P/1 – Bom dia, Nelly.
R – Bom dia.
P/1 – Gostaria então de começar a nossa entrevista pedindo que você me diga teu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R – Eu me chamo Roniele Barbosa da Costa, eu sou de 22 de agosto de 1988.
P/1 – Onde você nasceu, cidade, bai...Continuar leitura
P/1 – Bom dia, Nelly.
R – Bom dia.
P/1 – Gostaria então de começar a nossa entrevista pedindo que você me diga teu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R – Eu me chamo Roniele Barbosa da Costa, eu sou de 22 de agosto de 1988.
P/1 – Onde você nasceu, cidade, bairro?
R – Eu nasci no Rio de Janeiro, no município Berlford Roxo, que fica na Baixada Fluminense do Rio.
P/1 – Qual é do apelido Nelly? Todo mundo te chama de Nelly, como surgiu esse apelido aí na tua vida?
R – Olha, esse apelido surgiu e já... Na realidade surgiu no Afro Reggae, bicho.
P/1 – Então mais tarde.
R – Já surgiu tarde esse apelido. Quando eu entrei para o Afro Reggae, lá eles têm sempre uma forma de chamar alguém de alguma coisa, de língua, não sei o quê, sempre uma deixa do nome, ou um apelido que eles criam. E Roniele, Roniele, Roniele, aí um amigo meu pegou e falou assim: “Roniele, Nelly, Nelly”. E ficou até hoje. Falou Nelly, Nelly, e nunca mais me chamaram de outra coisa. E é Nelly até hoje.
P/2 – Nelly, você conhece um pouquinho, quer dizer, a tua história familiar? Conhece um pouco a história dos seus avós ou até mesmo dos seus bisavós?
R – Eu conheço pouco. Não conheço profundamente, mas conheço. Tudo começou com a minha bisavó, que é viva, que nasceu em 1901, que se chama dona Laura, que é mineira. Ela veio de Minas para o Rio com seu marido, meu avô, que se chamava... Tataravô? Não sei. Paulo. E tiveram três filhos, que um dos filhos é a mãe da minha mãe.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Que é Edenir. Dona Edenir, que também é viva, eu gosto de paixão dela, que se casou com meu avô Matias, que é falecido, tiveram nove filhos e desses nove filhos a minha mãe, que se chama Sônia, é a mais velha. É isso. Da parte dos meus avós.
P/1 – Você sabe em que bairro da cidade eles moraram? Quem foi o primeiro morador lá de Belford Roxo da tua família? Você conhece um pouquinho essa história?
R – Não. Essa história eu não conheço, mas acredito que o primeiro morador foi minha bisavó, dona Laura, porque, poxa, muito tempo. Quando fundou Belford Roxo, eu acho que ela já tava lá, veio de Minas e veio pra Belford Roxo, então foi uma das fundadoras de lá.
P/1 – Ela contava um pouquinho como era Belford Roxo antigamente, como era um pouco essa vida ali naquele...
R – Não.
P/1 – Não?
R – Por coincidência eu tava até conversando com a minha bisavó quando eu fui levar meu filho, que ela é tataravó dele. Eu conversando com ela, eu falei assim: “Vó...”. Que o marido faleceu, aí eu perguntei: “Vó, seu esposo faleceu com quantos anos?” “Ah, eu era nova” “Eu era nova com quantos anos, vó? Porque a senhora não teve outro namorado depois?” Ela não queria falar. Porque ela disse que depois que o marido morreu, ela nunca teve outro homem na vida dela. Mas ela também não fala com quantos anos. Não fala com quantos anos, porque, pô, já deve estar com uns cem já. E ela... Sei lá.
P/1 – Mulher mais vela você não conta a idade.
R – Não conta. Mas acho que ela foi uma das primeiras moradoras de lá.
P/1 – Você sabe se moravam em casa, era uma área rural?
R – Acho que Belford Roxo era uma área rural, cara, uma área rural. Como toda área que vai ganhando população e vira um bairro, vira município e vira uma cidade. Então Belford Roxo eu acho que era uma... Como se fala? Onde tem várias águas, matos. Esqueci. Falta-me a palavra agora, mas era parecido com isso.
P/1 – Sobre a sua mãe um pouquinho e seu pai. Dona Edenir, o que ela conta um pouco da história de vida dela, ela sendo a irmã mais velha de nove irmãos?
R – Minha mãe? Minha não teve uma infância assim, porque ela teve que já ser mãe mesmo sem ser mãe. Ela teve que ser mãe dos irmãos dela, porque meu avô, que faleceu, ele se separou... Meu avô era... Como se fala? Meu avô era presidente do cais do porto, bicho, uma história dessas.
P/1 – Uma história bacana, hein. Vale a pena recuperar, continue.
R – Até eu lembrei agora, meu avô era muito galanteador.
P/1 – Esse pessoal de cais do porto…
R – Ele era da época, era muito galanteador, então ele... Não sei. Minha avó me contava que ele aprontava demais. Não sei se na época o dinheiro fazia... As mulheres ficavam loucas assim, que aonde seu Matias chegava: “Ah, o Matias chegou, o seu Matias chegou”. Então ela não tava aguentando aquela pressão, era muita mulher atrás dele, ele também ficava com uma mulher e ficava com outra, enfim, não tinha como, minha avó disse que teve que abrir.
P/1 – Esse “Barbosa” do seu nome veio do Matias?
R – Esse “Barbosa” é do meu avô. E meu avô foi um cara que não deu tanto... Como eu posso dizer? Não investiu tanto nos filhos dele. Ele não investiu assim, um pai que preza um futuro para os filhos. Meu avô pensou mais no êxtase dele do momento, que ele era o cara, que ele fazia e acontecia. Mais ou menos assim que a minha avó me conta a história.
P/1 – É contada pela avó.
R – É. Que a minha avó me conta.
P/1 – Mas vamos voltar um pouquinho, e a tua mãe? Conta um pouquinho da história da tua mãe. O que ela conta da vida dela, dessa vivência lá em Belford Roxo? Como era? Ela estudou, fez escola?
R – Não, minha mãe não teve muito... Minha mãe terminou os estudos deve ter uns... Quando minha mãe terminou os estudos eu já não morava mais com ela, que eu saí de casa com 16 anos de idade. Então minha mãe não teve... Ela estudou, mas não teve muito tempo de estudo, porque ela teve que criar os irmãos dela, nove, ela era mais velha, então ela teve que criar todos assim, tal. E quando ela ficou mulher, claro que ela teve os namorados, tal, ela conheceu meu pai e se casou. Foi mais ou menos assim a história de vida da minha mãe.
P/1 – O nome do teu pai e um pouco da origem dele, por favor, Nelly.
R – Meu pai é do Maranhão. Meu pai é maranhense. A história de vida do meu pai?
P/1 – É.
R – Meu pai é maranhense, de uma família de... Eu esqueci o nome agora de lá do Maranhão, a cidade lá de onde eles eram. O meu avô, que é pai do meu pai, que afinal eu não conheci a família do meu pai, se Deus quiser eu acho que até conheço, tomara que nessa vida eu conheça, que eu não conheço ninguém da família de lá. Ele me conta que o pai dele era músico, o pai dele gostava de música, mas os outros irmãos dele tudo trabalhava na roça, aquelas coisas lá, tal. E ele gostava de música, então ele ralava também, acho que de carpinteiro, não sei o nome, não sei explicar. Eu sei que ele trabalhava lá de um jeito lá e tinha família, teve um filho lá que se chamava Washington, e por gostar tanto da história ele falou pra família que ele ia vir ao Rio comprar uma sanfona, com 21 anos de idade, depois ele ia voltar. Então ele juntou uma grana lá pra pagar a passagem de ida e volta, pra comprar a sanfona e voltar. E essa que ele veio conhecer o Rio de Janeiro, e não voltou até hoje.
P/1 – Não voltou até hoje?
R – Não voltou até hoje. Não voltou. Ele sonha um dia voltar lá, até hoje. Acho que ele vai lá, ele tá trabalhando e tá querendo ir lá. Mas não voltou até hoje, então assim, a família do meu pai somos nós três, que somos os três filhos dele, não tem mais ninguém aqui.
P/1 – Você conhece um pouco mais sobre esse encontro do pai e da tua mãe? Aonde foi, como era um pouco o começo dessa vida deles no Rio, era um Belford Roxo, como era?
R – Olha, eu conheço bem pouco assim, porque eu nunca fiquei perguntando, até porque meu pai é meio aquele cara assim meio... Ele é gente boa, mas ele é meio fechadão, não é aquele pai aberto, ele é da época antiga. E minha mãe eu também não busco tanto assunto assim, sobre isso. Mas assim, o que eu sei é que eles se conheceram, acho que meu pai devia ter uns... Meu pai teve filho já velho assim com uns 29 anos, minha mãe devia ter uns 25, eu acho, 27. Eles se conheceram aonde? Em Belford Roxo. E foram morar num morro lá no Farrula. Farrula é um bairro dentro de Belford Roxo, que eu cheguei a ir. Quando eu era vem novinho meu pai me levou numa casa onde eles moravam no alto do morro, tal. Eles se casaram na igreja, tal, aquele processo todo da igreja católica, cartório e tudo. E foram morar lá. Daí eles vieram pra Belford Roxo depois, onde eles tiveram meu irmão mais velho.
P/1 – Qual é o nome dele?
R – Ronald.
P/1 – Tem quantos anos?
R – Ronald fez 28, tem 28. Eu, que tenho 24, e o Rômulo que tem 19, vai fazer 20. O Rômulo tem 19, tem 19.
P/1 – Todo mundo com R?
R – E todo mundo com R. Diz ele que eu me chamar Monige, mas graças a Deus botou Roniele, porque Monige eu odeio.
P/1 – Vamos tentar recuperar um pouquinho? Como foi a infância de três filhos assim, homens, na década, isso, 80, 90? Como foi um pouco a vida de vocês? Como era esse começo, como eram as brincadeiras, como era a escola, como era um pouco isso?
R – Meu irmão mais velho teve um pouco de privilégio, teve um pouco de privilégio porque era filho único, tal, então ele tinha uma história, fez karatê, que eu me lembre, estudou em escola particular, fez natação, teve todo um processo de filho único, de primeiro filho, tal. Aí quando vim eu, tal, ainda teve uma historinha, mas não foi tanta coisa. Claro que eu fiquei com um pouco de ciúme, que eu queria, criança. Aí veio meu irmão mais novo, depois de quatro anos, teve de quatro em quatro anos quando nasceu meu irmão mais novo. Passou um ano, um ano e meio, meus pais se separaram. Que meu pai e minha mãe também, olha só, meu pai músico e minha mãe aquelas coisas de desconfiança, meu pai...
P/1 – Mas músico... Ele era músico como hobby ou era profissão dele?
R – Também como profissão. Como profissão. Eu lembro que eu já era novinho, mas meu pai sempre chegava e fazia o assovio de madrugada, aí chegava e a gente ficava esperando, que a gente só dormia depois que ele contasse as histórias, eu, particularmente. Que a gente dormia tudo na mesma cama e ficava esperando-o chegar.
P/1 – Lembra-se de alguma história que teu pai contava?
R – Ah.
P/1 – Conta uma.
R – Eu lembro só que ele falava daquela da: “Pra quê essas mãos grandes? É pra te pegar. Pra quê esse nariz? É pra te cheirar”. Essa era minha predileta, sempre pedia essa pra dormir. O patcha, patcha, ele contava essa, a história do bicho-papão.
P/1 – Como era a história do bicho-papão?
R – É essa. Eu queria saber como era esse bicho. E ele falava: “E essas mãos?”. Aí eu falava: “Pra que serve essa mão, pai?” Ele: “É pra te pegar” “E esse nariz?”. Era por aí.
P/1 – Mas ele continuou sanfoneiro no Rio? Era isso? Ele continuou tocando sanfona? Você lembra sobre isso?
R – Se ele continuou? Não, meu pai continua na música até hoje, assim, mas como hobby. Continua na música até hoje, às vezes quando ele toca, toca forró hoje.
P/1 – Mas o instrumento dele é sanfona?
R – Não. Eu acredito que meu pai não saiba tocar sanfona de verdade.
P/1 – Verdade?
R – É. Não deve ter nem um ano que ele comprou de verdade a sanfona de botão. Que na realidade ele veio pra compra, ele acabou comprando uma guitarra. E a sanfona de botão, que era o sonho dele, que ele veio comprar, ele comprou deve ter um ano mais ou menos que ele conseguiu comprar a sanfona dele, o sonho dele, ele comprou.
P/1 – Mas ele tem grupo de forró?
R – Ele tem um grupo de pé de serra. Ele tem um grupo de pé de serra que ele toca, que ele participa, que ele faz lá. Mas ele tocou muito tempo na noite, mais de 20 anos tocando na noite.
P/1 – Aonde? Quando você fala à noite?
R – Ah, pelo Rio aí, Rio afora. Rio, Minas, viajou.
P/1 – Então vamos voltar lá pra infância de vocês três lá em Belford Roxo. Vamos relembrar um pouco brincadeira, futebol, brincadeira de rua, como era um pouco disso, Nelly?
R – Cara, eu que eu devia ser muito... Eu gostava, eu gostava de jogar bola, todo garoto gosta, gostava de jogar bola de gude, tal, mas quando eu fui chegando a 11, 12 anos assim, eu não tinha essa aptidão, esse brilho nos olhos pela pipa, por bola de gude. Eu brincava, mas eu gostava de outra coisa, eu gostava da arte, eu gostava de coisas diferentes. Eu gostava de ver aqueles músicos, de ver aquelas coisas assim, ficava imaginando show, palco, gostava disso, é disso que eu gostava. Por que eu não sabia. Eu gostava daquilo, por que eu não sabia. Mas agora, o meu irmão mais novo, que não gosta, não tem nada a ver. O meu irmão mais velho também é músico, é professor de violão. Mas meu irmão mais novo é totalmente diferente, não gosta de nada dessa história, não tem nem paciência pra isso. Agora, eu e meu irmão mais velho já gostamos.
P/1 – O que te atraía aos 11 anos? Como você tinha esse contato com arte, com música? Onde você via? Era em casa, você saía com teu irmão, com teu pai, como era?
R – Não. Então, meu irmão mais velho tocava num grupo de pagode, um grupo de pagode. Ele era novo também, tocava num grupo de pagode que fazia várias apresentações pequenas assim, tal. E eu ficava louco pra querer ir, eu era bem novo, tinha 11 anos, aí fui assim, ia aos ensaios. Aí tinha um cara que era responsável do grupo, eu fiquei: “Pô, deixe-me participar, deixe-me fazer parte”. Não sabia tocar nada. Ele: “Então vai indo aí, vai ajudando aí com os instrumentos, tal”. Essa fase que eu passei na minha vida foi boa, mas foi uma coisa muito difícil. Acho que eu gostava demais disso, gosto demais disso. Que eu escutava “esporro”. Eu era muito novo, às vezes não entendia nem que eu tava... Eu tinha aquele deslumbramento de estar ali, de querer ir para o show. Assim, eu carregava vários instrumentos pesados, montava o palco, botava ali, ganhava muito “esporro” às vezes, não ganhava nada.
P/1 – Por quê?
R – Ah, porque eu era novo e não sabia fazer as coisas direito. Mas queria estar ali, mesmo sem ganhar nada, mas queria estar ali. Era um trabalho, que eu não encarava nem como um trabalho. Hoje assim era um trabalho, eu devia receber por aquilo, mas não recebia. Mas foi complicado, cara. Hoje se eu olhar pra aquele cara que me dava “esporro”, tal, não sei, não sei, eu tenho uma mágoa assim, um pouco. Entendeu? Mas foi bom, foi de aprendizado, serviu. Eu sempre levo as coisas difíceis para o lado bom. Assim, eu to na dificuldade, eu pego aquela dificuldade e tento fazer daquela dificuldade algo bom, transformar em algo bom. Entendeu? Isso foi bom.
P/1 – E esses shows, onde é que eram? Vocês se enfiavam dentro de uma Kombi, por exemplo?
R – Ah, era.
P/1 – Toda a galera, os instrumentos, era aonde, que lugar do Rio, subúrbio, Baixada?
R – Era Baixada. Era na Baixada.
P/1 – Sempre na Baixada?
R – Na Baixada.
P/1 – Mas palquinho como? De clubinho, praça…
R – De clubinho, de clubinho, o grupo foi ganhando, foi ganhando, foi ganhando dimensão, dimensão, dimensão e começou a abrir show de gente famosa, a abrir show de Zeca Pagodinho. É. Depois de um tempo Zeca Pagodinho, Kiloucura, na época.
P/1 – Como era o nome da galera do grupo?
R – Na época se chamava Grupo Mania.
P/1 – Grupo Mania?
R – É. Na época. Aí a galera foi ganhando dimensão. E era um grupo que hoje era pra até estar fazendo sucesso, bicho, hoje, mas o grupo acabou por causa desse próprio cara, bicho. Porque os garotos faziam tanto show, cara, que ganhavam dinheiro. E como eram garotos, ele não pagava a galera, tipo assim, o cachê era tipo um cachorro quente. E a galera foi se tornando adulta, foi amadurecendo, aí um já começou a: “Pô, o que tá acontecendo?”. Um da história já começou a: “Porra, bicho, a gente tá abrindo show de gente grande, como a gente não tá ganhando grana?”. Inclusive, eu cheguei a... Eu tenho essa cena até hoje na minha mente, porque hoje eu entendo, eu vivo no ramo, entendo como era o processo, eu era o rude, a galera tocando em cima, pagode, eu fui lá embaixo pra pegar um instrumento e nessa ida embaixo do palco, o cara pagando ele, dando dinheiro na mão dele assim. Eu tenho essa única imagem que lembro. E no final era só um cachorro quente que pagava pra todo mundo. Mas aí a casa dele foi ficando legal, a galera foi se ligando, os filhos dele foi andando de tênis de marca, a casa tinha dois telefones, porque os ensaios eram na casa dele. Então aí quando a banda se projetou, que já tava já gravando CD, tal, eles decidiram acabar com o grupo. Aí acabou e cada um foi para o seu lado. Que foi uma péssima escolha, por sinal, deles. E pra mim, eu vivi essa história, e por isso foi tipo um aprendizado da música. Se eu não gostasse eu não ficaria.
P/1 – Falou de roupa, como vocês se vestiam naquela época? Como vocês iam para o show? Como vocês… roupas, tênis, tinha isso já? Vocês desejavam alguma coisa?
R – Olha, eu tinha esse lado assim, que eu ia para o grupo, mas tinha também um lado meu, garoto, tal. Eu gostava muito de tênis, mas minha mãe não tinha condições de comprar um tênis de marca assim. Às vezes eu via meu colega com um tênis muito bacana no pé, que era o Nike, que era o Reebok, que Avia, e eu não tinha aquele tênis. Eu queria ter, mas não tinha. E eram três filhos, e meu pai só comprava tênis às vezes só final de ano, que era Natal, que podia comprar. Mas também não me desesperava, eu segurava a onda, não passava loucura de querer fazer besteira, nunca passou isso pela minha cabeça.
P/1 – Não?
R – A minha mãe sempre educou a gente de uma forma de não ter essa loucura de...
P/1 – Nenhum dos três irmãos?
R – Nenhum dos três irmãos. Nenhum dos três. Entendeu? Nunca tive essa “piração” assim. Mas queria ter, mas não tinha. E eu ficava olhando assim um colega meu que o pai tinha uma condição melhor, aí sempre andava com a marra de marca, de Bad boy, tal, bem arrumado. E eu ficava naquela triste, mas tudo bem, vamos lá.
P/1 – Você falou de Natal, como era na tua casa? Tinha algum festejo que era considerado mais importante? A família se reunia, era um momento mais feliz?
R – Olha, a minha família fazia, mas todo final de ano... Eu tinha uma tia minha que se chamava Sandra, que ela faleceu, eu era muito próximo a ela, eu era muito próximo a ela. Então ela fazia aniversário no dia 31, bicho. E ela foi uma das minhas tias, que ela foi à busca da vitória da vida dela. Ela saiu da casa da minha avó, ela trabalhou em casa de madame, juntou dinheiro na época e alugou uma casa, comprou uma televisão, na época, da melhor, um som do melhor, uma geladeira, freezer. E ela foi fazendo a vida dela na época que era uma coisa muito difícil e ela foi fazendo assim, no peito, bateu no peito, foi na garra. Então ela foi muito... Foi a que se desgarrou e conseguiu fazer a vida dela, das minhas tias que teve uma vida legal. E eu era muito agarrado a ela, demais, assim, a Sandra. E deu escola de boa para as filhas dela, que é a Jéssica, que hoje é uma mulher, tá com 20 anos, e a Yasmin, que é a pequenininha, a Yasmin hoje deve estar com 11 anos, 12, mas quando minha tia faleceu ela devia estar com uns sete, seis. Então eu era muito agarrado à Sandra e todo dia 31, de 31 pra primeiro, a família ia todo mundo pra casa dela.
P/1 – Como era esse dia lá?
R – Ah, era um dia maravilhoso, todo mundo ia pra lá, eu lembro. Final de ano era ir pra Sandra. Mas isso não foi sempre, não. Isso foi depois que ela conseguiu ajeitar a vida dela, estabilizar, eu devia estar com uns 14 anos, por aí, 14 anos.
P/1 – Mas isso em Belford Roxo?
R – Em Belford Roxo.
P/1 – E como era a comemoração? Churrasco, cerveja, festa, que músicas vocês dançavam?
R – Era festa. Era festa, churrasco, era tudo.
P/1 – Salpicão, aquelas coisas.
R – Era tudo. A família se reunia todo mundo e era Sandra, vamos pra Sandra. Aí todo mundo vinha com uma coisa, tal, tal, cerveja.
P/1 – Um prato, uma comida?
R – É. Um prato, uma comida.
P/1 – Tua mãe cozinhava? Cozinha?
R – Cozinha. Cozinha. Todo mundo participava. E minha mãe é espírita também.
P/1 – Ah, conta um pouquinho.
R – Esqueci-me de falar esse detalhe. Minha mãe é espírita.
P/1 – E isso assim, é presente na vida de vocês? Vocês acompanhavam a sua mãe?
R – Não.
P/1 – Como é um pouco essa espiritualidade dela?
R – Não. Não. Seria até injusta eu não falar, porque minha mãe é espírita acho que desde quando... Acho que foi um dos motivos também pela separação dela e do meu pai. Um dos motivos. Não sei os motivos. Mas minha mãe era espírita.
P/1 – Frequentava centro, terreiro, como era?
R – Meu pai não gosta, meu pai não suporta essas coisas até hoje. E minha mãe até hoje é. Entendeu? Mas assim, eu sou eclético a qualquer tipo de religião, fiz primeira comunhão, tal.
P/1 – Ah, fez? Tem que contar. Você se lembra disso?
R – Lembro. Foi um dia maravilhoso a primeira comunhão.
P/1 – Ah, conta pra gente como é.
R – Dois anos fazendo, aquele pãozinho pra mim era tudo naquele dia.
P/1 – Que igreja foi?
R – A Nossa Senhora da Conceição.
P/1 – Ah.
R – É. Eu fiz a primeira comunhão.
P/1 – Por que alguém era devoto? Assim, porque…
R – Não. Porque minha mãe falava que a gente tinha que fazer, eu peguei e fiz. Peguei e fiz, fiz a primeira comunhão.
P/1 – Vocês iam durante dois anos no catecismo?
R – Não. Eu fiz.
P/1 – Você fez.
R – Eu fui o único que fiz. Eu fiz a primeira comunhão. Depois fiz e também parei. Fiz e parei. Mas sou eclético a qualquer tipo de religião, não tenho preconceito com nenhuma, nenhuma.
P/1 – Mas na sua casa, por exemplo, se mantém alguma... Eles são de Minas e seu pai é do Maranhão, tem alguma tradição de comida, algum tipo de influência ali?
R – Não. A minha família não chegou ter essa coisa de... Não teve, porque meu pai se separou, não teve essa coisa de ter a... Não. Não teve.
P/1 – Entendi.
R – Não teve essa coisa, essa coisa de família assim. Não. Não teve isso. Entendeu?
P/1 – Então vamos lá, quer dizer, você fala que aos 11, 12 anos, você se deslumbra um pouco por essa coisa de música.
R – Eu gostava.
P/1 – Como isso foi sendo costurado por você? Quer dizer, como você foi se interessando, qual foi o primeiro instrumento que você tocou, você comprou, ganhou, como foi isso?
R – Então, eu fiz aula na... O primeiro curso que eu fiz foi em Triagem, em Quintino, de Cavaquinho.
P/1 – Na Mangueira.
R – Não, no Quintino.
P/1 – Quintino.
R – Aí meu pai arrumou pra mim lá, mas só que era longe pra caramba, de Belford Roxo pra Quintino. Aí eu fiz acho que uns três meses de cavaquinho. Aí meu pai me deu um cavaquinho, eu tava começando aprender o cavaquinho, aprender a fazer as notas, tal, ah, parei com o cavaquinho. Aí comecei a fazer violão na Mangueira, comecei a fazer, fazer, comecei a aprender um pouquinho, ah, parei o violão. Aí paguei umas aulas de baixo, de contrabaixo, comecei a fazer, ah, parei o baixo. Só tinha só aquela noçãozinha básica, aí parava. Todo sábado eu ia lá para o meu pai, ele mora no Jardim América. Aí tinha uma bateria lá, tinha uma bateria lá, aí meu pai ficava lá fazendo um som: tum tsi tum tum tam tam tam. Aí eu peguei, falei: “Me ensina, como é?”. Aí foi me ensinando, eu fui aprendendo um pouco, eu não sabia tocar, eu lembro como se fosse hoje. Tinha um cara que tocava teclado com o meu pai no grupo dele, mas só que o cara num dia não foi para o show, que era teclado eletrônico, daí tinha que ter ritmo, aí meu pai me ensinou uma batida de bateria: tsi tsi tá tsi tsi tum tsi tsi tá. “Aprendeu?” “Aprendeu” “Então vai tocar com a gente hoje”. Olha. E foi daí que começou. Meu pai que me ensinou a tocar bateria assim, me deu a primeira instrução pra tocar.
P/1 – De ouvido?
R – De ouvido. Tanto pra mim quanto pra irmão também que toca violão. Entendeu?
P/1 – Como foi? Quer dizer, daí você continuou? Quer dizer, as cordas você deixou de lado?
R – As cordas eu deixei de lado, só tive a noção, mas deixei de lado. Aí a bateria eu fui aprendendo de verdade. Aprendendo, aprendendo, fui escutando, tirando, aprendendo, via que tinha um pouco de jeito, gostando também, isso eu já tava com 17 anos, 16, 17. Aí que começa já a história caminhar. Eu sempre ia final de semana lá para o meu pai, mas não gostava de lá, que lá é uma comunidade assim, Jardim América. Aquele mundo ali não era legal pra mim, não gostava daquele mundo.
P/1 – Por que, Nelly?
R – Ah, era um mundo diferente pra mim, ver arma, escutar tiro, eu achava meio complicado aquilo. Mas ia, eu gostava. Ia pra ver meu pai, claro, mas ia pra lá. O que acontece? Aí minha mãe começava a encher meu saco dentro de casa em Belford Roxo, qualquer coisinha ela gritava: “Ah, se não quiser, vá morar com teu pai. Não tá satisfeito aqui, vá morar com teu pai”. Aquela coisa de mãe, mas nunca acreditava, só falava: “Ah, vá morar com teu pai”. Teve um dia que... O terreno do meu pai... Meu pai comprou um terreno lá, que é um terreno enorme, bicho, é o único terreno lá que tem duas entradas, um terreno enorme de largura e enorme de comprimento e tem dois portões. Mas sempre meu pai tava trabalhando em São Gonçalo e não ficava muito lá, então os vizinhos falaram que nego queria invadir lá, queria tomar o terreno dele. Aí meu pai falou... Meu irmão era casado na época, meu irmão era mais novo, alguém tinha que ir pra lá. E aí meu pai falou: “Porra, bicho, vocês têm que vir cá cuidar do que é de vocês, que não sei o quê, não sei o quê lá, não sei o quê lá”. Mas eu não fui. Eu ia, depois voltava embora, ia e voltava embora, ia e voltava embora.
P/1 – Não tinha casa, casa de alvenaria?
R – Era uma casa antiga. Meu pai construiu, na realidade, um barraquinho, mas um barraquinho assim, ele tem uma quitinete, ele tem uma quitinete, quarto, sala banheiro, três cômodos. É de tijolo, tal, tinha o piso lá. Tinham as coisas básicas: geladeira, fogão e os instrumentos, tinham os instrumentos. E não tinha ninguém, eu não conhecia ninguém. Aí teve um dia que eu... (pausa)
P/1 – Então a gente tava conversando sobre a ida pra casa do seu pai na comunidade Jardim América, que ele fica muito tempo fora e que a casa fica vazia, e aí você começa a ir mais.
R – Então vamos lá.
P/1 – Vamos lá.
R – Então aí minha mãe sempre me mandava ir pra casa do meu pai, eu nunca ia. E teve um dia, uma sexta pra sábado, eu fui para o meu pai. Aí dormi lá de sexta pra sábado, e nessa eu to dormindo, eu tinha 17 anos, eu acho, 17, to escutando um (som de batuque), um barulho assim diferente (som de batuque), porra, que é isso, cara? Nunca tinha visto aquilo. Aí o barulho foi chegando mais perto, mais perto, mais perto, aí eu saí no portão e fiquei esperando passar, nessa quando passou era o bloco do Afro Reggae. Aí eu: “Cara”. Uma porção de jovens, tal (som de batuque). Eu admirado, fiquei deslumbrado com aquilo, fiquei vendo, assistindo, passou e foi embora, tal. Eu: “Pô, legal, muito show, show de bola”. Aí eu perguntei: “O que é isso?” “É o bloco Afro Reggae”. Eu falei: “Nossa, legal, o bloco Afro Reggae”. Eu conhecia pela televisão, que eu via os caras do Afro Reggae assim, de vez em quando passava, conhecia só pela televisão algumas coisas que passavam, de bons e de ruins que passavam, era geral. E eu falei: “Pô, que massa, muito legal aquilo”. E passou. Aí fui embora pra Belford Roxo. Depois passaram duas, três semanas, quase um mês, começou a ter oficina lá de percussão, lá.
P/1 – Lá aonde?
R – Lá no meu pai, lá na comunidade. Passou a ter oficina do Afro Reggae lá na comunidade. Foi legal, bacana, mas tudo bem. Legal. Vi e gostei, mas e aí? Eu não ia lá. Começou a ter oficina, ter oficina, ter oficina, eu sempre ficava... Aí vim para o meu pai, passei a morar no meu pai pra olhar o terreno, tal, e ficar lá olhando, e estudando em Belford Roxo, aí passei a morar no meu pai pra olhar o terreno, porque meu pai morava longe. Meu pai comprava as coisas e deixava pra eu comer, eu não trabalhava. Fazia compra, deixava o dinheiro do pão, ta ta ta e ia pra trabalhar, que não voltava pra casa, eu ficava lá, que eu tinha maior medo também, tem esse detalhe, era medroso, ficava sozinho lá e estudava de manhã em Belford Roxo. E de tarde eu ficava lá, e quando tinha oficina eu ficava lá assistindo. Campo cheio, todo mundo querendo participar, e todo mundo querendo participar, e eu ficava lá só de longe olhando, na minha timidez, não ia lá pra querer ficar que nem todo mundo lá em cima. Sei que passaram um três meses, cara, as coisas já estavam bem encaminhadas, já tinha uma banda lá de percussão, tinha um grupo lá só de garoto que ensaiava. Aí eu cheguei num cara que se chama Adelson e falei: “Pô, bicho...”. Eu já sabia tocar mais ou menos bateria, falei: “Posso participar desse grupo aí?”. Com aquela vergonha. Ele: “Vem aí amanhã”. Não me deu assim chance de primeira, não. Aí no outro dia cheguei lá, também não participei, ele: “Fica só olhando, tal”. Os garotos tocando assim, tal. Aí fui no outro dia, ele me deu uma caixa, uma caixa de guerra pra tocar. “Toca aí”. Passou-me um ritmo, eu não sabia fazer.
P/1 – O que é uma caixa de guerra?
R – Caixa de guerra é o que dá o ritmo, que segura, que dá a base musical dos instrumentos, que são: repinique, caixa de guerra, surdo de virada e marcação. A caixa é o que dá o molho, que segura, que dá o ritmo. Cada instrumento dá uma história, entendeu? Aí eu não sabia fazer e era muito difícil, que são notas de fusas, semifusas, e eu não sabia fazer aquilo. E já tinha praticamente o grupo montado. Eu acho que tinham 12 adolescentes assim, todos já tocando juntos, tal, tal, tal. Aí ele me deu repinique, aí eu passei para o repinique, fui o último a entrar nesse grupo. E fiquei, vai, aprendendo repinique, repinique, repinique, eu sei que passaram uns três meses, eu me tornei mestre do grupo, mestre, liderança do grupo, responsável pelo grupo, sendo que fui o último a entrar de tudo. Então aí que começou a história. Que as pessoas já: “Porra, bicho, o que aconteceu?”. A minha história começou aí. Aí me botaram esse apelido de Nelly, eu passei para o Afro Reggae lá em Vigário Geral. Aí eu já tava amando tudo, já tava gostando demais de tudo. Falei: “Porra, bicho, isso daqui é demais, cara”.
P/1 – Mas por quê? Quer dizer, o que isso significa pra você?
R – Cara, todo jovem quando faz oficina do Afro Reggae fica meio bobo. Eu fiquei até meio emocionado que eu fui dar oficina, foi quando? Acho que foi quinta... Foi quando? Foi essa semana? Não lembro. Não. Acho que foi quinta-feira passada. Quinta-feira passada agora eu fui dar uma oficina lá em Maricá, fui palestrar oficina com nove monitores comigo ajudando-me a palestrar oficina lá em Maricá. E para umas 50 crianças, bicho. Meus monitores botaram lá as paradas, tal, aí eu falei: “Olha, devagar, cada um escolhe um instrumento”. E foram. Então foi todo mundo pegar. Eu me lembrando de quando... E, cara, a oficina foi maravilhosa, os diretores adoraram, todo mundo gostou demais da oficina. E quando acabou: “Tio, quando vai ter de novo, tio? Não sei o quê, não sei o quê lá”. Aquela coisa assim. “Tio, da próxima vez eu vou pegar tal instrumento? Dá próxima vez. Vai ter a próxima vez?”. Ficam bobos, cara, querem fazer mais.
E eu, quando fiz a primeira, eu queria fazer direto e to até hoje fazendo.
P/1 – Mas o que significa isso pra você? Quer dizer, é muito mais do que tocar um instrumento, fazer parte de um grupo, o que significa ser do Afro Reggae?
R – Cara, significa, sei lá. Significa o gostar. Meu pai gostava de música, eu tinha aquilo dentro de mim, mas não aflorava aquela história de expressar, de fazer acontecer, eu fazer. Eu via os outros fazerem, eu não fazia. Então quando eu peguei, significou uma verdade, uma verdade absoluta, é isso que eu gosto pra caralho. Entendeu? Eu me sinto bem fazendo isso, eu me sinto livre fazendo isso. É mais ou menos isso. É uma arte. E aí, posso continuar? Então aí fui fazendo as oficinas no Afro Reggae, fazendo, fazendo, fazendo, aí fui participando de aula de dança, aula de dança e aula de etiqueta também cheguei a fazer. Todas as oficinas eu sempre fazia um pouco. Cara, eu ralei bastante, bicho, eu andava muito pra chegar à... Era de segunda a sexta. Tipo assim, todos os jovens... Foi uma coisa muito interessante, de segunda a sexta tinha oficina no Afro Reggae e a gente morava uma distância muito longa do Afro Reggae, então tinha que andar uns 20 minutos a pé, andava bastante. Então eu ia de segunda a sexta, ia e voltava todos os dias. Tinha oficina, então eu ia de manhã e ia à tarde, mas nessa eu ia de manhã, fazia, voltava pra casa, almoçava, ia, fazia de tarde e voltava. E ninguém fazia isso, nenhum deles fazia isso. Então isso foi um diferencial também. Isso foi durante um ano, mais ou menos, eu fazendo esse trajeto assim, querendo aprender, querendo aprender, gostando. Isso acho que foi também... Outras pessoas foram tendo um olhar diferente, porque eu fui correr atrás daquilo. Mas no meio dessa história eu queimei um som do meu pai. Meu pai tinha conseguiu comprar um som, um som muito legal. E eu queimei esse som, assim, queimei esse som, fui fazer uma coisa, ligar, escutar música e queimei esse som. Eu lembro quando meu pai foi apresentar o som a meu irmão, que tava todo feliz que ia fazer um ensaio deles. Meu pai chamou meu irmão pra todo mundo fazer esse ensaio, meu pai foi ligar o som, o som queimado, bicho. Aí, porra, eu falei que fui eu: “Fui eu, bicho, eu fiz isso, queimei o som”. Meu pai, porra, ficou triste pra caraca. Eu falei: “Pô, bicho, eu vou arrumar um trabalho. Vou arrumar um trabalho, acabou a história, vou arrumar um trabalho e chega”. Pra pagar o som. Aí eu falei: “Eu tenho duas opções: ou saio dessa história e vou arrumar um trabalho, ou fico nessa história e começo a ganhar dinheiro pra...”. E foi então que eu tive a ideia de ter uma banda do Afro Reggae que se chamava Afro Lata. Foi uma banda que é uma vitrine lá, até hoje é mais ou menos assim, ou é assim, mas um tempo atrás era muito mais assim. Então todo mundo queria entrar no Afro Lata e é uma banda difícil de as pessoas entrarem. Então eu cheguei ao coordenador da banda, que era o Altair Martins, fui à casa dele e falei: “Bicho, aconteceu isso, isso, isso e isso. E, pô, eu quero fazer parte do Afro Lata, tem condições de eu fazer parte do Afro Lata?”. Foi uma banda que tocava bastante, viajava bastante. Não viajava bastante, mas fazia muito show. Ele falou: “Bicho, eu vou pensar no teu caso e depois eu te dou a resposta”. Eu falei: “Bicho, tá bom, eu vou aguardar tua resposta”. E aí ele disse que ia pensar. Aí eu fiquei aguardando aquela resposta, ansioso, sem saber o que ia acontecer, qual seria o meu destino. Aí ele me ligou, me ligou não, eu não tinha telefone, aí quando eu fui para o Afro Reggae pra oficina, ele falou assim: “Olha, a partir de agora você tá no Afro Lata”. Cara, aquele dia ali eu fiquei muito feliz. Aquele dia ali eu fiquei feliz pra caraca. Falei: “Porra, legal, to no Afro Lata”. Mas sendo que a galera do Afro Lata, os garotos não me aceitavam muito bem, porque todo mundo sabia da minha história, eu fui o último a chegar no outro grupo, me destaquei, virei o mestre do grupo. Então ficou toda aquela coisa assim meio: “Pô, o cara vai chegar aqui, vai, pô...”. Enfim, não me aceitavam muito bem. Mas o meu mestre que me ensinou a tocar era o mestre do grupo. Entendeu? Então só ele que tinha aquela aceitação assim. Aí comecei a participar do grupo. Comecei a participar, aí minha primeira viagem foi pra São Paulo. Aí começaram as coisas assim. Conheci São Paulo, aí hotel, aquela coisa, aquele jantar, aquela coisa muito legal que eu não conhecia. Aí foi a primeira viagem, aí veio a segunda, começou a vir o primeiro cachê.
P/1 – Então o primeiro cachê. Era remunerado esse trabalho?
R – Era remunerado. Era bolsa e remunerado. Claro que tem uma parte que vai pra instituição, que é uma ONG. Então aí eu tava “amarradaço” com aquilo tudo, bicho, aquilo tudo pra mim era fantástico, independente de dinheiro ou não eu já tava “envolvidaço” com a história. Então aquilo ali eu fui só fazendo vários shows, show, show, show, fui crescendo dentro do grupo também, fui crescendo dentro do grupo, dentro da história. E aí fui um ano como aluno, em 2007, eu entrei em 2007, em 2008 o Afro Lata tinha uma grande viagem, que era pra Londres, bicho. Conheci a Inglaterra, aí conheci o mundo. Cara e aquilo dali eu não tava acreditando, bicho, falei, bicho, tudo muito rápido. O Afro Reggae e o Afro Lata estavam me proporcionando aquilo, então isso tem... E viajei para o exterior, viajei pra Londres, conheci Londres, bicho, foi fantástico. Cidade de Londres, Ox Street, aquele centrão. Aí eu comecei a fazer as grandes vontades que eu tinha quando na minha infância, que eu gostava muito de tênis, eu não tinha condições de comprar tênis. Então eu via que ali eu podia comprar tênis, então eu comecei a comprar um, dois, três, quatro.
P/1 – E o som do seu pai?
R – Sim. Tudo numa história. E minha família, quando eu comecei a fazer esse show assim, a conhecer outros estados, que às vezes eu ia pra minha família... Teve uma fase no Afro Lata que eu chegava a Belford Roxo, às vezes eu chegava a Belford Roxo, aí: “Olha, Nelly, tem viagem pra Brasília”. Eu tinha que sair dali voando e ia para o aeroporto. Às vezes: “Olha, tem viagem em Natal”. Porra, cara, era coisa de louco. São Paulo então, era São Paulo, às vezes em um mês eram seis vezes a gente ia a São Paulo fazer show. Então as coisas foram muito legais, as coisas foram acontecendo de uma forma muito... E não pirava, mas ficava muito feliz com tudo que tava acontecendo, todas as oportunidades. Era muito bom.
P/1 – E como foi devagarzinho entrar um pouco nessa vida de ator?
R – Não, calma, aí... Deixe eu perguntar, já indo para o final, já vai finalizar aí?
P/1 – Não. Ainda temos um tempinho
R – Porque daí já tá perto do final. A não ser se você quiser escutar mais.
P/1 – Quero escutar mais um pouquinho.
R – Posso ir falando?
P/1 – Pode.
R – Então pra já ir finalizando.
P/1 – Não. Não é finalizar, não. Eu tenho outras perguntas também.
R – Em 2008 eu fui pra Inglaterra, conheci Londres, falei: “Caraca, velho, conheci outro lugar do mundo, coisas que acho que eu nunca conheceria na minha vida, velho”. Fiquei pensando aquelas coisas assim, um jovem de Belford Roxo, não tinha oportunidade legal: “To aqui em Londres, cara, é verdade isso? É verdade. É fato”. Eu voltei e aí eu... Não tem como não falar, porque foi a mãe do meu filho. Eu morei junto com uma pessoa, que eu não sei nem se foi o certo, o tempo certo ou tempo errado na minha vida, mas eu conheci uma pessoa e morei com ela. Ela era mais velha que eu nove anos.
P/1 – Como você a conheceu?
R – Ah, eu fui num forró da vida desses assim. Eu a conheci e foi uma coisa muito louca, minha família não aceitou, porque ela já tinha filho. Meus tios, ninguém aceitava aquela história: “Porra, moleque. Roniele, você é um cara bonito, você tá louco, bicho. Você tá louco, porra”. Aí vivemos uma história de três anos, tal. E nessa história de três anos vivendo no Afro Reggae também, viajando, tal, com ela, não sei o quê. Eu sei que no final ela era muito ciumenta, muito possessiva, aí começou já a complicar minha vida, de briga, começou a confundir tudo. Eu lembro que quando eu fui pra Inglaterra pela segunda vez, eu fui quatro vezes à Inglaterra. Não fui só pra Inglaterra, não, mas Inglaterra eu fui quatro vezes. Numa dessas viagens à Inglaterra, eu lá na Inglaterra ela falou que agora a gente ia ser três. Eu não tava entendendo mais nada, falei: “Tá louca, que três?” Eu não queria ter filho. Eu falei: “Que papo é esse de três?”. Eu falei: “Caraca. Não, bicho”. Eu não queria ter filho de jeito nenhum. Eu falei: “Não. Isso não”. Eu já tava praticamente terminado com ela. Enfim, surtando, não dava mais. E aí ela tava grávida. Aí teve o meu filho, tal, que se chama Davi, o amor da minha vida esse moleque, uma bênção assim de Deus.
P/1 – Qual a data de nascimento do Davi?
R – Treze de abril de 2011. Meu filho tem um ano e cinco meses.
P/1 – Quem deu o nome?
R – Ela. Davi. Eu só... É Davi. Nesse processo todo, em 2009 no Afro Reggae eu me tornei, virei instrutor de percussão. O Altair Martins... Voltando um pouquinho, eu comecei a viajar, tal, tinham aquelas coisas, tal, mas eu só era bolsista, ganhava uma bolsa e os cachês quando tinha, era um dinheirinho que dava pra... Entendeu? Aí veio minha primeira aula, meu primeiro projeto a participar, que foi lá em Santa Cruz, lá em Paciência, que era no SESC. Ele me escolheu e falou assim: “Olha, você vai dar aula lá”. Junto com um puta cara, que era o Garnizé, que é um cara que grava com uma porção de gente, que fez parte da história do Afro Reggae também, participou, teve um período curto, mas... E falou assim: “Olha, você vai dar aula com o Garnizé, você vai ser o monitor dele lá no tal do projeto”. Eu falei: “Pô, quanto é o salário?” Ele falou. Eu falei: “Cara, jura, bicho?” Fiquei feliz pra caramba. Falei: “Pô, legal. Legal. Ótimo”. E dei aula lá durante um ano, acho, um ano e meio. E foi só material, foi...
P/1 – Você completou a escola? Quer dizer, nesse meio do caminho você fez ensino fundamental, você fez…?
R – Olha, eu estudei até o segundo ano. Assim, estudar, estudar escola mesmo de série eu estudei até o segundo ano. E no Afro Reggae eu fiz o supletivo, fiz o terceiro ano no supletivo, aí eu terminei, tenho o meu certificado, terminei. Aí foi meu primeiro projeto, tal, no SESC.
P/1 – O que isso significa, o que isso representava pra você? Quer dizer, estar trabalhando, ganhando uma grana com uma coisa que você gostava, que você sabia fazer, que você foi conquistando, você parava pra pensar?
R – Cara, eu vivia aquela história. Eu vivia, eu vivia aquilo, eu não sabia falar o que era. Eu vivia aquilo, bicho. Eu vivia aquela história, era intenso, eu vivia. Deixava-me feliz, me deixava triste, me deixava alegre, me deixava tudo ao mesmo tempo, mas me deixava, eu vivia aquilo. Eu ficava mais feliz porque minha família ficava feliz pra caramba. Hoje eu chego lá à Belford Roxo, os meus primos não me tratam como primo, não me pedem benção. É. Domingo agora foi aniversário da minha tia, da minha tia Kátia, tava todo mundo lá, mas quando a gente chegou lá, ela: “Ah, vocês chegaram, você chegou aqui. Que bom, pensei que você não vinha, que não sei o quê”. Ela me trata muito bem.
P/1 – Mas por que você acha que é assim? É pela felicidade de ver o sobrinho, a conquista dele, a inserção dele?
R – É. Acho. Não sei, acho que é.
P/1 – A tua felicidade, de você ter...
R – Cara, eu não sei nem te explicar como é, eu sei que é diferente. É diferente. É porque por ser o... Eu sou o segundo mais velho dos meus primos, que são primos pra caramba de primeiro grau, que são primos, mas eles não me tratam assim. Uns me tratam como primo, outros não, outros me pedem bênção, me tratam assim, legal. Não só eu, mas como meu irmão também. Mas porque minhas tias falam, falam pra todo mundo: “Ah, meu sobrinho foi viajar pra tal lugar. Meu sobrinho...”. Não me faz mudar nada. Isso não me muda nada, eu não me mudo, não muda nada, não mexe nada comigo isso essas coisas. Eu sou esse cara assim, eu posso ir pra qualquer lugar do mundo, enfim, posso fazer qualquer coisa, que eu vou ser essa pessoa. Mas sinto da importância, é bom ser assim dentro da tua família, que você tenha certa moral pra falar.
P/1 – Um exemplo.
R – Um exemplo.
P/1 – Um bom exemplo né, você…
R – E também uma coisa que é muito legal na minha vida assim, que já assim na adolescência pra homem eu não tive ninguém, bicho, do meu lado, ninguém pra me orientar as coisas, não tive pessoas pra me orientar. Então aquelas coisas da minha mãe, da minha família, eu tenho uma pessoa na minha família, meu tio que usava droga, que já teve problemas acho que com drogas, já foi preso, tal. Eu vivi ali, passei a viver numa comunidade onde aquilo ali era vivência de verdade, às vezes de noite escutava tiros, eu saía, eu via pessoas fumando maconha. Então a pessoa quando não tem uma cabeça legal, uma cabeça focada, a pessoa se perde. Eu frequentava, ia para os bailes funk, às vezes eu ia, às vezes eu ia, nunca fui tão fã de baile funk assim, gosto. E via arma, via droga, via tudo aquilo ali oferecendo assim. Eu tinha colega, fiz amizades, tinham uns que iam assim, tal. Mas eu tinha uma cabeça tão assim, eu faço o que acho que é certo, tenho opinião própria, o que eu acho que é certo pra mim. Então isso pra mim me ajudou a nunca... Sem ter ninguém, sem ter família, longe de todo mundo, me ajudou a sempre ser um cara do bem, não me envolver. Assim: “Pô, bicho, quer fazer, faz, legal”. Eu falei: “Não, não quero. É bom pra você, pra mim não é”. Enfim. “Pô, tu tá de...”. Não. Sempre tive minha opinião do que eu queria pra mim. E é difícil isso, cara.
P/1 – Imagino.
R – Até hoje eu vivo longe da minha família. Eu saí de casa eu tinha 17 anos e até hoje eu não... Saí da minha mãe, da casa da minha mãe e não voltei mais.
Às vezes eu já cheguei até chorar, porque às vezes eu vivo sem ninguém, velho. Sem ninguém. Sou eu por eu mesmo. Tenho minha família, claro, se eu tiver precisando ver minha família, querendo me sentir acolhido, eu pego e vou pra lá. Mas assim, na minha vivência sou eu por eu. Hoje eu tenho minha namorada, a gente pretende se casar, que a gente vai fazer um ano domingo, que é uma pessoa assim, massa na minha vida, uma mulher muito legal, que fecha comigo, enfim, me entende pra caramba. A gente tem nossos atritos, mas ela é uma pessoa que eu vi que acho que dá pra gente... Ela me pediu em casamento.
P/1 – Ô, tá moderna essa tua namorada.
R – Eu caí pra trás assim, mas eu falei, pô, bicho, acho que vale a pena. A outra vai até pirar quando ela souber. Mas é uma pessoa que, pô, é a única pessoa que eu tenho muito próximo a mim. Mas eu e meu irmão mais velho, é cada um na sua. E é isso.
P/1 – Agora vamos falar um pouquinho desse teu trabalho atual, falar um pouquinho do personagem.
R – Deixe-me falar agora uma coisa muito importante, que foi coisa de Deus assim. No Afro Reggae sempre tem muito... Eu não sou ator, nunca fiz nada. Tenho a arte e tenho a prática do que é assim, esse lado da arte dentro de mim, porque eu já vim com essa bagagem, tudo isso foi uma história de 2008, 2009, 2010, 2011. Então pra arte eu não fico com vergonha, eu chego e faço as coisas, chego e faço. É isso que é pra fazer? Então vamos lá. Vamos fazer. Vamos lá. Vamos fazer. Não fico com timidez pra fazer. Entendeu? Eu chego e faço de verdade. Nesse dia, no Afro Reggae sempre tem algumas coisas que têm, que tem um grupo de teatro, que se chama Trupe de Teatro dentro do Afro Reggae, que o coordenador é o Johayne Idelfonso. Mas nunca fiz aula de teatro, sempre tive vontade. E olha só, muito tempo atrás, quando eu tava começando a percussão, até falei para o Johayne, eu até falei isso pra ele uma vez, falei: “Pô, Johayne, eu não quero fazer percussão, não. Eu quero fazer teatro”. Ele: “Não, bicho, na percussão você vai se sair melhor”. Foi até bom, que eu tive toda uma... Se fosse para o teatro eu acho que...
P/1 – O cara te radiografou.
R – Olha, bicho, como é a história? Foi no tempo de Deus. Falou: “Não, faça percussão que você tem um caminho melhor na percussão”. Mas eu: “Pô, eu sou afim de fazer teatro, cara”. Ele: “Não. Faça percussão”. Enfim. Nesse dia foi numa quinta-feira, que eu dava aula no Projeto de Lucas, que eu era o instrutor junto com um amigo meu, quinta e sexta. Eu to cortando partes, tá? Aí o Johayne falou que, tipo assim, ia ter um programa, ia ter uma história e me chamou. De várias pessoas, vários atores mesmo do próprio Projac, e outros pessoas que não são, outros cantores, achou que eu tinha um perfil legal pra fazer, só pra bater foto, pra tentar fazer essa historia, que eu também não sabia o que era. Ah, foto por foto, vamos lá. Fui lá, bati foto. Chegou no dia o Nelson Fonseca mais o Carnevale, o Carnevale foi lá ao Afro Reggae, e nesse dia eu dava aula, então tava todo mundo lá, muita gente. E tinha muita gente mesmo lá. Muitas coisas acontecem e passam despercebido. Acontecem, passou e não aconteceu nada. E como tinha muita gente, eu tinha que dar aula quatro horas da tarde e o negócio começava às duas, três horas, eu vinha dar aula às seis horas, então pedi à minha coordenadora lá do projeto pra eu não ir dar aula, que eu queria fazer o negócio, que não dava. Aí o Johayne: “Não, você tem que dar aula. Vá dar sua aula, se der tempo pra você vir fazer, você vem. Se não der...”. Eu falei: “Ah, bicho”. Joguei balde de água fria: “Vou dar minha aula e já foi”. E fui dar aula. Aí cheguei lá já eram seis horas estourando assim, as câmeras já acabando a pilha, já tinha todo mundo feito, já tinha dado a sua entrevista, tal. Aí eu falei: “Dá tempo pra fazer?” “Dá”. Então fiz com mais um ator. Aí me perguntaram meu nome, tal, eu falei, falei, falei. Tudo bem. O Nelson foi no outro dia lá, o Johayne montou uma apresentação de vários grupos artístico, o Nelson foi lá, tinha uma história também, o Nelson também tava lá. Aí o Nelson olhou pra mim e me pediu pra tirar umas fotos de dupla, de dupla, pra tirar foto de dupla, tal, aí eu tirei. Eu também não sabia nem o que era isso. Aí eu conversando com ele: “Mas pra quê isso?”. Aí ele: “Ah, pra uma coisa que vai ter aí”. Eu perguntei: “Tu faz o quê?”. Ele: “Ah, eu sou produtor de elenco”. Eu: “Que é isso?”. Eu não sei. Hoje eu sei, mas também não muda nada, é um trabalho legal, show, ótimo, admiro o trabalho como qualquer outro, cada um tem seu trabalho. Daí veio um e-mail, a história começou.
P/1 – O que dizia o e-mail?
R – Ligaram e falaram assim que foram algumas pessoas selecionadas pra fazer um teste, teste pra minissérie. E eu tava entre esses testes, e tinham outras pessoas também. Aí eu fui com meu irmão, meu irmão também foi selecionado. E eu fui pra fazer dois testes. E a galera toda que... Eu fui pra fazer dois testes, um pra ator, pra atuar, um personagem, e pra fazer a dupla de mc que tem dentro da história, que também vai atuar, mas... As pessoas ficaram assim: “Olha, por que o Nelly vai fazer dois dos personagens?”. As próprias pessoas: “Por que o Nelly vai fazer dois personagens? Não to entendendo”. E outros atores que eram da... Também fizeram participação pra ator. Eu fui lá ao Projac nesse dia. Cheguei lá, cara, esse dia foi muito sinistro. Eu estudei meu texto da minha forma, estudei o que era pra interpretar, vamos lá. Cara, quando eu cheguei lá, bicho, tinham uns caras lá, falaram que tinham feito malhação, que tinha feito isso, tinha feito aquilo, mas uns caras muito pilhados, velho. Os caras vendo televisão e falando o texto assim, outros indo para o banheiro e batendo o texto, outros ficando num lugar ali e ficava batendo o texto. Falei: “Caraca, velho. Pô, os caras estão assim, velho”. Aí eu olhei para o meu irmão, falei: “Ah”. Quando o Nelson me chamou pra ir lá numa sala lá pra fazer, eu falei: “Pô, Nelson, to meio nervoso”. Ele: “Ah, bicho, faz. Haja natural, faz o Nelly. Faz você”.
P/1 – Você tava vestido como?
R – Ah, eu tava normal, roupa normal. Aí eu fiz a dupla de mc com meu irmão, depois eu fiz um texto, que era o Cleiton. Nervoso pra caramba, mas fiz, tudo bem. Fiz, todo mundo fez. Aí passou uma semana, passou, passou, aí um belo dia, um sábado, eu tava indo fazer um show lá em Caxias, forró, aí o Nelson me liga de noite. Eu: “Caraca, o telefone do Nelson”. Ele: “Olha, Nelly, o diretor gostou de você e quer que você faça teste, mas teste pra três personagens: para o Tutuca, para o Moacyr e para o Tião”. Aí eu falei: “Tá ok. Para o Tião, tá ok”. Ele me deu três personagens, bicho. Aí já passei de uma peneira, fui pra outra. Cheguei lá ao Polo Cine pra fazer o Tutuca, esse dia pra fazer o Tutuca. E cheguei lá, e já a galera de ator, bicho, aí já só a galera que já faz teatro, a galera que já faz trabalho com teatro e tal, tal, que tem todo o meu respeito. Eu falei: “Bicho, eu vou mandar ver, Nelly, vou botar o que eu tenho...”. Enfim. Cada um faz a sua história. Sendo que eram quatro. Éramos eu e mais três pra fazer. Cada personagem tinha, tipo, quatro, três, pra fazer o mesmo. E nesse dia do Tutuca éramos eu e mais três. Aí como eu tinha chegado na frente, ninguém queria ser o primeiro, aí eu falei: “Pô, não, vá você, cara.Vá você”. Eu fui o primeiro. Então era eu fazer, outro e outro. E foi assim, eu fiz o Tutuca, o bandidão, tal, do meu jeito, gravando. Primeiro experiência, gravando e fiz. Fiz o texto, tal, legal. Acabei de fazer, o Carnevale: “Olha, agora você vai ter que fazer um Tutuca diferente, um Tutuca que nem o Coringa, um bandido totalmente louco”. Eu falei: “Caralho, como eu faço isso?” Eu mexia uma perna já esquecia o texto. Eu mexia a cabeça tentando... Eu falei: “Caraca, e agora?” E nisso os outros já fazendo, acabava o terceiro e iam me chamar pra fazer o Tutuca. E acabou, eu não tinha nem “coisado”, cheguei lá e fiz. Gostaram, tal. Depois fiz o Moacyr e depois fiz o Tião. O Tião era o personagem que eu acho que eu não passaria, o Tião. Fiz, fiz bem o Tião, fiz legal o Tião, fiz ótimo, mas não tinha esperança do Tião, falei: “Pô, talvez eu possa até ficar com o Tutuca, que eu acho que mandei melhor, não sei, ou o Moacyr, não sei, o Tião”. E aí, cara, teve essa coisa e ninguém sabia mais de nada, quem ia ficar e quem não ia ficar. Num domingo eu tava com a minha namorada, o Nelson me ligou: “Nelly, você vai entrar no elenco e vai fazer o Tião. Você vai ser o personagem Tião e tá no elenco”. Eu: “Ah!”.
P/1 – Como você compôs o personagem Tião nesse teste? O que passava na tua cabeça? O que é dito? Como você o compôs?
R – Quando eu recebi a notícia?
P/1 – Não, quando você foi... Bom, você recebeu o texto pra interpretar, pra fazer um teste sobre o personagem Tião. Como você montou o Tião? Você se inspirou em alguém?
R – Não. O bandidão eu tive que fazer o bandidão. O Moacyr eu tive que fazer aquele cara meio sarcástico. O Tião eu fiz eu, bicho, o Nelly. E aí o cara: “Ah, não sei o quê”. Eu fiz eu e foi. E o Tião, na realidade, é o Nelly, sou eu. O Tião sou eu. A única diferença do Tião e Nelly é que eu não tenho uma Kombi.
P/1 – Tem memória de usar Kombi em comunidade?
R – Não, nunca dirigi... Não, eu já comprei um carro, eu já tive um carro. Essa foi... Graças a Deus... Hoje eu não tenho mais o carro. Mas antes de eu ter o meu filho eu tinha comprado um carro, eu tinha comprado um carro legal, tinha comprado um Ford Fiesta, que era outro sonho meu, tinha realizado o sonho. Peguei, comprei o carro, caraca. Aí fui lá à minha família, todo mundo: “Ah, meu filho...”. E quando meu filho nasceu foi ficando complicado assim, conciliar carro, conciliar filho. Meu filho veio... Eu até brinco, meu filho veio acreditando que o pai era artista. Mas antes de história de Globo. Aí não tomava leite normal, era só leite Nan, e era pomada, era tudo um pouco mais caro, e era só eu. Eu tinha que me lascar pra arrumar grana pra comprar as coisas, e tinha minha vida social, eu não morava com a mãe dele.
P/1 – Mas assim, o Tião é um personagem, ele é o motorista de Kombi da comunidade, é isso?
R – Agora vou falar do Tião.
P/1 – Vamos falar do Tião, mas fala do Nelly e do Tião, que a gente devagarzinho vai encerrando. Tá legal?
R – Então aí parece que foi uma grande... Aí falou de dirigir uma Kombi, eu falei: “Caraca, imagina se eu não tivesse um carro na minha vida. Como eu ia fazer pra fazer isso?”. Acho que as coisas vão se encaminhando pra se encaminhar mesmo.
P/1 – Com certeza.
R – O Tião e o Nelly... O Tião dentro da história é um cara do bem, velho. O Tião é “amigaço” de todo mundo. A história tem várias, várias... Tem a família, tem a bandidagem, tem o Cleiton, tem os amigos. Então o Tião é “amigaço” do Cleiton, é o guru do Cleiton, é amigo da mãe do Cleiton, “amigaço” da Margarida. Ele é amigo da família, leva a família pra praia, estamos juntos, vamos lá, quer que eu leve vamos lá, me chama eu levo. Ele também tem uma passagem com a bandidagem, eu to ali, não tenho nada a ver com nada, mas todo mundo respeita, é o Tião, tudo bem.
P/1 – O Tião tem quantos anos?
R – O Tião é um negro que tem... Negro de 25 anos, o Tião. O Tião é um negro de 25 anos.
P/1 – Ele ouve que música no rádio da Kombi?
R – Ah, o Tião gosta mais de escutar o Negro Gato. Ele gosta de escutar o Negro Gato, mas ele ouve de tudo, o Tião ouve de tudo. Ele escuta tudo. Enfim. Ele é um cara do bem, bicho, se a pessoa precisar dele ele vai estar ali à disposição e é o Nelly também. Eu sou um cara muito do bem, bicho, muito do bem, às vezes eu sofro até por isso, por ser muito do bem. Às vezes eu ajo muito com o coração com as pessoas e as pessoas às vezes estão na maldade, e eu to no coração, e às vezes eu sofro muito por isso. Mas Deus me fez assim, eu vou ter que ser assim, bicho, não adianta eu querer mudar uma história que é assim. Claro, tenho minhas maldades assim, não sou totalmente inocente, mas eu ajo muito com o coração com as pessoas. Eu sou muito do bem, da paz. Se tiver briga e paz, eu quero a paz, não quero briga, em qualquer situação: namoro, amizade. Eu sou muito puro assim.
P/1 – E os brincos, o colar, o Tião usa também? Qual é a do boné?
R – Então, aí eu também sou meio... Eu gosto da... Não vou mentir, eu gosto também do style, bicho. Hoje eu não to meio... Não vim preparado, porque eu to aqui desde ontem por causa de vocês, não me arrumei pra estar aqui, mas se eu tivesse me arrumado eu ia vir bem tchã. Eu gosto de me vestir bem, cara, eu gosto de chegar a um lugar e falar eu to aqui, mas as pessoas percebem que eu cheguei, isso é natural.
P/1 – Tua família toda é assim grandona, alta?
R – Meus tios são altos. Meus tios são altos. Então eu gosto. Aí eu, pô, eu gosto de fazer coisas diferentes. Aí meu bigode não tá bem feito, mas meu bigode... Aí o bigode assim eu falei ah, não, acho que é melhor ter duas bandinhas e tirar aqui, e é bem pretinho, que eu pinto também, e aqui fininho, e a sobrancelha, dou dois cortezinhos aqui, que também não tá feito, mas...
P/1 – Seu estilo.
R – É o estilo. Aí pinta e bota um bonezinho de lado assim meio... Às vezes bota uma touca, às vezes bota um chapéu meio que dá um... Aí bota uma roupa. Eu costumo usar bem preto, que o preto me dá uma divulgada, o preto me divulga, a roupa preta. O prata também, eu adoro prata, porque o prata sobressai, me dá uma visualização legal, me divulga.
P/1 – É isso aí. Tá certíssimo.
R – É isso.
P/1 – Bom, Nelly, a gente tá chegando ao fim do nosso depoimento.
R – Ótimo.
P/1 – Eu queria te fazer ainda duas perguntas, uma assim, o que você hoje acha que é mais importante na sua vida? Quer dizer...
R – Profissional ou pessoal?
P/1 – Profissional e pessoal. O que você considera hoje...
R – Cara, hoje eu acho o mais importante na minha vida assim, é ter humildade, independente do que você for, do que você é e do que você faz. Enfim, de você poder ser referência para as pessoas e mostrar que você pode chegar, que você pode conseguir fazer as coisas e acreditar nas suas loucuras, eu acredito muito nas minhas loucuras. E acreditar no que você faz, enfim, independente... Assim, às vezes as pessoas chegam até pra te dar opinião. Pô, bicho, mas acho que você às vezes deve seguir suas intuições, fazer o que o seu coração manda. Entendeu? Então fazer o que seu coração manda às vezes é bem legal. E o melhor de tudo é... Que a gente vive num mundo muito louco hoje, as crianças se perdendo muito fácil, então o que eu puder fazer pra mostrar pra uma criança, pra um jovem, que ou a arte, ou ser um médico, ou ser um... Qualquer profissão, por simples que seja ela, por mais alta que seja ela, mas mostrar que o caminho é esse, bicho. O caminho do errado é errado e não vale a pena. Enfim. E eu tenho filho, então acho que o mais importante pra minha vida é isso, cara, é ser um cara do bem e poder levar outras pessoas para o caminho do bem também, independente. E não se deslumbrar com nada que acontece, até porque as coisas acontecem na tua vida naturalmente. Eu to aqui hoje, amanhã eu posso estar em outro lugar, enfim, sem criar expectativas das coisas, pirar o cabeção, ter pé no chão, saber que aqui é o chão, é aqui que eu to pisando e aqui eu vou caminhar, aqui eu vou andar. Não vou subir. Entendeu? Eu sou o Nelly e sou isso, bicho. Independente de aparecer em qualquer lugar. Se eu aparecer em televisão, se eu não for aparecer em televisão, eu sou isso. Isso pra mim é o mais importante, é ser humilde.
P/1 – E sonho?
R – Sonho?
P/1 – Você tem, pensa, deseja coisas?
R – Cara, meu grande sonho, eu acho que eu to realizando esse sonho meu, hoje. Eu to realizando esse grande sonho. Assim, que possa ser esse o único trabalho, que possam ser outros trabalhos, que nem eu falo. Posso amanhã fazer outras coisas, ou também não posso fazer, enfim, só Deus sabe o que pode acontecer à frente. Que eu tenho meus pés no chão. Mas assim, eu to realizando um grande sonho. E o motivo de orgulho maior pra minha família e para o lugar de onde eu vim. Pra um cara dali de Belford Roxo, que nasceu e criou ali, e hoje tá aparecendo na televisão Rede Globo. Assim, é um sonho, é toda a história que eu gostava e cheguei, toda uma história chegou aqui, um grande sonho meu, a história da arte, de ver as coisas acontecerem e agora eu poder fazer as coisas acontecerem. Esse é um dos meus grandes sonhos que eu to realizando. E do meu filho, e de fazer minha família feliz, as pessoas que estão comigo felizes, enfim. E de ser feliz também, principalmente. E de estar feliz. E outro sonho meu que eu também to realizando é construir minha própria casa.
P/1 – Legal. Aonde?
R – Em Belford Roxo. Não poderia ser em outro lugar. É um grande sonho meu.
P/1 – É a raiz.
R – É minha raiz. Não pretendo morar lá, não. Eu quero construir lá para o meu filho. To construindo lá pra ele. Se Deus quiser eu vou terminar de construir lá e falar assim... Quando ele crescer, vou falar assim: “Isso daqui é seu, teu pai construiu pra você. Teu pai é daqui”. É um sonho também. E estabilizar minha vida, bicho. Estabilidade. Trabalhar pra ter estabilidade, pra poder dar um futuro melhor para o meu filho e pra minha família. Esse é meu grande sonho.
P/1 – O que você achou de dar esse depoimento, contar um pouco da sua história pra...
R – Olha, eu achei uma coisa muito incrível, bicho. De coração, do fundo do meu coração. Assim, por toda a minha história eu nunca falei assim durante tanto tempo de coisas que eu nunca tinha falado. Nunca tinha falado. Fiquei devendo ainda falar algumas coisas, mas é a primeira vez que eu falo assim. Que quando falaram de falar de história eu já comecei a pensar: “Cara, acho que eu vou falar de coisas que eu nunca falei”. Já fiz outras entrevistas assim, mas do fundo do meu coração eu acho que foi uma das coisas que eu mais falei, que eu mais me abri. Foi ótimo, bicho. Obrigado aí por participar dessa história, por vocês estarem aí participando da minha vida, sabendo um pouco mais da minha história, da minha trajetória.
P/1 – A gente é que te agradece de poder ter ouvido o depoimento…
R – Obrigado, gente. Obrigado de verdade.
P/1 – Valeu, Nelly. Valeu, Tião.
R – Obrigado. Obrigado, Rede Globo. Obrigado, Museu.
P/2 – Boa sorte.
P/1 – Obrigada por compartilhar a história com a gente.
R – Obrigado, todo mundo. Valeu.Recolher