula depois, meu pai me deu a bateria, comecei a fazer aula, aprender as técnicas e eu aprendi a tocar, uma época eu dei aula de bateria, depois, foi bem legal.
P/1 - Quer dizer que você aprendeu tocando de ouvido?
R - A bateria é um instrumento que de início é mais fácil de aprender, depois é o mais difícil com o tempo, os outros já são mais difíceis de início e com o tempo fica mais tranquilo para você tocar, mas a bateria no começo é fácil, você aí na raça, mas eu fiz aula, aprendi, mesmo, a postura da mão, os estilos de música, aprendi a tocar jazz, samba, são coisas difíceis para tocar.
P/1 - E você até deu aula depois?
R - Eu dei aula uma época, foi antes de eu prestar o vestibular, eu terminei o ensino médio e eu só queria viver de música, meu sonho era viver de música, fazer faculdade de música, e tudo mais, e entre o cursinho e a faculdade, eu fazia aula, e como eu queria algumas coisas, que lá tinha uma loja, eu não tinha dinheiro, eu dava aula em troca de produtos, prato, baqueta...
P/1 - Dá para dizer a sensação de tocar bateria? Existe um jeito de falar isso?
R - Eu acho que é um instrumento... não tem um instrumento mais legal, eu sou um apaixonado por música, muito mesmo, e eu acho que a bateria é muito impactante, o cara que sabe tocar bem uma bateria, todo mundo para para olhar, tocar guitarra é legal, mas tem efeitos, você usa o pedal, você muda, então dá para enganar, na guitarra, mas na bateria você não engana ninguém, porque não tem efeito, que efeito você vai fazer, é a sua mão, e eu gostava, foi a primeira vez que eu fiz uma coisa que eu me dei bem na vida, futebol foi um terror, na música, não, todo mundo elogiava, e depois, que eu dei aula, tudo, eu fiz muita amizade com o meu professor, Clóvis, eu não tenho contato com ele, mas gosto muito dele até hoje.
P/1 - Falando de professor, a gente não falou da escola, mas tem alguma lembrança marcante além do fogo que você pôs na escola?
R - Nada de bom, na escola eu vou ter para contar, também, mas tem muita história horrível de escola, eu odiava a escola, detestava.
P/1 - O que você aprontou além de pôr fogo, nesse dia, mas durante a semana?
R - Eu fazia muita besteira, eu não gostava de fazer nada, quando eu comecei, que eu era criança, até a quarta série, quinta série, eu era o melhor da sala, juro por Deus, porque minha mãe fazia eu ser o melhor, na verdade eu acho que a minha mãe podia fazer um exército se ela quiser e dominar o mundo, porque minha mãe é assim, eu não sei se vai ter um momento para eu falar especificamente dele, mas sabe o filme que tem um policial chamado Coronel Nascimento? Perto da minha mãe ele é uma mocinha. Então minha mãe me cobrava, pegava no meu pé, até a quinta série eu era dez em tudo o que você imaginar, da sexta série ela parou, acho que ela falou: “Cansei, não vou mais pegar no pé dele”, e eu comecei a ficar mais bagunceiro, tinha lição que eu não fazia, matemática passei a desgostar gigantescamente, até hoje eu não gosto, e eu ia mal várias vezes, ficava em recuperação, aquela de fim de ano, eu nunca fiquei, porque minha mãe entrava na cena, mas eu ia muito mal, zuava na aula, eu era mandado para fora da sala, eu detestava escola, odiava.
P/1 - Algum professor você gostava?
R - Não muito, mas não odiava por exemplo, eu não gostava, e no ensino médio que eu fui fazer escola técnica, algumas coisas sim, mas era muito bagunça porque eu fiz uma turma de amigos que a gente é amigo até hoje, que a gente era o terror da escola.
P/1 - Mas o que vocês faziam? Conta alguma história, também, dessa turma?
R - Ali tem história também. Nessa época que eu tive a banda, foi quando eu entrei no ensino médio, como eu citei do meu amigo que me vendeu a bateria, então a gente formou um grupo grande e a gente era os sem futuro da escola, a gente fumava na escola, porque lá podia fumar, então a gente ficava jogando truco na porta da escola, entrava bêbado, a gente sempre bebeu, desde cedo, então a gente ficava fazendo isso, ia tomar cerveja, e aquela época aqui em Sorocaba o ônibus era com ficha plástica, a gente vendia ficha para tomar cerveja e voltava à pé, e é longe, e às vezes, voltava bêbado, a pé da escola, fedendo a cigarro, imagina quando eu chegava na minha casa, o que acontecia com a minha mãe, e a partir dessa época já é um outro lance da minha vida, mas a gente tem muita história.
P/1 - Você estudava em que período?
R - Eu entrei fazendo o ensino médio nessa escola, mas o ensino técnico exigia uma prova à parte, então você tinha que fazer prova para entrar no ensino regular, mesmo o ensino médio, eu fiz a prova, passei, e entrei lá, depois eu fiz outra prova para fazer o técnico, eu ficava o dia inteiro lá, eu sabia de manhã de casa, ficava até a hora do almoço, às vezes, voltava, almoçava e depois voltava para a escola para ficar à tarde.
P/1 - E como você conseguiu concluir, ou se tem algum momento de transição, porque, pelo jeito, você já descreveu um pouco como era a rotina, mas como você conseguiu concluir, como você foi se desenvolvendo, mudando, ou não mudando?
R - A adolescência é um período difícil para todo mundo, é que no meu caso a vida já foi difícil toda antes, eu sempre fui um adolescente desde que eu era criança, talvez essa seja a diferença, uma pessoa normal, naquela época, também, muitos alunos daquela escola olhavam a gente e achavam legal ser o sem futuro da escola, então era adolescente, tinha gente tocando legião urbana no pátio, vinham as meninas já mais com o perfil de mulher, era tudo o que a gente queria, ficava jogando bola.
P/1 - E a banda permaneceu esse período todo?
R - Foi pouco tempo que eu fiquei tocando com banda, mas por esse tempo eu ainda tinha, depois eu toquei em outra banda, acho que mais uma ou duas, teve uma bem legal com uns outros amigos, que eu toquei.
P/1 - E vocês conseguiam ser remunerados?
R - Ninguém ganhava nada naquela época, só as bandas mais influentes, naquela época, e ainda assim male má, naquela época, o cenário musical, às vezes você ganhava bebida, por exemplo, o bar te dava uma comanda, você pode consumir até tanto, mas a gente tocou em alguns bares que na época eram bem famosos, foi muito legal, mesmo.
P/1 - E você escolheu fazer que curso? Ou como foi a sua passagem para a faculdade?
R - Até então eu, por exemplo, eu saí do ensino médio e fui fazer um cursinho, porque como eu não estudava, eu precisava apender alguma coisa para prestar vestibular, fui fazer o cursinho, e eu queria fazer música, na Unicamp tinha a faculdade de música, mas na última hora eu falei: “Não quero mais”, estava entre música, Adm aqui em Sorocaba, e eu assisti uma palestra de um cara que dizia ser um super cara, forte, no ramo da educação, e na época, a profissão do momento era o Turismo, era muito novo e o turismo no Brasil, com esses recursos que o Brasil tem, vai ser a profissão do futuro, e eu assisti a palestra e falei: “Acho que é isso”, e eu desisti da música, nem Adm, pensei em Direito, e ele falou, faculdade X em Águas de São Pedro, é a melhor da América Latina e realmente é verdade, eu fui, prestei
vestibular, passei, fiz a faculdade, passei bem até, mas não gostei, na verdade, da área de atuação.
P/1 - Mas você terminou a faculdade?
R - Sim, e também fiz amigos que eu tenho até hoje, a gente se encontra todo ano, umas duas, três vezes por ano, mas no caso da faculdade, não, eu já fui um dos melhores durante todo o curso, eu não brincava, eu não ia para festa, quase, eu era o que sofria bullying, da vida inteira eu fazia.
P/1 - Mas o que aconteceu?
R - Porque como eu morava sozinho, eu morava fora, e era cara, era faculdade paga, e eu achava ruim eu fazer o meu pai pagar e eu não ser, no mínimo, o melhor da sala, eu achava isso um absurdo, imagina, e lá, meus amigos eram os sem futuro do Universo, o que eu era de sem futuro no ensino médio eles eram para o resto da vida, então eu detestava eles, dentro da sala de aula eu os detestava, não sei se eles sabem, pode ser que por esse vídeo eles fiquem sabendo, eram os piores caras do mundo, e as meninas também, só festa, só fazendo aquelas coisas que todo mundo sabe, e eu achava aquilo um absurdo,, eu estava lá para estudar, eu quero estudar.
P/1 - E deles que você é amigo?
R - Sim, a nossa turma não é toda a sala que ficou mais unida, mas tem vários deles, até hoje. E eles me corromperam, na verdade, com o passar do tempo, mas a faculdade já tinha acabado, e não tinha problema.
P/1 - Por que eles te corromperam?
R - Eu saí da faculdade e fui trabalhar em Maresias, então você deve imaginar como é uma praia, para trabalhar, e eu comecei a fazer parte de todas as coisas que eles faziam lá, e eu comei até a entender um pouco o lado deles, mas foi uma experiência maravilhosa, que eu passei uma temporada lá, eu saí, na verdade, eu apresentei meu TCC na faculdade, e na outra semana já era época de temporada, final de Novembro, já tem muito hóspede, e é uma praia muito bonita, na minha opinião é a melhor praia que eu já conheci, e eu fui e fiquei cinco ou seis meses, lá.
P/1 - Foi o seu primeiro trabalho?
R - Não, na verdade, antes de eu ir para a faculdade o meu pai, paralelamente ao emprego de metalúrgico, ele tinha entrado de sócio de uma fabriquinha de massa, que era um primo, na verdade, marido de uma prima minha, que tinha o know how, que conhecia, precisava de alguém para comprar máquina, porque era caro, sempre foi, até hoje, e meu pai entrou, como eu era criança, eu ia lá para assistir, e aos poucos eu passei a ajudar no processo, então eu já tinha trabalhado, vira e mexe eu tinha meu dinheiro para fazer as coisas.
P/1 - Criança que idade?
R - Eu tinha 14 anos, mas eu ajudava e ia embora, ganhando meu dinheirinho.
P/1 - E quando você fazia curso técnico, você não trabalhava? Só tinha banda?
R - Eu fiz um estágio obrigatório, tinha uma bolsa, valor irrisório, absurdo, mas eu trabalhava, sim, mas o meu primeiro trabalho foi com o meu pai, nessa fabriquinha, com 14 anos.
P/1 - E depois você foi para Maresias...
R - Já foi mais profissional, porque eu já estava formado, era um dos melhores hotéis que tem lá, eu tinha feito curso de inglês, na minha adolescência eu fiz, na faculdade eu fiz também, então foi um lance mais profissional, mesmo, você via muito artista da televisão na rua, gente famosa, recebia estrangeira, eles perguntavam as coisas para você, eles têm dúvidas, já foi mais profissional, mas também me diverti muito, tem também história de lá, e aproveitei muito Maresias.
P/1 - Como você chegou em Maresias, como foi trabalhar nesse lugar?
R - É um programa de estágio vinculado à faculdade, eles oferecem no mural, quer trabalhar em Maresias? Lógico que todo mundo...
e você sai de Águas de São
Pedro, vai para Maresias fazer uma entrevista, mas sem saber se você vai passar, e eu fui com uma amiga, ela não passou e eu passei e foi muito legal, mesmo.
P/1 - Trabalhar em Hotel?
R - Era um Hotel, você rodava todos os setores, ganhava alojamento e um salário, não era muita coisa, mas ganhava, eu acho, não estou lembrado, porque como lá é caro, se você ganhasse você já perdia na hora, mas você tinha alimentação, o alojamento e acabava participando.
P/1 - E como você volta de lá, o que acontece depois?
R - Eu não ia voltar, na verdade, eu recebi proposta para ficar, onde eu estava e em outros lugares também, tinha posada que precisava de gerente, vieram me chamar, só que lá é legal na temporada, fora de temporada... e eu queria melhorar o meu inglês, eu fazia outros cursos, depois eu fiz, estudei Alemão, e eu falei, Maresias não vai dar, mas você pode ir para São Sebastião, é muito longe para fazer um curso, só se eu for de Helicóptero para fazer o curso, não quero, e na verdade, Maresias que é responsável por eu fazer o que faço hoje, porque quando eu chegava no hóspede para recebê-lo eu perguntava: “O que o senhor faz da vida na sua cidade?”, “Eu tenho uma empresa, sou empresário”, e eu lembrei do meu pai que tinha iniciado a fabriquinha de massa, lá, falei, quer sabeR - “Eu também vou ser empresário porque os caras são ricos”, eles vêm para Maresias, ficam duas semanas aqui, e eu via as contas deles, porque eu trabalhava também na recepção, não é possível que esse cara gaste tudo isso aqui e é empresário, eu também vou ser empresário, e voltei para Sorocaba, falei vou abrir um negócio, mesmo, sério, das massas, porque meu pai levava o negócio paralelo, então para ele, se vendesse ou se não vendesse, se tinha muita ou não tinha variedade de produto, para ele, beleza, era um complemento de renda.
P/1 -
E a empresa tinha continuado? Ela ainda funcionava?
R - Sim, meu pai a tocava, mas de uma forma muito simples, só que era boa, a receita era boa, então eu falei: “Bom, tem a receita, estrutura ainda não, mas aos poucos a gente dá um jeito”, conversei com ele, falei: “Pai, eu vou voltar, vou montar um negócio de massa”, ele: “Está bom”, acho que ele desistiu de falar não, e eu voltei e comecei a trabalhar com o meu negócio.
P/1 - Mas não a mesma dele?
R - Era a mesma.
P/1 - Eram sócios?
R - Não era onde está agora, eu estou hoje onde ele começou, só que quem trabalhava com ele e fazia roda era a minha irmã, então eu não podia chegar, chegando, tirando ela, eu montei um ponto em um outro lugar, horrível, que não tinha nada, do zero, era uma região mais simples aqui de Sorocaba, então eu sofri muito no começo, só que depois a minha irmã desinteressou, eu acho, e eu estava na pegava e eu fui lá e lá já tinha mais rotatividade, mais cliente e comecei a me engajar, e isso foi o start da vida que eu levo hoje.
P/1 - Você disse que ele era sócio de outra pessoa?
R - Ele começou como sócio, porque ele não tinha o conhecimento, então não tinha como fazer, e o cara não tinha como fazer massa se não fosse pelo maquinário que ele providenciou, que ele comprou, porque naquela época, trabalhar em fábrica ganhava bem, dava dinheiro, meu pai, por exemplo, comprou duas, três casas, chácara, tinha carro, o meu pai um dia descobriu que esse marido da minha prima estava fazendo um caixa dois, ele pagava a mercadoria farinha, a que eles compravam, revendia mais caro, pegava o dinheiro para ele, depois comprava de volta e colocava lá, só que não falava nada para ninguém, ou seja, ele tinha o rendimento dele do negócio, mais o caixa 2 da revenda, meu pai começou a fazer as contas e mandou o cara embora, ficou tudo lá, maquinário, matéria prima, freezer, e ele falou: “O que eu faço?”, e eu estava com ele, nesse dia, e eu falei: “Faz massa”, mas não é assim, vou fazer massa, e eu falei: “Lógico que é, está tudo aqui”, e ele falou: “Mas eu não sei”, “Você sabe, você está esse tempo todo”, ia fazer uns quatro, cinco anos, e ele chamou uma ex-funcionário deles que ensinou para ele, o que ele fez, mudou as receitas todas, aprendeu a mexer e se tornou o cara melhor, porque ele fez máquinas, porque ele era metalúrgico, tem máquina que eu uso que ele fez e que vai dar, provavelmente, para eu usar a vida inteira, porque ele mudou todos os comandos, colocou peça de carro, peça de moto, teve máquina que ele fez, ele fazia projeto, desenhava as peças, aí eu comecei a aprender sobre a técnica de fazer massa, mexer com máquina, eu não sei nada, eu sei quebrar a máquina, agora mexer ou consertar eu não sei, eu acho que eu nunca vou aprender, mas foi assim que aconteceu, eu voltei de Maresias para me engajar e foi assim que eu aprendi.
P/1 - E ele ficou trabalhando até falecer?
R - Ele ficou um tempo trabalhando comigo, só que no começo, esse ano faz dez anos que eu tenho a empresa, no começo foi muito bom, os primeiros quatro anos, talvez até o quinto, foi muito bom, mesmo, eu ganhava muito bem, mas depois, começou a piorar, só piorar, o custo começou a aumentar, a situação do país começou a piorar, então quem tinha um negócio próprio começou, eu tinha gente trabalhando comigo, e começou a ter que sair, as pessoas, e ele saiu porque não dava mais para eu pagar, e ele voltou a trabalhar em fábrica, ele já era aposentado, mas como ele não conseguia parar quieto, ele voltou a trabalhar em fábrica e eu continuei, eu segui, mas final de semana, feriado, quando precisava ele me ajudava.
P/1 - E sua mãe também participa?
R - Minha mãe, hoje, por exemplo, ela faz parte, mas não no operacional, de mexer com a massa, não, ela me ajuda, mas não fazendo massa, pegando na massa, não, meu pai sabia, mas não fazia.
P/1 - E você agora mexe com a massa?
R - Agora sim.
P/1 - Que tipo de massas?
R - Faz massa para pastel, macarrão, lasanha, nhoque, agora há pouco tempo atrás começamos a fazer massas recheadas, rondeli recheado, canelone, cavioli, mas o que eu gosto mesmo é a parte de fábrica, mesmo, pegar pedidos no atacado, por exemplo festas, que usam 100 quilos, 200 quilos, época de festa junina em Sorocaba é muito boa, na região que é boa, então eu pego pedidos grandes, é o que eu gosto, mas deixou de dar rentabilidade, então agora a gente está indo para um lance mais de varejista, mesmo, de atender ao cliente com a massa para a família, não só o comércio.
P/1 - E você não casou nenhuma vez?
R - Não, eu achei que eu fosse, mas não cheguei a casar.
P/1 - Por quê? Você achou que fosse, mas...
R - Eu sempre namorei sério, tive quatro relacionamentos sérios, o último durou dez anos, e eu quase casei, quase, mesmo, a gente brigou faltando pouco tempo para casar, mas assim, hoje, falando nisso, às vezes eu até comento com alguns amigos, porque muitos passam por isso, mais cedo ou mais tarde, mas eu não era feliz, eu era um cara meio tonto, fazia umas coisas meio idiotas, eu era mais estúpido, mas eu gostava, não vou falar que eu não gostava, eu teria me casado, na verdade, foi a minha ex que terminou, mas eu não era feliz, hoje eu consigo ver, talvez por ter separado, mas não sei te dizer, mas sempre levei a sério, todas, não só esse relacionamento.
P/1 - Não era feliz, ficou melhor separado?
R - Tem coisa que é melhor, tem coisa que parece que é melhor, tem coisa que parece que não é melhor, mas de uma forma geral, hoje eu vejo que sim, melhorou sim, bastante, no meu caso, por exemplo, eu me tornei uma pessoa mil vezes melhor, eu vi quem eu sou, nesse lance talvez entre a parte da dermatite.
P/1 - Quando ela começou?
R - Eu devia ter uns 25 anos, mais ou menos, na época em que eu comecei o meu negócio, talvez um pouquinho antes.
P/1 - Você associa a alguma coisa?
R - Eu acho que sim, eu não sei, segundo o médico você nasce com ela, mas desenvolve-se em um certo tempo, sabe-se lá por que, no meu caso foi um momento de estresse, de um desgaste, porque eu estava começando, eu já tinha começado o meu relacionamento, estava começando um negócio, meu relacionado era à distância, por um bom tempo, então eu tive que mudar muito a minha vida, exigiu muito de mim, mas acho que começou antes, na verdade, a dermatite atópica coça muito, começou antes, eu tinha acabado de sair da faculdade, isso foi em 2005, então logo depois que apareceram os sintomas, eu já estava em Sorocaba, trabalhando em um Hotel aqui, que eu trabalhava com as massas e também no Hotel aqui, porque era de vagar o meu negócio, então fazia as duas coisas, e veio o relacionamento, saí do Hotel, passei a me dedicar só à empresa, e começou.
P/1 - A empresa que ainda não era onde você está?
R - Nesse ponto, não, foi pouco tempo depois, mas a minha vida ficou muito desgastante sob vários aspectos, na hora você não percebe, não se dá conta.
P/1 - Como começou, fala do processo?
R - Então, começou com uma coceira na mão, bem aqui assim, falar bem a verdade, e começou a coçar, era uma coceira simples, e com o tempo não, começou a aumentar, pelo braço, perna, costas e chegou em um ponto, passou um ano...
P/1 - E você não fazia nada?
R - Não, tinha umas pomadas em casa, mesmo, e quando começou a piorar eu fui em uma dermatologista, ela me mandou fazer uns exames, eu fiz, ela me deu uma tabela de papel, coisas que você não pode comer, era tudo o que eu gostava de comer, não coma nada, pare de comer, e eu não podia comer nada que tinha corante, você já parou para pensar? O ar tem corante, eu não iria respirar mais, e eu parei de tomar cerveja, comer chocolate, de fazer tudo o que tinha de mais gostoso nessa vida, fiquei uns três, quatro anos assim e não melhorava, e um belo dia eu consegui uma consulta com esse meu médico de hoje e foi a benção de Deus e eu sentei e eu estava destruído, minhas costas, desfigurada, deformada, de tanto coçar, e eu fiquei lá sentado e ele me perguntando, de costas para mim, e eu que cara cuzão é esse, e ele é Finlandês e começava a me perguntar de novo, e eu tenho família, não sei o que, quinze minutos depois ele: “Está bom”, e eu falei: “Não é possível que você saiba o que eu tenho”, e ele: “Sei”, falei: “Esse cara está me zuando”, “XYZ”, falei: “É verdade, mas a médica”, “Não, esquece essa médica”, ele é tipo eu, eu falo palavrão, não é por maldade, é por prazer, mesmo, e ele começou a me falar e uma hora ele falou assim: “Deixa eu ver as suas costas”, quando ele levantou a minha camiseta, ele falou: “Puta que o pariu, o que que é isso?”, ele andava de um lado para outro, e eu fiquei assustado, se o cara é médico, é especialista, ele está assustado, eu vou morrer, eu não vou sair daqui hoje mais, e ele disse: “Eu não acredito, por que você deixou chegar nesse ponto, caralho”, e eu será que ele está me zuando, não é possível, a gente meio que ficou amigo, porque eu ia muito lá no começo, esse ponto foi o pior.
P/1 - A mesma pergunta que eu faço agora, como foi chegando nesse ponto? Você achava?
R - Você não associa a uma... saiu a x? Pronto?
P/1 - Deixa só eu te falar, você falou, a gente negociou até quatro e meia...
R - Você não associa a dermatite atópica a um desgaste emocional, por exemplo, então a situação começou a ficar ruim no trabalho, no meu relacionamento, na minha autoestima, e foi um momento muito ruim mesmo, que ela explodiu, e quando eu comecei a empresa, eu comecei a treinar Jiu Jitsu que é o grande amor da minha vida, esse ano faz dez anos que eu treino e foi, talvez, uma das coisas que me salvou, o trabalho e o Jiu Jitsu, porque com o tempo o negócio começou a ficar difícil, o trabalho também, você com você mesmo fica ruim, e a situação parece que não melhora, só piora, e aos poucos você vai começando a olhar para você e ver que isso tem reflexo na doença.
P/1 - Mas isso depois que você foi no médico?
R - Eu já fazia o tratamento com o Doutor Martti, que é o meu médico, isso de eu associar à minha vida, mesmo, de uma forma mais global, mais inteira, eu comecei a fazer há três anos atrás, porque aí sim, o meu negócio quase faliu, meu relacionamento acabou, no ano passado meu pai faleceu, tudo desmoronou, tudo, minha vida, na verdade, o que é hoje, ela praticamente é outra vida, graças a Deus, eu fiquei a família, o trabalho e o esporte, o Jiu Jitsu, foram eles que me seguraram mais, e eu passei a ver uma melhora da dermatite atópica, não sarou ainda, mas já melhorou muito, e você começa a olhar para trás, coisas que você fazia, falava, pensava, sua forma de lidar perante os problemas, ou uma pessoa, para você ter em sua vida, dentro da sua casa, como um funcionário, ou na academia.
P/1 - Dá um exemplo, se você puder, de uma situação.
R - Vários, por exemplo, eu era uma pilha, eu pegava, explodia, eu era bravo, briguento, eu não estava nem aí para quem era, eu achava ruim, mesmo, eu peitava, eu xingava, isso é uma coisa que hoje eu olho... é muito raro, eu xingo no trânsito, mas na vida, hoje, é muito raro eu falar um palavrão com um objetivo de ofender, no Jiu Jitsu foi pior, porque eu fiquei muito da paz, e luta você apanha, nessa época eu era bom, era muito bom, eu batia em todo mundo e agora não, as pessoas se aproveitam da minha benevolência, eu era um cara estúpido, grosso, sem noção das coisas, sempre fui, mas ficava um lance pesado, descabido, hoje eu vejo várias pessoas fazendo isso, fazendo umas piadas idiotas, em uns momento que não se deve fazer, ou falando coisas que vão agredir alguém, então eu fazia, eu sabia que eu fazia, mas eu simplesmente fazia, só que isso tinha uma influência na minha situação, e hoje eu consigo ver, época que eu me estresso mais, a minha dermatite piora.
P/1 - Por exemplo, o que a gente sempre observa, parece que quem põe tudo para fora, explode, é mais agressivo, não guarda, e você começou a ficar mais calmo, como acontece essa mudança, essa transformação?
R - Na verdade, no meu caso, não posso falar por outras pessoas, quando a situação da minha vida começou a ficar muito ruim, tanto física, quanto psicológico eu conheci o espiritismo, eu passei a frequentar, e toda vez que eu ia, porque lá tem uma palestra, parecia que a palestra era para mim, eu falava: “Não é possível, esses caras estão me fazendo algum trote”, é um amigo meu que frequenta e ele falou, vai lá, e ele é um amigo meu desde criança, “Vai lá”, e eu ia e eu falava, não é possível, esse pessoal está de marcação comigo, e lá eu comecei a ver, falei, opa, espere aí, eu faço isso, e não é legal, e com o tempo eu não deixei de ir, então acho que faz uns cinco anos que eu vou, e foi aí que me mudou, porque eu tenho formação católica, fiz catecismo, sou batizado na igreja católica, só que o espiritismo meu ensinou a mecânica da vida, as engrenagens da vida, como funcionam as coisas na vida, e que eu comecei a mudar, troquei peças, digamos assim, por isso que hoje eu consigo lidar com as dificuldades, as dores, as perdas, os descaminhos para o bem, então eu não pego mais nada, antes não, aquilo me pesava, me prejudicava, me atrapalhava, e hoje eu sei lidar, eu sei como funciona,
e a dermatite atópica é uma parte disso, muito infeliz, na verdade, então é a pior coisa que você pode ter, ela é tipo uma bipolaridade na doença, porque tem dia que não parece que você tem, dali a pouco você acorda e está todo estropiado, todo vermelho, a mão arrebentada, e dói, você fica latejando e arde porque coça, e incomoda, te dá uma avaria física, estética, você sai na rua está com uma cara parece que foi atropelado, passaram um ferro na sua cara, bateram em você, é difícil, é muito difícil, as pessoas olham daquele jeito, às vezes o seu rosto descama, sua mão, seu braço, uma época eu fazia academia quando eu comecei a treinar musculação, era calor e eu tinha que ir de calça, porque minha perna estava toda destruída, jamais que eu... não dava para usar bermuda.
P/1 - Mas você sentia constrangimento?
R - É muito constrangedor, a dermatite atópica afeta muito a sua autoestima, ela acaba, às vezes, com você, você perde a vontade de sair, se tem piscina, não dá para você usar roupa de praia, então é muito difícil.
P/1 - Pelos outros?
R - É inevitável, você está ali com uma deformação no corpo, às vezes você fica inchado, você está com um arranhão, com um corte, então dificilmente você vai chegar perto de uma pessoa, cortado, as pessoas não sabem, também, o que é, é natural, você frequentar uma piscina com uma pessoa cheia de machucado, aquilo às vezes, no culto popular, pega, transmite, ou pode até ser da pessoa que está com a dermatite pode pegar alguma coisa, porque ela está com a ferida exposta, aberta, então ela mexe muito com você, se você não tiver a cabeça no lugar, até para quem tem, hoje eu me considero uma pessoa que tem a cabeça no lugar, tem dias que eu me sinto acabado, é muito ruim, mesmo.
P/1 - Cansa?
R - Como assim?
P/1 - Você falou que se sente acabado.
R - Não, acabado na sua autoestima, por exemplo, eu sou solteiro, tem dias que eu falo, não é possível, aí você melhoria, hoje está bom, mas de uma forma geral, para quem, por exemplo, é mulher, e nessa época no Brasil faz calor o dia inteiro, quer usar uma saia, ou uma blusa mais curta, mulher, precisa disso, tem unha comprida, deve sofrer muito, de não poder usar uma roupa mais adequada, e outra, a mulher tem um apego estético muito maior do que o homem, o homem dane-se, qualquer coisa está bom...
P/1 - Só fala um pouco, você falou do espiritismo, que você entendeu a engrenagem, ou mudou peça, fala, ilustra, para a gente entender, bem resumidamente.
R - Basicamente, o espiritismo trata do que as outras religiões tratam, ele fala a mesma coisa, é uma corrente cristã, acredita em Jesus Cristo, em linhas gerais é isso, só que ele fala o que você pergunta, o que você precisa saber, as outras religiões, não, eles chegam em um ponto e criam uma limitação.
P/1 - E para você, o que eles responderam?
R - Ele mostra para você qual é a razão de a sua vida ser o que é, o porquê da pessoa difícil na sua vida, o porquê você às vezes nasce com uma deformidade física, que é o meu caso, por exemplo, a dermatite atópica, às vezes, me deforma, existe uma razão para isso, você tem razão para você ficar ou não ficar com alguém, o que acontece quando uma pessoa que você gosta muito morre, só que de forma muito clara, como é você na sua casa, do seu trabalho, na sua vida, como funcionam os aspectos de ser ou não bem sucedido, é a única corrente que fala diretamente para você, então te ensina a lidar com tudo o que te acontece, com as coisas boas e ruins e você vê que nada é realmente ruim, então você nunca mais é aquela pilha, eu era revoltado, você nunca mais se revolta, ao invés de achar ruim, você agradece, tem gente que fala, meu Deus, aconteceu uma coisa absurda na sua vida e você agradece, claro, por isso, porque lá é um mix, digamos assim, de religião com filosofia e ciência, que é a nossa vida aqui, a vida material são essas três coisas, então se eu sou uma pessoa boa, hoje, eu devo isso ao espiritismo, e lógico, eu ainda estou aprendendo, eu tenho um longo caminho pela frente.
P/1 - Só vou voltar, você falou que tratava com uma médica, como alergia, ficou quatro anos, praticamente?
R - Ela era dermatologista, ela não era especialista, só que eu não conseguia uma consulta com esse meu médico, não acha, você consegue para depois de seis, sete, oito meses, mesmo pagando, e um dia eu consegui, na verdade, minha ex me ligou, do nada, e falou: “Eu consegui uma consulta para você no Doutor Martin”, agora aquele rapaz vai ver, seis, sete, oito meses, o que ele acha que é, e eu consegui, mas no caso dela foi difícil, e ela é famosa, é uma das dermatologistas mais famosas de Sorocaba, mas não é especialista em alergia.
P/1 - Eu sei, mas só para chegar até aqui, você fez o tratamento só com que ela?
R - Antes do Doutor Martti, eu só tinha ido nela, eu fui depois dela em um cara, mas ele é péssimo, Jesus amado, foi uma da coisas... eu achava até engraçado de tão que ele era, e ele era especialista em alergia, eu pagava, não era convênio, ele me falou umas coisas absurdas, eu acho até chato, eu não vou falar, mas e fui um dia com um corte na mão, eu falei: “Doutor fulano, minha mão toda cortada”, eu não sabia o que era, ele: “Passa sebo de carneiro”, falei é o Doutor Chico Bento esse daqui, se for para eu passar sebo eu não vou pagar o médico, eu quero saber o que é, o porquê, eu quero que ele me explique se tem remédio, ou se não tem remédio, quando vai ser, se é só uma vez, ou se é toda hora, então foi um absurdo, o engraçado é que nesse cara, olha como são as coisas, nesse Doutor Chico Bento que eu encontrei o meu amigo do Centro Espírita, ele estava na clínica para passar com a filha do cara, do Doutor Bento, vamos chamar assim, e ele falou, vai lá um dia, talvez a função dele tenha sido essa, porque de médico, mesmo, zero, e teve outras coisas mais absurdas que ele me falou, remédio que ele me passou, que não dá nem para comentar, em off, talvez, também não sei, se eu tiver coragem, e eu consegui com o Doutor Martin, e ficou legal, porque ele te explica, te dá um material impresso para você ler, te manda e-mail, você manda WhatsApp para ele: “Posso comer tal coisa?”, por exemplo, eu me machuco muito no treino, já me machuquei muito, tem um remédio novo, posso tomar? Eu mando e ele fala esse pode, esse não pode.
P/1 - Ele pede para você deixar de fazer alguma coisa?
R - Sim, eu fiz o teste de alergia, farinha, por exemplo, é uma coisa que eu consumo pouco, hoje eu consumo mais, mas no começo ele escreveu no papel, sem farinha e me pôs na cara, igual essa claquete, então eu fiquei um tempão sem nem olhar para farinha, e ele não gosta que eu fume, ele me xinga tanto, e hoje eu não fumo mais, mas eu fumei, eu sempre gostei de fumar, e um dia eu estava no Shopping, olha isso, com a minha noiva, eu estava andando com ela no Shopping eu escuto um cara gritar, porque ele fala gritando: “Cadê?”, ele com a mulher dele, gritando: “Dá isso aqui”, começou a me apertar no meio do Shopping, “Eu vou jogar esse cigarro fora, você vai parar de fumar essa porra”, eu: “Você está doido, rapaz”, “Eu sei que você está fumando”, ele falava assim, falei: “Mas hoje eu não fumei”, “Não interessa, não é para fumar”, ele detesta, porque parece que a dermatite, não só a dermatite, mas o cigarro faz eu acelerar os efeitos negativos que tem, talvez por conta, não sei se dá dermatite, eu sei que ele odeia, me xinga muito.
P/1 - Beber pode?
R - Graças a Deus.
P/1 - Cerveja?
R - É bom, não é.
P/1 - Sem farinha, sem trigo.
R - Apesar de eu gostar muito da cultura Alemã, cerveja de trigo só de vez em quando.
P/1 -
A gente já está quase terminando, quando ele falou para você que era, explicou tudo o que era, qual foi a sua reação, quando ele disse que não era alergia, que é anti-imune?
R - Estranho porque é difícil você estar bem a vida inteira, e de repente você começa a descarrilhar, porque a dermatite atópica é muito forte, hoje eu me acostumo, tem alguns pontos, por exemplo que eu acho que traz vantagens à longo prazo, porque você é obrigado a se cuidar mais, e como eu tive a sorte de ser alérgico a farinha de trigo, então você tem, ou você se cuida, ou você não existe, não tem como, mas é muito difícil você viver em uma restrição e se policiar no emocional, também.
P/1 - Mas quando ele te explicou o que era, que era uma característica da sua composição.
R - Leva um tempo para você entender, e ela é uma doença que em cada pessoa tem uma intensidade, na minha família tenho um tio que tem, e nele começou a manifestar agora, ele está com quase 60 anos, agora ficou bem evidente, então funciona de forma particular, eu acho, mas lidar com ela é muito difícil porque ela oscila, por em um belo dia você está feliz, e irrita, fica latejando, você fica mais quente, com o corpo quente, é muito ruim quando você está em uma crise, mesmo, e o seu aspecto é diferente, a cor da sua pele, hoje, por exemplo, a minha mão está bastante, é o lugar que mais está, no braço, na perna, não, mas já teve tempo da minha perna estar um absurdo, você olhava e se espantava mesmo.
P/1 - Vamos falar bem rapidinho, porque a gente já está terminando, do seu gosto pela cultura Alemã, e você está com planos?
R - Há um tempo atrás eu estudei Alemão, não sei por que, mas eu sempre gostei e aconteceu da minha melhor amiga se casar com um Alemão, conheceu um Alemão em Londres,
e eu fique amigo dele, também, então ela é minha melhor amiga, casou com o Alemão, eu sou amigo dele, e eu acabei indo visitá-los ano passado, eu ainda lembro falar um pouco e vou voltar a estudar agora, daqui a um mês, eu quero estudar, mesmo, mas eu gosto muito, da língua, da comida, da cerveja, tudo deles é admirável, eu acho que a gente tem que espelhar em quem é bom, na vida, para tudo o que a gente faz, no trabalho, nas relações, e ele eu acho que são excelentes exemplos, então por isso eu me interesso cada vez mais, na verdade.
P/1 - A gente está terminando, se você quiser falar dos aprendizados a partir da dermatite, dessa convivência, se tem alguma coisa que eu não perguntei e você quer deixar registrado, ou os dois.
R - Na verdade não, eu quero, na verdade, deixar os meus agradecimentos a minha família, porque a família tem que se adequar, também, porque você tem restrição alimentícia, não e um trabalho só seu, e sempre você tem alguém para ajudar, é bom, e nesses tempos eu tenho pensado a respeito, e se eu não tivesse dermatite? Eu acho que ela vem ensinar muita coisa, você dar valor para os eu corpo, não só estético, no sentido, de beleza, mas no sentido de funcionalidade, você chegar na sua casa, olhar para o seu corpo e ver que ele está sem nenhuma mancha, corte, que não está doendo, e que tem gente que vive isso a vida inteira, e que daria tudo para simplesmente passar a mão no seu corpo e ter uma pele normal, gente, isso é muito doido, é uma diferença muito grande, se um dia eu consegui deixar de ter, eu acho que vai ter ficado uma lição muito grande, eu vou dar valor para cada pedaço normal e macio da pele, tipo assim, hoje essa parte está, eu olho e falo, que legal, isso é bom, você dá muito valor, e ninguém está nem aí, o pessoal está pouco ligando, então eu acho que ela vem dar uma lição, e eu acho que as pessoas deveriam olhar por esse lado, tudo tem a sua função, e ela, das doenças, de uma forma geral, às vezes, você passa uma vida inteira e nem repara em coisas que poderiam te fazer falta, e fazem e eu agradeço também pelo o meu caso não ser um dos piores, poderia ser pior, Graças a Deus que não é, está bom assim.
P/1 - E o que você achou de contar essa história aqui, agora?
R - Eu gosto de conversar, na verdade, dessa mesma forma, livre, sobre todos os assuntos, nunca me importei de conversar com ninguém, eu acho legal, talvez devesse existir mais iniciativa, coisas mais locais, mesmo, por exemplo, a comunidade de tal cidade médica, fazer um apanhado, e os pacientes, para outros pacientes virem o que você passa, ou outro fulano passa, porque você está na rua, anda entre as pessoas, e faz falta uma troca de experiência. Eu tenho muitos amigos, graças a Deus, a gente divide, mas eu não conheço ninguém que tenha, podia fazer um grupo Associação dos Dermatites Atópicos Futebol Clube, sei lá.
P/1 - Você iria achar bom, ou não?
R - Sei lá, seria legal, fazer um time, quem tem asma pega os dermatites atópicos, seria legal, um duelo, não sei, mas coisas assim da paz, sem violência.
P/1 - Você quer fazer alguma?
M: Eu tenho uma.
P/1 - Só uma que eu fico na minha cabeça, está passando o tempo, quando você voltou para trabalhar na fábrica que o seu pai montou, ele teve alguma reação, você lembra dele falando, ou não, foi indiferente?
R - Ele nunca se intermeteu nas minhas coisas, nunca, sempre deixou tudo à meu critério, nada aparente, mas ele deve ter achado legal, no fundo, eu acho que sim, porque eu acho assim, meio que a gente criou uma bandeira da família, com o nome, e não é em todo lugar que você vê isso, é legal você trabalhar defendendo a sua bandeira e são poucas pessoas que têm esse privilégio, ele deve ter sentido sim, porque eu pus o nome dele, então, pelo menos, legal eu espero que ele tenha achado, não gostou muito, mas pelo menos achar legal.
P/1 - Hidalgo.
R - É o sobrenome, mas o chamavam assim.
P/1 - Fala você o nome dele.
R - Hidalgo, chamam ele de Seu Hidalgo.
P/1 - E a empresa é na casa em que sua mãe mora?
R - Por enquanto é porque a gente atende delivery, a gente não tem loja, uma parte da casa funciona a produção, a gente recebe os pedidos e entrega, mas com o tempo muita gente passou a ir buscar, mesmo não tendo loja, nada, passou a ir, mas em breve a gente vai também trabalhar com essa parte de venda.
M: Ao longo desse projeto, que foram 25 entrevistas, depoimentos, a gente viu que muitas pessoas, muitos atópicos deixaram de praticar esporte, ir para a academia, se isolaram bastante dentro do seu espaço, e na sua história a gente vê o quanto também o esporte é importante na sua vida, a minha pergunta, que na verdade é mais um pedido, o que você falaria para os atópicos que estão mais isolados, dentro do seu espaço, que incentivo você daria em relação ao esporte?
R - Na verdade, comigo foi o contrário, eu passei a ir mais para
academia, eu conheci o Jiu Jitsu por brincadeira, porque eu tinha feito o Judô, eu fui me matricular na musculação, e eu tinha o Quimono e não tinha a luta que eu queria que era o Jiu Jitsu, eu falei: “Vou lá e ou bater nesse cara amanhã, é isso que eu quero fazer”, e eu me apaixonei desde o primeiro dia, porque eu fumava, e eu parei de fumar depois do primeiro treino, e começou, porque o esporte, principalmente a luta, você cria uma família nele, você não vai só para a luta, ou só para a musculação, ou se for dança, o que quer que seja, eu digo o contrário, quem tem a dermatite atópica que vá praticar atividade, porque ela ajuda, já que você fica tão desmoralizado com a sua imagem estética, o esporte ajuda você a compensar, por exemplo, eu tenho amigos, hoje, que fisicamente estão péssimos, e eu olho e falo: “Cara, eu tenho dermatite atópica e eu estou melhor do que você”, por causa do esporte, então é bom para a cabeça, para o corpo, para a alma, para tudo, é o contrário, aquele que não pratica, que procure uma atividade, não precisa ser luta, eu recomendo o Jiu Jitsu que é a melhor que tem, mas tem outras lutas, você tem hoje em dia Crossfit, mulher gosta de dançar, eu faço musculação, basicamente, todo dia que dá eu vou na musculação para manter o corpo mais forte, porque você não consegue combater uma doença com um corpo fragilizado, o remédio é remédio, mas o seu corpo precisa sim, se eu puder deixar, eu sempre falo que
minha vida nunca foi exemplo para ninguém, vocês já devem ter uma ideia básica, mas o pouco que eu puder, é isso, pratique uma atividade, cuide do corpo, que vai estar cuidando também da cabeça e do espírito, tomem remédio, porque ninguém sara por gostar da espiritualidade, a espiritualidade não pode fazer mágica para ninguém, tome o remedinho, procure um médico bom, antenado, o meu graças a Deus viaja o mundo e traz o que tem de mais novo, e a gente é do interior, então busque um bom profissional, uma saúde física, mental, tome remédio, e cerveja também faz bem.
P/1 - Você quer fechar, falar alguma coisa?
R - Não, quero agradecer, foi legal conhecer vocês, a equipe, o projeto, a ideia, e podem contar comigo, se tiver outros projetos, também, eu espero, também dar um depoimento sem dermatite atópica com o remédio, e só contar as minhas besteiras da vida, mas agradeço muito e que outras possam surgir, outras organizações, ou que isso se torne, mesmo, um programa social, vamos dizer, porque muitas vezes o programa social é associado a coisas materiais, você dar coisas para o povo, mas muitas vezes a interação entre o povo é algo que não existe, quando existe, muitas vezes é conflituosa, e compartilhar experiência, principalmente quando traz um baque, como é uma doença, eu acho que seria... quem sabe um dia a gente chega lá, mas agradeço muito, muito obrigado.
P/1 - Obrigada, parabéns para você, pela sua história, agradeço por você ter compartilhado com a gente.
R - Imagina, que isso.
P/1 - Seu bom humor é muito interessante.
R - Isso não dá para tirar, corrigir, não, o bom humor é a chave da nossa caminhada.
P/1 - Obrigada.
R - Obrigado eu.
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