Entrevista Ponto de Cultura Museu Aberto
Depoimento de Oswaldo Manzano
Entrevistado por Carolina Misoreli e Ana Caroline de Aguiar
São Paulo, 01/09/2007
Realização: Museu da Pessoa
PC_MA_HV056
Transcrito por Denise Yonamine
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P/1 – Queria que você começasse dizendo o seu nome completo, a data e o local de nascimento.
R – Meu nome completo é Oswaldo de Camargo Manzano, nasci em São Paulo, capital, no dia 27 de março em 1930.
P/1 – E você sabe os nomes dos seus pais e dos seus avós?
R – Sei. Meu pai é Rafael Manzano, minha mãe é Aida de Camargo Manzano. O meu avô paterno é Antônio Manzano e minha avó paterna, agora o primeiro nome eu não estou me lembrando, mas é Torralvo Manzano, eu não me lembro o primeiro nome dela. E os meus avós maternos era João Bueno de Camargo e a minha avó é Angelina Rocco de Camargo.
P/1 – E qual que é a origem deles, você sabe?
R – Meus avós paternos são espanhóis e os meus avós maternos, meu avô brasileiro, descendente inclusive de bandeirantes lá da cidade de Campinas e outras coisas mais, porque ele é Bueno de Camargo. A minha avó era italiana, nascida não sei em que cidade da Itália, mas era italiana, Angelina Rocco! Um Rocco só podia ser italiano (risos).
P/1 – E os seus pais, seus pais nasceram aqui em São Paulo já?
R – Não, mamãe sim, papai não. Papai nasceu na Espanha, ele chegou da Espanha aqui em São Paulo, ele é de 1899, chegou em 1908, chegou com uns nove anos, junto com meu avô, meu avô espanhol, ele era imigrante. Ele fugiu da Espanha, modo de dizer. Era mineiro e veio tentar a vida em São Paulo. Papai, quando chegou aqui, o Viaduto do Chá, na década de mil novecentos e tanto, era feito de madeira e eles vieram morar ali perto de onde é a Santa Casa, que já existia a Santa Casa e eles iam no Mercado Central lá buscar mercadoria que meu avô vendia. Então a gente precisava tomar cuidado pra não cair daquelas madeiras, porque a madeira abria e podia cair, porque embaixo era o rio Anhangabaú, que hoje é o Vale do Anhangabaú, mas ali é o rio que é canalizado e se caísse no rio, a altura era grande (risos).
P/1 – E você sabe a origem do seu nome? Por que que escolheram o seu nome?
R – Bom, mamãe dizia que, como no inicio do século, por causa da famosa febre amarela, que foi inventado pelo Oswaldo Cruz. Pode olhar, pelo que eu mesmo já reparei, pessoas na faixa dos seus oitenta anos, por aí, tem um monte de Oswaldo. Tanto é que eu brinco, quando eu brinco, quando eu dou o meu nome, por causa dos computadores e porque um tempo atrás foi feita uma inscrição de um telefone em meu nome e fizeram com ‘V’ e depois eu não achava a inscrição, quando o telefone valia dez milhões. Hoje eles te dão, te atiram nas costas... Mas isso há 20 anos atrás, o telefone que valia, o valor de hoje dez milhões, mas é verdade, até 1994 valia uma faixa de dez mil, naquela época, em 1994, e eu não achava o telefone e eu fui ver que escreveram com ‘V’ e o computador, quando escreve Oswaldo com ‘V’, ele não acha. Então eu costumo dizer que o meu nome é Oswaldo com ‘w’ (risos), de Camargo digo também, Manzano porque o Manzano com ‘Z’ é descendência espanhol, se for com ‘S’ é descendência italiana.
P/1 – E eu queria saber, você lembra da sua casa quando você era criança?
R – Muito, muito criança não, mas quando eu tinha já meus sete, oito anos eu me lembro.
P/1 – Como ela era?
R – Eu morava ali na Rua Afonso Sardinha, quase esquina com a Rua Domingo Rodrigues. Era uma casinha baixa, que aliás existe até hoje, que é um correio de casinhas, são cinco, seis casas iguais em frente. E até mamãe da esquina tinha um armazém de secos e molhados e a pessoa estava fechando o armazém, em 1938, e o papai foi, arrumou naquela época 500 reais emprestado, e comprou o fundo do comércio, do armazém. Depois pra nós, eu e meu irmão, que era mais velho, sobrava um pouco pra nós, porque com sete, oito anos ele tinha que carregar carvão nas costas, levantar seis horas pra levar leite e pão nos clientes, tinha que ajudar em alguma coisa. E depois, às sete e pouco, entrar no Grupo Escolar, que eu estudava no Pereira Barreto que era naquela ocasião na rua Antônio Raposo, hoje ele é na rua Clélia e lá na Antônio Raposo é o Anhanguera, mas no meu tempo, aliás até a década de 1960, 1970 lá ainda continuou sendo Antônio Raposo de lá pra cá ele mudou pra rua Clélia. E fiz os meus estudos lá no Grupo Escolar, depois posteriormente, quando eu me formei no Grupo Escolar, naquele tempo a gente fazia o técnico que era o guarda-livros e Contabilidade.
P/1 – Mas me conta um pouquinho mais da época ainda do Grupo Escolar, como que era o seu dia a dia, você acordava e aí?
R – Ia pro Grupo Escolar. Eu muitas vezes fazia uma farra (risos), outras vezes...
P/1 – Você lembra tinha uniforme como que era?
R – É, tinha uniforme que era calça azul e blusa branca. E naquele tempo eles não davam, não. Naquele tempo quem tinha que fazer e comprar e por na criança. Única coisa que na época eles não exigiam tanto calçado, porque o calçado era caro. Na década de 1930 e tanto, quer dizer, eu entrei no Grupo Escolar em 1937, com sete anos, fui até quarenta e tanto quando fui fazer o curso técnico, primeiro de guarda-livros que era a profissão que dava oportunidade e, posteriormente, então Contabilidade, depois eu me formei em 1950. E naquelas farras todas que fazia levando puxão de orelha (risos).
P/1 – Conta uma que você fez pra gente?
R – Eu conto uma que eu machuquei a orelha aqui, tem a marca até hoje. Eu estou lá na escola, eu fiz uma bagunça e a professora chamou o bedel, que chamava seu Afonso, um daqueles negros que a gente chama que nem o trivelato, guarda-louça (risos) e eu não queria sair da sala e ele me pegou pela orelha. No que ele pegou na orelha ele abriu a orelha, e começou a sangrar, então o que eu fazia, ao invés de pegar e por o lenço na orelha, eu punha o lenço abaixo da orelha que era pro sangue pingar (risos). Cheguei em casa com a orelha machucada, mamãe me perguntou, eu disse. Ela foi lá tirar satisfação que mamãe era meio fogo. Eu até me lembro uma ocasião, ali onde nós morávamos, em frente era tudo mato, chamava-se Serafim Corso, não tinha casa, não tinha nada e era só terreno. E começaram a construir e fizeram uns sobrados, então a gente ia brincar nos andaimes de mocinho e bandido e o que a gente fazia? A gente puxava um pouquinho a tábua do andaime e sabia que ele vinha puxar, vinha correndo e pulava, agora o cara que vinha atrás não pulava, ele às vezes caía com a madeira e tudo nas costas... Coisa de criança mesmo, dez anos. N uma ocasião, nesses sobrados, eles pegaram e amaciaram todos os vidros. Eu e meu irmão fomos lá, tiramos toda a massa, ficamos com um monte de massa de vidro e tinha um italiano que tinha construído, que até eu me arrependo muito, é lógico, criança não tinha arrependimento. Ele veio brigar com a minha mãe no armazém e minha mãe falou: “Não, eles fizeram?”. Eu estava até com a prova na mão (risos). “Eles fizeram, então o senhor repõe, que eu pago”. Ele pegou e não se satisfez e começou a ofender a mamãe. Mamãe tinha o sangue meio quentinho, tinha uma cesta de ovos que ela vendia, que expunha os ovos. Ela passou a mão num ovo e atirou no rosto do homem e o homem puxou um revólver, puxou revólver, isso me lembro hoje, naquela ocasião achei a mamãe valente que nem sei. Mas por cúmulo da sorte o senhor, que devia ser uns dez anos mais velho que a mamãe na oportunidade, ele teve uma certa consciência, senão ele podia ter... Se fosse hoje eu não sei, não, que hoje os caras não pensam muito, hoje eles fazem. E aí a vida vai indo, vai rodando.
P/1 – E você lembra de alguma professora que tenha te marcado na escola?
R – Ah, sim professora Leontina, professora de Geografia que até hoje eu não esqueço e até hoje, já que você perguntou, eu costumo comentar muito e eu pergunto pra pessoa: “Você sabe qual era a população de São Paulo em 1938?”. Então a pessoa diz: “Não”. Eu me lembro que era 850 mil habitantes por causa dessa professora que dava aula de Geografia, que até o marido dela era o diretor, uma professora muito boa, muito boa. Tinha a professora Estherzinha também que é do ultimo ano e depois eu pergunto pra pessoa você sabe qual era a população de São Paulo em 1945. A pessoa geralmente não sabe. Mas eu sei que era na base de 1,5 milhão. Então eu comento que no dia que terminou a guerra, em 8 de maio de 1945, eu era boy e trabalhava na cidade. Então, com aquele regojizo de terminar a guerra, porque talvez se a guerra continuasse mais um pouco, já tinham ido tropas brasileiras pra Itália, que foram em 1942, inclusive um amigo meu, o irmão de um amigo meu faleceu lá, foi morto na Itália na Força Expedicionária Brasileira. E em regojizo, aqui, a gente “chocava” bonde, porque naquele tempo era bonde aberto. Que nem a gente contava uma história que o Carvalho Pinto que era o governador que ele foi pegar o bonde aberto e levou um tombo desgraçado, sabe por quê? Porque ele era um mão de vaca, disse que não abria mão. E ele foi pegar o bonde e não abriu a mão pra pegar o balaústre e caiu no chão. Mas na verdade, se a guerra continuasse mais um pouco, talvez eu fosse, porque tanto é que em 1949 eu fui ser militar, aliás, fui convocado, fui servir o Exército. Servi o Exército até aqui em Duque de Caxias, que aliás, depois que eu fui licenciado tudo, quem morou lá foi o Geisel. O Geisel como comandante do batalhão que eu tinha servido, eu fui licenciado em 1950, e ele parece que em 1951, 1952... Aliás, diversos comandantes que depois tiveram que servir lá... O Cavalcante que foi meu comandante, que eu recordo. Mas também eu só fiz o serviço militar, procurei pegar uma divisa, que era pra ganhar mais, porque eu ganhava um ‘x’, naquela época, mil reais na estrada de ferro Santos–Jundiaí, quando eu entrei lá era SPR, e fui ser soldado e ganhar 75 reais e estudando (risos). Não dava nem pra pagar a escola. Mamãe e papai que tinham que pagar alguma coisa. Então, eu fazendo o curso, eu passei de soldado pra cabo e passei a ganhar 800 reais por mês. Pelo menos já estava um pouco melhor. O curso eu fiz rápido, eu fiz em 40 dias...
P/1 – O curso técnico você diz?
R – Não, o curso de cabo, o curso eu continuei fazendo, ia na escola, às vezes ia fardado porque tinha que voltar pro quartel, mas poucas vezes.
P/1 – E naquela época como que era? Você ia fardado na escola e qual que era a reação do pessoal, era normal assim?
R – Nenhum, só um professor de inglês, bonzinho que nem sei, mas repetido, 70 e tantos anos atrás era uma coisa... E o professor ainda chegava e eu sentava lá no fundo da sala e ele chegava e me punha na frente, não sei por que ele cismou comigo, ele deve saber. Então um dia eu estava fardado e ele me pôs pra frente e eu falei: “Não vou! Meu lugar é aqui, com todos os professores eu fico aqui!”. “Não, porque...” Ele começou com coisa, então eu falei: “Eu tiro tudo aqui, vamos lá pra fora”, imagina você, eu tinha 19 pra 20 anos o professor devia ter no mínimo seus 60 e tantos anos. Mas é coisa de criança. Que aliás não sei se hoje eles não fazem pior. Eu estava vendo ontem o absurdo de que tem que proibir o uso do celular dentro da sala de aula, não tem que fazer uma lei pra proibir, tem que se proibir e acabou, no cinema é proibido, que você está se distraindo, ou no teatro, você está se distraindo, é proibido o uso do celular. Imagina na escola, que a professora está dando uma aula e você está com o celular, que nem mostra os caras com celular. Tem um lá que ficou 15 minutos falando, o repórter vendo, marcou o rapaz ficou 15 minutos abaixadinho, aquele não está prestando atenção na aula coisa nenhuma, usam os fones de ouvido, isso é um absurdo, isso é uma lei, não precisa de lei coisa nenhuma, o cara não pode entrar. Tem um monte de lugar aí que você não pode entrar mesmo com o celular. Eu fui entrar no banco outro dia com a pasta e devia ter alguma coisa de metal, no Banco do Brasil, tive que deixar, ainda bem que estava em cima, mas aqui tem um lugar pro senhor guardar. “Pois não”. Fui lá, pus e guardei a pasta. Saí com a chave e fui fazer o serviço que tinha que fazer ali no Banco do Brasil da Lapa, que é mais ou menos justo, porque nem tudo consegue se pegar dentro de uma pasta.
P/1 – Deixa só eu ir voltando pra história, seu Oswaldo, você comentou comigo que conheceu a sua, depois, esposa, aos 13 anos...
R – Foi, realmente.
P/1 – Queria saber o que o senhor lembra do dia que a conheceu.
R – Não, é que o meu sogro era zelador de um clube que, justamente, esse clube nacional que é num salão de baile que tinha ali na Rua João Pereira quase esquina com a rua Dronsfield. E eu, pra ir trabalhar, justamente no fim da Rua Dronsfield tem a entrada. Quem entrava no pátio, que hoje as oficinas estão desativadas... E eu, passando por lá, quando ela ia na casa da avó dela... E eu brincando com os colegas e a conheci. E depois eu frequentava o baile que também tinha lá, no baile eles ensinavam a dançar, inclusive em 1946 fundaram o tal do Baile da Saudade da Lapa, que a União Fraterna é uma dissidência da Lapa.
P/1 – Mas você lembra do dia em que você a conheceu?
R – Não, o dia não, eu me lembro que depois de umas rodadas, nós fomos passear. Tem ali a Rua Jorge Schmidt, que é uma ladeira, que vai sair nos trilhos da estrada de ferro, e ali é meio desertinho, hoje nem tanto (risos). Naquele tempo a gente ficava subindo e descendo ali conversando, comentando algumas coisas e foi quando um dia eu estava parado na esquina apareceu o velho. Ela falou: “Meu pai vem vindo”. Eu falei: “Você quer que eu espere?”. “Não, vai embora que eu converso com ele”. Eu peguei, quando ela falou: “Vai embora”, como eu desci rápido aquela Rrua Jorge Shimidt, entrei na rua John Harrison, como vim sair rápido na Rua Doze (risos).
P/1 – O senhor saiu correndo?
R – Correndo não, mas com o passo meio apertado e se o velho me alcança? (risos) Depois foi só aquele sustinho...
P/1 – E o que ele disse depois?
R – Não, depois um dia nos encontramos: “Se quiser namorar, é no portão”. Eu pensei bem e falei: “Bom, então vamos pro portão”. Só que era o portão inclusive que ele era zelador, do tal do salão de baile, que chamava União Lapa e justamente o portão era o portão da casa dele, como zelador, que ele trabalhava na estrada e morava ali como zelador. À noite ele tinha um barzinho lá dentro do salão. Ah, tem uma passagem bacana. Um dia eu estava no baile e os bailes, naquela época, as meninas ficavam de um lado, as mulheres, e os homens ficavam do outro, só quando era marido e mulher é que ficavam mais ou menos junto, mas mesmo assim até os maridos vinham. E quando começavam as músicas, a gente fazia o sinal e ia dançar. A menina vinha dançar e eu estou lá, conversando com um amigo, e veio uma portuguesa, eu chamava de vó Maria, e a portuguesa vem. Quando ela veio, eu fiz uma mesura a ela, porque ela era mãe, inclusive, e ela ia no bar, ia no sanitário que era daquele lado, fiz uma mesura, ela vira pra mim e me chamou de estúpido. Fiquei meio assim, não falei nada, também a gente tinha educação. De repente, quando eu olho, que ela voltou, tudo mais, ela vai e senta e a minha namorada senta no colo dela. Eu falei: “Puxa vida”. Tirei pra dançar e falei: “Quem é aquela senhora?”. Ela falou: “Ah, é minha avó”. “Ué, puxa vida, gozado, eu fiz mesura pra ela passar, e ela me chamou de estúpido”. Ela não falou nada pra minha esposa. Na outra quarta, ela falou: “Não, não chamou você de estúpido, ela chamou de ‘és tu’, porque eu tinha apontado você pra ela e quando ela passou perto de você, ela te chamou de ‘és tu’ e não de estúpido (risos).” E eu entendi português e tudo mais e o barulho do pessoal conversando, eu entendi outra coisa. Você sabe que casamos e ela faleceu acho que depois de nós estarmos casados, há uns dez anos, ela nunca me chamou pelo nome? Ela me chamava por “és tu”, mesmo quando eu perguntava pra ela: “E o ‘és tu’ como é que está?” (risos) Portuguesa. (risos) Isso eu não esqueço.
P/1 – E essa época você tinha quantos anos mais ou menos?
R – Bom, nós nos conhecemos em 1946, eu tinha 16 anos, ela tinha 13, que eu me lembre o ano, o ano, o dia, o mês eu não me lembro, mas o ano eu me lembro, que nós nos conhecemos em 1946.
P/1 – E vocês iam no baile com a família toda, então?
R – Ah, sim, pra ir no baile tinha...
P/1 – Como que era?
R – Normalmente...
P/1 – Que horário que começava, como que vocês se vestiam?
R – Geralmente, lá os bailes naquela época começavam às dez horas da noite, mas a gente ia em outros salões. Tinha o salão de baile muito bom ali na rua Guaicurus, onde hoje é uma igreja, era um cinema, Cine San Carlo, tinha um salão de baile muito bom também na Praça Ramos de Azevedo, que era o Rio Grandense, tinha o Homs, que existe até hoje na Avenida Paulista, aliás ainda foi feito o baile da minha formatura de Contabilidade em 1950. E o Homs está lá, bonito que nem sei, perto da Brigadeiro Luis Antônio, até parece que melhorado do que era naquela época. E tinha, também, o baile do aeroporto, que naquele tempo não tinha trombada de avião (risos). Aliás tinha fim de semana, não digo uma vez por mês, mas pelo menos cada três, quatro meses, a gente pegava uma condução, ia lá ver os aviões subir e descer, década de 1940, 1950. Mesmo quando as meninas já estavam um pouquinho, já garotinhas, a gente ia lá pra ver os aviões, sei que era como é que se dizia mesmo? Era um panorama do paulistano. E tinha uns bailes bons lá. E os bailes lá, naquela época, era tudo smoking, gravata borboleta... Mesmo nesse baile da Fraterna, quando era o Baile Preto e Branco, era smoking. Mesmo no baile comum você tinha de ir de paletó e gravata e as mulheres tinham vestido sempre abaixo do joelho, já tinha saído a minissaia, mas não podia (risos). Mas isso já é uma época um pouco mais recente, já seria na década de 1980. Década de 1980.
P/1 – E vocês iam muitas vezes, quantas vezes por semana ou por mês vocês iam nesses bailes?
R – Olha, grosso modo, pelo menos duas vezes por mês...
P/1 – E ia todo mundo?
R - Que era uma forma que a gente tinha de estar mais junto. Só que a velha estava lá (risos).
P/1 – Vocês namoravam então nesses bailes e no portão?
R – É, namorava no baile, na ruazinha...
P/1 – E como que era?
R – Eu me lembro de um baile de carnaval, eu trabalhava lá, ajudava lá no salão, e não me lembro a década, deve ter sido lá pelo ano de 1948, 1949, eu me vesti de mulher e fui no baile de mulher, que era no Carlos Gomes, na Rua 12 de Outubro, e quando foi à noite, lógico que eu fui buscá-la pra ir no baile, que ela também ia, porque o meu sogro trabalhava. Meu sogro, o irmão dele trabalhava no baile e eu também trabalhava. Quando cheguei lá, tinha uma mulher que tinha me visto vestido de mulher e contou tudo pra minha sogra. Precisa ver a bronca da minha sogra. A minha sogra não deixou nem ela sair, ela conversou comigo pela janela (risos). Uma bronca desgraçada. Eu fui embora, fui no baile, cheguei no baile, ela foi também, com a mãe, só que não podia nem chegar perto (risos). Ficamos brigados acho que no mínimo uns cinco, seis meses. Um dia, ela está indo na casa, passando na Rua 12 de Outubro, onde a gente fazia o passeio, no interior era numa praça, aqui na Lapa. Naquele tempo os garotos ficavam, os rapazes, ficavam parados na frente da rua e as meninas ficavam passeando no meio, entre a Rua Afonso Sardinha até a Rua Dronsfield, ficavam subindo e descendo aquele pedaço. Eu estou lá. Ela subiu com umas primas e tudo mais. Eu fui lá tirar satisfação de onde ela ia (risos). “Não, eu vou na casa da minha avó”, que morava na rua que hoje é a Rua Nossa Senhora da Lapa e naquele tempo chamava-se Rua Anastácia, a avó dela morava ali. Então não fiz por menos e fui junto (risos). Estava já há um pouco de tempo, então eu já fui junto (risos).
P/1 – E como que era o namoro, vocês trocavam carta, como é que funcionava? Pegava na mão, o que era?
R – Na mão era o máximo.
P/1 – Podia (risos)?
R – Só que na hora que ia embora que a gente conseguia cavar um ou dois beijinhos, mas aqueles beijinhos tipo selinho (risos). Hoje não, hoje nem é selo, hoje já é o telegrama inteiro. (risos) Mas não era só eu não, viu? Eu sei que tinha uns amigos que faziam, era só na base do selinho (risos).
P/1 – Só mudando um pouquinho de assunto, você falou de trabalho, comentou que começou a trabalhar já no armazém da sua mãe. Você já trabalhava com o quê?
R – Ah, mamãe vendia as mercadorias, a gente ia entregar, inclusive tinha um cliente que era amigo do papai e tudo mais que morava na Rua Carlos Weber, aqui na Vila Leopoldina, e eu estava lá na Lapa. Então ele fazia a compra do mês, com saco de carvão e tudo, e a gente punha tudo num carrinho e vinha entregar perto da Imperatriz Leopoldina, Carlos Weber. A gente vinha entregar, passava pela City. Naquele tempo tinha um lugar, que ia de moto. Até um tio meu, irmão da minha mãe, num desastre de moto, ele estava numa árvore, encostado com a perna por cima da bicicleta, o cara perdeu a direção, esmagou ele e o fígado dele que saiu pela boca, o meu tio, o meu falecido tio Mauricio, que era o xodó da minha mãe. Ele era um pouco mais novo do que a mamãe, era o xodó da mamãe. Mas a gente passava... Tinha uma vantagem, a gente entregava a mercadoria, depois a gente andava mais uns 500 metros e, onde hoje é a CMTC, era um “tancão”, a gente chama de tanque azul, então a gente ia nadar, inclusive um morreu lá, uns três ou quatro colegas, porque aquele tanque era lodo. Como eu não sei nadar até hoje (risos), acho que por causa disso aí, eu tive uns três colegas que mergulharam e ficaram presos no lodo lá embaixo, então acho que por causa disso eu fiquei com medo. Só que tinha uma desvantagem, chegava em casa com os cabelos molhados, eu levava uns tapas da mãe. Também acho que isso que influiu em não aprender a nadar até hoje (risos), não tenho medo da água, mas também, a água passou da cintura, não dá, pra dar uma pequena braçada pra livrar os pés, não vou, não.
P/1 – E depois desse trabalho no armazém você começou a trabalhar onde? Qual foi o seu próximo trabalho?
R – Daí, quando eu comecei trabalhar eu fui ser boy, que a mamãe vendeu o armazém, depois de uns quatro anos, então eu vim morar na Rua Albion e fui trabalhar num escritório de contabilidade lá na Rua Benjamim Constant, que o dono era também um advogado, o Doutor Mário Jorge. Trabalhei lá um tempo. Não fiquei satisfeito, fui trabalhar com um advogado no mesmo prédio Doutor Ernesto. Também não fiquei satisfeito e fui trabalhar numa empresa, na Interoceanica, que era na Rua XV de Novembro, naquele edifício central que faz a comunicação entre a Rua XV e a Rua Boa Vista. Então fui trabalhar lá. E papai depois arrumou emprego pra mim na Santos–Jundiaí, trabalhei na Santos–Jundiaí cinco anos...
P/1 – Você diz na ferrovia?
R – É, aí fui servir o exército, quando eu saí do exército...
P/1 – E como que era o trabalho na Santos–Jundiaí?
R – Sempre trabalhando no escritório, quer dizer, no início era boy, ia lá carimbar livros (risos), onde é o Cine República, que hoje é estação República do metrô, era um cinema. E ali, na década de 1950, por aí, fizeram uma repartição pública, então tinha um senhor que chamava Ubirajara e a gente ia carimbar o livro. Então a gente pegava, tinha que levar um livro, que estava cheio. Pra poder usar o novo, tinha que carimbar, encerrando aquele e abrindo um novo livro. A gente ia lá, entregava o livro, o Ubirajara quando chamava o nome, chamava o nome que estava no livro, que era do cliente, a empresa ou firma individual e tudo mais. E quando a gente dizia: “Oi, aqui!”, ele atirava o livro em cima da gente. Ele atirava o livro na cara da gente, pegava que nem goleiro, a gente vai aprendendo. Depois, quando eu vim já na Santos–Jundiaí, fui ser secretário do gerente, que era presidente do clube, e depois fui fazendo a minha vida, me formei...
P/1 – Você se formou em Contabilidade?
R – Foi em Contabilidade, montei um escritório, fiquei um bom tempo com escritório...
P/1 – Ah, o senhor montou um escritório de contabilidade?
R – Não, eu fui ser empregado no escritório, quando eu fui ser empregado, inclusive um amigão meu hoje, que é o Leonardo, que deve ter uns cinco anos mais velho que eu, deve estar com seus 82, 83, e ele me perguntou o que eu sabia fazer. Eu falei pra ele que eu não sabia fazer nada, que eu tinha o diploma, mas não sabia fazer nada. Ele me pegou como empregado, porque eu disse que não sabia fazer nada, falou que quem não sabe fazer nada é que vai aprender. Só sei que no primeiro dia ele chegou, no primeiro dia de serviço... Aliás, antes disso eu trabalhei um ano e meio com o Manoel de Nóbrega, aquele que é o pai do Carlos Alberto de Nóbrega, que ele, naquele tempo, foi deputado estadual. Tínhamos entrado na Constituição de 1946, com o término da guerra. Imagine você, ele com um eleitorado, naquele tempo, de 120 mil eleitores, que tinha São Paulo, ele recebeu 40 mil de votos e eu trabalhei um ano e tanto. Inclusive o Carlos Alberto de Nóbrega umas duas vezes eu peguei ele ali na Avenida Pompeia e levei na escola, lá nas Perdizes, que eu morava na Lapa, pegava o bonde e levava ele na escola. Depois com o Manoel da Nóbrega eu não estava aprendendo nada, foi o que eu percebi, estou formado, tenho diploma e não estou aprendendo nada. Já estava em 1951, 1952. Quando cheguei no escritório, ele falou: “Faz isso”. Eu falei: “Não sei fazer”. Ele: “Assim, assim, assim, faz isso.” “Não sei fazer.” Eu sei que ele me pediu uns três ou quatro serviços pra fazer e eu não sei fazer. Como ele repetiu um deles, era preencher guias e tudo mais, eu era bom datilógrafo, hoje em computador eu não sei nem mexer, dá inveja de ver elas mexerem, mas eu não sei, o que eu vou fazer? Diz que é a idade. Idade porque os meus bisnetos, meu bisneto com oito anos, ele estava lá com quatro, cinco anos, estava lá no, como é que é o nome que se dá aquele jogo?
P/1 – Videogame.
R – Videogame, ele sabe internet, abre tudo, mexe em tudo. Eu até eu brinco, eu costumo dizer pro cara que eu não sei nem ligar na parede. Bom, tem uma história que eu li do Carrasco. Ele tinha um sobrinho e o sobrinho dele só falava em computador, o garoto de oito, dez anos. E ele não sabia. Ele vai e compra um computador. Ele olhou no computador, não sabia se o computador era 110 ou 220 volts, ele foi olhar tudo e falou: “Puxa, como é que eu vou fazer?”. Ele ligou pro sobrinho e, brincando, com o sobrinho falou: “Ah, não se preocupe, liga. Se a tomada for 110, ele vai funcionar. Se for 220 e ele está no 110, ele vai pro 220”. Parece que é verdade isso. Pelo menos eu li numa crônica do Carrasco, Davi Carrasco. Aliás, eu reparei que eu fiz um acompanhamento de quase todo esses artistas: o Mário Prata, o Loyola, tem mais uns quatro, cinco nomes aí, todos eles. O Loyola, por exemplo, agora está com os seus 60 e poucos anos, mas eles, “pererecaram” pro negócio do computador. Aliás, se eu mentir pra você, eu já comecei o curso, não terminei nenhum (risos).
P/1 – De computador?
R – Ainda agora eu estou pensando em ir lá procurar a Paula Cristina pra ver se ela me dá umas aulas particulares. Mas é aquilo, viu? Gozado, eu comecei um curso, comecei acho que em setembro, quando chegou em dezembro a menina deu aquela semana de férias, era pra voltar em janeiro, isso já faz quatro anos e não voltei mais, não sei por que, não sei, gozado.
P/1 – E me conta porque você resolveu fazer o curso de Direito depois?
R – Ah bom, Direito sempre foi um sonho meu. Eu, quando me formei em Contabilidade, naquele próprio ano eu fiz o cursinho que eu te falei, um cursinho pra fazer Direito, porque naquele tempo só tinha duas faculdades, só tinha a PUC, que tinha praticamente nascido em 1950, 1951. Mackenzie não tinha, não, porque Mackenzie parece que é de 1955. E tinha a famosa São Francisco, que agora está fazendo 180 anos de vida, ela com a de Olinda, a Faculdade de Olinda. Não é Deolinda, hein? (risos) É porque é de 1827, quando foram feitos os cursos jurídicos, começou, um mês antes começou Olinda, depois começou São Paulo. E eu fui fazer o cursinho, fiz e não consegui entrar por meio ponto na matéria eliminatória. No ano seguinte, eu casei, começaram a vir as crianças. E o escritório de contabilidade não dava pra fazer o curso. Mas quando chegou em 1960 e tanto, que as crianças já estavam maiores e começou a ter mais faculdade, então até comecei, lá em Bragança, e depois foi feita a faculdade de Guarulhos, que eu sou de Guarulhos... Inclusive a faculdade de Guarulhos pertenceu ao Montoro por trás do Noronha, que ele era senador, Franco Montoro, e não podia aparecer. Mas foi bom, uma faculdade muito boa. Então me formei, em 1972 me formei em Direito, e exerço a profissão até hoje.
P/1 – E como é que foi voltar a faculdade assim depois de um tempo?
R – Como é?
P/1 – Como foi a faculdade, você lembra o primeiro dia, como é que...
R – Primeiro dia tem o que hoje já não estão fazendo tanto, tem como é que o nome que a gente dá mesmo...
P/2 – Trote.
R – Trote, e eu tive uma sorte desgraçada. O trote foi lá em Bragança, porque quando eu vim aqui pra Guarulhos eu já vim no segundo ano. No trote tinha um rapaz, eu chamava de Mônica, porque era forte, o Fábio, e eu chamava ele de Mônica. E ele me protegeu, não sei por que, ficamos até amigos, ele era escrivão de polícia, eu não sei por que ele me protegeu um pouco, assim mesmo chegaram a pintar, que também eu já estava, em 1967, eu já estava com 37 anos, apesar que a idade média daquele tempo na faculdade, nas faculdades que surgiram, a idade média era 60 anos. É, porque o pessoal estava represado, estava represado porque só tinha duas faculdades, a São Francisco, como até hoje, se eu não me engano, só tem 150 vagas, as outras faculdades... Hoje a faculdade comum fica catando os caras, ficam até oferecendo. A de Guarulhos, em que eu me formei, foram 300.
P/1 – Então o senhor era novo na sua sala? O senhor era um dos mais novos?
R – Sim, praticamente, tinha uns mais jovens, mas mesmo assim, dos mais jovens, acho que mais jovem não tinha 10%. Tinha um senhor lá que era dono de banco, tinha um banco que fechou, na Rua Martins Fontes, tinha 65 anos. E nós sentávamos ao lado, um cara amigo e tudo. O pessoal, inclusive, tinha um monte de rapazes, já homens mesmo, como Mário e tudo mais, que foram fazer curso superior, fiscal de renda e tudo, porque naquele tempo eles não exigiam pra ser fiscal de renda curso superior, eles pediam curso médio, mas o cara que tinha curso superior tinha uma vantagem, que ele ficava no cargo e ainda tinha um provento, mesmo hoje, tem um provento maior, tem um adicional e tudo mais, então tinha um monte de cara. Mesmo do pessoal do Fórum, escrivães do Fórum...
P/1 – Tinham bastantes mulheres?
R – Não, não tinha muito, mas tinha acho que uns 10% também de mulher, mas já na minha faculdade já era 300, eram duas salas de aula, ainda com 300 alunos no total.
P/1 – Você ia me contar uma história...
R – Duas. Uma que eu levei um tombo e abri aqui os lábios... Só tinha pronto-socorro no Pátio do Colégio, ali ao lado da famosa igreja da fundação, ali tinha o pronto-socorro, São Paulo todo. Papai levou lá e sabe como os caras deram os pontos? Na agulha, estou contando pra você e sentindo o cortar da carne da agulha. Depois, infeccionou, então mamãe levou no médico, Doutor Pomponet, esse que hoje dá nome de rua, ele tinha um consultório na Rua 12 de Outubro, Doutor Cincinato Pomponet. E ele tirou. E outro foi que eu estava em cima de um muro, porque tinha um amigo meu, a gente chamava ele de Ribeirão, que era de Ribeirão Preto, ele estava com um cachorro e o cara pega e me atiça o cachorro, quando ele me atiçou o cachorro, eu vim pra trás, quando eu vim pra trás, eu caí e caí em cima daquela borboleta da torneira. Então, o negócio enterrou tudo pra dentro aqui na perna, fui parar outra vez lá, só que a mesma coisa, o cara fez a mesma coisa. Em vez de tirar aquela carne que foi pra dentro, naquela ocasião não tinha concepção, eu tinha o quê? Uns 13, 14 anos. Os caras não tiraram a carne e deram uns pontos. Então aquela carne tive que lancetar pra poder tirar, era meio vítima dos caras lá (risos).
P/1 – Teve que cortar pra tirar de novo?
R – Tiveram que tirar os pontos pra poder tirar aquela carne de dentro. Se você machuca aqui, aquela carne que corta ela vai apodrecendo, que nem uma ferida.
P/1 – E esses amigos dessa época quem que eram? Amigos da escola, vizinhos?
R – Amigos da rua, que naquele tempo a gente reunia fácil na rua, inclusive tinha as turminhas. Às vezes, turma que uma não gostava da outra. Comigo, quando eu namorava lá, voltando ao namoro, um dia, quando minha irmã nasceu, ia buscar Malzbier pra minha mãe, que na época dizia que Malzbier era bom pra leite. Parece que até hoje a turma ainda faz assim. Menos, mas fazem. E eu ia buscar e eu estou com a bicicleta e o cara me xingou, um tal de Hésio, me xingou. Eu brequei a bicicleta, só que quebrou, eu brequei com tanta raiva que quebrou o cordão que prende a roda de trás e prendeu só a da frente, então eu fui pra frente, porque a roda da frente parou, a de trás não. Então eu caí, os caras foram embora. Passados uns meses, eu morava já na Rua Albion, eu estou na janela e esse tal de Hésio está passando de bicicleta na frente da minha casa. Eu desci aquelas escadas, que era um sobrado, e peguei o cara, segurei na bicicleta assim na frente, falei: “Fala, agora” (risos).
P/1 – E ele?
R – Não, pediu desculpas e tal, porque ele estava sozinho também e eu já estava na minha rua. Naquela hora que eu caí, eu dei uma de valente, mas se os caras vêm pra cima, eu tenho que correr, como é que eu ia fazer? Cinco ou seis! (risos) Tinha que correr. Então, mas desci aquelas escadas, a minha mãe, depois de um tempo, ela não se conformou a velocidade que eu desci, abri a porta e sai lá pra fora, acho que não deu pra você contar três eu já estava lá fora na rua e a rua não era nem asfaltada, tudo barro, só tinha guias, algumas tinham guias, algumas nem guia, que ali aquele pedaço da Rua Afonso Sardinha, Rua Albiim, Domingo Rodrigues, Gomes Freire, Dom João V, naquele tempo, não se dava o nome de loteamento, dava-se um outro nome, que os caras iam comprando os terrenos e iam cercando e iam construindo. A única rua que tinha, não era nem asfalto, era 12 de Outubro, e assim mesmo um pedaço.
P/1 – E vocês se encontravam onde com esse grupo, o que vocês faziam?
R – Geralmente a gente saía da rua que estava no fim de semana, no sábado, a gente ia fazer o ponto na Rua 12 de Outubro.
P/1 – Fazer o ponto?
R – É, tinha um bar, chamava-se o Bar da Laranjeira, tinha uma turma que ficava no Bar da Laranjeira e nós ficávamos na esquina da Antonio Raposo, que era da escola que ali tinha, o Liceu, a escola que nós estudávamos, Liceu Barbosa Lima, e nós estudávamos ali, porque o meu tio era dono do Campos Sales, mas eu não quis estudar no Campos Sales, porque o meu pai era zelador (risos), então meu pai queria, inclusive no Campos Sales era de graça, lógico, mas eu não quis. Ele, pra não me deixar sem estudo, preferiu colocar. Falei pra ele: “Não vou ficar, vou ficar policiado lá, pai.” E ainda depois tive uma sorte, papai deixou de ser zelador do Campos Sales, porque o zelador do Campos Sales foi ser o meu sogro, já pensou se eu tivesse ficado lá? (risos)
P/1 – Mas quando você diz fazer ponto, vocês ficavam ali conversando?
R – É, geralmente a gente ia lá umas sete e meia, oito horas da noite, ficava parado, conversando, brincando, e as meninas passando (risos), o importante era isso, passando. Depois ficava até umas oito, oito e pouco, ficava por ali. Quem namorava, ia dar uma namorada e voltava. Quando chegava lá pra umas nove e meia, dez horas, voltava pro ponto e o máximo que a gente conseguia ficar na rua era até umas dez e meia, onze horas, porque o pai não dava a chave, você tinha que tocar a campainha. E quando a gente ia em baile, trazia no baile e voltava de madrugada. Como a gente estava no tempo da guerra e tinha o racionamento, então o que eu fazia? Ia no baile, quando saía do baile, às quatro horas, eu entrava na fila do pão, e quando chegava em casa, já lá pelas quatro e meia, cinco horas, sem a chave, que tocava a campainha, eu estava com o pão na mão (risos), então não tinha bronca. Eu fiquei esperando o pão sair, então o velho ficava todo contente, não precisava dele ir na fila pra pegar o pão, já estava com o pão em casa. Era uma forma de poder chegar na boa. Daí passou um tempo, ele falou: “Está aqui a chave”.
P/1 – E como era essa época de racionamento? Você lembra mais alguma coisa?
R – Naquele tempo, principalmente entre 1939 até 1945, quando terminou a guerra, o pão era medido, não tinha farinha. Não tinha farinha, leite não tinha, não era industrializado como hoje, o negócio era tudo natural. Tinha cara que vendia leite de cabra como vende hoje lá no Nordeste, tirando o leite na hora, tinha uns outros aqui na Rua Diógenes Ribeiro de Lima... O Seu Américo, ele tinha uma leiteria, tinha as vacas e o pessoal vinha, descia a Rua São Gualter, tudo no barro, e vinha lá, comprava o leite. Depois do término da guerra, começou a melhorar porque era o tal do esforço de guerra. Mesmo o salário, naquela época, o que pagava pro pessoal era salário pequeno.
P/1 – E você lembra depois quando você foi ficando mais velho, como que foi esse processo de resolver casar, como é que aconteceu isso?
R – Olha, eu acho que o sentido é tão natural, compreende, que eu acho que também hoje no final faz parte de nós, humanos, compreende, nossa proliferação, depois começa a vir as crianças...
P/1 – Mas o senhor pediu ela em casamento?
R – Ah, sim, lógico, até noivado. Meus pais foram na casa do meu sogro...
P/1 – Como foi o noivado mesmo?
R – Foi feita uma reuniãozinha que hoje em alguns lugares parece que ainda costuma se fazer, em alguns lugares, não são todos, não. Hoje faz-se mais uma reunião melhor nos 15 anos da menina, que depois, pras minhas filhas, nós fizemos. E é natural, a gente vai fazer a lua de mel, fomos fazer a lua de mel em Poços de Caldas, de ônibus.
P/1 – Mas antes disso me conta como foi o dia que o senhor pediu ela em casamento? Você lembra?
R – Ah, acho que agora que eu não me lembro, pra chegar assim pra dizer que eu pedi e em seguida o que tinha, como a gente já estava namorando no mínimo, acho que naquela época, estava namorando há um ano e meio, dois anos, por aí. Quem ia pedir eram os pais, normalmente os pais do homem, do marido, que seria, é que iam pedir a mão. Aliás, acho que no Nordeste, nesses lugares, rincão, ainda deve ser assim, os pais vão.
P/1 – Seus pais foram falar com os pais dela?
R – A gente avisa que o pai, pelo menos eu me lembro que eu avisei que a minha mãe e meu pai vinham tal dia pra conversar com a minha sogra e meu sogro. Fomos juntos, chega lá, toma um café, pá, pá, pá, e sai com o compromisso. É, porque eles que vão pedir. E depois a vida vai continuando.
P/1 – E o casamento, a festa mesmo?
R – Ah, o casamento, foi marcado, quem faz tudo, quem fez tudo, são os pais. Eles vão, preparam tudo e fazem o casamento. O meu foi feito em casa? Não me lembro, não. Não foi feito de salão, não, não, foi feito em casa, sim, feito em casa. Casamos naquela igreja da Rua Clélia, não estou me lembrando o nome, agora tem uma feirinha lá. Eu chamo igreja da Rua Clélia, ali na Praça Cornélia, como que era o nome daquela igreja, mesmo? Não estou me lembrando o nome dela, aqui na Lapa é Nossa Senhora da Lapa, mas aquela eu não estou me lembrando. Nós casamos lá, depois tem...
P/1 – Depois vocês foram pra Poços de Caldas na lua de mel?
R – É, depois fomos pra Poços de Caldas e ficamos lá uma semana e a vida começa.
P/1 – Vocês foram morar aonde? Vocês foram morar com os seus pais?
R – É, fui morar com o meu pai, meu pai e minha mãe. Meu pai morava ali na Rua Dronsfield, que é uma casa velha chamada Pedroso, hoje é um prédio, e mamãe deu um cômodo pra nós. Lógico que depois a vida vai, meu sogro comprou uma casinha aqui no Alto da Lapa, perto de onde eu moro, e ele acomodou, bem no fundo, tanto é que depois ele fez o seguinte, ele deu pra cada filho que casou – minha esposa, uma irmã e um irmão –, ele deu dois anos de moradia sem precisar pagar nada, o que ajudou muito no desenvolvimento da vida. Já pensou, você monta um compromisso, dois anos de moradia...
P/1 – Nessa época você trabalhava onde?
R – Eu já tinha escritório de contabilidade, tinha comprado o escritório.
P/1 – Dava pra tocar a vida?
R – É, dava um pouco, o próprio meu sogro, que estava aposentado, veio trabalhar comigo, me ajudava bastante e o escritório era na cidade, na Rua Barão de Jundiaí, agora tem uma época que eu morei ali na Rua Miranda de Azevedo, ao lado de um córrego, isso em mil novecentos e sessenta e... acho que foi em 60? Deu uma enchente, deu uma enchente que é quase uma anedota, posso contar anedota? O cara morreu e foi parar no céu. Chegou lá, São Pedro perguntou pra ele: “Como é que foi?”. Ele falou: “São Pedro, deu uma enchente”. Tinha um velhinho do lado: “Deu uma enchentinha...”. “E o senhor precisa ver a chuva que caiu”. O velhinho do lado: “Uma chuvinha”. E tudo que o pastor falava pra São Pedro, o outro respondia pequenininho. São Pedro disse assim: “Cala a boca, Noé!” (risos). Então, comigo aconteceu a mesma coisa, deu uma enchente ali, agora está canalizado, mas o córrego passava aqui a Rua Miranda de Azevedo e o córrego descia, desce ainda hoje, canalizado, inclusive enchia o Palmeiras. Questão, mesmo agora, de uns dois anos atrás, o Palmeiras encheu por uma dessas chuvas. E a casinha ficava pra baixo, subia três degraus, a água começou. As meninas eram pequenas e tinha um fundo no quarto, um quarto no fundo, aliás, a patroa foi pra lá com as crianças e a água começou entrar e entrar por baixo das portas, tanto da frente como de trás. Eu peguei uma geladeira de sete pés, certo que eu tinha vinte e tantos anos, sozinho eu levantei e pus em cima de uma mesa, dentro da casa, porque um ano antes tinha uma história que a casa deu uma enchente e uma senhora, pra tirarem a senhora de dentro da casa, tiraram pelo telhado. Pelo telhado porque não tinha condição dos bombeiros tirarem. E tinha o alçapão. Eu peguei uma televisão enorme também, pus em cima de uma outra coisa e aí começou a diminuir um pouco a água, eu já tinha feito uma forma de subir pro telhado pelo alçapão, porque a patroa lá estava num lugar alto. Depois dessa enchente, a patroa falou: “Olha, moro com você num morro, mas aqui não fico mais”. Falei: “Vai arrumar uma coisa que vamos ver o que a gente faz”. Você sabe que eu fui trabalhar e quando voltei, na hora do almoço, ela já tinha arrumado a casa, na Rua Fausto, era um sobrado (risos). Eu fui ver e não podia pagar o aluguel, porque não dava, fui com o meu sogro, que minha cunhada ia casar, vi com o meu sogro se ele não queria vir morar comigo, me ajudar, me ajudar um pouquinho e tal... Ele veio e o meu cunhado, que já era casado e morava no fundo, veio morar na frente, a minha cunhada morou no fundo. Tanto é que, como ele veio morar junto comigo, ela ainda estava solteira, o casamento foi feito lá em casa. Passou dia 25 de janeiro do ano seguinte, ela parece que casou, não me lembro o mês, uma chuva que caiu no dia anterior do aniversário de São Paulo. Gozado, a minha senhora falou: “Nossa casa encheu”. Falei: “Ah, você está criando problema”, peguei, fui trabalhar, quando eu voltei, ela falou: “Não te disse que a casa encheu?”. Então eu fui lá, tinha entrado de água mais ou menos um metro e meio, a veneziana estava tudo cheia de mato, que era veneziana casa baixa, o muro caiu, a água entrou pra dentro da casa. Bom, acabaram desapropriando a casa e hoje é uma praça lá (risos) e na frente, naquela ocasião, era uma tal de Saturno, que fabricava bateria. Até tinha um edifício, eu passei lá anteontem, eles estão tocando o barco lá. Tem um conjunto habitacional que pega a Miranda de Azevedo, a Augusto de Miranda, aquela parte do córrego, que ali também fizeram uma rua e pega a Rua Ferreira Alves, é um quarteirão grande, se não me engano tem uns cinco, seis blocos e estão vendendo até apartamento lá (risos).
P/1 – E depois vocês foram morar onde?
R – Eu morei na Rua Fausto uns cinco anos e depois da Rua Fausto, como ela disse que queria morar comigo num lugar alto, eu vim morar aí no Alto da Lapa, na Rua Pipiguari, que pra você chegar lá na minha casa de qualquer lugar que você for você sobe no mínimo 500 metros. Há pouco tempo eu estava lendo, eu me lembro quando eu estava no exército, que lá na década de 1949 não tinha nada, era barro e eu era vigilante do ar, como diz... Então, nós ficamos acantonados, acantonado é passar um tempo lá, acantonado como vigilante do ar, porque a minha artilharia era a artilharia antiaérea, pra ficar identificando os aviões, e ele era no ponto mais alto, onde nós passamos dois dias lá e passamos fome, porque o caminhão não chegava lá com a comida e a única coisa que no segundo dia eu descobri que eu estava perto da casa do tio da minha esposa, o tio Oscar, então eu fui lá com ele: “Pô, tio, estou morrendo de fome lá em cima”. Desci aquele ladeirão da Rua Sepetiba, que era onde ele morava. Foi bom que no dia seguinte ele levou marmita, estava eu com mais dois colegas, ele levou marmita lá pra nós (risos) no dia seguinte.
P/1 – E vocês ficavam identificando os aviões?
R – A gente aprende pelo menos que tem os artilheiros, então a gente indica o avião pra ver se era avião inimigo ou não. Lógico que aqui só tinha os amigos, não tinha nada, mas tinha que identificar inclusive pelo que a gente aprendia, pelo estilo do avião a gente sabia até a marca do avião. Sabia se era amigo, inimigo... Naquela época todos amigos, mas sabia até se era um avião inglês, se era um avião fabricado na Inglaterra, na França, nos Estados Unidos, porque naquele tempo a fabricação de avião também, 1949, 1950, era pequena. A maioria dos aviões fabricados ia pra guerra mesmo, lá pro front, e aqui era um treinamento... Se tivesse continuado a guerra, talvez tivesse que ir lá identificar avião, porque podia ter terminado até antes (risos).
P/1 – Nessa época, você estava sendo preparado pra ir pra guerra?
R – O soldado vai pro quartel pra ir preparado pra ir pra guerra.
P/1 – Mas pra ir pra Segunda Guerra?
R – Naquela época... O Exército, mesmo sem guerra. Olavo Bilac foi quem fez o Exército obrigatório, porque o Exército é obrigatório, mesmo até hoje.
P/1 – Mas naquela época vocês estavam sendo preparados pra ir pra Segunda Guerra?
R – Não, porque a guerra já tinha terminado...
P/1 – Ah, já tinha terminado.
R – Terminou em 1945, e nós estávamos em 1949.
P/1 – Ah, você entrou depois, então...
R – Inclusive a unidade em que eu fui servir, no tempo da guerra, toda ela ficou o que chamávamos acantonada em Fernando de Noronha, porque ela ficou lá, era artilharia antiaérea, então ela ficava lá porque lá tem os aviões que passam, aviões que iam pra África, e que também podia vir da África pro Brasil.
P/1 – Então quando você entrou pro exército já tinha acabado a guerra, na verdade?
R – Sim, há uns quatro anos já.
P/1 – Que ano que era?
R – Entrei em 1949, eu fui incorporado dia 30 de março de 1949 e saí no dia 31 de março de 1950, um ano e um dia (risos), servindo o Exército. E meu pai não queria que eu fosse.
P/1 – Não?
R – Não, inclusive eu sendo, eu trabalhando na estrada, a estrada tinha sido federalizada, então quem era funcionário público não ia pra guerra, mas tinha que levar um documento e eu, pros meus colegas que não quiseram ir pro exército, eu batia os documentos, dava pro meu chefe assinar e dava pros colegas. Agora o meu eu não fiz. “Eu quero servir o exército, pai”. “Ah, mas você vai pra Mato Grosso”. “Não tem importância, vou servir o exército”. Só que em vez de eu ir pra Mato Grosso, eu fui pra Quintaúna, é depois de Osasco. Só que tudo naquela base (risos). Só tinha um trem uma vez por dia (risos), mas no segundo dia que eu estava lá eu dei uma choradinha, viu? (risos)
P/1 – É, por quê?
R – Ah, o impacto. Tinha um monte de colega... Tive um colega meu, um tal de Pedroso, que aquele eu vou te contar. Até o capitão teve que vir consolar ele, o cara deu um treco nervoso, e foi o cara que pediu, ele ia ser dispensado e pediu. Eu não pedi, eu falei: “Eu vou lá, se tiver que ficar eu fico, se não tiver, me mandam embora, mas acabei ficando” (risos). Até foi interessante, quando o capitão, era um capitão baixinho, capitão Orlando Rodrigues Maia, ele perguntou, fez a classificação de estudo. Quem era analfabeto? Tinha praticamente 60%. Tinha alguma instrução e tal, quando... Só sobrou eu, eu já estava no primeiro ano, aliás no segundo ano de Contabilidade, tanto é que no ano seguinte eu me formei, fui licenciado em 1950 e me formei em 1950 e não perguntou pra mim. Fiquei lá sozinho, ele falou: “E você aí?” Eu falei: “Estou estudando contabilidade”. Então o safado se pegou por mim, chamava de contador (risos), era um baixinho bonzinho. Esse cara, ele deu um negócio de comunista... Naquele tempo eles tinham posto até bomba no Correio, que eu naquela oportunidade fui tirar serviço no Correio e puseram bomba e tal, e eles deram como comunista. Eu sei que ele foi preso. Ele foi parar não sei aonde e quando, depois de um mês que eu estava ali licenciado, eu estou lendo no jornal, no ônibus, capitão do exército condenado a 30 anos de prisão como comunista. Foi tirar a prisão lá no Sul e o avô dele era Marechal, nome dele eu não me esqueço: Orlando Rodrigues Maia, era um cara bacana, porque nós somos o que somos, mas era um cara bacana. Imagina o cara tinha vinte e poucos anos, era capitão já, capitão o cara! O cara pra ser capitão hoje, grosso modo, pelo menos vai chegar nos seus 30 anos e ele já tinha passado por tenente, por primeiro, segundo tenente, aspirante e capitão, tinha uma voz de comando e quando ele dizia: “Sentido” as pernas até tremiam e você batia os pés (risos).
P/1 – E voltando agora um pouco pra sua casa, você lembra de alguma festa familiar que você gostava muito? Ou de algum momento?
R – Ah, sim, a minha senhora era festeira, então se ela pudesse fazer meu aniversário que nem aniversário dos 15 anos das minhas meninas, onde eu moro, que é uma casa que tem mais de 70 anos, aliás eu moro lá há 40 e tantos anos, mudei pra lá em 60 e pouco, a rua não tinha asfalto, a rua não tinha nem telefone. Eu tinha telefone na Rua Fausto, não consegui levar pra lá porque não tinha fio na rua de telefone (risos). Não tinha nem luz, não tinha esgoto ligado na casa. Eu mandei fazer um cômodo em cima, estava um apartamento, porque a casa era pequena, e ficou um salão. A patroa reunia... E ainda foi pegar um genro, eu tenho um genro que é o casado com a minha mais velha, que chamo ele de avô, porque ele me chama de sogrinho, então eu chamo ele de avozinho agora, porque ele tem três netos. (risos) Esse é um festeiro que nem sei. Se você for comer um dia o churrasco que ele faz, você volta toda semana pra ver se tem churrasco pra comer, estou com água na boca (risos). Bom pra começar ele é engenheiro químico, ele quem fez a maionese Hellman’s, que hoje você come e tudo mais, quem pôs ela no ponto foi ele. Quando veio aquela “Refinações de Milho Brasil”, ele trabalhava na “Refinações”, já era químico no curso intermediário. Tanto é que a “Refinações” pagou pra ele a faculdade. E ele fazia um churrasco que vou te contar. Estou com água na boca, café eu não quero, mas o churrasco eu aceito (risos). E ele é louco pra fazer uma festinha.
P/1 – E como eram essas festas, conta uma festa...
R – Ah, qualquer festa que ela fazia era boa.
P/1 – É? Como que era? Conta uma.
R – Agora, pra te contar uma (risos), geralmente, nessas festas, o homem fica mais comendo, bebendo, contando anedota (risos).
P/1 – Mas como eram os preparativos ali que você via acontecer?
R – Ah, nem prestava atenção.
P/1 – Não?
R – Não (risos), apesar que primeiro ela me punha pra fora da cozinha, porque senão eu começava a passar o dedo nos trecos, pra experimentar e ver se estava bom, a única coisa que ela sabia me segurar na cozinha era quando ela ia fazer nhoque, pra pegar e cortar, porque ela pegava, eu cortava o tolete do nhoque e ela passava o nhoque no enrolador. Aliás, a minha cunhada faz, a minha filha também faz, e passa assim e fica que nem um casulo, porque dentro entra o molho e fica uma delicia, aquele nhoque dela não era nhoque, era pedaço de massa, era uma delicia, mas vamos parar de falar em comida (risos).
P/1 – E vocês convidavam muita gente?
R – Sim, a família...
P/1 – A família, amigos...
R – Família, amigos, amigos dos genros, cunhados, cunhada... Ela reunia bastante gente. Fim de ano, passagem do ano, era sempre feita lá em casa.
P/1 – E música, como é que era?
R – Ah, sim, música, os genros eram jovens, então eles sempre tinham lá um disco.
P/1 – E ouviam os discos?
R – Sempre tinha.
P/1 – E depois de casados vocês continuaram indo nos bailes?
R – Não, casado a gente ia no baile de vez em quando, depois de um tempo, quando foi em 1981, um amigo nosso, que até o irmão dele é casado com uma prima da minha esposa, ele convidou pra ir no baile e eu não estava muito a fim de ir, mas não sei por que circunstância eu acabei... Ele tinha uma oficina lá na Rua Cesário Mota e eu sei que eu acabei deixando o meu carro estacionado lá e fui. Depois quando fui pegar o carro, peguei: “Ô, Zé, vamos tomar um café e tudo mais?” Ele pega e me intimou que era o dia do baile na terça-feira, tinha o baile, ele me intimou a ir no baile, como quando eu queria também alguma coisa, eu passei lá na casa dele: “Ô, Zé, vamos fazer tal coisa depois de amanhã?”. Eu não dizia pra ele se ele queria ou não, vamos fazer, e ele ia (risos). Ele pegou e me intimou, então cheguei em casa e falei pra patroa: “Bem, o Zé e a Pire estão intimando a gente a ir no baile da Saudade da Fraterna, falou que é só chegar lá e procurar por ele”. Quando eu fui olhar, ela já estava pronta (risos), que era pra ir no baile, ela já estava pronta (risos), nem tinha me arrumado, ela estava pronta. “Aonde você vai?”. “Você não falou que nós vamos no baile?”. “Ah, é verdade” (risos). Então fomos, começamos a frequentar o baile com esse casal e mais alguns, no segundo sábado de cada mês, que é o Baile da Saudade e nas terças-feiras não assumia compromisso nenhum, qualquer outro dia da semana era capaz de assumir compromisso pra dez, onze horas, meia noite pra trabalhar porque tinha que trabalhar. Mas na terça e nesse sábado eu não assumia o compromisso, capaz de assumir no domingo depois do baile... É porque achava que pra ele era uma satisfação grande, se nós começamos a frequentar o baile, quando foi na outra semana o diretor do baile lá, o presidente, já pegaram ela pra ser diretora social, uma semana que ela estava lá. É porque você conversava com ela dez minutos... Um dia, estávamos em Poços de Caldas, íamos pra um tal de Véu da Noiva, e me deu vontade de ir no banheiro. Fui no banheiro e quando voltei ela estava conversando com um casal, tal, tal, tal... “Ah, bem, eles vão pro Véu da Noiva, vamos levá-los?”. Eu estava com um opala, por que não? “Ah, está bom”. Por que não? Tem espaço, vamos levar. Enquanto eu fui no banheiro e voltei ela já tinha feito amizade com os caras que nunca tinha visto (risos), ela pegava amizade fácil, viu, coisa incrível, até hoje o que falta pra mim é isso, conversou e tudo sempre na boa. Se precisasse de alguma coisa, médico, ela cuidou do meu pai. Meu pai, me lembro, no mês de julho, papai doente, tinha uma senhora que tomava conta, papai já estava com quase 80 anos, doente, mal de Alzheimer, tinha uma senhora que cuidava dele e sentiu mal, morava na minha casa, tinha um cômodo e cozinha no fundo e a senhora gritou: “Dona Norminha!”. Eram umas três horas da manhã, ela põe um penhoar e desce, um frio desgraçado. “Sim, bem, mas acontece o seguinte: não é assim, você tem que se proteger melhor e tal”. Então falei pra ela que ia por o meu pai num asilo, ela não queria, eu falei: “Mas não posso, bem!”. Dentro do meu raciocínio, ele é mais velho, como é hoje entre eu e minha filha. Eu pus, mas você sabe que todo dia ela ia visitá-lo, naquele tempo não tinha tantas casas de saúde como tem hoje, era lá na Rua Itambé, ela já tinha o carrinho dela, eu tinha o meu, ela tinha o dela e ia todo dia visitar o meu pai, o pai dela ela cuidou o tempo todo. Cuidou de uns três anos de doença, que ele tinha doença na perna. Mesmo assim, tinha alguém doente, podia chegar lá pra Dona Norma e ela ia cuidar. Tanto ela cuidava da doença como também se precisasse fazer a festa (risos).
P/1 – E vocês tiveram quantos filhos mesmo?
R – Nós temos duas meninas.
P/1 – Duas meninas?
R – É, duas meninas que são avós as duas.
P/1 – Já as duas?
R – Uma tem três netos e a outra tem uma neta que, aliás, amanhã essa tem uma neta, com a neta, com a filha e tudo mais chega aqui em São Paulo às duas horas da tarde, ela mora em Olinda. A outra não, a outra mora em Cotia, ela está toda semana ela está lá em casa, de fim de semana eu vou lá comer o churrasco lá do genro (risos).
P/1 – E como é que uma delas foi parar em Olinda, como é que... Ela conheceu alguém de lá, como é que foi?
R – Não, é que o meu genro trabalhava na Spring e a Spring estava fechando umas certas lojas e ele era vendedor, visitava inclusive diversos lugares e a Spring ofereceu pra quem tinha interesse de manter como agente da Spring local, então meu genro lá em Recife, porque a loja é no Recife, Olinda é como ser daqui em Osasco, além de ser uma cidade histórica. Olinda é uma das cidades mais velhas do Brasil, é, mais velha que São Paulo acho Olinda, é sim, patrimônio histórico. Meu genro foi pra lá, ficou uma semana, adquiriram aquele bem, depois ele achou de ir morar pra lá, a minha filha com toda razão já estava, a menina já estava com dez anos, o menino com oito e hoje a menina tem 29 e o menino tem 26, 26 ou 27. O Fabinho ho tem um metro de noventa e cinco, a gente chama ele de Fabinho (risos). E ela achou de ir pra lá, não quer voltar não.
P/1 – E como que ela se chama suas filhas?
R – A mais nova é a Márcia e a mais velha é a Marly, as duas têm com... só que a Marly faz como o pai dela que é Oswaldo com “W”, ela diz que é Marly com “Y” (risos).
P/1 – E o senhor lembra do dia que elas nasceram? Como é que foi?
R – Sim, tem umas historinhas, a que nasceu no dia 5 de maio de 1955, que é a Márcia, que é a mais nova, enquanto eu fui buscar – eu já morava nessa casa que meu sogro dava pra morar, que é perto de onde eu moro hoje, continuação da São Gualter – e enquanto eu fui buscar a parteira, quando eu cheguei, ela já tinha nascido, quase que nasceu às cinco horas da manhã (risos). A parteira demorou muito pra se vestir. Agora a mais velha não, a mais velha nasceu no hospital São João Batista que hoje é o hospital ali na Rua Tomé de Sousa...
P/1 – E hoje em dia como é que funciona eles frequentam bastante a sua casa?
R – Não, eles passam em casa, agora normalmente no fim de semana, no domingo, eu tenho uma neta que mora aqui em São Paulo, que é a Tatiana, que é a neta, que essa minha filha mais velha tem três meninas, tem a Cris, que é a mais velha, tem a Tatiana e tem a Daniela, que é a mais nova. Então a Tatiana me pega em casa, nós vamos lá, almoçamos no churrasco lá do genro (risos), depois ela me traz pra casa, ela mora ali no Parque São Domingos, é uma psicóloga, aliás, a Cristiane também é psicóloga, as duas são psicólogas formadas no Mackenzie. E essa do meio, que eu chamo do meio, que é a Tati, ela gosta muito de psicologia pra tratar de pessoa de idade, mas ela trata também, ela tem um consultório de psicologia ali em Osasco e agora mudou aqui pro Parque São Domingos, tem uma casinha lá...
P/1 – E o senhor mora sozinho hoje?
R – É, eu moro, quer dizer, eu moro, eu tenho a minha cunhada que ela fica a semana toda em casa, tem essa minha irmã, que é deficiente, que fica numa casa de saúde, mas ela é minha auxiliar, ela que faz tudo no computador, se quiser alguma coisa de computador ela faz pra você, tem lá umas deficiências, mas a deficiência ela supera todas elas...
P/1 – Essa é sua irmã?
R – Chama-se Luisa, e a minha cunhada que toma conta de toda a casa. No sábado ela vai pra casa da filha dela, que mora lá perto, e volta geralmente na segunda-feira. Então tem eu, a minha irmã e a minha cunhada. E as netas estão sempre passando por lá, a filha, a filha mais velha, a outra telefona todo domingo, agora hoje ela não vai telefonar, nem amanhã, porque ela está aqui amanhã. (risos) Então ela vai conversar pessoalmente e no domingo lá pelas nove e meia, dez horas (risos), ela deve dar uma ligada, pergunta como é que vai, a gente bate um papo e vai perguntando também.
P/1 – E como é que o seu cotidiano hoje, atualmente?
R – Ah, é trabalhar e depois do trabalho, lê um pouco...
P/1 – Você ainda trabalha?
R – Ler jornal, estudar um pouquinho pra poder, inclusive, também, porque se deixar de trabalhar parece que encostando, parece que é pior, por tudo que eu acompanho, você não pode deixar, porque senão a mente atrofia.
P/1 – E você continua indo em baile?
R – Não, isso não (risos), eu tenho impressão que... Outro dia o presidente lá do clube veio lá em casa porque meu escritório é em casa, por causa do serviço que eu faço pro clube: “Ah, você não foi no baile, não vai no baile, Manzano?” Eu falei: “Ih, João, tenho a impressão que se eu for subir aquela escada lá (risos)...”. E também não tive oportunidade de ir. Agora, quando a minha neta se formou, essa de Olinda, que ela se formou lá em Olinda e eu fui na formatura dela, teve um bailinho lá, mas a gente vai levando a vida. Outra parte vai lutando. Viajar sim, que nem agora no dia 12 eu vou fazer justamente que o meu genro e a minha filha vêm lá de Olinda, eles são padrinhos de um casamento no sábado que vem, ele arrumou uma viagem lá por intermédio de um tio dele que é de uma agência, nós vamos pro Chile e pra Argentina. Ficamos quatro dias no Chile e três dias na Argentina, em Buenos Aires.
P/1 – Nossa, o senhor já conhece?
R – Não, não porque há dois anos passado nós fomos pra Europa, nós fomos de navio até Barcelona, navio, ficamos 17 dias num navio. Então essa minha neta, quando morava em Paris, então ela arrumou lá uma excursão, então nós fomos pra Barcelona, de Barcelona fomos pra Paris, ficamos três dias em Paris num hotel e no apartamento dela, fomos pra Madrid, de Madrid fomos pra Palma de Malorca, pra Lisboa e nós viemos pro Brasil.
P/1 – Nossa que viagem boa!
R – Viagem gostosinha. Estou com vontade de fazer sabe o quê? Eu tenho visto aí que aliás, eu combino com ele de fazer o ano que vem, tem uma de 18 dias e não é caro, a viagem toda, no valor de hoje, se não me engano fica num total de... em real fica um total de sete mil reais, são 18 dias, não me lembro por onde começa, mas é Madrid, Paris, Roma, Veneza, umas outras cidades italianas, Suíça e um outro país, 18 dias. Só que lá é feito tudo de ônibus, não sei se você começa por Paris ou Madrid e depois você vai fazendo tudo de ônibus, ônibus e as hospedagens, muito bom. Lembro no próprio navio, quando nós fomos o navio, para no Malorca de Tenerife, fica um dia lá e a gente vai, para em Lisboa também fica um dia em Lisboa, vai passear. Depois quando nós viemos nós ficamos mais dois dias em Lisboa fazendo, lógico, um tempo maior... Tem um outro, eu sei que eles param em quatro cidades de Portugal, França e Espanha, cidades a beira-mar, pra chegar em Palma, nós chegamos em Palma de Malorca. Tem Palmas, tem Palmas não sei do que e em Portugal e Palma de Malorca é na Espanha. Mas é muito, e ainda divide, divide em dez prestações, praticamente com tudo pago, minha filha. Mesmo essa que nós vamos fazer que são oito dias, porque conta do dia 12 e volta no dia 20, mas volta no dia 20 no fim da tarde, foi praticamente dois dias a viagem. São quatro dias em... A gente sai daqui cedo e isso já conta, um dia já conta em Santiago, parece que não chega a ficar em mil e oitocentos reais. Se eu for fazer as contas são duzentos reais por dia com tudo, tudo pago, meia pensão, tudo.
P/1 – E, seu Oswaldo, já finalizando um pouco a entrevista, queria saber se tem mais alguma coisa que você gostaria de contar pra gente, deixar registrado na sua história...
R – Você perguntando, eu fui contando agora assim de memória, agora que eu me lembrei, (risos) dos dois tombos eu me lembrei, do carregar o carrinho eu me lembrei (risos), de entregar leite em porta, não digo roubar, mas surrupiar a massa de vidro de janela (risos), também a consequência, os estudos são relativos porque a gente, lógico, está dentro de uma sala de aula, e de coisa assim não estou me lembrando, a não ser que você possa fazer alguma pergunta, que você tenha feito pra outros que não fez pra mim que eu não tenha me lembrado.
P/1 – Deixa eu pensar... Acho que eu fiz, tem alguma pergunta, Ana?
P/2 – Não, só se o senhor queria deixar uma mensagem, um recado.
R – Mensagem que eu quero deixar a todos é que a vida é muito boa, tendo as companhias que a gente tem, também dirigindo a vocês todos. Esse trabalho que você fazem que é magnífico, que vocês tiram das pessoas, histórias, onde vocês poderão inclusive no futuro ter alguém que possa ter benefício com essas histórias todas, é só questão da pessoa ter o interesse. E dizer a vocês um muito obrigado pelo trabalho de vocês e pela atenção que vocês, pelo menos a mim, estão dispensando, que eu acho que é igual a todos os outros. Obrigado.
P/1 – Ah, obrigada você.
R – Eu tenho um pensamento não sei se posso gravar, posso falar o pensamento ou não?
P/1 – Pode.
R – Eu tenho um pensamento que é meu, inclusive se vocês quiserem eu trago pra vocês, é assim, é um pensar: “Pense alto que se alguém ouvi-lo talvez coopere consigo”. Esse pensamento só pra completando é do dia 17 de março de 1989, eu estava numa repartição da Secretaria da Saúde, um balcão enorme, um processo na minha frente e aguardando pra ser atendido e uma menina lá no fundo disse pra outra: “Onde está o processo da Rhodia?”. Eu olhei e falei assim: “É o numero tal?”. Ela falou: “É”. “Está aqui, bem”. Eu pensei comigo: “Pô, ela não pensou, ela perguntou”. Mas mesmo depois dessa época, no meu escritório tem isso, eu estou procurando um documento, puxa vida, onde será que deixei a minha caneta? A minha irmã às vezes está lá na cadeira: “Ah, você deixou aqui em cima!”. Compreende? “Puxa vida, eu estava com tal documento, onde eu deixei?”. Então, tudo que eu penso, eu penso alto, e quando eu tive esse pensamento eu cheguei num lugar que estava 1989, o computador estava praticamente nascendo, eu posso te dizer, eu disse isso pra um rapaz, e o rapaz era bom, então ele fez, ele fez em letra gótica, então costumo tirar fotocópia e dar pras pessoas, quando eu vier aqui eu trago pra vocês, e ainda digo: “Pode tirar e passar pra frente”. Sabe que eu cheguei numa repartição, duas ou três repartições, eu dei e passou uns 20 dias eu chego lá a menina tinha posto, ainda eu brinquei: “Ué, onde é que você arrumou isso aí?”, pensando que ela não se lembrava quem era. “Ah, foi o senhor quem me deu!”. (risos) E ela falou: “Sabe que funciona?”, a pessoa vem aqui e lê e, às vezes, quando passa...
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