Projeto Memória Votorantim 85 anos - Nossa gente faz história
Depoimento de Herbert Forster
Entrevistado por Cláudia Fonseca e Judith Zuquyn
Curitiba, 06 de dezembro de 2004
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MV_HV030
Transcrito por Thiago de Sá
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
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Projeto Memória Votorantim 85 anos - Nossa gente faz história
Depoimento de Herbert Forster
Entrevistado por Cláudia Fonseca e Judith Zuquyn
Curitiba, 06 de dezembro de 2004
Realização Museu da Pessoa
Depoimento MV_HV030
Transcrito por Thiago de Sá
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Doutor Herbert, eu gostaria que o senhor começasse a entrevista dizendo para a gente o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Bom, o meu nome, Herbert Forster, eu nasci na Alemanha, uma história um pouco complicada porque eu sou luxemburguês, meus pais são luxemburgueses e eu nasci em uma época que meu pai passou dois anos na Alemanha. Eu sou luxemburguês nascido na Alemanha, nacionalizado brasileiro.
P/1 – E o senhor nasceu em que data, doutor Herbert?
R – Em 1942, 11 de junho de 1942.
P/1 – Em plena guerra?
R – É, mais ou menos, nos fins da guerra.
P/1 – Em que cidade lá que o senhor nasceu?
R - _______, é uma cidade pequena que fica perto de Ranoven.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meu pai, Vicente Forster, e minha mãe, Maria Josefina Forster.
P/1 – E o que faziam seus pais, doutor Herbert?
R – Meu pai trabalhava na indústria siderúrgica. Meu pai era da área de manutenção, ele trabalhou em um grupo chamado Arbert ao qual pertence à Belgo Mineira, daí inclusive a nossa vinda para o Brasil. Nós viemos para o Brasil em 1951 e ele veio para trabalhar na Belgo Mineira.
P/1 – O senhor tem mais irmãos?
R – Não, sou filho único.
P/1 – Então o senhor chegou no Brasil com, o senhor estava dizendo, nove anos incompletos?
R – É, chegamos ao Brasil em março de 1951, eu completei nove anos em junho.
P/1 – A sua infância, até essa mudança, foi nessa cidade que o senhor nasceu ou teve mudança?
R – Não, praticamente eu morei até vim para o Brasil, nós moramos em Luxemburgo, em uma cidade chamada Bekmburg. Depois, quando viemos para o Brasil, eu morei até 1957, eu morei em João Monlevade. Meus pais moraram lá praticamente a maior parte, quase até meu pai se aposentar, mas era uma cidade muito pequena que só tinha ginásio, só tinha até o que hoje seria chamado primeiro grau. Depois eu fui para Belo Horizonte para fazer o segundo grau, na época o chamado científico.
P/1 – O senhor lembra assim do impacto que essa mudança causou? O senhor com quase nove anos...
R – Para mim não teve, o choque maior para mim, durante um período relativamente curto, foi mais a questão de escola, porque na Europa eu já estava no terceiro ano primário, e aqui, por causa da língua, eu tive que voltar para o primeiro ano. O primeiro ano é aquele processo de alfabetização, e isso aí me deixava, como criança, me deixava assim, acho que me sentia como retardado, alguma coisa assim. De vez em quando eu me lembro que eu dava bronca em sala, algumas coisas assim, eu não ficava muito satisfeito. A gente nessa idade aprende a língua muito rápido, é uma questão de seis meses que você fala línguas suficientemente, aí me passaram já para o terceiro ano. Nessa transferência eu perdi um ano de escola. Quanto ao resto, acho que o impacto maior foi para meus pais. João Monlevade era uma cidade pequena, que vivia em torno da Belgo Mineira, e meu pai, os primeiros meses lá, ele teve sérias dúvidas se ele tinha levado a família dele para o lugar certo. Mas depois gostou e nunca mais... voltou para a Europa para férias, mas nunca mais teve vontade de voltar para a Europa e acabou construindo a vida dele aqui.
P/1 – Vocês vieram de navio ou de avião?
R – Naquela época de navio.
P/1 – O senhor lembra da viagem?
R – Lembro. São coisas relativamente bem vivas. Nós viemos junto com algumas outras famílias, na época diversas famílias daquela região, Bélgica, Luxemburgo, diversas famílias vieram junto, então a gente não era a única família que veio. Já fui fazendo algumas amizades mesmo no navio. Eram viagens muito longas, levava uns 20 dias naquela época para chegar ao Brasil, mas foi bastante interessante. Tinha piscina à bordo, aquelas coisas todas, naquele tempo já tinha essas coisas, provavelmente mais simples do que hoje, menos sofisticado, então a gente aproveitava. Para criança tudo é novidade.
P/1 – E o que falavam do Brasil para vocês?
R – Na Europa, eu diria que pouca coisa mudou em relação aquilo que é hoje. A Europa, eles têm uma visão do Brasil muito limitada, tanto o americano como o europeu, até hoje isso existe. Porque uma coisa é a imprensa, a outra coisa é o povo mesmo. A Europa é um conjunto de países muito pequenos e, por incrível que pareça, apesar de serem pequenos esses países, o povo sai muito pouco desse lugar. Cada um conhece o seu país. Quando você vai assistir, quando você está lá e assiste algum programa, eles mostram programa daquela cidade, daquele país, coisas como Jornal Nacional são raríssimas de se ver na Europa, é raro mesmo, você vê só coisas locais. Com essa cultura eles sabem muito pouco, eles acham que sabem alguma coisa. Naquela época a família que ficou lá ficava preocupada se a gente ia chegar vivo, eles sabiam que a gente tinha uma empregada, então ficava na dúvida se era gente selvagem, se não era, eram umas coisas assim desse tipo. É surpreendente porque hoje em dia muita gente ainda pensa assim. Quando a gente tem contato superficial com empresários é um pouco diferente, mas o grosso da população ainda tem pensamentos muito próximos desse quadro. A gente quando voltou, explicava um monte de coisa, tudo como era. Nós nos adaptamos muito fácil, nós nos adaptamos, eu, a partir de uma certa época, falava em português com meus pais, a gente não falava mais luxemburguês dentro de casa. A gente se adaptou muito fácil.
P/1 – A família se estabelece em João Monlevade, depois o senhor vai para Belo Horizonte fazer o seu segundo grau, científico?
R – Eu fui de sorte, relativamente de sorte na minha vida porque eu fiz o primário e, na época, seriam quatro anos de primário e depois existia um exame de admissão para fazer o tal ginásio. Naquela época, quando eu estava no quarto ano, fundaram em João Monlevade, um padre fundou o primeiro ginásio. Fui aluno da primeira turma do ginásio de João Monlevade. (emoção)
[pausa]
P/1 – Dá o que, uns 50 quilômetros de Belo Horizonte?
R – Não é mais, uns 100 quilômetros.
P/1 – 100 quilômetros?
R – É. Eu me lembrei um pouco dessa primeira turma, já, já passa.
P/1 – Não tem problema, doutor Herbert. Uma lembrança boa, vamos lá! O senhor foi...
R – Eu acabei fazendo o ginásio lá, porque naquela idade, se eu fosse para Belo Horizonte, eu teria que ficar internado, era tudo internato naquela época.
P/1 – Eu ia lhe perguntar isso. O senhor foi sozinho?
R – Era muito novo para morar sozinho.
P/1 – É.
R – Eu acabei fazendo o ginásio lá e depois quando terminei o ginásio, eu fui para Belo Horizonte, fui fazer científico, aí já tinha condições de morar em uma república e fiz muita amizade por lá. Quando eu fui para Belo Horizonte, estudei em um colégio estadual, apesar de ter sido a primeira turma de um ginásio, o colégio estadual, os colégios estaduais naquela época eram os melhores colégios das capitais. Você tinha que fazer exame de admissão, vestibularzinho, passei direto graças ao ensino que a gente teve no ginásio. Fiquei em Belo Horizonte até concluir a faculdade porque já saí de lá, fiz a Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte também, fiquei lá.
P/1 – O senhor cursou?
R – Eu descobri isso com o passar do tempo. Essa questão de língua eu descobri com o tempo a facilidade, porque até hoje eu guardo francês, quando eu vou a algum lugar que o pessoal fala que falo francês bem, sem sotaque, o alemão também, o luxemburguês que eu menos pratiquei, como eu falei, a gente sempre falava português, então o luxemburguês precisa ficar pelo menos uma semana ou duas para as palavras voltarem, senão você fala várias línguas, você fala um pouquinho de alemão, um pouquinho de francês, e tudo isso. Quando falo inglês, aí todo mundo diz que eu tenho sotaque alemão.
P/1 – No inglês?
R – É. Em inglês. Mas o português, eu vim muito jovem para cá, ninguém que viesse comigo nessa idade, que veio nessa idade, que eu conheci e convivi, tinha sotaque. Não dá. Os pais têm, minha mãe, meu pai já faleceu, mas o meu pai, minha mãe tinham sotaque. E até hoje tem. A gente quando jovem, chega nessa idade, não pegava sotaque.
P/1 – A gente estava falando do seu curso universitário. O senhor foi cursar?
R – A UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais.
P/1 – Curso de?
R – De química.
P/1 – Química, não engenharia química?
R – Engenharia química.
P/1 – Ah, tá.
R – Lá era engenharia química, não tinha curso de química, era engenharia química.
P/1 – E por que o senhor resolveu ir para essa área, doutor Herbert?
R – Química? Foi uma coisa também interessante. Nós tínhamos no curso científico um dos professores que mais marcou a turma foi o professor Elias Murad tenho a impressão que ele hoje é, ele era catedrático da Faculdade de Farmácia, farmacologia, e eu acho que ele hoje ainda é deputado federal, se não me engano, é um deputado muito contra coisa de drogas e... Eu não sei, faz tempo que não ouço falar dele. Ele marcou muito porque ele tinha uma didática fabulosa, a nossa turma, o nosso segundo grau científico tinha 22 alunos, desses 22 alunos, sete foram para o curso de química, e todos os sete passaram direto. Não fizemos vestibular, passamos direto, e convivemos esse tempo todo, são as maiores amizades que eu tenho.
P/1 – Os sete juntos? Olha que bacana!
R – É, exato. Duas moças e cinco rapazes. Teve uma influência muito grande. Eu tive uma época um pouco de vontade de fazer eletrônica, talvez um pouco por influência do meu pai, meu pai era formado na área elétrica, meu pai não era engenheiro, mas era formado na área elétrica. Ele sempre dizia para mim que eletrônica era a ciência do futuro, mas eu acabei gostando realmente de química.
P/1 – Qual foi o seu primeiro emprego, doutor Herbert?
R – Meu primeiro emprego foi cimento.
P/1 – Cimento já direto?
R – Eu me formei, aliás, eu comecei a trabalhar na área de cimento seis meses antes de me formar.
P/1 – Em que lugar?
R – Na Itaú, hoje faz parte da Votoran. Itaú mais tarde foi comprada pela Votoran. Eu comecei a trabalhar na Itaú em 1967.
P/1 – Antes mesmo de se formar. E nessa época, que função o senhor exercia?
R – Eu comecei como, os seis primeiros meses como estagiário, depois eu comecei a trabalhar no laboratório, depois eu trabalhei uns tempos na mineração. Naquela época as fábricas não tinham engenheiro de mineração, trabalhei um pouquinho em mineração, trabalhei na área de argila, matérias-primas, depois aos poucos fui trabalhando na área de moagem, foi mais ou menos indo nessa sequência.
P/1 – Como era a fábrica da Itaú em 1967, quando o senhor entrou, dá para descrever?
R – Dá para descrever. Hoje, onde era a fábrica, é um shopping, lá em Belo Horizonte, na Cidade Industrial. Era tudo processo via úmida, eram fornos muito pequenos, fornos de via úmida muito longos, não tinham filtro de pó, tinha uma emissão de pó bastante grande. Essas fábricas, no caso específico da fábrica Itaú, há outros exemplos semelhantes, elas foram lá por incentivo de governo para a Cidade Industrial de Belo Horizonte, essa fábrica foi parar lá. Naquela época não morava ninguém lá, quer dizer, residencial não era, então não havia uma preocupação no início com a questão de poluição. Naquela época não era uma coisa totalmente anormal as fábricas não terem equipamento anti-poluição, eram sistemas mais antigos. A fábrica nem sequer tinha lugar para colocar equipamento anti-poluição, são equipamentos de grande porte que precisam de muito espaço. Como acontece na maioria das vezes, os governos acabam se descuidando um pouco, começa a criar muitas casas ao lado das fábricas aí, muitos anos depois, aquelas pessoas que moram lá começam a reclamar que as empresas estão poluindo. Aí havia dificuldade de adaptar a fábrica. Todo engenheiro químico, ele imagina trabalhar em áreas limpas, em áreas sofisticadas, vidraria, coisas coloridas, tudo branco, e quando eu fui parar primeira vez em uma fábrica de cimento, quando eu conheci a fábrica de cimento, não conseguia entender que aquilo ali poderia ser um processo químico. É um negócio imundo, por todo canto, via úmida em vez de, se trabalha com lama, o material é misturado, na hora de moer é misturado com água, então virava lama. Essa lama era alimentada ao forno, depois ela era secada ao longo do forno, para isso o forno tinha que ser muito comprido. Hoje um forno tem 50 metros de comprimento, naquela época tinha 120 mestros de comprimento, era uma verdadeira salsicha, então esse ambiente foi um choque em termos de expectativa de um engenheiro químico. A razão principal que me fez iniciar na indústria de cimento foi que meu pai era funcionário da Belgo Mineira, naquela época, como filho de luxemburguês, o normal era eu ficar na Belgo Mineira, mas quando eu vi nos corredores da faculdade um anúncio de vaga para estagiário, e depois de estagiário acabei sendo aceito como funcionário, que era uma espécie de seleção, conseguir alguma coisa pelo meu próprio esforço foi o supra-sumo, foi uma razão que eu acabei ficando. Depois fui me acostumando com o ambiente, conhecendo melhor o processo e acabei realmente gostando senão não teria ficado todo esse tempo.
P/1 – O senhor, isso em 1967, que é...?
R – Forte, é um grupo... Alguns deles até alguma experiência, de universidade inclusive... de indústria. Mas não eram assim, por exemplo, o pessoal da parte industrial, da química industrial, era pessoal da Petrobrás, no entanto o curso era muito direcionado inclusive para operações unitárias usadas na prospecção de petróleo. Não quer dizer que outras coisas não foram incluídas, outras operações, mas a engenharia química se baseia em operações unitárias, o que é isso? São processos que são comuns a determinados tipos de indústrias, por exemplo, existe uma operação unitária que se chama redução de tamanho. Redução de tamanho significa pegar uma matéria-prima e diminuir o tamanho dela, britador é isso, moinho é isso, tem todo equipamento que faz esse processo, então é muito amplo, pode ter coisa que é usado em indústria do cimento, tem coisa que é usada em indústria siderúrgica, tem coisa que é usada em indústria farmacêutica, só que um tem um britador de não sei quantas toneladas, o outro pode ter um britador, moinho de laboratório, mas tudo isso tem um conhecimento que é comum a toda essa área. Então a indústria química se divide assim, você não aprende, por exemplo, na indústria química, no curso de engenharia química você não aprende indústria de cimento, indústria siderúrgica, indústria disso, daquilo. Você não aprende por indústria, você aprende por processo unitário, e é um conjunto de segmentos que compõe toda a indústria química existente.
P/1 – O senhor disse que houve um recrutamento. Na verdade eles estavam recrutando estagiários para...
R – Quando eu entrei na Itaú foi mais ou menos na época de transição entre o processo de via úmida e o processo de via seca, foi nessa época que surgiu o processo de via seca que eles usam até hoje. A Itaú na época tinha no Brasil três fábricas de cimento: tinha a fábrica de Belo Horizonte, tinha a fábrica de Itaú de Minas e a fábrica de Corumbá. Ela tinha um projeto de fazer mais três fábricas de via seca, três fábricas de grande porte para época, comparadas com as outras mais antigas. Uma seria Itaú do Paraná, para a qual eu acabei indo, a outra em Tocantins, Cimento Tocantins, existe até hoje, e a outra a Aratu que também foi a maior fábrica, mas hoje já fechou.
P/1 – E existiam outros engenheiros químicos quando o senhor entrou?
R – Na época eles contrataram engenheiros químicos, contrataram engenheiros mecânicos, tudo pessoal para no programa de treinamento ser pessoal novo para conduzir essas novas fábricas. Eles contrataram mais engenheiros, engenheiros de outras áreas, e eu fui naquela época o único estudante, fui como estagiário, mesmo assim acabei ficando. Os outros engenheiros também eram relativamente novos, mas não formado eu fui o único, mas já previsto para esse projeto. Tanto que em 1969 a gente formou grupos, eu fiz parte de um grupo de três, nós fomos, ficamos três meses na Dinamarca, onde eram os principais fornecedores de equipamento, conhecia a metodologia. Naquela época no Brasil ainda não se dominava a tecnologia de cimento, então eu fui para lá fazer estágio, fiquei durante três meses fazendo estágio, aprendendo alguma coisa sobre essa parte de via seca já que as novas seriam de via seca.
P/1 – E quando o senhor vai para a Itaú Paraná?
R – Em 1972.
P/1 – Quando eles instalam a planta?
R – É. A planta rodou em 1973. A Itaú do Paraná contratou praticamente um monte de gente nova, todo mundo, desde o gerente, engenheiro mecânico, engenheiro eletricista, todos vieram de outras áreas, eu fui o único engenheiro que veio da área de cimento. Tivemos que fazer um programa de treinamento dos forneiros, tivemos que montar o laboratório, transmitir alguma coisa, tentar transmitir alguma coisa para o pessoal que estava fazendo a montagem da fábrica. Naquela época as fábricas tinham muita assistência, quando era feita uma montagem vinha muita gente de fora, inclusive quando a fábrica entrava em operação também tinha muita assistência de engenheiros que vinham de fora até que a fábrica estivesse rodando plena. Era um processo que hoje em dia se chama “chave na mão”, o pessoal vem, monta a fábrica, roda a fábrica, quando ela está rodando bem, te dá a chave: “Agora você roda sozinho.”. Naquela época era feito muito assim.
P/1 – Como era treinar o pessoal? O senhor falou: “Treinar forneiros”.
R – O Paraná era muito interessante naquela ocasião porque eu me lembro, o pessoal contratava instrumentista, então aparecia, o cara que tinha mais experiência como instrumentista, era o cara que montava rádio em automóvel, porque aqui era um estado essencialmente agrícola, não existia indústria, Cidade Industrial veio muito tempo depois. Candidatos a operador de forno para essa área de operação era contador, auditor aqui do estado, enfim, eram pessoas que nunca tinham mexido com nada. Nós demos alguns cursos para eles, cursos básicos, depois nós levamos esse pessoal para fábricas nossas onde existiam fornos de via úmida, não havia jeito de treinar em seco porque não existia, mas para eles adquirirem a sensibilidade. Você operar uma máquina é mais ou menos, você pode comparar com dirigir um automóvel, você não aprende a dirigir lendo o manual só, em algum momento você tem que sentar ali, sentir o acelerador no seu pé, sentir o freio no seu pé, aprender os movimentos e isso também, a pessoa precisa adquirir a sensibilidade de perceber o equipamento. Isso aí o pessoal adquiriu, pouquinho, né, claro que adquire com muito tempo, mas o tempo de treinamento era dois, três meses, e o resto depois foram adquirindo com os engenheiros estrangeiros que vieram. Depois, técnicos para laboratório já era um pouco mais fácil de achar porque aqui tinha escola técnica. Esse pessoal a gente formou dando aula sobre cimento, tentando transmitir aquilo que a gente sabia, o pouco que a gente sabia, que também era relativamente novo.
P/1 – Essa fábrica era de fato uma fábrica moderna?
R – Era uma fábrica moderna.
P/1 – Montaram o processo...
R – A Itaú foi assim a fonte de renovação da Itaú, a Itaú do Paraná. Porque veio só gente nova, então junto com essas pessoas novas vieram idéias novas, idéias novas de gerenciamento, idéias novas de... A Itaú, ela passou por um processo de renovação ou de transformação, mais ou menos naquela época, coisa que a Votoran passou talvez agora na década de 1980, 90, a Itaú passou na década de 1970, 80. Eu pelo menos comparo assim porque a Itaú tinha, a liderança mais forte da Itaú morreu muito cedo em um acidente de automóvel com seu filho mais velho, então seria equivalente ao doutor José, vamos dizer assim, na Votoran, na Itaú é da família Meireles, eu não me lembro agora o primeiro nome, mas ele junto com o filho mais velho faleceram em um acidente de automóvel no estado de São Paulo. O filho mais novo era muito novo em 1967, eles faleceram acho que em 1968, por aí, no primeiro, segundo ano que eu estava na Itaú. Houve muitas mudanças na Itaú, aquela linha houve muita mudança de administração, entrou muita gente de fora, começou a entrar muitas pessoas, entraram executivos novos, então a Itaú teve muita, além disso, a Itaú que tinha três fábricas, fez mais três fábricas novas, é você dobrar. Alguém dobrar a capacidade da empresa é uma coisa fantástica, assumir dívidas, além de tudo assumir dívidas, um monte de gente nova que tinha começado a trabalhar, então isso foi uma mudança cultural muito forte.
P/1 – Aqui no Paraná tinha a Votorantim como vizinha?
R – Tinha, tinha a Votorantim como vizinha.
P/1 – O pessoal se encontrava, falava, conversava alguma coisa ou não?
R – Não.
P/1 – Nesse momento ainda não?
R – Não. A Votorantim, naquela época, era muito fechada, a empresa era muito fechada. Havia mais é concorrência, a Votorantim era a única no mercado, aí entrou uma nova empresa no mercado, naquela época nós nos esforçamos para ocupar um espaço nesse mercado. A gente tinha uma linha de atuação a nível de mercado um pouquinho diferente, a gente visitava os clientes, estava muito junto de clientes, pegávamos obras grandes, naquela época se construíram, foram construídas muitas hidrelétricas aqui ao longo do Rio Iguaçu, então entramos em muitas obras dessas, pegamos obras grandes. Então a Itaú do Paraná adquiriu um nome bastante forte para ocupar o espaço, a Votoran já tinha, mas não houve muita, talvez a nível administrativo, a nível comercial talvez tivesse até relacionamentos, mas a nível de fábrica era bem diferente.
P/1 – Depois a própria Votorantim assume o controle acionário da Itaú. Nessa época, doutor Herbert, que função o senhor estava na Itaú?
R – Eu era gerente técnico na Itaú do Paraná quando a Votorantim assumiu o controle da Itaú. Na Itaú do Paraná comecei como chefe de produção, depois passei a gerente técnico, pouco tempo antes da Votoran assumir.
P/1 – O senhor lembra de como ficou sabendo dessa venda?
R – (risos) Nós ficamos sabendo na festa de Natal.
P/1 – É mesmo?
R – Foi uma coisa de supetão, ninguém ficou sabendo antes, não. Foi na festa de Natal, talvez assim uma semana antes do Natal, quando havia a festa de fim de ano, foi comentado que seria oficializado na segunda-feira seguinte. A festa foi em um fim de semana, então na segunda-feira seguinte seria oficializado.
P/1 – Todo mundo levou um susto?
R – Todo mundo levou. Eu não sei se vazou nessa festa ou se a intenção era mesmo comunicar ali, mas foi uma coisa que não era esperado. Na verdade houve um desencontro, eu acho que houve um esfacelamento um pouco da unidade de acionistas da Itaú. Cada um, ao invés de continuar no negócio, cada um quis cuidar do seu próprio negócio, aí não havia ninguém que tivesse suficiente maioria sozinho, então no fim acho que, como normalmente acontece, melhor todo mundo vender junto do que dois venderem separado e os outros não venderem. A Votoran acabou adquirindo o controle acionário.
P/1 – O senhor lembra quais foram as pessoas da Votorantim, as primeiras pessoas que falaram com o senhor?
R – Lembro. Na verdade aconteceu um processo bem interessante dentro da Votoran, até dentro da Itaú, porque quando aconteceu esse processo, o então gerente da Itaú, ele tomou, em um primeiro momento ele tomou uma atitude de fazer com que todo mundo da Itaú pedisse demissão. Todo mundo do corpo, até chefes de departamento. Ele até tomou, na época, a liberdade de, sem nos consultar, de montar um caderno de currículo de cada um e oferecer esse currículo a outras empresas. Coisa que, particularmente, eu não aprovei, provavelmente alguns outros, mas eu estou um pouco mais por mim, então houve uma certa desunião interna na Itaú do Paraná naquela época e foi um clima injustificado, mas houve um clima de salve-se quem puder. Eu acabei sendo, através de uma circular, eu acabei sendo destituído do meu cargo, isso já depois de feita a transferência, e colocado uma outra pessoa no meu lugar, coisa que naquele momento não se justificava mais porque já tinha ocorrido a transferência. Então houve de tudo, não foi um momento de muito bom clima, de conhecer a face, diversas faces das pessoas. Quem primeiro procurou quem, eu primeiro acabei procurando a Votoran e falando assim: “Eu sei que vai ocorrer uma transferência. Está acontecendo isso assim, não estou aprovando isso.”, eu já tinha decidido que eu não iria sair da empresa, e a maioria acabou saindo. A maioria acabou saindo, formaram uma firma de engenharia que acabou durando relativamente pouco tempo, eu acabei ficando na Votoran. Dentro da Votoran meus contatos foram, meus primeiros contatos foram com o senhor Pascoalino, com o engenheiro Vilar, essas foram as duas primeiras pessoas que eu conheci nesse primeiro dia de contato. Depois eles me tranquilizaram, falaram que ficasse tranquilo que em breve teria um contato, alguma coisa assim, e depois, através do doutor Dalsbork, que era o diretor técnico, eu fui convidado para dar uma ajuda na Rio Branco, em algumas coisas que a Rio Branco precisava fazer. Eu acabei indo em caráter provisório para a Rio Branco e desde esse caráter provisório acabei ficando. Trabalhei alguns meses, algum tempo na Rio Branco ainda como funcionário da Itaú, marcando o ponto na Itaú e depois indo para a Rio Branco, mas depois acabei sendo transferido definitivamente para a Votoran.
P/2 – Quais diferenças o senhor lembra que eram fundamentais no processo produtivo das duas? Tinha diferenças?
R – Algumas diferenças no processo produtivo não havia, a diferença principal entre Itaú e Rio Branco, era que a Itaú era uma fábrica totalmente nova, quer dizer, ela veio nova, é um processo de última geração daquela época, daquele momento, e era totalmente nova. A Rio Branco era uma fábrica antiga que tinha quatro fornos de via úmida e que também já tinha instalado dois fornos de via seca, mas era o novo misturado com o velho. A Itaú era uma fábrica clean, era uma fábrica no sentido da palavra mesmo, era uma fábrica limpa, toda arrumadinha e a Rio Branco era uma fábrica toda remendada, uma fábrica um pedaço aqui, um pedaço ali porque começou em uma época e trouxe, evidentemente consigo, as consequências de todos aqueles anos já de existência. Mas ela tinha na época já dois fornos com a mesma tecnologia, ela até, nesse sentido, ela até se antecipou um pouco à Itaú, a Votoran adquiriu o forno via seca antes da Itaú, mas a Votoran adquiriu e colocou fornos via seca nas fábricas existentes, e a Itaú fez fábricas novas devido às circunstâncias de cada uma. Naquela época a Votoran já era o primeiro fabricante no Brasil e a Itaú era o segundo, em termos de contrastar a produção, só que os locais onde a Itaú estava localizada não justificava colocar fornos de maior capacidade via seca, então ela foi buscar outros mercados, por isso que ela veio para o sul, foi para Tocantins, para Brasília, justamente porque em Belo Horizonte naquela época ela não tinha, ela não pensava em pôr forno via seca.
P/1 – Nessa transição é exatamente o momento que o Brasil está entrando na fase das grandes obras e há grande necessidade de cimento. O cimento, a gente tem informações de que uma época que ele começa a faltar, estava tudo indo, por exemplo, para a construção de Itaipu. Ele chegou mesmo a faltar no mercado, doutor Herbert?
R – Quando eu vim para a Rio Branco foi justamente essa época de Itaipu. Foi praticamente o primeiro desafio que eu tive. Uma outra diferença que existia naquela ocasião entre Rio Branco e Itaú era, novamente, por uma ser nova e a outra ser ainda mais velha, a Itaú tinha diversos engenheiros. Na Rio Branco, na época, praticamente na área de fábrica havia um engenheiro antigo. O engenheiro Villar também estava lá fazia relativamente pouco tempo, tinha vindo do sul e não havia praticamente engenheiro na Rio Branco, então a Rio Branco operava em um nível, em um grau de conhecimento técnico inferior à Itaú naquela ocasião. Diversos desafios apareceram quando se teve necessidade de se fazer cimento para Itaipu. Em um primeiro momento o processo, da forma como estava o processo da Rio Branco não facilitou, não havia condições, vamos dizer assim, técnicas imediatas para atender às especificações de Itaipu. Nós tivemos que fazer uma série de mudanças e foi justamente nessa época que eu entrei, então participei de todo esse processo. Na minha opinião aconteceu uma coisa interessante quando a Votoran adquiriu o controle da Itaú, ela capturou bastante essas coisas novas da Itaú. A Itaú, uma fábrica, estou sendo um pouco repetitivo, mas por ser uma fábrica nova, ela tinha restaurante para os funcionários, ela já tinha um consultório médico para funcionários e a Rio Branco não tinha nada disso. Quando a Votoran comprou, em um prazo muito curto, a Rio Branco acabou fazendo restaurante, usou até o mesmo projeto, e uma série de aspectos sociais que naquela ocasião a Itaú do Paraná tinha – a Itaú do Paraná tinha, mas deve-se salientar que as outras fábricas antigas da Itaú também não tinham – houve essa adaptação e, assim, o próprio processo também, a parte técnica foi evoluindo. Não foi só o processo em Itaipu, mas naquela época realmente começou um processo de, eu diria quase que de modernização, isso já foi por volta de 1978, 1979. Chegou também o processo, houve aquele período de falta de petróleo que houve aquela crise no mundo da falta de petróleo, entrou o consumo de carvão em substituição ao óleo combustível, também uma tecnologia que acabamos desenvolvendo dentro da empresa porque o pessoal de fora, eles não tinham experiência com o carvão como nós aqui no Brasil temos. O carvão do Brasil é um carvão muito pobre, ele tem muita cinza, o carvão na Europa, Estados Unidos, é carvão nobre, tem 5, 6% de cinza, o nosso tem 30, 40% de cinza. Todo mundo dizia, pessoal de fora, quando você ia pegar alguma consultoria, dizia: “Vocês não vão conseguir substituir. Vocês vão conseguir substituir 30, 40%, mas não mais do que isso”. Nós, em um período de mais ou menos um ano, conseguimos substituir 100%, usar 100% do carvão. Atendemos os requisitos de Itaipu, acho que a Rio Branco forneceu 80% do cimento de Itaipu, e também conseguimos fazer frente à substituição do óleo por carvão. Foram dois dos maiores desafios. Naquela época a gente vivia na fábrica, de segunda a segunda.
P/1 – Eu ia perguntar.
R – Aqui na estrada, na Rodovia dos Minérios tinha um restaurante, um tal de Dona Lisa, que fazia, que tinha uma comidinha muito boa, e minha esposa pegava nossos dois filhos no domingo e ia para lá para a gente almoçar junto. Era a maneira de eu encontrar com os filhos porque a gente passava o tempo todo na fábrica.
P/1 – Eu ia lhe perguntar exatamente esse cotidiano dessa época, foi um desafio muito grande. Mais de um milhão de toneladas.
R – Foi.
P/1 – Todo mundo trabalhava, estava envolvido nisso?
R – Sim, todo mundo. Todo o pessoal da empresa. E as coisas eram menos, as fábricas eram, o trabalho era menos sistematizado, o trabalho dependia mais do esforço individual das pessoas. Para conseguir os mesmos resultados as pessoas tinham que se esforçar mais do que hoje, porque as ferramentas disponíveis, os equipamentos disponíveis, os recursos, muitos equipamentos, principalmente a parte elétrica, eletrônica. Naquela época, eu me referi até agora, praticamente você não tinha quase nenhum computador, a única coisa que você tinha era uma calculadora, mas computador não existia. Não sei como a gente conseguia viver porque não tinha e-mail, não tinha internet, não tinha computador, não sei como a gente sobrevivia naquelas condições. Você, quando mandava um memorando para alguém, escrevia o memorando à mão, a secretária datilografava, punha em uma caixa de saída, aí passava um cara, pegava aquilo, levava para outro. Então exigia mais, todo o trabalho exigia mais esforço por parte das pessoas. A vivência, eu acho que hoje, comparado com aquela época, uma das preocupações, por exemplo, que eu tenho, eu tenho dois filhos, então eu deixo um pouco o saudosismo de lado, procuro viver os dias de hoje, não quero dizer que o antigo era melhor, mas eu acho que naquela época a gente tinha maior conhecimento de causa. Hoje a tendência é as pessoas quererem resolver tudo dentro do escritório, resolve tudo via computador, via e-mail, via tudo, então aconteceu um problema no forno, alguém manda um e-mail explicando o que houve, mas será que ele foi lá ver de fato o que houve? E naquela época, não. Naquela época a gente vivia mais no campo, talvez vivesse demais, esquecendo outras coisas, mas a gente vivia muito no campo, o tempo inteiro dentro da fábrica.
P/1 - O senhor lembra de algum momento que tenha marcado ou que tenha dado uma coisa, porque vocês estavam sempre testando esse tipo de cimento para Itaipu. Alguma coisa que deu muito certo ou alguma coisa que deu muito errado que tenha marcado nesse período.
R – Nós tivemos, no início, uma das coisas que foi feita, nós tivemos fiscais de Itaipu dentro da fábrica. Nós concordamos em ter. Eles trabalhavam em turno, para a gente adquirir confiança deles, eles ficavam dentro da fábrica e eles atendiam, eles acompanhavam os controles que nós fazíamos. Como eu disse, os equipamentos eram muito, os equipamentos de moagem e tudo eram muito precários naquela época, não havia balanças para dosar, tudo tinha que ser feito manualmente, então havia muita dificuldade para conseguir atender as condições. O cimento não podia ter magnésio, e a nossa matéria-prima tem magnésio, então tinha que ser feito uma extração na mina seletiva, tirando só o calcário de baixo do magnésio para Itaipu, então todos esses controles, tudo isso foi no início bastante complicado. Mas eu diria que só tivemos sucesso, ao longo de, o fornecimento foi durante, nem me lembro, acho que perto de uns dez anos nós fornecemos, algo em torno disso. E nós chegamos a carregar uma época mais de 1500 toneladas de cimento por dia durante a época de pico. O que é uma quantidade muito grande, tudo em caminhão granel. Então ter sempre o cimento disponível era um dos desafios e tivemos muito pouco problema, tivemos ao longo do tempo muito pouco problema. Tivemos uma vez um problema relacionado com o tempo de pega do cimento, em função de um tipo de gesso, um gesso que nós precisamos mudar, tivemos que mudá-lo, e esse gesso tinha um componente químico que interagia com um aditivo que Itaipu usava, mas isso foi uma coisa assim de uns três, quatro dias. Fora isso, não tivemos assim grandes problemas não.
P/1 – A Votorantim forneceu cimento para Angra também, ou não? Para a construção da usina de Angra dos Reis.
R – Talvez através de uma outra fábrica. Naquela época a interação entre as fábricas não era muito grande não, só que quem trabalhava na Rio Branco, conhecia a Rio Branco, quem trabalhava na Santa Helena, conhecia a Santa Helena, não havia muito, então a Rio Branco não forneceu não.
P/1 – Até é interessante o senhor citar isso, quer dizer, há um momento em que acontece a interação entre as fábricas.
R – Essa interação é muito recente.
P/1 – Recente, pois é. Mas eu queria que o senhor falasse um pouquinho disso. Isso foi importante, é importante?
R – Sem dúvida é importante. Eu fiquei na Rio Branco até 1990, em 90, até lá eu fui gerente da Rio Branco durante uns sete anos, e eu queria fazer alguma outra coisa. Eu sempre me formei, desde jovem, sempre me formei mais como técnico do que como administrador, e eu queria trabalhar em uma área técnica. Fiz uma proposta na empresa, na época, de ir para uma área técnica, mais técnica ao invés de continuar como gerente da Rio Branco, não queria mais continuar como gerente da Rio Branco. Na época, como a Votoran era uma empresa que segmentava, tinha a área nordeste, tinha a área São Paulo, tinha a área do sul, não havia uma unidade, vamos dizer assim, administrativa que pudesse comportar uma área técnica geral. Então eu acabei ficando como um consultor técnico mais externo à empresa, mas continuei trabalhando de 1990 a 1999 direto com a empresa e, nessa ocasião, como consultor, como pessoa de fora, sendo solicitado pelas diferentes áreas, eu acabei tendo a oportunidade de conhecer, porque eu acho que de alguma forma sempre havia um pouquinho de preocupação que quando alguém de uma fábrica que fosse na outra: “Será que ele vai ver nossos podres aqui? Será que ele vai vim ver o que nós estamos fazendo de errado?”, então havia muita relutância, se relutava muito de ir de uma fábrica à outra. Como pessoa externa, eu na época já tinha bastante experiência, podia ajudar cada fábrica sempre na solução dos problemas, então acabei visitando as fábricas do Nordeste, as fábricas de São Paulo, acabei conhecendo todas as fábricas, mas ainda não existia essa unidade, isso não existia, esse intercâmbio não era tão intenso a nível de funcionário de empresa. Essa maior interação começou a surgir, ela amadureceu com o surgimento da Votorantim Cimentos, a holding Votorantim Cimentos onde a partir de um modelo se procurou construir uma estrutura que todas as fábricas começassem a existir, a trabalhar dentro de uma determinada unidade.
P/1 – O senhor fica durante quase dez anos fazendo essas visitas.
R – Fiquei nove anos fazendo isso.
P/1 – Pois é. O que a gente pode comparar dessa época, doutor Herbert? Como era uma fábrica, como era a outra? Diferenças, semelhanças.
R – No Brasil tem muita diferença cultural. O nordeste, por exemplo, é marcante, é muito diferente, fortemente diferente do sul.
P/1 – Isso interfere no tipo de produção? Na orientação?
R – Interfere um pouco na forma de conduzir as pessoas, o processo, mais ou menos, foi idêntico. No nordeste também o mercado não era tão exigente durante muito tempo, então as fábricas no nordeste trabalhavam de uma maneira um pouco mais folgada, vamos dizer assim, elas tinham equipamento com uma certa capacidade e raramente essa capacidade era solicitada ao extremo, então elas trabalhavam com uma certa folga. A participação no mercado também, no nordeste, da Votorantim, era menor do que a média, então essas fábricas eram menos solicitadas do que as, mas elas tinham equipamentos, tinham até uma variedade maior de equipamentos porque aí era mais um pouco orientação de determinado segmento da própria família, cada um tem uma visão onde comprar os equipamentos. Uns compravam da Poliseos, outros compravam da F. Smit, então havia pequenas diferenças, mas nada que pudesse dizer que o processo em si era diferente. A Santa Helena também sempre foi uma fábrica de um desafio muito grande, porque foi a primeira fábrica do grupo, e uma fábrica que cresceu muito. Ela cresceu de uma maneira um pouco desordenada, então tornou-se uma fábrica difícil, à medida que ela foi crescendo, ela foi ficando cada vez mais difícil de fazer manutenção, acabou tendo muitos equipamentos e, além disso, o calcário dela é a única mina nossa que acabou mostrando necessidade de uma lavra subterrânea, que também é um processo mais caro, um processo que faz com que a matéria-prima seja mais cara. Hoje não é mais assim, a fábrica, é uma fábrica que está assim como stand by, mas não é, a produção em Salto é mais favorável do que na Santa Helena.
P/1 – Doutor Herbert, quando é que começa a automação dos processos de cimento?
R – A automação começou aqui para a Rio branco por volta de anos 1980. 1981, 1982 começou a automação. Foi quando começaram a surgir, no lugar dos antigos quadros de relés, começaram já a surgir sistemas de PLC. Eu não lembro agora exatamente essa data, mas é mais ou menos por aí.
P/1 – E o impacto? Principalmente nos funcionários.
R – O impacto, havia antigamente, todos os, até então, os operadores dos equipamentos geralmente ficavam próximos. Operador do forno ficava na plataforma de forneiro, o operador de moinho, idem, então com esses processos foram surgindo os controles centralizados, os painéis centrais de controle. A gente, ao invés de pilotar visual, começou-se a pilotar por instrumentos, e isso criou uma mudança bastante grande. Tanto que quando nós implantamos os fornos seis e sete na Rio Branco, ao invés de optarem em aproveitar os operadores dos antigos fornos, nós pegamos pessoal totalmente novo, porque nós achamos que seria mais fácil um camarada que nunca viu o forno ficar em uma sala fechada e operar o forno por instrumento do que um cara que estava acostumado o tempo todo a olhar para o forno, olhar dentro do forno para ver como ele estava e, de repente, não poder mais olhar. E também nessa época houve o crescimento do tamanho dos equipamentos. Quando eu cheguei na Rio Branco, para se ter uma idéia, acho que a gente fazia umas duas mil toneladas com 1300, 1400 pessoas, hoje se faz 12, tem capacidade, nem sempre está rodando tudo, mas dá para fazer 12 mil toneladas com um terço dessas pessoas, então a produtividade teve um impacto muito grande. Isso não é só automação, mas junto com a automação veio também o aumento, a via úmida tinha um limite de equipamento, você não pode fazer um forno com 500 metros de comprimento, e a via seca diminuiu o tamanho dos equipamentos. Com isso foi possível, antigamente um forno de 600, 700 toneladas era um forno grande de via úmida, na via seca há fornos no mundo até de 10 mil toneladas, começou-se a trabalhar com outras dimensões.
P/1 – Isso também tem interferência a entrada da pré calcinação, né?
R – Também. Tamanho de equipamento. Mas isso aí, a pré calcinação é uma evolução do forno de via seca, é uma evolução nesse sentido. O sistema de forno é composto de tubo e uma torre de ciclones, e o tubo é a parte menos eficiente desse processo, então ao longo do tempo, desde via úmida até via seca, até pré calcinação, cada vez o tubo fica menor e o resto fica maior. Quer dizer, uma boa parte do processo que se fazia no tubo passa a ser feito de outras formas.
P/1 – Doutor Herbert, o que é uma classificação ASTM?
R – Classificação?
P/1 – ASTM.
R – ASTM?
P/1 – É uma coisa para o cimento isso, ou não?
R – ASTM é uma norma.
P/1 – Uma norma?
R – É American Standards. É a norma americana.
P/1 – O Brasil segue essa norma?
R – Não, o Brasil tem a norma própria. É uma norma, cada país, a maioria tem a sua própria norma e essas normas não diferem muito para cimento. As normas são bastante similares, não há muita diferença de normas, a norma brasileira é a NBR e a norma americana é a norma ASTM.
P/1 – Durante a instalação do moinho cinco – o senhor por favor me corrija se eu estiver enganada – houve também um chamado Projeto Kawasaki ou são coisas diferentes?
R – Não, não. São coisas iguais, quer dizer, durante uma época do processo da industrialização do Brasil, surgiram diversos fabricantes de equipamentos pesados. A indústria cimenteira é uma indústria de mecânica pesada, o equipamento é mecânica pesada, até por isso eu estranhei quando comecei a trabalhar, porque nada se parece com indústria química. Kawasaki e alguns outros fabricantes, que eram fabricantes principalmente de navios e equipamentos pesados, da mecânica pesada, começaram a produzir no Brasil também. Para você fazer um moinho você precisa de prensa, você precisa de equipamentos que são usados também para outros processos e como eles tinham esses equipamentos eles entraram também na produção de... Então no mesmo período houve também, gradativamente, aumento de impostos para equipamentos importados, então começaram a fabricar, começou-se a incentivar a fabricação no Brasil dos equipamentos, da parte mecânica principalmente, dos equipamentos da indústria de cimento. Esse moinho foi comprado em função disso, na época não se tinha ainda a ousadia de mandar fazer uma fábrica de cimento inteira, então começamos primeiro a ver o que aconteceria fazendo uma coisa um pouco mais simples, e assim surgiu esse Projeto Kawasaki.
P/1 – Até hoje não existe equipamento nacional, ou existe já?
R – Existe, hoje 98, 99%, talvez chegue perto, está muito perto dos 100, é equipamento nacional.
P/1 – Se lhe perguntasse, por exemplo, qual é o cenário atual hoje da Votorantim, no século XXI, que tipo de consideração o senhor faria? Da Cimentos, lógico!
R – Eu acho que o cenário hoje é um cenário bastante complicado. Eu acho que muita gente diz que o cimento é um produto que ainda vai ser usado por muito tempo, eu particularmente acho que, talvez vai, mas ele vai com certeza sofrer, está sofrendo e vai sofrer muitas mudanças. Hoje nós temos aquele modelo que foi filmado há pouco, eu acho que vocês filmaram, mostra o clínquer que é o produto essencial, sempre foi o produto essencial para fazer cimento. Hoje, uma série de outros componentes podem ser usados para fazer cimentos, cimentos de todo o tipo. Quando eu comecei a trabalhar, nós tínhamos um tipo de cimento no Brasil, hoje nós temos N tipos de cimento. Eu falo N porque eu nem sei, talvez 12, 13, 14 tipos de cimento, claro que nem todos usados na mesma intensidade, mas muitas vezes cada obra exige um tipo de cimento, então hoje você trabalha muito mais para o cliente, para o mercado, não chega a ser ainda uma farmácia, mas já se produz bastante. Além disso há inúmeras possibilidades de outros materiais que podem compor o cimento, então é um processo que está trazendo muita transformação. Se a gente compara a indústria cimenteira do Brasil com a indústria cimenteira da Europa, ou mesmo dos Estados Unidos, de centros mais avançados, eu diria que o processo que mais segura hoje a indústria cimenteira, talvez, seja o próprio consumidor. Em outros países você vende de 80, 90% de cimento para concreto, todas as obras são feitas a partir de fornecimento de concreto. O sujeito vai fazer uma casinha, ele vai comprar concreto; aqui, hoje nós vendemos em média, no varejo, no Brasil, talvez 20% para concreteira, 80% ainda é mercado do consumidor que faz uma calçada, que faz mais um quarto em sua casa, vai fazer uma obra de correção ou vai construir uma casa. Significa que o cimento está sendo usado praticamente sem nenhuma tecnologia por esse pessoal, eles usam o cimento de qualquer jeito. Estou falando francamente, de qualquer jeito. A indústria de concreto já tem um pouco mais de exigência, mas mesmo assim é ainda hoje bastante, se comparada com indústria de concreto de outros países, é muito atrasada, em termos de qualidade. Talvez não atrasada em termos de engenharia, nós não somos atrasados em termos de engenharia civil, isso não, nem arquitetura nem engenharia, mas a nível de fabricação de concreto no Brasil... O Brasil tem muito pouca responsabilidade, falta legislação, falta de padronização, existe uma série de coisas hoje e a indústria sofre com isso. Qualquer um pode usar cimento de qualquer jeito, fica difícil de introduzir muitas vezes tecnologias.
P/2 – Por exemplo, quanto tempo demorava todo o processo em 1960, e quanto tempo demora todo o processo hoje?
R – Talvez essa pergunta, eu preferiria a sua primeira em termos de tecnologia. Porque o tempo aí no caso não serve muito para trabalhar isso porque o processo de fabricação do cimento é um processo contínuo, matéria-prima entrando, cimento saindo, o dia inteiro. A tecnologia, naquela época nós não tínhamos conhecimento para fazer cimento. A gente fazia cimento segundo uma receita, quando aquilo não dava certo tinha que chamar um técnico para poder corrigir, tá certo? Hoje nós temos, nós não precisamos de técnico, a nossa tecnologia hoje é igual a de qualquer país, eu diria até talvez o Brasil dê mais importância ainda à tecnologia de cimento porque outros países às vezes têm outros desafios, têm outras oportunidades para pessoas técnicas trabalharem e a indústria do cimento não tem técnicos de maior renome ou coisa desse tipo. Nós hoje sabemos. Quando a gente fala tecnologia de cimento, a gente pode pensar em duas coisas: uma é a tecnologia de fabricar, a outra é a tecnologia de usar. Eu acho que a tecnologia de uso, minha visão hoje, no Brasil, ainda é fraca, tecnologia de uso. Nós nos preocupamos pouco, nós não estou falando da Votorantim apenas, mas país. Nós nos preocupamos pouco com o uso do cimento, com as aplicações do cimento. Infelizmente, você fazer uma fábrica de cimento custa muito caro, você necessita de muito capital, e o cimento é um produto de aplicação quase que, se é que a gente pode usar esse termo, pejorativo, é um pozinho que você usa ali, é usado de qualquer jeito. Isso é uma realidade nossa hoje no país ainda. Se perguntar, por exemplo, hoje a Votorantim está se internacionalizando, eu tive a oportunidade de visitar dezenas de fábricas no exterior acompanhando esse processo. Se eu for comparar qualquer lugar dessas fábricas, as nossas fábricas todas são mais modernas que qualquer fábrica dessas que a gente tenha visto em termos de tecnologia. A Votorantim mesmo eu acho que talvez ela tenha primado, pela própria política dela, a Votorantim investiu bastante dinheiro na modernização, talvez haja até órgãos financeiros que questionem um pouco se isso deveria realmente ter ocorrido. O americano, por exemplo, ele usa o equipamento até cair aos pedaços, e mesmo assim, quando cai aos pedaços ainda usa mais um pouquinho. Nós não, nós às vezes antes de acabar a vida útil, nós vamos modernizando, nós modernizamos, então nossas instalações são instalações de última geração, em todos os sentidos. A aplicação do cimento não está à altura, isso é uma coisa que eu tenho convicção de 120%.
P/1 – Mas de qualquer forma tem espaço para crescer então!
R – Tem, nossa, o Brasil tem muito espaço para crescer em termos de consumo de cimento, em termos de aplicação de cimento. Tem tudo para crescer, não só nessa área como em todas as outras. Essa área tem um espaço para crescer muito grande.
P/1 – E a saída...
R – Depende da realidade econômica.
P/1 – E a saída também são esses novos produtos, né, doutor Herbert?
R – É, são novos produtos, a tecnologia de uso, a facilidade de transporte, tem uma série de fatores de infra-estrutura. Em locais, em países menores, onde as estradas são excelentes e os transportes também são mais fáceis, você faz o concreto e distribui o concreto com muita facilidade. Ou você transporta cimento a granel com muita facilidade. O caminhão que leva cimento ensacado, ele é um tipo de transporte que pode no retorno trazer um outro material. Aqui no Brasil nós transportamos às vezes cimento a mil quilômetros de distância, se você transporta isso a granel você está usando um tipo de caminhão que raramente pode trazer algum outro produto de volta, então são realidades diferentes em países, então tudo precisa ter a sua adaptação, mas sobretudo nós temos que ter infra-estrutura. Hoje, por exemplo, nós temos centros de produção de escória que é o material usado no cimento, que pode ser usado no cimento, mas se pode usar essa escória praticamente só onde ela é gerada, uma das perguntas que você fez: “Mas por que grande parte?”, se você quiser por exemplo levar uma escória para o nordeste, você precisa de infraestrutura de porto, transporte até o navio, uma coisa que o Brasil não prima ainda por esse tipo de recurso, de infraestrutura. Então à medida que for melhorando a infra-estrutura, à medida que for melhorando a própria tecnologia do concreto, for ampliando o uso do concreto, essas coisas vão evoluir. O usuário particular dificilmente vai evoluir nesse sentido.
P/1 – Doutor Herbert, a sua esposa é brasileira?
R – É.
P/1 – O senhor conheceu ela onde?
R – Em Monlevade. Nós nos conhecemos, nós namoramos sete anos, ela diz que eu praticamente criei, eu tinha 19, ela tinha 15 quando a gente se conheceu. E nos conhecemos lá.
P/1 – O senhor tem dois filhos?
R – Tenho dois.
P/1 – Dois rapazes, rapaz e moça?
R – Um rapaz e uma moça.
P/1 – E o que eles fazem?
R – O meu filho é advogado, ele trabalha no BNDES, e minha filha é psicóloga e tem uma consultoria aqui em Curitiba. Minha filha tem um filho, então tenho um neto por parte dela, tem oito anos, e o meu filho tem uma filha que tem um ano e seis meses.
P/1 – Doutor Herbert, queria que o senhor falasse sobre a importância do Projeto Memória Votorantim. Em linhas gerais, o que o senhor acha que é mais importante desse projeto?
R – O que eu acho importante na questão, falando em memória, o que me vem à cabeça, é a gente reunir, enriquecer o presente com o passado, é você trazer para o presente a experiência do passado, a vivência do passado. Eu acho que toda vez que você esquece alguma coisa hoje, você está perdendo, você está quase que reinventando a roda, você está... Uma época se falou muito em reengenharia e eu lembro que algumas empresas fizeram tanta reengenharia que esqueceram totalmente as coisas passadas. Uma coisa que eu acho extremamente importante é que se utilize as coisas, as lições importantes do passado. Por exemplo, a Votoran, eu acho que ela tem uma lição muito interessante, quando ela comprou a Itaú ela absorveu muito da cultura da Itaú, e ela absorveu, na minha visão ela absorveu as coisas boas, as coisas onde a Itaú talvez tivesse avançado um pouco mais, aproveitou essa oportunidade. Hoje mesmo, muitos dos altos funcionários da Votoran são, da rede Votorantim Cimentos, foram da própria Itaú, Luiz Alberto, Edvaldo, eu mesmo também. Eu acho que para você aproveitar bem, para você partir hoje de um certo ponto, para você ganhar tempo, para você ganhar essa experiência, ela precisa estar consolidada, ela precisa estar registrada, ela precisa estar, eu acho que esse Projeto Memória, para mim esse seria o significado mais importante.
P/1 – Então está bom, doutor Herbert. Gostou de dar a entrevista para o Projeto?
R – Bom, ô!
P/1 – Foi bom?
R – Para mim foi bom, espero que tenha atendido também à vocês, mas foi legal.
P/1 – Com certeza, então. Muito obrigada, doutor Herbert!
R – Também agradeço a oportunidade.
[fim da entrevista]Recolher