P/1 – Senhor Tokio, fala pra mim o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Eu sou Tokio Isobata. Nasci em quatro de julho de 1934 em Santos, sou santista.
P/1 – O senhor começou a trabalhar no comércio desde quando?
R – Comecei muito novo, hoje estaria proibido de trabalhar, ...Continuar leitura
P/1 – Senhor Tokio, fala pra mim o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Eu sou Tokio Isobata. Nasci em quatro de julho de 1934 em Santos, sou santista.
P/1 – O senhor começou a trabalhar no comércio desde quando?
R – Comecei muito novo, hoje estaria proibido de trabalhar, viu? (risos) Meu pai me pôs no comércio, quando eu tinha 13, 14 anos, já saía vendendo mercadoria por aí no comércio (risos).
P/1 – Seu pai trabalhava com isso já?
R – Meu pai já. Desde 1946 aqui em São Paulo, no Parque Dom Pedro II, ele tinha comércio de pescados salgados. Nessa época, um pouquinho depois, quando eu fiz mais ou menos 15, 16 anos já saía pra vender (risos).
P/1 – E o seu pai e a sua mãe vieram de onde?
R – Vieram do Japão, imigrantes. Nós viemos pra São Paulo quando no tempo da guerra nós fomos obrigados a nos retirar de Santos em 24 horas, que era o italiano, o japonês e o alemão não podia ficar à beira-mar. Você soube disso ou não?
P/1 – Não, como é isso aí?
R – No tempo da guerra com negócio de espionagem e no tempo do Getúlio ele proibiu esse pessoal do Eixo, como eles chamam, o quinta coluna, teriam que se retirar do litoral. Bobagem (risos). Aí nós viemos pra São Paulo.
P/1 – A família estava em Santos.
R – Nós estávamos todos em Santos. Tivemos que deixar tudo e viemos quase com a roupa do corpo pra São Paulo. Ficamos um dia na imigração e depois meu pai foi procurar emprego. Emprego ou ver o que fazer da vida.
P/1 – O senhor lembra desse período?
R – Eu tinha nessa época uns oito anos, nove anos. Eu sou de 34, foi em 44 acho, 43 ou 44. Nós sofremos bastante, ter que sair em 24 horas, de repente. Meu pai estava bem estabelecido em Santos, ter que largar tudo, comércio.
P/1 – Ele já era comerciante em Santos.
R – Sim.
P/1 – De pescado também?
R -
Não, não. Ele tinha uma armazém de gerais, trabalhava com tudo, no Mercado de Santos.
P/1 – Qual é o nome do seu pai e da sua mãe?
R – Meu pai era o Naoyoshi Isobata e a minha mãe era Shima Isobata.
P/1 – E vocês vieram pra São Paulo, como é que foi?
R – Meu pai, a Ordem Política e Social prendeu ele porque estava com suspeita de ser espião (risos). Ficamos sem pai por um bom tempo logo que chegamos em São Paulo. Sofreu muito. Aí ele estabeleceu no Parque Dom Pedro em 1946, mais ou menos, ele começou a atividade e eu menino ajudava ele naquela época. Fui trabalhando com ele até 1958. Eu me casei e me estabeleci aqui na rua Professor Eurípedes Simões de Paula. Aqui onde hoje é assim.
P/1 – A zona cerealista hoje.
R – A zona cerealista.
P/1 – Agora me fala um pouquinho como era essa loja do seu pai e como você vendia as coisas com ele?
R – Eu pegava a mercadoria dele, ele me deixava com o pedido embaixo do braço e eu saía pra vender pras cooperativas que existiam na época, Cotia, Sul Brasil e outros comerciantes também de alimentos. Geralmente são lojas de alimentos japoneses, né? E assim foi minha vida. Até foi bom, fiz muita amizade na época, era muito falador (risos), desde moleque, me virei bem. Cheguei e quando me casei logo saí pra fazer o trabalho por conta própria. Fiquei até 2008, mais ou menos e depois encerrei. Encerrei não, entreguei para os rapazes que estavam comigo. Na época eu peguei toda essa molecada com 16 anos, 17 anos pra trabalhar comigo. Ficaram comigo até o fim, até eu dizer: “Olha, fica com o armazém pra vocês tocarem, vocês têm experiência e eu vou me aposentar”. Eles estão aí até hoje.
P/1 – E fala um pouquinho pra mim como era nesse tempo o Parque Dom Pedro, o Brás?
R – O Brás era uma maravilha, era lindo. O Parque Dom Pedro era cartão postal. Tudo quanto era calendário cartão postal na época tinha que sair o Parque Dom Pedro com o Banco do Estado no fundo. O Parque Dom Pedro era a coisa mais linda. O rio Tamanduateí, você não acredita, tinha peixe na época! Uma água limpa, limpa.
P/1 – Você nadava lá, dava pra nadar?
R – A gente não caía, mas se quisesse também nadar ou brincar no Tamanduateí até daria na época. Eu sei que era muito limpinho lá. Eu sou de uma época que ainda usavam carroça pra carregar a mercadoria. Tanto é que tinha um bebedouro pros burros encostarem, um bebedouro lá no Mercado, não sei se tem ainda, enorme, de ferro, bem bonito, importado. E as carrocinhas iam buscar mercadoria no Mercado Central aí.
P/1 – E o burro parava e bebia água no Mercado mesmo.
R – Justamente (risos). Então, sou de uma época maravilhosa (risos).
P/1 – E como era a Santa Rosa nessa época e o Mercado?
R – O Mercado era um mercado muito antigo, muito movimento, sabe por quê? A força daquela época eram os feirantes, todos eles vinham se abastecer aqui, então era um movimento enorme, pra estacionar era um problema. E foi devagarzinho, os supermercados e grandes mercados foram aparecendo e foi caindo um pouco. Hoje já não é aquele movimento que tinha antigamente, é outro tipo de Mercado. Nós trabalhávamos muito mais com feirantes e aqueles armazéns de esquina que a turma já vai, aquelas vendas de esquina que vocês não conheceram. Tinha muitas vendas, não tinha supermercado, cada esquina tinha uma venda. Eles vendiam sabe como? Com caderneta, pagava no fim do mês.
P/1 – E dava certo isso daí?
R – Dava, dava. De vez em quando que alguém fugia, mudava durante a noite, de madrugada (risos). Mas era a moda, fazer tudo na caderneta.
P/1 – E como esses feirantes pegavam a mercadoria?
R – Eles tinha caminhão, caminhonete, até de carroça eles vinham na época. Em 58 ainda tinha bastante gente com carroça.
P/1 – Eles abasteciam e vendiam na feira.
R – Justamente. É isso. Então aproveitei muito aquela época, eu vendia direto para os feirantes e pequenos varejistas.
P/1 – E quando você foi abrir o seu negócio na Santa Rosa, por que você foi abrir lá e não em outro lugar? Você conhecia gente já?
R – Já. É que um amigo disse: “Eu queria ver se abria um atacadinho de pescado”. Eu comecei com pescado salgado, que vinha do Rio Grande do Sul o produto. Aí eu iniciei, as coisas começaram a rolar e fiquei até hoje; hoje não, faz uns oito anos. Mas continuam lá, os meus empregados continuam lá, os que eram meus empregados. Hoje em dia eles são patrões (risos).
P/1 – Era pescado que você vendia?
R – No começo foi pescado, com o tempo eu conheci o pessoal do alho, me entrosei bem com o Algirdas, o Dadá, né? E estamos aqui no sindicato batalhando já há muito tempo.
P/1 – E como eram os negócios naquela época que você começou? Era muita competição, o que se vendia mais?
R – Na minha época, no setor de pescado e salgado era muito pouca gente que trabalhava, tem que ter muita experiência também porque não era normal. Eu tinha só mais um concorrente forte quando eu comecei. Nós comprávamos, meu pai também montou uma indústria em Santos, no Guarujá, e eu comecei a representar o produto dele, ia buscar mercadoria no Rio Grande do Sul, na cidade do Rio Grande. E assim foi a minha vida no começo.
P/1 – Mas você era mais dono de armazém ou representante comercial? Ou os dois?
R – Eu era dono mesmo.
P/2 – O senhor foi morar na rua Eurípedes?
R – Não, eu só me estabeleci lá.
P/2 – Como era um dia de trabalho, como era a movimentação na rua?
R – O movimento era bom, tinha muita gente, muito cliente, vinha do interior, vinha do Nordeste se abastecer. Peixe salgado eles comiam muito no tempo que não tinha geladeira quase, congelador, essas coisas. Hoje não, hoje qualquer lugar do interior está com congelador, hoje não precisa de peixe salgado praticamente. O único peixe salgado que a turma ainda come muito é o bacalhau, esses é um dos únicos peixes que sobrou, dos salgados. Os outros salgados também estão vendendo, mas não naquela velocidade de antigamente. Não sei se é porque hoje o Nordeste já compra direto do Sul. Antigamente não, antigamente São Paulo era o mercado que distribuía pro Brasil todo. O pessoal de fora, ou do interior do estado de São Paulo vinha tudo aqui na capital pra fazer as compras.
P/1 – E o que mudou?
R – Mudou justamente por isso. O pescado salgado deixou de ser tão atrativo quanto o peixe fresco. Você vai em qualquer lugar do interior, qualquer lugar do Nordeste hoje você vê peixes, no interior mesmo, com congelador, com tudo e com toda a estrutura pra vender peixe fresco ou congelado.
P/1 – Aqui é conhecido como zona cerealista, certo? Só que você falou que estava vendendo pescado lá.
R – Isso.
P/1 – E como é isso aí? (risos).
R – Não, é que geralmente o comércio não trabalha só com pescado, trabalha com feijão, arroz e tudo quanto é produto, latarias e tudo e junto vai o peixe também. Principalmente interior, interior não tinha geladeira, pessoal morava na roça, eles não iam. Hoje não, hoje ele tem carro, vai até o sítio ou fazenda de carro e volta e vai viver na cidade,
né, antigamente eles viviam na roça, no próprio local. Então muitos deles não tinham luz, eram no lampião ainda (risos). O Brasil de uns 50, 60 anos atrás era muito atrasado. Essa revolução toda veio, graças a Deus que veio, chegou aí (risos).
P/1 – Você falou dessa cooperativa de Cotia e tal. Ela está lá ainda?
R – Não, todas elas desapareceram, infelizmente. Era umas cooperativas muito fortes mas não sei por que razão, eu nunca fiz parte de cooperativa, mas elas não se aguentaram.
P/2 – Como que funcionava, o senhor sabe?
R – A cooperativa é cooperado. Todo mundo ia à cooperativa, pegava o adubo lá, algum recurso que eles podiam repassar dos bancos para os produtores e aí eles produziam e levavam pra Cotia vender. Vendiam e pagavam o produtor. Aquilo não tinha, cooperativa pertence aos cooperados.
P/1 – Não tem dono, né?
R – Não tem dono a cooperativa. Agora a gente sabe como são as coisas, o cooperado muitas vezes vai e pega o dinheiro, pega o adubo. Se o mercado está muito bom, em vez dele vender pra cooperativa ele vai vender por fora (risos). Esse também é um grande problema pra cooperativa, não tem como fiscalizar essa parte, né?
P/1 – Você chegou na Santa Rosa, foi fazer seu armazém, já tinha a Bolsa de Cereais, já tinha a Sagasp?
R – Já tinha. A Bolsa de Cereais era muito movimentada, era coisa bonita de se ver, viu? O mercado era bem ativo.
P/1 – Fala um pouco mais, como era a Bolsa?
R – A Bolsa? A Bolsa fazia o leilão também de cereais e tudo o mais. Não sei por que razão hoje acabou, a Bolsa praticamente desapareceu. Isso quem pode a falar mais a respeito de Bolsa seria o Dadá, o Algirdas. Ele teve muito contato com esse pessoal todo. E sindicato, o nosso sindicato está aí, dessa vez está tocando direitinho, vai fazer 80 anos de vida, é de 1936, se não me engano, deixa eu perguntar direitinho lá (risos). Eu acho que como sindicato é um dos mais antigos do Brasil, creio.
P/1 – E precisava ser da Sagasp quando você entra na zona cerealista.
R – Já tinha a Sagasp. Aí eu comecei com o Algirdas, sempre fomos amigos e começamos a apoiar ele pra pôr ele na presidência. Graças a Deus ele entrou, ele é insubstituível, tanto que depois que ele entrou ninguém mais conseguiu (risos). Já está desde 1989 ou um pouco antes, até hoje como presidente (risos). É vitalício. É um bom presidente.
P/1 – Vou voltar pra falar do seu comércio. Você falou que vendia não só pescado, mas outros produtos.
R – Depois eu entrei também na produção de alho, tive algumas fazendas, mas fui vendendo porque o tempo vai passando, tudo é muito longe, né? Tinha fazenda até Mucugê, Chapada Diamantina. Na minha idade pra chegar lá, pra ir pra Mucugê eu precisava fazer a viagem até Salvador, pegar um carro que eu já deixava lá mesmo, viajava mais 500 e poucos quilômetros pra chegar lá e mais 500 pra voltar, então, é muito cansativo. Eu preferi, estou aposentado praticamente, ainda tenho algumas atividades. Ainda tenho algumas coisas em Guarujá, marinas que eu já tenho há muito tempo e continuo fazendo o trabalho lá nas marinas.
P/1 – E por que você foi escolher o alho pra trabalhar?
R – A gente é curioso, vê o que vende mais, o que se movimenta mais, o comerciante fica assim (risos) pra ver o que é mais interessante. Depois eu embarquei no alho e fiquei direto nesse setor. Fiquei direto no setor e trabalhei.
P/1 – Você ficou de que ano a que ano no alho, mais ou menos?
R – De 1976, 77 até 2008, aí como entreguei. Está funcionando a casa, mas está nas mãos dos meus ex-funcionários, funcionários de 50 anos de casa comigo.
P/1 – Ah, é? Fala um pouquinho deles pra mim. Quem são os que você mais considera?
R – Os que estão lá hoje, o meu primo Jorge _0:20:43_, o Ermínio e o Domingo Sérgio, estão lá tocando.
P/1 – E qual o nome da empresa?
R – A anterior era Isobata Distribuidora de Gêneros Alimentícios Limitada.
P/1 – E hoje tem outro nome.
R – Hoje ele passou pra, eu até preciso pegar depois, se você precisar eu pego e te passo (risos). Mas o negócio foi dessa forma. E estou aqui, estou vivo ainda (risos).
P/1 – Mas como é essa sua relação com os funcionários?
R – Foi muito bom, né? Porque os rapazes, um entrou com 16, 17 anos e ficou comigo até os... hoje ele está com 60 anos, ficou até os 57 anos quando eu passei pra eles. Todos eles trabalharam muito tempo comigo. Um deles é o Jorge. Jorginho é meu primo, também peguei ele menino pra ajudar e ficou comigo muito tempo. É gente que a gente mandava embora e eles não iam (risos).
P/1 – Não queriam.
R – Não queriam (risos). Ficaram comigo até...
P/1 – O que você acha disso? Como você explica isso?
R – Ah, pega uma relação bem familiar. Depois de 20, 30 anos juntos é como irmão, o pessoal ajudando a gente, contente com o trabalho, contente com o ganho. Porque pra você ter bom funcionário ele precisa estar contente com a gente, senão eles caem fora (risos). Isso até passar pra eles. “Agora fica com vocês, vocês aprenderam a trabalhar, agora vê se ganha o teu dinheiro”. Mas estão indo bem, graças a Deus.
P/1 – E você gosta dessa área de comércio, você viveu muita história nessa área, acontecia muita coisa diferente?
R – Olha, cada dia é um dia no comércio. Não tem regra (risos). Viajava, ia fazer negócio no Rio Grande do Sul, ia pro Rio Grande. Fizemos muita viagem pra China pra comprar alho. Fizemos viagens pra Espanha, pra Argentina, pro México. Onde cheirava o alho a gente estava lá. (risos). Foi assim.
P/1 – Teve alguma viagem que te marcou, alguma história que você passou lá no exterior e que você lembra até hoje? Na China, no México ou qualquer lugar.
R – No México, quem mais viajou pro México foi o Algirdas, eu fui duas vezes no México.
P/1 – Mas qualquer uma viagem que você teve, você lembra alguma história engraçada ou que te marcou assim?
R – Ah, história engraçada (risos). Nós tivemos uma reunião com a cúpula de um banco na Argentina. E nós estávamos todos reunidos, estava o dono do banco, o banqueiro mesmo, toda a cúpula do banco, estava toda a turma do comércio, aqui do sindicato. Estava no meio da reunião eu comecei a dormir (risos) e os caras ficaram loucos da vida comigo. Sabe o que é dormir numa reunião com um banqueiro? No dia seguinte eu me encontrei com os banqueiros, eles não estavam chateados, não, os primeiros que eles vieram cumprimentar foi a mim. “Oi!” (risos). Eu falei: “Sabe por que ele veio cumprimentar? Porque o cara que dormiu na frente deles é porque não precisa de dinheiro” (risos). Não é por aí, não? (risos). É uma passagem engraçada das viagens.
P/1 – E como é que foram essas viagens na China que você fez?
R – Nós fomos pra China, pegamos um amigo nosso que é chinês e ele nos acompanhou. Porque não adianta chegar na China sem falar chinês, né? (risos) Aí fomos eu, Dadá e mais alguns comerciantes lá na China, andando e fazendo negócio.
P/1 – Era pra fechar negócio sobre alho?
R – Sobre alho. Porque a China revolucionou esse mercado. Porque antigamente não existia esse negócio de falar: “Eu quero um navio de alho”. Ninguém te preparava um navio de alho nunca, levava dez anos pra te pôr um navio, não tinha produção pra tanto. E a China é o único lugar do mundo que apareceu, você diz assim: “Eu quero um navio com 500 mil caixas de dez quilos. Daqui dez ou 15 dias consegue embarcar?” “É pra já”. Não tem medo de quantidade? Não é o que acontece em outros lugares. Em outros lugares você quer comprar 10 mil, 20 mil caixas, nossa... Precisa pegar de muita gente e mesmo assim você não consegue reunir tanta mercadoria. Mas a coisa rola dessa forma. Por isso que nós fomos pra China e nós trouxemos de fato, todos juntos, Dadá depois vai contar e reforçar. Nós fomos e carregamos a maior carga que veio da China, foi por intermédio do Dadá. Foi mais de 500 mil caixas em um navio. Foi divertido, viu?
P/1 – Aconteceu alguma coisa, alguma história?
R – Mas tanta dificuldade pra trazer esse alho, Dadá sofreu bastante lá na China (risos). Ele vai te contar toda a história (risos).
P/2 – O senhor falou que ia bastante pro Rio Grande do Sul.
R – Pro Rio Grande do Sul eu ia antigamente. Mas antigamente, naquele tempo no Rio Grande do Sul tinha várias indústrias de peixes salgados, então eu ia até a cidade do Rio Grande e pra mim naquela época falar em Rio Grande era ir pro exterior, viu? 1960. Era uma viagem longa, ia de avião até Porto Alegre e de lá pegava um carro ou ônibus pra chegar no Rio Grande. Mas foi também uma época agradável, foi bom o trabalho, valeu.
P/1 – Onde que era o seu armazém, que rua?
R – Na Eurípedes Simões de Paula. Antigamente era 293, depois foi pra 301, mudei de estabelecimento, quase vizinho.
P/1 – Você gosta do bairro Brás, você conhece muita gente lá?
R – O Brás é interessante, muito interessante. Valeu viver esses anos todos aqui, tenho boas recordações (risos).
P/1 – Conta um pouquinho mais pra gente, o que você passou que você gostou tanto lá, uma história que você se lembra no comércio, com algum cliente, com algum personagem do Brás. O que vem à cabeça agora.
R – Mercadoria... eu digo que trabalhei muito na época que eu comecei com o pescado. E no começo foi muito difícil porque até você conseguir clientela foi um tempo. E a mercadoria não podia estar aí muito tempo, tinha que guardar em frigorífico, né? Foi complicado pra começar do nada. Quase todo comerciante aqui começou do nada, mas todo mundo era trabalhador e venceu (risos). Todos nós. Mas era por aí mesmo.
P/1 – E como é que é tratar com o cliente? O que você tem que fazer pra tratar direito pra funcionar o negócio?
R – Sabe o que acontece? O negócio é fazer amizade. Porque se você não vende pra amigo, inimigo não te compra nada (risos). Então o problema é fazer amizade com o pessoal. Eu tenho muita facilidade pra bater um papo, fazer amigo, rapidinho eu me torno amigo. Aí eu tinha muitos clientes que eram mais amigos, e fornecedores também. Eu tive muita amizade com fornecedores. Dos dois lados você tem que ter amigo, de um lado e de outro e você intermedia, compra de um e vende pro outro.
P/1 – Então o segredo é mais ou menos esse.
R – É, o segredo é você ter bom relacionamento com fornecedor e com os teus clientes (risos), não tem muito segredo não (risos).
P/1 – Um bom comerciante tem que ser isso?
R – É, basicamente é isso mesmo.
P/2 – Você como dono de um armazém como era a vida no Brás? Vocês almoçavam juntos, os donos?
R – Ah sim! Todo dia a gente se encontrava. Tem restaurantes que todo mundo se juntava, ainda tem o pessoal que vai.
P/1 – Onde vocês iam?
R – Nós íamos aqui, tem um japonês que fazia uma comida muito boa e o pessoal também, tinha um precinho bom. É onde a turma toda caía, vou falar, tinha muitos portugueses lá naquela região, e italiano. Italiano já não, italiano vai tudo lá no Gigio. Agora portugueses não, portugueses vão tudo, a turma chama ele de Mi.
P/1 – Bar do Mi, sei.
R – Você chegou a conhecer esse bar? E lá é muito boa a comida, não sei se você chegou a comer lá. Ele faz uma carne muito boa, experimenta ir lá. Vou te convidar (risos).
P/1 – Na Benjamim de Oliveira, né?
R – Isso. E lá nos juntávamos, batíamos um papo. Era bem agradável, todo mundo se juntava lá. Uma fofoca tremenda no pedaço (risos).
P/1 – Você cortava cabelo, lustrava sapato lá também?
R – Não. O barbeiro meu também era do Brás, Vitor. Deve estar por aí ainda.
P/1 – Quem que era?
R – O Vitinho. É um barbeiro que foi meu, foi do Dadá, foi de muita gente aqui do Brás (risos).
P/1 – Ah, é? Por que?
R – É que a gente acostuma. Aliás, também não tinha tanto salão de barbeiro aqui, era o único praticamente (risos).
P/1 – Onde mais você ia aqui no Brás, pra serviços? Barbeiro, restaurante, farmácia, o que tinha aqui que você conhecia?
R – De farmácia, eu praticamente, graças a Deus, nunca precisei muito de farmácia (risos). Serviço... o que seria? Não me passa pela cabeça, não.
P/2 – O senhor ficou muito tempo aí no bairro, né?
R – Fiquei.
P/2 – O senhor ficou até 2008.
R – Até 2008. De 58 a 2008.
P/2 – E o que mudou nesse tempo, o que o senhor percebeu?
R – Ah, vem mudando. Teve uma época que eu tive até carrocinha pra carregar as coisas. Existia caminhãozinho pequeno, caminhonete, caminhão de porte pequeno. Hoje não, tem carretões. Na época não tinha carreta. Então mudou muito tudo. O volume também foi aumentando bastante, o volume de negócios. Também tudo vai revolucionando. Aí entrou supermercado e a força foi toda pro supermercado. Aí vai diluindo um pouco o mercado também, né?
P/1 – O que o supermercado mudou no comércio da zona cerealista?
R – Acontece o seguinte, o supermercado, no comecinho dele, ainda ajudava a gente. Por quê? No comecinho dele faltava uma mercadoria, um bacalhau, vamos supor, importado, ele vinha recorrer à gente. Hoje eles são os grandes importadores, eles próprios importam para o próprio mercado, então não tem como. O supermercado mudou muito. Ainda que essa região é o maior centro distribuidor para o Brasil todo, a zona cerealista na área de cereais ainda é muito importante.
P/2 – Teve um auge.
R – É, teve um auge, teve muito mais negócios.
P/2 – Nessa época que tinha mais negócios como era a atuação do sindicato? Ele era bem ativo na região?
R – Tinha bastante atividade com o pessoal, o sindicato intermediava bastante, fazia bastante contato com o pessoal da Espanha, da Noruega e outros países. O sindicato sempre teve esses contatos, sempre foi. A respeito de sindicato quem pode explicar bem é o nosso presidente, conversa com ele e puxa tudo que tem de dúvidas, tá bom? (risos).
P/1 – Tá. Só encaminhando pro final agora, você acha que também o consumidor mudou, o perfil dele, ou não?
R – Olha, o consumidor... eu acho que o consumidor está bem diferente. Também hoje tem muito mais produtos do que tinha antigamente.
P/1 – Ah, é?
R – Ah, antigamente se falava em iogurte ninguém sabia o que era iogurte, não existia (risos). Não é? Agora a prateleira cresceu muito, haja espaço em supermercado, aumentou demais o número de produtos e alguma coisa pode ter diminuído. Por exemplo, você vai procurar uma cera pra encerar o chão, daqui a pouco você não encontra mais (risos), não é? Hoje tem muita coisa que desapareceu e outras coisas que nasceram aí. O mercado, por exemplo, de bebidas mudou totalmente. Antigamente tinha o quê? Se você falasse em vinhos você pegava dois, três ou quatro marcas da Itália, quando muito; do Chile tinha um ou dois; da França nem se falava quase. E agora você vê como é que está esse mercado do vinho, são milhares de marcas. Azeite eu conhecia cinco marcas no máximo, era espanhol, argentino. O espanhol tinha duas, três marcas famosas, português outras tantas. Hoje você vai ter uma prateleira enorme de azeite, de tudo quanto é jeito, tudo quanto é marca. Cerveja então nem se diz. Mudou muito o mercado, sofisticou também.
P/1 – Você acha que a zona cerealista ajudou a sofisticar o mercado?
R – Um pouquinho sim, eu acredito que sim. Estão importando outras variedades, estamos tentando. Nós temos aqui o nosso vice-presidente, o Paolo, que vai falar a respeito dessas coisas, você pergunta. O Paolo trabalha muito com isso, só de vinho deve ter mais de mil rótulos, sei lá. Você vê o que é hoje o mercado, antigamente era meia dúzia de rótulos. Então mudou muito. Pra minha cabeça não entra tanta coisa mais (risos), já não dá. Entende a dimensão da coisa?
P/1 – Sim.
R – Como a coisa vai mudando.
P/2 – E o negócio do senhor, do alho, o que mudou nesse tempo todo quando começou?
R – Desde quando começamos, eu comecei até produzindo alho, tudo. Produção de alho. Mas eu digo, a revolução no alho foram os alhos que vieram da China, a quantidade que eles conseguiam preparar, que em lugar nenhum do mundo você ia conseguir ter aquela quantidade pra trazer assim fácil. Mas de jeito nenhum. Então aquilo foi uma grande revolução, a China. Tanto que hoje o Brasil já está produzindo bastante, mas ainda não é autossuficiente, depende um pouco de importação ainda.
P/1 – Ah, é?
R – O Brasil não produzia alho praticamente. Começaram a produzir devagarzinho em 76, 77 pra cá que eles vieram crescendo, o mercado foi ficando interessante, cada vez plantando mais, né? Porque dando lucro todo mundo corre pra plantar mesmo, né? (risos)
P/1 – O alho brasileiro e o chinês são diferentes?
R – O Brasil hoje tem o melhor alho do mundo, em qualidade.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Bate no chinês
R – Muito acima em qualidade. O chinês é bonito, bem trabalhado, chinês é um capricho tremendo pra preparo da mercadoria, mas a qualidade do alho chinês não bate a do alho brasileiro de jeito nenhum, não tem aquele ardor que tem o nosso alho, nosso alho é mais forte, sei lá, tem uma coloração linda, o roxo lindo e tal, bem formado. O chinês também é bem formado, mas não tem esse charme todo não, viu? (risos) O melhor alho do mundo, pode escrever (risos).
P/2 – Só uma última pergunta: o senhor viveu muito tempo aqui no Brás, passou por muita coisa na zona cerealista.
R – Sim.
P/2 – Quais são as expectativas do senhor para a região? O que o senhor acha que a região ainda tem a oferecer?
R – Ela vai crescendo. Porque o pessoal vai atendendo às necessidades que vai tendo. Todo lugar vai ter necessidade de produto e de fornecimento. O mercado aqui não vai morrer, não, está indo bem. Esse Mercadão, por exemplo, o que era e o que é hoje? Eu conheci esse Mercadão em 1946, 47, quando meu pai era bem vizinho do Mercadão, no Parque Dom Pedro, era virar a esquina e já estava aí no Mercado. É Mercado que eu digo, é do tempo da carrocinha carregando frutas e verduras. Hoje você vai lá. Já não é nem isso porque lá é mais varejo hoje, né? Mas o mundaréu, é um número violento de pessoas que passam por lá, são milhares e milhares de pessoas. Isso não existia antigamente, não. Mudou muito, tudo.
P/1 – O senhor está com quantos anos hoje?
R – Eu? Estou com 81, daqui a dois meses estou com 82 (risos).
P/1 – E o senhor tem algum sonho pro futuro, algum plano?
R – Sonho? Sonho meu, eu estou tocando uns negócios que há muito tempo eu já tenho. No canal de Bertioga eu tenho duas marinas e eu estou querendo desenvolver mais elas.
P/1 – O senhor gosta de mar?
R – É, sempre vivemos encostado no mar. Meu pai sempre teve indústria lá no canal de Bertioga, onde eu depois transformei em marinas pra fazer guarda de barcos e lanchas. E lá eu quero desenvolver mais, hoje eu estou totalmente em um outro setor.
P/1 – O senhor gosta de barco.
R – É bom, é bom pescar. Pescar não é ruim, não (risos). Mas é por onde eu estou me direcionando agora, nesse momento.
P/1 – E a família está ok, está com neto?
R – Está. Estou com neto. Minhas filhas, graças a Deus, todas independentes. É eu e a mulher, só. O resto, ninguém depende de mim (risos), graças a Deus.
P/1 – E o que o senhor achou de falar um pouco da zona cerealista e da sua história pra gente?
R – Foi ótimo, foi bom, com a simpatia de vocês (risos). Foi bom, foi bom.
P/1 – Está certo, obrigado, viu, seu Tokio. Foi ótimo, viu? Obrigado pelo tempo.Recolher