Minha história
Sou um vencedor e privilegiado.
Privilegiado porque, a despeito de muita coisa, conquistei mais do que preciso, entretanto, muito menos do que mereço ou quero. Sou f...Continuar leitura
Minha história
Sou um vencedor e privilegiado.
Privilegiado porque, a despeito de muita coisa, conquistei mais do que preciso, entretanto, muito menos do que mereço ou quero. Sou formado em engenharia e administração. Escrevi um livro, plantei árvores e tenho duas filhas.
Sou filho primogênito de Newton Costa Pedro e Iva Gama Costa Pedro. Neto, por parte de pai, de Augusto Pedro, ex- marceneiro, e de Georgina da Costa, ex-dona de casa. Por parte de mãe, sou neto de Lázaro Gama, ex-ferroviário da antiga Cia Mogiana, e de Virginia Ferraz Gama, ex-dona de casa. Todos de Campinas, SP., e sou casado com Elizabeth dos Anjos Costa Pedro, advogada militante e combatente.
Minha primeira infância foi passada na cidade de Guarulhos, Grande São Paulo, no bairro de Vila Augusta, e desta época, minha memória dispersa, recorda que morávamos num modesto quarto, com parte da mobília formada por caixotes, destes que os feirantes usavam para transportar mercadorias. Residíamos próximo da via férrea da antiga E.F. Cantareira, e me recordo bem que ao final do dia, ouvia os compassos da Maria Fumaça se aproximando da estação de Vila Augusta, cujo chefe era o “Seu” Assis. Pouco tempo depois ouvia o sonoro e saudoso “piuuuuíííííííí”, anunciando a partida do trem, da estação de Vila Augusta, rumo à última parada: Estação de Guarulhos. Enquanto o trem seguia, e o som de seu compasso se perdia na curva, ao passar pela Av. Guarulhos, que à época não passava de uma estradinha, eu ouvia um assovio fino e comprido: era meu pai, assoviando da estação anunciando seu retorno para casa após mais um dia de labuta. Também me lembro, e talvez seja essa minha mais remota memória, de um certo dia ver vários aviões, modelo “Téco-téco “, que passaram ao longo do dia distribuindo umas flamulazinhas de alumínio, com algumas estampas coloridas. Naquela noite, vi vários clarões no céu, que pareciam relâmpagos passeando entre as nuvens. Tudo isso me deixou intrigado e curioso. Com o tempo vim a saber que os clarões, eram dos holofotes colocados no centro de São Paulo, e as bandeirolas de alumínio, eram comemorativas ao aniversário de quarto centenário de minha querida e amada São Paulo. Era 25 de janeiro de 1954, e eu completava exatos dois anos e quatro meses.
É dessa época também, minha lembrança de quando a Ponte Grande, hoje viaduto Imigrante Nordestino, na divisa entre São Paulo e Guarulhos sobre o Rio Tietê, era de madeira, e por decurso do tempo ficou instável. Para sair de Guarulhos e ir até o bairro da Penha de França, em São Paulo, tínhamos que descer do ônibus amarelinho, atravessar a ponte à pé e pegar um outro ônibus do outro lado da ponte. Lembranças que ficaram em minha memória.
Meu pai comprou um terreno num distante bairro da zona leste, subdistrito de Vl. Matilde, e iniciou a construção de nossa casa própria. Mamãe ia aos sábados e domingos levar o almoço dele, e me lembro que depois de uma viagem em dois ônibus, ainda andávamos por um bom trecho à pé até chegarmos na construção.
O tempo passou e a construção já podia ser habitada. Nos mudamos da Vl.
Augusta para o Jd. Marina em meados de 1957 ou 1958. Nossa casa foi uma das primeiras a ser construída no bairro. Tudo em volta era mato e descampado. Papai progrediu, mas ainda tinha que fazer longas caminhadas até a estação da Central do Brasil em Artur Alvim, para ir trabalhar. Os ônibus, que iam de Itaquera até o centro da cidade, não eram confiáveis, quer no cumprimento dos horários, quer na quantidade, quer na qualidade. Então o jeito era caminhar muito e confiar no trem, que ainda nessa época, também era a vapor, ou seja, Maria Fumaça. Ruim mesmo era quando chovia. Não havia calçamento, cascalho ou qualquer tipo de recurso para amenizar a lama que se formava. E haja lama. Me lembro que os pés ficavam pesados, de tanto barro que grudava nos sapatos, mesmo com o uso de galochas, coisa que a maioria hoje em dia, nem sabe de que se trata. Tempos difíceis, mas divertidos e de aventuras.
Logo comecei a frequentar a escola primária. Primeiro uma escola municipal, de madeira, e no próprio Jd. Marina. Depois mudei para outra em Artur Alvim: Grupo Escolar Maria Augusta D’Ávila. Me lembro das redações e dos quadros que o professor José colocava na parede para nos inspirar ou servir de tema. Me lembro vagamente dos cantos e da formação, antes de entrarmos em sala. E me lembro de um garoto, um ano mais velho que eu, Zézito, de quem me tornaria um grande amigo, da escola e também de brincadeiras em nosso bairro. Hoje, nosso relacionamento já não é o mesmo. Coisas do destino, da vida, pois ele reside em outra cidade e já não temos tanto contato.
Lembro-me também do Parque Xangai, um parque de diversões que existiu na baixada do Glicério. Papai trabalhava como desenhista projetista numa empresa norte americana, e em comemoração às festas de fim de ano, a empresa alugou o parque de diversões para uso dos funcionários e seus familiares.
Que festa: Bicho da seda, Chapéu Mexicano, Trem Fantasma, Bate-bate, algodão doce, maçã do amor e tantas coisas mais. Ainda tenho recordações de um pequeno zoológico que existiu no Parque D. Pedro II, nas proximidades da cabeceira do viaduto da Av. Rangel Pestana, da casa de Ceylão, na Rua José Bonifácio, centro histórico de São Paulo, onde se comprava de tudo para festas, e do famoso frapê de coco das Lojas Americanas. Uma delícia inenarrável. Lembro-me das lojas Mappin e seus diversos departamentos, descritos por seus ascensoristas, do dinheiro Mappin, usados exclusivamente na loja por seus clientes quando abriam crediário para compras. Lembro-me da loja A Exposição Clipper, que ficava em Santa Cecilia, um pouco fora de mão, então havia um ônibus exclusivo, que saia da Praça Ramos de Azevedo, leva e trazia de volta os clientes da loja.
Passada a infância veio a juventude e eu, já não era filho único. Tinha um irmão, Newman, e uma irmã, Nimeya. Infelizmente ela já não está entre nós, pois faleceu ainda jovem num acidente rodoviário. Papai continuou progredindo, e agora tínhamos um carro. Que festa quando ele chegou com a novidade. Saímos todos, mesmo de pijama, para experimentar e dar uma volta pelo bairro. Quanta alegria!
Tive uma boa adolescência, e me lembro de um fato em que me envolvi. Uma situação engraçada, para não dizer constrangedora. Eu me correspondia com uma garota da cidade de Tietê. Não houve promessas de amor eterno nem juras de amor, mas, com o passar do tempo era natural que houvesse um certo clima e alguma curiosidade. Um dia, após várias cartas trocadas fomos até a cidade de Tietê. Meu pai ficou com meu irmão e minha irmã em uma praça próxima e me emprestou o carro. Surpresa para todos. Ela era comprometida e ficou visivelmente constrangida depois que me apresentei. Disse que seu noivo estava para chegar. Obviamente não fiz cena. Apenas me despedi. Entrei no carro, e me retirei dignamente, sem
frustrações, sem mágoa. Talvez um pouco decepcionado. Não demorou muito para que eu desse boas gargalhadas com a situação constrangedora. Claro que nunca mais tive notícias dela, e depois disso, também não me correspondi com nenhuma outra garota. Pelo menos sem que a conhecesse antes.
Nesta época, eu estudava no bairro do Tatuapé, no Ginásio Industrial Martin Luther King. Anos em que participei de vários festivais de música estudantis, promovidos por escolas e igrejas nos idos de 1968, 69, 70, alguns dos quais conquistei o primeiro lugar, com direito a gritos de vencedor e de ser carregado nos ombros. Coisas do momento.
Após concluir o ginásio entrei no SENAI, na Escola Técnica Têxtil Francisco Matarazzo, de onde tenho ótimas lembranças e laços de amizades. Formamos um grupo de amigos que se reúne ao menos uma vez ao ano, e isso já há cinquenta anos.
Depois de minha formatura, como Técnico Têxtil, em 1972, estagiei e comecei a trabalhar numa pequena malharia no Brás. A empresa era de uma família de judeus, e com o tempo conquistei a confiança deles a ponto de um dia, me chamarem no escritório e me solicitarem para ir buscar certa quantia em dinheiro para realizarem o pagamento dos funcionários. Eu teria que ir até o Banco Safra, na Rua XV de Novembro, centro histórico de São Paulo, retirar uma quantia equivalente a uns R$150, R$200mil nos dias de hoje. Respondi que iria, mas não sozinho. Sugeri que o Vicente, chefe do Dpto de Pessoal fosse comigo. Aceitaram e lá fomos nós. Como a família tinha laços com o Safra, fomos até a tesouraria do banco para fazer a retirada. Nunca vi tanto dinheiro em minha vida. Recebi o numerário, coloquei em uma pasta tipo 007 e saímos pela Rua XV, à pé, até chegarmos no carro. Felizmente tudo correu bem. Fossem os dias de hoje, e talvez eu tivesse me recusado a enfrentar essa empreitada.
Loucura!.
De outra feita, perguntaram se eu estaria disposto a ir até o Uruguai, em Punta Del\\\\\\\'Este, e trazer o carro da família, que havia ido passar férias lá. Claro que aceitei de pronto.
Na viagem de ida, de ônibus, no trecho entre Porto Alegre e Punta Del\\\\\\\'Este, ocorreu um fato, digamos curioso: um uruguaio, simpático, com um pouco menos de trinta anos puxou conversa. Apesar de não falar nada de espanhol nos entendemos. Depois de alguma conversa, ele começou a tocar minha perna enquanto conversávamos. Não sei se tinha alguma segunda intensão em seu gesto, ou se era seu jeito de se comunicar, mas aquilo começou a me incomodar. Como era noite, e obviamente eu não estava afim de nada, peguei a manta distribuída aos passageiros, me enrolei e disse-lhe que estava cansado e iria dormir. Ele deve ter entendido, e se havia alguma intensão a mais, ficou apenas na intensão, pois a partir dali ficamos em silêncio e cada um em seu banco. A viagem foi ótima e sem sobressaltos.
Fato marcante em minha vida foi fazer o curso de engenharia fora de São Paulo, uma verdadeira epopeia. Nessa época eu morava no Pq. São Lucas, trabalhava no Tremembé, no pé da Serra da Cantareira e, estudava em Mogi das Cruzes. Ia de trem, quando dava, com o trem dos estudantes, senão ia no pina pinga e, chegando em Mogi, ainda andava uns dois ou três quilômetros, pois ainda não existia a Estação Estudantes. Costumo brincar dizendo que se o caminho para o céu for por Mogi das Cruzes, vou demorar um pouco mais para chegar. Nada contra a pitoresca cidade, mas daquela época não ficou saudades.
Hoje, passados os anos, olho para trás e me orgulho do que construí, do que vou deixar como legado. Minhas filhas estão formadas, cada uma com suas respectivas famílias, viveram a experiência de terem residido fora do país por um período, cada uma a seu tempo, a seu modo, e uma delas, inclusive, decidiu-se por emigrar de vez. Tenho quatro netos lindos, sendo três meninas e um menino.
Agora, apesar de aposentado e ainda estar na ativa, a preocupação é com os netos. Curti-los, paparicá-los, acompanhar, mesmo que à distância, o desenvolvimento de cada um. Tenho o hábito de lhes enviar cartas, não mensagens de texto, e-mails ou coisas do gênero, mas cartas manuscritas, postadas no correio. Ver as imagens deles as recebendo é impagável.
Hoje já não resido mais em São Paulo, e sim numa cidade do litoral paulista. Aproveito as delícias de residir próximo ao mar, levar uma vida mais leve, sentir a brisa e ouvir o som das ondas quebrando nas areias da praia.
E vida que segue...
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