Projeto Memória Petrobras
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de Nilo Carvalho Vieira Filho
Entrevistado por Márcia de Paiva e Cláudio Terra
Rio de Janeiro, 05 de maio de 2009
Código: Entrevista: MPET_Comperj_HV_008
Transcrito por Tereza Ruiz
Revisado por Alice Silva Lampert
P/1...Continuar leitura
Projeto Memória Petrobras
Realização Instituto Museu da Pessoa
Entrevista de
Nilo Carvalho Vieira Filho
Entrevistado por Márcia de Paiva e Cláudio Terra
Rio de Janeiro, 05 de maio de 2009
Código: Entrevista: MPET_Comperj_HV_008
Transcrito por Tereza Ruiz
Revisado por Alice Silva Lampert
P/1 – Boa tarde Nilo. Gostaria de começar a entrevista pedindo que você nos diga o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Ok. Nilo Carvalho Vieira Filho, nasci em Campos no estado do Rio, atualmente chamado de Campos dos Goytacazes, em 26 de outubro de 1954.
P/1 – Qual é o nome dos seus pais?
R – Nilo Carvalho Vieira, Mirtes de Azevedo Vieira.
P/1 – O que que eles faziam? O que que eles fazem?
R – Meu pai é falecido, era farmacêutico, minha mãe é aposentada.
P/1 – Aposentada de onde por favor?
R – É aposentada... Ela trabalhava com o meu pai.
P/1 – Ah é trabalhava...
R – É, trabalhava com o meu pai na farmácia.
P/1 – Você tem irmãos também?
R – Tenho, tenho um irmão e duas irmãs.
P/1 – Você na escala é qual?
R – Era uma família pequena naquela época eu acho. Eu sou o segundo. Tenho uma irmã mais velha.
P/1 – E me diga como é que foi sua infância em Campos? Ou você cresceu em Campos ou...
R – Ah eu morei em Campos até os 17 anos. Tive uma infância muito boa de cidade pequena, uma cidade de 300 mil habitantes, 400 mil habitantes. E vim pro Rio aos 17 anos. Na verdade eu vim pra estudar porque naquela época... Lá em Campos, naquela época, não tinha escola de engenharia. Então eu vim realmente para estudar.
P/1 – Só um minutinho. Como é que era o Campos na sua infância? As suas lembranças, o que você gostava de brincar, tinha um grupo de...
R – Se vocês são do Rio de Janeiro vocês não vão acreditar.
P/1 – Vocês moravam em casa?
R – Eu morava em casa, é... Ah, era um tipo de vida totalmente diferente das crianças de hoje em dia, né? Era subindo em árvore, especialmente quando tava passando a boiada embaixo da árvore. Passava assim 100 bois, né?
P/1 – Com direito a boiada e tudo é bom, né?
R – Com direito a boiada e tudo e... Um tipo de vida bastante em contato com a natureza. Muito simples assim sob o ponto de vista de que as famílias eram muito unidas, né? A vizinhança toda se conhecia. Aqui no Rio normalmente você não conhece o seu vizinho ou conhece por acaso. Lá não, lá havia um convívio entre os vizinhos, né, a criançada toda brincava junto. Enfim, era totalmente diferente da vida de hoje em dia, eu creio. Mesmo lá talvez não tenha mais aquela vida livre que existia antigamente porque não existe mais a segurança que existia antigamente, né? Então realmente uma infância muito boa.
P/1 – E escola primária lá você fez qual?
R – Olha, eu fiz escolas particulares, né, tanto... Naquela época era chamado de primário, ginasial, mas quando veio o científico não, eu fiz escola técnica federal lá em Campos mesmo. E em seguida eu vim pro Rio pra fazer engenharia.
P/1 – O que que você gostava de estudar na escola? Você foi um bom aluno? Gostava de...
R – Eu gostava do que eu gosto até hoje, matemática, história, economia. Talvez sejam as três coisas que eu gostava mais de estudar e é o que eu gosto muito até hoje.
P/1 – E aí a sua decisão também por engenharia como é que foi? O seu pai era farmacêutico...
R – Muito simples.
P/1 – Como é que foi?
R – Antigamente as pessoas queriam ser ou engenheiro ou médico, poucas pessoas queriam ser algo diferente de engenheiro ou médico. Como eu não gostava de medicina então eu preferi ser engenheiro. Na verdade eu trabalhei muito pouco tempo com engenharia, engenharia realmente como um engenheiro trabalha no serviço de engenharia da Petrobras. Eu logo entrei na área comercial e comecei a trabalhar com comércio. Claro que a base matemática e a base econômica que você adquire na escola são fundamentais para que você possa desenvolver o seu trabalho aqui na área comercial, mas, não é exatamente engenharia quando você tá na área comercial. Agora curiosamente depois de tantos anos eu volto um pouco à engenharia uma vez que estou no Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro], né? E trata-se de um projeto de implantação de um empreendimento. Então com bastante ligação com a engenharia. Então eu volto...
P/1 – Às origens.
R – Às origens, né?
P/1 – Você fez faculdade onde?
R – Eu fiz em Niterói, Federal Fluminense, UFF.
P/1 – E aí como é que foi? Você fez o vestibular pra cá, veio morar sozinho, como é que foi?
R – Fiz vestibular, vim morar sozinho. Na verdade minha mãe era muito cuidadosa, tentava encontrar um local que a gente pudesse morar, eu né, pudesse morar de forma segura, mas é... Os pais se preocupam muito, né? Mas a partir de uma determinada idade os pais não tem como controlar os filhos, não é isso? Especialmente na medida em que eles saem de casa. De qualquer forma eu sempre fui muito tranquilo, então eu nunca fui de fazer algo que pudesse gerar preocupação para eles não. Mas eu morava realmente com alguns colegas depois...
P/1 – Primeiro você morou sozinho?
R – Ah, eu morei em diversos lugares e até... Eu morava... Cheguei a morar numa espécie de pensão, até que eu fui me ambientando e... E consegui é... Aos poucos ir conhecendo outros colegas: “Onde você mora?”, “Onde você mora?”. E situações parecidas com a minha e finalmente conseguimos nos juntar quase todos, aqueles que tinham um bom relacionamento, digamos uns oito, não me lembro quantos éramos é... Numa espécie de uma pensão. Era uma casa em que o casal dono da casa alugava para os estudantes, porque a casa ficava em frente a Faculdade de Engenharia e eles moravam numa outra casa onde cozinhavam e serviam refeições não só para nós, mas para muitas pessoas da escola de engenharia. E eram pessoas maravilhosas e a dona da casa cozinhava muito bem. Então realmente foi um achado e ali eu fiquei até me formar praticamente...
P/1 – E sua mãe aprovou?
R – Ah, sim! A minha mãe até hoje toma conta, né?
P/1 – Como toda mãe.
R – É, não tem jeito.
P/1 – E desse período da faculdade quais são as suas lembranças assim... Foi muito estudo, você também se divertia, gostava de se divertir com essa turma? Era a mesma que você saia pra turma de estudo?
R – Veja bem, a questão é, eu nunca achei que eu tenha estudado muito. Nem antes da faculdade, nem durante e nem depois. Eu sempre achei que eu estudava o normal, tá? E também nunca tive problema com isso. Eu achava que era normal e as minhas notas eram normais, então era tudo normal. Então não vou dizer que eu tenha somente estudado, não. Não eu estudava, me divertia, brincava e tocava violão e saía. Enfim, tinha uma vida normal e nunca tive problemas assim na faculdade. Eu nunca tive problemas com a escola, eu prestava atenção na aula, estudava e nada além disso. Era algo normal.
P/1 – E aí você se formou quando?
R – Eu me formei é... Na verdade foi final de 1977, mas a colação foi no início de 1978.
P/1 – Aí você se formou em engenharia...?
R – Mecânica.
P/1 – Mecânica.
R – E logo que me formei... Era uma outra época, havia muito emprego naquela época. Então eu fiz três provas, curiosamente... O pessoal achava que eu era cuca fresca, sabe? Vai ver que era mesmo, porque na medida em que foi se aproximando da formatura estavam todos preocupados com trabalho e eu não tinha, assim, grandes preocupações com essas coisas, eu achava que era natural. E aí efetivamente foi, curiosamente aconteceu como eu achava que era. E na medida que eu vi os meus colegas todos falando: “Pô, tem que fazer prova, tem que fazer prova”. Aí eu falei assim: “Ah, então tem que fazer prova!”. E eu me inscrevi...
P/1 – Prova pros concursos?
R – Pros concursos, né? E eu me inscrevi em três provas. Eu posso falar o nome das companhias pra você?
P/1 – Claro.
R – Eram a Ishibrás, que nem existe mais, né, naquela época era um estaleiro que tinha aqui no... Pertinho da ponte do Caju, né?
P/1 – Na praça ali... Caju, né? E era um bom emprego, né?
R – Eu te conto. Era a Nuclebrás, que era a energia do futuro naquela ocasião e a Petrobras, que era a energia do trabalho naquela época. Ah eu... O primeiro que eu passei logo foi a Ishibrás, então lá fui eu assinar o contrato, só que quando sentamos... Éramos assim uns, não sei,
vinte, trinta, não sei quantos numa sala para assinar o contrato e o japonesinho lá na frente. E eu pensei assim: “Não vai dar pra trabalhar com esse japonês. Não vai funcionar isso não...”
P/1 – Por quê?
R – Porque quando eu cheguei na Ishibrás eles tavam fazendo ginástica, o pessoal todo fazendo ginástica no pátio. Eu já achei... Tudo legal, é muito bom fazer ginástica, inclusive eu faço ginástica, mas... Aquilo não era muito brasileiro, sabe? Era japonês demais. E sabe que estávamos eu e um colega e na hora de assinar o contrato eu olhei para o meu colega e ele olhou para mim e os nós dois levantamos e fomos até o japonês e falamos: “Olha...” . E eu falo japonês porque ele era efetivamente... Não era um japonês brasileiro, não, não era um brasileiro, era um japonês mesmo. E eu falei para ele: “Olha, desculpe, mas eu não vou assinar o contrato, eu mudei de ideia”. Ele pediu que a gente saísse sem causar qualquer distúrbio. E nós saímos. Eu saí feliz por não ter assinado, é... Eu nunca vou me arrepender de não ter assinado...
P/1 – Seu amigo saiu também?
R – Saiu também, saiu também...
P/1 – E é uma coragem, né, também tomar uma decisão dessa assim no ato de assinar, né?
R – Ou talvez nós não tivéssemos assim tanta consciência das coisas, né?
P/1 – Fosse mais leva pra tomar uma atitude dessas.
R – É... Como eu tô dizendo a vida era mais... Hoje eu me pergunto se é porque eu era mais novo ou se é porque a vida era mais fácil, ou talvez as duas coisas.
P/1 – Você pensava também nos outros dois que você tinha.
R – É, porque tinha também outros dois que não saiu o resultado ainda, né? Mas se não fosse nesses outros dois seria em algum outro lugar, mas ali eu não queria trabalhar. Eu não gostei de chegar ali e ver aquele pessoal fazendo ginástica obrigado. Eu não gostei de chegar e ver que eu ia lidar com uma pessoa que era totalmente distinta da minha cultura, era muito diferente. Então eu não me senti bem, eu preferi não assinar o contrato.
P/1 – E aí os outros dois concursos você já tinha feito, como é que foi?
R – Bem, a Petrobras eu não me lembro se eu já tinha feito ou estava por fazer. Logo que eu passei na Nuclebrás eu nem me preocupei mais com o resultado da Petrobras, eu não vim... Eu me limitei a fazer a prova, receber o telex em casa, que antigamente era um telegrama, né? E... Mas nem... Abandonei. A partir do momento em que fui trabalhar lá, tinha a opção de trabalhar na energia do futuro, aí eu queria trabalhar na Nuclebrás, construir usinas nucleares, fazer projeto de usinas nucleares. E realmente fui pra lá e trabalhei nisso alguns anos, né, uns seis anos. E trabalhava efetivamente com engenharia, com projeto da usina. E conversava muito com os alemães, trocava muitas ideias e eu acho que eu fiz um bom trabalho, porque eles gostavam.
P/1 – Isso da usina de Angra...
R – Não, era uma usina de reprocessamento de urânio. É...
P/1 – Onde?
R – Se tivesse sido construída seria no Espírito Santo, mas ela não foi construída. A única usina construída... Angra I é da Westinghouse , né, e Angra II. Angra III ainda tá ali, esperando para ser terminada. Esses dias eu estive na Nuclep [Nuclebrás Equipamentos Pesados]. A Nuclep era Nuclebrás, né, equipamentos pesados. Era uma fábrica de reatores... Fábrica de usinas nucleares naquela ocasião. E ela era a maior do mundo na ocasião, equipamentos moderníssimos para que fosse possível montar mais de uma... Não uma, mas a cada ano ser inaugurado mais de uma usina. E eu estive lá e encontrei lá dentro o reator de Angra III. Ele tá lá preservado, super bem guardado, em gás inerte, dentro de uma câmara, é... Enfim, eu fiquei surpreso de ver como os brasileiros são capazes de desperdiçar, porque o que tem de equipamento guardado, sendo que o reator está guardado na Nuclep, que ele precisa ter um tratamento especial, é... Uma quantidade enorme de dinheiro.
P/1 – Esse reator nunca foi usado ou ele não chegou a ser implementado?
R – Esse... Angra III nunca foi montada. Agora que o governo está tomando a decisão de montar Angra III. Nós avançamos até um ponto ali em Angra III em que talvez tenham sido gastos, eu não posso afirmar, mas talvez dois terços dos gastos tenham sido executados. E de repente a obra parou, né? E ficaram os equipamentos lá, são conservados da melhor maneira possível, tem um custo de conservação. Então, além de ter tido um custo do capital imobilizado teve um custo de conservação. E não teve a geração de renda e nem de riqueza, né? Mas infelizmente aconteceu.
P/1 – E você gostava desse trabalho lá...
R – Ah eu gostava muito, dá licença... [pausa breve para beber água].
P/1 – Você trabalhava nos projetos de construção...
R – Não, eu trabalhava no projeto não da usina nuclear, da usina de reprocessamento do combustível. É uma usina onde o combustível é diluído e são separados então os componentes, aquilo que vai ser por alguns definido como lixo atômico, para outros pode ser usado para outros fins, né? Mas enfim, eu adorava! Aliás isso é uma coisa que eu posso afirmar, eu sempre gostei de tudo que eu fiz. Eu adorava trabalhar no projeto e... Especialmente porque não é um projeto simples e comum, era tudo à distância, você projetava as coisas para operar à distância. Entre você e a peça que estava sendo manuseada existia uma parede de mais de um metro de espessura e normalmente com chumbo. Então é... As coisas tinham que acontecer à distância através de uma série de mecanismos sofisticados, que naquela época já eram muito sofisticados e que hoje eu não sei se estão muito difundido, mas não há razão para ter equipamentos tão sofisticados assim aonde você não tem radioatividade. Então era realmente empolgante.
P/1 –
E como é que apareceu a Petrobras?
R – Não, veja bem, eu fui até o último dia lá na Nuclebrás empolgado com o trabalho, mas, a partir de um determinado momento, eu não tinha a menor dúvida de que ela não seria construída. Aí como que você consegue ficar motivado com uma coisa que não vai ser construída? Quando... Eu acho que foi 1980 ou 1981, ocorreu uma grande recessão no Brasil, houve... A partir dos choques do petróleo em 1973, 1978, especialmente 1978 quando os preços subiram muito. E a partir de então, 1979, os preços subiram muito. Foi, naquela época, o equivalente a 40 dólares por barril. Então naquela época de todas as exportações brasileiras, mais de 90 por cento era gasto com importação de petróleo. É óbvio que nenhum país suporta uma carga dessa e deu no que deu, houve uma... O país foi a bancarrota mesmo, né, e tivemos moratórias, duas... Então, embora eu fosse ainda muito novo, não foi difícil imaginar: “Isso aqui não vai acontecer!”. Então surgiu por acaso em... Aí eu não me lembro a data, 1985 eu acho, né? Eu comecei a trabalhar lá em acho que em 1979 e 1985... Ou de 1978 até 1985, algo assim. Bem, nesse período, não havia muitas opções de emprego. Eu gostava daquele trabalho, eu gostava do que eu fazia, mas a esperança de que fosse ser construída foi morrendo aos poucos, como eu falei. Então, quando surgiu a primeira oportunidade de ir pra Bahia trabalhar numa empresa de engenharia eu não fui, porque a minha esposa não se animou. Achou que não era uma boa ir pra Bahia, queria ficar mais por aqui, tudo bem... Mas logo em seguida surgiu a possibilidade de fazer uma prova para a Petrobras. Agora imagina, depois de tantos anos, já tinha uns seis anos, seis anos e meio, de formado, eu não tinha estudado naquela época, eu tinha esquecido química, uma porção de coisas que eu não lidava lá. Como que eu ia fazer a prova? Bem, fazendo, né? Eu fiz.
P/1 – Você não chegou nem a estudar um pouco?
R – Não, eu peguei uns livros de química, que eu tava muito esquecido, e dei uma lida rápida, mas pra falar a verdade é... Não tinha nem tempo, né, eu trabalhava então... Eu fiz a prova e passei. Curiosamente quando eu fiz a prova, fiz porque eu queria trabalhar na área comercial e aconteceu de eu passar, fui fazer o curso que naquela época era chamado de curso de COSUP, né, Comércio e Suprimento... Técnicos de Comércio e Suprimento. E me entusiasmei pela área de Petróleo. Eu não queria trabalhar com derivados, nem com álcool, queria trabalhar com petróleo. Só tinha uma vaga, mas eu fui escolhido para trabalhar na área de petróleo.
P/1 – Desculpa, mas da onde saiu esse interesse? Você tava trabalhando também...
R – As coisas vão acontecendo, né...
P/1- Você foi lendo, aí você tomou contato com a Petrobras, foi vendo a área de interesse que você queria...
R – Não, veja bem...
P/1 – Você já fez a seleção pra fazer o curso?
R – Um dia uma amiga chegou e falou assim: “Nilo, vai ter uma prova na Petrobras, você viu?”. Eu falei: “Não”. ”Vai”. Eu falei: “Que área?”. “Comercial”. Eu falei assim: “Pô, mas deve ser muito bom trabalhar na área comercial!”. Aí eu fui me informar um pouquinho e falei assim: “Bom, é legal à beça! Vou comprar, vender, importar, exportar, fazer planejamento das refinarias. Bom, é isso que eu quero!”. Totalmente diferente do que eu fazia, mas quem disse que tem que ser igual, né? Eu fiquei entusiasmado. E fiz a prova, como falei, fui fazer o curso e durante o curso a área que mais me entusiasmou foi a área de petróleo. Que eu pensei assim: “Petrobras tem a ver com petróleo!” Pelo menos naquela época, hoje em dia tem a ver com gás, com muitas outras coisas, mas naquela época eu imaginava: “Petróleo, é aqui que está o núcleo e é aqui que eu quero estar”. E por sorte fui escolhido, porque naquela época nós não éramos ouvidos, éramos escolhidos. Eu fui escolhido para trabalhar no petróleo. Eu mencionei é claro, né, conversava com as pessoas e dizia: “Oh, eu gostaria de trabalhar na área de petróleo”. Mas só que tinham muitos outros que queriam também.
P/1 – Nessa época tinham já essa separação: petróleo, diesel... Já tinham essas separações pro comércio, ou não?
R – Não, veja bem, naquela época existia uma divisão especializada em petróleo e uma divisão especializada em derivados, uma outra cuidava de álcool, se não me falha a demora. Tinha... Enfim, a estrutura da companhia vem... É viva, né? Então ela vem...
P 1 – Se modificando.
R – Ela vem evoluindo lentamente e constantemente. Então, não se pode comparar a estrutura de hoje com a de antigamente, mas...
P/1 – Ainda era DECOM?
R – Era... Já era DECOM, ou ainda era DECOM, eu não sei. Antes de eu entrar eu não sei como é que era. Era o Departamento Comercial sim. Então eu fui trabalhar na área de petróleo e, ao chegar lá, eu percebi que era diferente do que eu imaginava, tinha algo que não era exatamente como eu gostaria. E foi nesse momento que surgiu uma coisa chamada Mercado Futuro, de energia. Em Nova Iorque estavam sendo transacionados barris na bolsa de futuros, na EMEX. E as pessoas que trabalhavam na área de petróleo não achavam aquilo importante, porque era algo que... enfim, não tinha uma boa liquidez ou... Era um mundo diferente do mundo de até então, mas eu não... O mundo de até então para mim era um mundo que tava... Era do passado. Então eu me interessei e automaticamente fui escolhido: “Ah, já que alguém tem que ir vai você, já que você gostou, né?”. E lá fui eu e isso foi ótimo porque, em menos de um ano, o mercado mudou totalmente, o mercado passou a ser totalmente governado pelo Brent, pelo Dati, que são petróleos de referência em bolsa. E eu tava lá na frente, no meio daquele grupinho pequeno, eram três pessoas. Então foi muito bom. E... Assim as coisas vão acontecendo na vida, né?
P/1 – E você foi pra essa área de mercado futuro, você começou a se interessar, fez curso, como é que foi?
R – Sim, a gente vai estudando e aí eu fui para Nova Iorque pra passar lá poucos meses e...
P/1 – No escritório de comercialização de lá?
R – É, era em Nova Iorque na ocasião, atualmente é em Houston e... Eu tive a oportunidade de fazer o primeiro contrato de Dubai, petróleo Dubai naquela época...
P/1 – Conta pra gente um pouquinho?
R – Ah, conto. Quando eu cheguei em Nova Iorque nós não sabíamos o que era um contrato de Dubai. Então, o que eu fiz foi procurar um japonês e falar para ele: “Olha, eu gostaria muito de fazer negócios com a sua companhia, mas acontece que eu não entendo nada de contrato de Dubai. Se você me ensinar alguma coisa talvez a gente consiga fazer negócios”. E o japonês me disse assim: “Olha, foi ótimo você me dizer isso, porque eu tenho orientação da minha casa matriz...” . Porque eles são todos... Todo organizados, são muito organizados. “Eu tenho orientação que é para buscar fazer negócio com a Petrobras. Então você venha ao meu escritório que eu vou te mostrar tudo”. Bem, quando ele me mostrou o contrato de Dubai, eu falei assim: “Meu deus do céu, é um petróleo como outro qualquer, não tem diferença nenhuma!”. Era simplesmente absolutamente igual, se tinha alguma diferença, é que tinha mais liquidez. Era fácil comprar e era fácil vender.
P/1 – Mas existia uma aura com o petróleo... Com o contrato de Dubai?
R – Nós não conhecíamos, naquela época tava tudo começando, nós vivíamos no Brasil, muito longe de lá, é... Até 1986 o mundo do petróleo era controlado pelos árabes, pelo oriente médio, os preços eram tabelados, fixados por eles. Então eu entrei bem no ano da mudança, no ano em que a Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] não resistiu. Quando ela impôs um preço alto ao mundo ela tinha uma produção da ordem de 31 milhões de barris e o mundo consumia 50. Era cerca de 60 por cento do mercado. E a população árabe foi crescendo, não só árabe, porque os países da Opep não são somente árabes, né? Então, os países da Opep, a população foi crescendo, foi demandando mais, entrou muito dinheiro e eles queiram, naturalmente, usufruir daquele dinheiro. Parte foi bem aplicada, parte não foi bem aplicada, como é muito natural. Só que aquele preço alto que era uma espécie de um imposto que eles impunham ao mundo gerou o quê? Um aumento da eficiência dos motores, proálcool
no Brasil, economias por todo lado. Então em 1978 a Opep estava lá reinando absoluta e impondo os preços que queria, havia inclusive racionamento em alguns países da Europa. Oito anos depois a produção deles era metade, o mundo tinha aprendido a economizar, como eu falei, com motores mais econômicos. E com 15 milhões de barris por dia eles não conseguiam mais sobreviver, nem mesmo com aquele preço alto, que agora era metade da renda e o povo queria mais. E eles tinham outros compromissos, investimentos, outras coisas, né? E o que aconteceu
foi que eles foram obrigados a abandonar aquela política de preço definido pelo vendedor e adotar uma política de preços orientados pelo mercado e naquela ocasião o que era o mercado? O mercado tava nascendo, aí não sei se vale a pena contar, porque tem fazer, né, fórmulas netback e uma série de coisas...
P/1 – De uma forma que um leigo entenda, mais simplificada, seria muito interessante.
R – Olha existia um sheik chamado sheik Iamani, ele era uma pessoa genial, uma capacidade muito grande de ver soluções para as coisas. E ele foi basicamente a pessoa que... Que organizou a Opep e conseguiu elevar os preços àquele nível, junto, naturalmente, com os demais países porque ninguém faz nada sozinho. Mas ele era uma pessoa extremamente importante, ele era o responsável pelo petróleo da Arábia Saudita que sempre foi e ainda é a peça chave em todo esse equilíbrio de petróleo. Bem... O sheik, em 1986, quando viu que não tinha jeito, o mercado estava cada vez menor para eles, resolveu fazer o seguinte: “Olha, refinador de qualquer lugar do mundo, se você comprar o meu petróleo eu garanto que você vai ter lucro. Como que eu garanto? O preço do petróleo vai ser formado a partir do preço do produto que você vender. Então você venda o produto, a gente faz a conta de trás pra frente, inclui uma margem pra você e aí a gente define o preço do petróleo”. É como eu virar pra um dono de supermercado e falar assim, sendo um produtor de feijão, ou de ovos, ou de qualquer bem: “Olha, não se preocupe, compre, venda, a gente faz a conta de trás pra frente, eu te garanto uma margem e aí a gente calcula o meu preço”.
P/1 – E isso pro Brasil também era bom?
R -
Olha, para os países que naquela época dependiam de importação de petróleo foi ótimo, porque o que aconteceu é que... É lógico que isso é uma forma simples de contar a história, tá? Na verdade o preço não era calculado depois de vendido, estimava-se antes por quanto seriam vendidos os produtos e fazia-se uma fórmula que chamava-se fórmula netback e que deveria representar essa realidade. E na prática representava, tanto representava que o mundo inteiro saiu comprando petróleo e refinando e vendendo produtos e o que aconteceu é que o preço foi caindo, caindo, caindo, caindo e nessa o sheik Iamani infelizmente errou. Porque ele não definiu um limite de volume e com isso os preços caíram a níveis irrisórios, chegaram a bater quase um dólar em alguns lugares, a Petrobras chegou a comprar petróleo árabe pesado por três dólares e cinquenta o barril.
P/1 – Era difícil também comercializar ainda sob monopólio, né, vocês tinham alguma limitação?
R – Tinha no sentido de que, hoje em dia, é mais fácil a empresa compreender a importância da comercialização, que era vista como suprimento, puro suprimento. E é fácil de entender isso, um país que estava em concordata, um... Um... Uma década perdida, né, inteira, uma década horrível de hiperinflação e tudo mais. Uma empresa que tinha muito... Era muito respeitada no exterior, mas que dependia de dólares para efetuar o pagamento. Nunca faltou dólares para a Petrobras efetuar seus pagamentos, mas era natural que os vendedores tivessem medo, e o país precisava de energia, precisava de petróleo. Então a visão que existia dentro da Petrobras era uma visão, naturalmente, de suprimento. E nisso a Petrobras conseguiu um feito notável, porque ela nunca deixou o país tem qualquer problema de suprimento, mesmo naqueles piores momentos, se nós formos ver a história é fantástico o que foi feito.
P/1 – Vocês tinham essa noção dessa missão de estar abastecendo também... De abastecer o país?
R – Mais do que noção, existia - e existe ainda, pelo menos entre os mais antigos - um nacionalismo muito forte e uma consciência enorme da necessidade de abastecer o país da forma mais barata possível. É óbvio que isso levou a Petrobras e o governo federal a fazerem certas coisas que hoje não fariam sentido, como por exemplo, estimular o uso de óleo combustível muito pesado, ultra viscoso, alguns produtos que hoje em dia não fariam sentido, não teriam significado econômico, talvez não fossem corretos do ponto de vista ambiental. Mas era uma outra época, e muitas decisões foram tomadas. Talvez aqui dentro dessa empresa esteja a memória de algo que está se perdendo, a memória de que aqui talvez tenha sido salvo o país, porque se não fosse a Petrobras...
P/1 – Pelo abastecimento?
R – Ah sim, se não fosse a Petrobras o país teria colapsado de vez, não havia como.
P/1 – Por essa época do choque do petróleo, depois de 1970 e 1980...
R – Nunca faltou produto no Brasil, apesar de faltar dinheiro, faltava tudo! Como que era possível... Eu realmente às vezes me pergunto: “Como foi possível?”. Eu não sei.
Mas fizemos.
P/1 – Tem alguma lembrança assim dessa... Como era possível, mas fizemos, assim que você se lembra desse esforço para vocês comprarem petróleo mais barato?
R – Pedir dinheiro aos árabes para permitir que nós pagássemos com noventa dias ao invés dos trinta habituais, é... E porque que eles concordavam se o Brasil estava quebrado? Eles concordavam porque talvez eles... Talvez não, com certeza, eles tinham uma certa confiança na Petrobras, que eles não tinham em outras companhias. E foram épocas difíceis, mas poxa, eu falo da perspectiva de uma pessoa que tava na área comercial, mas se nós formos olhar essa empresa inteira ela inteira estava trabalhando por algo que... Que era extremamente importante, o AIP [Acordos de Individualização da Produção] estava trabalhando, Bacia de Campos, desenvolvendo Bacia de Campos, antecipando produção. A logística estava trabalhando de uma forma espetacular porque, com muito pouco dinheiro para investir em logística, conseguir suprir esse país inteiro sem faltar produto em lugar algum nunca! Então eu entendo que mesmo fora do meu mundinho lá onde eu vivia na área na área comercial, a empresa inteira estava dedicada a um projeto nacionalista, tinha uma visão realmente de país. E havia, inclusive, conflitos entre os colegas por causa disso, né, porque às vezes as visões não eram as mesmas. E é graças a isso que eu acho que nós chegamos à Petrobras que temos hoje.
P/1 – Nilo, adoraria continuar com você nessa parte. Eu quero voltar
um pouquinho para sua trajetória, porque se não a gente também não termina e nem dá tempo de tratar com Comperj. Eu tava me lembrando, eu cheguei a procurá-lo para a parte da área comercial que a gente fez umas temáticas pra história da comercialização...
R – A área comercial eu realmente conheço bastante...
P/1 – Se a gente puder depois ainda marcar uma outra, mas enfim... Vamos retomar a sua trajetória. Aí você ficou trabalhando nessa parte de mercado futuro, na área comercial...
R – É, eu trabalhei um tempo na parte de mercado futuro, como eu falei eu estive em
Nova Iorque e estive lá por pouco tempo, alguns meses, e voltei e continuei trabalhando nessa área, mas aos poucos, os conceitos do mercado futuro foram se espalhando por dentro do... Da área comercial, que era natural que acontecesse porque tava acontecendo no mundo inteiro isso. Então eu fui convidado para ser o gerente da área de petróleo, na época era chefe de setor, acho que hoje em dia não existe mais, né? Existe gerência setorial hoje, mas não chefe... Chefia de setor. Bem... Mas eu fiquei muito pouco tempo ali, fiquei talvez uns seis meses porque aí eu fui convidado para ir pra Londres, para a área de comercialização em Londres onde eu fiquei quatro anos.
P/1 – Você ficou com o Dib? O Dib também trabalhava nessa época?
R – Eu trabalhei... Eu vim encontrar o Dib... Quando eu retornei de Londres eu retornei para ser o chefe da divisão de derivados e numa das gerências da divisão de derivados... Que aí já não era chefe de setor, era chamado de gerência, estava trabalhando o Dib e foi ali que eu o conheci, ele trabalhava com GLP [Gás Liquefeito de Petróleo], que é gás de botijão, né?
P/1 – Ele ficou em Londres também, né?
R – Sim, mas isso foi mais tarde.
P/1 – Mais tarde.
R – Ele passou, creio, que por Nova Iorque, não, por Houston, creio que ele passou por Houston.
P/1 – Tudo bem então, vamos retornar a sua trajetória.
R -
Aí eu já não sei, mas ficou bem mais tarde, não na mesma época que eu.
P/1 – E você ficou quatro anos em Londres nessa parte de comercialização...
R – Quatro anos... De comercialização, comprando, vendendo e combinando cargas e enfim, tudo aquilo...
P/1 – Você se lembra mais ou menos o período?
R – Foi eu creio de 1990 à 1994, por aí. Porque eu entrei na Petrobras em 1985, fiquei um ano no curso, comecei a trabalhar em 1986. Em 1988 eu fui à Nova Iorque, em 1990 eu acho que fui pra Londres.
P/1 – E o mercado estava calmo, como é que também você pegou...
R – Não, aí já não... Aí já era o novo mercado, muito parecido com o de hoje, com uma dinâmica de mercado, não mais com aquela dinâmica, ou com a falta dinâmica que os árabes... A OPEP tinha imposto, né, preços fixos e etc. Não, agora era um mercado normal, de commodities. O petróleo era uma commodity, a gasolina era uma commodity, e é. Então foi nesse mercado que eu vivi. E aí era tudo misturado, era mercado físico, mercado futuro e... Operações financeiras de opções, enfim, já era o mercado normal.
P/1 – O que que te marcou desses quatro anos?
R – Ah, o que me marcou é que foi ótimo. Eu adorei fazer o que eu fazia, porque você podia trabalhar combinando operações de mercado futuro com operações físicas. E isso permitia muitas alternativas de negócio. Então era ótimo, sob o ponto de vista comercial, ter a oportunidade de comercializar os produtos mais valorizados... Uma carga de petróleo certamente tem um valor considerável, carga de derivados, porque eu trabalhava com derivados também. Nós éramos poucos, então a gente não fazia só um produto, fazia petróleo, fazia GLP [Gás liquefeito de petróleo], fazia condensado, fazia diesel, fazia gasolina, Nafta [Tratado Norte-americano de Livre-Comércio], enfim, fazia o que era necessário. E... Fazia o mercado físico, o futuro, as duas coisas ao mesmo tempo, que o raciocínio tem que ser realmente complementar, que uma coisa completa a outra. E era ótimo, motivação total, trabalhava sábado porque os árabes trabalhavam no sábado e...
P/1 – E aí você voltou de lá, tem um período mais ou menos...
R – Eu voltei de lá...
P/1 – Você veio pra onde?
R – Aí eu vim para a chefia da divisão de comercialização externa de derivados.
P/1 – E como é que você... Como é que foi a volta, tava... A empresa tava diferente?
R – Olha, exceto pelo fato de eu ter ficado um pouco chocado com o estado em que estava o Rio de Janeiro... Porque nesses quatro anos tinha... A cidade parecia que tinha envelhecido, sabe? E logo quando nós saímos do Galeão havia uma blitz com fuzis, um negócio apavorante, eu estava desacostumado, para falar a verdade. Agora não, virou uma coisa normal, mas no início foi assim uma coisa: “Meu deus o que que é isso?”. Mas, exceto por isso, o retorno é uma coisa assim muito natural, é como se você nunca tivesse saído. Você se choca no início ao ver a cidade um pouco abandonada, naquele momento ela estava mas, um dia já se acostumou, é a tua cidade. E quando
você entra aqui para trabalhar é como se nunca tivesse saído, não tem diferença, como se nunca tivesse saído. É uma coisa assim muito rápida a adaptação, pelo menos a minha, né?
P/1 – Mas você voltou já em 1990... Já quase abrindo também aqui, né? Abrindo o monopólio aqui, não é não? Ou já tinha quebrado?
R – É um pouco antes, agora... Não foi antes, foi antes, 1994, por aí né, 1995, foi antes. O monopólio foi quebrado quando? 1998, 1999...
P/1 – Final de... É, 1998 era um período de transição, né? Bom, mas aí você ficou nessa parte...
R – Eu fiquei nessa divisão, né... Naquela época... Bem, em algum momento aí, que eu não sei dizer, acabou o Decon [Departamento Estadual de Polícia de Consumidor] e foi criado o abastecimento, né? Um pedaço do Decon virou a logística, junto com o Detran [Departamento Estadual de Trânsito], e... Então ficou o refino, um pedaço do refino também veio para dentro da logística, houve uma rearrumação. Eu sou sincero, eu não me lembro se nessa... certamente foi depois dessa época, tá? Mas agora a memória está falhando.
P/1 – É, o abastecimento já foi depois da quebra, né?
R – Eu creio que sim, foi depois da quebra, mas eu não tenho certeza.
P/1- Tudo bem, ou tava preparando.
R – Já tava muito próximo de acontecer, tá? Talvez já tivesse até acontecido, eu não me lembro.
P/1 – Mas foi uma grande reorganização, né?
R – É, houve muitas reorganizações, se eu soubesse a data exata... Eu sei a sequência das coisas, mas a data, a data eu não sei.
P/1 – Isso não tem importância, eu prefiro que você conte a sequência, o que que foi importante pra você.
R – O Decon, uma parte dele foi para logística e foi uma solução porque uma parte do Detran, que é o departamento de transporte, veio para dentro da logística também. E a logística passou a ser a parte que era responsável pela... Pelo planejamento da produção, das importações, das exportações. E o MC, naquela época era o MKC, a parte de MKC, ficou responsável pela comercialização. E o refino ficou, naturalmente, responsável pelo refino. Então, a logística foi formada por colegas do Decon, do Detran, e alguns do refino. Então houve uma continuidade com a qual nós devemos nos preocupar hoje, porque originalmente as pessoas que estavam que estavam no DE... Na logística e no Detran, no MC, eram pessoas que tinham sido, trabalhado juntos, formados juntos. Aos poucos, estão entrando muitos novos petroleiros e esses novos petroleiros, na medida em que eles entram somente na comercialização ou somente na logística, corre o risco de eles não terem a visão da outra parte. Eu acho que nós devíamos nos preocupar com isso, porque sempre foi muito fácil o convívio e o diálogo e também as brigas, sempre foram muito tranquilas no sentido... Muito produtivas, porque todos conheciam os dois lados, não sei como vai ficar daqui pra frente se você não tiver um rodízio, né? Bem...
P/1 – Mas aí você também mudou de área, você ficou... Continuou com...
R – Eu fiquei ali no... No... Dois anos nessa área de... Na divisão de comercialização e derivados. Depois, eu fui ser superintendente adjunto, porque naquela época o chefe era chamado de superintendente, não era gerente executivo. E existia um adjunto, que era um nível intermediário entre o superintendente e as divisões. Eu acho que não há mais nenhuma área da Petrobras que tenha adjunto, que eu saiba. Então eu fui ser superintendente adjunto lá do MKC, naquela ocasião era o nome. Ali eu devo ter ficado também uns dois anos, quando eu fui convidado pra ir pra diretoria da Braspetro, a diretoria da Braspetro era onde estava começando a comercialização da Petrobras. A Petrobras tinha acabado de comprar a refinaria na Bolívia. E eu fiquei ali na Braspetro, não sei se foram oito meses ou um ano, algo por aí, porque o que ocorreu é que houve uma grande reestruturação na companhia e a Braspetro foi absorvida dentro da estrutura da Petrobras, deixou de ser uma subsidiária independente, como era, passou a ser somente uma subsidiária de papel e ela foi absorvida sob a forma de área internacional. Então nasceu uma diretoria internacional, o que antes estava numa empresa passou a ser uma diretoria da Petrobras. Então da Braspetro eu vim para ser o gerente executivo de uma das áreas, da área internacional naquele momento, eram três gerências executivas, não são as mesmas que tem hoje, porque a estrutura...
P/1 – Mas a sua qual é?
R – Eu tomava conta da parte de downstream. Agora, não tem nada a ver com a estrutura de hoje, totalmente diferente, né? A área internacional estava nascendo, então...
P/1 – Estava se organizando ainda...
R – Estava... Estava nascendo, no início éramos poucos. Bem, ali eu fiquei até que Braspetro mais área internacional deve ter dado aproximadamente dois anos, curiosamente eram sempre dois anos, as mudanças ocorriam sempre em janeiro. Até que a Petrobras comprou uma distribuidora na Argentina chamada EG3, e lá fui eu ser diretor da EG3 e chegamos num momento bastante interessante de vida, porque foi exatamente no momento... Eu cheguei na Argentina dez dias antes da queda do De La Rua, antes de ter ocorrido aquele cacerolazo, aquele sangue argentino...
P/1 – Fervendo.
R – Fervendo. Então eu tive a oportunidade de viver toda uma fase de transição, né, lá na Argentina. Diversos presidentes em uma semana, e depois trabalhamos com muita dificuldade, porque com os bancos fechados, como que a gente podia vender? Não sabia se o cliente tinha pago, se não tinha pago. Então, mais uma vez a Petrobras conseguiu, mesmo estando em outro país, numa empresa desconhecida, com clientes desconhecidos, de alguma forma os empregados da Petrobras que estavam lá conseguiram juntar um grupo de argentinos e falar: “Olha, vamos formar uma equipe aqui e a gente vai ver como trabalha”. E, basicamente, aquele grupo... Desse grupo eu não participei não. Naquele grupo, eles olhavam cliente a cliente o histórico, perguntava ao cliente: “Você entregou o cheque?”. “Entreguei ontem”. “Dá pra confiar nesse”. E por incrível que pareça nós praticamente não tivemos calote nenhum.
P/1 – Um sucesso, né?
R – Como foi possível? Os bancos lá ficaram fechados muitas semanas e quando abria fechava de novo, deve ter dado umas três semanas pelo menos, foi um caos total. Mas enfim, a Petrobras em seguida comprou a Perez Companc, comprou a petroleira Santa Fé e eu fui trabalhar na PESA, que passou a ser a Petrobras argentina, trabalhar na área de comercialização da PESA. Ali eu devo ter ficado gerenciando a área de comercialização talvez um ano, quando eu fui convidado a voltar. Na verdade, eu tava na Argentina há dois anos e meio, não tinha terminado o meu período ainda. Mas aí eu fui convidado a voltar a trabalhar, para ser o gerente executivo do ABMC, agora o nome já era ABMC, não era mais abasta MKC [?]... E eu aceitei e vim. É... Minha mulher não ficou muito feliz não porque ela queria continuar na Argentina, sabe?
P/1 – Tinha gostado de lá.
R – É, eu acho que ela gostava. Era próximo do Brasil, né, mas enfim, viemos. Viemos e foi um período muito bom, foram quatro anos que eu fiquei ali é... Realmente extremamente motivador... Uma nova, uma visão totalmente distinta, né, porque veja bem, cada pessoa... O processo não para, né? As pessoas entram e saem e quem entra tem uma idéia de aperfeiçoamento e é um processo de aperfeiçoamento contínuo, né? Quando eu cheguei, a Petrobras tinha passado por uma fase, a área comercial tinha passado por uma fase difícil, que era uma fase em que havia muitas liminares no Brasil para entrega de produtos sem pagar tributos. Enfim, o mercado estava muito desorganizado, então quem tinha estado lá antes de mim tinha dedicado muito tempo -
eu tava fora do Brasil, mas eu entendo assim - muito tempo tentando arrumar o mercado, organizar o mercado, livrar o mercado daquelas liminares que tornavam o mercado totalmente distorcido da realidade, um pagava o tributo, e outro não pagava, no dia seguinte era o contrário. Então, era uma... Houve até uma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] a respeito. Muito bem, quando eu cheguei, essa fase tinha sido vencida, logo no início quando houve a quebra do monopólio começaram a nascer esses problemas.
P/1 – Isso foi uma parte de acomodação nesse mercado também?
R – Acho que foi uma fase, naturalmente, em que o país estava aprendendo a conviver com um mercado mais liberado, e esse aprendizado aqui no Brasil demorou um pouquinho, é foram... E foi necessário passar por um... Umas questões legais aí a respeito de tributos que talvez a gente não precisasse ter vivido que... Mas a verdade é que vivemos, né? Até aprendermos a organizar. Quando eu cheguei eu já encontrei um mercado organizado, sem os tributos, sem o problema das liminares, ou eram eventuais as liminares. Antes tinha sido dezenas, centenas de liminares. Muito bem, então quando eu cheguei a orientação que me foi dada era no sentido de: “Olha, vamos tentar ver se a gente move o abastecimento, mais um passo no sentido da modernidade”. Ok, isso era tudo que eu precisava ouvir, né?
Porque eu tinha uma visão muito clara de que a Petrobras já tinha vencido a etapa... O país já tinha vencido a etapa em que ele precisava da Petrobras para garantir o suprimento. Hoje, a Petrobras garante o suprimento, mas o Brasil vive e é suprido de outras formas. Se ela deixar de existir da forma como existe, claro que tem que existir algo, mas... Ou seja, aquela missão não era mais o que a sociedade ambicionava, porque aquilo ela já tinha conquistado. A sociedade já tinha conquistado auto-suficiência, ou estava em vias de conquistar, já tinha estrutura que permitia a inúmeras empresas atuarem no mercado de distribuição. Ou seja, o mundo tinha mudado. Agora o que a sociedade queria era ser bem atendida, era ter produto com qualidade, era ter um atendimento que ela pudesse dizer: “Olha, o que eu quero é isso e o que eu não quero é aquilo”. Totalmente diferente do que acontecia na década de 1980 em que o … Nós dizíamos: “Olha, o que você quer é isso e se não quiser isso não tem mais nada, só isso mesmo, porque é isso que nós temos dinheiro para comprar”. O mundo tinha mudado. Então, durante esses quatro anos o trabalho que foi feito foi muito no sentido de apontar a empresa para que ela fosse um pouco modesta, um pouco mais direta, tivesse mais contato com os clientes. Eu pessoalmente ia e me reunia com os clientes, saía da Petrobras, ao invés deles virem aqui. O diretor Paulo Roberto conta até uma história interessante, numa dessas idas da nossa equipe num cliente ele pensou que ele tivesse deixado de pagar algum título, tivesse feito alguma coisa errada.
P/1 – Por que?
R – Porque ele nunca recebeu uma visita de alguém da Petrobras, falou assim: “Vão cortar meu crédito!”. E ele... E ele recebeu essa equipe que era lá de São Paulo muito assustado, sabe? “Olha gente, se eu fiz alguma coisa errada vocês podem dizer que eu vou corrigir”. E na verdade o objetivo é: “Não, não é nada disso. Nós viemos aqui só para conversar, pra ver o que podemos fazer para melhorar o relacionamento”. Então houve toda uma estruturação no sentido de criar uma inteligência mercadológica, tentar entender o que tá acontecendo com o mercado, quais são as tendências do consumidor, é...
P/1 – Isso é ser moderno?
R – Moderno no sentido...
P/1 – Que você falou que vocês pretendiam modernizar essa parte...
R – Modernizar não... Talvez a palavra moderno seja uma palavra muito antiquada, sabe? Não... Talvez não seja a palavra adequada. A palavra adequada é talvez dizer... Trazer a comercialização para o nível de desenvolvimento adequado a nossa realidade social. E isso pressupunha dizer o seguinte: “Olha, nós vamos ter que ser um pouco mais humildes, observar mais, com métodos, porque existem métodos científicos para você poder entender o mercado, entender o cliente, entender a sociedade e antever o que vai acontecer. E se for possível sugerir ou sugestionar o cliente naquele sentido que seja melhor pra ele e pra empresa. Não adianta imaginar que o público não sabe... Você não consegue vender qualquer coisa, só consegue vender as coisas que as pessoas gostam. E saber o que as pessoas gostam ou vão gostar é um segredo, é um mistério, alguns têm mais facilidade, outros têm menos facilidades, mas existem met... Metodologias para isso, metodologias de planejamento, você tem que definir onde quer chegar, como você quer desdobrar toda a … Desdobrar as metas de trabalho, como que você quer atribuir as tarefas, como que vai medir as tarefas, qual é a função de cada um dentro da organização, que cada um se identifique e saiba identificar qual é a sua função dentro da organização é... Enfim, é um trabalho muito grande, porque é um trabalho de mudança cultural.
P/1 – Desse período é a criação do Canal Cliente também?
R – O Canal Cliente ele vinha já nas... Já tinha nascido antes e nesse período ele recebeu reforço muito grande. Agora, ele sofreu um pouco a entrada do SAP, o SAP ele é muito bom, mas ele é meio complicado. Ele deu muito trabalho. Então ele, o SAP, vai permitir brevemente grandes avanços, quando estiver domado, totalmente domado, mas por enquanto ele absorve muito mais informação... Ou pelo menos até recentemente, ele absorvia muito mais informação do que ele liberava para análise, ele tinha muito mais uma visão contábil do que comercial. E o que nós precisávamos, naquele momento, estávamos trabalhando, era saber quanto custa servir cada cliente e que margem dá cada cliente, como se classificam os clientes... Como classificar um cliente numa empresa estatal monopolista? Porque apesar do monopólio ter acabado ele de fato existe. É... A verdade é que os clientes não são iguais, as pessoas não são iguais, não tratá-las de forma igual não tem nada de errado. Existe um tratamento básico que é obrigatório para todos, mas existem clientes que são melhores que outros e isso é inevitável, os que pagam em dia, os que compram mais. Enfim, existem clientes que são diferentes de outros clientes. Esse foi o trabalho que nós iniciamos, eu acredito que é um trabalho que é bem longo, porque...
P/1 – Você ficou satisfeito com os resultados?
R – Olha, eu fiquei muito satisfeito com os resultados e tô consciente de que fizemos apenas uma pequena parcela do que é para ser feito. Mesmo porque mudar uma cultura requer muito tempo, mudar a forma como as pessoas pensam requer muito tempo. Elas precisam acreditar que é possível mudar e que vale a pena mudar. Então esse trabalho é um trabalho de formiguinha mesmo e tem que ser... Ter bastante tenacidade.
P/1 – A empresa tá mais modesta?
R – A parte comercial você pode ter certeza que está, muito mais próxima do cliente, muito mais próxima da sociedade. Mesmo porque, veja bem, olha como... Como as pessoas que pensaram isso estavam certas, se a Petrobras não tivesse tomado essas medidas de se aproximar... Não sei se você chegou a acompanhar, ou acompanha todas as notícias que saem nos jornais, quando as notícias saem na área de comercialização elas saem muito mitigadas pelas ações que já foram tomadas. Agora, a pergunta que se faz é: “O cliente tem a opção de comprar de uma outra empresa se eu não tratá-lo bem?”. A resposta é: “Hoje, no Brasil, possivelmente não”. Alguns produtos, mas o consumidor de gasolina, de diesel, não. Então por que você vai tratá-lo bem? Porque se, simplesmente, eu não tratá-lo bem o monopólio não se sustenta, a empresa não se sustenta, como ela existe, dessa forma ela não se sustenta, na medida em que ela mine a sua credibilidade não dando à sociedade o que ela deseja, ela está minando a sua base de sustentação que é a própria sociedade.
P/1 – Nilo, vou ser um pouquinho mais também... Apressar. Poderia ficar aqui com você mais algum tempo para explorar essa parte do abastecimento, dessa parte da direção do abastecimento é... Comercialização e marketing, você ficou quanto tempo?
R – Não, aí eu fiquei quatro anos lá...
P/1 – Quatro anos, saiu.
R – Saí no final de junho e...
P/1 – Junho de que ano?
R – Junho do ano passado, né?
P/1 – De 2008?
R – É. Junho eu saí e fiquei sem cargo, pela primeira vez eu fiquei sem uma função, foi quando eu tirei férias, foi quando eu pude cuidar da minha saúde um pouco. Não fiz tudo não, mas fiz uma parte boa. E aí foi quando eu fui convidado para trabalhar no Comperj, só que naquele momento que eu fui convidado o Comperj já tinha sido aprovado na diretoria, mas precisava passar pelo conselho de administração ainda, da empresa, e o que sucedeu foi que... Por uma razão que eu... Havia temas muito importantes numa reunião do conselho... Então foi adiado para o mês seguinte. Então, no mês seguinte, foi apreciado e aprovado, mas aí começa o trabalho de criar uma empresa no Brasil que é um trabalho que não é muito fácil, alguns demoram bastante, no nosso caso perto de dois meses pra criar a empresa.
P/1 – Vou só passar para o Cláudio que ele queria fazer também essa parte do Comperj.
R – Ah, posso falar? Eu fui convidado pra ir pro Comperj, creio que foi em outubro, por aí. Mas acontece que a reunião do conselho para a aprovação da companhia só ocorreu em dezembro, 17 de dezembro se eu não estou equivocado. E entre a aprovação pelo conselho e a criação da companhia, formalização da criação da companhia existe toda uma burocracia enorme, né? Passou um mês e meio aproximadamente, no início de fevereiro é que foi finalmente formalizado, é... Então, é a partir do início de fevereiro que a empresa passa a existir de fato e a partir dessa data que eu estou de fato no Comperj.
P/2 – Muito bom. Então de uma certa maneira o que a gente vai explorar é um pouco a sua reação inicial, né, e um pouco, assim, a sua visão de encaminhamento aí dos desafios futuros.
R – Ok.
P/2 – E de fato a primeira pergunta que eu tenho é realmente essa, né, qual foi a tua primeira impressão ou os teus primeiros... Observações, podemos simplificar assim, quanto aos desafios do Comperj, no momento em que você colocou o pé lá dentro?
R – Veja bem, não... Não... Como eu já fazia parte da equipe de onde o Comperj nasceu, de alguma forma eu estava dentro do abastecimento há quatro anos já, há mais de quatro anos, então o Comperj não era uma novidade para mim, certo? Eu cuidava da comercialização, mas eu sabia que ele existia, eu tinha...
P/2 – Claro.
R – É... Então, a diferença foi que agora, e a partir do momento em que eu fui convidado eu já comecei a conhecer mais, com mais curiosidade e interesse, né, e necessidade mesmo de conhecer os detalhes do projeto, que até então eu não conhecia. E realmente eu fiquei surpreso com muitas coisas. Fiquei surpreso com o tamanho, com a complexidade. Fiquei surpreso com a importância que tem o Comperj para aquela região. Eu não tinha consciência de que ali tinha mais de um milhão de pessoas. Eu passava ali na Niterói – Manilha e achava que tinha bastante gente, mas eu não achava que ali naquela região tivesse um milhão e, sei lá, um milhão e 200 mil pessoas. E o pior IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do Rio de Janeiro. Portanto, se a Petrobras tinha um local difícil, que é um local muito difícil pra trabalhar, um industrial outro talvez não fosse se instalar ali. As indústrias gostam de se instalar próximas a outras indústrias, onde já esteja tudo construído. A Petrobras é uma empresa que nasceu para construir, né? Então o benefício que tem para a população daquela região é algo, assim, enorme. Então isso realmente me surpreendeu, porque até então eu... Embora eu soubesse, eu nunca tinha prestado tanta atenção.
P/2 – Interessante. Nessa mesma linha, dada essa magnitude dos desafios e complexidade, a gente poderia provavelmente falar de uma série de acertos e erros como todo projeto, né? Mas se fosse para você resumir ou sintetizar, assim, quais foram os principais acertos na condução do projeto até o momento em que você está assumindo, essa trajetória dos últimos três, quatro anos? O que você acha, olhando as pessoas que vieram antes de você, que tiveram responsabilidade de gerenciar, ou de liderança, quais foram os acertos que você fala: “Pô, isso aqui foram acertos que muito... Que eu não tinha noção... Talvez eu não tivesse nem tido a noção tão forte que foi conduzido dessa maneira”?
R – Mas aí complica, porque é uma questão de maneira de ver a vida. Eu acho que não teria sido possível chegar até onde chegaram sem ter cometido os erros e acertos que cometeram. E não seria possível aprender sem errar.
P/2 – Claro.
R – Eu não vejo como pudesse ter sido diferente. Eu acho que tinha que ser assim mesmo e se eu pudesse dizer alguma coisa eu diria: “Olha, a equipe que veio e estava lá...”. E que está ainda lá, a maior parte dela ainda está lá, fez um trabalho brilhante. Porque eles conseguiram, a partir do zero, com todas a dificuldades que existem, montar um projeto gigantesco, coordenar um projeto gigantesco. Então certamente foi cometendo erros e acertos é... É notável o trabalho que eles fizeram.
P/2 – Mas tem algum aspecto assim, pode ser do estilo gerencial, ou do método de gestão que você... Alguém te contou um pouco como foi o dia a dia...
R – Veja bem... Você... Qualquer lugar que você chegar na vida você vai observar, você entra na casa de uma pessoa você sabe. Por exemplo, você entra na casa de uma pessoa e a televisão tá aí colocada em determinada posição com todas as cadeiras em volta, poltrona em volta. A conclusão que você chega, é que aquela pessoa, a vida daquela família, gira em torno da televisão, pelo menos nos momentos de lazer, certo? Agora, você entra numa outra sala e não tem televisão na sala, ou se tiver tá lá no cantinho longe, só tem uma cadeirinha lá perto dela. Então você conclui assim: “Bem, a vida nessa casa certamente não gira em torno da televisão”.
No mínimo é isso, não é? Aí você chega em outra casa e vê assim: “Pô a cozinha é enorme e tem...”. Às vezes nem é enorme, mas tem uma mesa e tá cheia de coisas monta... Em cima da mesa. Essa família ela se reúne em torno da mesa. Para a mãe não ter o trabalho de levar tudo lá para a sala, acontece na cozinha, a vida social dessa família acontece muito na cozinha. Então, não há como você chegar num lugar e não perceber as coisas como elas são na sua perspectiva de vida.
P/2 – Claro.
R – Não é? Então é óbvio que ao chegar em qualquer lugar qualquer pessoa identifica coisas que gosta e coisas que não gosta, certo? Assim é no Comperj, existem coisas que a gente gostaria de fazer diferente. Como, por exemplo, agora que estamos já numa fase de decolagem para implantação do empreendimento, ter um pouco mais de controle, um pouco mais de planejamento e controle, controle dos processos de implantação, das etapas de implantação. É... Você vai perguntar: “E isso não havia antes?”. Bom, antes não havia implantação, estávamos começando ainda, né? Então talvez seja o ponto... Outra coisa muito importante que eu notei é o seguinte: estamos precisando fazer uma análise de processo, ou seja, determinar qual é o trabalho de quem, quem fornece o que pra quem. Para que as pessoas saibam exatamente qual é a sua função e qual é o produto que elas têm que entregar. A fase mutirão já tá passando, já tá na hora de implantar o empreendimento, né? Então a parte de planejamento e controle, de análise de processos, definição de tarefas com clareza e controle do cronograma talvez seja... O momento seja agora, de colocar isso em dia. Até que venha a outra fase, porque assim é a vida, né?
P/2 – Retomando um pouquinho, então você... Já que o caso é sobre gestão, queria que você comentasse um pouquinho a sua perspectiva sobre a importância do processo de gestão para a evolução do Comperj. Sua visão sobre que tipo ou estilo de gestão, o estilo de pessoas são necessárias em cada fase de um projeto da complexidade do Comperj?
R – Na fase que nós estamos vivendo, o que nós precisamos para implantar o processo são pessoas que sejam bastante objetivas e organizadas e que consigam planejar, antecipar os problemas e zelar para que as tarefas sejam executadas dentro do prazo. Essa atividade, ela é muito simples, basta a cabeça da pessoa ser organizada que as atividades dela serão organizadas, cada pessoa é diferente da outra. Nesse momento nós precisamos de pessoas que saibam fazer, que saibam executar, que gostem de executar, que saibam planejar, que saibam controlar. Porque o projeto tá praticamente pronto. Existe uma fase do Comperj... Perdão, você ia perguntar...
P/2 – Como é que você compara isso com a fase anterior, se fosse fazer um “de” “para”?
R – Olha, como eu lhe falei a fase anterior foi uma fase de muito aprendizado, nunca foi construída uma refinaria como o Comperj, ou um complexo como o Comperj. Não existe no mundo nenhum complexo onde entram 150 mil barris de petróleo de um lado e basicamente saem produtos petroquímicos do outro, não existe. Existem refinarias integradas. O que significa refinaria integrada? A NAFTA vai se transformar em produto petroquímico, mas igual ao Comperj não existe, é a primeira vez. Então, nós temos ali uma construção totalmente distinta de muitas outras, nós temos uma construção em que pessoas do Cenp [Conselho Executivo das Normas Padrão] tiveram que se mover para dentro do Comperj e naturalmente os Cenp’s compostos de pessoas que a maioria delas mais ligadas à engenharia mesmo, à pesquisa, ao desenvolvimento, é... não se pode esquecer que o coração do Comperj, o FCC [Craqueamento Catalítico Fluidizado] petroquímico só existe... Não existe nenhum no mundo, é o primeiro, foi basicamente uma tecnologia dos Cenp’s. Então... Hoje avaliar o trabalho que foi feito a única coisa que eu posso dizer é o que eu falei, chegamos até aqui. E chegamos até aqui dentro do prazo, com erros, com acertos, com coisas para serem melhoradas, mas eu não vejo como chegar até aqui sem cometer erros e acertos. Eu acho que é... As coisas evoluíram bem, né? Qual é o perfil das pessoas que deveriam estar ali? Realmente existiam ali pesquisadores, perfil de pesquisadores, empreendedores, eram... É diferente de um outro projeto da Petrobras em que você vai montar uma refinaria, que já... Ou uma unidade, ou uma refinaria, que já montou dois, três, quatro, cinco antes, não, esse é o primeiro do mundo. Porque é natural que seja um... Um processo de gestão bastante distinto. Agora, essa fase tá passando, nós estamos chegando no final da engenharia básica da unidade petroquímica básica, né? E a partir de então é implantar. A assistência, o apoio do pessoal de tecnologia sempre vai ser básico e fundamental, mas hoje nós precisamos de um perfil de execução, alguém que chega em frente para controlar, planejar, olhar os processos com clareza, com clareza definir as tarefas, com clareza, que agora é pra fazer. Sempre repito, é uma tecnologia nova, então vai precisar muito mais atenção do que rotineiramente já se recebe dos Cenp’s, né? Agora, tem toda unidade de segunda geração, a parte de segunda geração que ainda tá num estágio anterior, ainda não foi definida a tecnologia... Porque o Comperj é uma refinaria, em seguida a refinaria vem três unidades de produção de produtos petroquímicos básicos, insumos petroquímicos, matéria prima petroquímica, como por exemplo, propeno, eteno, benzeno, etc. Em seguida a segunda geração que é onde se fabrica o polipropileno, polietileno e etc. Garrafinha pet, isso aqui, né, esse produto aqui. Enfim, essas tecnologias, esse estágio, nós não chegamos ainda nele, estamos chegando. Depende muito também de quem vão ser os sócios, porque os sócios já vêm com sua tecnologia ou preferem uma determinada tecnologia. Mas a segunda geração é muito
diferente da engenharia básica, da... Da petroquímica básica. A segunda geração, ao menos de algumas... Alguns melhoramentos, não vai trazer nenhuma inovação tecnológica tão forte como é o Comperj em si, a petroquímica básica em si. A unidade básica ela é totalmente distinta de tudo que existe no mundo. As unidades que vêm de segunda geração agora, a menos que surja alguma novidade, elas vão ser equivalentes a muitas outras que já existem no mundo. Então é diferente.
P/2 – Dentro desse conjunto de desafios, você falou na palavra controle algumas vezes, e uma das coisas que talvez possa ser controlado, ou possa ser monitorado, é a questão dos riscos, né? Aí na posição que você tá hoje no Comperj, quais são aqueles riscos do projeto em si que você tem na sua lista, no seu post it lá da tua mesa o tempo todo você tá: “Esses são os riscos principais que eu tenho que estar monitorando, gerenciando e mitigando”. E quais são os instrumentos que... Se é que vocês têm alguma coisa bem formalizada, quanto a gestão de risco do projeto em si, ou da implantação do projeto daqui pra frente?
R – Veja bem, que riscos existem na implantação de um projeto? Você precisa ter capital, certo? Esse está sob controle, a empresa está capitalizada o suficiente para tocar o projeto. Mercado, mercado é um risco, porque... Ainda mais numa época como essa que estamos vivendo, de grande recessão aí no mundo inteiro, mercado crescendo mais dá mais tranquilidade, crescendo menos dá menos tranquilidade, né, você talvez tenha que exportar mais. Então esse é um risco que tem que estar permanentemente sendo considerado. Obviamente, o risco do preço, preço da matéria prima, preço dos produtos, gerenciar esses riscos não é fácil, são riscos de mercado. Risco de você não ter os equipamentos no prazo, ou não ter as licenças no prazo. Então você tem que ter muita atenção, estar sempre atuando no sentido de antever os problemas, para que você tenha as licenças no prazo, os equipamentos no prazo. Esses talvez sejam os principais riscos que eu vejo, tá, nesse caso particular deste projeto. Como monitorar? Nós temos que ter um plano de ação. Primeiro, identificar os riscos com clareza, porque cada risco desses, ele se abre em diversos... Licenciamento, existem diversos itens a serem licenciados, diversas ações, diversas tarefas. Então você tem que ter planos de ação com clareza, prazos com clareza, quem é o responsável com clareza, você tem que acompanhar isso, tem que estar... O sistema tem que estar permanentemente rodando, fazendo PDCA [Plan, do, check, act], tem que estar permanentemente se auto-controlando, né, e fazendo uma análise crítica. Isso garante o sucesso? Nada garante o sucesso, mas isso aumenta a probabilidade de sucesso. Se a pessoa acreditar: “Não, pode deixar comigo que não vai ter a menor possibilidade de dar errado”. Lamento dizer que as coisas costumam dar errado e normalmente acontece onde você não imagina, né? Então tem que ser muito humilde e estar sempre aberto a perceber o que está no entorno, porque normalmente os acidentes vêm da onde você não imagina.
P/2 – Tá. Nessa linha não sei se tem uma correlação direta, a gente fez uma entrevista anterior em que falou-se muito rapidamente, não teve tempo de explorar a questão, da sala de situação, ela é um instrumento de gestão que vocês têm utilizado, relacionado a risco, ou não. Enfim, qual o papel efetivo da sala de situação na gestão desse projeto?
R – Veja bem, é... A Petrobras tá tocando diversos projetos ao mesmo tempo, só no abastecimento tem talvez 30 anos que não se fazia uma refinaria, de repente estamos fazendo três, quatro, com o Comperj. Então, ter o controle disso com a equipe que nós possuíamos... Nós possuíamos uma equipe muito experiente, muito capaz, que tocava as nossas refinarias, ou os Cenp’s, o serviço de engenharia, mas de repente eles estavam dimensionados para um determinado volume de investimento. E agora a coisa cresce muito, se multiplica e naturalmente pessoas experientes não se multiplicam. Então você começa a ter pessoas jovens, mescladas, o que é muito bom para elas, que vão adquirindo experiência e é muito bom para os mais velhos também
porque ganham um pouco mais de energia, né? Só que você não pode prescindir muito nem da experiência, nem da juventude, e nós temos um elo perdido aí , a gente não pode esquecer que a Petrobras tem um buraco aí de dez anos, né? Muito bem, então a sala de situação você tem que estar permanentemente acompanhando o projeto com uma visão externa. Por quê? Porque nós estamos a trinta anos sem fazer uma refinaria, seria muito arriscado você não duvidar da possibilidade de errar. Então quanto mais cruzamento houver de informações, cheque cruzado, é... Melhor. Esse é o objetivo. O objetivo é: cruzar informações, checar, ver se as coisas estão coordenadas, estão no prazo, tentar identificar possíveis problemas antes que eles ocorram, enfim...
P/2 – Em grandes linhas, como é que é a dinâmica da sala de situação? É um processo que tem um gestor específico, ele tem encontros regulares, semanais, diários... Ele é baseado em software de compartilhamento de informação. Quais são os pilares da sala de informação no contexto do Comperj?
R – Olha, é um processo que está ainda se instalando. Dentro de cada gerência, haveria um coordenador que estaria permanentemente acompanhando as atividades daquela gerência e trabalhando ao mesmo tempo coordenadamente em grupo com os demais. E fazendo a ligação das pontas e vendo se está tudo equilibrado, se o conjunto das ações estão equilibradas. Agora, nós não estamos nesse momento, nós não temos todos os coordenadores nomeados, ao contrário, temos poucos nomeados. Então é uma coisa que tá começando ainda, tá no processo ainda de, eu diria a você, de teste. Como vai funcionar efetivamente, muito provavelmente a experiência vai mostrar a necessidade de fazer aperfeiçoamentos, ao meu ver. Que aperfeiçoamentos? Não sei, porque se já soubesse já teria feito.
P/2 – Claro.
R – Então vamos deixar que a experiência mostre isso, mas por enquanto o que nós temos são, ainda, digamos assim, idéias bem definidas, o processo está bem mapeado, ao pé do conhecimento que temos hoje, mas dizer que já está funcionando a plena carga não é uma realidade, ele tá entrando em ação.
P/2 – Vou fazer um pergunta que muda um pouco o foco agora, mas me parece importante. Você falou bastante, até na tua história, das mudanças de cenários do mundo, né, ou seja, o mundo mudou várias vezes, o negócio do petróleo. Então, altos e baixos fantásticos, né? E, enfim, olhando a tua trajetória e assumindo uma posição de liderança num projeto dessa envergadura, se fosse para fazer uma reflexão agora, é quase uma reflexão, assim olhando pra quem vem aí, né? Ou seja, um contingente enorme de pessoas que foram recém contratadas. Ninguém tem bola de cristal sobre o futuro, com certeza não vou te pedir isso, mas se fosse para você dar um conselho específico para as pessoas que estão num nível, digamos, pré-gerencial, ou estão começando a carreira aqui, que conselhos você poderia dar para que pessoas como elas possam conduzir a carreira delas para, eventualmente, assumir uma posição de liderança em projetos dessa envergadura? Como se preparar para fazer isso? Você teve a sua trajetória, outros gestores aí tiveram as suas trajetórias. Se é que dá para dar um conselho genérico, talvez não seja possível, é uma pergunta...
R – Eu nem sei como vai ser o mundo, para falar a verdade eu nem sei como é o mundo nesse momento, eu acho que já está mudando e a gente não sabe. É... Mas eu acho que tem certos valores que são fundamentais, né, inteligência emocional é uma coisa básica, fundamental. Se você quer trabalhar em equipe ou ser o líder de uma equipe, você tem que ter inteligência emocional. Você tem que conhecer seus sentimentos, suas emoções e saber controlá-las, tem que ajudar os colegas. Então é básico, ter inteligência emocional, ao meu ver. Existe uma coisa que talvez as pessoas não tenham consciência, mas saber escrever, nesse país, quem sabe escrever e de uma forma que alguém entenda, olha não precisa falar um português correto, absolutamente correto não, porque como nós sabemos o próprio presidente Lula ainda tá aprendendo, né? Ele cada dia aprende um português melhorzinho, mas todo brasileiro entende o que ele fala, pode ver que todo mundo sabe o que ele falou, esse é o segredo do Lula.
P/2 – Comunicação, né?
R – Ele tem uma enorme capacidade de se expressar bem, ele se expressa bem sem falar complicado, sem... Às vezes erra uma concordância ou usa um exemplo... As pessoas entendem. E é terrível você estar num lugar e receber um documento que você lê e não entende e chama a pessoa que escreveu e a própria pessoa não sabe te explicar o que tá escrito ali, porque ela também não sabe falar. Então, pelo amor de deus, as pessoas têm que aprender a falar português e aprender a escrever. De forma simples, com poucas palavras. É... Outra coisa que eu diria é o seguinte: ética, credibilidade não se compra, credibilidade se conquista. Então a pessoa, para ter a credibilidade de uma equipe, ela tem que ser ética, tem que ser correta, tem que falar a verdade e tem que ser amiga da equipe, no sentido de ouvir. Saber ouvir, saber falar. Então isso são coisas que eu digo, assim: “Eu não sei como é o mundo hoje, como vai ser o mundo amanhã, mas eu sei coisas que são elementares. Se o ser humano possui a capacidade de se comunicar falando é porque isso é básico e fundamental para a sociedade humana”. E os brasileiros infelizmente não sabem se expressar, especialmente quando escrevem e também quando falam. Então, é óbvio que isso daí eu recomendaria a qualquer um. Ética, não precisa nem falar, é básico, mas ética é uma coisa tão ampla, ética dá um curso a respeito de ética. As pessoas pensam que ética é não roubar, ética não é não roubar, isso aí não precisa falar. Ética é muito mais do que isso, ética é respeitar. É... Inteligência emocional, saber controlar suas próprias emoções, seu sentimentos. Enfim, saber enfrentar as dificuldades que são inevitáveis sem ficar com raiva das pessoas é outra coisa básica e fundamental que vai funcionar em qualquer lugar do mundo, qualquer cultura, mas que é o que trouxe a sociedade humana até o ponto onde está, são valores básicos. Existem outros valores básicos, mas aqueles valores básicos que as pessoas devem estar atentas. E finalmente, uma coisa que eu acho crucial, a pessoa tem que gostar de estudar, estudar qualquer coisa, estudar história, estudar geografia, estudar química, qualquer coisa. Não é possível que a pessoa não goste de ler, de estudar. Então eu acho que ela vai ter uma certa dificuldade, vai bater...
P/2 – As coisas são imutáveis, apesar do mundo...
R – São coisas básicas, né?
P/2 – Agora, até enfim fazendo um particular, a gente estudou alguns casos da Petrobras em projetos antigos, Urucu, Huambo, esse daqui e é possível, enfim, talvez notar um amadurecimento da gestão da Petrobras em grandes projetos, né? Você provavelmente deve ter presenciado outros projetos, implantação de outros tipos de projetos aqui, diretamente ou indiretamente. Será que é possível sintetizar, assim, quais são os elementos do processo de gestão de projetos da Petrobras que você viu maior evolução nesses últimos anos? Usando o Comperj de preferência como referência, ou outros projetos. O que que você viu que: “Pô, antigamente quando a gente fazia um projeto a gente nem olhava o que acontecia no entorno”. Tô chutando aqui, logicamente nunca foi tão assim, mas quais são as dimensões de gestão de projetos ou de empreendimentos que você acha que evoluíram de maneira mais consistente e se possível são mais evidentes no caso do Comperj?
R – Olha rapaz, vou ser sincero com você... Eu não vou comparar o Comperj com outros, porque eu não vivi os outros pessoalmente, entendeu? Então talvez essa pergunta fosse melhor aplicada ao Aider, não sei se o Aider vai ser entrevistado. Pessoas que vivenciaram diversos projetos, porque eu vivi dois projetos na minha vida, um que foi uma usina de reprocessamento que nunca foi construída e esse agora. Então comparar na Petrobras eu até poderia pela minha percepção, mas eu acho que aí vocês não estão interessados na minha percepção e sim na minha experiência e essa experiência eu não tenho.
P/2 – Acho que tá fair, né, como eles dizem. Para finalizar aqui um pouquinho acho que tem uma questão adicional. E que se a gente pudesse sintetizar até o momento, o que que a Petrobras pode aprender com o Comperj? Assim, é uma pergunta ampla, geral, mas...
R – A Petrobras... Olha, na minha concepção a Petrobras não vai aprender com o Comperj, qualquer ação que você tome traz informação, traz conhecimento. O Comperj, por ser maior talvez tenha mais ensinamentos, mas o que ela vai aprender com o Comperj é o que ela aprenderia, em maior ou menor dimensão, com os outros projetos, como ela vai aprender exatamente como tocar um projeto, como implementar um projeto, é simples quanto isso. E no próximo ela vai aprender mais um pouco, e no outro ela vai aprender mais um pouco. Aprender fazendo, errando, acertando.
P/2 – Tá certo. Enfim, eu acho que o que a gente tinha para abordar do Comperj era basicamente isso, não sei se tem algo... Logicamente você está há pouco tempo aqui, dois, três meses... Que você fale assim, do ponto de vista gerencial, de formação de novos gestores, de formação de novos líderes, de formação de novos líderes da empresa que toda a história do Comperj até o momento e olhando até o futuro é um campo de provas, de ensinamento e de reflexão da Petrobras do ponto de vista de gestão. Enfim... Se é que...
R – Olha, a Petrobras tem hoje 50 mil funcionários, 50 e poucos mil. Dos quais uns 20, 20 e poucos mil têm menos de dez anos de casa, digamos assim, talvez mesmo muita... A maior parte, menos de cinco anos de casa... As pessoas não perceberam ainda que a Petrobras que nós conhecíamos tá com seus dias contados? Que isso é inevitável? São outras cabeças, uma outra cultura, de um outro tempo. Então não há como impedir que a vida siga seu rumo, nós temos que deixar que a vida siga seu rumo. É... O que que vai é... A sua pergunta foi o que o Comperj pode deixar de aprendizado em termos de gestão?
P/2 – Em termos de gestão, isso.
R – É exatamente o que eu falei, na minha opinião o que o Comperj vai ensinar à Petrobras é o mesmo que os outros investimentos vão ensinar à Petrobras. Quando o AIP faz um investimento, com os erros daquele ele vai aprendendo para corrigir no próximo, e no próximo e no próximo. E a mesma coisa no caso do Comperj. A diferença do Comperj é o tamanho. O porte vai exigir muito mais controle, muito mais cuidado, planejamento, uma gestão muito mais cuidadosa do que outros, mas qualquer empreendimento da Petrobras é gigantesco, o Comperj é apenas maior que os outros. Eu... O que eu vejo o Comperj ensinando à Petrobras é isso, é criando uma massa crítica de pessoas que saibam tocar empreendimentos, uma massa crítica maior. Agora, nós temos que pensar com outra cabeça. A Petrobras que nós conhecemos no passado, ela está deixando de existir.
P/2 – Podia ser mais explícito, porque pra mim...
R – A Petrobras está deixando de existir porque a Petrobras são as pessoas que pensam. Elas só existem... Os prédios não pensam, as máquinas não pensam, certo? As pessoas pensam. E a Petrobras é exatamente... Uma companhia é exatamente o que as pessoas pensam que ela é. No caso, nós estamos com mais de vinte mil empregados novos e eles pensam diferente dos antigos, e é uma questão de tempo para que eles assumam posições e a empresa vai naturalmente mudar. Como é a nova Petrobras? Eu não sei.
P/2 – Tá bom. Tem uma pergunta aqui dos universitários, chegou para mim.
R – Ah sim. Elas são novas aqui ou são de fora?
P/2 – São da Petrobras. São os novos eles...
R – Espera eles assumirem o controle e vê se vai ser como você está fazendo agora, se o projeto memória vai ser igual.
P/2 – Acho que não vai ser não, vai ser real time. Mas vamos lá...
R – Totalmente diferente.
P/2 – A pergunta é: quais os impactos da crise no Comperj e como é que isso tem sido tratado?
R – Veja bem, nós estamos com o maior cuidado, prestando muita atenção no mercado, observando o que está acontecendo no mundo externo. Agora, os impactos até agora eles são no sentido mais positivo do que negativo. Por quê? Porque o nosso cenário é que a crise, embora extremamente profunda, ela vai levar um prazo que é menor do que o prazo de construção do Comperj. O Comperj parte de 2012 e a segunda geração, 2013. Então nós acreditamos que até lá isso esteja resolvido. Então qual o benefício que existe? É a nossa expectativa de que a crise possa reduzir um pouco o preço dos equipamentos, da construção. Então, não existe nada que seja totalmente ruim, as pessoas olham a crise assim e falam assim: “Puxa vida, o mundo parece que desabou!”. E se esquecem de uma coisa, para o consumidor daqueles países, não o brasileiro, que o brasileiro sempre teve um preço estável... Olha, o brasileiro também, isso vale para inflação do Brasil também. Agora imagine você um consumidor no Estados Unidos e na Europa, vocês sabem quanto eles estão economizando por ano por causa da queda dos preços das commodities? Entre um 1.500.000.000.000 e 2.000.000.000.000 de dólares. Ora, 2.000.000.000.000 de dólares é muito mais do que o governo americano injetou na economia, do que o governo europeu inteiro. Enfim, as pessoas não vêem que a dinâmica das crises tem variáveis que às vezes passam despercebidas. As pessoas não vêem que essa crise existe exatamente porque a China poupou demais, exatamente porque o Brasil poupou demais. E porque os americanos consumiram demais. Ou seja, o excesso de poupança, a coisa mais elementar que tem em economia, o excesso de poupança gera redução da renda. O que tá acontecendo no mundo foi: houve excesso de poupança, e escassez de produção e de consumo. Enfim, é isso.
P/2 – Eu até aprendi algo assim, no momento de uma crise, parece meio óbvio, ululante, mas expressão chinesa, olhe as oportunidades também de maneira também muito detalhada, né?
R – É, a nossa oportunidade nesse momento é aproveitar, já que os preços estavam estratosféricos... Porque olha, o petróleo subiu, era ótimo, né? Petróleo subiu. Mas equipamento subiu, é... Aço subiu. Engenharia não existia, quem conseguia era caro, você queria encomendar um equipamento, quatro anos!
P/2 – Num contexto de projeto isso é mais importante do que o preço do petróleo no curto prazo, né?
R – No curto prazo o que nós dizemos é o seguinte: para a Petrobras certamente a queda no preço do petróleo não é o melhor dos mundos, mas para o projeto Comperj uma queda no preço dos equipamentos de 20, 30 por cento é melhor do que...
P/2 – Melhor taxa de retorno do que o lentamente...
R – Então, nós estamos monitorando a crise com muito cuidado, tá? Só que ela tem pontos negativos, mas positivos também.
P/2 – Tá jóia. Muito obrigado, viu? Acho que foi uma ótima contribuição.
R – Nada. Eu que agradeço a oportunidade.
P/1 – Eu só quero fazer o fecho da entrevista.
P/2 – Ela tem que fazer.
P/1 – Nilo, você falou aqui e até citou a sua esposa, queria também saber o nome dela. Você casou logo depois que se formou?
R – Ah, casei cedo, porque era o seguinte, como eu morava no Rio, em Niterói, né, e ela morava em Campos, aquela estrada, resolvemos casar logo.
P/1 – Ela é de Campos também?
R – Ela é de Campos também. É... Na verdade eu a conheci quando era garoto, mas comecei a namorar quando eu já morava no Rio, né, já morava em Niterói. Então, logo que eu me formei, comecei a trabalhar, eu resolvi casar. Eu tô casado há trinta anos.
P/1- Beleza.
R – Tenho três filhos, ela é Fátima, tenho três filhos.
P/1 – Nome dos filhos.
R – Tiago, Juliana e Fernanda e... Enfim...
P/1 – Eles fazem o que?
R – Olha, o Tiago trabalha em uma empresa de consultoria, administrador, Juliana é a segunda, psicologia... Por incrível que pareça, eu não entendo, mas ela gosta, ela tá fazendo atendimento hospitalar, acho uma coisa difícil pra mim, mas pra ela... E a mais nova moda, ela...
P/1 -
Está na moda.
R – É apaixonada por moda, só estuda e trabalha com moda. Aliás, foi a primeira a trabalhar, por incrível que pareça, né?
P/1 – Pois é, tá na moda, esse boom.
R – Foi a primeira a se formar, se formou com 20 anos e começou a trabalhar logo com moda.
P/1 – E o que que você gosta de fazer nas suas horas de lazer, Nilo?
R – Ah, quando eu não tô machucado eu tento jogar tênis.
P/1 – Quando você não tá machucado de que? De futebol...
R – Ah ou eu torci o pé, ou...
P/1 – Mas aonde, no futebol?
R – Não, tênis. Eu faço tênis, ginástica, leio muito e vejo muito pouca televisão, tá? É... Gosto de cinema, mas só bom filme, música e praia, gosto da praia.
P/1 – E o que você gosta de ler?
R – Ah, tem que variar. Atualmente eu tô lendo muito romance histórico, tem um autor chamado Ken Foleth, são romances grandes, 1.000 páginas, mas valem a pena, são... Quem não leu e quem gosta de ler, vale a pena. Um chama-se “Mundo Sem Fim” e o outro são dois volumes, chamado “Os Pilares da Terra”. São romances históricos, portanto romances passados no século XII, no século XIV, também... Bem, eu tô numa fase de ler romance histórico, li um romance Defeito de Cor, também bastante volumoso, se passa no Brasil, no século passado, muito interessante para conhecer a história do Brasil e conhecer o Rio de Janeiro daquela época, Salvador, São Paulo. Agora, tem outras ocasiões em que eu simplesmente começo, canso disso e começo a ler livros didáticos, alguma coisa a ver com gestão, teoria do caos, teoria da relatividade adoro, mecânica quântica...
P/1 – É um leitor voraz então...
R – Não, não porque eu não tenho tempo, mas eu gosto. E outras vezes eu fico mergulhado na internet lá, horas, e horas, e horas, e horas, depende, né, tem que variar.
P/1 – A gente também sempre pergunta, tem alguma história assim que tenha te marcado nesses anos todos de Petrobras? Alguma específica, não precisa ser...
R – Eu acho que a coisa que mais me marcou no meu tempo de Petrobras foi... Foram duas coisas, primeiro quando eu entrei na Petrobras e a segunda coisa quando eu fui para Londres, foi uma mudança total na minha vida. É... Foram...
P/1 – Na sua e da família.
R – Pois é, levar a família inteira, três crianças, desse tamanho. Então, foi a coisa mais marcante, porque realmente houve uma mudança muito grande na minha vida. O resto não. Como eu falei as coisas vão acontecendo, não... A gente corre atrás, mas parece que se você correr atrás de algo que não estava muito bem estruturado para acontecer, não acontece. É como se houvesse uma ligação entre os teus desejos e o que é possível, né, e tem sido assim.
P/1 – Tem algo que a gente não conversou e que você gostaria de deixar registrado aqui?
R – Sobre o que, sobre...
P/1 – Sobre o que você quiser.
R – Olha, eu creio ter falado bastante [risos]. Eu não sei quanto tempo vocês vão gastar aí.
P/1 – Tá certo. E você gostou de ter participado, tá contribuindo também com a memória da Petrobras?
R – Ah sim, sem dúvida, sem dúvida. Porque veja bem, como eu falei, a Petrobras como nós a conhecemos recentemente e como estamos conhecendo hoje ela está passando por uma grande transformação. E transformação que eu digo não é valor de bolsa, não é produção de petróleo, não, é a cabeça. Cabeça da Petrobras vai mudar, é... Como vai ser eu não sei, mas a cabeça vai mudar. Assim como a cabeça da sociedade brasileira está mudando e vai mudar rápido, com ascensão da classe “C” e “D'”. E uma série de outras coisas que não é o caso aqui agora. Então, projetos como esse são muito interessantes, porque eles guardam para o futuro e vocês estão tentando coletar enquanto está acontecendo. Existem diversos planos acontecendo ao mesmo tempo, vocês estão tirando um retrato do que tá acontecendo. Cada pessoa que vocês entrevistarem vai ser uma resposta diferente, ou algumas parecidas, mas sei lá, deve ter pessoas que pensam cada uma de uma forma diferente, mas é um retrato, certo? Eu como tenho certeza absoluta que dentro de cinco a dez anos a cabeça da Petrobras vai ser outra, então eu acho que vai ter um valor enorme esse... Esse trabalho que vocês estão fazendo, porque ele vai permitir guardar, mesmo, a memória de como a empresa foi construída. Ao meu ver é um belo trabalho.
P/1 – Certo Nilo. Queria agradecer você por ter colaborado com a gente e ter também vindo aqui dispor um pouco do seu precioso tempo. Muito obrigada.
R – Eu que agradeço.
---------------------------------------------- Fim da entrevista ----------------------------------Recolher