Projeto CSP
Depoimento de Ana Maria de Oliveira Barbosa
Entrevistada por Luiz Gustavo Lima
Caucaia, 31 de maio de 2014
Entrevista CSP_HV012_ Ana Maria de Oliveira Barbosa
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Dona Maria, eu queria agradecer a senhora por nos acolher dentro da sua casa.
Para começar, eu queria que a senhora falasse o seu nome completo.
R – Ana Maria de Oliveira Barbosa.
P/1 – Onde e quando a senhora nasceu?
R – Eu nasci num lugarejo que tem o nome de Olho D’água, em 06 de setembro de 1950.
P/1 – Onde fica esse Olho D’água?
R – Fica próximo a Catuana.
P/1 – Qual é o ano do seu nascimento e a data?
R – Cinquenta.
P/1 – Dia, mês e ano, qual é mesmo?
R – É seis do nove do 50.
P/1 – Cinquenta.
Qual é o nome dos seus pais?
R – João Inácio de Oliveira e Lucíola Torquato de Oliveira.
P/1 – São os pais que conceberam ou os pais que.
.
.
R – Eu fui adotada.
Os meus pais legítimos eram Francisco Bruno da Silva e Maria Mendes da Silva.
P/1 – E por quê que se deu essa adoção? Quando que se seu essa adoção?
R – Essa adoção se deu no dia 06 de setembro de 1950, na hora em que eu nasci.
Já estavam lá, já prontinhos pra trazer.
Essa adoção foi dada antes de eu vir ao mundo porque os meus pais que me adotaram eles não tiveram família, nunca tiveram família.
Dizem eles, porque eu vim saber de nove ano de idade.
Quando eu vim saber, na escola era engano e aí, foi, falaram pra mim.
Quando cheguei em casa, que falei à minha mãe, ela disse: “Eu não sei responder nada, mas você pergunte ao seu pai”.
Quando papai chegou do trabalho, eu fui e perguntei pra ele.
Ele disse: Olha, agora eu não posso lhe responder nada porque eu tô cansado, eu vou tomar banho, almoçar, depois eu lhe chamo e a gente conversa”.
Tudo bem.
Aí, quando ele terminou de almoçar foi, ele me chamou e disse: “Olhe, eu tenho você se tivesse dez filhos, você pra mim seria a primeira porque não existe maior amor do mundo bem que eu queira como você.
Porque eu lhe adotei, porque eu nunca tive família, então, eu criei você e tenho você até o resto da minha vida.
Só a morte nos separa”.
Eu também nunca fiz questão de perguntar a meus pais dos meus pais biológicos, não.
Nunca fiz questão.
Aí, conheci com nove ano de idade, fui criada junto com as minhas irmã, mas eu não sabia, com nove ano foi que eu vim saber.
Quando eu soube também eu não fiz questão de deixar de ajudar, porque até agora eu deixei de ajudar uns dois anos atrás, porque um faleceu, né? E ela tava morando mais a minha irmã, de ter companhia que ela possa ficar, que ela já está com quase 90 ano, precisa de alguém ao lado dela, então ela foi, que a casinha dela era ali vizinha à minha.
Os meus pais que me adotaram, só a morte nos separou.
Todos, porque o meu pai tá com 12 ano, né, Santinha? Tá com 12 ano e a minha mãe vai fazer 3 ano.
Só que eu tenho eles como tio mesmo, né, meus pais biológico.
Eu tenho eles, não quero ver eles sofrer, não quero ver ela passar por nenhuma dificuldade que eu não vejo nenhuma condição que eu possa ajudar, mas o que eu tenho aqui, é aqueles que me adotaram, os dois são, realmente, como que sejam como um tio meu, né?
P/1 – Mas como é que foi receber essa notícia aos nove anos de idade?
R – Arengando, né? Eu fiquei com raiva porque meu pai, meu pai mesmo, biológico, ele bebia muito.
Ele era assim muito.
.
.
R – Aí, ele era muito assim, de confusão, vamos dizer assim.
Aquele povo que sai de casa pra comprar as coisa pra dentro de casa, deixando necessidade e aí, não liga, vai pra um botequim, porque nessa época não era bar, era botequim, né? Vai gastar o dinheiro, vai beber e volta sem nada? E o meu pai que me adotou nunca fez isso.
Eu fui criada, graças a Deus, com meus pais pobre, nesse tempo podia ser, podia se dizer assim, mas com carinho, com amor e tendo tudo dentro de casa.
Nunca sofri dificuldade e as minhas irmãs sofria.
Então, eu não fiquei chateada porque eu ia passar pelo sofrimento das minhas irmã se eu tivesse lá, né? No fim, não me chocou muito, não.
P/1 – Então, da parte da família biológica, digamos assim, a senhora teve quantos irmãos?
R – Eu tenho 12 irmãos.
O mais velho foi achado morto aos 32 anos.
Mataram e eu não sei por que.
E o mais novo, no dia que tava fazendo 33 ano também, diz que um assaltante matou ele lá pra banda da Catuana.
Aí, ficou nove, né? Ao todo eram 12, ficou dez, né? Não, era 12 irmão.
Aí, faleceu dois, ficou dez.
Esses dez lá tudo com ela, né? Os nove tudo com eles lá.
P/1 – A senhora não cresceu no meio deles?
R – Não.
Nunca dormi uma noite lá.
Sempre eu ia visitar, sempre o meu pai e a minha mãe me levava, assim: “Vamos passar a tarde na casa do compadre Bruno, vamos passar a tarde na casa da comadre Maria”.
Mas como tia, realmente como tia, como qualquer um dissesse “Vamos pra ali, vamos passar o dia na casa de Fulano de tal”.
Eu não sabia.
Eu via que os meus pais ajudava muito eles, sobre a situação financeira, eles ajudavam muito, mas eu achava que era porque era questão mesmo de querer ajudar.
Mas quando cm nove ano que eu soube, eu também não fiquei muito chateada não, porque eu já tinha depositado todo o amor, todo o carinho, pros que eles tinham me adotado, não ia mais trocar.
P/1 – Entendi.
E a senhora sabe da origem da família, como é que os seus pais se conheceram e por que que eles tentaram constituir família? Como é que foi essa vontade.
R – O que? Os que me adotaram ou os outro?
P/1 – Aqueles que você julga ser os seus pais.
R – Eles dizem que era porque não tinha família, nunca tiveram filho aí, eles precisavam muito, no final da vida ter alguém pra olhar pra eles, pra acolher eles como realmente eu fiz.
Eu só não fiz mais, eu só não fiz mesmo porque Deus não quis, mas o que dependeu de mim, se fosse por mim eles ainda estariam vivo e eu estaria cuidando.
P/1 – E você sabe das histórias de como é que eles se conheceram? Eles contavam isso?
R – Não.
P/1 – Nunca ficou sabendo?
R – O que eu vi, antigamente, eles falarem é assim, que o povo mais velho, eles não eram como hoje.
Não se namorava, não iam à uma praia.
Para ir a uma novena ou a uma festa, tinha que levar alguém de maior na responsabilidade, com muito respeito, quando vinha entregar tudo, recebia como bem, como se fosse comigo.
Pra mim sair de casa, que eu ainda fui assim, eu tinha que ser acompanhada com alguém de responsabilidade, quando voltasse de volta ter alguém, tinha que deixar em casa.
Assim era a história que eu ouvia eles falar, né? E agora não, agora eles dizem assim: “Eu vou ali, tchau!”.
P/1 – Mas a gente vai chegar nas histórias da senhora mocinha.
Mas um pouquinho antes ainda vamos pensar que a senhora falou que nunca faltou nada na sua casa, apesar de todas as dificuldades.
Eu queria então que a senhora começasse a lembrar desse tempo da primeira casa, da primeira infância, como é que era essa casa?
R – A minha casa era dentro desse próprio terreno aqui, mas era longe, era lá no meio do terreno lá.
Era uma casa de taipa – uma casa de barro.
Casa muito grande com casa de farinha, muito assim, rodeada de alpendre como essa, mas eram aqueles paus, aquelas forquilha.
Um casa de farinha com muitos trabalhadores fazendo farinhada.
E o meu pai e a minha mãe tudo trabalhando e muitas pessoas antigas que já se foram, que não voltam mais, esse povo tudo trabalhava nessa casa de farinha, nessa moagem, tudinho.
Isso foi há 50 anos atrás.
P/1 – E como é que era essa vida? A senhora falou que nunca faltou nada, né? Como é que era a alimentação? Como é que era acordar, o dia? Como é que a senhora passava os dias na casa?
R – Antes não se falava pão.
Não tinha bolacha.
Era goma, aquelas tapioca, era o pão de milho.
Meu pai tinha muito gado, tinha porco, tinha ovelha.
Sobre essas dificuldades assim ninguém nunca passou porque quando ele queria ele matava, vendia, dava, e era assim.
Pra estudar, eu ia sabe pra onde? Daqui, de pés, lá da onde a gente morava ali? Eu ia pra mais longe da onde vocês vieram, lá dos Matões, de pés assim, num caminhozinho que tinha aqui por dentro.
Que, realmente, a minha professora antiga mesma, minha professora ela já vai fazer uns 90 ano já.
E ela me adora e eu adoro ela, porque eu agradeço muito hoje em dia eu saber de alguma coisa, porque aquele tempo botava o pé na parede: ou você aprende ou você fica, amanhã você tem que trazer por escrito ou trazer feito, assim bem rígida.
Pois isso, ainda agradeço ela hoje .
Não é como hoje, né, que um menino sai pra aula e ninguém sabe nem se foi.
Muitas vezes vão, que tem transporte na porta, pega na porta, desce na porta, pega os ônibus, vão pra Caucaia, sequer, nem na aula pensa.
Os pai, com toda confiança de que estão na aula, mas não estão.
E a gente não, tinha que ir e tinha que aprender.
E aprendia mesmo.
P/1 – E antes da escola, vamos pensar que a senhora já vivia a vida dentro dessa casa grande com a farinhada e também, eu acredito, que existiam outras crianças.
R – Existia, que era realmente essas que eu lhe falei que tinham ali - os meus vizinhos, que já eram vizinhos dos meus pais, que nasceram e se criaram por lá.
Não era no mesmo terreno, mas no vizinho.
O sítio dele, onde terminava o sítio do meu pai começava o deles.
Aí, era muita gente, era, acho que ela tinha uns 14 filho.
Todo mundo viveu junto, todo mundo trabalhou junto, estudava junto, crescemos juntos.
Aí, foi, o pai deles tiveram uma dificuldade, uma doença, tiveram necessidade de vender o sítio, foram embora pra Fortaleza e lá através dessa doença não teve mais jeito e a família ficou por lá.
Então, o quê que acontece? Nós nunca, assim, se separemos assim, nunca fomos ausente.
Sempre, às vezes, eu ia na casa deles, eles na minha casa.
E hoje em dia, eles tão tudo morando aqui vizinho, depois de muitos anos de afastado tá tudo aqui, dessas casa dali pra trás é deles.
P/1 – Mas como é que era, já que tinha tantas crianças, eu queria saber das brincadeiras da época, como é que eram as brincadeiras?
R – Ah! As brincadeira eram brincadeira de roda – de ficar rodando, pegando no braço do outro aqui, cantando; tinha uns anéis que se colocava no dedo.
Tinha.
.
.
que ficava atrás um do outro? Eu tô esquecida o nome agora.
Era muita brincadeira, muita brincadeira que hoje em dia ninguém usa, não vê nem falar, a gente nem sabe, não é, como era.
Mas era muita brincadeira importante ali, a gente brincava de noite, a lua clara, todo mundo se reunia assim no terreiro, cantava de roda, batia palma e fazia essa fila, aí ficava um atrás do outro, passava na frente do outro, eu esqueci o nome da brincadeira, agora tô esquecida.
P/1 – A senhora se lembra de alguma cantiga dessas que se cantava?
R – É disso que eu estou esquecida.
P/1 – Não se lembra de nenhuma cantiga?
R – Não me lembro, não.
P/1 – A senhora lembra como é que fazia quando as crianças ou quando qualquer pessoa ficava doente na época? Na época da fazenda?
R – Me lembro.
Eu me lembro porque não tinha médico e nem transporte, o pior de tudo era transporte.
Médico podia até ter em Fortaleza, alguns, mas o meu pai ainda na época era de ir pra Fortaleza de pés, ele ia lá pra Igreja da Sé, que fica no centro de Fortaleza.
E de pés eles iam pras casas de rezador, fazer um chá, o chá que muita gente ainda usa.
O gergelim, o eucalipto, o limão, alho, tudo era chá que as pessoa usava quando ficava doente.
Quando extraía um dente que dava hemorragia, às vezes, até furava uma bananeira aí, molhava bem molhadinho daquele leite da bananeira, botava onde tinha extraído o dente pra estancar o sangue.
Os medicamento que eu ouvia falar era esse assim.
Pessoas que tinha aquela doença que fica assim todo avermelhado, que chama, a erisipela né? Ali eles iam no mato, raspavam a jurema - tinha uma jurema preta, raspavam, raspavam bem muito.
Tirava uma lasca, botavam pra cozinhar, ficava aquele cafezão preto aí, lavava a perna, pegava umas folha grande que chamavam carrapateira.
Amarrava na perna para desinflamar.
Os medicamento que eu ouvia falar eram esses assim.
P/1 – A senhora lembra de alguém próximo que tenha ficado?
R – Lembro que o meu tio ainda é assim, ele já é bem velhinho, mas ele ainda é assim.
Tem uma mandioca também, que se existe hoje em dia, ela é muito difícil.
O nome dessa mandioca é manipeba, que também ralava ela num ralozinho, tirava aquela massa, né, com um pouquinho de goma, e amarrava na perna pra amarrar um pano pra passar a quentura.
E ele ainda usa ainda, diz ele quando tá inflamado ele usa e fica bem melhor.
Agora, onde ele arranja eu não sei, porque eu não ouvi mais falar isso.
P/1 – E tinha alguma pessoa específica que fazia esse tipo de cuidado na comunidade?
R – Não, qualquer pessoa fazia.
Era a única solução que tinha, todo mundo sabia fazer.
Ninguém tinha preguiça.
Como o café.
O café torravam, torrava o café com rapadura e passava no pilão, pisava, fazia o pó bem moídinho, todo mundo bebia seu café puro.
E o milho também, a pessoa torrava no milho, o milho pisava e fazia o fubá.
Hoje em dia ninguém faz mais nada.
Eu acho que é porque não tenha não, eu acho que é porque a gente é mais preguiçoso, já compra tudo feito, né?
P/1 – Bom, a senhora falou das brincadeiras, das comidas, acho que não falou da comida, né? O quê que a senhora lembra de que comia naquela época diferente de hoje, assim? Como é que era isso?
R – O que a gente comia, meu filho, era muito assim, carne, aqueles corredorzão dentro do feijão, toucinho dentro do feijão, baião, aqueles baião assim com leite de coco, o baião fica assim muito liguento.
Todo mundo criava suas galinha, tinha muito ovos, muita galinha, capote, peru.
Todo mundo tinha suas criação.
E hoje em dia, além de ninguém não criar, porque se mora tudo pertinho um do outro, e se criar muitas vezes ladrão rouba, ninguém cria nada.
Aqui mesmo não crio com medo que a pista vai passar pra lá, os carro mata tudinho.
E preso, eu tenho medo de sair de casa, o ladrão que não tem nem um prego mais, vão pegar e levar tudinho, né? Aí, eu prefiro mais de comprar.
P/1 – A senhora começou a falar da escola.
Conta pra mim se era uma escola, como é que a senhora começou a estudar? Como é que foi isso?
R – Lá era uma escolinha da prefeitura que se encarregava de pagar as pessoas naquela comunidade, na casa de morada mesmo, as pessoa, ter aquela salinha de aula pra ensinar aquelas criança.
A prefeitura se responsabilizava de pagar.
P/1 – A senhora estava contando de uma professora.
R – Era.
O nome dela é até Cléa, Dona Cléa.
Que é do povo mais antigo.
P/1 – Conta um pouquinho dessa professora, Cléa, o quê que ela te marcou tanto assim?
P/1 – É.
R – Eu acho que foi o interesse tão grande que ela tinha de me ensinar.
Aquela responsabilidade que ela tinha por mim, que eu achava até que, assim, no fundo eu não sei, eu achava que ela gostava mais de mim, eu não sei se é porque também eu me interessava mais, não sei porquê.
A mãe dela também era uma senhora bem idosa, então também era, me ajudava muito, ensinava, quando eu tava com dificuldade, ela pegava e ensinava.
Aí, eu não sei, porque até de vez em quando eu ligo pra ela.
Ainda anteontem ela disse: “Ana, qualquer dia eu vou passar o dia com você, que eu sinto é saudade”.
E eu também dela.
P/1 – Desse mundo das letras, que também é o mundo das pessoas, né, você tá falando aí do afeto que tinha com a professora, a senhora lembra das primeiras coisas que aprendeu ou de alguma coisa que a senhora aprendeu e achou fantástico você aprender aquilo pelas mãos da Cléa?
R – Da Cléa.
P/1 – Lembra de alguma situação dessa?
R – Não, eu acho que tudo, eu tenho assim, nada pra marcar mais porque tudo parece que ela, eu me interessava e ela também com perfeição.
Por isso não ficou nada na história que diga assim: “Não, eu gostava mais porque ela me cativava mais nisso aqui”, ou então eu cativava ela.
Não, sobre isso não, era igual pra igual.
P/1 – Mas as aulas eram em grupo escolar ou era particular?
R – Não, era na casa dela.
Ela ensinava muita gente na casa dela.
A mãe dela era uma pessoa que, nesse tempo, chamavam de rico.
Tinha muitos moradores, tinha muita pessoa que trabalhava, tinha muita criança.
E o terreno grande, aquele pessoal tudo precisava de ir pra aula e não tinha aonde e a mãe dela assim, muito inteligente, foi na prefeitura, encarregou-se lá com o prefeito e aí, fizeram essa sala de aula na casa dela mesmo.
Pra mim, os morador dali, muita gente, muito menino que precisava.
P/1 – A senhora se lembra do primeiro momento de contato assim, eu imagino que era um mundo diferente do mundo da fazenda, da casa, né? Então, ir pra casa de outra pessoa aprender outras coisas, a senhora se lembra desse primeiro momento, assim, o que foi mais marcante nesse momento?
R – Com ela mesmo? Não.
Por isso que eu digo que eu acho que tudo foi igual por igual.
P/1 – E a senhora estudou com ela até quanto tempo?
R – Eu estudei uns, de nove ano mais ou mesmo, até uns 16 ano.
Eu comecei com ela na cartilha ABC.
Aí, da cartilha de ABC eu fui primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto aí, tinha o sexto, né? Pronto, parou todo mundo largou.
Eu vim terminar os estudos há dois ano, numa escola particular.
Porque ou termina, ou então perde o emprego.
E naquele tempo não, né? Chegou o sexto, pronto, terminou, tá tudo bem.
P/1 – Então, você terminou o sexto ano, não tinha como estudar mais, é por isso que parou? Ou teve algum motivo especial?
R – Foi.
Não tinha professora.
Na minha época não tinha mais professora, a não ser que fosse pra Fortaleza.
A minha tia morava lá em Fortaleza e já tinha um colégio que já tinha uns, já tinha aquele Tiradentes ou 7 de Setembro, já existia, que a minha prima fez faculdade lá, formou-se lá e tudo.
Mas como o meu pai não deixava, nem minha mãe, eu também não ia me separar deles, eu achava que me separar deles pra ir pra outro canto eu não ia me dar bem e pronto.
Aí, parou.
Quando foi agora, quatro anos atrás que tinha que ter o segundo grau ou não, eu fui obrigada a terminar, mas o particular.
P/1 – E quando a senhora parou de estudar, a senhora estudava até os 16 anos ou trabalhava também? Como é que era essa vida?
R – Não, toda a vida eu trabalhei, eu costurava também.
Eu ia pra aula, quando eu chegava eu costurava.
Foi serviço de casa, tudo eu sei fazer.
Eu sei fazer o bordado, eu se costurar, eu sei fazer muitas coisinhas, nunca fiquei parada, de jeito nenhum.
Em 1974, quando eu fiquei viúva, fui feirante em Fortaleza para ajudar os meus pais a criar os meus filho.
Não era tanta necessidade, era porque eu via que eu precisava de trabalhar mais.
É tanto que nenhum, eu posso dizer assim, nenhum eu tive a criação da mamãe, eles pode dizer pra mim, foi dos meus pais.
Do jeito que eles me criaram, criaram eles.
Agora, eu trabalhava e botava dentro de casa pra ajudar.
Como agora mesmo, eu tenho meu emprego, eu tenho minha pensão, mas o sábado, o domingo.
.
.
tá aí, vocês me ligaram, eu tava dentro do ônibus que eu tava levando um bocado de pé-de-moleque pra Fortaleza, pra Caucaia, faço tapioca, pé-de-moleque, o grude pra entregar ao pessoal.
Eu tinha uma encomenda certa, é só chegar e entregar.
P/1 – Então, a gente queria voltar um pouquinho e lembrar, ainda nessa primeira adolescência, depois que a senhora ainda estudava, mas já começou a ficar um pouco mais mocinha, como é que era a vida quando começa a crescer, a participar das festas, a ter uma outra vida?
R – Ah! Tem uma outra vida e os pais ficam com mais cuidado.
Eles pegavam muito no pé, tanto no meu como desses vizinhos que eu lhe falei.
Era assim: eu só saía se fosse com a mãe dessas moça, e elas só saía se fosse com a minha mãe, a gente saía pras festa.
Eu conheci meu esposo numa senhora, num velório que a gente chamava, não, numa pessoa que vivia doente, né, vivia doente há muito tempo, e nesse tempo, as pessoa se juntavam e passavam a noite ajudando aqueles familiares, né, com aquela pessoa que tava doente também.
Eu cheguei a conhecer ele lá.
Eu conheci ele no dia 10 de abril do 1969, quando foi no dia 26 de outubro do 70 eu me casei.
P/1 – E como é que foi esse conhecer? Como é que se deu isso?
R – Começamos a conversar - sempre tem que ter os papos (risos).
A gente começou a conversar e ele perguntou se poderia vir na minha casa e eu com medo que ele não viesse, né? Podia o meu pai achar ruim e era aquela coisa.
Aí, eu fui e falei porque o meu pai, eu conversando com ele, eu me entendia mais com ele do que com a minha mãe.
Porque a minha mãe dizia logo: “Porque seu pai vai lhe dar um piso e não sei o que, não sei o que”.
E nunca aconteceu nada que eu não pudesse conversar com ele, podia ser do jeito que fosse.
Aí, foi e ele disse: “Minha filha, se a gente soubesse quem prestava tinha um letreiro na testa, né? Mas como a gente não sabe, se casamento é sorte e você já tá mocinha mesmo, já boa de arranjar uma pessoa, porque eu já tô de idade.
E tenho fé em Deus que quando eu chegar a partir, você já está na sua casinha, com a sua responsabilidade”.
Aí, ele nunca botou obstáculo também, não.
A gente namorava em casa mesmo, saía, digo em casa mesmo, quando a gente queria ir pra algum canto essa senhora ia com a gente, ou então minha mãe, ele, mas nós nunca saímos só.
Nesse tempo, eu nunca gostei de praia, mesmo assim, na minha idade eu nunca gostei, mas a gente só saía acompanhado com alguém.
Aí, eu me casei no dia 28 de outubro do 70, quando foi no dia 26 de abril do 74 eu fiquei viúva pela primeira vez.
Fiquei com três filho homem, fiquei com um de três ano, um de um ano e pouco e um com 11 dias de nascido.
Aí, voltei, passei dez anos com meus pais.
Nesse intervalo de dez anos eu conheci alguém, algumas pessoas, mas era como eu digo, né, tudo eu tinha que participar pra ele, até com essa idade de 25 ano, 26.
Já viúva mesmo, meus menino tudo já na responsabilidade dele, quando eu arranjava uma pessoa, aí, ele dizia: “Bom, você já tá uma pessoa de maior, você já sabe o que faz, eu só não quero que nunca me faça vergonha”, porque esses pessoal antigo é muito moralista, né? Aí, com 30 ano, com dez ano de viúva eu me casei e eu tive ela.
Eu só tenho ela de segunda.
Quando foi no dia 30 de julho do 84, não, do 86, ela é de 88, ela tinha seis meses quando ele faleceu, o meu marido, o pai dela, ela tinha seis meses de vida.
P/1 – Ela nasceu em 88?
R – Ela é de 88.
P/1 – E ele faleceu em 88 também?
R – Em 88.
Ele faleceu no dia 2 de dezembro de 1992.
Ela tinha seis meses.
P/1 – E a senhora poderia contar o que aconteceu com os dois, com o seu primeiro marido, o que aconteceu com ele?
R – Por que a morte dele?
P/1 – É.
R – Foi um infarto.
Ele tinha 22 anos de idade.
Nunca bebeu e nunca fumou e morreu de infarto.
Esse nenê tava com 11 dia de nascida aí, eu fui, à noitinha ele tinha jantado, seis e meia, sete horas, aí eu fui ajeitar a água pra banhar o neném e fazer o mingauzinho dele.
Quando eu entrei, ele terminou de jantar, ele deitou-se pertinho da porta, quando eu fui passar assim com a banheira, ele disse: “Eu tô com dor de cabeça”, que eu olhei pra ele, ele já tava todo revirado.
Não tava com 20 minuto que ele tinha saído da mesa, que o olho dele já tava assim, todo revirado.
Aí eu só fiz soltar a banheira, fui fazer um chá pra ele; quando eu voltei ele já tava assim, de dente cerrado que nem tomou mais.
Quando foi duas hora da manhã, eles teve uma dificuldade do transporte aí, nem tinha telefone, não tinha nada.
Aí, tinha um senhor que sempre frequentava a casa da gente, um senhor já de idade, que tinha uma barraquinha ali perto aí, eu gritei por ele e ele foi lá nessa casa onde eu nasci, que meu pai morava lá.
O meu pai veio, foi atrás de transporte, levemos ele pra Fortaleza, mas quando foi, assim que chegou lá, faleceu.
No dia 26 de abril do 74.
P/1 – E aí, como é que foi seguir a vida?
R – Foi, seguir a vida é como eu lhe disse, eu fui ser feirante.
Depois eu comprei seis maquina, fui costurar para o Mercado Central, tinha uma moça lá que recebia as minhas costura.
Depois de mais ou menos uns cinco anos eu comecei a costurar para o Mercado Central.
Depois de um ano, mais ou menos, que eu tava lá, aí apareceu essa inscrição para agente de saúde.
O filho do prefeito, que sempre a gente gosta de pessoas que conheceu a gente, tudinho.
Aí, ele veio na minha casa dizer que ia ter essa inscrição de agente de saúde, que eu fosse, que poderia até dar certo pra mim.
Eu já disse: “Não, eu já tenho meu, já costuro em casa”, “Não, mas vá que é de carteira assinada”.
Eu fui, fiz a inscrição, no dia marcado fiz a entrevista, passei em primeiro lugar e estou até hoje, com 22 ano.
P/1 – E como é que foi essa mudança de profissão?
R – Foi bom.
Foi bom porque a gente conhecia muitas amiga, teve muito diálogo com as amiga, aquelas que já entendia muito mais do que eu.
Porque enfermeira mesmo, deixaram de ser enfermeira, que trabalhava contratado pra ir trabalhar no Estado que era carteira assinada.
Foi bom, a mudança foi boa.
Amargoso foi quando eu fiquei viúva pra construir essa vida de costurar.
Mas até a época que eu era feirante não era muito bom não.
Era bom, assim, porque é uma coisa que a gente todo dia a gente tem dinheiro, mas pra mulher tem muito sacrifício.
P/1 – Como assim?
R – Porque a gente tem que levar coisa pesada, tem que botar em ônibus.
A gente não pode, tem que pedir a alguém, sempre tá ocupando alguém, mas, graças a Deus, sempre alguém me ajudou.
Toda vida encontrava pessoas boas que me ajudavam.
P/1 – Ai, a senhora se casou novamente, como é que foi conhecer o segundo marido? Quem era o segundo marido?
R – O segundo marido era de fora, ele não era daqui não.
P/1 – Com era o nome dele?
R – Era Luiz Gonzaga.
Ele veio de fora para construir esse açude que tem aí em frente.
Então ele veio, aí naquela casinha que eu morava ali, tinha uma, vamos supor que seja um comerciozinho muito pequeno.
P/1 – Da senhora mesmo?
R – Era.
Eu morava, não tinha me casado ainda, morava com meu irmão, aí ele quem vendia, né, ele morava mais eu na casinha e depois meus menino grande e aí, um dia eu disse a papai, disse: “Papai, eu acho que vou tomar conta da minha casa porque os menino já tão grande, a casa vive fechada, toda acabada”, aí, ele disse: É, mas você tem que arrumar uma pessoa para morar com você”.
O meu irmão era solteiro, ele era meu irmão do meu pai biológico, veio morar comigo e a gente construiu um comerciozinho, ele tomava de conta, muito responsável.
Sempre quando faltava as compras eu ia, trazia e botava e tudo, eu ajudava ele, ele me ajudava.
Aí, essa pessoa veio, eu ia fazer compra de manhã.
Aí ele perguntou logo, assim que ele chegou, tinha muito trabalhador e perguntou onde era que comprava porque achava aqui muito deserto.
Aí, um rapazinho foi e disse: “Bem ali tem uma casa que tem umas coisinha que a pessoa vende, tem uma bodeguinha, a gente vai lá, pode ser até que ele venda por semana”.
Ele veio de tarde, fez as compra, aí foi embora.
No outro dia de manhã ele veio de novo perguntar se eu vendia pra no final da semana ele me pagar, era muito trabalhador que ele tinha - ele era o encarregado.
Aí, eu disse pra ele que eu não podia fazer isso não porque, ele me desculpasse, que eu não conhecia ele.
Eu não estava querendo dizer que ele não ia pagar não, mas é porque eu não sabia o povo dele, que ele trazia muita gente, então, eu não sabia se ia ter essa responsabilidade.
Ele acho que por isso eu era uma pessoa muito assim, como é que se diz? Que eu disse logo, né, não fui embromar: “Não veio hoje, não tem, amanhã num tem, mais tarde tem”.
Ele disse que me achou uma pessoa muito realista.
Aí, ele mandou o recado pelo menino que mora ali, um rapazinho.
Eu disse pra ele que não, não queria não, quando eu quisesse um marido eu mesma ia atrás, não ia atrás de recado não.
Quando foi de tarde o menino, de novo, veio dar um recado, tinha falecido uma senhora, colega da gente, mas afastado.
Nós fomos e ele foi também.
Aí pronto, começou o namoro, que namoro foi esse, casamos, né? Eu conheci ele em abril, que ele chegou aqui no primeiro de abril de 84.
Foi, primeiro de abril de 84.
P/1 – Mas vocês se conheceram num velório, então, é isso?
R – O meu primeiro marido eu conheci na casa de uma senhora que passava a noite morrer, não morre, morre, não morre, e esse segundo foi no velório, também.
Aí, também logo a gente casou, eu não fui botar ele dentro de casa assim, né, pra dizer: “Vamos ficar juntos, vamos experimentar se vida dá ou não dá”.
Não, casamos e pronto.
Mas, deu no queixo também, né? Porque se fosse, formasse a vida, levou também.
Às vezes, até, o pessoal diz assim: “Mulher, tu não teve sorte com marido, né? Teus marido morreram”, eu digo: “Eu não tive? Eu tive foi muita”.
Porque eu canso de ver as pobre chorando por aí que os marido trabalha a semana, ou mensalmente numa empresa, recebe o dinheiro, bota no bolso, vão pras farra e chega em casa sem nada, abusando.
E eu, graças a Deus, de Deus não posso falar nada, né? Nenhum morreu de coisa ruim, eu acho que foi com a permissão de Deus, pronto.
P/1 – Eu esqueci de perguntar pra senhora desses momentos, dos eventos, digamos assim, dos casamentos.
Como é que foi do primeiro? Você fez uma festa, como é que foi isso?
R – Foi aquela festa assim de convidados e amigos - muita comida e amigos.
O meu pai convidou muita gente, foi muito animado, teve muita comida.
Já o segundo, não.
Já o segundo foi só nós mesmo, casamos, pronto, entramos pra dentro de casa e vamos viver a vida.
Mas o meu primeiro casamento foi muito animado, com muita gente e igreja.
P/1 – Teve música?
R – Teve não.
P/1 – A senhora não era muito de música, de dançar?
R – Ah! Eu era.
P/1 – É?
R – Era.
P/1 – Como assim?
R – Depois que eu fiquei viúva ainda aproveitei muito a vida, mais do que solteira.
Porque quando eu era solteira tinha que estar todo o tempo no mocotó do meu pai e da minha mãe, né? Pronto! Agora chegou a hora, vamos embora.
Mas aí, tinha uma senhora também que gostava de sair com a gente, assim, a gente viúva saía com uma turma de moças, de senhora de responsabilidade e eu ia no meio.
Fui muito mesmo de farra, só não fazer coisas que, mas de farrear, dançar.
Nunca bebi, não sei o que é um gole duma bebida.
Não é porque não tivesse oportunidade não, foi porque eu nunca quis.
P/1 – Então, Dona Maria, você falou que num determinado momento da vida, acho que antes ou depois da segunda vez que ficou viúva, a senhora passou a ser agente de saúde, é isso? Como é que foi isso e como é que foi entrar nessa profissão?
R – Foi a segunda vez.
Não, é como eu falei, né? Fiz a inscrição, passemos na inscrição, fizemos a entrevista, passei.
Da entrevista a gente foi fazer o curso, a gente teve bem três meses de curso, né, que eu não tô lembrado agora porque tenho certificado ali de tudinho.
Depois, a gente foi pra área, a gente foi cadastrar todos os moradores, que eu, em 1991, daqui ali assim, daquelas casas até quase da onde vocês vieram, vindo pra cá e tudo, eu tinha 24 famílias.
Hoje em dia, eu não ando na área toda, dou assistência a 192 famílias, tem muito mais de 400 família.
E aí, só tem eu, mas mesmo assim, às vezes na área que eu não vou, que não dá pra mim ir, que não cubro porque cada uma tem o seu lugarejo de ir, né? Como bem aqui eu não sou agente de saúde, não sou eu que sou da minha casa, não sou eu que sou da casa da minha nora, não sou eu que sou aqui do meu vizinho, porque eu só sou dali pra cá, né? Aí, então, tem muitos que não têm agente de saúde, mas recorre até a mim.
Pode ser de dia, de noite, de madrugada, a hora que for eu tô pronta pra ajudar, tô pronta pra ir pro hospital com qualquer uma, seja de noite, seja de dia, passo a noite lá, visito.
Se for possível e não tiver de acompanhante, eu fico de acompanhante até chegar uma pessoa que possa ter responsabilidade.
Se tiver o que precise, de um curativo, a gente vai até lá e faz.
Se tiver uma pessoa com uma cesárea ou qualquer coisa assim que não tenha condição de tomar um banho, a gente vai e faz.
Tudo assim.
E gosto, eu amo minha profissão.
P/1 – Mas voltando lá no começo da profissão, você falou do curso.
Como é que foi esse curso? O que a senhora aprendeu nesse curso?
R – Nesse curso a gente aprendeu como chegar as casa de família, né? Como a gente podia se apresentar, porque não tinha agente de saúde, como a gente podia se apresentar.
Como a gente ia falar pra preencher aquela ficha pra fazer um cadastro pra eles ir até o posto pra quando tivesse precisando de ir pro médico.
E a gente foi muito bem recebido na casa, não teve nenhuma dificuldade porque todo mundo conhece os outro, porque nasci e me criei aqui, né? Então, eu conhecia todo mundo como todo mundo me conhece.
Aí, não teve nenhuma dificuldade.
Quando era num tempo que tinha uma, aquela, a cólera, que era uma doença muito perigosa, a gente ia nas ambulância levando alguém, quando chegava já tinha alguém pra voltar, pra levar de novo, e era aquela correria medonha.
Todo mundo pra pedir uma ambulância tem que ir na casa do agente de saúde, que se não for na casa do agente de saúde, a ambulância não vem, e tudo isso.
P/1 – Eu acho que é interessante explicar o que que é o agente de saúde ou, pelo menos, pra começar, como é que era a sua atuação naquela época, 23 anos atrás.
O quê que, além do que a senhora tá contando, a senhora fazia? Como é que era atuar como agente de saúde naquela época? O quê que era possível ser feito naquela época? Como que era a estrutura?
R – Eu acho que nesse tempo pra cá, sobre a mudança de estrutura, não acho que teve nenhuma dificuldade não, porque já existia.
Vamos começar pelas gestantes.
Quando ela achava que estava gestante, ia até o posto fazer uma consulta.
O médico passava os exame, a gente tomava conta daqueles exame, ia num hospital e marcava pra elas, entregava pra ela dizendo qual era o dia que ela deveria ir, como deveria ir, o quê que deveria levar.
Aí, eu não acho que teve uma dificuldade não, nenhuma não.
P/1 – Seu trabalho era de orientar as pessoas?
R – Orientar.
P/1 – O trabalho de um agente de saúde é orientar?
R – É orientar.
Orientar, pesar, passar na casa dum hipertenso e dizer a ele qual é o dia que ele vai ao posto pra receber o seu medicamento, tanto o hipertenso como o diabético, porque tem o dia certo.
Pelo menos, no nosso posto aqui, os da minha área é na segunda quinta-feira de cada mês, eles têm que tá lá pra pegar o medicamento deles, quem receber de um mês tem que voltar no outro, quem receber de dois mês aí, só com dois mês e assim.
Não achei muita dificuldade não.
P/1 – E pra senhora o que que é fazer parte do Sistema Único de Saúde?
R – Não, pra mim é muito importante.
Pra mim, eu acho que é muito importante porque através disso aí, eu já tenho, não é que eu tenha salvado vidas, é porque as pessoa que não têm que morrer naquele dia, não morrem.
Mas já ter ajudado muitas pessoas a agilizar mais - chegar num hospital, ter mais um atendimento mais com facilidade.
Porque, mesmo assim, se, às vezes, ele tem um agente de saúde, eles vão de manhã.
Eles fica sentadinho lá no banco quando chega, a fila tá lá naquele mundo, e ele tá assim precisando mais.
Podemos conversar com a assistente social para colocar aquela pessoa na frente porque tá mais necessitado.
Eu acho muito importante.
Eu acho até que já era pra mim ter procurado a minha aposentadoria, porque eu já tenho 63 anos e já tenho esses 22 anos como agente de saúde, mas eu acho tão bom que eu não fui procurar a minha aposentadoria ainda.
Eu amo o meu trabalho.
Quando, às vezes, quando eu estou de férias, eu saio daqui mesmo, eu vou na casa que eu sei que a pessoa ganhou nenê e eu estava de férias, eu vou lá; eu vou lá na casa daquele outro que eu sei que ele não vive muito bem de saúde, eu vou; eu vou lá na casa dum paraplégico que tem lá, que levou uma queda, quebrou a coluna e vive paraplégico, pra saber como é que tá a situação das escara dele, como é que tá indo, como é que tá sendo.
Eu acho bom, eu gosto.
P/1 – Vamos pensar um pouquinho também nos eventos que a senhora viveu, né? A senhora teve, então, quatro filhos? Três homens e uma mulher?
P/1 – E como é que foram os partos? Foram no hospital ou foram trabalhos em casa?
R – 41:34Os três homens foram em casa, só ela que foi no hospital porque era pra fazer ligação.
Todos foram com as cachimbeiras em casa.
41:42 Uma senhora por nome de Maria Café, que era cachimbeira desse povo aqui todinho.
Ela faleceu agora há pouco tempo.
41:52.
P/1 – O que é cachimbeira?
R – 41:53 É a parteira, pra nós é cachimbeira 41:56.
P/1 – Por que cachimbeira?
R – Não sei (risos), 42:00 eu não sei qual é o motivo, mas é chamado cachimbeira.
Toda parteira tem que usar o cachimbo.
Ela pega aquele cachimbo, corta o imbigo do bebê.
Aí, quando termina de cortar, bota um paninho, assim na frente, né, e dá umas fumada no cachimbo pra aquela fumaça ir pro umbigozinho dele.
Acho que por isso chama cachimbeira.
42:18
P/1 – E, assim, do que que a senhora se lembra dos partos que foram na sua casa, com parteira, em comparação com parto no hospital?
R – 42:30 Foi tudo bem rapidinho.
Quando eu comecei a sentir do primeiro, de todos eles, de todos os três, quando essa cachimbeirazinha chegou, eles já tinham nascido, todo os três, foi assim bem rapidinho.
Por isso que, às vezes, a pessoa diz assim: “Eu passei, não sei quantos dias sofrendo, passei não sei quanto tempo sofrendo”, e eu penso comigo: “Graças a Deus, Senhor, porque eu não sofri”.
Porque até o meu segundo filho, ele pesou quase cinco quilo, e nasceu de pé e eu tive sozinha.
Quando a pessoa chegou, foi buscar a cachimbeira, que a gente chama, né, ele já tinha nascido.
43:09
P/1 – E como é que é ter um filho sozinha? Como é que faz?
R – 43:13 Eu acho que a ansiedade é tão grande que a gente nem pensa que ali tá no momento de morrer ou de viver.
Acho que a ansiedade, aquele amor, aquele afeto, que pelo gosto da gente já via a cara.
Eu acho que é aquele momento de alegria, né, que a gente tem pelo gosto da gente, já tinha expulsado, já tinha nascido e tudo.
P/1 – Mas tinha alguém junto com a senhora pra ajudar a aparar o bebe?
R – Não, tinha não.
P/1 – A senhora mesmo aparava?
R – 43:41 Eu ficava lá deita e, quando nascia, eu só afastava um pouquinho e ficava ali aguardado que a cachimbeira chegasse pra tirar, pra ver, se a placenta já tinha nascido, tudo igual, pra cortar o umbiguinho e poder tirar.
43:56
P/1 – Mas, ele nascia e a senhora deixava ele do lado?
R – Deixava do lado.
Deixava do ladinho.
Porque, 44:05 quando é para nascer, ficava na posição de nascer.
Quando nascia eu fazia só me virar e deixava ele do ladinho ali pra quando chegar a pessoa saber como era que estava, né, porque eu não ia querer mexer, porque eu não sabia como era que tava a situação.
Porque é um momento muito perigoso 44:21, né? E já tenho também, 44:25 nessa profissão de agente de saúde, eu já tenho pegado bebê e já tenho também que eu vou levando pra maternidade, elas acontece de ter dentro do carro, quando a gente vai no caminho da maternidade44:37.
P/1 – A senhora pode contar uma história de como foi uma situação dessa que tenha chegado assim?
R – Pode, 44:41 quando ela diz: “O neném tá nascendo”, pedimos ao motorista para parar um pouco e até me ajudar.
Porque ali a gente já ia prevenido, já mandava ela sentar em cima dum lençol, um pano grande.
Aí, quando ela achava que tava nascendo, a gente pedia pra parar, pedia pro motorista pra afastar mais o banco, alguma coisa assim que desse.
Aí, a gente aparava no pano, pegava, enrolava, botava assim o bebezinho em cima dela, levava até o hospital, caminhava pro hospital.
45:09 Aí, chegava lá, é.
.
.
P/1 – Ela já ia com o neném?
R – É, 45:12a mãezinha mesmo levava, né? A gente só fazia puxar ele, pegar o paninho pra deixar o rostinho do lado de fora e a mãezinha mesmo levava ele, segurado.
Chegava no hospital e ela ficava mesmo umas 24 horas, mesmo que tivesse tudo bem, mas ficava ali 24 hora 45:25.
Aí, o carro, só o dono trazer pra limpar, fazer a limpeza no carro, mas já aconteceu muitas vezes.
P/1 – Ainda existem as cachimbeiras aqui na comunidade?
R – Não existe mais.
E mesmo que alguém queira fazer um negócio desse, porque eu mesmo ainda tenho coragem de chegar assim num canto, se ela tiver já assim, bem pertinho, eu tenho coragem, mas pra registrar é um sacrifício medonho.
P/1 – Por que?
R – Porque, às vezes, dizem que são muita criança, roubam dos hospital ou as mãe bota aí, em qualquer canto.
Aí, então tem que ir muitas provas para saber se realmente nasceu em casa, se realmente foi a gente que pegou, se realmente tava lá.
Tem que ir pro Conselho, do Conselho tem que ir pro Fórum, é muita coisa pra registrar uma criança.
Tem um nenê que nasceu em casa e a mãezinha tava sozinha, quando chamou a outra pessoa, a sogra dela, ele já tinha nascido, tá com mais de um ano que ela luta pra registrar essa criança.
Porque aí você não tem como provar se realmente ela dela ou não, né?
P/1 – E que que a senhora acha dessa dificuldade toda pra se registrar uma criança que nasceu em casa?
R – Não, eu acho que tá certo.
Não tá errado, não.
Porque tem muita gente, a gente conhece pessoas que quer adotar as criança, né? Aí, quem sabe da onde veio aquela criança? Aí, a pessoa quer adotar, entendeu? Eu tive.
Pra você ver, as coisa é tão assim, que tem os nove mês todinho, tem uma carteirinha dizendo que dia tal, do ano tal, de 1900 e tal, Fulana de tal, (inaudível) foi fazer seu pré-natal, dia tal voltou, dia tal voltou.
Mas nem isso serve.
O que serve mesmo é.
.
.
Vai o vizinho, vai o agente de saúde, vai a mãe.
Aí, dá entrada no Conselho, do Conselho passa para o Fórum, para poder liberar para poder fazer esse registro.
Por isso que, às vez, mesmo, um dia desses, agora tá com dois ano, 47:31 tinha uma lá na minha área que a gente via que estava para nascer e realmente nasceu no caminho, mas foi obrigada a levar.
Eu levei mais a sobrinha dela e chegamos lá, ela nasceu antes de chegar lá, muito, mas tivemos que levar em frente.
Paramos o carro, enrolei, botei na perna da mãezinha e tivemos que ir.
Porque do hospital agora quando ele sai, já sai registrado.
E quando ele não tá registrado, ele já traz o papel da maternidade pra ir pro cartório tal que pode registrar.
48:01
P/1 – Então, como é que fica o trabalho dessas mulheres que faziam parto? Hoje em dia, então, praticamente, elas não existem mais, existem? Como é que é?
R – Não existe.
Elas já, pelo menos aqui, as que a gente conhecia, já se foram.
Tem alguém corajoso que faz esse tipo de coisa, mas não é como aqueles tempo, né? Que até as pessoas, as mulheres mais velhas, que nem, vamos supor, fosse a minha mãe, fosse a minha vizinha, como teve de acontecer.
Eu lembro, eu pequena, elas sofriam três dias e três noites para ter uma criança, com essa cachimbeira em casa, sem ter pra onde ir, sem ter como levar, sem ter nada.
Aí, elas faziam remédio, elas pisavam aquele gergelim, e era mostarda, e era chá de tanta coisa que dava a esse povo até que nascia, Deus abençoava e nascia.
Mas, sofriam muito, sofriam até demais.
P/1 – Entendi.
Dona Maria, vamos falar um pouquinho sobre a questão da terra aqui, que a gente percebe que está acontecendo algumas mudanças com a chegada da siderúrgica.
Como é que isso, de certa forma, afetou a sua vida? Vamos pensar assim.
R – Não, até agora eu não tô preocupada, graças a Deus, eu não ainda não me preocupei, porque esse lado aqui ainda não falaram nada, até agora não falaram nada.
Só, que ultimamente o que falaram, que a gente como é registrado como povo Anacé, aí, diz que eles vão, mesmo sem mexer aqui, mas eu vou ter o direito de sair daqui e ir morar lá onde vão fazer esse mesmas casa, né, do Júnior, da Dora, desse outro povo, né? Eles vieram aqui, já tiraram título do terreno, já mediram, já tudo, diz que é pra gente ir embora pra lá.
E aqui eu posso deixar alguém morando, posso alugar, se caso aparecer uma empresa que queira comprar, eu posso vender.
Mas lá, como a gente é cadastrado, temos que ir.
A história é essa, não sei se vai ou não.
Aqui, sou cadastrada eu, a minha menina e dois filho.
Tem um que não quis, tem um que disse: “Não tem índio por aqui, não.
Esses índio tudo é mentira, que eu nunca ouvi falar índio por aqui, nessa área aqui, não”.
Não se cadastrou, não.
Mas aí, é o tipo da coisa que é como.
.
.
Aí, eu fui lá no.
.
.
como é onde fica a sede deles?
P/1 – FUNAI?
R – Sim.
P/1 – Aí, eu fui aí, ele disse: “Ah! Não, ele tem o direito, ele tem o direito como você, você é mãe e a pessoa a nascer é você, ele tem o direito sim.
Mas algum dia, quando você faltar.
Mas por enquanto, como ele quer, se ele quiser fazer uma casa igual aos outro, ele não pode porque ele não é registrado”, eu: “Tá certo, tudo bem”.
P/1 – Agora, como é que se deu isso, essa questão de se identificar como um indígena Anacé? Como é que foi isso? Como é que apareceu essa história na vida de vocês?
R – Esse povo Anacé?
P/1 – É.
Como é que foi essa história? Como é que chegou isso pra senhora?
R – Chegou lá no posto de saúde, que o Júnior realmente era agente de saúde também, né, entrou na mesma época que eu entrei, nós fizemos o curso todo mundo junto.
Aí, foi o tempo que ele foi estudar pra enfermagem aí, ficou na enfermagem depois que apareceu esse povo Anacé.
Entre ele mesmo, um dia conversando e eu fui dizer assim: 51:43 “Pois, Júnior, eu também vou me cadastrar sabe por quê? Porque a pessoa que fundou o cemitério do Cambeba foi o bisavô do meu avô e ele era o cacique”.
Aí, ele disse: Pois, então, tá bom, vamos se cadastrar, então você tem descendência, não sei que, não sei”.
Aí, eu fui e me cadastrei.
E pra onde eu vou, eu vou pra reunião, vou pra reunião lá no governador mesmo, na sala de reunião do governador, juntamente com eles, pra onde der certo que vão e que me convidem, eu sei, eu viajo, eu vou.
52:12 Porque o meu pai falava assim, que esse cemitério, aliás, é bem aqui assim, o Cambeba, né? A primeira pessoa a ter sido enterrada, diz que tinha sido um cacique e esse cacique era bisavô do meu avô, numa época que tinha uma doença, que o pessoal chamava bexiga, diz que umas bexiga, que ninguém visitava ninguém.
Só os próprio parente era quem tomava de conta, quando morria eles mesmo enterravam.
Aí, foi enterrando.
Não, agora vamos enterrar onde enterraram o cacique? E vamos enterrar onde enterraram o cacique? Aí, pronto, formou-se o cemitério que hoje em dia ele é público.
Mas nem o Estado teve o direito de vir demolir porque foi fundado pelos índio, né? Eu fui crescendo ouvindo e um dia o padre veio aqui, um padre que era, não sei se era dos Tapeba, né, sei que ele chegou aqui, o padre Alexandre, não sei se ele já se foi.
Aí, ele disse: “Senhora, eu vim só conversar um pouquinho com você, que eu vim falar que você tem descendente de índio, mas eu não vou nem lhe perguntar nada porque eu sei que tem, porque esses papinho dos seus olho, esse cabelo”.
E eu tava ali num ladinho que eu tenho ali, que eu faço tapioca, eu estava fazendo tapioca e eu gosto muito de cozinhar, assim, em panelinha de barro, sabe? Tem uma panelinha de barro no fogão com feijão.
Aí, ele: “Não vou nem lhe perguntar nada”.
Olhou pra minha menina e disse assim: “Você também, viu? Com esse teu dentinho, pô, é dente de índio”.
Aí, pronto, a gente se cadastremos logo no início, ela também de cadrastou.
Aí, o meu menino mais velho, esse aqui, que tem o cabelo assim, durinho, e todo mundo é, até agora nós tamo tudo indo em frente, né? Não sei se vai dar certo ou não, acho que vai.
53:55
P/1 – E como que é se sentir parte de uma comunidade indígena?
R – Olhe, quando eu tava fazendo esse curso, né, pra mim terminar o segundo grau, tinha uma.
.
.
Como é o nome que a gente faz? Que é tipo uma história, que eles pede muito?
P/1 – Pode falar.
R – Eu tô esquecida, assim, que você tem que ter uma história, que eu ainda tenho isso ali guardado.
Então, o quê que acontece? Eles pediram pra fazer sobre os indígenas, né? Aí, eu fui e levantei a mão.
E ficou falando, eu disse: “Olha, o senhor devia nem falar nada porque do indígena ninguém pode falar nem nada, porque o senhor sabe que tem as autoridades, né?”.
Aí, ele disse: “E a senhora é indígena?”, eu disse: “Sou, com todo orgulho” “Pois, me desculpe, me desculpe, eu sei que ninguém pode agravar mesmo, não”.
Eu me sinto uma pessoa, como é que eu quero dizer, 55:06não me envergonho de dizer que sou indígena, não me envergonho de qualquer uma reunião e, até agora eu tô segura, tô triste não.
Não é porque o meu filho diz: “É que eu não quero, não sou”, não é isso que me abalou até agora não.
55:20
P/1 – Por que você acha que algumas pessoas não querem se identificar como Anacé?
R – 55:23Eles diz que é porque o índio anda sujo, anda fedorento, só vive de pé no chão.
Eu digo: “Negativo! Só o que quer.
Porque quando eu saio, graças a Deus, eu ando arrumada, tenho meu perfume, tenho as minhas coisa, como tá vendo que eu não vou andar suja, fedorenta”, aí, ele diz: “Mas o índio tem que ser assim”, eu digo: “Mas eu não sou, não”.
55:40 Aí, os menino achavam, logo no início, eles dizem que achavam que era ficar assim, do jeito daqueles que a gente vê na rua da Caucaia, às vezes, né? De pé no chão; às vez, com um uru dum lado, vendendo aquelas florestazinha, que eles vendia muito.
Eu disse: “Não, meu filho, mas a vida não é assim não, o povo tem.
.
.
” “Esses que são bem altos dos olhos azuis?”, ele diz (risos), “Tudo é mentira, tá vendo que não tem índio desse jeito, não sei o quê, não sei o quê”.
Mas eu não tenho o que dizer não, até agora.
P/1 – Interessante.
Bom, a gente tá caminhando pro fim da entrevista.
Eu queria só que a senhora contasse como é que é seu dia a dia, então, já que a senhora disse que tá próxima de se aposentar como agente de saúde.
Como que é seu dia a dia hoje?
R – Meu dia a dia é sair de manhã e tudo.
Como eu lhe digo, eu amo meu trabalho.
Não me aposentei, não fui atrás de aposentadoria porque eu amo meu trabalho.
Aí, eu vou ficar isolada do meu povo que eu visito, que eu, como agente de saúde, não sendo mais, eu não vou ter essa, eu não vou todo dia oito hora da manhã, ou nove, pois ninguém nunca é pontual na hora mesmo, botar a minha mochila nas costa e sair pra casa deles.
Chegar lá não tenho mais nada pra conversar com eles, não tenho mais nada pra orientar, né? Porque assim, seguida que eu sair tem que ter a outra, né? E eu não vou me meter do que ei sei porque cada um tem um modo de trabalhar, né? Às vezes, até quando, porque na nossa reunião é assim: cada qual que fique no seu lugar; se a minha amiga não tiver fazendo o trabalho direito eu não tenho o que dizer, é problema dela, né? Pra mim não sair daqui do meu canto e dizer assim: “Não, eu vou te visitar, ou eu vou te ensinar esse remédio, ou então eu vou marcar essa consulta”, se ela tem direito ao agente de saúde dela, não é eu que vou fazer, é a outra.
Às vezes, o pessoal tem vindo atrás de mim, eu digo: “Eu não sou eu, é a Fulaninha”, “A Fulaninha não faz nada”, aí, eu digo: “Eu ao sei, né, cada qual ao teu modo de trabalhar”.
É o que eu respondo a elas.
P/1 – A gente acompanha telejornal, as notícias e tudo mais.
Agora, a senhora que tá dentro do, digamos assim, do Sistema Único de Saúde, o quê que a senhora acha que melhorou e piorou na Saúde nos últimos anos?
R – Não, dum tempo pra cá piorou demais.
Tem dias que eles vão, os posto não têm medicamento.
Velhinho, os bichinho bem velhinho, sai de manhã, em jejum, pra fazer a glicemia, pra receber o medicamento da diabete, não tem.
Dez hora da manhã, eles voltam atrás porque não tem um médico.
Não tá prestando, não.
Tá completamente diferente, ficou muito diferente pra pior, desses 21 ano pra cá.
P/1 – Desde que a senhora entrou pra cá, piorou?
R – Piorou.
Os posto pioraram.
Chega num hospital, só atende se for emergência que não pode deixar de atender.
Se levar uma pessoa, vamos supor, vai uma pessoa com febre, diarreia, vômito, eles não atendem, só atende se for em caso, no risco, se já tiver risco, dor na nuca, rigidez, não sei o quê, não sei o quê.
Ficou muito difícil.
Tem muita gente que nem vai mais.
P/1 – E como é que fica os usos dos medicamentos da terra? Ainda tem gente que usa?
R – Tem, tem gente que usa, eu uso ainda, eu ainda faço.
58:59 Que nem esse pezão de árvore verde, ali, que é um pé de jucá, que diz que é bom pra dor nos ossos, é anti-inflamatório dos ossos.
Quando a minha coluna tá muito inflamada eu vou lá, caço uma baja, uma casca, uma folha, uma raiz, faço um chá e tomo, até que melhora.
59:16 Aquele outro, que hoje a menina veio até buscar aqui os galho, 59:25 o mastruz, né? Tem muita gente que ainda toma.
Passa em cima de alguma pancada, de alguma coisa, que o mastruz é muito bom pra espalhar o sangue.
Tem aquela alfavaca, que o pessoal faz banho pra lavar a cabeça pra sinusite.
Ainda tem muita gente que usa, ainda.
59:38
P/1 – E a senhora, enquanto agente de saúde, o quê que a senhora recomendaria no caso de uma, desse tipo de doença, né? Utilizar os remédios da terra ou ir pro posto de saúde?
R – Não, pro posto a gente nem diz mais nada, porque eles mesmo dizem assim: “Eu não vou no posto que eu vou não vou fazer nada lá, porque não tem remédio.
Eu não vou pra aquele hospital também porque também não presta”.
A única coisa que eles diz é essa, né? “Eu vou fazer isso, um chá, um lambedor e uma malva, uma corama, um agrião, não sei o quê, vou tomar”.
Só que muitas vezes eles nem fazem porque a gente, é assim, é como eu digo, é tão preguiçoso que acha mais melhor ir lá no mercantil, tem aqueles melzinho que já compra feito? Vai lá e bebe.
“Eu vou é comprar feito, porque lá já tem feito e daí, não sei o quê, não sei o quê, não sei o quê”.
P/1 – E pra ir finalizando, pra senhora o que que é ter saúde?
R – Ter saúde? Ah! Saúde é muito importante, meu filho.
Eu acho que saúde é melhor de que dinheiro.
Dinheiro é muito bom, mas saúde é melhor.
Porque com a saúde você constrói, não é? E sem a saúde, ninguém não é nada.
Não é porque eu não tenho dinheiro que eu vou dizer assim: “Ai, que eu não tenho, eu tô triste, eu não vou poder passar”.
Ninguém não pode passar se não tiver com saúde, né? Mas com saúde você anda, você arranja, você corre, você faz o que for possível.
Não tem outra coisa melhor do que a saúde!
P/1 – Bom, a senhora já mora aqui há muito tempo, eu queria saber, agora já pra fechar mesmo, como é que a senhora imagina a comunidade daqui a alguns anos, o que que a senhora espera que possa melhorar? Ou não, não sei.
R – Não.
Eu acho que melhorar, melhora.
Mas pra esse povo mais novo, né, que não vai ter essa coragem que a gente tem.
Eles mesmo estão se preparando, né, já no início.
Tá aí os meus neto, tudinho já tem os emprego dele nas empresa dele.
Vão fazer curso, e tem outros terminando, outros estudando, já prevendo o trabalho deles no emprego deles.
Não é como antigamente, que a gente previa plantar agricultura, né, que não tem mais de jeito nenhum.
Tá aí, mundos e mundos de terra que meu pai plantava, nós vivia da roça, era feijão, de tudo tinha.
Hoje em dia tá aí, mundos e mundos de terra, tem onde plantar e não tem um par de roça plantado.
Porque ninguém é mais disso.
Um trabalhador, ninguém acha mais porque eles querem ir pras empresas porque lá eles trabalham de carteira assinada e tudo.
E se a gente for dar 50 reais a ele por dia, pra fazer um cantinho de serviço, quando a chega lá o serviço não tá feito, eles querem o dinheiro.
E assim é como digo: “Vai alimentando a preguiça, aí vamos no mercantil com 50 reais, trago o feijão, trago a farinha e traz as coisa, né?”.
Por isso que eu digo: “Vai piorar? Vai”.
Ninguém não vai dizer que não porque vai chegar muita coisa, muita gente de fora, vai chegar a ter muitas coisas que a gente não espera, não vamos ter aquela tranquilidade, mas que melhorar no sistema de trabalho, vai.
P/1 – A senhora tem algum sonho pra realizar?
R – Se eu tenho algum sonho pra realizar? Meu filho, eu não sei nem lhe dizer no momento, tem tantos sonhos que a gente pode se realizar.
O que eu mais eu tenho assim, que eu ainda vejo ainda, assim, a minha família, eu tenho um sonho pra realizar sim, que eu tenho fé que eu ainda vou durar muito pra mim realizar, assim, de ver nos seus canto, os meus neto, casadinho, nas suas casinha.
Mas, sobre assim, dizer, não.
Num tenho um sonho que eu ainda vou realizar de morar lá em cima, ainda vou realizar, não.
Esse aí, eu não tenho não.
Tem quem diz assim: “Eu vou sair daqui, eu vou realizar o meu sonho, vou lá pra Fortaleza”, também não.
Porque, graças a Deus, como a gente, na maneira que tá, tá bom demais.
Graças a Deus! Agradeço muito a Deus por ter chegado até aqui e tá aqui, e ter meu dinheirinho pra mim ir passando, né? Antes de vir essas aposentadoria, sofria muito os pobres dos velhinhos, sofria muito.
E hoje não, todo mundo, todos os mês já tem por certo aquele dinheirinho pra ir buscar, pra comprar alguma coisinha pra casa, né?
P/1 – Tá certo.
E pra fechar de vez, que que a senhora achou de contar a sua história pra gente nessa tarde, noite?
R – Não, eu achei momentos emocionantes de começar a contar lá do final, né? Mas tá bom, tô satisfeita.
Eu espero que eu veja algum resultado pela internet, por alguma coisa assim, né? Eu não sei se vocês ainda vão voltar aqui (risos) pra nós conversar mais.
Se for pra voltar, as portas estão abertas, né? Aí, eu não sei.
P/1 – Muito obrigado, então, Dona Ana Maria.
A gente agradece a tua recepção, de novo.
R – Pois é, se vocês quiserem vim algum dia e ainda tiver alguma coisa pra realizar daqui a 50 ano, ainda tô aqui, se Deus quiser.
(risos)
P/1 – (risos) É isso aí, se Deus quiser.
Recolher