Projeto Conte Sua História
Depoimento de João Luís Veronezzi Pacheco
Entrevistado por Giselle Rocha
São Paulo, 16 de maio de 2011
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV286 João Luís Veronezzi Pacheco
P/1 – Obrigado por ter vindo, João. Para começar, eu gostaria que você dissesse seu nome completo, onde nasceu e a data de nascimento.
R – Meu nome é João Luís Veronezzi Pacheco. Eu nasci em Osasco, em 1989, no dia 3 de agosto. Queria aproveitar para agradecer a oportunidade de dar essa entrevista aqui, de ter sido convidado; acho isso fantástico. Então, muito obrigado!
P/1 – Para começar a sua história de vida, a gente vai falar primeiro sobre os seus pais. Queria que você me dissesse os nomes deles.
R – Minha mãe era Maria Aparecida Veronezzi. Na verdade, tem um problema porque no meu RG está Maria Aparecida Veronezzi Pacheco, o nome de casada. Então, tecnicamente, esse era o nome da minha mãe, mas como ela não é mais casada, o nome correto é Maria Aparecida Veronezzi. E o nome do meu pai é João Carlos de Medeiros Pacheco. Meu pai é descendente de portugueses, minha avó paterna, que ainda está viva - Eduarda de Medeiros Pacheco - é portuguesa. E tanto a minha mãe quanto a minha família por parte de mãe eram descendentes de italianos; muito longínquo, mas são descendentes de italianos.
P/1 – E já que você falou do seu pai e da sua mãe, e do casamento deles, conte mais um pouquinho. Você sabe alguma história? De como eles se conheceram?
R – Meu pai, português, tinha uma padaria. E a padaria ficava próximo à casa da minha mãe, ficava duas ruas abaixo. Então, eles se encontraram. Quando ela foi lá comprar alguma coisa, viu que ele estava no caixa; e os dois começaram a conversar, e deram aquela paquerada sem jeito, aquela cantada sem vergonha. E dali rolou um clima, eles se conheceram e começaram a sair. Namoraram durante dois anos, se não me engano. Não, namoraram durante cinco anos e ficaram dois anos casados, separaram-se alguns meses depois de eu ter nascido.
P/1 – Você contou bastante da sua avó materna. Fale um pouquinho dela.
R – Minha mãe se separou do meu pai e foi morar com minha avó. E como numa família nuclear você tem que ter toda aquela estrutura, minha mãe saía para trabalhar e a minha avó cuidava de mim, é quem me criava. Minha avó materna chamava-se Genoveva Conti Genovezzi. Era uma graça de pessoa. Sou suspeito para falar porque a adoro, ela sempre - desde a mais tenra infância - me criou. Minha mãe fazia mais o papel de pai, e a minha avó fazia mais o papel de mãe. Embora, nas únicas duas vezes em que eu apanhei, foi minha mãe quem me bateu.
P/1 – Conte um pouco da sua casa, da sua rotina de escola, de família...
R – Minha rotina era um pouco diferenciada porque, como eu disse, sempre conheci a minha avó que me criou, idosa. Ela sempre teve alguns problemas de saúde e, assim que eu tive capacidade de andar de ônibus, de correr para os lugares, eu comecei a correr com ela. Então, eu ia marcar consulta, eu ia buscar remédio. Inclusive, aprendi a andar de trem muito cedo para ir à Ultrafarma buscar remédios - eu não sei se pode falar nome de local, de empresa - e aí, eu ia buscar remédios para ela. Minha rotina era muita escola e minha casa. Não saía muito, saía mais com a minha avó mesmo. Era uma ajuda mútua: ela cuidava de mim e eu cuidava dela.
P/1 – A gente viu, também, as fotos dos seus aniversários.
R – Os meus aniversários são interessantes, porque até uma determinada idade, acho que uns dez anos, tinha mais família. Tinha uns amigos que eram de escola, mas era mais família. Quando eu começo a sair para a rua, aos dez anos de idade, a brincar na rua, eu começo a conhecer gente, a fazer amizades. E os meus aniversários começam a encher; tanto é que tem um aniversário com cem pessoas, aquela maluquice, coisas quebradas, um furacão depois do aniversário. Nesse aniversário, foi a primeira vez em que eu fiquei até de madrugada na rua, fiquei até quatro horas da manhã brincando de esconde-esconde. Para um garoto de recém 11 anos, isso era maravilhoso.
P/1 – O que mais tinha no aniversário? Para comer, beber, decoração?
R – O bolo foi um bolo especial, porque eu adorava morango. Adoro morango e chocolate. Só louco é que não gosta de chocolate. Enfim... O bolo era um bolo sensação, com morango no meio, fantástico! E tinha carne louca! Nossa, como eu adoro carne louca! E era carne louca da minha avó, comida de avó é fantástica! Esses são os dois aniversários de que eu me lembro. E tinha muito beijinho, que eu gosto mais de beijinho do que de brigadeiro, embora adore chocolate.
P/1 – E a escola? Você disse que aprendeu a andar de ônibus e trem. Como era a escola? Como você ia para a escola?
R – Minha avó tinha muito medo de eu sair para a rua. E, até o segundo ano da primeira série do ensino fundamental, eu ia de perua. A escola ficava duas ruas abaixo da minha e eu ia de perua. Aí, a minha mãe falou: “Chega! Ele tem que ficar independente”. E eu comecei a ir a pé. Sempre fui a pé para a escola e, quando mudei para uma escola mais longe, continuei indo a pé. Até a oitava série eu era mais ou menos aquele nerd, calado, que não tinha muitos amigos. E, do primeiro ano do ensino médio até o terceiro, eu virei um fenômeno porque eu fiquei um nerd popular. Então, as lembranças que eu tenho da escola também são muito boas. Tem o período calado, em que você não tem tantos amigos assim, até ser conhecido na escola: todos os terceiros e segundos me conheciam. As lembranças que eu tenho da escola são muito legais.
P/1– Sempre foi da escola pública?
R – Isso. Sempre escola pública. Desde o pré até o final do ensino médio.
P/1 – E você lembra como era a sala de aula, as carteiras? A turma?
R – A turma era fantástica. Comparando agora com o que eu vejo na sala de aula, eu chego à conclusão de que a minha turma era composta de quarenta anjinhos. As carteiras… Esse problema de depredação era constante em todas as escolas: as carteiras, os muros, tanto internos quanto externos, eram pichados; as paredes rabiscadas. O que não impedia de ter uma aula gostosa, principalmente se o professor soubesse levar a turma. Então a aula era fantástica, mas as condições da escola não eram tão maravilhosas assim.
P/1 – Tinha algum professor de que você gostava muito?
R – Houve dois professores, eu acho... Três professores, dos quais eu gostei muito. Uma era minha professora de Português. Ela foi professora, acho, durante uns três anos: era a Maria Lúcia Zampieri, a gente não esquece. Outra era uma professora que eu tive nos terceiro e quarto anos do ensino fundamental, a Professora Nadira. Naquela época, eu era muito bebezão, graças à vovó e à mamãe; e essa professora dava umas puxadas legais para já começar a amadurecer um pouco. E a terceira foi uma professora de Matemática, que foi minha professora o ensino fundamental inteiro: professora Terezinha. Era fantástica! Era carioca e tinha um sotaque muito legal. Só fazia piada e brincava, mas todo mundo respeitava. Quando tocava o sinal, que nós íamos embora - na aula dela especificamente - quando tocava o sinal, ela falava: “Cadeira no lugar!”. Todo mundo levantava, colocava a cadeira no lugar, e saía.
P/1 – Você falou um pouco de brincadeiras, de esconde-esconde na sua festa. Quais eram as brincadeiras na escola, na rua com os amigos?
R – Normalmente, na rua, era mais esconde-esconde, pega-pega e futebol. Eu sempre perdia no esconde-esconde. Ainda mais quando tinha aquele bendito “salve o mundo”, quando o último salva o mundo, e tinha que bater cara de novo. Eu ficava quase a noite toda batendo cara, era terrível! Pega-pega era melhor porque eu era um pouco mais alto, então as pernas ajudavam a correr. Futebol também, eu era um perneta, ficava sempre como zagueiro. Trombava com os garotos que iam fazer o gol, era mais assim a muralha. Foi muito legal! Uma vez, quase morri jogando futebol. Eu me cansei e fui sentar no muro da rua, que era baixo. O muro da rua era baixo e, na hora em que eu sentei, acho que sentei com muito impulso e virei. E do muro para o quintal da casa tinha uma altura de cinco metros. Então, é assim: eu tenho 1,9 metros agora, peso 115 quilos agora; imagina quanto eu pesava quando era criança, quando tinha meus 12, 13 anos... Foi a turma inteira para tentar me tirar de lá, foi um milagre divino eles terem forças para me puxar daquele muro.
P/1 – Você falou que quase morreu e eu lembrei de outro acidente: conta ele!
R – Agora, analisando, eu quase morri muitas vezes - experiências de quase morte. Havia uma prova chamada Saresp - existe até hoje - e essa prova estava sendo implementada na minha época. Eu fiz essa prova na quinta ou na sexta série, não me recordo direito. E depois de toda a avaliação, minha escola se tornou a terceira, ou seja, ficou entre as três melhores escolas do estado a realizarem essa prova. E eu fui aluno destaque. Aí, eu ganhei a viagem, que foi para Águas de São Pedro, Brotas e Barra Bonita. Em Brotas, nós tínhamos algumas trilhas para fazer, para duas cachoeiras: uma de dez minutos e uma de 40 minutos. Eu fiz a de dez minutos, era uma cachoeira bonita, mas nada demais. Enfim... Eu fiquei louco para fazer a outra trilha. Quando nós fomos fazer a outra trilha, estávamos em fila indiana, seguindo um atrás do outro. Uma trilha bem estreitinha, com um precipício enorme ao lado. E eu pisei em falso e comecei a desequilibrar no precipício. É naquela hora que passa a cena. Mentira! Quando você está quase morrendo, não passa um filme na sua cabeça. Você pensa: “Meu Deus, eu vou morrer”. Mas havia um galho, uma raiz que saía do lado e eu me agarrei. E aí o pessoal viu que eu estava pendurado, prestes a cair no precipício da morte, e eles, então, me ajudaram. Eu tenho até a foto. Quando eu bati a foto, um amigo olhou para mim e disse assim: “Posa aí como alguém que acabou de sobreviver, quase morreu”. Eu devia ter feito uma pose diferente, mas do jeito que ficou está bom...
P/1– A gente falou um pouco de escola e infância. Nessa época você ouvia muitas histórias, seja na escola ou dentro de casa? Quem lhe contava histórias?
R – Ouvia muitas histórias da minha avó. Na verdade, quando ficávamos juntos, e ela ficava conversando, minha avó contava do tempo em que ela era criança, em que trabalhava na roça. Que ela subia em cima da árvore para ficar tacando coquinho no touro. O que mais me fascinava é como ela ia lembrando com riqueza de detalhes o local onde ela vivia. A casinha de roça com terra de chão batido; a forma como ela limpava a casa; a forma como eles levavam a comida para o pessoal que estava na roça trabalhando; como a minha bisavó levava a comida... E, também, muitas coisas tristes. Por exemplo, quando minha bisavó começou a ter um problema neurológico e não se tinha, creio eu, nem tecnologia nem condições de tratar. Ela se perdia no meio do mato e só era achada depois, ou quando achava o caminho. Eu ficava muito interessado, eu gostava muito de ouvir a minha avó contando histórias; contava de um jeito que era fascinante!
P/1 – Contava as histórias fabulosas também?
R – Não, as histórias fabulosas ficavam a cargo dos contos de fada da TV Cultura. Eu me lembro de que assistia todo dia; toda semana passava contos de fada e eu ficava assistindo.
P/1 – Tipo em cineminha, assim? Com personagens?
R – Era um capítulo de um conto. Era um programa que tinha vários contos de criança: Rapunzel, Branca de Neve... Todos esses contos. Minha avó nunca me contou esses contos para dormir, eu aprendi todos assistindo TV. O que, na verdade, é uma pena porque você assiste TV e perde um pouco da criatividade. A minha Branca de Neve é aquela Branca de Neve da TV, toda certinha, não tem uma Branca de Neve que eu tenha criado. E tanto a Rapunzel como todos esses foi vendo TV, as minhas histórias mirabolantes eram mais com a TV.
P/1 – Você ia ao cinema?
R – Eu comecei a ir ao cinema com dez, 11 anos, se não me engano. O primeiro filme a que eu fui assistir foi Cavaleiros do Zodíaco - a Saga de Abel. Eu era fissurado em Cavaleiros do Zodíaco; confesso que, até hoje, eu não sou fissurado, mas adoro Cavaleiros do Zodíaco, acho um desenho bem legal.
P/1 – A que cinema você ia?
R – Eu ia a um cinema de um shopping perto de casa. O nome do shopping era Osasco Plaza. O shopping que explodiu. Aí eu parei de ir ao cinema lá, obviamente. Quando tinha filme de ação, eu pensava: “Vai que eles vão fazer tão real que explode de novo!”. Eu ia a esses cinemas: ou no cinema do Osasco Plaza, ou o que a minha mãe me levava quase todo final de semana; o shopping a que minha mãe me levava era o Shopping Continental, próximo de casa.
P/1 – Falando um pouquinho dessa parte da sua vida, da infância, a sua casa é a mesma em que você nasceu? Você me disse que é, não é?
R – Minha casa é a mesma onde eu nasci. E eu descobri uma coisa interessante, quando fomos reformá-la: as paredes estruturais da casa são de alvenaria e todas as outras paredes são de blocos assentados no barro. Isso eu descobri e, como historiador, achei fantástico: “Vou fazer um sítio arqueológico aqui, vamos cavar… Não quebra não!”. Não deu muito certo, teve que quebrar, fiquei com um peso... Ainda guardei um pedacinho do bloco.
P/1 – Mudou muito desde a sua infância, com essas reformas?
R – Não, ela continua muito igual. Cada piso, cada ladrilho que eu faço na minha casa é uma lembrança, aquela lembrança sensorial que você sente, ou pelo toque ou pelo cheiro; alguma coisa assim. Você consegue lembrar na hora: “Então, acho que aconteceu isso”.
P/1 – Eu sei que daqui a pouco você vai falar mais sobre a sua relação com os museus, mas você se lembra da primeira vez em que foi a um museu?
R – Lembro da primeira vez: eu estava na quinta série e foi uma atividade do professor de História, ele queria que nós tirássemos fotos da cidade e comparássemos com a cidade antiga. E aí eu fui ao Museu de Osasco. Peguei um ônibus para chegar ao museu, para pegar umas fotos e, ali, o imaginário da criança dentro de um museu, ainda mais, dentro de um casarão antigo. O museu é abrigado por um casarão antigo, é fantástico! Ficava olhando e prestando atenção para ver se não tinha assombrações, ou se alguém ia me puxar para dentro da porta quando eu passasse. Era uma casa antiga, do século XIX; nem eu sabia que era uma casa antiga do século XIX; quando era criança achava - pelo amor de Deus - uma casa velha. Fui a primeira vez e lembro de alguns artefatos do museu, de algumas vitrines, de alguma coisa do gênero; de eu ter pegado máquinas fotográficas antigas fantásticas. E eu peguei fotografias das principais regiões de Osasco, lá no museu.[G4]
P/1– Então você foi sozinho, não foi com uma turma?
R – Não, fui sozinho. Na verdade, eu precisava fazer esse trabalho e, como um bom “caxias” que eu era, peguei um dia, um sábado... “O que é que eu vou fazer no sábado? Vou ao museu”. Aonde mais eu iria? Peguei um ônibus e parei na frente do museu. E fui sozinho. Até o pessoal que estava lá estranhou e perguntou se eu não estava acompanhado dos pais. Eu falei que não, que só tinha vindo pegar umas fotos no museu.
P/1 – E depois dessa primeira ida, você foi a outros museus?
R – Lembro que fui, fui numa exposição, no museu, do Egito antigo. E foi uma exposição fantástica. Não lembro quando foi, nem onde, só lembro que foi a professora Rute quem me levou. Era uma exposição da oitava série. Eu estava na sétima, e fiquei sabendo: fiquei doido para ir e ela me permitiu ir; embarquei com eles e fui à exposição. Visitei também o Museu do Ipiranga. O Museu do Ipiranga também é fantástico, aquela construção... A arquitetura do museu, para o imaginário da criança... Ela voa, viaja na batatinha, na maionese, uma salada completa, porque ali é fantástico.
P/1– Já levou sua avó ao museu?
R – Nunca levei minha avó a um museu. Nem no Museu de Osasco eu cheguei a levá-la, mas eu morro de vontade de apresentar.
P/1 – Você já contou algumas coisas dessa mudança para a adolescência, mas vamos falar mais desse momento. Você contou do aniversário, que foi um marco, talvez. Que mais você se lembra dessa fase, ficando adolescente, quase indo para a juventude? Do ensino médio, mais ou menos?
R – No começo da transição, ali pelos 11 até os 14 anos, ou até os 14, 15 anos, como eu vivia muito com a minha avó e a minha mãe dentro de casa e não saia muito, eu era um pouco infantilizado. Então, foi um problema assim, a transição, até porque criança adora atazanar gente que não é igual. E aí, foi um problema. Eu brinco que depois dos 15, 16 anos, eu não deixei de ser bobo, eu aprendi as horas certas de sê-lo. E aí foi quando eu comecei a me popularizar na escola, foi no primeiro colegial. Mas a transição mesmo foi interessante. Você descobre novos caminhos e novos mundos. Aquela rua pela qual você não poderia passar, ou aquele campinho de futebol, ou aquele matagal que você tem que atravessar para chegar em um outro lugar. Você atravessa, e passa! Então, é um desbravamento, é uma expansão dos seus horizontes.
P/1 – Você fez alguma outra viagem além dessa da trilha?
R – Eu fiz uma viagem pelo Rotary; pelo Rotary Club Osasco Quitaúna, que foram meus padrinhos. Foi o Prêmio Rotary de Liderança, o RYLA - Prêmio Rotary de Liderança Juvenil Internacional. Eu fiz o curso, o RYLA normal aqui em Osasco, destaquei-me no curso e aí fui convidado a fazer uma prova; fiz a prova e passei. E aí, fui apadrinhado pelos Rotarys para ir ao Canadá fazer esse curso internacional do Rotary, que reúne os jovens de diferentes países. E foi uma experiência fantástica! Viajei em junho de 2010.
P/1 – Conta mais. Primeiro, como era o curso? Você ia lá e fazia uma matrícula? O que você fazia nesse curso?
R – Na verdade, o curso que acontece nos RYLA, os Rotarys indicam. Os rotarianos indicam um jovem que tenha um potencial de liderança, e aí esse jovem envia o currículo. E, se ele passa, envia os dados e faz um cadastro. E fica acantonado durante o sábado e o domingo numa instituição - no nosso caso, a ACM, que tem um contato muito forte com o Rotary - ouvindo palestras e participando de atividades em função da liderança. No meu caso, eu fiquei na ACM de Alphaville. Passei o sábado inteiro tendo palestras com pessoas fantásticas, não me lembro do nome deles, infelizmente, mas são fantásticos de qualquer maneira. E o domingo, até o meio-dia, para conhecer esse aprimoramento da liderança. E aí, o curso internacional também foi outra experiência fantástica. Fiquei numa universidade, na University. O curso, graças a Deus, era em inglês, embora fosse em Montreal. Eu fui com a ideia de que todos falavam duas línguas. Mentira! Em Montreal, o pessoal fala francês, não gosta de falar inglês. Você fala good morning para eles e eles olham com uma cara feia e nem respondem, mas a maioria do pessoal de lá é muito gentil. Fiquei lá, acomodado por três dias, e depois passei mais 19 dias no Canadá, viajando pelo país com uns amigos que eu fiz no curso.
P/1 – Que legal! E quando acontece isso e você volta para o Brasil, tem alguma contrapartida?
R – É replicar o que eu aprendi. Na verdade, a filosofia do Rotary, que é a minha filosofia também e que eu acho que é uma ideia fantástica, é que tudo é um círculo. Aquilo que você tem, você tem que passar para frente. Até porque, com as duas mãos cheias você não tem possibilidade de segurar mais nada. Então, você tem que abrir a mão para que ela fique livre e você possa segurar outras coisas. Assim, quando eu voltei, o compromisso moral, a questão mesmo, era dar um feedback para o Rotary. Sou monitor dos RYLA há três anos; o monitor é aquele jovem mais experiente que ajuda os Rylenses, que é como a gente chama os garotos que estão fazendo o curso.
P/1 – E quando foi indicado, você já frequentava? Você era um desses garotos?
R – Não, eu não era um dos garotos, eu tinha um contato com a presidente do Rotary Osasco Quitaúna, que é a dona Terezinha também. Que não é a mesma Terezinha. Terezinha Aparecida Pinto, este é o nome dela. Eu ajudava na ARADO - Associação dos Diabéticos de Osasco, fazia as questões de informática; quando ela precisava de mim, qualquer coisa, eu aparecia. E ela me indicou. O meu primeiro contato com o RYLA foi por indicação dela.
P/1 – Então, desde 2010, depois da viagem...
R – A viagem, na verdade, aconteceu em 2010, mas o RYLA eu fiz em 2009. E eu conheci a dona Terezinha em 2008... Então é um histórico: eu conheci em 2008 e acho que, depois do RYLA, ela me indicou para o RYLA de 2009. Era suposto que eu fosse para o RYLA da Inglaterra, que aconteceu em Birmingham, mas não deu. Graças a Deus, porque a libra esterlina estava caríssima e eu não ia conseguir. No Canadá, vivi com Subway, almoçando e jantando Subway. Hoje, eu não consigo ver um na minha frente. E não deu, por detalhes técnicos; eu acabei indo em 2010.
P/1 – Voltando um tiquinho, lá no ensino médio, você chegou a fazer outros cursos? Inglês você já sabia falar, você fazia cursinhos, além da escola normal?
R – Fazia. Fiz curso na área de Informática, tanto de montagem quanto de manutenção de computadores, o pacote Office e aquelas coisas que vão para o currículo da gente, estagiário: pacote Office completo: Excel. PowerPoint. Montagem e Manutenção de Micros. Fiz, e ainda hoje faço, curso de inglês para manter a fluência. Minha avó paterna pagou três anos do meu curso de inglês e, quando ela não pôde mais e eu pretendia sair, o curso Just in Time concedeu-me a bolsa integral. E até hoje eu tenho bolsa integral com eles, eu sou amigo vitalício deles.
P/1 – E quando chega ao terceiro ano, que você tem que fazer as escolhas de vestibular, como foi?
R – Na verdade,e eu não sabia muito o que queria. Tive a oportunidade de escolher e pensar algumas coisas; eu gostava do magistério, do ser professor, adorava a questão de poder passar conhecimento, aquela visão idílica. E eu estava em dúvida entre a Geografia e a História, são duas áreas diferentes e, ao mesmo tempo, que se completam - agora como historiador, eu percebo isso. E aí, cantando a bola como historiador, como eu já falei, prestei Geografia para a USP, História para a Unifieo. Acabei passando em História. Comecei o curso e adorei; fiquei um pouco decepcionado quando percebi o plano de carreira de um professor. Tanto é que eu não me voltei mais para o plano de bacharel, a questão do trabalho de bacharel em História. Mas a decisão foi muito encavalada, eu não tive muito tempo para escolher, queria sair da escola e já entrar numa faculdade, fazer um curso superior. E aí entrei na História e vi: “Pronto! Agora estou na faculdade!”. Aí tem que esperar cair a ficha, e tudo mais! Eu não queria causar ônus para a minha mãe, ela ter de pagar um cursinho para mim. Eu falei: “Ela paga um ano de Faculdade para mim e, provavelmente, eu consigo um estágio na área e começo a me sustentar!”. O que não aconteceu. Eu peço desculpas à minha mãe porque ela pagou três anos de Faculdade, devo um carro para ela; um dia eu pago. E aí, comecei a me sustentar e a pagar a faculdade. A área do bacharelado em História era um pouco fechada.
P/1 – Antes de falar do trabalho, conta um pouco como era o cotidiano da faculdade: os amigos que você fez, se tinha festa...
R – A questão da faculdade é interessante. A Faculdade de História não tem muitos jovens, a classe de História não tem muitos jovens; na verdade, eu e mais dois amigos éramos os mais jovens de lá - depois, a média de idade passava dos 28. Então as minhas amizades na faculdade eram todas com pessoas mais velhas. Por exemplo, duas grandes amigas que eu tive lá: a Zenaide e a Sílvia. A Zenaide tinha 38 anos e a Sílvia eu não recordo quantos anos ela tinha, mas também é bom não falar. E elas eram minhas grandes amigas, junto com meus amigos mais novos. Então, tinha essa mescla das idades; tinha pessoal com a minha idade, tanto quanto pessoal bem mais velho; havia a possibilidade de amadurecer muito. Meus amigos não gostavam muito de sair, nem as minhas amigas; só que aí, promovíamos encontros da classe para discutir um projeto, discutir um trabalho, ou mesmo para confraternizar, tipo falar de professor, enfim, coisas que universitários fazem. E foi quando eu comecei a ter um pouco mais da life night, da vida noturna.
P/1 – Tem alguma história para contar?
R – Nenhuma que possa ser gravada. (risos).
P/1 – Vamos falar um pouquinho dessa época de transição. De novo, vou fazer uma pergunta da sua relação com os museus, o encanto que você teve quando era estudante de escola, sua primeira ida ao museu; depois chegou a ir a outros. Como foi ao entrar na faculdade? Você procurou de novo esse caminho ou aconteceu?
R – Exatamente. Eu entrei na faculdade e caiu a ficha da questão da carreira de professor: “Eu estou na faculdade, preciso tomar uma direção; vou trabalhar e vou querer seguir a área de bacharel”. Então, não só em museus... Comecei a visitar arquivos de História, Centros de Memória, e comecei a ficar um pouco isolado nessa área porque é uma área muito fechada, tem um núcleo muito fechado, as pessoas se conhecem muito, então, é difícil um novato entrar, se instituir como um profissional da área de museu. Ainda mais que a maioria dos museus são públicos e tem todo um processo de seleção, que é um processo muito criterioso, até concordo. Fico bravo por não ter passado nos processos que eu fiz, mas não critico o fato do processo ser criterioso; é bom para a profissionalização dos museus. Aí eu comecei a sempre visitar museus e centros históricos. Por dois motivos: um, para conhecer; e outro, para perguntar se tinha estágio, tentar fazer um networking.
P/1 – E o seu primeiro estágio foi nessa área?
R – Não, na verdade quase aconteceu meu primeiro estágio nessa área. Fui convidado a fazer estágio no Museu Lasar Segall. Só que era para ser monitor e era na parte da manhã, no final do ano, acho que no final de 2009. E eu estava na faculdade; a faculdade era de manhã e eu não pude continuar o processo de seleção no Museu Lasar Segall. Na verdade, meu primeiro contato com o museu foi um tropeção. Em 2010, eu já estava meio revoltado, num momento de redescobrimento, e, numa das aulas que eu estava tendo, escrevi um artigo que falava sobre a questão do patrimônio cultural de Osasco. E esse artigo caiu nas mãos da Secretária de Cultura. Não sei por que cargas d´água foi cair nas mãos dela, mas, muito certo, alguém tropeçou e derrubou o artigo em cima dela e ela leu. Ela, então, me chamou para conversar e ofereceu para eu trabalhar no Museu de Osasco. A coordenadora, que era minha amiga, havia falecido. Havia falecido há uns dois, três meses, e eu fui convidado a trabalhar já efetivamente no museu.
P/1 – Estava concluindo a graduação?
R – Exatamente, estava concluindo a graduação. Eu fui chamado em março, em 29 de março. Não, comecei as conversas no início de março e fui contratado em 29 de março para ser coordenador do Museu de Osasco.
P/1 – Antes de receber esse convite você fez estágio em algum outro lugar?
R – Não, eu só... A única coisa é que... Era um estágio não remunerado, foi no Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Osasco e região, CDDHO. A sigla é bem grande, não lembro direito, mas creio que seja isso. Foi um estágio, via faculdade, com uma professora minha que trabalhava nesse Centro; no arquivo do Centro. Hoje, o Centro não existe mais. E eu comecei a trabalhar com restauro de papel, com catalogação. Fazer catalogação é a pior coisa que existe. Os arquivistas têm uma grande admiração minha, não sei como eles não ficam loucos ao longo da vida. Mas, trabalhei muito com isso, com higienização de documentos... E, a partir disso, fui para o museu. E nesse meio caminho - não é bem um estágio - comecei contatos. E uma amiga minha avisou que estava tendo um processo de seleção no Arquivo do Estado para se trabalhar no PROIN, que é o laboratório de estudos sobre a intolerância, e que a professora Maria Lucia Tucci Carneiro estava coordenando. Enviei o currículo para ela e fui chamado. Não pude fazer, não pude prestar o trabalho para ela naquele momento, mas ficamos em contato e ela me apresentou outro projeto, com o professor Boris Kossoy, que era o marido dela, que também estava fazendo. E eu comecei a trabalhar como pesquisador assistente deles, no meu tempo livre; aí eu não tinha mais tempo livre, ele era todo ocupado, mas...
P/1 – Então esses dois trabalhos, que começaram como assistente da professora, você faz até hoje?
R – Faço, faço até hoje. Tivemos um período, um hiato, para conversarmos, mas quando ela precisa - ou o próprio professor precisa de mim - eu apareço para fazer pesquisa de fotografias, para ir aos arquivos, para mudar um armário de lugar... É assim a relação.
P/1 – Nessa área, você ajuda os dois professores a olhar. É uma pesquisa deles de doutorado?
R – São pesquisas dos professores livres docentes. Tanto a professora Tucci, quanto o professor Boris... As pesquisas que eles fazem abrangem uma quantidade muito grande de temas, de assuntos. E aí, quando eles precisam de algum auxílio, um auxílio bem mecânico mesmo... Não vou falar de auxílio acadêmico, porque quem sou eu para falar sobre algum auxílio aos professores - tanto o professor Boris, quanto a professora Tucci - mas ir buscar fotografias, escrever um pequeno texto ou coisas do gênero; tirar fotografias, registro, documental de fotografias. Do DOPS, por exemplo, eu já iniciei; dei uma parada e agora reiniciei.
P/1 – Você gosta?
R – Eu gosto. Acho que tudo aquilo em que a gente é um pouco frustrado, a gente acaba fazendo. Eu sempre achei que sou um fotógrafo frustrado; como um autor frustrado. Então, a gente acaba internalizando isso e depois as opções que surgem, você exterioriza, faz acontecer.
P/1 – Conta para a gente, um pouquinho, como é o trabalho no Museu de Osasco? Como você faz, e até como o próprio museu se estrutura.
R – Ah, então... O Museu de Osasco é um museu histórico municipal. Ele conta basicamente a história do município; então, a gente tenta versar sobre a questão do patrimônio material do município. Agora nós estamos com um projeto que visa também... Estamos tentando implementar um projeto que visa ao patrimônio imaterial da cidade de Osasco. O museu... Eu digo que é um museu de um homem só. Eu acordo na segunda feira e vou ser o quê? Vou ser o conservador; então, eu vou lá no acervo, vou olhar. E na terça-feira vou ser o curador - temos uma equipe pequena de cinco pessoas, todos fantásticos, são pessoas maravilhosas! O museu não andaria sem eles; na verdade, são eles que fazem acontecer, a gente só dá um empurrão: “Opa, vamos lá!”. E a relação que eu tenho com o museu é muito boa. Primeiro que eu sou fã daquela casa: o museu se situa num casarão, num chalé do século XIX, final do século XIX, feito com arquitetura veneziana. Tem azulejaria portuguesa, pinho de Riga, tudo... Uma série de características que são fantásticas. E trabalhar naquela instituição, que é uma instituição responsável pelo patrimônio, como historiador... E poder atuar diretamente na questão da preservação da História, é fantástico. Ainda mais sendo novo: tenho vinte e um anos.
P/1 – Então, você coordena todas essas atividades do museu?
R – É, a coordenação acontece comigo e eu delego para outras pessoas fazerem algo a mais que exista para ser feito. E quem responde institucionalmente pelo museu também sou eu. Uma frase que eu achei fantástica - foi o Sílvio Santos quem falou - olha que maravilha, olha que citação, uma frase muito fantástica: “Se o museu vai bem...”, ele não falou do museu, ele falou das instituições dele, mas eu coloco para mim... “se o museu vai bem, eu tenho louros; se o museu vai mal, eu tenho espinhos.” Então, eu acho bem legal essa relação de ódio e amor. Porque, um dia, você acorda e todo mundo está adorando o trabalho do museu, e no outro dia você levanta e o pessoal te odeia.
P/1 – Contei, também, que a gente insemina a metodologia mesmo sem ser escola. Tem uma fase que é ajudar as pessoas que estão participando da formação e entender como esse roteiro é feito. E que ele é flexível, na verdade. Tem um monte de perguntas que eu não fiz, ou se desmembrarem em outras. Isso é que dá a dinâmica também da conversa. Você dizia, depois da frase do Sílvio Santos...
R – Eu acho que a questão é saber dividir os louros, mas nunca dividir os espinhos. Quando divide louros, a instituição ganha com isso. Agora, quando você divide os espinhos, você degrada não só a sua pessoa. Quando você atinge um cargo, uma questão de coordenação, se der errado é porque alguém fez alguma coisa errada e você não percebeu. E nesse caso, no último sentido da palavra, a culpa foi sua. Agora, se deu certo é porque todo mundo fez as coisas certas que você pediu, mas todo mundo fez as coisas certas. Então todos merecem os louros, tanto quanto você.
P/1 – Lá no museu tem uma área educativa? Muitas escolas vão fazer visitas?
R – Nós temos uma área educativa, as escolas do município são muito presentes - o que é muito legal! Porque serve como forma de mensuração da própria atividade educativa. Como ela vai, se ela foi bem ou não. Eu, particularmente, gosto de fazer, de trabalhar na área educativa. Quando eu tenho oportunidade, eu faço. A monitoria... Não sei se você percebeu, mas eu falo que nem uma matraca. Então, tem horas em que as professoras ficam: “pissss” (falou baixinho, tipo para ficar quieto). E eu paro de falar. O setor educativo, no Museu de Osasco, é um pouco falho, creio eu. Nós temos muitas coisas a melhorar, inclusive no tocante à formação, mas identificar os problemas é o primeiro passo para achar soluções.
P/1 – Tem alguma experiência sua profissional, ou talvez como visitante, que foi mais marcante dentro de um museu?
R – Minha experiência profissional mais marcante foi quando eu elaborei o projeto do laboratório de conservação e restauro do Museu de Osasco. Porque eu havia entrado em março e, se não me engano, em abril saiu esse edital da Secretaria de Estado da Justiça, do Fundo de Interesses Difusos. E foi fantástico, porque saiu. Se não me engano, saiu em abril e eu peguei em maio, pincei a carta-consulta, enviei a carta-consulta em maio e aí fui viajar, viajei para o Canadá. Voltei no dia primeiro de julho e, no dia em que eu voltei, a carta tinha sido aprovada. Então, eu tinha um mês para pegar aquela carta-consulta e transformar num projeto; quase a dádiva da multiplicação. Conseguir pegar uma folhinha, quatro folhinhas e transformar naquilo que para em pé. E foi fantástico, porque mergulhei de cabeça. Já estava chamando minha mãe de planilha, minha avó de conteúdo orçamentário, assim, já estava bem bitolado. E foi uma canseira danada para conseguir orçar questões específicas do próprio laboratório. Aí, eu enviei o projeto. Quando vi as cartas-consultas, eu falei: “Caramba! Estou enviando um projeto para concorrer com a Pinacoteca do Estado, com a Casa Rosa; o que o Museu de Osasco vai querer lá?”. E aí aconteceram algumas prorrogações e, quando eu olhei o resultado: o Museu de Osasco aprovado no valor de 820 mil reais! Então a experiência que eu adquiri, não só na área de museus, mas a experiência de elaboração de projetos, acho que foi fantástica. Essa dinâmica da elaboração de projetos foi muito gratificante na formação desse projeto.
P/1 – Vocês têm quanto tempo para executar?
R – O projeto foi pensado em torno de um ano e meio, mais ou menos. Ainda não saiu o dinheiro, está preso na Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, mas assim que ele sair nós pretendemos... Já temos um processo para iniciar licitação e todos os trâmites burocráticos. Mas, creio que em dois anos o laboratório já esteja pronto: laboratório de referência de conservação e restauração de papel e fotografia.
P/1 – Muito bem! Parabéns!
R – Obrigado.
P/1 – Agora, 18 de maio, é o dia dedicado à comemoração internacional do Dia do Museu. Como e por que você considera essa data importante, dentro do contexto brasileiro?
R – É uma data importante porque ela marca o museu como uma instituição, apresenta o museu como um local que teoriza, um local onde se pensa, um local onde se cria, um local onde se pratica. O quê? Cada museu diz o que acontece. Essa data é importante para mostrar que os museus existem. Que eles estão aí e que eles atuam. E que é importante não só prestar atenção na atuação deles, acho que o importante é levar a atuação deles. Acho que museus, centros de memória, em geral... Tem aquela frase: “Se Maomé não vai à montanha, a montanha tem que ir a Maomé.” Então, no dia 18, é interessante pensar como os museus podem chegar numa população, talvez não mais carente, mas uma população periférica. No sentido mais literal da palavra. Uma população que está um pouco mais longe do centro, que talvez precise levar duas horas, três horas de transporte para chegar ao local que ela quer. Então, esse dia, é fantástico por causa disso. Ele apresenta o ser - não só a instituição museu - mas ele apresenta nossa memória. Nós, como seres pensantes.
P/1 – A viagem para o Canadá foi aquela em que você ficou mais tempo fora?
R – Foi.
P/1 – Tem alguma outra da qual você ainda não falou?
R – Não, que eu me lembre não. Tem as viagens em que eu fui para a praia, mas são viagens.
P/1 – Quer falar sobre alguma delas?
R – Não, essas minhas viagens eram viagens de família. A minha família por parte de pai teve sempre um contato muito bom com a família por parte de mãe. Na verdade, minha mãe sempre prezou muito isso: esse contato, para que eu não saísse prejudicado. E as viagens eram fantásticas. Eu saía e ia com todos os meus tios; ou descia para o apartamento da irmã da minha avó; ou descia para a casa de praia da mãe do meu tio. Descíamos em comboio, muitas pessoas, era muito legal. Uma oportunidade de distrair e de ter relações familiares com a minha família por parte de pai. Que eu não via todos eles tão junto assim. Era muito legal!
P/1 – Seu pai mora em Osasco também?
R – Mora. Mora na nuca de Osasco, bem longe. Onde o vento faz a curva.
P/1 – Você namora?
R – Namoro.
P/1 – Há quanto tempo?
R – Ai, meu Deus! Não edita isso, pelo amor de Deus. Eu tinha que lembrar na hora, tem que dar a resposta na lata. Droga! Namoro há dez meses, a se completarem amanhã.
P/1 – Qual o nome dela?
R – Taila.
P/1 – Onde você conheceu a Taila?
R – Conheci no Rotary. Na verdade, foi num churrasco do RYLA - pós RYLA - que a gente faz para confraternizar com os rylenses. E eu a conheci lá; conheci lá e tivemos o primeiro encontro. Eu não a beijei, viajei para o Canadá e deixei aquele gostinho de quero mais. Eu não deveria estar falando isso, mas tudo bem. Aí, viajei para o Canadá e quando voltei... Voltei no dia dois e, no dia três, nós saímos e acabamos ficando. E no dia dezessete do mesmo mês de julho acabei pedindo em namoro. Onde? Nos jardins do Museu do Ipiranga. Olha que coisa! Os museus estão presentes.
P/1 – Muito boa essa história. A gente está chegando quase ao final, eu vou fazer algumas perguntas - você que é historiador - de cunho mais conclusivas. Vou pedir que você se recorde de tudo o que ainda não falou.
R – Na verdade, eu queria contar um causo do Museu de Osasco. A gente estava para fazer um evento e eu consegui a verba para realização do evento dois dias antes do final de semana anterior à semana do evento. E com essa verba, nós corremos atrás e conseguimos fazer os preparativos. Mas, precisávamos de expositores e não tínhamos. E aí, eu comprei os expositores. Eles chegaram na sexta-feira. Eram placas de MDF, e a Prefeitura não tinha marceneiros para mandar, não tinha como. Então, num sábado, às dez da manhã, estávamos, eu e meu tio, no Museu de Osasco, serrando as chapas com uma serra tico-tico que não funcionava. A gente teve que adaptar várias vezes. O jeitinho brasileiro é fantástico, eu adoro isso. Tivemos que adaptar a serra tico-tico várias vezes para funcionar. Com coisas muito básicas, maçanetas de porta... Fizemos os expositores sanfonados. Ficamos até sete da noite fazendo os expositores e arrumando, montando o telão para o projetor e o som. E conseguimos terminar. Saímos com serragem até no ouvido, cansadíssimos porque não tínhamos nem almoçado nem jantado, mas acho que trabalhar num museu é isso: se doar de vez em quando; quando menos se espera!
P/1 – Você leva a família toda.
R – Tem que levar. Daqui a pouco levo até a minha avó para fazer uma carne louca.
P/1 – Vai fazer o maior sucesso. Pensando na sua trajetória de vida e, hoje, olhando para a sua história, que coisas você considera muito importantes da sua vida e da sua história?
R – Coisas que eu considero muito importantes... Em primeiro lugar, família. Família, amigos e professores. Porque eu digo isso? Porque são os três personagens que vão te moldar. A sociedade te molda de uma forma, onde você vive, o seu local... Você altera o seu local e é alterado por ele. Então, seu meio lhe concede ferramentas para que você mesmo se altere ou não, para conseguir constituir alguma coisa. Eu acho que família, amigos e professores são os personagens mais importantes nessa constituição, nessa lapidação.
P/1 – Qual a importância dos museus na sua vida?
R – A importância dos museus é tremenda. Primeiro como instituição. Agora, na Semana Nacional de Museus, em que o IBRAM trata de museus e memória, nós discutimos isso. O que faz você saber o que você é são as memórias da sua família. O que faz você saber como é brasileiro é a memória do seu país. O que faz sentir em determinado local, determinado objeto, determinado lugar, são as memórias. Então, eu acho que os museus são importantes porque são instituições que tratam sobre a memória. Todas as formas de museus sempre trazem (a memória). Não que essa seja a vertente principal de todos os museus, mas eles sempre têm, talvez como segundo plano, a memória, a conservação de uma identidade. E os museus são muito importantes para mim por causa disso. E, também, eles fazem parte da minha vida, sempre tropeçando. É fantástico trabalhar com isso e poder atuar, estar diretamente ligado a essa questão da preservação.
P/1 – Você ainda tem algum sonho para realizar? Qual seria?
R – Tenho muitos sonhos, sonhar não paga nada. Como bom filho de português, se não gasta nada está pra mim. Até feijão na testa!
P/1 – O que você pode contar para a gente?
R – Esses, eu posso. Nem todos. Um dos meus sonhos... Acho que quem trabalha na área de cultura... Eu gostaria muito mesmo, por exemplo... São sonhos mais imediatos... trabalhar no Ministério da Cultura. Isso é um sonho que eu tenho como objetivo; na verdade, é um sonho e uma meta. Outros sonhos são: conseguir me estabelecer, academicamente falando; conseguir fazer uma pós - mestrado, doutorado, ter toda uma vida acadêmica, a básica vida acadêmica das pessoas que trabalham nessa área. É um sonho meu, também; e que também é uma meta. Os meus sonhos viram metas. Eu creio que poder... Na verdade, é um sonho meu também, e um dos meus maiores objetivos, poder dar para minha mãe, pelo menos retribuir para a minha família, aquilo que eles me deram. Acho que, em vinte e um anos, eu devo estar com uma conta, uma dívida enorme, pelo amor de Deus! Mas eu quero, pelo menos, tentar pagar essa dívida para com eles, e poder dizer: “eu consegui!”. Isso é o mais importante. E ter a minha memória, conseguir construir uma vida que tenha uma memória que valha, uma memória que não signifique apenas para mim, mas que signifique algo para alguém. Poder transformar uma pessoa com suas memórias ou com ações, poder fazer com que aquela pessoa olhe e fale que vale a pena. Esse é o meu sonho. Um dos...
P/1 – E como foi dar essa entrevista?
R – Foi fantástico. Foi incrível. Eu adorei a oportunidade. A estrutura é muito boa, as pessoas são maravilhosas. Na verdade, é a primeira entrevista que eu estou dando. Eu quero me acostumar a isso; eu acho que nunca se acostuma, mas espero dar muitas entrevistas assim. As entrevistas que eu dava eram aquelas entrevistas lá no Museu mesmo, falando de alguma peça ou de alguma coisa. Normalmente sentado, porque em pé a jornalista ficava muito com o braço esticado para falar comigo, e tal. Mas, foi uma experiência que, provavelmente, quando eu tiver que contar as minhas memórias de novo ela estará inclusa.
P/1 – Como a gente está chegando ao fim, caso exista alguma coisa que você não tenha falado e que você se lembrou agora, pode contar. Ou da infância mesmo, ou de algum marco. E caso não, a gente vai te pedir para fazer um resumão. Ah, não precisa mais. Então, não precisa mais, antes precisava.
R – Fazer a linha cronológica. Acho que contar coisas, nós ficaríamos aqui e gastaríamos rolos e rolos de fita; e não terminaria. Um tagarela. E, provavelmente, eu seria assassinado pelo pessoal que já está cansado, teríamos todos um problema. Mas eu gostaria de agradecer a vocês pela oportunidade. Agradecer à minha família, aos meus amigos e aos meus professores. E dizer que vivam, não nadem contra a maré, mas também não a deixem levar vocês. Temos que controlar as nossas ações, mas, de vez em quando, é bom desembestar. Abaixa o freio de mão, e vai, até onde parar, que uma hora para. Basicamente, é isso que eu tenho tentado fazer na minha vida; claro que nem sempre eu consigo, tem vezes que não dá. Mas, na maioria das vezes, é interessante tentar ir desse jeito. E eu não sou ninguém para falar para alguém viver a própria vida do jeito que quiser. Cada um vive a vida do seu jeito, esse é o jeito que eu tento viver a minha.
P/1 – João, eu queria, de verdade, agradecer em nome de toda equipe do Museu por você vir aqui e compartilhar a sua história com a gente. Muito obrigado mesmo.
R – Eu é que agradeço.
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