P/1 – Andrés, primeiro eu queria agradecer por ter vindo mais uma vez para contribuir com o projeto dos 60 anos. E pra começar e deixar registrado eu gostaria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Andrés Peñaloza Lanza. Eu tenho 25 anos. Nasci em d...Continuar leitura
P/1 – Andrés, primeiro eu queria agradecer por ter vindo mais uma vez para contribuir com o projeto dos 60 anos. E pra começar e deixar registrado eu gostaria que você falasse seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Andrés Peñaloza Lanza. Eu tenho 25 anos. Nasci em dois de dezembro de 1990, em La Paz, Bolívia.
P/1 – E me conta qual é o nome dos seus pais.
R – Eu sou filho de Julio Peñaloza Bretel e de Cecília Lanza Lobo .
P/1 – E qual a origem da sua família? Você sabe um pouco da história?
R – Eu não sei muito bem a origem da minha família. Eu soy filho de pais separados. Minha mãe é de outra cidade, nasceu em Cochabamba que é uma cidade que fica no meio do país, no centro. Meu pai é de La Paz. Naquela época eram as duas cidades mais importantes. E La Paz continua sendo. E eu nasci em La Paz, morei minha vida toda lá. Tive muito contato também com a família que era de Cochabamba. Eu ia de um lugar pro outro. Eu morei minha vida toda lá, mas sempre nas férias eu ia pra Cochabamba visitar a família da minha mãe que era mais próxima da gente.
P/1 – E você chegou a conhecer seus avôs? Se puder falar o nome deles e um pouquinho deles pra gente.
R – Sim, sim. A família do meu pai tinha origem iugoslava. Minha avó era neta de um iugoslavo que se mudou pra Potosí, pras minas, que é uma região muito, muito, famosa lá. Muito rica. Se mudou pra Potosí, minha vó nasceu lá, conheceu meu avô. Minha avó chamava Deise. Meu avô chamava Julio também, que nem meu pai. E eu não tenho certeza de onde eles se conheceram, provavelmente em La Paz. E a história da minha família começa lá. E, minha mãe, que era a família mais próxima, porque eu morava com minha mãe. Meu avô era militar. Ele lutou contra a ditadura. Ele foi um militar de esquerda, uma coisa bem diferente naquela realidade. Ele era de La Paz. E conheceu minha avó em Cochabamba, ela nasceu em Cochabamba. E a história deles é muito louca. Por causa do trabalho dele eles ficavam viajando pelo país todo. Como era militar ele era transferido pra cidades diferentes. Então os filhos foram nascendo em cidades diferentes. Um deles nasceu em La Paz, outro em Cochabamba, outro em Tupiza, outro em Potosí... E a minha mãe nasceu em Cochabamba. Ele fundou a escola de soldados que pulavam de paraquedas, fundou a primeira academia. Era uma história interessante porque era a famosa história dos filhos de militar que pulavam de paraquedas com 12 anos. E minha mãe, naquela época, pulou de paraquedas com 12 anos, nos anos... 80, talvez. E ela apareceu no livro dos Guinness. Ela foi a paraquedista mais jovem da América Latina. Eles têm uma história assim, cheia de aventuras com ele. Eu falo mais dessa família porque ela é mais próxima. Eu os via muito. Meu avô chamava Emílio e minha vó chamava Jenny. Agora só me resta apenas uma avó, que é a mãe da minha mãe.
P/1 – E, Andrés, conta qual a ocupação dos seus pais, se você puder falar um pouco deles. E dessa questão de ter o pai em uma cidade, mãe em outra...
R –
Meus pais são jornalistas. Os dois. Eles se conheceram em La Paz. Minha mãe saiu de Cochabamba, se formou no colégio e foi estudar Comunicação. E meu pai estudava lá. Eles se conheceram lá, estudaram Comunicação, se formaram como jornalistas. Isso influenciou muito minha infância. Eles tinham focos diferentes naquela época. Meu pai era jornalista mesmo, de televisão, de rádio. Começou com críticas de cinema. E minha mãe começou mais pelo lado da literatura, da pesquisa. Minha mãe marcada pela história da ditadura e do meu avô, ele foi exilado, quase foi assassinado e tal. Ela foi mais pelo lado da pesquisa, começou a escrever livros sobre a ditadura, fazendo uma pesquisa sobre a vida dos militares, o olhar da ditadura do ponto de vista dos militares, não dos civis. E meu pai foi mais pro lado primeiro do cinema. Depois se envolveu com televisão. E ele é um jornalista conhecido lá por ser uma pessoa com faceta diferente. Ele gostava muito de futebol. Por um lado tinha o lado jornalístico de esporte e por outro o lado político. Ele participava de um programa que foi famoso porque tinha debate político. E isso me influenciou muito. Eles me ensinaram a ler quando eu tinha três, quatro anos. Eu entrei no colégio pequeno e era um dos poucos que sabia ler. Eu lia um livro por semana quando era pequeno. E eu comecei a escrever com cinco anos. Eu tenho até um livrinho com romances e com contos que eu escrevia, bobagens de criança, mas a gente guarda ainda. Se bem que eu não sei onde está esse livro. Alguém tem escondido. Mas eu comecei a escrever e desde pequeno, desde que eu tenho seis anos falavam que eu ia estudar literatura, que eu ia virar escritor. Isso mudou. Não foi bem assim. (risos)
P/1 – Você lembra dos primeiros livros ou algum livro que tenha marcado a sua primeira infância?
R – Eu lembro que teve uma época que minha mãe foi fazer mestrado no Equador. Ela se ausentou do país por um ano e foi meio que minha primeira experiência intercultural porque eu fui para outra família. Era a família do meu pai. Sendo uma coisa tão próxima era já diferente pra mim porque eu não estava acostumado a morar com outra família. Morar só com meu pai. Despedir da minha mãe naquela época foi muito chocante pra mim. Eu fui morar com meu pai e lembro que ele recebia o jornal todos os dias. E todo domingo ele recebia um livro que vinha junto com o jornal. Eram os clássicos. Ele me fez ler Moby Dick, Olivier, Os Três Mosqueteiros, essas coisas. Não sei se tem um livro muito marcante. Agora eu não me lembro. Acho que ficou mais marcado o que eu escrevi. Eu lembro que um ano antes disso eu fui morar com minha mãe em Cochabamba. Morei um ano lá e fui parar numa escola muito diferente da que eu estava acostumado. E era muito ruim. Eu odiava aquela escola. Quando eu voltei para La Paz eu escrevi um conto sobre a pior escola do mundo. Eu lembro muito dessa história. Meu pai lembra até hoje de como foi tão marcante que eu até escrevi um conto com sete anos. (risos)
P/1 – E eu vou perguntar da sua trajetória escolar, mas fala um pouquinho das outras coisas que você gostava de brincar, das suas brincadeiras preferidas de moleque.
R – Bom, eu tenho um irmão. Ele atualmente tem 21 anos. É filho dos dois pais porque eles têm outros filhos também. Mas eu cresci com ele. A gente tinha uma idade muito próxima: três anos de diferença. E a gente brincava muito... A gente não tinha primos e aquela coisa de visitar os primos, ficar com os tios... Porque a família grande ficava em outra cidade. Então, éramos só nós dois. Eu gostava muito de ler. Eu não me lembro muito que tipo de brincadeiras eu gostava. Mais pra frente, quando era adolescente eu gostava de videogame, essas coisas. Quando era criança a gente procurava amiguinhos no bairro. Sei lá, saía pra jogar futebol, andar de patins. Eu tentava ensinar ele a andar de bicicleta. Minha cidade é cheia de subida e descida, porque fica praticamente nas montanhas. Não dava muito pra fazer muito esporte, andar de bicicleta, essas coisas. E o frio também... A gente ficava mais dentro. Sei lá: brinquedos... depois videogame. Eu tinha amigos muito próximos. Eu tinha poucos, mas eram muito meus amigos. E eram todos estrangeiros. Eu tinha um amigo que era metade japonês, metade argentino. Outro, peruano. E eles ficavam muito na minha casa. Minha mãe sempre me obrigava a levar meu irmão mais novo pra casa dos meus amigos e incluir ele nas brincadeiras com meus amigos também. Eles viravam amigos dele também.
P/1 – Andrés, você contou pra gente que você foi um dos primeiros da escola que já sabia ler... Você tem algumas primeiras lembranças escolares, talvez o primeiro dia... Conta como se iniciou sua trajetória.
R – Sim. Não sei se sou eu que lembro ou se lembro porque me contaram. Mas o primeiro dia na escola foi muito traumático. Me deixaram lá e minha escola tinha uma metodologia meio diferente, Montessori... E o diretor, ele parecia o Dumbledore [personagem do filme Harry Potter]. Ele tinha uma barba, chegava até aqui [movimento para representar barba muito comprida]. Uns óculos pequenos. Era bem mais velho. E andava com as mãos aqui, encurvado. E andava devagar... E ele parecia uma pessoa muito sapiente, ele dava conselho, conversava com você. Ele era italiano. Minha escola era italiana. A gente falava que ele era o Leonardo da Vinci (risos). Era muito parecido. Bom, cheguei lá e eles meio que trapacearam. Falaram que iam me acompanhar o dia todo. A gente deu uma volta na escola junto com o diretor. Piercarlo, como ele chamava. E quando a gente terminou de dar uma volta pra eu conhecer, entrei na sala de aula e olhei pra trás e não tinha mais ninguém. Eles tinham me abandonado. E eu comecei a chorar muito. Eu não queria de jeito nenhum. Eu não lembro se foi bem assim, mas eles tiveram que voltar porque ligaram pra eles e falaram que eu não estava bem. Mas, enfim, eu lembro muito daquele diretor, que ele ficou comigo conversando, falando que estava tudo bem. E eu era uma pessoa muito tímida. Eu acho que o meu medo era ficar com gente que eu não conhecia. Sempre foi isso. Eu lembro uma coisa que marcou muito minha infância e que minha mãe lembra muito, eu não gostava de ir pra aniversários. E toda vez que eu ia receber um convite, não sei como é aqui no Brasil, mas era normal a gente receber um convite assim pequenininho, sempre com algum desenho, convidando pra algum aniversário de algum amiguinho, na casa de alguém, em algum lugar... E eu escondia embaixo do travesseiro porque eu não queria ir e eu sabia que minha mãe ia me obrigar a ir. E eu escondia o convite pra eles não me levarem. Além disso, além de tanta criança, tantos amigos, tinha palhaço e eu odiava os palhaços porque quando a gente ia nas festas eles chamavam pra participar e você tinha que passar na frente, brincar... E eu odiava ficar em público e ter que conversar e, sei lá, ser zoado por um palhaço (risos). Eu odiava isso. Eu lembro uma vez que meu pai, na época em que eu morava com meu pai, me levou pra uma festa de aniversário. Falei que não, falei que não, meu pai falou: “Não, vamos até a porta. Teu amigo é muito legal, te convidou e não tem palhaço”. Eu subi, abri a porta do apartamento e a primeira coisa que eu vi na sala foi um palhaço. (risos). Aí eu me senti muito traído, comecei a chorar, falei: “Não, não vou mais”. Fiz um escândalo. O palhaço viu, tentou ajudar, o que foi pior ainda porque chegou perto de mim, eu chorei muito. Bom, obviamente eu não entrei na festa. Tudo isso pra contar como foi meu primeiro dia de aula.
P/1 – Como foi se dando a sua trajetória escolar? Você continuou nessa escola Montessori por muito tempo? Fala um pouco das pessoas que representam essa primeira fase da sua história na escola.
R – Minha escola era pequena, nossas turmas tinham quinze pessoas. Quando eu me formei éramos dez. Era muito pequeno. E a gente era muito próximo porque não tinha outras turmas dentro do mesmo ano. Era só a gente no primeiro ano, por exemplo. Eu consegui fazer amizades muito próximas. E a gente cresceu junto. E era uma sala com quinze pessoas que você viu durante 12 anos da sua vida. E minha escola naquela época era muito boa. Eu gostava muito. Eles eram muito bons. Tinha professores ótimos, com uma formação muito boa. Eu lembro de uma professora, que era de Música. Chamava Rael e ela era muito carinhosa com a gente. E fui muito marcado por ela, ela me incentivava muito a ler e ela tinha uma relação meio que de mãe com a gente. Pra gente foi muito triste um dia em que a gente viu ela chorando, que ela tinha tido uma briga com a diretora e foi embora. Isso a gente já ficou meio com raiva da diretora por ter mandado ela embora. Eu não sei o que aconteceu. E outra que chama Maria Helena, que foi quando eu já tinha uns 11 anos, não sei, sinto que tinha uma conexão diferente com ela, porque ela percebeu que eu gostava muito de escrever. Ela me motivava a escrever, a ler. E... não sei, eu gostava muito dela. E ela também acabou indo embora pelo mesmo motivo que a outra professora. A gente ficava mais do lado das professoras do que da diretora. E, infelizmente, minha escola foi piorando. Eu não sei o porquê. Minha escola era num lugar bem afastado, perto de um rio, num lugar bonito, não tinha casas ao redor. Era uma zona praticamente rural. E era tipo um jardim gigante. E a diretora resolveu colocar a casa dela, construir a casa dela em cima, num morro que ficava atrás. E ela construiu literalmente um castelo. Era ruim pra gente e pros pais chegar na escola e ver a casa da diretora lá em cima construída com o dinheiro dos alunos. Era uma escola particular. E era uma casa tão exagerada. Era um castelo mesmo. Formato de castelo. Com torres e tal. Tinhas uns carros caríssimos! A partir dali a gente criou meio que uma rixa com ela. Porque não era uma escola cara, a gente não tinha tanto dinheiro. Era meio que um choque ver isso. A escola foi piorando nesse sentido. Ela era uma pessoa muito boa, só que isso começou a unir muito a gente. A gente virou mais, vamos dizer assim: revolucionário. A gente brigava muito contra os professores que entravam, brigava muito contra a diretora... Os pais, os filhos... E... posso falar agora de quando eu me formei? Tem uma história interessante sobre isso. Quando eu fiz intercâmbio eles não gostaram muito. Eu voltei da Suíça. Viajei pelo AFS, voltei em julho e só consegui entrar na escola em outubro. Eles não deixavam eu entrar na escola, falando que eu não tinha me inscrito no início do ano. Eram desculpas pra não me deixar entrar. Porque eu tinha deixado a escola. E eu não sei qual era o medo deles. Eles não gostavam muito do meu pai porque meu pai era um pouco explosivo. Ele brigava muito. Até hoje, pelo perfil de jornalista, uma pessoa que tenta se impor muito, ele tem opiniões muito fortes. Ele brigava de frente com eles. E eu peguei um pouco disso. E meus amigos ficaram muito do meu lado, muito unidos, me apoiando porque era chato ficar dois, três meses fora da escola sem poder estudar. Era o último ano. Eu ia me formar e ela não deixou eu fazer as provas pra me formar. Lá tem um sistema diferente, se faz praticamente um mês de provas. Só de provas, sem aula. Intensivas. São provas de seis horas. Praticamente um ENEM [Exame Nacional do Ensino Médio], todo dia. E ela não deixou eu fazer aquela prova com os amigos e ela não deixou eu me formar com eles. No dia da formatura que teve o discurso, um dia antes, apareceu um amigo muito querido que tinha sido escolhido como o melhor aluno da sala. E ele ia dar o discurso. E ele era meio que o queridinho da diretora. Mas ao mesmo tempo era muito amigo. E ele apareceu na minha casa um dia antes falando: “Não é justo o que está acontecendo. Vamos fazer um discurso. Você vai entrar de surpresa e vai fazer o discurso lá”. E a gente ficou a tarde inteira escrevendo o discurso. Ele era outro escritor. A gente ficava na casa dele, quando era pequeno, até cinco horas da manhã escrevendo romances, com música... A gente contava nosso romance um pro outro. Então, a gente escreveu aquele dia e a gente não contou pra ninguém o que a gente ia fazer. Nem contei pros meus pais. E no outro dia, sábado de manhã, eu apareci lá como se fosse um convidado e quando estava acabando chamaram ele pra dar o discurso e ele me chamou. E... eu me levantei, todo mundo ficou assim... Estava cheio, cheio de pais, de alunos e de professores, que ficaram assim: “Meu Deus, o que é que ele vai fazer”? A diretora levantou pra tentar impedir eu de fazer o discurso. Mas alguém pediu pra ela ficar quieta. Eu dei o discurso. Dei várias indiretas. Foi um discurso bem contra o que estava acontecendo na escola. E... a partir disso a escola foi pra baixo, eu acho. Eu, sei lá, criei um ambiente mais crítico contra a escola e eu ainda não sei como é que eu criei coragem. Lembrando que eu era aquela criança que ficava com medo de ficar com gente que eu não conhecia, para dar um discurso na frente de tanta gente, foi uma mudança muito grande. E... aquele dia me marcou muito porque eu tinha certeza que eu realmente podia fazer diferenças. Eu podia mandar uma mensagem, podia inspirar os outros, talvez. Mesmo sendo uma bobagem na escola, foi algo importante pra mim.
P/2 – Por quê? Naquela época não era comum ter o intercâmbio? Na sua escola não era comum, não tinha esse hábito, essa prática de aluno sair, viajar pra fazer intercâmbio?
R – Não, não era. Eu conheci uma amiga que estava naquela escola que fez intercâmbio pra Suíça em 2005, se não me engano. E eu perguntei a ela: “Ah, como assim, você foi pra Suíça? O que você fez? Como?”, “Ah, é uma organização. É o AFS”. Depois minha mãe me contou que um dos meus tios tinha viajado pelo AFS pra Austrália, me interessei muito. E naquela época não era nada conhecido. Eu só lembro da escola alemã, que nem aqui a Corcovado, que faz aqueles intercâmbio pra Alemanha. Lá também, era a única referência que eu tinha. E eles meio que tinham aceitado minha amiga que era da mesma escola. Mas estava meio assim, ela e eu começamos com esse negócio de intercâmbio e depois da gente, muita gente começou a viajar. Pelo menos uma pessoa por ano. E eu acho que isso prejudicou eles. Não sei se prejudicou, mas não gostaram.
P/1 – Andrés, eu já vou entrar pra gente falar um pouquinho do AFS. Você acabou de contar desse primeiro contato, só que eu queria só te perguntar você sempre se identificou muito com a leitura e com a escrita. Como era na escola em termos de outras matérias e a sua relação com a outra parte do currículo?
R – No início, eu gostava muito de Matemática. Eu era um aluno mais ou menos bom em quase todas as matérias. Eu gostava muito de Literatura e Inglês. Eu gostava de falar outras línguas. Quando tinha aula de Italiano na escola eu também ficava muito empolgado porque era uma coisa diferente pra mim. Eu acho que criou esse interesse em mim de conhecer outra língua, de escrever, de ler sobre outras coisas. Claro, eu sou de humanas, gostava de História. Gostava de Geografia, essas coisas. Mas eu já tinha certeza que o meu [interesse] era a Literatura.
P/1 – E você sempre quis ser escritor ou alguma outra carreira passou pela cabeça nessa trajetória?
R – Sim. Como sempre, na minha vida surgiu o AFS e mudou tudo. Pra variar, botou tudo de cabeça pra baixo, eu não sabia mais o que fazer. Durante 20 anos na minha vida eu quis Literatura, eu fiz Literatura, comecei fazendo Literatura. Fiz três anos até que surgiu uma oportunidade quando eu era voluntário no meu comitê, na Bolívia, quando eu era voluntário do AFS, surgiu uma oportunidade de eu me candidatar pra uma vaga de estágio no escritório do AFS Brasil. E o Brasil não me interessava de forma nenhuma. Eu não sabia português. Não era um idioma muito atrativo pra mim. O Brasil também não, mas era interessante porque era uma oportunidade de fazer mais um intercâmbio e conhecer o Rio de Janeiro. E, aí, fui e voltei e falei: “Não, não quero mais Literatura. Eu posso ser um escritor sem estudar Literatura. Eu quero estudar Relações Internacionais”.
P/1 – E agora desse seu primeiro intercâmbio. O contato com o AFS da Bolívia...Como que foi esse trâmite de você decidir escolher o AFS? Conta essa história pra gente.
R -
Eu gostei muito da experiência que a minha amiga teve na Suíça. E quando eu cheguei eu fui no escritório do AFS Bolívia com a minha mãe perguntando como é que era, como funcionava. E... primeiro eu preenchi uma ficha. Meu cadastro tá lá até hoje. Eles guardam tudo em papel, não online. Eles me falaram: “Olha, o processo já acabou, infelizmente. Mas tem vaga sobrando”. E eu falei: “Ah, eu quero Inglaterra, ou África do Sul, 'não sei porquê até agora', ou Suíça”. E conversando com algumas pessoas acabei escolhendo Suíça, até porque Inglaterra tinha fechado aquele ano e fui pra Suíça. Fui diretamente pras reuniões do AFS, morrendo de medo de novo porque eu continuava sendo tímido e era um grupo novo de novo. Eu achava que ia ser chato. Que ia ter aula de Geografia, de história dos países, não sei o que... Mas quando eu cheguei e vi gente da minha idade se divertindo, voluntários novos, eu achei legal.
P/1 – E como que era a preparação lá na Bolívia pra você poder viajar?
R – Eles têm um modelo de preparação ótimo. Até que eu importei o modelo aqui no Rio. Era assim: você se inscrevia pra fazer intercâmbio e você fazia cinco, 'a gente chamava de talleres', que em espanhol significa oficinas. Eram reuniões durante quatro ou cinco sábados seguidos. A gente se reunia na casa de um participante e tinha uma atividade diferente toda reunião. A primeira era só apresentação: quem é, pra onde você quer ir, por quê... Explicavam pra gente como funcionava e a gente fazia as brincadeiras que até agora marcam o AFS, energizer, brincadeira, conhecer o nome dos outros e tal. Na outra reunião você tinha uma tarefa que era apresentar uma parte do seu país. Eu não lembro o que eu apresentei. Se era a Região dos Andes ou o Vale ou a Região Tropical. Depois tinha que apresentar uma notícia internacional e uma notícia local e explicar porque você tinha escolhido essas notícias... Depois tinha um exercício de “o que você faria se você fosse parar na Lua, que ferramenta, que instrumentos você levaria”. Depois tinha uma prova de conhecimento geral e depois tinha uma gincana. A gincana era muito legal! Como lá é uma cidade menor, continua sendo grande, mas não é desse tamanho [como o Rio de Janeiro]
a gente fazia uma gincana num bairro inteiro. A gente tinha que procurar assim… Tipo caça ao tesouro. Tinha que procurar pistas espalhadas. Eles tiravam o celular da gente, entregavam dez bolivianos, dez pesos bolivianos e falavam: “Você se vira com isso aqui”. E eu lembro da minha primeira história engraçada do AFS, eles me entregaram uma caixa muito, muito pesada, de isopor, fechada. Falaram: “A carne tá aqui pro churrasco. Vocês têm que levar. Se vocês não levarem a gente não come”. E era muito pesada e eu fiquei responsável por isso. A gente fez essa gincana. A gente ganhou. O ponto final ficava num zoológico, perto do zoológico. Quando chegamos abri a caixa e era um monte de pedras gigantes. É... assim fiquei: “Como assim? Não é carne”! “Ah, sim. É... só pra zoar vocês, pra se prepararem pra qualquer coisa que acontecer”. E... a preparação era essa. Era muito legal. Eu fiz meus primeiros amigos lá, naquelas oficinas, reuniões. E depois teve um acampamento e é muito parecido com os acampamentos aqui.
P/1 – Como que foi chegar na Suíça? Como que foi essa experiência, ser recebido pela família... Conta pra gente agora dessa fase.
R – Eu tive a sorte de conhecer minha família hospedeira antes, na Bolívia. Porque meu irmão hospedeiro fez intercâmbio na cidade chamada Oruro enquanto eu tava aplicando pro programa e minha família hospedeira foi buscar ele na Bolívia pra passear um pouco, viajar e depois ir pra Suíça. Só que naquela época eu fui o primeiro a receber a família e eles já sabiam que eu ia pra casa deles. Eles passaram na minha cidade e a gente se conheceu lá. Foi uma grande vantagem pra mim. Porque eu cheguei na Suíça já conhecendo o rosto deles e sabendo que meu irmão hospedeiro, que tinha a minha idade, falava espanhol. Eu já tinha feito a aula de alemão durante uns meses. Falava bem. Eu cheguei um pouco mais confiante. Mas eu tive medo também porque quando eu cheguei eu namorava, minha primeira namorada. Então, eu cheguei naquele choque: “Ah, meu Deus, o que eu faço?” Aquele amor de adolescência. E foi muito legal! Quando eu cheguei falei: “Realmente, esse lugar foi feito pra mim. Eu escolhi o melhor lugar que eu podia escolher”. E eu me senti bem desde o primeiro momento porque eles me levaram pela cidade. A gente não foi de carro. Eles falaram: “Olha, a gente vai pegar o trem, o tram, depois o ônibus. A gente vai pra casa. E a gente morava numa casa tão linda que meu intercâmbio inteiro foi muito legal. A gente morava numa casa que ficava de frente pro Lago de Zurique. Que é muito famoso. Muito, muito grande. Da minha janela do quarto dava pra ver o lago gigante. Então, desde o início foi muito bom.
P/1 – Você não teve aquela dificuldade desse primeiro processo de adaptação? Teve alguma coisa que foi mais difícil?
R – Sim. Aquela lua de mel durou pouco porque depois caiu a ficha. Falta muito. Eu estou muito feliz aqui, mas eu namoro... Naquela época nem ligava muito pros meus pais. Minha preocupação não era essa. Era, infelizmente, o namoro. Que pra mim, pensando agora, uma coisa ridícula. Eu perdi meu tempo chorando por causa disso. Mas ao mesmo tempo aprendi muito. E agora é uma experiência que eu posso passar pros outros: “Não namore!”. (risos) Não é a mensagem, mas eu preferiria não mandar ninguém namorando. E... depois foi difícil. Eu até cheguei a ligar pra minha mãe pensando: “Olha, e se eu voltar”? “Eu lhe mato”! (risos) E ela falou assim: “Então, fica aí porque você não vai voltar”. Eu tive que aguentar... Fiz amigos. Percebi que eu tava me dando bem comparado com os outros intercambistas eu tava conseguindo aprender mais rápido. Minha família gostava muito de mim. Eu viajava bastante. Fui superando aos poucos. Como é natural, acabei terminando com minha namorada. Fiquei um pouco mais concentrado no intercâmbio e lá foi um pouco difícil no início porque na Suíça alemã eles falam um dialeto que não é alemão. Eles chamam de Mundart, que é o suíço-alemão. Que é muito difícil porque não tem escrita, e os alemães que falam o alemão standard não entendem. Eu falava primeiro aquele alemão, que se aprende na Alemanha, o alemão oficial. E quando eu cheguei eu já sabia que era dialeto. Mas quando eu cheguei eu falei: “Outro idioma, impossível que seja um dialeto”! Não é nem um sotaque diferente. Não é nem, sei lá, português de Portugal. É outra língua. Eu fiquei chocado porque na escola era uma coisa. Minha família, eles se esforçavam pra falar em alemão porque lá eles aprendem o alemão e tem que aprender na escola o alemão. E pra comprar alguma coisa no supermercado, pra perguntar alguma coisa no ônibus eu tinha que aprender a outra língua. E eles não gostam de falar o alemão. E é normal. Foi o primeiro choque pra mim e a partir do Natal, que eu passei um final de semana viajando com minha família e tentando aprender e vendo que era tão difícil eu falei: “Depois do Natal eu não vou falar mais alemão, vou aprender o dialeto”. E eu aprendi.
P/1 – E, Andrés, conta pra gente uma história peculiar, pitoresca, que tenha marcado sua viagem.
R – No meu intercâmbio... Olha, não sei... Minha história com o AFS tem histórias mais divertidas depois. E pra mim é confuso pensar. Eu vejo meus amigos, os voluntários e tal, que fizeram intercâmbio contando coisas ainda do intercâmbio. E eu penso: “Poxa, mas o que eu fiz?”. Eu sei que foi um ano muito legal, mas por quê? Eu acho que em si foi uma experiência que mudou minha vida. Não sei se eu tenho histórias específicas. Eu sei que uma vez eu me perdi de madrugada em Lucerna com os amigos. Tive que pegar um táxi, dormir na casa de outra pessoa, tinha gente fantasiada na rua... Era muito estranho. Eu não sei bem porque isso fica na minha cabeça. Uma história que me ajudou muito a entender várias coisas depois é que a primeira vez que a gente ia sair em família eu tinha que tomar banho, só que eu demorei e na Europa você não pode demorar. Demorei uns quinze minutos. E meu pai tinha que tomar banho. Lá em cinco minutos você toma banho, próximo. E eu demorei muito. Eu demorei tanto que não deixei meu pai tomar banho. Ele ficou bravo durante o passeio e eu não entendi por quê. E depois eles me explicaram que ele queria tomar banho e não tinha conseguido. E eu tinha demorado e atrasado todo mundo. E isso me marcou. Eu não gosto de errar. Quando eu erro eu fico com vergonha. E eu visitei minha família cinco anos depois e eles me falam: “Você lembra daquela vez que você se atrasou tomando banho? Olha, a gente aprendeu muito porque a gente não tá acostumado com esse ritmo de vocês, tão relaxado. A gente pensa nas coisas de forma tão fechada, tão certinha, cheia de horário, com hora marcada e tal”. E... quando eu fiz isso eu acabei ensinando eles também. Eu achei que era tudo culpa minha. Realmente, foi tudo culpa minha, mas eu acabei mandando uma mensagem pra eles que foi útil. Que na Suíça tudo é muito quadrado e eu flexibilizei o estilo de vida da família.
P/1 – E agora, Andrés, conta pra gente um pouco desse seu retorno, do desencadeamento e do seu contato. Dessa história de você vir pro Brasil.
R – Eu voltei com a cabeça muito diferente. Durante aquela época eu continuei
escrevendo. Eu tinha um blog e eu contava pras pessoas o que eu fazia... É... não necessariamente isso. Eu gosto muito de ficção. Eu contava histórias, inventava contos e quando eu voltei as pessoas elogiavam tudo o que eu tinha escrito e falavam: “Olha, você tem que ser escritor mesmo. Faz, vai”. E... minha mãe casou com um senhor que é professor de Literatura. A influência na minha casa era ainda mais forte. Meu padrasto é doutor em Literatura. Teoria literária que era uma coisa mais pesada. Bom, sim, eu já tinha certeza e eu fui pra Literatura. Tive minhas dúvidas e o AFS começou a entrar na minha vida. Eu me envolvi no comitê, voluntariado. Surgiram oportunidades. Fui num encontro no Uruguai com o AFS. Aí, realmente, eu já tava mais querendo sair de novo. Surgiu aquela oportunidade. Só que não me chamaram imediatamente. Eu falei: “Ah, eu não devo ter sido selecionado pra estagiar no Brasil. E... eles demoraram. E um mês depois do prazo falaram: “Olha, a gente queria fazer uma entrevista com você.” Eu lembro que estava assistindo um jogo de futebol com um amigo num café. Tava perto do escritório. Falaram: “Você tem como vir agora”? “Tenho”. Aí, fui. Um funcionário que falava muito bem espanhol, que não trabalha mais aqui, mas que tinha morado na Bolívia, me entrevistou. No dia seguinte ligaram pra mim falando: “Você foi selecionado. Você tem que estar aqui daqui a duas semanas”. E eu tava no meio da faculdade. Tava estudando no meio das provas. Uma vida super normal. E isso mudou tudo. Mas como minha cabeça tinha mudado tanto, falei: “Tenho que aproveitar”. Liguei pra uma professora de português. No dia seguinte já tava tendo aula com ela. Eu não sabia nada, zero de português. Nada, nada, nada, nada. E eu tive nove aulas com ela, só. Era uma aula de uma hora. Meu pai me apoiou, pagou as minhas aulas. Todo mundo apoiou a minha decisão. E 14 dias depois da ligação eu já tava aqui no Rio. Eu morei num hostel em Botafogo. Ficava perto do escritório que naquela época ficava no Humaitá. E... já fui diferente, até agora eu não sei por quê, mas, minha mãe não surtou. Mesmo aqui no Brasil, quando alguém se muda, sobretudo pro Rio, falam: “Nossa, é perigoso. Como assim? Você vai morrer. Não, não sei o quê. Vou te levar”. Minha mãe falou: “Ah, tudo bem”. Então, cheguei de avião sozinho. E peguei um táxi sozinho. Fui pra Botafogo. Eu morei num hostel, num quarto. No início era um quarto de 12 pessoas que o AFS tinha arrumado pra mim. Era muita gente! Eu não falava nada. Eu lembro que no outro dia eu já tinha meu primeiro dia de trabalho. Fui no escritório e a moça que tava na recepção me levou pra me apresentar a todo mundo que tava no escritório, o que cada um fazia. Eu não lembro de nada o que ela falou porque eu não entendi nada. Eu só lembro assim: “Olha, essa aqui é Andréa, ela é sua chefe. Esse aqui é o Leandro”. E eu lembro deles dois. Eles ainda trabalham aqui. Eu tive uma aula de português intensiva de oito horas cada dia. Eu acho que depois das primeiras duas semanas eu já entendia mais. E eu comecei trabalhando tudo em inglês, por e-mail. Com eles falava português. Mas a Andréa naquela época me colocou pra trabalhar na área de recebimento. Pra cuidar dos applications dos estrangeiros. Era tudo em inglês. Depois fui aprendendo, fui trabalhar com o Leandro, que era na área de envio. Ligar pros comitês... Eu morria de medo de fazer uma ligação pra algum presidente porque eu tinha medo de alguém não entender, sei lá. Passar vergonha... E era um programa que no início era pra ser de três meses. E depois o gerente da área, o Marcos, falou: “Olha, fica mais três. Tá sendo legal. Fica mais três”. Falei: “Tá”. Cheguei em maio e fui embora em outubro. Foi uma experiência muito diferente pra mim. Morei num hostel. Daquele quarto de 12 pessoas me mudei para um quarto de seis pessoas. Porque eu pedi. Falei no escritório: “Olha, é muita gente. Eu vou ficar muito tempo aqui. Não posso ficar com tanta gente num quarto só”. Eu dividi o quarto com outros estagiários brasileiros que ficaram um mês. Eu lembro do Agler que foi o meu primeiro colega de quarto, que é voluntário do comitê em Goiânia, que agora tá na Bélgica. Foi meu primeiro amigo. O primeiro amigo que eu fiz. Porque ele também era turista. Então, a gente aproveitou pra conhecer o Rio. Saía muito com ele. Ele é muito engraçado. As pessoas lembram dele como uma pessoa engraçada. Eu me diverti muito com ele. Ele me ensinou muito português. Peguei até o sotaque dele. Depois quando ele foi embora eu percebi: “Olha, as pessoas aqui no Rio não falam assim!”. Aí, eu mudei meu sotaque. Bom, fiz muita amizade dentro do escritório, fora do escritório. E seis meses depois tive que voltar e falei: “Não quero mais Literatura. Não dá mais. Minha preocupação é outra agora”. Eu vi que o AFS está abrindo outras portas pra mim, interessantes. Não necessariamente pra fazer carreira, trabalhar, nem nada. Ele simplesmente está me mostrando que tem outro caminho. E eu decidi seguir esse caminho. Então, eu não voltei pra faculdade. Trabalhei durante dois anos. Eu fiz estágio no escritório do AFS Bolívia, trabalhei numa empresa de cinema com meu tio. Depois, trabalhei numa empresa de software e produção de filmes. Numa época de crise, não tinha ninguém e me colocaram como gerente regional e eu era um gerente de 21 anos. E as pessoas ficavam olhando pra mim... Até eu ficava pensando: “Não sei o que eu estou fazendo aqui”. Mas aquele negócio da liderança começou surgindo em mim. Meio que por obrigação de ter que lidar com grupos grandes, ter que assumir responsabilidades porque não tinha mais ninguém. Durante essa época que eu trabalhava eu falei: “Vou procurar uma forma de voltar pro Brasil”. Achei um programa na embaixada: o PEC–G, Programa Estudante Convênio de Graduação. Eu fiz aula de português só pra saber se tava falando direitinho. Porque eu só aprendi ouvindo na rua. E pra me preparar pra uma prova. Fiz uma prova de português, mandei minhas notas e os documentos que eles pediram. Eles pediram pra selecionar dois cursos e dois estados pra morar. Eu perguntei: “Posso selecionar o Rio duas vezes? Eu não quero outro estado”. Falaram: “Pode, tá”. Coloquei o Rio duas vezes. Coloquei Relações Internacionais e Ciência Política. Pouco depois fui selecionado pra UFF [Universidade Federal Fluminense]. Eu não sabia onde ficava Niterói, não tinha ideia. Mas... ótimo! Eu estou voltando pro Brasil, tudo bem. Eu vou, não importa onde. Eu voltei do Brasil em 2011 pra Bolívia, em 2013 já tava aqui.
P/1 – E, Andrés, nessa sua primeira vinda o que mais te encantou, tanto no AFS Brasil quanto no Rio de Janeiro?
R – Botafogo. O bairro é maravilhoso. Até agora é meu lugar preferido da cidade. É um lugar muito legal! Eu achava ele tranquilo. Eu adorava a ideia de sair do trabalho e ficar num bar com o pessoal do escritório bebendo cerveja. Pra mim o clima era diferente. Na minha cidade não tem essa de ficar fora conversando, bebendo num bar porque é frio. E aqui era maravilhosa a ideia de ficar de bermuda num bar, na calçada, conversando. Eu sentia o ambiente muito descontraído, muito alegre. As pessoas gritavam, falavam muito alto, riam... E eu sentia aquele ambiente de felicidade muito intenso. Não que em La PAZ as pessoas não sejam alegres. Mas é uma cultura de uma mente mais tímida, mais fechada. Aqui não. Aqui você bota todo sentimento pra fora. Eu percebi que além disso, dessa cultura diferente, a língua me ajudava muito. O português mudou minha personalidade. Eu sou uma pessoa quando falo espanhol e sou outra quando falo português. Até porque eu sinto que consigo me expressar melhor em português. Embora seja outra língua, falar de sentimentos, falar o que eu sinto por outra pessoa é mais fácil pra mim. Não sei se é porque é outra língua, eu não sinto as palavras tão claras, com tanto significado por ser outra língua. Mas, eu tenho facilidade pra falar quem eu amo, o que eu não gosto, o que eu odeio, o que me faz feliz. Eu falo tudo, tudo o que eu posso. Isso me mudou muito. Eu senti que aqui eu podia ser uma pessoa mais extrovertida, ainda. Eu conseguia falar em público, eu conseguia falar alto. Ninguém olhava pra mim na rua se eu gritasse, porque aqui todo mundo grita. Eu gostei muito dessa ideia de... sei lá, conhecer o outro Andrés, do Brasil.
P/1 – E agora, esse seu retorno já nessa nova fase do Rio de Janeiro... Fala pra gente como é que foi se instalar em Niterói, começar o curso de Relações Internacionais...
R – Quando eu cheguei eu peguei aquele cartãozinho, aquele tag amarelo do AFS que você coloca na mala, quando você vai fazer intercâmbio. Eu pedi um emprestado no AFS Bolívia, tava escrito endereço. E eu não tinha endereço aqui no Brasil e eu não sei onde eu vou. Procurei amigos que eu tinha aqui pra ver onde eu podia ficar até eu achar um lugar e a Andréa do escritório se ofereceu. Andréa La Plana. E não sei se ela sabe disso, mas eu coloquei o endereço dela na minha mala, e eu tenho guardado isso, até agora. A minha primeira família, família temporária, vamos falar assim, de mini-intercâmbio, foi a Andréa, no Jardim Botânico. Eu cheguei e ela até foi me buscar no aeroporto. Eu conheci ela bem, ela era minha amiga e isso também me deixa muito feliz, porque mesmo não tendo uma relação tão próxima, tão íntima, ela falou: “Não! Eu vou te buscar no aeroporto”. Era no Galeão e mais uma amiga foi me buscar. Quando eu fui embora da Bolívia foi muito difícil. O intercâmbio era uma coisa, mas dessa vez eu sabia que eu não ia voltar mais. Foi muito difícil me despedir da minha família. Chorei, claro. Eu não chorava antes, então aquele dia foi o dia que eu comecei a chorar. Até agora meu pai fala: “Ai, não tô acostumado com você chorando toda vez que você vai embora. Achei que você era mais forte”. Mas isso foi por causa, também, daquilo que o Brasil trouxe pra mim, de botar o sentimento pra fora. Quando eu cheguei fiquei melhor, porque logo de cara, saindo do desembarque, já tinha duas pessoas me esperando. Eu falei: “Não vou começar de zero. Já tem um círculo de pessoas de amizade, de família aqui”. Fui pra casa dela conversando no caminho, reconhecendo o Rio de novo, o que que tinha mudado. Fiquei na casa dela cinco dias. No outro dia, no segundo dia que eu já tava aqui, eu cheguei à noite. Logo de manhã, a primeira coisa que eu fiz foi ir pro escritório, obviamente, porque minha única referência no Rio era o AFS. Literalmente, minha casa. Aí, me falaram: “Olha, mudou de endereço”. Pra mim isso foi já: “Ah, por quê... Minha casa era o Humaitá”. Vim pro Centro. Tinha mudado tudo, só tinha uns quatro funcionários. Pra mim já foi diferente, porque era estranho chegar no escritório, de novo, e ninguém falar: “Oi, Andrés, tudo bem”?. Porque ninguém me conhecia. “Oi, tudo bem”? Aí, me apresentaram: “Olha, o Andrés fez estágio aqui, três meses atrás”. “Ah, legal”. Tá, isso me deixou estranho, mas assim que eu cheguei e falei: “Cadê o comitê? Quero saber. Quero entrar, quero participar”. Bom, depois desses cinco dias, achei um lugar, um couchsurfing em Niterói. Tinha um cara que me aceitou lá, durante outros cinco dias. Fiquei na casa dele. Outra coisa legal, de primeira impressão. Ele não tava na casa dele. Quando eu cheguei ele não me conhecia, nunca tinha me visto na vida e falou: “Olha, vou deixar a chave lá embaixo e você entra. Toma banho, joga videogame, come”. Pra mim isso foi... Assim, realmente, eu estou em casa. E fiquei cinco dias na casa dele, fiz outra pequena família. Enquanto isso, procurei um lugar pra morar. Era a primeira vez que eu realmente ia morar sozinho, por conta própria. Eu tinha que procurar um lugar pra morar. Eu tinha que negociar com o dono. Eu tinha que fazer tudo. Abrir uma conta, tirar documento. Pra estrangeiro é muito mais difícil isso... Ah, tem um monte de restrição. E quando eu fui fazer o registro, quando eu criei meu CPF [Cadastro de Pessoas Físicas], pediram o endereço e eu ainda não tinha. Então, de novo, foi o AFS. O endereço ainda na Polícia Federal, deve estar lá escrito. Rua Teófilo Otoni, 82, 14º andar, que naquela época ficava no 14º. Meu endereço, minha casa, literalmente, no papel, é o AFS.
P/1 – Andrés, como é que foi essa motivação de se envolver no comitê? Você já contou um pouquinho que você veio atrás. Conta pra gente como foi se dando o seu envolvimento, como que as suas funções e as suas atividades foram crescendo?
R – Minha referência aqui era mais a Secretaria Executiva. Conhecia os voluntários do Brasil, mas não conhecia nada aqui no Rio. Eu vinha de uma realidade diferente no AFS da Bolívia, que é muito menor, que tem apenas cinco comitês, de um comitê ótimo, muito grande, que recebia 30 pessoas, mandava outras 30. A gente tinha muito trabalho. Fiz muitos amigos lá. E aqui cheguei e me falaram: “Olha, o presidente tá aqui agora”. Eu entrei, tava o Fernando Ferreira, naquela época era o presidente e ele tinha chegado no comitê meio que pra salvar ele, porque os voluntários tinham ido embora. Desde que eu tinha saído do escritório não era o mesmo. Tinha ele e mais duas pessoas. Então, eu falei: “Fernando, vou morar aqui, eu quero ajudar, eu gosto de envio, me bota. Eu quero ser coordenador de envio, me bota agora que eu sei fazer muito bem isso porque até trabalhei na área de envio aqui”. Ele ficou muito feliz, porque ele tava sozinho, praticamente. Eu cheguei pra ajudar. Ele me botou lá, confiou em mim, me entregou tudo. E a gente começou a crescer. Foi muito engraçado porque na minha primeira reunião de comitê que foi aqui, nesta mesa, talvez, no 14º andar, eu não tava acostumado com reunião pequena. Éramos três, quatro pessoas. Chegou um cara, tipo: “Esse aqui é o Ricardo, ele acabou de entrar no comitê”. Aí, eu: “Oi, Ricardo! E aí, você fez intercâmbio onde?” “Na Suíça.” “Ah, eu também, que legal!” “Quando?” “Eu fiz em 2007, 2008.” Ele: “Ah, eu em 2008”. “Ah, talvez a gente se encontrou lá”. “Você tava onde”? “Eu tava no comitê de Zurique”. Eu falei: “Eu também”. Eu comecei a pensar se eu reconhecia a cara dele, eu comecei a pensar nos brasileiros que eu conhecia e os nós dois ficamos assim: “Caraca! Eu te conheço, a gente fez intercâmbio juntos, na Suíça”. A gente se encontrou seis anos depois aqui, numa mesa, numa reunião, como voluntários. Engraçado, porque, atualmente, eu sou o presidente e ele é o vice-presidente. Isso foi muito legal. Apareceu mais uma menina que tinha feito intercâmbio, que era da Bolívia: a Carol. Ela nasceu aqui no Rio, mas morou a vida toda na Bolívia, agora voltou. Chegou mais gente. O Fernando fez aquele trabalho ótimo de reviver o comitê. Ele trouxe mais gente, até fez testes pra ver se funcionava ou não, trazer uma pessoa que nunca tinha ouvido falar no AFS, aparecia uma reunião e nunca mais voltava. Não dava muito certo. E comecei a ajudar ele muito. E... Chegou uma pessoa na universidade que quando era caloura ela postou no facebook: “Oi, meu nome é tal, fiz intercâmbio na Alemanha”. E pelo jeito que ela escreveu o texto eu senti: “Isso aqui é o AFS, com certeza”. E falei: “E aí, você fez intercâmbio pelo AFS?” “Fiz”. “Pronto. Vem pra cá, vamos pro comitê”. Ela é a Fabi. Ela é agora coordenadora de envio. E ela virou minha amiga muito rápido e eu gosto muito dela. E ela tinha o DNA do AFS nela. Percebi que ela ia se entregar muito. Ela entrou e até agora, atualmente ela é estagiária. E isso que é engraçado. Eu comecei como estagiário e agora ela é estagiária. Eu era coordenador de envio e entreguei a coordenação pra ela. Eu era orientador, agora ela é orientadora. A gente foi crescendo juntos. E, ano passado, no final do ano, o Fernando falou: “Andrés, estou indo embora”. Ele é de São Paulo. Então: “O comitê fica com vocês. E eu acho que você tem que ser presidente”. E eu falei: “Você tá louco! Impossível. Não estou preparado, sou muito novo. Não”. “Não sei, Andrés. Pensa aí, não sei o que”... Aí, depois o Eugênio, que é outro voluntário, e o Ricardo falaram comigo: “Andrés, você tem que pegar, você é o mais preparado…”. E o Fernando foi embora. E antes dele ir embora a gente teve uma reunião pra escolher o próximo presidente e eu falei: “Tá bom, mas só durante um pouco. Quando a gente achar outra pessoa eu saio”. Bom, e até agora eu sou presidente”. (risos) E essa eleição foi com um comitê muito pequeno. Éramos seis pessoas. Bom, hoje em dia, o Ricardo e eu, somos, ele é vice e eu sou presidente. E temos um comitê com vinte pessoas. De um comitê que tinha três ou quatro, pra vinte é muita coisa. Eu nunca tive uma época tão feliz na minha vida dentro do AFS porque eu vi as mudanças acontecerem e eu não só consegui junto com eles montar um comitê. A gente conseguiu criar um grupo de amigos muito próximos e hoje em dia o comitê Rio é... Assim, a gente tem muito orgulho do comitê. Ele é um grupo de amigos que trabalham juntos, que se ajuda, que realmente se entrega muito. Eu não tenho como explicar o que eu sinto pelo comitê Rio. Realmente, agora já virou a minha casa.
P/1 – Conta pra gente agora, Andrés, depois que você assumiu a presidência do comitê, o que você considera como marcos ou como algumas coisas que você conseguiu fazer, conseguiu realizar nesse tempinho?
R – Quando eu cheguei, a primeira coisa que eu vi que tava faltando no comitê, talvez no Brasil todo, era um processo de seleção. Eu vinha daquela realidade das oficinas de preparação: reunião todo final de semana, e aqui eu vi que chegava uma pessoa e falava: “Olha, eu quero ir pro Estados Unidos”. “Pronto. Preenche isso aqui”. E a pessoa ia assim, né. “Ah... que fácil! Não tem preparação nenhuma, eu escolho o país que eu vou. Eu posso cobrar tudo do AFS porque eu estou pagando. Eu volto e nem ligo porque eu não tenho vínculo nenhum com o AFS”. E isso gerava uma série de coisas que prejudicavam o comitê. Era por isso que a gente tinha pouca gente: porque não tinha aquele vínculo. Mas é claro que não tinha estrutura pra isso. O Fernando fez tudo o que ele pode pra reestruturar o comitê mas não tinha estrutura suficiente e voluntários pra cuidar de uma seleção, acampamento e tal. Então, eu falei: “Gente, agora, esse ano a gente vai montar uma seleção. A gente vai voltar pra origem do AFS que é acampamento e reunião, energizers, atividades, gincanas e tal”. A gente montou um grupo de trabalho: Amanda, que é uma voluntária ótima, o Fernando que tem dez anos de voluntário, que era do comitê BH [Belo Horizonte] e agora mora aqui, o Ricardo e eu. A gente se reuniu na praia um dia e montou: “Por que que a gente tem que fazer seleção”? “Porque a gente é uma organização que educa as pessoas, que forma as pessoas. A gente não pode virar uma agência. Vamos voltar para a origem do AFS que é aquela coisa, aquela energia de contato com as pessoas, se divertir”. A gente falou: “Vamos fazer primeiro uma reunião com pais, explicar tudo. No outro dia a gente faz uma gincana. A realidade é que no Rio é diferente. Não dá pra fazer uma oficina ou um workshop todo final de semana. Ia ocupar muito tempo das pessoas... Mas gincana e depois um acampamento. A gente conseguiu isso. A gente começou a fazer uns acampamentos, umas reuniões. A gente começou a perceber que as pessoas estavam mais interessadas. Mais gente chegava. “Olha, quero ser voluntário”. “Olha, quero viajar”. A gente criou uma dinâmica de comitê muito mais atrativa, mais divertida. E a gente fez já, a gente vai fazer nosso terceiro acampamento do ano nesse final de semana agora. Amanhã. E isso mudou as coisas, de ter dez interessados que viajavam antes de ano passado, do ano retrasado. A gente já teve mais de 50 inscritos. Não todos viajam, claro. Mas a gente tá mandando, acho que a gente vai mandar entre quinze e vinte pessoas. Mas não é só isso.
A ideia não é só mandar gente. A ideia é criar aquele ambiente. A pessoa que teve aquele contato com o comitê voltou e falou: “Olha, eu quero entrar. Eu quero ser voluntário. Eu quero participar também das atividades”. Os voluntários que estão aqui falam: “Olha, eu quero ajudar, eu quero ir pro acampamento. Eu quero pegar uma função. Eu quero cuidar do facebook. Eu que fazer um evento. Eu quero fazer uma festa. Eu quero fazer reunião com famílias”. Eu fiquei impressionado, porque, de repente, começou a andar sozinho. A gente começou a montar um grupo grande. Eu falei: “Olha, um grupo grande não é suficiente. A gente tem que virar amigo porque a gente trabalha junto e como isso aqui não é política, não é uma empresa, a gente não ganha dinheiro, a gente faz isso porque gosta e tem uma coisa em comum. Não necessariamente ter feito intercâmbio e sim a ideia de transmitir uma mensagem, paz, justiça, conhecer outra realidade. A gente juntou um grupo de pessoas do AFS, que não fizeram intercâmbio do AFS, não importa. A gente trouxe todo mundo e faz pouco tempo, a gente fez uma reunião, um treinamento pra comitê. E... teve um efeito tão forte no comitê que, de repente, o motor foi ligado. Acendeu o motor e, de repente todo mundo começou a trabalhar. E, de repente, eu como presidente não tinha muito pra fazer. Fiquei assim... Todo mundo com o próprio caminho, já sabe o que fazer. Todo mundo saindo junto final de semana. Sei lá, fazendo coisas juntos. A gente fez já três acampamentos todo mundo junto. Agora eu realmente consegui o que eu queria inicialmente, que era mostrar às pessoas que o AFS não era um trabalho. Foi minha casa e está sendo a família, a casa de outras pessoas também. O lugar onde eu me sinto confortável. Tem aquele negócio da terceira cultura. Eu não me sinto totalmente boliviano, não me sinto como uma pessoa com uma cultura predominantemente boliviana. Eu não me sinto brasileiro, obviamente. Mas criei uma terceira cultura aqui. É o lugar onde eu me sinto em casa porque eu não sou definido pela minha nacionalidade, eu não sou definido pela língua que eu falo. Eu sou definido como uma pessoa. Um ser humano com muitas qualidades, com muitos defeitos, que está aqui pra construir uma coisa junto. Aqui eu realmente sinto que é o lugar onde eu devo estar. Quando eu saio daqui eu me sinto estrangeiro. Não no sentido literal. Mesmo em casa, na Bolívia, eu me sinto um estrangeiro. Eu sou boliviano, compartilho os valores, eu tenho esses valores impregnados em mim, mas eu não sou mais essa pessoa.
P/1 – Bom, Andrés, a gente tem só mais uns minutinhos finais antes encerrar, mas eu queria só te fazer umas perguntinhas finais pra gente encerrar a entrevista. Eu queria que você falasse um pouquinho quais são seus sonhos, suas aspirações pro futuro como internacionalista. A sua projeção para o futuro…
R – Ah... Eu tenho uma ideia meio diferente na cabeça. Muita gente pensa que você sai da faculdade tem que procurar emprego, mercado de trabalho... Eu tenho uma ideia muito diferente. Eu não estou pensando em trabalho. Eu não estou pensando em pegar um emprego, ser funcionário, ter um chefe, nem nada. No início eu pensava em uma vida assim bonita, morando numa cidade, sei lá, europeia... Ser escritor,
ter meus cachorros em uma casa grande, minha família. Mas agora eu penso que isso é um sonho muito pequeno. E eu quero continuar escrevendo. Parei faz uns três anos de escrever, não sei por quê. Relações Internacionais é simplesmente uma área que aporta muito ao meu background. Mas eu não quero ser diplomata, não tenho um apego pela questão política, nem nada. É só uma coisa que me ajuda a entender melhor o mundo. E o AFS, faz pouco tempo, realmente virou uma coisa que não vai sair mais da minha vida. Eu participei, ano passado, do centenário do AFS. Eu participei de um simpósio na Unesco, em Paris. Eu fui com um grupo de pessoas. A gente trabalhou num documento, numas recomendações que a gente entregou pra Unesco, que até serviu pra desenhar os próximos objetivos do milênio, os Global Goals, que agora saíram. E quando eu cheguei lá eu falei: “É, realmente é aqui que eu quero estar. Eu quero participar das questões estratégicas, das questões globais. Eu quero me sentir nesse ambiente onde eu sou um ser humano. Um ser humano cidadão do mundo. E comecei me envolver mais. Uma coisa que me marcou na minha história dentro do AFS foi o momento em que eu tive que passar na frente, pra falar no palco da Unesco. Tinha... não sei, umas mil pessoas. Tinha gente que eu não conhecia. Supostamente tinha gente importante. E passou tudo na minha cabeça. Agora que eu falei da minha história de criança, tímido. Pensei: “Como eu mudei tanto. Agora, tenho que falar na frente de tanta gente. É um outro idioma. Tenho que me dar bem”. E antes de subir eu tava tremendo. Minha barriga começou doer, eu não queria entrar. Eu tava com dor de cabeça. Antes de subir eu comecei tremer, me sentir tonto. E quando eu subi, falei. Achei o vídeo depois no youtube, que engraçado. E eu me senti uma pessoa diferente. Eu fiz isso e falei: “É, eu quero isso pra minha vida”. Bom, depois comecei uma carreira como treinador no AFS. Agora estou me certificando como treinador internacional qualificado do AFS internacional e eu estou indo mais pro lado da educação, de preparar as pessoas, de treinar, não só dentro do AFS, mas de facilitar conteúdos, workshops. Transmitir coisas sobre cidadania global. Sobre aprendizagem intercultural. Eu acho que eu estou indo mais pra questão global, de ajudar os outros. E eu não tenho ideia de onde eu vou parar. Eu não sei se eu vou continuar morando no Brasil, se vou voltar pra Bolívia, duvido. Eu realmente não sei, mas eu estou muito aberto a qualquer coisa, como eu sempre fiz. Da mesma forma que eu vim parar no Rio sem ter nenhum vínculo com o Brasil, eu estou disposto a qualquer nova experiência que venha no futuro.
P/1 – O que você acha do AFS contar a história desses 60 anos resgatando a história de vida de vocês que fazem parte hoje, das pessoas mais antigas... O que você acha dessa ideia?
R – Eu acho perfeito. O AFS é feito de pessoas. É feito de gente, de histórias ao longo desses 100 anos e desses 60 no Brasil a gente criou histórias. Podem ser histórias meio bobas que a gente conta na frente da câmera, sobre como foi meu intercâmbio… Mas quando você junta tudo o que o AFS fez é incrível. Você conectou o mundo inteiro! A próxima pessoa que fizer o depoimento aqui, provavelmente conhece uma pessoa, que conhece uma pessoa, que me conhece. A gente criou um mundo menor. Agora a gente está mais próximo. É mais fácil se conectar com outras pessoas. Acho maravilhosa essa ideia porque o voluntário, a família, o intercambista, quem trabalha no escritório tem que se sentir importante. Porque o AFS é isso. A gente não trabalha com dinheiro, com objetos, com material, com produtos. A gente trabalha com seres humanos. E é isso que a gente tem que contar.
P/1 – Pra gente encerrar, como é que foi pra você contar a sua história, voltar lá atrás um pouquinho, chegar até hoje?
R – Surgiram coisas que nem eu pensei. Quando eu vim pensei: “Não tenho nada preparado”. Mas eu acho que não era pra ter nada preparado. Eu acho que me ajudou, sei lá. Foi tão curto, mas me ajudou a entender um pouco a questão da infância que eu não lembrava mais daquela história que me marcou. Agora que eu estou percebendo. De como eu sempre fui aberto a qualquer coisa. Fui me animando, criando coragem. Eu não sou uma pessoa muito emotiva, mas me sinto assim por dentro. Lembrando coisas... O AFS faz parte da minha vida, na minha história por dentro. Tudo o que eu vou contar pra minha família quando eu ficar mais velho vai ser, em grande parte, o que eu fiz dentro do AFS. Eu me sinto feliz de fazer parte dessas pessoas que estão contando as histórias deles.
P/1 – Muito obrigada pela tua participação Andrés.
R – Obrigado.
P/2 – Obrigada.Recolher