Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Gabriel Dias Pereira Filho
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Lourenço 09/06/2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV023_Gabriel Dias Pereira Filho
Transcrito por Liliane Custódio
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Plano Anual de Atividades 2013
Projeto Nestlé - Ouvir o outro compartilhando valores – Pronac 128976
Depoimento de Gabriel Dias Pereira Filho
Entrevistado por Tereza Ruiz
São Lourenço 09/06/2014
Realização Museu da Pessoa
NCV_HV023_Gabriel Dias Pereira Filho
Transcrito por Liliane Custódio
MW Transcrições
P/1 – Então primeiro, Gabriel, eu vou pedir para o senhor dizer pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Gabriel Dias Pereira Filho, nasci em Carmo de Minas, em três de março de 1944.
P/1 – E agora o nome completo e também data e local de nascimento, se o senhor lembrar, do seu pai e da sua mãe.
P/1 – Isso é difícil. O meu pai, quer dizer, Gabriel Dias Pereira, minha mãe, Maria Aparecida Pereira. A minha mãe, eu me recordo que mês que vem ela vai fazer 98 anos. Agora, do meu pai, quer dizer, foi em julho de 1909 a data de nascimento dele. Mas ele é falecido, a minha mãe, não.
P/1 – Onde eles nasceram?
R – Eles nasceram em Carmo de Minas.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Nós somos uma família de oito irmãos, sendo que hoje somos sete vivos. Minha mãe tem 105 descendentes, entre filhos, genros, noras, bisnetos e tataranetos, então uma família grande. E ela já tem acho que uns cinco ou seis tataranetos. Então uma família bem grande e muito unida. Então isso aí é aquela família tradicional, quer dizer, os dois cultivaram essa união entre nós.
P/1 – Você tem irmãos, são homens e mulheres?
R – São três homens e cinco mulheres, sendo que uma irmã faleceu há três anos.
P/1 – E você sabe qual a origem da sua família, Gabriel?
R – Tem origem portuguesa. Inclusive, existe até um livro da família Pereira, que foi editado já alguns anos atrás, dez, 12 anos. Então, originariamente, de Portugal.
P/1 – Você sabe a região, ou não?
R – Não. Não sei, não. Teria que me recorrer ao livro.
P/1 – E seus avôs são portugueses, ou bisavôs?
R – Hein?
P/1 – Os seus avôs é que são portugueses, ou bisavôs?
R – Não, aí já é ascendência mais antiga, talvez tataravô. Mas meus avôs, bisavôs, eram brasileiros mesmos.
P/1 – Descreve um pouco como eram seus pais, assim, de temperamento.
R – Meu pai era uma pessoa que não terminou o segundo grau, porque naquela época era muito difícil. Às vezes o ensino, você saía, ia ter que deslocar pra alguns centros maiores. E havia não só essa dificuldade de distância, mas também uma dificuldade até mesmo financeira. Meu pai seguiu a carreira do pai dele, do meu avô, então era fazendeiro. Dedicou-se muito aqui em Carmo de Minas à cultura de café. Não bem em Carmo de Minas, mas próximo a Carmo de Minas, uma cidadezinha pequena, chama hoje Olímpio Noronha. Mas a vida desenvolveu em Carmo de Minas, a parte social, tinha residência em Carmo de Minas. E era uma pessoa, eu diria assim, tinha uma sabedoria muito grande em termos assim, apesar de não ter estudado. Então às vezes eu fico comparando algumas coisas que ele fazia nos negócios dele. Um detalhe que eu achei importante é que ele preocupava muito em cativar o cliente dele. E hoje a gente vê tanto falar em o cliente é o principal, o cliente é o dono da sua empresa, você tem que fidelizar seu cliente. Ele tinha essa preocupação já lá na década de 50, 50 e pouco. Era uma pessoa muito, não digo assim, extrovertida, mas era uma pessoa mais recatada, mais séria, mas tinha um senso de humor até bem interessante. Mas procurou transmitir pra gente muito o aspecto da ética nos relacionamentos. E a minha mãe, por sua vez, seguindo mais ou menos a mesma linha de pensamento, já era uma pessoa mais extrovertida e sempre preocupando com os filhos, a preocupação em criar e transmitir valores. E muito religiosa, muito dedicada à vida religiosa. E nos deu muitos exemplos bons. Ela também nasceu em Carmo de Minas e acompanhou sempre o meu pai durante toda a trajetória. E ele com 66 anos, até mais novo que eu, hoje eu to com 70, ele sofreu um acidente, nesse acidente ele faleceu, acidente de carro. E ela ficou muito baqueada, mas depois foi superando. Então uma pessoa assim, de muita fibra. Hoje já tá com 98 anos, mas com a cabeça já bem comprometida, a memória, mas vivendo, quer dizer, cercada da família. Ela hoje é dependente das pessoas, de cuidadores, mas sempre tem assistência das filhas, dos filhos, então sempre ali presentes, dos netos, bisnetos.
P/1 – Ela trabalhava, sua mãe? Ou cuidava da casa?
R – Não, ela se dedicava mesmo só à atividade do lar. Porque naquela época já tinha oito filhos, ficava difícil. E morando na fazenda, quer dizer, nunca... Então a situação não tinha tempo de exercer outras atividades.
P/1 – E como era a casa onde você passou a infância? Descreva um pouco pra gente a casa, a região.
R – Eu nasci em Carmo de Minas, mas fomos criados, não só eu, todos os irmãos, na fazenda em Olímpio Noronha. Então aquelas fazendas antigas, grandes. E dentro dessa fazenda, da sede, então moravam meu avô, minha avó, meus pais, meu irmãos. Mas teve período que moravam alguns outros filhos, tios, com as respectivas famílias. Então teve época que a gente morava numa casa, quer dizer, três famílias, quatro: meu avô com a minha avó, meu pai com a minha mãe e com a família dele, e mais dois tios, cada um com a sua família. Então era uma casa mesmo daquelas fazendas antigas, que até hoje ainda persiste. É lógico que tem que fazer uma manutenção. E ali a gente teve uma vivência muito comunitária, quatro famílias morando numa residência, numa casa.
P/1 – Como era essa convivência?
R – Era um convívio muito bom. Eu diria que a minha infância eu fui até privilegiado, vivia muito em contato com a natureza, não só com os irmãos mais ou menos da mesma idade, mas primos. E ali a gente passou a infância.
P/1 – Quais eram as brincadeiras de infância, Gabriel? O que vocês faziam pra se divertir?
R – Na fazenda, você tinha: correr, brincar de pique, andar a cavalo, caçar passarinho. Naquela época, a gente não tinha ainda aquela cultura da preservação ambiental, então às vezes a gente saía caçando passarinho, punha nas gaiolas. E aquele dia a dia. E sempre tinha os horários que minha mãe impunha. Tinha horário pra levantar, pra almoçar, jantar, tudo aquilo. Horário do banho. Tinha os castigos quando a gente fazia algumas peripécias. E às vezes tinha época que reunia toda a família, os descendentes do meu avô, então a fazenda ficava cheia. Eram oito filhos que ele tinha, mais seus netos, então quando tinha, por exemplo, os aniversários dos meus avôs, então a família toda reunia na fazenda.
P/1 – E como era a preparação pra essas ocasiões, você lembra? Assim, tinha uma comida especial?
R – Naquela época, quer dizer, a mão de obra de doméstica era muito fácil. A fazenda tinha quase que... Teve época de ter 500 pessoas morando na fazenda. Ainda não tinha acontecido aquele êxodo rural, então as pessoas se localizam mesmo, moravam, trabalhavam na zona rural. E teve uma época que o recenseamento, quer dizer, em 57, 60, só na fazenda moravam 500 pessoas, entre os empregados, os agregados, a família. E a mão de obra era muito fácil, então tinha aquelas cozinheiras que faziam aquelas comidas só de fogão à lenha. Então reuniam não só elas, como também a minha mãe, as outras filhas, as tias, aí preparavam todo o aniversário, principalmente dos meus avôs, que era onde reunia a turma. Então era uma época de muita fartura, em termos não só de alimentos e também de disponibilidade de mão de obra, muito fácil.
P/1 – Como eram as refeições na sua casa? Quem cozinhava? O que vocês comiam? Qual era a base da alimentação?
R – Era uma alimentação até um tanto... Não digo... Que hoje a preocupação que a gente tem, quer dizer, era uma alimentação até um pouco exagerada em termos de calorias, de gordura. Era aquela alimentação assim, muito hidrato de carbono, muita gordura. Então toda semana tinha lá... Cada semana tinha uma... A minha mãe ou então as tias que moravam junto tomavam conta da semana da cozinha, então via aquela competição: “A semana da tia fulana é melhor que a da fulana”. Entendeu? Mas era muito farto em termos assim de... Até um pouco exagerado em termos de gordura, de hidrato de carbono, doce à vontade, aquela comida mineira mesmo.
P/1 – Que alimentos assim?
R – Hein?
P/1 – Quais eram os alimentos?
R – Era arroz, feijão, muita carne de porco. Porque na época existia um contrato entre o fazendeiro e o seu empregado, em que pagava uma parte em salário e uma parte em víveres, em alimentação. Então fornecia arroz, fornecia feijão, fornecia café, fornecia a própria carne. E a carne que fornecia era de porco, então tinha muito colesterol, muita gordura. E era aquela época, a própria comida caseira, comida mineira. Você vai a um restaurante, era aquilo que a gente alimentava. Tudo fogão à lenha. Na época não tinha geladeira, então eles preparavam esses alimentos tudo de uma maneira especial. Por exemplo, parecia uma geladeira à querosene. E a luz na fazenda era própria, mas só acendia à noite, porque era pequena a usina, o gerador. Então existia essa limitação de usar a geladeira, de rádio. Televisão nem se fala na época.
P/1 – E a água, Gabriel, que vocês consumiam? De onde vinha a água? Pra banho, pra...
R – A água era uma água que vinha... Era captada no alto de uma serra, vinha encanada, tinha lá um reservatório, uma caixa, e ali então fornecia não só pra consumo de beber, de fazer o alimento, banho. Então era própria, mas natural, não havia nenhum tratamento na época.
P/1 – Você sabe qual era a fonte de onde saía essa água, que serra?
R – Saía do alto de uma serra lá, porque a fazenda era grande, onde tinha a cultura de café. E naquela época, a vantagem é que não existiam também esses inseticidas, esses agrotóxicos, então a cultura do café, que era a atividade principal lá da fazenda, ela era feita mais assim com uma parte muito orgânica, então não havia aqueles riscos de contaminação dos lençóis. Mas normalmente a preocupação das pessoas mais antigas era de pegar exatamente essas minas que existiam no alto da serra, porque aí o risco de contaminação era muito menor. A sabedoria do povo. Então era uma água bem potável mesmo, tudo bem trabalhado.
P/1 – Vocês consumiam bastante café na sua casa? Bebiam café?
R – Bebia. Porque o café fazia parte da tradição, da cultura. Era cedo, à tarde, cafezinho na hora dos intervalos: depois do almoço, jantar. Nos intervalos. Então o café fazia parte do cardápio diário. E meu pai, não só ele, mas meus avôs, meus tios, tomavam sempre uma xicrinha de café. Naquela época tinha o bendito tabagismo, que era muito mais difundido, então toda vez antes de fumar um cigarro, tomava-se uma xícara de café.
P/1 – Você lembra como era preparado o café?
R – O café? Lembro. Existiam aquelas chaleiras de ferro e ali o coador de pano, então colocava o pó naquelas chaleiras, depois coavam. Eles já vinham adoçados. Na época não se fazia café sem açúcar, não existia adoçante. Então já eram nas medidas certas, você fazia o café e já saía doce. Não tem mais hoje, que você tem lá o café com açúcar e o café sem açúcar. Então lá não, era só com açúcar. Então o consumo sempre fez parte da cultura da família. E na região, de modo geral, que eu sou de Minas, é muito voltado pra essa cultura da cafeicultura.
P/1 – E nessa fase de infância, Gabriel, você se lembra de alguma história marcante? Esses casos que entram pra família, uma história que depois você tenha contado, sei lá, pra filhos, netos, amigos?
R – É que é tanta vivência que a gente teve. Assim de imediato, eu não lembro nada que fugisse de uma infância normal que a gente sempre teve, principalmente quando tá na fazenda, criado ali. Mas não tenho nada que possa ser destacado de maneira preponderante.
P/1 – E escola? Com quantos anos você entrou na escola?
R – A escola, aquilo que eu falei no começo, a gente tinha uma dificuldade grande de escola, principalmente na fase de alfabetização. Então como os meus pais sempre preocupados em dar um ensino de qualidade pra gente, então quando tava com sete anos, naquele tempo existia muito na região aqui aqueles colégios internos. Então a gente saía com uma idade bem precoce e ficava internado. Então quando eu tava de sete pra oito anos, eu fui estudar em Lambari, num colégio interno. Mas nesse período, até completar sete anos e meio, mais ou menos, a minha mãe nos ensinou, nos alfabetizou. Então tinha lá uma cartilha. Então quando nós chegamos ao primeiro ano primário, na época, então já tínhamos uma noção, quer dizer, uma semialfabetização.
P/1 – Qual era o nome desse colégio que você foi com sete anos e meio?
R – Instituto Santa Terezinha, lá em Lambari. A dona era uma senhora, a dona Maria Bibiano. E tinha lá também uma regente, que era a dona Guilhermina, e ali ela tomava conta da gente como se fosse filhos delas. E com uma energia muito grande, tudo regrado, com horário, então tivemos muita disciplina. Ficamos lá durante cinco anos, de 50 até 56.
P/1 – E você lembra como foi sair de casa tão novinho? Você ficava... Como era? Você ficava a semana lá e voltava de final de semana pra casa, o dia inteiro, como era?
R – Não, a gente ia, ficava internado, e lá a gente ficava três meses sem ir a casa.
P/1 – Você se lembra dessa mudança da sua casa para o colégio?
R – Então a saída foi muito traumática. Que a gente é acostumado, criado na fazenda com toda aquela liberdade, muito ligado com a família, então isso aí foi um corte muito abrupto. E foi um trauma. Quando a gente ia pela primeira vez, foi aquele choro, achava que o mundo ia acabar. Mas aí ficamos internados. Fiquei internado lá, eu e mais um irmão.
P/1 – Era próximo da fazenda?
R – Era próximo, pra você ver, por exemplo, de Olímpio Noronha hoje a Lambari dá o quê? Vinte, 30 minutos. Mas naquela época era estrada de terra, então você gastava mais de uma hora, uma hora e meia, dependendo do estado, se tinha chuva, dependendo do estado da estrada. Quer dizer, a locomoção era mais difícil.
P/1 – Como fazia essa viagem? Como vocês fizeram?
R – Fazia de carro. Então sempre o meu tio, que morava junto com os meus pais, com os meus avôs, então ele que levava as crianças pra escola. Mas lá a gente ficava três meses. A gente ia, por exemplo, em março, só voltava em julho, depois voltava em dezembro. Voltavam em agosto, as aulas, depois voltava em dezembro pra casa, ficava dezembro, janeiro, fevereiro, três meses de férias no final do ano e um mês em julho. Lá quando tinha um feriado, por exemplo, na época existia a semana da pátria, então dia Sete de Setembro, você ficava a semana inteira no feriado, então nesse feriado longo a gente ia pra fazenda. Aí ficava ou na fazenda ou então em Carmo de Minas, que tinha residência também na cidade, ainda tem até hoje, minha mãe mora lá. Mas era assim, no começo era um trauma muito grande, a gente sentia falta quando voltava para o colégio. Ali tinha toda uma disciplina pra gente seguir, e a ligação afetiva com a família era muito grande, então sentia.
P/1 – Como era esse internato? Descreva um pouco. Era pequeno, era grande, eram só homens?
R – Ele era misto, mas quando eu fui, já era só masculino. Então existia lá, eram 120, 130 internos, alunos, desde o primeiro ano primário até ginasial. Então ali a gente viveu cinco anos, eu estudei lá em Lambari.
P/1 – Teve algum professor marcante nessa fase?
R – Sempre a primeira professora, que ela que alfabetiza a gente, que dedica muito. Na época, as professoras eram mais voltadas, mais compromissadas, não só a ensinar, mas também formar a pessoa, transmitir os valores, impor as disciplinas, então estava ali substituindo nossas mães. Então me lembro, me recordo da professora, a primeira que eu tive, a dona Célia, a professora Célia Viola, lá de Lambari. Que foi que levou o primeiro ano. Depois vieram outras durante... Aí você já vai amadurecendo. Mas o colégio interno era assim, por um lado criava certa disciplina, mas às vezes te impunha muita coisa, deixava de... Não te dava muita liberdade. Então não sei se talvez isso possa até na vida futura te podar um pouquinho, às vezes a criatividade, a inovação.
P/1 – Era muito rígido?
R – Era quase que assim... Não digo que seria um regime militar, mas você tinha normas pra tudo. Você tinha horário de almoço, horário de levantar. Na hora de ir pra aula, tinha que entrar todo mundo em fila, cantava às vezes o Hino Nacional, rezava. Então era todo aquele preâmbulo antes de começarem as aulas. Tinha o horário que você tinha que estudar, então ia pra sala, ficava estudando. Tinha os horários de recreio, mas eram curtos. O horário de dormir. Antes de dormir, tinha que ir para o refeitório, ajoelhar, rezar um terço, aí a gente depois ia dormir. E tinha o horário cedo, cinco, seis e meia, por aí, vinha o sininho batendo, você tinha que levantar.
P/1 – E tinha um horário de recreação, assim, uma atividade física, uma coisa de lazer?
R – Tinha, mas muito pouco. Às vezes você tinha lá um futebol, mas juntavam num campinho lá 30, 40 crianças correndo atrás da bola, mas não tinha essa parte... Tinha uma educação física, mas coisa bem suave. E todo domingo a gente tinha que sair. A gente saía cedo e ia assistir à missa lá na matriz da cidade de Lambari. Mas tudo em fila. Fila de dois, tudo de uniforme. A gente usava uniforme, uniforme do colégio, então ninguém andava com roupa normal. E ali era obrigatório, você tinha que ir à missa. Quase que 100% dos alunos eram da religião católica, então não existia... Quer dizer, ninguém ficava pra trás, todo mundo tinha que seguir a cartilha da diretora lá.
P/1 – E era o único momento que vocês saíam do internato, era pra ir à missa domingo?
R – Saía no domingo de manhã; e no domingo à tarde, a gente ia ao cinema. Tinha um cinema lá, aí a regente, a dona Guilhermina, ela nos levava para o cinema, assistir a um filme, matinê, depois voltava para o colégio.
P/1 – Como era o cinema da cidade?
R – Não digo que teria o conforto de hoje, mas não era aquele cinema igual de hoje. Hoje tem uns que você tem três dimensões, tem vários. Mas era um cinema mais simples. Mas ali a gente aproveitava, a gente ia sempre, ia lá, comprava uma pipoca, ia assistir ao filme. Sempre eram aqueles filmes de faroeste que existiam na época. E de vez em quando, às vezes à noite, aqueles alunos que tinham um bom comportamento, às vezes na quarta e quinta-feira, então o regente, aí passou a ser outro, um senhor, o professor Raimundo, então ele levava a gente pra ir assistir um filme na cidade. Aí já eram filmes diferentes.
P/1 – Você se lembra de algum filme, Gabriel, que você tenha gostado, que tenha te marcado?
R – Nessa época, eram tantos que a gente assistia. Não lembro algum especificamente.
P/1 – Mas tinha um gênero favorito?
R – Tinha. Tinha drama, tinha... À noite. Agora, de domingo sempre era só esse filme de faroeste na época, não tinha nada assim que saía dessa linha.
P/1 – Você lembra o nome da sala, só por curiosidade?
R – Hein?
P/1 – De cinema, você lembra o nome do cinema, ou não?
R – Era o Cine ABI. É. Cine ABI. Era o único que tinha na cidade. Lambari é uma cidade de turismo, uma cidade hidromineral, estância hidromineral, e às vezes a gente saía também, tinha lá o Parque das Águas, apesar de pequeno, muito menor que o daqui, mas tinha em frente uma praça, uma fonte luminosa, e ali você ficava às vezes um domingo à tarde, às vezes num sábado. A gente ia, mas sempre sob o olhar da regente, a dona Guilhermina, que era enérgica e vigiava a gente com mão de ferro mesmo, não deixava a gente fazer nada que saísse daquela rotina.
P/1 – Como era o uniforme?
R – O uniforme era um brim amarelo, tipo mais ou menos desse tipo da Polícia Militar de Minas, com todos aqueles botõezinhos em volta. E ali você tinha a calça, tinha a camisa branca, tinha o paletó. E ali você tinha que usar... Entrou no colégio, chegava ao colégio já uniformizado, e só tirava quando saía para as férias. Então não tinha nada de período que você ficasse com a roupa própria, de esporte, nada disso.
P/1 – E você ficou lá até os 12 anos, mais ou menos, foi isso?
R – Lá eu fiquei até, quer dizer, saí de lá em 57. Então fiquei de 52, três, quatro, cinco, seis... Na época, o curso primário eram cinco anos: tinha primeiro, segundo, terceiro, quarto e o que eles chamavam na época de admissão, era um preparo pra gente entrar no curso ginasial. Então lá eu fiquei até 56, final de 56.
P/1 – E no ginásio, você foi pra onde?
R – Quando foi 57, outro internato. Aí já fui pra Varginha, estudei lá no Colégio dos Maristas. Então lá fiquei de 57 a 60.
P/1 – Era muito diferente do internato de onde você vinha?
R – Era. Porque lá eram os irmãos Maristas, era um colégio maior, então a gente tinha divisão dos menores, divisão dos maiores, então separados. E o ensino de boa qualidade. Na época, a gente estudava francês, espanhol, inglês, latim, quer dizer, eram várias matérias. E uns professores de um nível muito bom. Mas um regime, aí eu diria que seria um pouco mais light, mas com horário, tudo, a gente não podia sair, você ficava dentro do colégio a semana inteira, mas você tinha lá mais recreação, tinha futebol, basquete, vôlei. E a gente de vez em quando saía pra jogar, disputar alguma partida com outros colégios dos Maristas mesmo, porque tinha em Varginha, Poços de Caldas. E mesmo assim, por perto ali, então a gente fazia, às vezes, algumas excursões. Tinha mais diversão. Mas foi um colégio que deu muita base pra gente. Em termos de qualidade de ensino, muito bom.
P/1 – E vocês tinham um tempo livre também no final de semana? Podia sair?
R – Tinha no domingo. No domingo, depois do almoço, a gente saía e ficava à tarde... Aí você saía, fazia o que bem entendia, sem nenhum monitoramento. Ia para o cinema, ia pra uma lanchonete, às vezes ia para os namoricos. Mas aí já era adolescente, então a gente tinha mais liberdade. Tinha horário pra chegar. Quando chegava seis horas, às 18 horas, você tinha que estar dentro do colégio novamente. Porque se transgredisse alguma norma, no próximo domingo a gente não saía, entendeu? Então era podada essa parte. Era o castigo que a gente levava.
P/1 – E tinha festa, Gabriel? Você ia à festa nessa época?
R – Tinha. Sempre no mês de junho, as festas juninas que faziam às vezes no colégio. E tinha também lá outro colégio, era o Colégio dos Santos Anjos, aí já era feminino, então havia um intercâmbio. Então às vezes os alunos iam às festas do colégio das meninas, mas nunca elas iam às nossas. Só os Maristas iam lá.
P/1 – E como eram essas festas nesse colégio feminino?
R – Tinha aquelas festas, aquelas tradições, as quadrilhas, aquelas barraquinhas com diversas comidas típicas de festa junina. Mas tudo assim, muito... E às vezes tinha alguma campanha, alguma festa de algum bairro, alguma igreja, então eles convidavam o colégio justamente pra levar os alunos pra consumirem. Então isso também a gente... Às vezes o irmão Marista lá, o regente, levava a gente. E tinha muito campeonato de futebol, então a gente tinha uma atividade física bem razoável. E a gente participava do time do colégio de futebol, então saía mais pra jogar, tinha aqueles jogos, era no domingo de manhã. Então tanto na ala dos menores, como na dos maiores, cada um tinha seu campo de futebol. E ali se organizava campeonato.
P/1 – E nessas festas que você mencionou, vocês dançavam? Tinha música pra dançar? Dançava junto quando vocês iam para o colégio das meninas?
R – Não, era mais assim de ir às barraquinhas, participar, de vez em quando participava de quadrilha, mas não tinha nenhum baile, nada assim, dança assim de casal, não. Era mais assim, sair, gastar. Mas não tinha nada, pelo menos nesse período, de você ir a algum baile. E às vezes, quando tinha alguma... No domingo, a gente saía, tinha lá em Varginha uma boate, que não é bem uma boate, é um local que de dia funcionava, às vezes à tarde, aí tinha lá, a gente tinha um grupo, às vezes ia, conhecia as amigas da cidade. Então ia pra lá às vezes alguma tarde, matinê.
P/1 – Mas era um bailinho? Como era isso?
R – É, coisa assim bem simples, uma música tocando. E ali a gente passava algumas horas, duas horas às vezes, conversando com as meninas, dançando um pouquinho.
P/1 – Você lembra quais eram as músicas, assim, que tipo de música?
R – Na época, eram muito aquelas músicas de bossa nova, MPB, muita coisa assim mais... Então a gente... Mas era meio raro isso acontecer.
P/1 – E você ficou nesse...
R – É. Dezembro de 1960. Então lá eu concluí o ginásio, em 1960.
P/1 – E aí você foi fazer o quê? Na época era colegial, é isso? Ou científico?
R – É. Chamava científico. O científico, eu já fui pra Belo Horizonte. Lá eu fui estudar no colégio dos Franciscanos, quer dizer, o Colégio Santo Antônio. E na época, um colégio muito rigoroso em termos de... Uma qualidade de ensino muito boa, mas em termos de exigência era na época, talvez, o melhor colégio de Belo Horizonte em termos de qualidade. Eram os freis franciscanos e tinham também professores leigos. E a aprovação no vestibular lá era muito grande. Então mostrando a qualidade de ensino lá.
P/1 – Ele era internato também, esse?
R – Não, lá já era o que eles chamam de semi-internato. Então tinha lá o que eles chamam de pensionato, que era do próprio ligado ao colégio. Então pra eu sair, quer dizer, estudei cinco anos interno em Lambari, mais quatro em Varginha, nove, então pra você sair pra uma cidade igual Belo Horizonte, ir sozinho pra lá e às vezes me virar, quer dizer, ir pra república, pra pensão, então foi um negócio meio traumático. Foi quando conseguimos então... Um irmão que já tinha estudado lá conseguiu, estudado no Santo Antônio, conseguiu esse pensionato, que era do lado. Mas ali a gente tinha liberdade. Você tinha horário pra chegar à noite, se você não chegasse, você dormia na rua. Não tinha nenhum horário pra você... Você estudava a hora que quisesse, mas tinha o horário que você tinha que levantar e ir pra aula, na parte da manhã. E o resto do dia, você ficava livre. Cada um no seu apartamento, apartamento de dois. Então ali você estudava, você fazia aquilo que você quisesse. Tinha piscina, tinha jogo de sinuca, dama, e a gente aproveitava. Mas eu sempre fui um aluno bem aplicado, desde o primário, ginásio, sempre procurei, com responsabilidade, levar a coisa a sério.
P/1 – Mas nessa fase do científico, o que mudou em termos... É uma mudança grande ir pra BH e não estar mais num internato. Qual foi a mudança no seu cotidiano, lazer? O que mudou na sua vida?
R – A gente começou a sentir mais liberdade, mas ao mesmo tempo a responsabilidade ia aumentando. Tanto é que quando eu fui pra Belo Horizonte sozinho, e quando teve um feriado da semana santa, eu coloquei toda a minha roupa, tudo, e voltei pra casa, falei: “Eu não volto mais”.
E minha mãe olhou, falou: “Meu filho, mas você trouxe tanta roupa pra ficar uma semana”. Eu falei: “Não, é que tinha muita coisa, tal”. Dei uma desculpa. E fiquei pensando, falei: “Não, eu vou falar com eles que eu não vou voltar mais”. Mas uns dois dias antes de eu retornar pra Belo Horizonte, eu pensei, falei: “Mas todo mundo vai e fica fora de casa, por que eu não vou ficar? Eu vou insistir”. E resolvi enfrentar o desafio. E foi, quer dizer, dentro de uns 30 dias aquilo foi mudando, eu me adaptei e fiquei lá sem nenhum problema. E cada dia que passava, gostando mais ainda de Belo Horizonte, que é uma cidade maior, te oferecia muita coisa na época. E Belo Horizonte, naquela época, era uma cidade bem provinciana, quer dizer, era uma capital como uma cidade do interior, mas que o contato das pessoas era maior, existia um relacionamento mais próximo. Então tinha aqueles pontos que a gente ia e sabia que ali ia encontrar várias pessoas conhecidas, sejam colegas, sejam às vezes pessoas da região que a gente já conhecia, às vezes colegas que fomos convivendo durante o curso primário, o curso ginasial. Então ali era uma cidade muito boa de se viver.
P/1 – Em que lugares você ia?
R – Eu morava no bairro ali dos Funcionários, ao lado do colégio, mas a gente ia ao cinema, aí a gente ia às festas, sempre procurando aquelas festas de 15 anos, daquelas meninas que tinham... Procurando frequentar uma sociedade mais elitizada, mas assim, também o recurso financeiro era pequeno, então meu pai teve uma época que ele tinha oito filhos estudando interno, então as mesadas que a gente tinha pra gastar era pouca, era tudo controlado, então a gente não podia ficar gastando muito. Então sempre procurava aquelas festinhas de aniversário que entravam sem pagar, como diz hoje, boca-livre. E ali a gente ia passando os fins de semana. Futebol, quer dizer, tem sempre no fim de semana, no sábado, domingo, às vezes ia pra assistir a um futebol.
P/1 – E como eram essas festinhas de aniversário que você mencionou? Como era na época assim? O que se escutava? Como as pessoas iam vestidas?
R – Era, vamos dizer, na época não tinha CD, não tinha nada, era o disco, aquele polivinil, então se colocava uma eletrola, um disco. Lá uma ou outra tinha os conjuntos que tocavam na época, quando era uma festa de pessoas de mais posse, mais da elite. E sempre tem aqueles colegas que frequentam a elite, então a gente ia, como diz o outro, nas águas deles. Então na época tinha os conjuntos lá em Belo Horizonte, mas na maioria das vezes aquelas festas no bairro eram mais músicas mesmo de disco. Então ali se servia às vezes um salgadinho, uns refrigerantes, às vezes uma cerveja, mas tudo muito regrado.
P/1 – Você lembra alguma música, que tipo de música, quais eram as canções?
R – Na época, quer dizer, um pouco antes, era na época do Roberto Carlos, aquelas músicas mais românticas. Erasmo. Então na época tava começando o rock, mas eu nunca fui muito levado a essas danças mais modernas e agitadas. Isso aí, eu nunca fui. Talvez mais pelo perfil, quer dizer, não tenho assim uma, vamos dizer, uma tendência a me adaptar a essas músicas mais modernas. Na época era rock.
P/1 – O que você gostava de escutar?
R – Era mais assim, o samba, essas músicas mais românticas, os boleros. Mas quando partia para o rock, geralmente eu me afastava, talvez até pela timidez. Isso durante muito tempo, esse sentimento, isso me perseguia. Então isso talvez pela própria criação, quer dizer, você estudar em colégio interno, obedecendo a normas. E a criação há alguns anos, ela não deixava de ser assim, um pouco impositiva, e às vezes a timidez aparecia mais. Então às vezes muitas situações você deixava de se manifestar talvez por causa disso, pelo próprio temperamento, mais introvertido, isso eu sempre fui.
P/1 – E como era nessa fase, nessa questão de aproximação com as meninas, o flerte, a paquera?
R – Sempre quando você saía pra descontrair, às vezes junto com os amigos, a gente às vezes tomava uma dosezinha, uma vodcazinha, na época existia uma bebida que eles chamavam de hi-fi, vodca com Fanta, então ficava mais liberado um pouquinho, a timidez diminuía, então aí começavam os relacionamentos, as conversas. Depois do primeiro contato, a coisa ia tomando um ritmo normal.
P/1 – Você teve alguma namoradinha nessa fase, ou um primeiro amor?
R – Tive. Quer dizer, sempre teve várias que passaram.
P/1 – Teve alguém mais marcante assim?
R – Não. Eu não tinha assim uma... O relacionamento, quer dizer, enquanto ele existia, a gente vivia bem e tudo. Mas eu tinha uma facilidade muito grande de partir pra outra e esquecer a anterior. E nunca me preocupei, porque na fase de adolescência, estudando, em me fixar e fazer um relacionamento muito firme com uma pessoa só. Então o meu pai dava um conselho pra gente, falava: “Olha, meu filho, o negócio é o seguinte, você deve namorar, mas nunca fazer um relacionamento muito firme, porque você ainda não sabe o que você vai fazer, quando você vai formar, e às vezes você fica dez, 15 anos namorando uma menina, e o que acontece? Você toma o tempo dela, vocês fazem um vínculo, aí você se forma, vai conhecer, sai, vai pra uma cidade maior, ali você vê mais liberdade, começa a ter outras oportunidades, conhece outras pessoas, aí você se esquece da outra que tava aqui. Entendeu? E ali você já tomou o tempo dela. Então você tem que nada de levar a sério por enquanto”. E eu sempre parti pra essa linha. Coisa assim, relacionamentos mais rápidos, convivência. Uns namoricos, mas nada assim de muito compromisso, exatamente pensando: depois você se forma, aí surge na sua vida um monte de oportunidade. Você começa: “Não, agora eu quero aproveitar a vida”. Aí você esquece aquela namorada. Isso aconteceu com um irmão meu, que ele vivia... Meu pai falando com ele: “Meu filho, você tá com 13, 15 anos, você tá levando vida de... Você vai ficar noivo, querer casar. Não é possível, você ainda tem que estudar, formar e tal”. Quando vê, um belo dia... Ele ficou acho que dez, 12 anos namorando uma menina. E chegou um momento, eu to lá na faculdade, já em Belo Horizonte, ele chegou lá, falou: “Olha...”. Tava formando em Engenharia e teve um problema lá, terminou o namoro com essa tal moça, menina. Aí foi aquele trauma pra família, família do interior, uma família achando que já iam casar. Então se criou um clima muito ruim. Então ele falou: “Tá vendo, meu filho? Eu te preveni. Você não devia ter feito isso”. Mas passou. Então sempre tive relacionamentos mais sem muito compromisso, muita seriedade, com aquele objetivo: “Não, eu vou ficar noivo, casar”. Quer dizer, sempre achei que você tinha que conviver, relacionar, mas procurar conhecer, viver mais. Porque a gente vai amadurecendo, as prioridades vão surgindo. Quer dizer, as suas escolhas vão mudando.
P/1 – E quando você decidiu que ia fazer Medicina? Como foi essa decisão?
R – A Medicina, quer dizer, eu sempre... Quando eu fui pra Belo Horizonte, pra estudar no Santo Antônio, logo que eu terminei a quarta série, então tava em Carmo de Minas, então a gente sempre tem alguém, quer dizer, uma imagem de pessoas que você passa a ter referência, servir como referência. Então quando eu era ainda adolescente, tava em casa, então tinha um médico lá em Carmo de Minas, o doutor Altamiro Coli, então era aquele médico de família. Naquele tempo existia só o médico de família. Era o clínico que resolvia tudo, ele olhava a criança, o idoso, a mulher, o marido, quer dizer, não tinha nada de especialidade. Então ele quando chegava lá com a maletinha dele, eu achava aquilo interessante e comecei a vê-lo como uma figura que me inspirou. Achava bonito ele chegar, medir a pressão, examinar. E comecei a sentir que eu tinha uma... Comecei a despertar um gosto por isso. E eu sempre fui com um espírito um tanto voltado para o social. Então com isso eu comecei a achar que como médico eu poderia ajudar muitas pessoas. E quando eu fui pra Belo Horizonte, eu já fui com esse objetivo, de fazer um bom curso científico, num colégio de qualidade, e ali então com a opção de entrar na faculdade Medicina.
P/1 – E era um vestibular na época?
R – É. Eu fiz, quer dizer, fiz lá os três anos de curso científico no Colégio Santo Antônio, foi em 61, dois e três. Em 63, no final do ano, aí tinha vestibular. E na época eu não fiz... Tinha aqueles cursinhos pré-vestibular, já existiam na época. Hoje você tem cursinho pré-vestibular, você tem pra pré-residência, tem pra tudo. Hoje tem curso que você faz pra fazer prova pra residência pra uma determinada especialidade. Então naquela época só tinha o pré-vestibular. Eu fiz o pré-vestibular, fiz o vestibular e passei, logo de início. Terminei o científico e entrei na faculdade.
P/1 – Qual foi a faculdade?
R – Formei-me na Faculdade de Ciências Médicas, em Belo Horizonte. Também só fiz um vestibular, só lá. Hoje você tem oportunidade de fazer em várias escolas, porque tem unificado. Mas na época não, você fazia no máximo em duas. A gente fazia lá, por exemplo, ou na Ciências Médicas ou UFMG, que eram datas diferentes. Mas se quisesse, tinha que fazer no... Se coincidissem as datas, não tinha jeito. E a maioria era no final do ano que fazia, então comecinho de janeiro. E demoravam três meses, quase dois meses pra sair o resultado, que era tudo na mão. Naquele tempo não tinha prova de múltipla escolha, era tudo dissertativo. Então o professor... Aparecia lá uma questão, você tinha que dissertar, resolver os problemas, então o professor tinha que... A equipe lá tinha que corrigir prova por prova.
P/1 – E como foi a vida universitária? Como era a faculdade? O que mudou na sua vida nesse momento da faculdade?
R – Na faculdade, o resultado, eu fiz a prova em janeiro... Em final de dezembro. E o resultado só saiu em março. Então foram quase três meses o resultado. Daí passei. Durante o curso, o relacionamento, os colegas, você começa a ter mais... Aí já morava em república, não morava mais em pensionato. E tinha uma vida assim mais livre. E foi um convívio, uma época muito boa. Primeiro que você tá em plena juventude, tá com muitos sonhos pela frente. Era uma faculdade particular, mas que na época as mensalidades eram tão baixas, porque tinha ajuda de governo, eram poucas faculdades de Medicina, então não havia esses preços exorbitantes que tem hoje. Então hoje você paga uma faculdade, são seis, sete mil reais por mês uma faculdade de Medicina. Então na época a gente tinha Ciências Médicas, era uma escola muito... E o campo de trabalho era muito grande, muito vasto, então a prática da Medicina, quer dizer, a gente como aluno tinha pra atender a Santa Casa todinha de Belo Horizonte por conta só da Faculdade de Ciências Médicas. Então ali você tinha doente pra você examinar, praticar à vontade. Então isso foi muito positivo no sentido de te dar uma base muito boa da prática médica. Hoje às vezes o aluno aprende a teoria, mas na hora da prática ele vai ver ou no boneco, ou no vídeo, ou CD. Ele não tem aquele contato assim, a oportunidade de ter um contato maior com o próprio paciente, pra você ir ali conversar, fazer um relacionamento médico-paciente.
P/1 – E vocês tinham uma prática desde o início?
R – Tinha. Quer dizer, o ensino antes era assim muito... No começo, você tinha aquelas cadeiras básicas, era primeiro, segundo ano, quer dizer, Anatomia, Fisiologia, Bioquímica, Farmacologia, enfim, você ficava só, praticamente, dentro da faculdade. Tinha as práticas de laboratório, tinha a prática de anatômico. Mas terceiro ano você já começava o contato com o paciente, a parte da Semiologia. Então nessa época, muitas vezes a gente começava a aprender alguma coisa, examinar o doente, pegava às vezes pra melhorar um pouquinho a mesada, você ia para o hospital pra ajudar algum cirurgião em alguma cirurgia. Então aí começava. Lá pelo quarto ano às vezes arrumava algum empreguinho em algum hospital, exatamente pra melhorar um pouquinho a mesada.
P/1 – Você se lembra dos seus primeiros atendimentos? Como foi pra você? Foi tranquilo? Você ficava nervoso?
R – Eu me recordo que quando tava no quarto ano... Final do terceiro ano de Medicina, então a gente já tinha visto, aprendeu a examinar o paciente. E aí surgiu um emprego no hospital municipal em Belo Horizonte. E naquela época tinha sempre o interno do sexto ano que ficava de plantão e a gente acompanhava. Então a gente examinava o paciente, medicava uma coisinha ou outra, orientado por ele. Chega fim ano, vêm as formaturas, vêm as festas dos homenageados, do paraninfo. E um belo dia eu tava lá no plantão junto com um colega que tava formando naquele ano, ele falou: “Gabriel, eu vou dar uma saída, hoje tem a festa que o paraninfo vai dar pra gente
e tal, mas ali pra 11 e meia, meia-noite, eu to de volta”. E nada de ele voltar. E a pediatria, eu tinha lá 30 crianças internadas, tudo tomando soro, vomitando, desidratada, pneumonia. E eu não sabia, tava começando. E aquilo me deu um stress tão grande, no fim eu falei: “Isso é um desafio, eu vou fazer Pediatria”. Eu falei: “Eu vou estudar, um dia eu vou ser um pediatra”. E aquilo me provocou. E a partir dali eu comecei a ler, comecei a me interessar pela pediatria. Então talvez nessa ocasião foi o que me levou a buscar essa parte. E também, outro aspecto, que a pediatria tem muito a ver com a medicina mais social, então é a criança, você envolve a família, o meio, a puericultura, prevenção, promoção. Então isso aí ficou mais... Adequou-se mais a minha maneira de pensar. Então ali, a escolha da Pediatria foi naquele exato plantão. Porque tinha do lado do hospital um posto lá, tipo um pronto-socorro de pediatria, mas não tinha nenhuma ligação com o hospital municipal. E eu socorria lá, fui lá conversar com o colega pediatra que tava lá, e ele com muita má vontade me orientando. Eu falei: “Não, um dia eu vou fazer coisa melhor que ele”. E parti, comecei a estudar. Mas também, o que eu fiz? Não fui mais dar esse plantão lá enquanto não me senti seguro. Então foi essa vez só e quando eu via que eu tava sozinho, aí eu não assumia, não.
P/1 – E você teve alguma... Então você se especializou em Pediatria, foi isso?
R – Pediatria.
P/1 – E você teve alguma... Bom, imagino que tenha mais de uma, mas uma situação marcante que você se lembre de atendimento com criança, uma história que tenha te marcado?
R – Tem várias, porque a pediatria, quer dizer, da mesma maneira que o pediatra tem aquela satisfação de às vezes salvar uma criança e ver, por exemplo, a mãe, o pai, com aquele sorriso, com aquela alegria. Porque chega às vezes uma criança grave e você fica ali tentando fazer alguma coisa, e os pais desesperados, e de repente a criança se recupera. Quer dizer, a criança tem uma capacidade de recuperação muito grande. E aquilo traz uma realização muito grande pra gente. Mas muitas situações também você não consegue, principalmente esses pacientes que têm às vezes uma doença crônica e que você acompanha há mais tempo, você faz um vínculo com a criança, faz um vínculo com a família, então são situações muito traumáticas pra gente. Que às vezes chega uma hora, você não tem mais nada pra fazer, aí você perde, por exemplo, a criança, ela vai à falência, você já batalhou, aí você sofre junto com a família. Então o pediatra tem muito disso, ele se envolve muito, então ao mesmo tempo em que você tem uma realização grande, você tem também às vezes uma sensação de incapacidade, sofre, que às vezes você perde, como se tivesse perdendo ali até quase que um filho. Então várias situações dessas eu enfrentei. Agora uma situação que eu me recordo, aí já não foi dentro da pediatria, mas pra demonstrar como o médico antigamente fazia um vínculo com o doente, a relação médico-paciente era muito mais sólida. Um dia eu tava de plantão no pronto-socorro do hospital aqui em São Lourenço e aí chegou lá um... E a gente de plantão, você fazia tudo, atende pediatria, adulto, tudo que chegasse. Chegou lá um senhorzinho com câncer de estômago, já na fase final, sentindo dor, sofrendo, ele chegando, falava assim: “Eu queria que chamasse o doutor Emílio”. O doutor Emílio era um médico antigo que tinha aqui, mas muito humano. E um mês de maio, um frio, em São Lourenço fazia frio de zero grau naquela época. Então eu falei: “Olha, o doutor Emílio tá cansado, tá dormindo. Eu vou dar uma medicada no senhor”. E ele já quase agonizando e pedindo o doutor Emílio. Eu senti aquilo, falei: “Gente, eu vou ter que ligar pra ele”. E liguei. Falei: “Olha, doutor, o negócio é o seguinte, o paciente tá aqui”. Ele falou: “Ah, eu conheço, é o fulano de tal. Esse aí não tem mais nada pra fazer, coitado, ele tá na fase final de câncer” “Ele insiste que queria que o senhor viesse, mas deixa que eu medico aqui, tá muito frio, tal” “Não, tá, tudo bem, Gabriel”. Daí cinco minutos aparece o doutor Emílio. O doutor Emílio chegou e nisso ele sentou do lado do paciente, o paciente pegou na mão dele, eles se entreolharam, aí o paciente virou a cabeça e faleceu. Enquanto o doutor Emílio não chegou, ele não... Aí eu vi a ligação tão forte que existia, e que é o ideal. A relação médico-paciente era muito... E aquilo ali, aquela cena, me marcou por muito... Até hoje. Eu não esqueço. Uma coisa assim, dentro da nossa profissão, quando você encara com compromisso, você vivencia a sua profissão, te traz muita alegria, muita realização, mas tem certos momentos que você sofre também. Então essa desse paciente demonstrou como é a ligação, a confiança que tinha. Enquanto o doutor Emílio não chegou, ele não se desligou desse mundo. Mas foi uma coisa tão marcante que eu não esqueço nunca mais.
P/1 – Você se especializou em Pediatria e foi trabalhar em hospital ou em clínica? Conte-me como foi.
R – Quando eu saí de Belo Horizonte, então terminei lá o sexto ano, aí fui fazer residência em Pediatria em Brasília. Lá em Brasília, na época, a Universidade de Brasília tinha uma Medicina muito voltada para o social. E a Pediatria, a gente fazia muito essa parte da medicina social, pediatria social. Então você ia aos bairros, ia à zona rural. E deu uma formação muito boa nesse aspecto da promoção, da prevenção, do social dentro da Medicina.
P/1 – Que ano era isso?
R – Isso foi em 1969? 1970. Em 70 eu fui, Brasília tava começando, tinha dez anos de existência.
P/1 – É isso que eu ia te perguntar. Como era a cidade naquela época?
R – Brasília, naquela época, tinha aquela... Já era uma cidade planejada, Projeto Plano Piloto, mas já tinha áreas vazias muito grandes. E lá você tinha uma... E uma cidade totalmente diferente de Belo Horizonte, então ali foi um impacto que eu sofri no sentido de... (troca de cartão).
P/1 – Então, Gabriel, só retomando, você tava contando como era Brasília quando você se mudou pra lá.
R – É. Então tinha muitos quarteirões vazios e em Brasília tem um clima muito inóspito. E na época era pior ainda, porque muito vento, um ar às vezes seco e aquela poeira, porque não existia uma área de Brasília, mais de 70% ainda estavam por construir. Então oferecia um custo de vida muito alto e tudo longe. Quer dizer, as pessoas não se cruzavam na rua, só carro. Aí já é um ambiente totalmente diferente que eu enfrentei de Belo Horizonte, que você tinha aquele contato com as pessoas. Você ia às ruas, aos barzinhos, sempre aparecia um conhecido, um amigo. Em Brasília não, você tinha que formar um grupo e programar os fins de semana, uma hora no apartamento de um, de outro, ou então programar um restaurante, um barzinho. Mas você não tinha aquela rotina da esquina. Chegava a uma esquina em Belo Horizonte, daí um pouquinho estavam quatro, cinco, seis amigos reunidos, conversando. Em Brasília só carro que cruzava. Então nesse aspecto foi muito diferente.
P/1 – Em qual hospital você foi fazer...
R – Eu morava... A Universidade de Brasília tinha serviço... Ele localizava no Hospital de Sobradinho, cidade satélite. E ali a gente morava no hospital, ficava a semana intera ali. Chegava no fim de semana, você saía, ou ia a uma festa, mas tudo assim, reunia o grupo, quer dizer, os colegas, as colegas, ou então alguns que faziam uma festinha no apartamento. E ali a gente ia o grupo. Mas tudo pré-agendado na semana. Então tinha gente que falava: “Ah, vamos sair no fim de semana”. Sem rumo, você não achava nada, aí você ficava sozinho.
P/1 – E o trabalho como era? A residência, qual era a atividade?
R – Lá a gente ficava de segunda a sexta. Tinha os plantões que a gente fazia. Então tinha lá os residentes, que tinha o R1, primeiro ano, R2 do segundo ano, e o R3, residente do terceiro ano. Eu tava fazendo uma subespecialidade. E lá tinha uma vantagem, que em Brasília a universidade tinha um critério lá de corpo docente de tempo integral e dedicação exclusiva. Então o professor lá da faculdade, da universidade, ele não podia ter consultório, ele se dedicava única e exclusivamente ao ensino. Então a gente tinha durante 24 horas uma assistência do titular ou do assistente, entendeu? Então ele sempre tava ali pra nos orientar. Então era uma residência muito bem estruturada. E remunerava bem. Na época era a residência médica que melhor remunerava no Brasil. Talvez pela dificuldade de ir pra Brasília, tinha essa contrapartida, eles tentavam atrair o residente. E ali a gente viveu lá. Fiquei lá 71, o meu chefe lá da residência, o doutor Antônio Márcio Junqueira Lisboa, que até tem a família aqui na região, em Itajubá, mas ele é de Leopoldina, Zona da Mata, mas um professor muito dedicado pra essa parte da medicina social, da pediatria social. Na época era um dos ícones da pediatria brasileira. Em Brasília, não resta dúvida que era o maior expoente dentro da pediatria. E ele largou tudo no Rio. Tinha um consultório particular no Rio que se comparava quase que... Melhor que ele, só aquele professor, aquele doutor De Lamare, que tem aquele livro de saúde da família, o famoso pediatra do Rio de Janeiro, talvez um dos mais... Na época era o mais famoso. E depois era esse professor meu, doutor Lisboa. Ele largou tudo. Largou o consultório e foi pra Brasília pra enfrentar esse desafio. E ali ele montou, realmente, uma estrutura muito boa da pediatria. Mas infelizmente no nosso país acontecem esses desacertos das políticas, e nós estávamos em plena ditadura, foi no ano 70, 71. E ele como uma pessoa voltada para o social, os filhos também um pouco revoltados com o regime autoritário, e começou a ter uma perseguição dos filhos, ele mesmo dentro da universidade, quer dizer, o reitor era um militar e começou a vê-lo assim não com bons olhos, e começou a podá-lo. Até que um belo dia ele acabou, depois que eu já tinha vindo embora, ele acabou saindo da universidade. Foram forçando, forçando, até ele sair. Mas nesse período que eu estive lá foi muito proveitoso e tive a formação, completei aquela formação de pediatra e muito voltado pra essa parte do social, da pediatria social, preventiva, promoção, tudo.
P/1 – O que você tá falando em pediatria social, explica pra gente um pouco como é trabalho da pediatria social, da prevenção, em linhas gerais assim.
R – O pediatra, quer dizer, o médico, de modo geral, às vezes ele se concentra no consultório e fica esperando o doente chegar. Agora, quando você vê a medicina mais do lado assim, a pediatria, no caso específico meu, do social, você vai até a comunidade, você procura mudar os hábitos, procura mudar a cultura das pessoas e trabalhar mais o lado preventivo, a promoção da saúde, e tratar, é lógico, a doença, porque infalivelmente ela vai ter. Então eu diria que seria aquela medicina mais voltada pra promoção, pra prevenção, pra mudança de cultura e participando, dando uma assistência mais integral ao paciente. Você procura envolver até a família. Então hoje tá muito começando a resgatar essa medicina aí, porque dentro do próprio Sistema Unimed tá começando a implantar dentro do Sistema Unimed o programa da saúde da família, a atenção primária à saúde. É aquele generalista que vai ser o médico de família, que vai tomar conta de um grupo de clientes e da família deles e ali ser tipo o conselheiro. E ele fazer uma filtragem, quer dizer, tudo que você precisa, você vai nele e ele que vai te orientar e encaminhar pra qual especialista você deve procurar. Então começando a resgatar a figura do médico de família. Então quando eu passei esse período em Brasília, a gente tinha muito isso. Então a gente ia pra zona rural, entrava nas casas, você via o que o pai e a mãe tinham, os irmãos, enfim, você tratava a criança dentro do ambiente dela. Quer dizer, sem focar só a criança, mas atrás daquele problema dela tinha outros, é o pai que abandonou a esposa, abandonou o filho, a família, ou é um pai alcoólatra, que chegava em casa e brigava, e batia nos filhos. Então você começa a ver o contexto social da família e da comunidade. Então me envolvi muito nisso. E na época, antes desse professor sair de Brasília, eu já tava aqui em São Lourenço.
P/1 – Deixe-me te fazer só uma pergunta antes de você me contar da mudança pra São Lourenço. Você lembra o que você fez com... Você falou que remunerava bem a residência em Brasília.
R – É.
P/1 – Você lembra o que você fez com seu primeiro salário ou bolsa?
R – Eu considero um grande erro na minha vida, que eu nunca fui um poupador. Então me dava muito assim, quer dizer, viver aquele momento assim presente. Então o que a gente recebia, eu não conseguia... Teve colega, por exemplo, que fez um patrimônio, foi economizando, como na época comprava carro, preparou até pra casar logo que formou. Formou, terminou a residência, daí uma semana já tava casando. Mas então na época a gente.. Eu sempre fui muito compromissado com a profissão, mas na hora do lazer, na hora do fim de semana, eu procurava dar uma relaxada e extravasar, sair, ir para as festinhas, tudo. Então não sobrava muita coisa, entendeu? Então nesse aspecto, eu não fui um poupador.
P/1 – Você tinha alguma coisa que você queria ter que você conseguiu comprar com esse dinheiro? Você se lembra?
R – Não. Depois que eu vim pra cá, porque na época, o que a gente ganhava lá, eu praticamente gastava, fazia as viagens quando vinha pra cá. Mas não comprei nada com esse salário. Comprava livro, tudo isso, investia na profissão, mas nada assim de bens duráveis, de imóveis, não.
P/1 – Ah, não precisa ser nada grande, às vezes, sei lá, um rádio, uma bicicleta. Não teve nada assim?
R – Não. Não.
P/1 – E aí você veio pra São Lourenço então em 71, é isso?
R – Aí em 72, janeiro de 72, eu vim pra cá.
P/1 – Como foi essa mudança? Por que você veio pra São Lourenço?
R – Eu vim mais talvez por causa do... Aí eu já tava namorando minha esposa, era noivo, e sempre com aquela coisa: “Ah, vou pra São Lourenço ficar perto da família, vou me casar lá em São Lourenço”. E aqui não tinha nenhum pediatra. E quando eu vim, eu vim com aquela ilusão, falei: “Bom, não tem pediatra em São Lourenço e nem na região. Vou chegar lá no dia seguinte, abrir meu consultório, vai estar cheio de criança, o consultório lotado”. Na época, não existiam convênios, muito pouco, não existia Unimed, então 90% da clientela era tudo particular. Mas isso não aconteceu, foi exatamente o contrário. Quando eu vim pra cá, todos os colegas faziam de tudo, então eles faziam, examinavam, faziam pediatria, faziam clínica, faziam cardiologia, faziam tudo, faziam cirurgia. Então com isso eu não tive... Tive aquela desilusão e tive que batalhar, esperar, ter paciência. Quando foi em 73, eu tava num congresso na Bahia, Salvador, aí esse professor, o doutor Lisboa, falou: “Gabriel, eu preciso conversar com você”. Eu falei: “Tudo bem”. Ele falou: “Eu quero te levar pra Brasília. Você vai trabalhar comigo lá na universidade e no meu consultório, porque agora nós estamos em tempo parcial, eu tenho lá uma clínica pediátrica e to ainda dando aula na faculdade”. Eu falei: “Ah, tudo bem”. Mas na época eu já era casado. Aí a minha esposa quando viu aquela conversa, ela fez de tudo pra desviar, porque ela não pensava jamais em sair daqui. Mas sei que no fim não deu certo, acabei não indo pra Brasília e fiquei aqui, em 72. Aí continuei. Teve momentos de quase desistir, sair pra ir embora. Porque você sai de uma residência de pediatria, você tem toda uma estrutura a sua disposição, aí vir pra cá para o hospital, quer dizer, não tinha nada. Então não tinha uma pediatria organizada, todo mundo fazia de tudo. E eu como pediatra sozinho no hospital. Aí quando a criança... Eu chegava, tinha lá um doente ou outro pra examinar, o resto tudo cada um tinha seu médico. Quando o paciente tava já na fase final, falavam: “Chama o pediatra”. Aí eu ia só pra praticamente assinar o atestado, que não tinha mais nada pra fazer. E tive um período bem desanimador.
P/1 – Qual era o hospital que você veio trabalhar aqui?
R – Hospital daqui, Hospital de São Lourenço. Só tem um aqui, até hoje. Mas fomos tentando, fomos insistindo, organizando a pediatria, depois no ano seguinte veio mais um colega pra cá, o Jonas, aí nós dois começamos a organizar o serviço de pediatria. Aí surgiu, foram organizando o berçário e o hospital foi evoluindo nessa parte. Aí fui ficando mais motivado a permanecer aqui.
P/1 – Deixe-me só voltar um pouquinho, Gabriel, na sua vida pessoal. Eu queria saber como você conheceu a sua esposa, como vocês se conheceram.
P/1 – A minha esposa, eu tava sempre... Ela mora aqui em São Lourenço, sempre morou aqui, então foi num baile. Tinha o Hotel Primus, o Hotel Primus na época era um hotel da elite aqui da região, o melhor hotel que tinha aqui. E numa festa de 15 anos, eu fui ao baile, e lá eu olhei, vi uma pessoa que eu olhei, me simpatizei. E tinha um colega sentado, tinha lá uns médicos mais antigos aqui, estavam na mesa. Então ali tinha um colega médico de Carmo de Minas, aí perguntei pra ele: “Quem é aquela moça que tá lá, aquela morena ali?”. Ele falou: “Aquela ali eu conheço, é a fulana, tal. Vamos lá, eu vou te apresentar”. E ele conhecia o médico que tava lá, me apresentou, e assim começamos a conversar, dançar, e ali começou o primeiro relacionamento.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Maria Alice. E foi evoluindo os encontros, acabamos... Ela já tava quase noiva e aí foi, rompeu o relacionamento, e começamos.
P/1 – Quantos anos você tinha?
R – Na época eu tava ainda na faculdade. Foi em 67. Não, em 68. Quer dizer, dois anos antes de eu formar, que eu conheci. Nesse período, nós tivemos os namoros, vinha aqui, às vezes a gente relacionando.
P/1 – Quantos anos vocês namoraram?
R – Foi em 69, foi praticamente quando eu formei, que aí que nós começamos mesmo, então em 72 eu me casei. Foi pouco. Um espaço curto.
P/1 – E como era o namoro? O que vocês faziam juntos?
R – A gente mais saía, ia pra um cinema, pra um baile, as festinhas. Na época não tinha nada assim de esses relacionamentos pré-matrimônio, era tudo assim, família muito tradicional. Então era mais nas festas a gente encontrava, às vezes ia à casa dela, a gente ficava lá batendo papo, ouvindo uma música, assistindo uma televisão. E às vezes saía para as festas, os carnavais. Na época, São Lourenço era bem animado nessa parte, tinha o Carnaval de clube, não existia nada de Carnaval de rua. E foi até 72. Eu já tava aqui, cheguei em janeiro, aí em julho nós casamos.
P/1 – E como foi o casamento? Onde foi? Conta um pouco.
R – O casamento foi aqui mesmo em São Lourenço. Na época tinha... Até hoje é tradição os casamentos, a noiva se prepara, tem todo aquele mise-en-scène em volta, tem as festas. Então foi aqui na matriz de São Lourenço, dia 29 de julho de 72. Aí casamos.
P/1 – Teve festa?
R – Teve. Teve festa.
P/1 – Como foi a festa? Onde foi?
R – A festa foi ali no... Quer dizer, hoje já não tem mais, mas era ali onde hoje é o Hotel Metrópole. Então tinha ali um salão de festas, então foi lá a festa. É uma festa de casamento igual tem normal, nada assim especial. Depois fomos viajar.
P/1 – Pra onde vocês foram?
R – Nós fomos lá para o sul. Você vê como mudam as coisas, na época eu tinha um fusquinha, aí eu fui parar lá em Foz do Iguaçu. Tudo de carro. Mas foi assim, tudo partindo a viagem em várias etapas. Então quando nós saímos daqui, à noite fomos ali para o Clube dos 500, ali na Lorena, dia seguinte que nós fomos para o sul. Aí fomos pra Curitiba, fiquei lá uns dois dias. Depois de Curitiba, fomos pra Foz do Iguaçu. Mas nesse percurso que aconteceu algo assim desagradável. Entre Curitiba e Foz do Iguaçu, perto de uma cidade ali que chama Guarapuava, então ali eu capotei o carro. Então pegou uma pista lisa, o carro descontrolou tudo. Aí capotei o carro, mas felizmente não teve nada grave, logo vieram nos socorrer, desviramos o carro, aí continuei viagem. Só que danificou alguma coisa, aí tive que parar em Guarapuava, lá eu fiquei dois dias pra arrumar o carro, pra depois seguir viagem. Consegui, deu tudo certo e fomos. Em Foz do Iguaçu, ficamos lá uma semana, uns quatro, cinco dias.
P/1 – E como foi em Foz?
R – Hein?
P/1 – Como foi?
R – Muito... Lá, na época, a primeira vez que eu tinha ido, a natureza muito bonita, ficamos num hotel ali da... Hotel das Cataratas, bem em frente. É lógico, toda viagem de núpcias, sempre é tudo diferente. Aí ficamos lá quatro, cinco dias. Aí aquela viagem vai ao Paraguai comprar aquelas bugigangas. Fomos lá ao Cassino. E compra aqueles uísques do Paraguai, chega aqui, você vai ver, é tudo falsificado. Então ficamos lá nesse período, depois fomos voltando no mesmo ritmo, paramos em Curitiba, paramos em São Paulo. Chegamos aqui, fomos começar a vida.
P/1 – Onde vocês foram morar logo que vocês se casaram?
R – De início, eu comecei a morar... Hoje eu moro praticamente em frente a minha casa, era uma casa bem mais simples. Ali eu alugava a casa. E fomos morar lá. E logo que eu cheguei, parei o carro na casa da minha sogra, ficamos conversando e esqueci o carro aberto. Eu cheguei lá, tinham roubado a máquina fotográfica, alguns objetos que eu tinha comprado. Passou um amigo do alheio ali e furtou.
P/1 – Vocês não têm fotos então dessa viagem?
R – Hein?
P/1 – Não tem fotos?
R – Tiramos. Porque naquela época você tirava, guardava os filmes.
P/1 – Então os filmes ficaram?
R – É. Entendeu? Alguma coisa ficou. Só levou aquele que tava na máquina, mas era pouca coisa, porque já era o retorno da viagem. Depois continuamos em 72, aí começamos a... No começo, a minha esposa era minha secretária, então me ajudando lá no consultório. Até que demorou um pouco pra ter o primeiro filho, que só temos um hoje, que é a Renata.
P/1 – Vocês têm um filho, é isso?
R – Só uma, mas já tá formada, já é médica. E já tem um netinho, que é o Felipe.
P/1 – E como foi essa notícia da primeira... Era uma menina? Era mulher, né, sua filha?
R – É.
P/1 – Da primeira filha?
R – Começar que antes de ela nascer foi uma novela. Minha esposa tinha dificuldade pra engravidar e foi uma maratona. A gente ia pra São Paulo, ia pra Belo Horizonte, fomos pra consultar com esses médicos especializados em esterilidade. Então com isso aí foi demorando. Até que achamos em São Paulo um médico lá muito bom nessa área, doutor Nilson Donadio, na época trabalhava ali na Beneficência Portuguesa. Eu me recordo da primeira consulta que ele fez com a minha esposa. E passa meia hora, uma hora, uma hora e meia, duas horas, e ele lá. E ele a notou ansiosa, falou: “Maria Alice, não se preocupe, não. A sala de espera tá cheia, mas você é a primeira consulta minha, dura de duas a três horas. Então vai ter uma hora que você vai estar lá na sala de espera e vai ter uma primeira consulta aqui, você vai ter que esperar. Então fala tudo que você tem, vamos conversar e tal”. E era uma pessoa muito boa. E o que era mais interessante, que naquela época existia uma relação entre os colegas muito forte, e ele não cobrava nada na consulta. Os colegas que eu ia a São Paulo, ninguém... “Não, você é médico, é um prazer atendê-lo.” E assim ia. Hoje não. Hoje a coisa é diferente, quer dizer, o colega cobra do colega normalmente. Talvez a mudança da coisa, tudo é dinâmica, então mudam as relações, as necessidades. Então durante esse período, quer dizer, ela ficou lá com ele, o doutor Nilson. E sempre fazendo os retornos bem periódicos, um espaço curto. Tinha semana que eu ia a São Paulo, a gente ia lá duas vezes. É exame... E aí demorou.. Quando ela tava fazendo exame, em 77, ela engravidou, tinha um irmão dela que morava em São Paulo, então nas vésperas ela ficou lá na casa dele, porque o médico falou: “Olha, você vai ficar, porque pode talvez de uma hora pra outra você ter que internar”. Aí eu a deixei lá e vim pra cá, falei: “Não, na quinta-feira eu venho, eu já fico até a data do nascimento”. Pois acontece que nesse período ela entrou em... Não é que entrou em trabalho de parto, não sei, talvez foi fazer a consulta de rotina com o assistente dele e o assistente tava comemorando o dia do aniversário de casamento, o dia seguinte, falou: “Olha, Maria Alice, eu acho que o feto tá assim, tá tendo problema de fluxo cordão umbilical, nós vamos ter que fazer uma cesárea, vamos ter que interromper”. Mas ela não tava sentindo nada. Foi pra uma consulta. Eu sei que ele levou pra sala e não dava tempo de me esperar, e ela preocupada num hospital grande, eu não tava na sala, então o receio de trocar a criança. Então ela ficou apavorada. Mas nisso, ela perguntou se o irmão dela não podia entrar na sala. Aí com muito custo deram um jeitinho. Naquela época não entrava, ainda mais ele que era engenheiro. Mas aí conseguiu, aí ela ficou mais confiante. Então quando eu cheguei, já tinha nascido. A Renata já tinha nascido, tava no berçário já.
P/1 – E como foi ver a sua filha a primeira vez?
R – A primeira vez foi assim através do vidro, depois ela foi para o quarto. Porque naquela época, a criança só ia para o quarto pra mamar. Mamava, a enfermeira levava para o berçário. Era uma coisa muito desumana. Nascia, mamava, ia pra lá. De três em três horas ia mamar. E a criança ficava lá no meio de todo mundo, aquela criançada, 15, 20 crianças no berçário. E nessa que ela tinha esse receio de trocar a criança. Então com isso ela... Mas eu via quando ia ao quarto.
P/1 – E como foi sua sensação? Você lembra? A primeira vez que pegou nos braços?
R – Ah, foi. Foi. Isso aí é uma emoção muito grande, a gente não se contém. Então ali já faz a primeira... Aquela ligação muito forte. E ela ficou lá um... Na época de cesariana, você ficava três dias, quatro dias internada. Depois viemos pra São Lourenço.
P/1 – E como foi ser pai, Gabriel? O que mudou na sua vida?
R – É lógico que a gente... À medida que vem um filho, então você começa a encarar a vida com mais responsabilidade ainda. Tem que dar aquela assistência. E eu já tinha uma atividade muito grande em termos de clientela, então eu digo que eu não fui aquele pai muito presente no dia a dia, à noite. Então a minha esposa, a Maria Alice, que fazia praticamente todo o cuidado com a Renata. E tinha a facilidade também na época de ter uma babá. Então tinha lá uma babá que ajudou a criá-la e dava ali toda a assistência, porque a Maria Alice sempre trabalhou. Era professora, então ela saía cedo, ia dar aula. Nesse período, a minha sogra morava perto, então a Renata ficava com ela, junto com a babá. Então tivemos essa facilidade. Ela foi crescendo dentro desse ambiente. E um ambiente muito familiar também, muito semelhante ao que eu fui criado. A família dela também família que preserva os valores, com muita união, eu diria até que bem mais unida que a própria família onde eu fui criado. Porque é muita gente, então dispersa mais.
P/1 – Do que ela dá aula, a sua esposa?
R – Hein?
P/1 – Do que sua esposa dá aula?
R – Ela é professora de História. Até hoje dá aula na faculdade e num colégio, Colégio Laser, que é do Objetivo. Então a Renata foi criada nesse ambiente. E começaram a nascer os primos, as primas, então foi uma geração que criou junto. E tudo próximo, quer dizer, tudo morando em São Lourenço, então era como se fosse uma irmandade, os primos.
P/1 – E voltando um pouco agora pra questão da sua vida profissional, Gabriel, como surgiu essa questão da Unimed, essa vinculação com a Unimed? Quando isso aconteceu? Qual é essa história?
R – Dentro da pediatria eu tinha uma atividade muito grande como pediatra. E depois que eu tava aqui em São Lourenço, então eu fiz um curso de especialização em São Paulo de cirurgia pediátrica. Então de 76 a 78, eu frequentava um serviço lá em São Paulo, e aí me preparei também pra cirurgia pediátrica. Então hoje eu sou cirurgião pediátrico e pediatra. E nesse período, eu sempre procurei na vida do hospital ser muito compromissado com o hospital, procurando organizar o serviço, quer dizer, junto com vários colegas, fomos crescendo. E aquilo começou a... Aí já fui diretor clínico do hospital, fui provedor. E comecei a ficar um tanto incomodado, porque assumia certos cargos de chefia, mas sem aquele conhecimento de gestão. Então eu comecei a despertar para esse lado. Então foi quando eu comecei a fazer uma pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas de Administração Hospitalar e Sistema de Saúde. Então comecei a me preparar no sentido de, como eu digo sempre, preparar pra outro ciclo da vida. Que a gente tem os ciclos: você tem a fase que tá estudando, tá se preparando, você começa a trabalhar, dar plantão, mas chega uma hora que você começa a ter certas limitações. Então eu comecei a preparar pra partir pra essa parte de gestão. Então hoje eu já começo a inverter a coisa. Hoje a pediatria, o consultório, já é bem menos, então eu me dedico mais à parte de gestão, não só da Unimed, mas do hospital. E aí surgiu a... Como eu tinha um relacionamento bom com os colegas no hospital, sempre tomando a dianteira de buscar melhorias, então fui convidado por um colega, o Zé Mauro, depois que já foi criada a Unimed, a participar de uma diretoria da Unimed. Então eu participei de uma diretoria. E nessa época, eu não ainda não tinha feito nada de gestão. Foi quando então eu comecei a me despertar pra esse lado.
P/1 – Que ano era, mais ou menos?
R – Em 77. Em 77, eu falei: “Não, eu pretendo dar continuidade ao trabalho, a continuar na Unimed, então eu vou me preparar”. Junto com o nosso gerente hoje, o Márcio Dias, nós fomos fazer um MBA de Gestão Hospitalar e Sistema de Saúde na FGV, em Belo Horizonte. Terminamos, fizemos um complemento num módulo lá nos Estados Unidos, de Empreendedorismo, e foi então que eu comecei a me dedicar. Aí me candidatei. Fui diretor administrativo junto com o Zé Mauro, depois coordenava o comitê educativo. E esse projeto do Parque das Águas, do Espaço Saúde, tava ligado exatamente a esse comitê. Depois passamos a coordenação do comitê para o outro colega, o doutor Celso Villela, ele foi estruturando esse Espaço Saúde. Mas começou, quer dizer, nós que começamos a... Plantamos a semente. E lembro que um dia eu trouxe aqui um colega lá de Piracicaba, um cardiologista, o doutor Nelson, e mostrei pra ele as ideias que a gente tinha. O sistema Unimed tava começando a voltar a ter a visão voltada pra essa parte da promoção e da prevenção em função da sinistralidade que cresce a cada dia. E lá em Piracicaba tinha um serviço de promoção, prevenção, muito bem estruturado. Aí convidei pra ele vir aqui pra fazer uma troca de ideia, tipo uma consultoria. Então ele veio, aí eu o levei lá no Parque das Águas, na empresa, na Nestlé. Falei pra ele: “Olha, Nelson, meu sonho é um dia desenvolver dentro do Parque das Águas uma parceria com a empresa”. E aqui desenvolver o programa nosso de promoção e prevenção de saúde. Eu lembro que ele falou: “Olha, Gabriel, se um dia você conseguir isso, vai ser o melhor local dentro do Sistema Unimed. Nenhuma Unimed vai ter um local igual esse que vocês têm aqui”. E nisso fui conversando com o Zé Mauro, que era o presidente, e aí foi feita uma parceria com a Unimed. Da Nestlé e a Unimed. Nesse período, eu não tava na Unimed, nem na coordenação do Espaço Saúde, era o Celso Villela. E a coisa foi evoluindo (troca de bateria).
P/1 – Você sabe um pouco de como foi estabelecida essa parceria entre a Unimed e a Nestlé?
R – Foi feito um contrato, na época, com a Nestlé, em que a Unimed desenvolveria o programa dela de promoção e prevenção de saúde dentro do Parque das Águas. E em troca, ela daria assistência pra qualquer evento de urgência que surgisse dentro do Parque, uma queda, uma pessoa que sentisse um mal estar, turista estando dentro do Parque das Águas, a Unimed dá cobertura durante as 12 primeiras horas. Então se o paciente sofre uma queda, o serviço da Unimed tem o enfermeiro, tem o médico coordenador, então eles fazem o atendimento pré-hospitalar. Acionam a ambulância, levam para o pronto atendimento da Unimed. Então durante 12 horas, aquele turista que tava ali tem a cobertura. Se precisar nesse período fazer algum procedimento, algum exame, tudo isso feito pela Unimed. Então isso deu uma segurança para o turista e a própria Nestlé, sentindo... Essa parceria é algo positivo. E para o lado da Unimed, a gente ter um ambiente daquele pra você desenvolver atividade física, tem lá nutricionista, psicólogo, educador físico. Então pra desenvolver essas mudanças de hábito é um ambiente muito acolhedor e um fator de motivação muito grande. Então esse aspecto, quer dizer, a gente ocupa um espaço lá, que hoje se chama Casa Branca, que é um patrimônio histórico ali da empresa. Inclusive, não pode nem fazer muitas mudanças, pra preservar o patrimônio. Então a gente ocupa aquele espaço e ali a gente desenvolve as atividades.
P/1 – Quais são as atividades?
R – Você tem a caminhada, tem aeróbica, tem essa parte de tai chi chuan, tem várias atividades. Além de aconselhamento pela nutricionista, quer dizer, tem lá o grupo de diabético, desenvolvemos o grupo de tabagismo, então por enquanto esses dois grupos que estão... E que a gente agora vai começar a incrementar isso aí.
P/1 – E todos os funcionários são da Unimed? São funcionários da Unimed?
R – São. Funcionários da Unimed.
P/1 – E qual é o público que esse espaço de saúde atende?
R – O público, inicialmente, era muito restrito. Quer dizer, eram só aqueles clientes que a gente chama na carteira de pré-pagamento, que é um número reduzido que teria direto a acesso. Então ele entra no parque sem pagar, isso é uma troca que a Nestlé dava também, então ele frequentava lá o Espaço Saúde sem pagar o ingresso. Mas depois que nós entramos na presidência da Unimed, quer dizer, em 2010, eu sempre achei que o espaço tinha que ser aberto pra todos os clientes nossos. Então hoje nós temos 55 mil clientes, só que a grande maioria é aquele cliente que quando ele usa a Unimed, ele paga tudo. Então esse cliente é 44 mil vidas. Então eu falei: “Vamos abrir o Espaço Saúde pra todos os clientes da Unimed, inclusive esses”. Então como o volume aumentou, o ingresso das pessoas, então a gente compra da Nestlé o ingresso a um custo menor. Entendeu? E continua prestando essa assistência pré-hospitalar pra essas pessoas que estão dentro do parque. E a ideia é justamente pra difundir a cultura da mudança de hábitos pra uma população maior. E fazemos sempre uma parceria com o sistema público municipal, o sistema de saúde municipal. Porque a gente acredita que a mudança de cultura você não pode fazer num segmento, focar num segmento dos clientes da Unimed, tem que ser trabalhado toda uma comunidade.
P/1 – E como é essa parceria?
R – Então, essa parceria a gente desenvolve. Quer dizer, toda vez que tem, por exemplo, o dia do diabético, a gente faz em conjunto, tem o curso de gestante que a gente então... Seria o início pra você começar a acompanhar o indivíduo no momento que nasce a criança. Então a gente faz a parceria: a Unimed, o hospital e a Secretaria de Saúde. Então é um curso de gestante que acontece e que as três instituições que organizam. Então elas vão lá para o Parque das Águas, o educador físico trabalha, a nutricionista. E aí mistura tudo: a gestante da Unimed, a gestante do sistema público.
P/1 – Aí é aberto a um público em geral?
R – Aberto ao público em geral. Então o sistema público, por exemplo, direciona todas as gestantes que estão fazendo pré-natal, a gente divide por trimestre, as que estão no primeiro trimestre, segundo trimestre, terceiro trimestre, então o curso é muito bem organizado, exatamente visando àquela abordagem da comunidade como um todo.
P/1 – E você tem outros exemplos, além desse de gestante, que atende também um público em geral?
R – As campanhas. Geralmente os dias consagrados: o dia do tabagismo, o diabético, o dia mundial da saúde, então a gente sempre procura fazer uma parceria. Ou uma caminhada, ou uma caminhada de ciclismo, enfim. A equipe lá do Espaço Saúde monta uma programação em conjunto com o sistema público. Exatamente pra gente atingir um público maior.
P/1 – E esse espaço de saúde oferece atividades físicas diariamente? Como funciona? (breve interrupção) Se esse espaço de saúde oferece atividades físicas diariamente.
R – Ele vai de segunda a sexta. E no sábado, geralmente, é só uma caminhada. Então a pessoa vai, frequenta a atividade, vai ao Espaço Saúde, na Casa Branca, então o enfermeiro, quer dizer, a secretária fornece o ticket, o ingresso pra ela retornar no dia seguinte. Então sempre que ela frequenta, ela recebe; se ela não frequentar, ela não recebe o ingresso.
P/1 – Pra entrar no Parque das Águas?
R – Pra entrar no parque. Entendeu? Ela pegou o ingresso, ela não precisa pagar nada.
P/1 – Mas esse ingresso, quem frequenta paga, ou é totalmente subsidiada, ou paga só uma parte, o valor é mais baixo? Não entendi direito.
R – Não. Não paga nada.
P/1 – Não paga nada.
R – A Unimed é que adquire esse ingresso da Nestlé, ela paga o ingresso a um valor menor e oferece para o cliente de graça, gratuitamente. É uma maneira de motivá-lo a frequentar essas atividades.
P/1 – E além da atividade física, tem um atendimento, algum tipo de atendimento? Você falou que tem nutricionista, qual é o papel desses profissionais?
R – Exatamente. Então tem os grupos, por exemplo, o grupo de diabético, então ela trabalha a orientação na nutrição, tem lá um espaço dentro da Casa Branca que ela trabalha esse lado. Ela trabalha pessoa por pessoa, ou faz então reunião de grupo. A psicóloga, a mesma coisa. Tem o grupo de tabagismo, que desenvolve também aqui no nosso centro de treinamento, a educação da Cetec. Então, quer dizer, faz todo esse trabalho nesse sentido, de abordar, dentro da psicóloga, trabalho de grupo, a enfermeira, a nutricionista, o médico controlando o grupo de diabético. Que esse nosso sistema é registrado na ANS. Então a gente tem que mostrar, levantar os indicadores.
P/1 – Deixe-me só entender uma coisa. Você falou que tem essas atividades voltadas pra públicos específicos, que às vezes são até campanhas, o caso dos diabéticos, o tabagismo...
R – O hipertenso.
P/1 – O hipertenso, as gestantes, no caso do curso. E tem um programa montado pra eles, uma série de ações, é isso? E, além disso, um atendimento de grupo e individual? To tentando entender um pouco como é. Essas pessoas chegam ao parque e aí tem uma atividade voltada? Essas atividades são agendadas? Esse grupo é um grupo fixo? Como funciona?
R – É o seguinte, cada cliente, se ele é um diabético, ele tem o médico dele. Então ele vai ao consultório, controla com ele, e a equipe lá do Espaço Saúde cobra: “Escuta, você fez exame de glicemia, glicose, hemoglobina glicada? Quando você fez?”. Aí vai lá, pesa, mede, vê como tá o ganho de peso, se perdeu, pra ver o controle que ele vem fazendo, se ele tá controlando com o médico dele. Entendeu?
P/1 – Mas como esse cliente chega ao Espaço de Saúde? O médico indica, ou é um espaço que tá aberto, ele pode chegar?
R – Ou o médico indica, ou, por exemplo, é o cliente diabético que vai, por exemplo, à farmácia, então ele compra lá um remédio pra diabete, a farmácia automaticamente... O sistema informa o Espaço Saúde: “Olha, o doutor Gabriel é diabético, esteve aqui, compra tais e tais remédios”. Aí a enfermeira ou a nutricionista vai chegar e vai ligar pra mim: “Doutor Gabriel, o senhor é diabético, o senhor tá controlado, não quer frequentar o Espaço Saúde pra ter aqui a orientação?”. Então a gente faz aqui a captação através da farmácia, através do pronto atendimento da Unimed. Então chegou lá um hipertenso, um diabético, então eles informam o Espaço Saúde. O Espaço Saúde vê: “Não, tá escrito aqui, tudo bem”. Então dá uma ligada: “Olha, faz tanto tempo que você não aparece aqui, que você não fez exame. Como tá a sua saúde? Como tá o controle da sua pressão?”. Se ele nunca foi, convida pra ele ir lá e conhecer. Aí ele faz a inscrição e passa a ser acompanhado.
P/1 – E a ideia é que essas pessoas tenham certa frequência assim, semanal?
R – Aí tem uma programação, entendeu? Aí as orientações da nutricionista, a reunião de grupo, lá ela entra no esquema do programa, das atividades físicas, tem os horários, as caminhadas.
P/1 – Uma coisa semanal assim, em geral?
R – É. A semana toda. E tem os programas, quer dizer, todo o protocolo, o que ele tem que fazer, quantas vezes fazer o controle dos exames. Então tem lá os protocolos já prontos que cada um faz.
P/1 – Nesse espaço é exame físico mesmo? Nada laboratorial, são os exames físicos?
R – Não, exame físico e laboratorial. Lá não se faz o exame físico. Porque existe, inclusive, uma preocupação da Nestlé pra gente não levar, não criar dentro do Parque das Águas um espaço pra tratar do doente. Ali é pra promover saúde e qualidade de vida. Então é pra trabalhar mudança de hábito. Agora, quando ele tá doente, ele vai consultar, aí ele procura o médico dele. E o médico recomenda a atividade, faz os exames todos. Então lá ele faz no máximo controlar, por exemplo, a glicemia, quer dizer, aquela picadinha no dedo destro, pra ver como tá. Mas ele não vai lá pra consultar. Quer dizer, o médico, o máximo que ele faz, o coordenador, ele coordena a equipe e orienta. Mais uma abordagem mais de grupo. E é lógico, o individual, uma vez ou outra, quando precisa. Mas quando é uma abordagem individual, cada um procura o seu médico.
P/1 – É mais uma pressão, uma coisa assim, medição de pressão?
R – É. Entendeu?
P/1 – Entendi.
R – Medir o peso, pressão, pra ver como tá o... Antes de ele começar o trabalho de atividade, então o educador físico faz uma avaliação. Ele traz do médico dele um parecer dos riscos, o que ele pode fazer, pra ele ingressar no programa de atividade física já sabendo quais os problemas que ele tem. Senão ele tá lá quase enfartando, você o põe pra caminhar, fazer uma ginástica sem avaliar, é perigoso.
P/1 – E você sabe quantas pessoas vocês atendem, assim, clientes da Unimed e não clientes da Unimed, mais ou menos?
R – A maioria é cliente da Unimed, a grande maioria. Então hoje tá com mil e 300. Em torno de mil e 300 clientes que estão inscritos no programa. Então você vê que o resultado em termos de abordagem, ele é difícil, você tem que persistir. Numa carteira de 55 mil, nós temos... Que sejam mil e 500, é muito pouco. Então por isso que você tem que trabalhar a comunidade como um todo. Se você for querer colocar lá dentro os 25 mil, primeiro que não tem nem espaço lá. A gente trabalha, quer dizer, hoje a gente vai partir agora para o que a gente chama de controle de doenças crônicas. Então todo paciente que tem uma doença crônica, então se você pegar o hipertenso, o diabético e mais os doentes que têm problema cardiovascular, seja o paciente que teve um infarto, tem um problema de coronária, tem um problema vascular qualquer, esse aí você aborda quase que 80% da população geral. Então você criando esses três programas, você já tá abordando uma boa parte da nossa clientela. E aí você tem os outros doentes crônicos. É o doente que tem seu reumatismo, que tem seu lúpus, enfim, e que precisa ser monitorado. Então esse doente, a gente faz a mesma captação através das internações, do pronto atendimento, da farmácia, e aí você começa a... Cria um programa pra vigiá-lo, de vez em quando ligar, dar uma assistência pra ele, ver se com jeitinho vai levando-o pra participar do programa. Porque não tem uma hora, você não pode chegar e impor, tem a hora de você abordar. E oferecer algumas vantagens pra motivá-lo de início a ir lá. Depois ele vai vendo que começa a ter resultado, ele acaba permanecendo.
P/1 – Você fala vantagens de que natureza?
R – Em termos assim, por exemplo, o ingresso no parque gratuito. Vamos criar, por exemplo, se ele começar a frequentar o espaço, a gente chegar uma hora, falar: “Olha, a sua mensalidade vai cair em tantos por cento”. Que antes a ANS não permitia isso. Hoje ela já permite. Então se você paga, vamos supor, cem reais no seu plano de saúde todo mês: “Ah, não, você vai pagar 80 se você frequentar o Espaço Saúde, se você fizer prevenção, promoção”. Ou então se você é um doente hipertenso, então você vai frequentar, vai ficar mais ali sendo vigiado e orientado. Então você vai internar menos, você vai gastar menos exames, então você faz uma economia para o sistema. É o que eles chamam de controlar a sinistralidade.
P/1 – E dessas pessoas que vocês atendem, que não são clientes, que são aqueles que estão visitando o parque, que vocês prestam uma assistência se houver uma necessidade, e essas parcerias com o setor público, você tem uma noção de quantas pessoas circulam que não são diretamente ligadas, não são clientes da Unimed, mas são pessoas que estão passando ali pelo parque, ou são nessas ações específicas com o setor público?
R – Não, isso não tem assim uma estatística. Pegando a maioria que tá ali, é da Unimed. E o turista que às vezes participar de uma ginástica aeróbica, uma coisa assim, mais uma caminhada, mas a gente não tem uma estatística disso.
P/1 – Mas o turista pode? Se tiver acontecendo uma atividade física quando ele estiver passando por lá, ele pode participar?
R – Pode. Ele vai, faz uma medida de pressão, a enfermeira colhe uma história, vê se ele tem uma doença pregressa, pra dar uma segurança, pra ver se ele pode participar.
P/1 – Mas é aberto, desde que ele tenha condições físicas pra isso?
R – É aberto. Pra qualquer pessoa que estiver lá dentro, quiser participar das atividades, ele participa. Isso aí faz parte do contrato, da parceria que a gente tem com a Nestlé.
P/1 – E, Gabriel, de que maneira você acha que essa parceria... Assim, pra vocês, por que é bacana, pra Unimed, ter esse espaço dentro, por exemplo, o Parque das Águas?
R – Eu acho que isso aí foi uma... Quer dizer, pelo menos uma boa parte das pessoas que frequentam lá, eles acham muito positivo. Então isso não deixa de fidelizar o nosso cliente. Então além de ele estar tendo a oportunidade de mudança de hábito, quer dizer, tá trabalhando essa parte de mudança de cultura, de hábito, ele vai ficar menos doente, ele vai ter uma economia com relação ao tratamento. E, lógico, que é o mais importante, ele vai ter uma qualidade de vida muito melhor. Que hoje a preocupação que a gente procura ter na Unimed é mais voltada pra qualidade de vida, pra promoção, do que mesmo pra não ficar só pensando em tratar doença. Você tem que ter estrutura pra tratar, mas tem que começar a focar mais a parte da qualidade de vida.
P/1 – E essa localização específica, ela é privilegiada?
R – É importante, quer dizer, o próprio ambiente ali. Você conhece lá, ou não?
P/1 – Ainda não.
R – Não? Você vai ver que é um lugar agradabilíssimo pra você caminhar, pra você fazer qualquer atividade física. Aquilo ali te motiva.
P/1 – Então faz diferença estar nesse local e não em outro?
R – É muito melhor você estar ali do que você estar às vezes num espaço, numa sala, num salão. Ou às vezes fazer uma caminhada na rua. Além do barulho do trânsito, o sol, enfim. Lá você tem toda uma natureza te dando toda essa motivação, esse conforto. Então dá um relaxamento muito maior. E motiva você ir mais vezes.
P/1 – E pra população? Você tá falando dessa mudança de hábito, de cultura mesmo, e tem essa coisa com a clientela da Unimed, que fica bem claro pra gente, mas você acha que tem um impacto positivo também no turista, nessa parceria com o poder público? O que você acha que beneficia essas pessoas? Você que essa ação também beneficia, esse Espaço Saúde?
R – Especificamente, por exemplo, a hora que o turista chega lá ao Parque das Águas, quem frequenta lá, ele vendo a Unimed ali presente, quer dizer, isso ali dá uma segurança pra ele. Apesar de que a gente tem sempre aquela preocupação de não ficar focando muito a doença, tanto é que no começo a ambulância ficava lá dentro do Parque das Águas, ao lado da Casa Branca. Eu falei: “Não, gente, vamos tirar isso daí. Fica a ambulância de pronto atendimento lá fora, precisou, a equipe aqui atende e aciona”. Porque fica muito ruim, você tá entrando no Parque das Águas, apreciando tudo aquilo ali, aí você olha, vê uma ambulância. Você lembra ambulância, lembra emergência. Emergência, acidente. Quer dizer, lembra hospital. Então sempre fica despertando a ideia de doença. Então a gente tem que abolir isso aí. Nós vamos mostrar qualidade de vida. E pra população em geral, a mesma coisa. Se ele vai lá dentro, sente que a Unimed tem uma parceira, tem mais segurança. Então já aconteceu, paciente chega lá, sofre uma queda, às vezes a Unimed remove para o pronto atendimento dela, faz tomografia, entendeu? Nas 12 horas. Doze horas, terminou? Aí ele é encaminhado ou plano de saúde que por acaso ele tenha, se ele não tem, não tem plano de saúde, é o SUS, então ele é encaminhado pra rede do SUS. Aí fica a critério do paciente o que ele vai... “Ah, tenho Saúde Bradesco.” Vai para o Saúde Bradesco. “Ah, não tenho nada, só tenho SUS.” Então você vai para o SUS, ou para um ambulatório, ou para o hospital (troca de cartão).
P/1 – Gabriel, que ano foi firmada essa parceria entre a Unimed e a Nestlé no Parque das Águas?
R – Foi na época do Zé Mauro, eu não lembro bem a...
P/1 – Mais ou menos assim.
R – 2010?
P/1 – Pode ser mais ou menos.
R – Foi em 2005, por aí. Por volta de 2005.
P/1 – E você vê, assim, tentando fazer um balanço de 2005 até hoje, você vê... Com essa parceria, com relação ao que vocês fazem, com todas as ações dentro do Espaço Saúde, você vê transformações, crescimento de clientes que frequentam, transformações de hábitos mesmo?
R – Eu vejo. É uma parceria importante, embora eu ache que ela tem que ser mais incrementada. E a gente tem que... Inclusive, estamos pra sentar com a Nestlé e rediscutir essa parceria pra gente então dar uma incrementada e fortalecer mais essa parceria. Mas como todo trabalho é de promoção, de prevenção, de mudança de hábito, mudança de cultura, ele é muito demorado. Então eu diria pra você que se fosse fazer um levantamento, o ganho em termos de indicadores, a gente ainda não tem uma melhora muito grande, uma maneira de mostrar um ganho muito grande. Mas eu já esperava. A expectativa é que isso aí aconteça a longo prazo. Médio a longo prazo. Então eu vejo uma mudança maior, digo assim, mais rápida, quando a gente começar a implantar esse novo modelo de saúde que a Unimed Brasil tá trabalhando nesse sentido, que é o modelo da atenção primária à saúde, que é um modelo que realmente aborda, associa essa parte da promoção e prevenção, e aborda também, individualmente, o cliente, e dentro de uma abordagem integral dele. Ele dentro da família. E vendo o paciente como um todo, e não, se ele tem lá um problema de visão, o oftalmologista só vê seu olho, sua visão. Não, tem que ter uma abordagem integral. Então com isso, a gente pode ter um ganho mais rápido em termos de mudança. Entendeu? Que aí na hora que eu to, por exemplo, me relacionando com o meu cliente, eu sei exatamente a fase que ele tá propício pra mudança, a fase que não adianta você falar, que ele tá totalmente despreparado e não quer mudar. Mas você vai perceber que chega uma hora que ele começa preocupar de querer mudar, então ele tá naquela fase já da contemplação, então é a hora de você começar a trabalhar. Então num grupo assim, numa massa, é difícil você fazer isso. Agora, quando você dentro da atenção primária, que você aborda a parte individual, pessoal, você percebe: “Bom, ele já tá na hora de começar. Tá querendo mudar”. Aí já começa a perguntar sobre determinado problema, depois já começa a falar que quer mudar, faz um plano e muda. Aí você tem que fazer a manutenção, depois prevenir as recaídas, enfim. Aí a coisa vai caminhar de uma maneira mais rápida. E fazendo o gerenciamento das doenças crônicas, orientando aquele que tem doença crônica, como ele vai prevenir as complicações. Que a doença dele vai existir o resto da vida, mas você pode mostrar pra ele o autocuidado, como ele vai então trabalhar, quer dizer, dar pra ele um empoderamento, ele ser o responsável pela saúde dele. Então ele começa a colher resultado. E o trabalho da promoção e da prevenção, a gente fazer como um todo, junto, quer dizer, em parceria com a comunidade, com todas as instituições que cuidam da saúde, da qualidade de vida, a gente fazer parceria pra tentar mudar a cultura das pessoas. Então eu costumo dar um exemplo o seguinte, quer dizer, hoje essa cultura da preservação do meio ambiente, eu me recordo. Como eu te falei no começo, eu era moleque, tava lá na fazenda, eu matava passarinho, eu prendia passarinho na gaiola. Hoje eu não consigo fazer isso. Hoje eu chego, por exemplo, se eu chupo uma bala, to com o papel na mão, eu não sou capaz de jogar isso no chão, eu fico procurando um lixo, não acho, coloco no bolso. To viajando, tomo uma água, qualquer coisa, aquela garrafa de plástico, jamais eu a jogo no asfalto, na estrada, eu guardo, dou o destino dela na hora certa. Antes não, você fumava dentro do carro, pessoas lá dentro que não fumam estavam fumando junto com você. Quer dizer, hoje a gente tem... A cultura da preservação do meio ambiente já tá pegando na comunidade, na pessoa, como um todo. Isso é por quê? É campanha. É a mídia falando, várias instituições, várias organizações falando sobre isso. E você acaba incorporando a ideia. E a saúde a mesma coisa, mudança de hábito tem que partir por aí. É um trabalho. Você vê hoje alguns programas de televisão falando da boa alimentação, enfim. E tudo isso, a gente tem que pegar carona e trabalhar nesse sentido. E focar o nosso paciente individualmente pra ajudá-lo de maneira que ele mude os hábitos, que ele controle a sua doença quando ele tem. E quando ele não tem, que ele faça a prevenção.
P/1 – Você se lembra de algum caso ligado a esse Espaço Saúde? Um caso específico de um paciente que vocês acompanham, que seja uma caso mais marcante também, que tenha sido expressivo?
R – É como eu te falei, por enquanto a gente não tem assim... Primeiro, o grupo é pequeno, a gente não pode chegar e tirar alguma conclusão. Porque o que acontece? A primeira coisa que o cooperado pergunta: “Escuta, o Espaço Saúde tá gastando quanto?” “Gasta X” “E quanto economiza pra Unimed?”. A gente ainda não tem um critério, falar: “Não, gastamos X e economizamos tanto”. Entendeu? Porque o trabalho, essa mudança aí demora.
P/1 – Eu to pensando mais no caso individual mesmo, não que seja necessariamente representativo de um todo, mas uma história mesmo.
R – No momento não tem assim. Pode até, por exemplo, lá no Espaço Saúde alguém ter algum caso específico pra gente levantar e ver. A gente pode depois até ir lá, a gente fazer uma gravação lá no local. Entendeu?
P/1 – Tem alguém da equipe da Nestlé que trabalha diariamente com vocês ali, ou não? Só pra entender um pouco se essa parceria vai...
R – Da Nestlé, não. Tem um relacionamento ali com a Vera. Então os problemas que surgem são resolvidos, quer dizer, a equipe, a coordenação da Unimed, do Espaço Saúde, e a gerência ali que é a Vera. E a Vera tem como superior o Dandelucci. Então ali a relação é ali. Mas pessoas e funcionários que estão ali no dia a dia participando da equipe...
P/1 – É a Vera a interlocução mais direta. E queria entender um pouco, Gabriel, qual é a sua atuação em relação a esse projeto específico, ao Espaço Saúde. Qual a sua função?
R – A minha função hoje, como presidente da Unimed, coordeno todo o sistema, toda a Unimed, toda a empresa. Então a gente tem hoje, por exemplo, uma coordenadora, que é a doutora Maria Eugênia, que coordena o espaço. Então ela vai assumir agora dia 25. Porque antes era o doutor Roni que era o coordenador, mas ele pediu demissão. Então teve até eleição da Unimed, então nós convidamos a doutora Maria Eugênia pra coordenar esse projeto, esse departamento do Espaço Saúde, que agora vai passar a chamar Viver Bem. E a doutora Maria Eugênia, uma pessoa que já tem uma experiência grande nessa parte de promoção, prevenção, atenção primária, então com certeza vai dar continuidade ao trabalho que o doutor Roni... Quer dizer, não começou, deu continuidade, melhorou muita coisa, e agora ela vai dar sequência. Começou lá atrás, com o comitê educativo, doutor Celso Villela foi o grande... Que estruturou o projeto, aí criou o que eles chamam de Projeto Guardião, que é aquele: o cliente escolhe o médico dele e aquele médico é o guardião dele. Quer dizer, é o que vai acontecer agora com a atenção primária. Então qualquer dúvida, ele vai ao médico guardião. O médico guardião é aquele que acompanha as doenças do cliente e o encaminha para o Espaço Saúde. Então tem essa rede, essa ligação.
P/1 – Isso já tá ativo?
R – Isso já vem funcionando. Mas são poucos os médicos que aderiram ao projeto. Isso já é implantação do doutor Celso Villela, que na época, quando eu tava no comitê educativo, ele coordenava esse espaço. Então criou esse Projeto Guardião, além de outros programas. Que você tem, por exemplo, a equipe lá faz um trabalho nas empresas. Faz um check-up das empresas, faz avaliação dos colaboradores, apresenta um relatório pra empresa, quantos hipertensos, quantos diabéticos, o que tem que ser feito.
P/1 – Mas dentro desse Espaço Saúde, você tá dizendo?
R – Não, aí esse trabalho é feito dentro da própria empresa. Então, por exemplo, a empresa de água, então a Nestlé... A equipe vai lá e faz o trabalho, levanta, participa das semanas da Medicina do Trabalho, do SIPAT, dentro das empresas, aquelas que querem fazer, então chamam a Unimed, a nossa equipe faz, faz um relatório do que precisa ser feito. E coloca o Espaço Saúde à disposição da empresa. Entendeu?
P/1 – Entendi. Empresas que são parceiras da Unimed?
R – São clientes nossas.
P/1 – São clientes.
R – É. E às vezes até empresa que não é cliente, mas que a gente tá namorando pra ser cliente, então às vezes a gente oferece esse trabalho. Exatamente pra tentar cativar e mostrar pra ela os valores, o que ela pode ganhar com essa parceria com a Unimed.
P/1 – Gabriel, eu vou encaminhar para as perguntas finais. Antes eu queria fazer uma pergunta, voltar um pouco pra sua vida pessoal. Você falou que é avô, queria que você contasse um pouco como é ser avô.
R – Ser avô, quer dizer, sempre os amigos, as pessoas falavam: “Ser avô é diferente”. Eu falei: “Não pode ser”. Acho que muito mais... O vínculo seu com o filho é muito maior do que com neto. Eu sempre achei aquilo. Falei: “Isso aí é o avô que fica babando aí à toa”. Mas depois nasceu meu neto, aí eu vi que realmente é diferente. Eu não sei explicar até por que. Talvez por causa de você não ter aquele compromisso de cuidar, então você só vai na hora do bem bom, pegar o netinho, brincar com ele. Deu problema? A mãe e o pai que vão cuidar. Entendeu? Então realmente é diferente. Então o Felipe, o meu neto, tá hoje com um ano e dois meses. Março, abril, maio e junho, amanhã faz um ano e três meses. Então um menino que quando ele sai... Que a minha filha provisoriamente tá morando aqui com a gente, porque ela mora em Pouso Alegre, o esposo também mora lá, trabalha lá, então eles trabalham lá e aqui. Então ele fica praticamente aí direto. Então quando ele sai, fica um vazio. Então realmente é uma sensação diferente.
P/1 – Foi bom. É bom.
R – Foi muito. E à medida que você vai passando, ele vai ficando, começa andar, começa a falar, comunicar, então vai ficando cada vez mais ligado. Tem até um colega muito antigo aqui, o ______02:12:44______, até já faleceu, então ele definia o avô como um burro bravo que foi domado pelo neto. Então às vezes o sujeito é muito ríspido, autoritário, quando vem um neto, ele desmancha. Então achei interessante essa expressão dele. Mas é muito bom.
P/1 – Tá certo. Tem as duas perguntas finais... (pausa). Então, a nossa penúltima pergunta, Gabriel, é: quais são seus sonhos hoje?
R – Eu diria que a gente tem que, como eu falei no começo, a gente tem que preparar os nossos ciclos de vida. Então um dia eu achei interessante, tava assistindo uma palestra de um psicanalista, e ele dizendo o seguinte: “Olha, a nossa geração” – que mais ou menos regula com a minha, deve ser uns 60, 70 anos – “nós fomos traídos”. Eu pensei: “Mas por quê?”. Ele falou: “Nós quando tínhamos nossos 25 anos, fizemos nosso planejamento de vida pra chegar nos 55, 60 anos, aposentar, não fazer mais nada, tal, e curtir mais cinco ou dez anos de vida, e ficar por aí. Aí de repente chega um cidadão e fala pra gente: ‘Olha, você tá com 55 anos, você vai viver mais 30 anos’. Aí eu não me preparei pra aquilo, 30 anos. O que eu vou fazer nesses 30 anos?”. Então eu tenho como hábito fazer projeto, me atualizar, estar sempre buscando conhecimento. Porque tem até uma frase do criador da administração, que é o Peter Drucker, que diz que você só envelhece quando você para de aprender. Então eu tenho um projeto de vida que é estar sempre buscando melhorar. É lógico, não consigo, da geração que eu era, me adaptar hoje como um adolescente, um jovem que tá em plena tecnologia, às vezes você não acompanha, mas pelo menos você fica ali na média. Não é igual... Às vezes tem colega que às vezes vai implantar um prontuário eletrônico, fala: “Ah, eu não mexo com computador”. “Escuta, qual é seu e-mail?” Fala: “Nem pense nisso”. Então procuro ir acompanhando. Então tenho um projeto de estar sempre contribuindo naquilo que for possível e dentro da minha capacidade, pra melhorar o bem das pessoas. Entendeu? Seja no hospital, trabalhando no hospital, seja na Unimed, buscando sempre fazer no dia seguinte um pouquinho melhor do que eu fiz no dia anterior. Agora, pra isso a gente tem que acompanhar, quer dizer, tem que ver como o sistema tá evoluindo, tem que estar sempre buscando conhecimento. Então isso é um pensamento que eu tenho. E eu acho que uma das coisas que a gente tem, que eu procuro... Acho que todo mundo... Eu costumo dizer que se o mundo fosse governado pelas crianças, seria bem melhor. Porque a criança tem algo de positivo, que é a transparência. A criança, o que ela tem de falar, ela sente, ela te chama de feio ou de bonito, põe seu defeito, sua qualidade. Ela fala tudo que vem. Então acho que a transparência é um dos valores mais importantes na relação entre as pessoas. E junto com a transparência vem a ética. Um dia assistindo a uma palestra, uma entrevista de um grande educador, o doutor Mário Cortella, até esteve aqui recentemente, então o repórter perguntou pra ele: “Escuta, você tem filho adolescente?” “Tenho” “O que você ensina para o seu filho sobre o que é ética?”. Ele falou: “É simples, eu chego pra eles e falo: ‘Olha, vocês façam tudo que vocês quiserem, desde que vocês possam contar pra todo mundo’”. Então achei interessante aquilo. Então acho que a transparência é a coisa mais importante na relação. Isso é uma coisa que eu sempre procuro colocar dentro da minha vivência. E o sonho que eu tenho é buscar, quer dizer, ir melhorando e buscar também sempre um relacionamento, uma presença maior com a família, que realmente isso é um grande problema que eu enfrento hoje, a presença na família, por causa de muita atividade. A gente sente. A gente não vê o tempo passar. E a gente sente que às vezes tá muito omisso, ausente. E agora vem o neto, então notei inclusive a mudança. Quer dizer, a gente começa a ter uma motivação pra ficar mais presente. Isso é uma das coisas que aconteceu com a vinda do Felipe. E como eu trabalho na área da medicina, da gestão, a minha esposa, Maria Alice, dá aula, então a gente fica um pouco distanciando um do outro. Então a gente tem que recuperar. Voltar e recuperar essa parte aí. Nunca é tarde pra gente começar alguma coisa. Recomeçar. Então esse é o objetivo principal, a gente tá sempre aí, dentro das limitações, é lógico que à medida que você vai evoluindo cronologicamente se você se entrega e não quer mais buscar conhecimento, quer simplesmente deixar o dia acontecer, aí a gente fica velho. Agora, eu quero ser um idoso atuante. Esse é um sonho que eu tenho, chegar com 85, 90. Minha mãe tá com 98, por que eu não posso chegar a cem? Então acho que enquanto eu estiver vivendo, tenho vontade de viver, tenho motivação pra trabalhar, graças a Deus, tenho saúde, não tenho nenhuma doença que me faça fazer uso de medicamente contínuo. Só tenho, às vezes, hábitos que eu preciso mudar. Alimentação, atividade física, às vezes eu sou... Às vezes não, eu sou um tanto sedentário. E isso eu quero ver se eu entro na fase da contemplação e começo ir ao Espaço Saúde pra mudar esse aspecto. De vez em quando eu vou lá, fim de semana, faço uma caminhada. Domingo mesmo eu fui lá com a Maria Alice, fizemos uma caminhada. Mas só isso não basta, a gente tem que mudar um pouco esses hábitos pra ter uma qualidade de vida melhor.
P/1 – Tá certo. E, por fim, como foi contar a sua história? Como foi dar o depoimento pra gente?
R – Eu acho que foi muito bom. A gente reviver, quer dizer, muita coisa que a gente passou, então acho que é uma coisa muito positiva. E tem muita coisa que aconteceu, quer dizer, são 70 anos. Em 70 anos acontece muita coisa, a gente às vezes nem lembra. E às vezes coisas importantes que passaram até desapercebido da memória aqui, hoje, nessa entrevista. Mas acho que foi muito válido. A gente resgatar algumas lembranças, isso aí não deixa de dar uma nova energia também pra gente continuar na caminhada.
P/1 – Tá certo. Muito obrigada.
R – Tá. Obrigado. Eu que agradeço.
P/1 – A gente encerra por aqui.
FINAL DA ENTREVISTARecolher