P/1 – Francisco, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Quero agradecê-lo por nos ceder o seu tempo, que é muito importante. Estamos aqui para escutarmos a sua história, vai ser um bate-papo bem tranquilo. Para começar, eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, o local e a data do seu...Continuar leitura
P/1 – Francisco, boa tarde.
R – Boa tarde.
P/1 – Quero agradecê-lo por nos ceder o seu tempo, que é muito importante. Estamos aqui para escutarmos a sua história, vai ser um bate-papo bem tranquilo. Para começar, eu queria que o senhor falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Meu nome é Francisco de Assis da Silva. Moro aqui na Fazenda Forquilha, município de Siupé. Viemos da área da siderúrgica para trabalhar aqui na terra.
P/1 – Quando o senhor nasceu?
R – Espera aí. Eu tenho 55 anos. Nasci em 10 de abril de 1959.
P/1 – Onde o senhor nasceu?
R – Em Gregório, lá na área da siderúrgica.
P/1 – Tudo bem, chegaremos à siderúrgica agorinha. Qual o nome dos seus pais?
R – O apelido era Otávio, mas o nome dele era Deodato Pereira da Silva.
P/1 – E o da sua mãe?
R – Era Maria da Conceição.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Tenho.
P/1 – São quantos?
R – Ao todo eram nove. Morreu uma, ficaram oito.
P/1 – Assim, nessa escadinha, qual lugar em que o senhor ficava?
R – Eu sou encostado nos mais novos.
P/1 – O senhor sabe alguma coisa da origem da sua família? Onde e como os seus pais se conheceram?
R – Não sei. Porque eles nunca nos passaram isso. Meu pai dizia que era do Engenho Velho, que eu também não conheci. E a minha mãe era lá da Paraíba. Também não sei aonde era.
P/1 – E você e os seus irmãos nasceram nessa mesma localidade?
R – Sim.
P/1 – O senhor lembra como era a casa?
R – Lembro-me da casa que morávamos com o meu pai. Ela era uma casinha de taipa, coberta com palha de coqueiro. As paredes também eram cobertas de palha de coqueiro, feitas com palha virada. Morávamos desse jeito.
P/1 – O senhor sabe dizer quantos cômodos tinha a casa?
R – Uns três cômodos, mais ou menos.
P/1 – Como era a cama?
R – Não tinha cama. Era só rede mesmo. Cama era muito difícil.
P/1 – E como era dormir na rede?
R – Dormia. Cada menino dormia na sua redinha. O casal também tinha, cada qual numa rede.
P/1 – Como era conviver junto a tantas crianças?
R – As crianças arengam um pouco, mas logo ficam bem. Era desse jeito. Uns arengavam mas, aí, o velho ralhava com um e, logo já estavam todos unidos. “Cada um vai fazer um serviço para deixar de arengar”. Era desse jeito que o meu pai nos criava.
P/1 – Que tipo de serviço se fazia para parar a briga?
R – Uns iam varrer um terreno, outros iam buscar uma água, outros iam varrer a casa. Os maiores iam trabalhar na roça. Era desse jeito que vivíamos.
P/1 – Como era o seu pai dentro de casa?
R – Meu pai era uma excelente pessoa. Quando ele ralhava com um, ninguém fazia o que estava fazendo mais.
P/1 – E a sua mãe?
R – Minha mãe era do mesmo jeito. Era também boa demais para nós. Ela não deixava o pai nos bater.
P/1 – Como que era a vida deles? Com o que os seus pais trabalhavam?
R – Meu pai trabalhava na roça. Ele nos criou trabalhando na roça.
P/1 – O senhor lembra o que ele plantava?
R – Lembro. Ele plantava maniva, o feijão, o milho, a batata-doce, o maxixe, o jerimum.
P/1 – Isso era para o consumo ou ele também vendia o que sobrava?
R – Sim. Nessa época ele plantava, vendia uma parte para comprar outros tipos de alimento que não tínhamos.
P/1 – E a sua mãe?
R – A minha mãe trabalhava batendo roupa aqui e acolá, fazendo faxina para um e para outro. No final de semana é que eles ficavam mais dentro de casa conosco. A maioria do tempo era só, pois ele saía de manhã para trabalhar e a minha mãe também saía para o outro lado. Não eram todos os dias, mas quase todos.
P/1 – E como era o final de semana?
R – No final de semana eles ficavam dentro de casa. A partir de segunda-feira recomeçava do mesmo jeito.
P/1 – E o que tinha de diferente no final de semana?
R – Não tinha quase nada diferente. Na semana era quase a mesma coisa de sábado.
P/1 – E como que era o cotidiano dentro da casa nessa situação? O seu pai saía muito cedo para ir trabalhar e sua mãe sempre também.
R – Ele saía cedo, às seis horas da manhã e, às vezes, chegava cinco ou seis horas da tarde, dependendo do serviço que ele estava fazendo.
P/1 – E quem preparava o alimento de vocês?
R – Tinha as minhas irmãs mais velhas que iam preparando o almoço e o jantar.
P/1 – E como que era esse alimento? Como era o café-da-manhã, almoço e jantar?
R – Era um pão de milho ou uma tapioca feita no caco, a caçarola. Comíamos aquele café de manhã e seguíamos em frente. Ao meio dia tinha o almoço, o feijão, um arroz, um pedaço de galinha, frango. No dia que não tinha, comia o feijão com arroz até aparecer outra coisa.
P/1 – O senhor falou que criança junto sempre arruma uma arenga. Vocês tinham convivência com os vizinhos no entorno?
R – Sim. Tinha uns vizinhos, mas não era muito perto. Era uns 200 ou 300 metros de uma casa para outra. Não era muito pertinho. Nesse tempo tinha pouca gente no local em que morávamos. Hoje já tem muito. O pouco que tinha era mais afastado. Não era conjugado com ninguém.
P/1 – E você tinha amigos de brincadeira?
R – Tinha.
P/1 – Você se lembra das brincadeiras daquela época?
R – Lembro, mas não era muito fácil de ver gente brincando, porque o tempo não dava para viver brincando. De tardezinha, perto das quatro e meia, cinco horas, íamos bater uma bolinha por ali. Passávamos aquela temporada, dois, três dias – no domingo, no final de semana, brincávamos de novo. Era assim.
P/1 –O senhor gostava de jogar bola?
R – Quando eu era mais jovem eu gostava de brincar de bolinha. Mas era só para brincar mesmo, ninguém ia para algum time de fora.
P/1 – Por que você não frequentou a escola?
R – Nessa época, o pai do aluno tinha que pagar uma mixaria para aquela professora ensinar o seu filho. E era muito longe. O meu pai nunca foi de colocar filho na escola. Vivíamos trabalhando.
P/1 – Algum dos seus irmãos teve a oportunidade de estudar?
R – Nenhum. Algum aprendeu a fazer o nome, mas foi depois, por conta própria, já velho. Na infância não teve nenhum que estudasse.
P/1 – Você se lembra de como que eram as festas nessa comunidade?
R – Nesse tempo não tinha uma comunidade como nós vivemos hoje aqui. Morávamos nas terras dos outros, daqueles que tinham mais condições e que nos davam a terra para morar e plantar. Ninguém tinha terra nessa época.
P/1 – E como era o período que suspendia o trabalho? Tinha alguma festa de santo?
R – Tinha as festas de final de ano. Tinha no mês de outubro, outra no mês de maio.
P/1 – O senhor se lembra de uma festa dessa que tenha marcado a sua memória?
R – Lembro de muitas.
P/1 – Conte-nos um pouco.
R – Lá onde eu morava, juntávamos umas dez, 15 pessoas. Começavam as novenas de maio – de primeiro ao derradeiro dia de maio. Era uma festa normal. Era muito longe de onde morávamos, mas íamos à pé. Não tinha transporte para ir. Juntava aquela turma e ia. Ficávamos até quando terminava a novena e começavam as festas. Demorávamos um pouquinho e, depois, íamos embora, porque no outro dia tinha que trabalhar. Não tinha tempo de ficar até o fim.
P/1 – E o que tinha de bom nessas festas?
R – Tinha muita coisa.
P/1 – Como assim?
R – Tinham as bancas. As meninas eram doidas por essas coisas. Pedíamos para aquelas pessoas comprarem os brinquedos e trazíamos. No dia seguinte já não tinha nenhum. Destruía logo. Íamos às festas por causa da animação.
P/1 – Tinha dança?
R – Sim.
P/1 – O senhor dançava?
R – Não. Eu nunca gostei muito de dança.
P/1 – Tinha alguém na sua família que dançava?
R – Dançavam.
P/1 – Quem?
R – As minhas irmãs e os meus irmãos. A maioria deles gostava de festa. Ainda hoje tem um irmão, o mais velho, que ainda gosta de festa. Mas eu não. Eu gostava de ir só para ver a animação, mas não participava muito da dança.
P/1 – Como era a relação dos seus pais com as festas?
R – O meu pai não gostava muito de festa. Ele ralhava conosco porque íamos às festas. Às vezes, tínhamos que ir escondidos. Quando chegava tinha uma bronca danada, porque íamos sem pedir à ele. Os mais velhos não pediam e quando os mais novos pediam ele dizia: “Não vai para cantinho hoje”. Fazer o quê? Nos aquietávamos por ali mesmo. Nem ficava tentando.
P/1 – Como é que começou essas coisas de namoro?
R – Víamos aquelas meninas no terço. Eu ficava por ali. Era meio besta, mas sempre elas ficavam ali.
Íamos levando o negócio já. Dava melhor. Só que quando os pais da gente sabiam, o negócio nesse tempo não era muito fácil pra gente ficar assim, que hoje é muito diferente, mas de primeiro não. Aí quando a irmã da gente estava namorando um cara, o pai dizia: “Vai para dentro. Quem quiser namorar, que namore na minha frente”. O caboclo ficava logo cabreiro e se demorava pouco por ali. Eram duas, três vezes, na quarta ele já sabia que o velho era meio duro e, então, ele não ficava. Era desse jeito.
P/1 – E o senhor se lembra da primeira namorada?
R – Lembro. A primeira namorada foi um pouco difícil de chegar até ela, porque eu era meio encabulado. Conversamos e namoramos por um bom tempo - uns dois anos.
P/1 – Ela também morava perto?
R – Não era muito pertinho, mais ou mesmo uns dois ou três quilômetros. Mas dava certo.
P/1 – E como era o namoro naquela época?
R – O namoro era meio diferente. Não era como hoje em dia. Não tinha muita pegada. Hoje, os cabras colocam quente mesmo. Os velhos não eram muito bestas assim... Hoje em dia o pessoal não liga. Hoje em dia é difícil um pai e uma mãe combater um filho ou uma filha. Antigamente, o pessoal mais velho tinha moral com as pessoas mais novas.
P/1 – Você falou que tinha uns “cabras” que iam à sua casa e o seu pai...
R – Sim. Ele ia duas, três vezes, e o pai sempre combatia as meninas lá em casa. Ficava chato e o velho meio aborrecido. “Não. Não dá mais certo.” Ela deixava, arranjava outro, até que enfim casava.
P/1 – Mas como é que o senhor conseguiu ficar namorando dois anos com a moça lá?
R – Namorava escondido.
P/1 – Como era o nome dela?
R – Era a Nezinha. Era minha prima. Era quase escondido. O velho tomava uma pinga, estávamos ali e começava a dizer as coisas, passava umas piadinhas e tal. Ficava por ali, meio de longe, afastado, um longe do outro, só para disfarçar e dizer que não estava namorando. Quando o velho estava bom era um pouco diferente. Eu frequentava de novo para sairmos juntos.
P/1 – Teve alguma situação diferente que o senhor teve que fazer para encontrar a sua namorada?
R – Não. Quando marcávamos um encontro numa festa, na novena, às vezes eles não deixavam.
P/1 – E como é que marcava encontro naquela época?
R – Dava-se um jeito. Eu falava com ela. Às vezes por um pai ou por uma mãe. Era mais pela mãe, porque as mães sempre quebravam o galho do filho melhor. Aí a gente ia, mas muitas vezes não dava certo, não.
P/1 – E o senhor namorou só escondido essa moça, quando é que o senhor casou?
R – Eu não casei com ela, não.
P/1 – Mas assim, e quando é que o senhor foi arrumar um namoro mais duradouro?
R – Eu tinha 21 anos. Eu tinha 21 anos justamente com essa mulher que ainda vivo ainda hoje.
P/1 – E como é que vocês se encontraram? Como é que foi isso?
R – Essa… Essa que eu vivo casado com ela? Essa ela morava perto lá de casa, aí foi embora pra cidade um tempo. A gente que quando era mais criança queria se gostar, mas nunca deu certo. Depois de 21 anos eu fui, cheguei até ela e arranjei esse namoro com ela e casei com ela. Hoje ela ainda é minha esposa ainda. É a mãe dos meus filhos.
P/1 – Certo. O senhor falou que sempre trabalhou. Nessa época também trabalhava?
R – Trabalhava. Toda vida trabalhei. Desde a idade sete anos, oito anos que eu só faço trabalhar.
P/1 – E quando se casou saiu da casa dos pais?
R – Foi.
P/1 – Como é que foi essa mudança?
R – Quando eu me casei eu passei uns seis meses morando mais o pai dela. Ele era muito bom pra mim e eu também pra ele. Fizemos de tudo para ver se dava certo. Graças a Deus, tudo deu certo. Após seis ou sete meses, eu fiz um barraco e entrei debaixo. Nasceu o meu primeiro filho, uma menina. Tocamos para frente. Eu trabalhava e ela também.
P/1 – Ela também trabalhava?
R – Ela trabalhava na mesma casa em que eu.
P/1 – Que era uma fazenda?
R – Era uma fazenda. Lá tinha fazenda, tinha casa de fornalha. Você já ouviu falar em casa de fornalha? Não? Um engenho onde se faz a rapadura. Morávamos no sítio.
P/1 – Como era o seu trabalho, o seu dia-a-dia lá?
R – Lá eu fazia vários tipos de serviço. Na roça eu faço tudo. Não tem serviço que eu não faça. Cortávamos e moíamos a cana para fazer a rapadura e vender. Tudo era para os nosso patrões. Trabalhávamos por diária.
P/1 – Como você faziam quando alguém ficava doente ou não estava muito bem?
R – Os patrões tinham um carro. Quando um filho estava doente ou nós mesmos, ele nos levava ao hospital.
P/1 – O senhor se lembra de alguma doença grave?
R – Não. Eu nunca passei por doença. Só fui ao hospital uma vez.
P/1 – Como é que foi isso?
R – Eu fui para o hospital, porque eu levei umas furadas.
P/1 – Como assim?
R – O cara me furou. O vizinho estava bêbado e, não sei o porquê - eu vivo sem saber o porquê daquilo. Cheguei de madrugada, eram cinco horas e eu ia trabalhar. Ele me esperou atrás de uma cerca e disse umas coisas comigo. “Mas eu não tenho nada a ver com a tua vida”. Ele estava bêbado. A única coisa que eu senti foi a faca em mim. Mas, nessa hora, Deus me ajudou. E, naquela hora, apareceram para me levar para o hospital. Hoje eu estou aqui.
P/1 – O senhor sempre trabalhou em fazenda?
R – Sempre trabalhei na roça.
P/1 – Como foi essa história da construção da siderúrgica? Como é que o senhor foi morar nesse lugar?
R – Nós começamos na casinha de palha lá.
P/1 – E isso era onde?
R – O nome de lá é Gregório. Hoje eu não sei como é que se chama, pois mudaram. Foi onde eu nasci e me criei. Em 2006 eles começaram a frequentar.
P/1 – Quem eram eles?
R – Foi em 1996, por aí. Era muita gente. Sabíamos o nome de alguns. Aí eles começaram a frequentar por lá e ninguém sabia o que era. Certo dia eu estava em casa, e o meu patrão chegou lá em casa atrás de mim com esses homens para darmos uma volta nos extremos das terras. Mas ninguém sabia o que era, nem o meu patrão. Ele pediu para eu dar uma volta com eles. “Eu vou”. Era três homens num carro. Perguntaram se eu queria dar uma volta nas terras e se eu sabia onde era. Eu sabia bastante de alguns, mas de outros, não. Muitas das terras estavam nos extremos e cada dono tinha os seus extremos. Fomos olhar o lado do meu patrão e, quando chegamos lá eu perguntei a eles o que aquilo significava. Ele disse: “Precisamos dar uma olhada por conta das escrituras da terra. É preciso saber como é que está”. Mas só que não era. Era o governo que estava precisando das áreas. Então, começou a partir daí. Começaram as reuniões e eles começaram a desapropriar as terras dos patrões. Ficamos para o final. Eles pagaram aqueles que iam saindo e os moradores ficaram até eles fazerem o assentamento para nos colocar.
P/1 – Nessa época, você já tinha o seu canto e trabalhava nas terras de alguém?
R – Eu trabalhava. Eu morava com o meu patrão, mas eles venderam o imóvel dele, que separou um cantinho, a casa, que já era minha mesmo, e os pés de árvore que eu tinha plantado, como os coqueiros, mangueiras, cajueiros. Ele separou e apontou a sua parte. O contador que andava com ele disse assim: “Por que você não coloca esse aí?” “Porque esse aqui não fui eu que plantei. Quem plantou foi o meu morador, então é dele, não é meu. A terra é minha, mas a casa e os plantios são dele”.
P/1 – O senhor falou que eles começaram a chegar de mansinho então.
R – Sim. Ninguém sabia de nada.
P/1 – E de repente começou a acontecer as reuniões. O senhor lembra-se do que se falava nessas reuniões?
R – Era muita coisa. Lembro-me de algumas coisas, porque nunca lembramos do passado todo. Eles começaram a dizer que precisavam das áreas. Começamos a entender que eles precisavam das áreas, pois há dez anos eles tinham falado que o governo havia planejado o lugar para fazer a siderúrgica. O porto do Pecém já estava começando e, por conta disso, precisavam da área em que eu morava para fazer a siderúrgica. Mas eles não falaram quando seria e nem o porquê.
P/1 – E o que o senhor sentiu na hora que começou a entender que não poderia continuar por lá?
R – Sentimos que eles tinham que procurar uma melhora para nós, porque além de ficarmos sem ter onde morar, era a terra que todo mundo nasceu e criou seus filhos. Não poderiam deixar-nos jogados por lá. As terras não eram nossas, ninguém podia nem dizer nada, mas eles começaram a fazer as reuniões e prometeram que iam corrigir as terras que gostássemos para fazer os nossos assentamentos.
P/1 – E quando você veio pra cá?
R – Em 2006.
P/1 – E por que foi escolhido aqui?
R – Porque nós achamos o local melhor.
P/1 – Ah, foram vocês que escolheram?
R – Sim. Olhamos vários imóveis por aí afora, mas aqui foi o que achamos mais parecidos com o lugar onde morávamos. A terra da areia, terra de mato. Tiveram vários locais que ele nos mostrou, mas não gostávamos porque era sertão - e ninguém queria ir para o sertão. Os que tinham do sertão por aqui, que são do nosso meio, já vinham de lá pra cá. Mas ninguém queria ir para lá.
P/1 – Como você fazia para suspender o trabalho e ir à procura dessas terras? Como é que fazia isso?
R – Quando começaram a mexer a terra, eles não deixaram ninguém fazer mais o plantio. Aliás, os moradores podiam fazer, mas os donos não podiam fazer mais nada. Eles trataram de ajeitar a venda para logo pagá-los e, assim, saírem fora. Eles estavam precisando da área para fazer o desmatamento. Então, só sairíamos de lá quando tivéssemos os cantos já certos para irmos, com as casas feitas, só nos esperando chegar.
P/1 – Aí, escolheram e vieram pra cá em 2006.
R – Foi por aí. Acho que foi em 2006. Não estou bem lembrado, não.
P/1 – E como foi chegar aqui?
R – Eles vieram nos deixar aqui. A mudança foi feita pelo governo e ninguém pagou o frete de carro, nem nada. Tudo aqui foi por conta deles.
P/1 – Como foi morar em outro lugar depois de ter vivido bastante tempo...
R – Achamos muito estranho, ninguém gostou muito, mas fazer o que? Ninguém podia fazer nada. Tinha que ir para onde eles compraram para nós.
P/1 – Como é que o senhor organizou a sua vida depois que veio pra cá?
R – Eu ainda fiquei trabalhando um ano lá, porque tinha umas fábricas funcionando. Ficou um bocado de fábricas funcionando, fazendo o trabalho que nós fazíamos. De um ano pra cá, começamos a arranjar um serviço por aqui mais por perto e começamos a trabalhar nas terras e...
P/1 – Como é a sua vida hoje? O que o senhor faz?
R – A minha vida não mudou muita coisa, porque o trabalho que eu fazia, ainda continuo fazendo. Eu ainda não arranjei como mudar a minha vida.
P/1 – E o senhor quer mudar alguma coisa na sua vida?
R – Se Deus permitir, eu acharia bom.
P/1 – O que o senhor quer mudar na sua vida?
R – Eu não queria ser rico, mas eu queria arranjar uma condição de não trabalhar para ninguém. Porque viver trabalhando para os outros não aumenta nada.
P/1 – Para quem o senhor trabalha?
R – Hoje eu trabalho ainda para fora.
P/1 – Como é esse tipo de trabalho que o senhor faz?
R – Do mesmo jeito que eu fazia lá.
P/1 – O senhor trabalha plantando...
R – Eu trabalho na roça ainda, fazendo uma cerca, trabalhando de servente um dia quando a pessoa precisa; cavando uma terra pra pessoa, fazendo uma empreitada com um e com outro. É assim que eu vivo.
P/1 – O senhor tem quantos filhos?
R – Tenho cinco.
P/1 – Conte-nos um pouquinho deles.
R – Até hoje eu tenho os meus filhos. Eu levanto as mãos para o céu e dou graças a Deus que os meus filhos vivem conosco e numa boa. Graças a Deus, ninguém fez o que não presta. Eles hoje vivem na igreja e eu também. Estou vivendo com eles, satisfeito. Tem muitos filhos por aí que vivem dando desgosto para o pai. Tem um que mora bem aí e o outro que está fazendo a casinha acolá, do outro lado. Por enquanto ele está morando com a sogra dele. Tem três filhos aqui comigo. Comecei a criá-lo aos sete meses e faz dez anos que ele vive comigo. E tenho uma filha que é casada também. Tenho dois filhos casados. Ela se separou do pai desse meninozinho que eu crio, mas vive sempre na casinha dela. Graças a Deus, os meus filhos não me dão muito trabalho.
P/1 – Você falou que é casado. Qual o nome da sua esposa?
R – Margarida Mendes da Silva.
P/1 – Há quanto tempo vocês são casados?
R – Há uns 30 anos.
P/1 – O senhor falou que está aqui desde 2006. Tem alguma coisa que falta aqui na região que poderia melhorar?
R – Não queria tanto para mim como quero aos meus filhos, para eles viverem melhor.
P/1 – E o que poderia melhorar?
R – Um serviço para que, um dia, eles possam contar uma história de que um dia trabalhou e gostou.
P/1 – Seus filhos também trabalham na agricultura?
R – Não. Nenhum. Eles não gostam muito de trabalhar na agricultura. Eles trabalham em uma firma. Inclusive, hoje foi o primeiro dia de trabalho na firma. Graças a Deus. Ele já tinha trabalhado no posto. Completou 18 anos, arranjou uma vaga e saiu de lá, depois de uns cinco meses.
P/1 – O que ele faz?
R – Ele fez um curso de ajudante de eletricista.
P/1 – Com o quê os outros trabalham?
R – Aquele ali vive sem fazer nada, só estudando.
P/1 – O que ele estuda?
R – Esse negócio de estudo é o que eu não sei dizer bem, porque eu nunca estudei. Agora, ele está fazendo o segundo grau. Nesse ano, ele termina o estudo. Aí, vai ficar aguardando completar a idade para procurar um meio de vida.
P/1 – A sua família está em quantas casas na região?
R – Minha família tem essa em frente, que é da minha irmã. Os meus filhos moram aqui comigo.
P/1 – Como o senhor imagina que vai ficar essa região daqui alguns anos?
R – Eu não tenho nem imaginação de como é que vai ficar, porque cada vez mais vai crescer. Tanto cresce aqui onde eu moro, como vai gente de lá para cá também. Talvez, daqui há uns dez, 15 ou 20 anos esteja tudo emendado. Eu quero que seja assim. A cidade emenda uma com as outras. O mato e essas coisas estão se acabando. É só fábrica. Eles vão comprando tudo. Aquele pessoal que vem chegando de fora vai comprando, vão fazendo colégios, fábricas. Em pouco tempo está tudo completo.
P/1 – E no meio desse mundo que cresce tão rápido, que se conecta, o que o senhor quer pra si? O que o senhor deseja para a sua vida daqui pra frente?
R – Eu espero que seja uma vida melhor, porque já sofremos muito lá atrás. Agora está até bom, porque era muito mais crítico.
P/1 – Hoje é melhor?
R – É melhor. Muito melhor.
P/1 – Por quê?
R – Porque as coisas ficam mais fáceis. O transporte ficou mais fácil com a estrada. Lá onde morávamos não tinha isso, somente as estradinhas de areia. Era o maior sufoco do mundo. O caboclo não podia comprar nem uma bicicleta, porque não tinha... Só ia empurrando, porque era só estrada de areia.
P/1 – O senhor mostrou as duas roças. Conta um pouquinho delas.
R – Há três anos ninguém tem plantado quase nada. É pouca coisa, só para comermos um verdezinho. Mas não tem condição de render nada, porque não temos condições de gastar mais em terra. Ninguém tem dinheiro. O custo de vida é pouco. Tudo que se arranja só dá para os alimentos. Se for gastar na terra tem de tirar um ano, seis meses, oito meses. Quase não tem lucro.
P/1 – E o que o senhor planta na sua roça?
R – Eu planto feijão, milho, macaxeira.
P/1 – É tudo o senhor sozinho ou tem alguém que o ajuda?
R – Eu trabalho só. Algumas vezes, quando eu arranjo uns 100 ou 200 contos, pago dois ou três dias de serviço a uma pessoa. Mas eu trabalho só. Nem meus filhos trabalham comigo. Eu nunca os chamei para me ajudarem. Todos me ajudam um pouco, mas só que eles não gostam da roça.
P/1 – E o que o senhor acha disso?
R – Eu acho que eles tem que procurar um negócio melhor, porque, hoje em dia, não dá para se desenvolver na roça. Dá pra mim, porque eu já nasci fazendo isso. Eu não estranho nada, mas eles tem que procurar melhorar. Isso não tem futuro para eles. Se na nossa época fosse como hoje, eu também não queria. Eu vivo lutando na roça porque o meu pai criou-me assim, trabalhando na roça. E eu continuo. Isso é um patrimônio que o meu pai deixou para mim. Mas não tem esse futuro todo. Naquela época, tinha muita gente e todo mundo trabalhava. Mas hoje, não. O pessoal não precisa trabalhar mais em roça porque tem muita empresa por aí afora. O pessoal não vai querer trabalhar com isso. Querem ganhar o dinheiro deles, mas diferente. Eu não sei ler, não sei nada e continuo trabalhando. Eu vou escapando desse jeito. Graças a Deus, criei todos os meus filhos desse jeito e continuo. Eu trabalho na roça porque eu acho muito bonito. Eu acho bonito um plantio. Não tem esse futuro todo, mas eu acho bonito. Por isso, continuo trabalhando.
P/1 – O que o senhor mais bonito?
R – O plantio de roça, da maniva, do feijão, do milho. Quando eu chego em casa, às vezes, até um pouco meio estressado, com uma roça daquela eu já arranco um pé de mato no tronco e já começo a falar no meio das plantas. Isso me anima. Chego em casa mais tranquilo. Eu sou assim. É por isso que eu não deixo de plantar a roça: eu acho bonito, acho bom. Continuo pegando pesado na areia...
P/1 – Como é que é a questão da água aqui?
R – A água aqui é em poço. Cada casa dessa aqui tem um poço.
P/1 – Seu Francisco, estamos chegando ao final. Queria que o senhor falasse o que achou de ter contado a sua história hoje nessa tarde?
R – Eu achei maravilhoso conhecer pessoas que eu não conhecia. É um prazer vocês estarem aqui na minha casa e falando comigo.
P/1 – Agradecemos o senhor por abrir as portas da sua casa para nós.
R – Quando quiserem, estou aqui no ponto. O que eu puder contar, eu conto.
P/1 – Obrigado e parabéns pela sua história de vida.
R – Parabéns por vocês terem vindo me receber aqui na minha casa. Eu acho maravilhoso demais. Quando quiseram vir - a casa é pobre, mas recebe toda hora.
P/1 – Muito obrigado.Recolher