Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Roberto Luiz Leme Klabin
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
Embu, 18 de janeiro de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código da entrevista: SOS_HV030
Transcrição: Denise Boschetti
P/1- Boa tarde Roberto!
R- Boa tarde!
P/1- Obrigada...Continuar leitura
Projeto SOS Mata Atlântica 18 Anos
Depoimento de Roberto Luiz Leme Klabin
Entrevistado por Beth Quintino e Rodrigo Godoy
Embu, 18 de janeiro de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código da entrevista: SOS_HV030
Transcrição: Denise Boschetti
P/1- Boa tarde Roberto!
R- Boa tarde!
P/1- Obrigada por você ter vindo. Eu gostaria que você começasse o nosso depoimento falando seu nome completo, data e local de nascimento.
R- Roberto Luiz Leme Klabin, nasci em 15 de julho de 1955, em São Paulo.
P/1- Roberto, a sua família é de São Paulo?
R- Minha família é de São Paulo, eu sou a segunda geração da família em São Paulo. Minha família paterna veio da Lituânia e minha família materna veio da Itália.
P/1- E vocês moravam onde quando você era criança?
R- Eu morava na Rua Noruega, foi lá que eu nasci.
P/1- E seus pais faziam o que?
R- Meu pai era empresário no ramo de papel e celulose, de autopeças, e minha mãe era advogada e depois professora de Direito da Universidade de São Paulo.
P/1- E vocês eram uma família grande ou pequena?
R- Não, eu era filho único, embora meu pai tivesse um filho do primeiro casamento. Mas meu irmão, meu meio irmão, vive nos Estados Unidos, ele é americano e mora nos Estados Unidos, nunca morou no Brasil.
P/1- E como que era a Rua Noruega na sua infância? Como que era isso?
R- Olha, para dizer a verdade ela não mudou muito. Quando a gente visita a Rua Noruega hoje, a gente ainda encontra aquela mesma paz, você ainda tem muitas árvores e tal, diferente do entorno. Quer dizer, quando você está na Rua Noruega você está bem, mas quando você sai, obviamente você já vê muitos estabelecimentos comerciais naquela região lá, da Nove de Julho. Mas é interessante observar que aquilo ali ainda tem coisas que eu reconheço desde o meu tempo de infância, e isso dá muito prazer e segurança para a gente.
P/1- Como eram os hábitos em casa? Porque você tem um pai que tem descendência Lituana e uma mãe que tem descendência...
R- Italiana.
P/1- Como que foi essa convivência?
R- Como eu disse, meu pai, ele era judeu da Lituânia, minha mãe católica italiana. Mas minha mãe nunca foi católica, minha mãe é agnóstica, até hoje, então minha mãe é uma intelectual que tem posições muito claras a respeito de tudo e nunca houve na minha casa uma imposição religiosa. Tanto que meu pai, um judeu lituano, casado com uma católica não católica... enfim, mas ali não havia nenhuma questão de eu ser isso ou ser aquilo. O que minha mãe sempre me educou foi para eu pensar por mim mesmo e não deixar que outras coisas me influenciassem, que não tivessem explicação muito clara, então por aí a vida foi. Meu pai era uma pessoa muito envolvida na comunidade judaica, mas como um homem de
negócios e com
uma família, que é a família Klabin, que é uma família antiga e que tem também uma presença grande na comunidade, então muito respeitada. E acho que o que eu tenho dos meus pais sempre foi muito mais questões éticas e morais, que foram ensinadas e que foram rebatidas, e a importância de você procurar manter um bom nome, credibilidade, enfim, ser um cidadão realmente, e isso é uma coisa que eu guardo, que meus pais me deixaram. Aquela época, como criança, meu pai quando eu nasci tinha quarenta e cinco anos, era um homem
mais velho e também de uma geração mais antiga, afinal nasceu em 1910, então ele, vamos dizer assim, já não tinha mais aquela paciência com criança pequena e tal. Então eu fui criado com amiguinhos e primos e coisa e tal e bastante sozinho, o que foi muito bom, porque fui desenvolvendo muito a criatividade brincando sozinho. E tive uma babá naquela época, que era uma senhora suíça, e eu aprendi a falar francês em função de ouvir àquela senhora. Quando essa senhora foi embora, quando eu tinha oito anos de idade, o francês foi embora, e o francês foi voltar no Dante Alighieri, depois, com aulas de francês, e de repente o francês voltou tudo de novo, assim é uma coisa engraçada, que eu fui aprendendo. Então minha casa era uma casa muito interessante, porque tinha, de um lado, gente bastante culta, interessada, com muita discussão, minha mãe principalmente, uma mulher muito polêmica, discutindo tudo e tal, e o que me incentivou a crescer dessa forma também, buscando. Acho que sou uma pessoa curiosa e busco entender o que está acontecendo. A partir daí, logo depois mudei de casa, fui para uma outra casa que ficava na Chácara Flora, um lugar que àquela época era quase que um lugar fora de São Paulo. Era um terreno grande, bastante mato e eu comecei a ter uma relação muito grande com a natureza, num lugar que tinha um terreno enorme, onde eu brincava depois do colégio, sozinho, e ali ia mexendo nas plantas, brincando disso e brincando daquilo, eu me divertia muito, sozinho sempre, e eu diria que esse é o primeiro contato grande que eu tenho com a natureza. O segundo contato é quando eu começo a me lembrar das visitas ao Paraná, onde a fábrica da Klabin estava instalada e ali é uma fábrica numa região muito grande, que é uma fazenda que foi fundada em 1934, e nessa região estão plantadas as florestas, que vamos dizer assim, mantém a fábrica funcionando, que produzem celulose e papel. Àquela época, eu era pequeno, e eu me lembro de já ter memórias do Paraná. Acho que com sete anos, mais ou menos, eu ia e o programa lá era andar a cavalo, era ficar no mato, era acampar, era fazer... e uma relação muito grande com essa região, que embora tivesse florestas plantadas, tinha e ainda tem florestas nativas muito grandes e bastante sadias. Então eu tinha uma relação também interessante com esse lugar. Mas a maior relação com natureza que eu tive, que eu posso dizer, foi no Pantanal. Por quê? Quando eu tinha dez anos de idade, minha família tinha uma fazenda no Pantanal e me levaram para lá e eu, na hora que desci, em um aviãozinho, porque nem estrada direito tinha para chegar lá, descemos do aviãozinho, já saí para andar com o pessoal. Nós fomos andando por uma estradinha e atolamos logo depois e tivemos que andar quase que uma hora para voltar para a sede, à noite. Nem bem tinha chegado já atolei. Diz-se que quem atola no Pantanal fica para sempre no Pantanal e eu fiquei mesmo, porque depois dei continuidade a essa fazenda. E lá é que eu tive muito contato com a natureza, porque uma coisa engraçada, eu, com treze anos de idade, eu tinha uma educação, do ponto de vista, vamos dizer assim, de consumo, muito, bastante organizada. Então não podia querer isso, não podia querer aquilo, tal, não sei o que, e não podia fazer nada. Então não podia, imagina, pegar um carro, fazer uma molecagem de andar por aí e fazer qualquer coisa. Nada, de jeito nenhum. Então naquela fazenda tudo era permitido, e isso era interessante, porque naquela fazenda eu recebi o primeiro presente que eu ganhei do administrador e sócio nosso então, que se chamava Major Ellis, Alfredo Ellis Neto, um fulano muito interessante, eu recebi uma arma. Imagina você, com treze anos de idade, recebi uma arma, uma pistola alemã da Primeira Guerra Mundial. Eu me lembro como se fosse hoje, eu descendo as escadas da fazenda e ele me entregando essa arma, e eu “muito obrigada e tal” e era para caçar. E eu tinha autorização, com meus amigos, de caçar quatro tipos de animais, só isso que a gente podia matar de vez em quando, um jacaré para comer, um tatu para comer, um carcará, que a gente podia exterminar, por que era uma praga segundo o que eles falavam e o terceiro, o que era? Hã? Porco monteiro, que era um porco introduzido, um porco que era doméstico e depois aos poucos foi se soltando na mata e voltou para o estado selvagem. E é um porco que faz um estrago muito grande, diferente de uma queixada, diferente de um caititu, esse porco monteiro é um porco, quase como esses javalis que soltaram no Sul do Brasil, que entraram e o pessoal hoje em dia está tentando matar. Aquela época, então, a gente podia caçar esses animais. E era assim um negócio impressionante, porque eu não sei como eu não matei os meus amigos, meus amigos não me mataram, todo mundo não se matou, porque eu não sei como é que meus pais podiam ter tamanha irresponsabilidade, a ponto de ter permitido armas na mão de crianças de treze, quatorze anos, armas pesadíssimas, que a gente saía e que tinha programação específica para caçar, para fazer, para acontecer, e realmente nunca teve um acidente, nunca houve nada. E eu caçava regularmente, mas aí aconteceu a última caçada, também, porque eu falo isso? Porque tem a ver também um pouco com essa questão ambiental, que foi a última caçada, a última vez que eu peguei numa arma e atirei num bicho, nunca mais fiz isso na minha vida. Quando nós fomos caçar, uma vez, com o filho desse major Ellis, que era também administrador da fazenda e um fulano, que só aprontava com a gente, nós éramos meninos de dezesseis anos mais ou menos, então ele nos levou horas a pé, mas horas a pé no Pantanal, e não sei se você sabe o que é o Pantanal, mas o Pantanal é cheio d’água, é uma coisa complicada, e a gente andando com água pela cintura e jacaré de um lado e não sei o que do outro e tal, até que a gente chegou num “montezinho” de terra, que saía da água e lá ele e mais o nosso guia nativo, que era um índio Bororo falou assim: “Está lá, o porco está lá, pode atirar.” Aí a gente olhou para frente, não vimos absolutamente nada, mas nós nos perfilamos, éramos quatro ou cinco, nos perfilamos como um pelotão de fuzilamento e ele falou: “Atira!” aí nós apontamos para o horizonte e atiramos. E do nada, do nada, essa é uma memória assim que... os porcos vieram na nossa direção e nos atacaram, como se a gente fosse aquele negócio de caravana dos índios, eles vieram na nossa direção e passaram pela gente assim e nós atirando assim, indiscriminadamente. Então você tinha semi-automática, automática, cartucheira, você tinha qualquer coisa ali. E o estrago que a gente iria cometer seria assim um negócio absurdo, mas no final quando todos eles passaram, nós identificamos que tínhamos matado um animal apenas: “Oh, matamos um animal!”Aí o administrador falou: “Agora vocês vão carregar esse animal e vão levar até o carro.” Então a gente tinha que andar uma hora e meia, mais ou menos, na água, puxando aquele animal ensanguentado. “E as piranhas? E não sei o que?” “Não quero saber, vão levando.” Aí fomos levando, chegamos no carro, na estrada, aí quando a gente chegou lá o administrador falou: “Mas espera aí pessoal, até a sede é mais ou menos uma hora e meia, duas horas de carro, vocês vão ter que limpar o animal agora”. “Como é que é?” “Vocês vão ter que estripar esse animal, tirar as entranhas todas e vocês vão ter que limpar o animal.” “Ah! Pelo amor de Deus!” “Vocês querem caçar? Então vocês tem que fazer isso para comer o animal.” E nós fizemos isso, e quando a gente fez isso, nós detectamos que tínhamos matado uma porca prenha, aí nunca mais ninguém, ninguém atirou em nada. Então foi assim o fim de uma época de caça. E é interessante isso, porque eu tenho conversado com algumas pessoas que depois se interessaram por meio ambiente, que são ativas, e todas tem um passado de caça, alguma coisa assim, não sei. Mas em suma, aquilo ali acabou com qualquer relação de amor com armas e coisa e a partir daí mudou a minha atitude, e a dos meus amigos também, para com todo mundo que fosse à fazenda caçar. Eu tinha primos e isso aquilo, que vinham e iam caçar e nós proibíamos, porque já éramos mais velhos, e foi ficando interessante. Bom, a partir daí eu entro na São Francisco...
P/1- Só um pouquinho, eu só queria te interromper um pouquinho. Quando você começa a ir muito para a fazenda e você fala dos seus amigos, eram amigos que moravam lá ou eram pessoas que...
R- Não, amigos de São Paulo, gente do colégio Dante Alighieri e tudo mais, que vão para lá comigo e para se divertir, como a gente ia nessa época.
P/1- E você falou que lá era um lugar que você podia fazer tudo e muito diferente de São Paulo. Eu imagino que mesmo sendo uma grande fazenda, em termos de conforto era muito diferente daqui.
R- Era muito precário, mas ninguém queria saber de conforto. As pessoas queriam saber de acordar de manhã, pegar o cavalo, sair no campo, passar onze, doze horas a cavalo, quer dizer uma coisa de louco, hoje eu jamais repetiria uma coisa dessas. Você saía a cavalo, você saía de carro, você saía de tudo e você fazia isso, tinha essa vida em contato com a natureza muito, muito forte, comendo o que tinha, bebendo água ruim, mas era o que tinha. Isso é que deixa as memórias para, eu tenho certeza, para meninos assim, é isso que...
P/1- E como era a relação sua e até dos seus amigos também com o pessoal da região? Porque era bem diferente.
R- Muito boa. Porque as pessoas naquela época eram pessoas, que primeiro eram muito isoladas, e aquilo era uma fazenda de gado no Pantanal que já tinha quase que sessenta anos de idade, porque ela foi fundada por ingleses, lá naquele local, e depois a minha família comprou. Então já era uma coisa estabelecida, e as famílias que estavam lá eram famílias antigas, que vieram com os ingleses. As pessoas eram pessoas muito simples, a maior parte delas de sangue índio, branco, tal, então muita gente do mato mesmo, que acompanhava você, que ia caçar, que ia mostrar, então não tinha diferenciação nenhuma, era todo mundo igual.
P/1- E assim, eu vou te fazer uma pergunta, posso até já saber a resposta, mas assim, era muito mais interessante o Pantanal do que quando você ia para empresa no Paraná?
R- Não, era diferente. Porque quando eu passo dos quinze anos, o Paraná tinha já uma situação em que você ia para lá para namorar as meninas que moravam ali. O Pantanal não tinha menina, então você ia para sair para natureza, para ter contato e tal. Então essa fase de adolescência, dos quinze aos dezessete, dezoito anos, é uma fase mais de namoricos e coisas assim muito simples, mas lá você não tinha tanta possibilidade de fazer e de liberdade como você tinha no Mato Grosso. Lá você já tinha uma comunidade estabelecida, então você tinha clube, você tinha fábrica que você visitava, você tinha a floresta que você visitava, mas você já se sentia num lugar bem mais civilizado e com mais regras, então não era tão divertido assim.
P/1- E você ia falar que do Dante você foi para a São Francisco.
R- Aí quando eu saio do Dante, eu conheço a minha mulher, ou a minha namorada, que estudava no Dante também, mas eu só a conheci quando eu entrei na São Francisco, ela estava no Dante ainda. Então eu a conheci, foi uma coincidência, aí nós começamos a namorar e ela passa a ser a minha companheira de visita a todos esses lugares. Então minha vida passa a tê-la como a turma toda que nos acompanha, a gente visitando o Paraná, visitando o Pantanal e tal, e já numa outra etapa. Nessa outra etapa a gente já tem outros interesses, ainda bastante irresponsáveis todo mundo, mas já com uma situação de uma turma mais de São Paulo, que se desloca, tal, aquela época de atlética, eu fazia parte da atlética da faculdade, esporte e isso e aquilo. Então era muito engraçado, foi uma época muito divertida e isso enquanto eu estou na São Francisco. E na São Francisco, depois você vai me perguntar, é que eu conheci o Fabio Feldmann.
P/1- E o que te levou a escolher o curso de Direito?
R- Pela minha mãe, a minha mãe que era advogada, eu em casa via minha mãe estudando, via minha mãe fazendo. Minha mãe era advogada voluntária, então ela era uma advogada de família, que ajudava mulheres que não tinha condições de pagar advogado em caso de separação, então ela fazia esse tipo de trabalho. E ela era, eu me lembro, bastante odiada por grande parte dos maridos em São Paulo, porque ela fazia tudo isso e fazia muito bem. E eu gostava, sempre admirei muito minha mãe e meu pai, achava que eles tinham todo esse trabalho, no caso da minha mãe muito social, então eu enveredei por esse campo do Direito. Mas na realidade, hoje, olhando para trás, não é a área que eu deveria ter entrado, porque eu não fiz nada em Direito. Terminei a faculdade, meu pai morreu, e quando meu pai morreu eu tive que entrar nas empresas, então eu tive que fazer Administração de Empresas no Mackenzie, eu fiz um curso extensivo e aí depois foi a vida, fui levando.
P/1- Quando você entrou na São Francisco, você tinha quantos anos?
R- Eu tinha dezoito.
P/1- E a sua mãe dava aula na São Francisco?
R- Não, ela veio dar aulas na São Francisco, acho que no meu penúltimo ano na São Francisco, eu fui a primeira turma que teve aula com a minha mãe.
P/1- E como foi esse seu período de São Francisco?
R- Olha, foi muito engraçado. Como eu disse, eu participava da atlética, eu não era envolvido em política, eu não tinha nenhuma tendência política, eu gostava mesmo é de estar com o pessoal que fazia esporte, fazia isso, viajava, acontecia. E a São Francisco era uma faculdade divertida, porque ela fica no meio de São Paulo, na cidade, é uma passagem, então lá dentro passavam as pessoas mais absurdas que você podia imaginar, ou a gente levava as pessoas até a São Francisco. Então entrava nas classes dos professores dando aula, e aprontava e as aulas paravam e era uma faculdade muito liberal, não sei como é hoje, a gente sempre acha que no nosso tempo era melhor. Então o que eu posso dizer é que me diverti muito, aprendi alguma coisa, e comecei a trabalhar nesse período. Mas eu realmente diria que é muito mais no campo da memória e do prazer do que no grande aprendizado. Eu diria que onde eu tive a grande base cultural minha, foi no clássico, no Colégio Dante Alighieri, que me deu um embasamento cultural. A São Francisco poliu, mas o resto eu vim pegar depois por interesse, lendo mais, aprendendo mais línguas, fazendo mais coisas, mas veio efetivamente por interesse.
P/1- Nesse período já saía do Colégio e já entrava na universidade, ou tinha cursinho?
R- Eu fiz cursinho e depois eu fiz vestibular.
P/1- E que pessoas que você conheceu nessa época da universidade que você lembra que te marcaram?
R- Muitos colegas que passaram por ali, que não necessariamente me marcaram, mas depois ficaram famosos, tem o [Luiz Antonio Guimarães] Marrey, que é procurador, agora está no governo do Estado de São Paulo, um fulano muito inteligente. Outros que passaram por ali, amigos de amigos, irmãos de amigos. Por exemplo, um grande amigo meu, que eu fiz, o Eduardo Uip, o David Uip, que hoje é o maior médico infectologista do Brasil eu diria, e que convivia com a gente na atlética, porque embora mais velho, a gente viajava para fazer esporte em todo lugar. Enfim, muita gente passou por ali, o próprio Fabio, que é um sujeito que eu respeito muito... porque dos ambientalistas, eu acho que é a pessoa mais preparada. E fui conhecendo várias pessoas, vários professores, que me motivaram de uma maneira ou de outra, o professor [Sérgio] Pitombo, ele era de Direito Penal, e que passou a ser meu advogado. Depois o professor Modesto Carvalhosa, meu advogado também, na área de Direito Societário, professor [Fábio Konder] Comparato, Alcides Jorge Costa, meu primo Celso Lafer, que me deu aulas também. Então muita gente que eu conheci, e que foi muito interessante tê-los conhecido. Mas eu digo, a São Francisco para mim, a maior lembrança é a lembrança dessa turma toda, que eu fiz, dos amigos que eu fiz, da minha mulher, que era então namorada, que a gente viajava e fizemos amizades que perduram até hoje, isso que é legal.
P/1- Ela então foi para a São Francisco?
R- Não, ela foi para a FAAP, depois saiu da FAAP e nós nos casamos logo depois que eu me formei. Nós nos casamos quando eu tinha vinte e quatro anos.
P/1- E Roberto, na São Francisco você chegou a ter aula com a sua mãe?
R- Cheguei, dois anos.
P/1- E como foi isso?
R- No início foi péssimo, porque minha mãe, embora uma mulher muito preparada, ela não sabia dar aulas, então ela não tinha a didática, ela ainda era muito formal e tal. Eu acho que os dois primeiros anos que ela deu aula para a gente foi complicado. Depois que eu deixei a Faculdade, outros alunos vieram me comentar que ela já estava mais “soft”, aí era melhor, mas no meu tempo ela ainda era muito dura, muito rígida. A grande vantagem é que ela não corrigia minhas provas, e como ela era muito dura, muito rígida, mandava zero para todo mundo, e eu tinha minhas provas corrigidas por um outro professor, que era muito mole e que dava notas maravilhosas e que ninguém podia falar nada, então eu estava sempre bem.
P/1- Os seus colegas e que deviam ficar com um pouquinho de...
R- Eles não podiam falar nada, porque todo mundo... Mas esse negócio de ter mãe professora dando aula para você é dureza. Eu me lembro que terminou a encheção de saco para mim e pros meus colegas, o dia que ela me chamou à lousa e me deu um problema de sucessão para resolver e me deixou resolvendo o problema. Então ela me chamou “Sr. Roberto venha à lousa”, aquele negócio de louco. E todo mundo gritando “Eh! Não sei o que, palhaço, isso e aquilo, já está acertado!” Eu vou para lousa, começo a fazer o problema e erro o problema, aí quando ela olha e fala “mas o senhor errou.” Aí todo mundo bateu palmas e nunca mais tive problema com ninguém, nunca mais ninguém me encheu, foi ótimo.
P/1- (risos) Teve que fazer em público, né.
R- Foi uma coisa não pensada, então foi maravilhoso.
P/1- Roberto, nessa época e até hoje a São Francisco ainda faz a Festa da Peruada...
R- Não, Peruada no nosso tempo não tinha não. No nosso tempo era uma coisa que tinha parado, agora voltou de novo, o pessoal deve estar procurando momento para fazer festa. No nosso tempo tinha o 11 de Agosto, quando você fazia... Meu Deus do céu, o negócio de não pagar? A Pendura. Você fazia a Pendura e você não pagava, isso sim a gente fez bastante, e casos muito engraçados, onde a gente saía correndo sem pagar, um dia a gente quase foi para a polícia. Mas na polícia também não adiantava nada, porque o delegado em geral era da São Francisco ou da PUC, ou Mackenzie, então sempre tinha algum entendimento, não tinha problema nenhum. Mas aquela fase de moleque mesmo, de adolescente. Mas sabe o que é? Eu acho que era um negócio muito saudável sabe, porque você não via droga, bebida tinha, mas nada que você não pudesse administrar. Não tinha violência, como você vê hoje, quer dizer, naquele tempo a gente era muito mais feliz em São Paulo, a gente tinha muito mais liberdade, não tinha problemas à noite. Eu acho que a nossa situação péssima de insegurança começa a partir da década de 80, mesmo. Porque olha, de 1974 até 1978 eu não me lembro de nenhum problema, era tudo maravilhoso, tudo muito bom, então...
P/1- E quando você saiu da faculdade você foi trabalhar?
R- Quando eu saí da faculdade meu pai me convidou para entrar na Klabin. Aí eu entro na Klabin e começo a trabalhar e meu pai morre cinco meses depois que eu me formei. E quando meu pai falece, eu tenho que ocupar o cargo do meu pai no conselho de administração da Klabin, que era um cargo ocupado por gente muito mais velha, tal. Então eu me sentia como um moleque num lugar desse e na Metal Leve, que meu pai tinha fundado também, aquela companhia, ainda era pior, porque a Metal Leve era uma companhia que tinha gente mais velha, então eu me senti nos primeiros anos, muito, vamos dizer assim, muito inseguro. Imagine você ter uma posição, aos vinte e três anos, de conselheiro de uma empresa. Que conselho você vai dar com vinte e três anos? Mas ao mesmo tempo eu fui colocado pela minha mãe e pela sócia nossa numa empresa pequenininha, chamada Lalekla, que era uma empresa que comercializava produtos de higiene e limpeza, toalheiros, toalha, esse negócio todo. E a Lalekla, naquela época eu fui colocado como presidente dessa empresa, que eu também acho que foi uma loucura da parte da minha mãe e dessa sócia, mas eu tive o bom senso de me cercar de boas pessoas. Fui começando a profissionalizar o time da empresa, me cercando de boas pessoas, que supriam as minhas deficiências gerenciais. Com isso eu fui gradualmente profissionalizando e fazendo a empresa crescer. A empresa chega a um ponto em que ela cresce e compra uma outra empresa chamada Dixie, uma empresa maior que a Lalekla, isso em 1989. Depois a gente dá um passo maior e compra uma outra empresa no ramo de embalagens, diferente do nosso ramo, a gente já entra no ramo de embalagens plásticas, chamada Itap. Aí a gente vira Dixie Lalekla e com esse foco nessa área de embalagens rígidas e, finalmente em 1995, a gente dá um grande passo e eu pego, junto a minha parte, ou a Lalekla, onde eu era o acionista majoritário, tinha outros acionistas, e junto com uma outra empresa chamada Toga, que era uma empresa líder do segmento de embalagens flexíveis de plástico, nós juntamos as duas empresas e ficou uma empresa chamada Dixie Toga e que se tornou uma grande empresa nesse segmento e que recentemente foi vendida. Essa empresa então, para mim, foi o maior sucesso empresarial meu, visto que nessa eu tive uma posição, desde gerencial, até uma posição de conselheiro, uma posição de fundador, uma posição de estrategista e de conselheiro, e redundou num resultado muito bom. Na Klabin e na Metal leve... eu tinha na Metal leve uma posição de conselheiro, menos atuante, e na Klabin tenho uma posição de conselheiro. Mas a Klabin é uma empresa muito estruturada, onde os familiares não podem trabalhar na Companhia, eles só podem estar no Conselho. A Companhia é administrada por profissionais não familiares, o que é muito bom, porque é uma empresa que já está na quarta geração e nem todos os familiares, muitas vezes, são capacitados para gerenciarem uma coisa como essa. E se você tem um familiar, aí você cria problema, então na medida em que você têm profissionais administrando a coisa fica mais fácil.
P/1- E você está dizendo que está na quarta geração. E sempre foi assim?
R- Não, meu pai foi o último executivo da Klabin. Quando ele faleceu houve uma mudança nos estatutos da Companhia e a Companhia passa a ser então profissional. E aí já o número de primos e tudo mais, já era uma coisa muito grande, e como eu disse, hoje as pessoas estão ou no conselho de administração, ou não estão no conselho de administração e não estão na empresa.
P/1- E quando você estava fazendo a São Francisco você imaginava que iria entrar para ao mundo empresarial?
R- Não, eu queria ser piloto da Varig. Eu tirei o brevê e o meu sonho era ser piloto da Varig. Já sonhava com a minha mulher, minha namorada, como que eu e ela íamos viver, eu ia voltar dos vôos internacionais, não sei o que, e ela ia me esperar no aeroporto e tudo estava programado na minha cabeça para ser piloto da Varig. E graças a Deus não fui piloto da Varig, as coisas todas foram mudando, o interesse foi mudando também, já antes do meu pai falecer e tudo o mais eu já tinha perdido o interesse em ser piloto da Varig. (risos) Mas gostava de avião e me dedicava, mas depois com tanta coisa para fazer, depois que meu pai falece, eu já abandono a aviação, porque não podia ficar voando, não tinha tempo para voar mais, então começo a me dedicar mais à empresa.
P/1- Roberto como se deu seu interesse pela questão ambiental?
R- Então, eu acho que em parte se dá pela convivência, desde pequeno com essa questão toda de fazendas, isso e aquilo, liberdade, natureza, bicho, caça, floresta e tal. A família Klabin também tem uma tradição florestal importante, isso também tem a ver e acho que eu também tive a oportunidade. Na São Francisco, eu me lembro o Fabio me convidando para participar do movimento que se formou contra a construção do Aeroporto Internacional de São Paulo em Caucaia, então o Fabio veio me procurar e perguntou, “ô Klabin” eu não conhecia o Fabio direito, ele estudava acho que de noite, mas ele falou “olha Klabin, e tal, você não quer se envolver? Estou procurando pessoas para se envolver nesse trabalho” e eu não sei por que me envolvi. Eu comecei então a participar desse negócio, que ainda não era OIKOS, ainda era uma coisa meio difusa. E eu me lembro participando da primeira carreata até Caucaia, das primeiras passeatas, e naquele tempo era fim da ditadura, então passeata ainda podia ser, vamos dizer assim, não recomendável para sua saúde. E eu me lembro fazendo passeata, a primeira passeata que eu saí, eu levei o estandarte e eu comecei a andar depressa demais e virei uma rua e estava toda a polícia militar emparelhada, ali me esperando. Eu falei “ Bom, eu estou ferrado! E agora, o que vai acontecer?” Mas eles não batiam em ambientalista. Eles batiam em estudante, que estavam gritando, mas em ambientalista, estranhamente falando, não bateram. Então veio todo o pessoal por trás, a gente fez a passeata normal, sem problema. Aí eu passei a ser um elemento para convidar personalidades e fui convidar alguns que me expulsaram da sala, me chamavam de moleque, comunista, não sei o que. Aí naquele momento eu despertei para esquerda, comunismo e tudo o mais, “poxa então agora eu sou comunista?” Quer dizer, ambientalista naquela época ou era... como era? Viado, comunista, desocupado. E realmente era muito difícil ser taxado dessa maneira. Mas nunca fui, graças a Deus nenhuma das três situações. E eu tinha uma posição muito clara, eu era muito pragmático, de todo esse grupo de pessoas que se juntaram, eu sempre fui objetivo, enquanto que todos eles eram muito subjetivos, isso é que fazia a beleza do negócio. Porque enquanto eles estavam idealizando e estabelecendo o movimento, eu queria que o movimento andasse, eu queria “e aí, então como é que é? Então nós temos que chamar pessoas? E o que nós vamos fazer? E o evento e isso e aquilo?” Eu então ficava na lousa marcando reuniões com isso, caminho a seguir, caminho crítico, não sei o que, não sei quanto, e o pessoal ficava profundamente, eu acho que até, até achavam engraçado que eu ficava indo por esse caminho todo. Já na Lalekla, como o Fabio estava falando. Então meu pai já tinha falecido, eu já estava na Lalekla, usando a Lalekla, que era o lugar onde eu era o presidente para fazer as reuniões do movimento, o movimento tava sendo estruturado ali e tal, não sei o que, e começando a participar cada vez mais. Daí vem a criação da OIKOS, fundada pelo Fabio, por mim, pelo Piero Luoni, pelo Randau Marques. Meu Deus do céu, tem mais gente. E eu participei desse movimento, mas sempre nessa posição de mais objetividade e pragmatismo, deixando pros intelectuais, como eu chamo, assim, esse trabalho de desenvolver as coisas. E a coisa se desenvolveu exatamente igual até hoje, eu sou nesse movimento, eu sou uma pessoa muito prática e o movimento é formado por pessoas como o Fabio, que são os ideólogos.
P/1- Roberto, antes da OIKOS ser fundada, essas pessoas que você citou também participaram do movimento anterior a ela?
R- Ah sim! Foi o momento de conviver com todo o tipo de gente. Você tinha anarquista, comunista, fascista, você tinha não sei o que, você tinha de tudo, eu não sei. Gente principalmente infeliz eu acho, todo mundo junto, aí em prol de uma causa. Eu acho que foi uma causa fantástica, que a não construção do aeroporto em Caucaia preservou para São Paulo um grande manancial, uma das poucas áreas verdes que ainda restam e obviamente não deu tanto dinheiro pras empreiteiras como eles imaginavam ganhar. Porque Caucaia é um mar de morros e se os empreiteiros tivessem ido para lá para transformar aquilo no aeroporto de São Paulo, ia-se ganhar uma fortuna, porque até terraplanar aquele negócio ia levar... E Cumbica já estava construído, era uma base militar, já tinha pista, já tinha tudo. E graças a Deus a gente conseguiu segurar aquilo ali, não deu resultado aquela manobra e a união com essas pessoas abriu a minha cabeça pras diferenças todas entre as pessoas, porque eu passei a conviver com gente muito louca mesmo, muito diferente de mim, muito estranha, e foi bom.
P/1- E como que você era visto por essas pessoas?
R- Da mesma maneira, tão louco quanto eles.
P/1- E a convivência era pacífica?
R- Claro, porque eu imagino que eles me viam como empresário, obviamente com todo tipo de preconceito em relação ao empresariado e tudo o mais, mas eu já fazia parte da família, já tinha sido aceito. Mesmo assim, cada vez que eu ia participar de algum movimento, alguma coisa que eu me apresentava, sempre vinham perguntas muito maliciosas “Ah! você é empresário da Klabin, derrubando árvores, fazendo isso, não sei o que lá...” E eu tinha que ficar me desculpando, me justificando, o que era uma coisa muito chata, mas depois daí já… (movimento com as mãos representando não ligar para isso) Depois de certo tempo eu já tirava de letra, passava também a devolver a pergunta, aí já não me importava mais com isso. Mas foi interessante.
P/2- E na época da OIKOS, que ela foi criada, como que o movimento ambientalista era visto pelo público em geral, pelas pessoas?
R-Não era visto. Não existia, não é? Eu acho que aquela época era uma coisa realmente de elite, uma coisa muito pouco presente na realidade, uma coisa não importante. Imagina que hoje em dia você conversa com empresários de igual para igual, onde o empresário muitas vezes está mais preocupado com a questão ambiental, com a imagem que ele tem, o produto que ele tem, o que ele vai passar para o consumidor, o empreendimento que ele tem, se está adequado ou não às regras. Hoje em dia você tem um empresário do outro lado falando isso. Naquele tempo você ir falar isso para um empresário, era uma loucura. Nós estamos falando de quantos anos? Vinte e cinco anos atrás, vinte e oito anos atrás, então quer dizer, é um negócio que o Brasil mudou, a percepção das pessoas, a importância dessa área. Nós ajudamos com a criação da OIKOS, com a criação da SOS Mata Atlântica e tudo o mais, a criação da primeira Secretaria do Meio ambiente do Brasil, que foi no Estado de São Paulo, quer dizer, fomos nós esse movimento que passou a pressionar para que isso acontecesse. Então eu me sinto privilegiado, muito orgulhoso de ter participado desse movimento. E mais ainda, quando eu estou dando uma entrevista, que vai ficar, quer dizer, você imaginar que um dia você vai ser uma referência, alguém vai consultar para saber como é que foi a história naquele momento, é parte da História do Brasil e isso me dá um extremo orgulho de poder participar de uma parte que a gente ajudou a construir. Se a gente teve muito sucesso nisso, eu diria que não sei, porque as pessoas mudaram, mas a nossa ação poderia ter sido muito melhor. Essa é uma questão que a gente está sempre discutindo. Quer dizer, como é que nós poderíamos estar nos comunicando melhor com a sociedade, como é que a gente poderia estar transformando pessoas, de interessadas em engajadas? Eu acho que isso ainda é um problema que vinte e cinco anos depois a gente não conseguiu resolver. Nós conseguimos motivar as pessoas, tornar as pessoas conscientes, mas, da consciência pro engajamento, poucas pessoas ainda.
P/2- E na época da OIKOS como que era, primeiro, assim, a relação dela, da instituição com as outras instituições ambientalistas que também estavam sendo criadas?
R- Você tinha muito poucas instituições, você tinha muito mais ING do que ONG, ING é Indivíduo Não Governamental. Então você tinha um problema de que nenhuma organização sabia se administrar, as que foram criadas tinham problemas seríssimos para se manter. Você tinha as organizações internacionais grandes, você tinha os indivíduos não governamentais, você tinha a pressão sobre o governo, muito grande. A gente pressionando o Dr. Paulo Nogueira Neto, que hoje é um grande aliado, é uma figura histórica, é o pai dos ambientalistas brasileiros, naquela época a gente batendo nele, no sentido... criticando o coitado do homem, não tinha o que fazer e a gente pressionando, pressionando. Depois pressionando o governador Montoro, principalmente naquela época da construção da Usina Nuclear na Juréia, e o Montoro ganhou o prêmio Motosserra de Ouro, e não sei o que. Coitado, ele também era uma pessoa extremamente bem intencionada, e a gente batia neles, porque era neles que a gente batia. Depois a gente acabou reconhecendo todo o trabalho que eles fizeram e que pelo menos deixaram as portas abertas para que as coisas acontecessem. Eu diria que o relacionamento então, era o relacionamento em construção. A gente já pode falar de relacionamento com outras ONGs a partir da década de 90, antes disso você ainda não tem uma coisa bem organizada no Brasil.
P/1-
Roberto, você falou da Juréia, você participou desse movimento. Você poderia falar um pouquinho como acontecia, o que as pessoas estavam fazendo?
R- Eu participei muito pouco do movimento da Juréia. O movimento da Juréia, quem participou, quem foi a pessoa que realmente levantou a bandeira foi o João Paulo Capobianco, ele e um outro grupo de pessoas estavam envolvidas nessa parte contra a instalação da usina. Naquela época, o Fabio, eu, a OIKOS, nós estávamos trabalhando a questão do Pantanal, da caça dos jacarés e de outras questões. O Capobianco se dedicava mais à questão da Juréia, mas obviamente a gente depois acabou juntando forças para impedir a construção da Usina ali. Então o que eu posso dizer, que ali eu fui muito mais um coadjuvante, não tive uma ação direta como os outros que vieram liderados pelo Capobianco.
P/1- E a OIKOS, com relação ao Pantanal que você estava falando?
R- A OIKOS com relação ao Pantanal. Nós chegamos num determinado momento em que houve um escândalo, que houve aquela história dos coureiros que estavam matando milhões de jacarés no Pantanal e que isso estava ligado ao comércio de drogas na fronteira. Então nós começamos a mexer os pauzinhos e ver com quem a gente falava, e fomos falar com o Danilo Venturini, em Brasília. O Fabio sempre conta essa história de como é que nós chegamos lá, chegamos através da lista telefônica de Brasília. “Quem é?” “Danilo Venturini, não sei o que, departamental. Liga para ele”. E foram na cara de pau, reunimos um Almirante, esse Danilo Venturini, reunimos mais gente no Masp e reunimos o pessoal do pantanal. Eu conhecia a minha vizinha hoje, que é a Beatriz Rondon, uma mulher muito forte e que foi muito importante nessa questão. E dali começou a conscientização sobre o tema da caça predatória, do massacre que havia, e alguns controles foram estabelecidos. A gente jogou luzes para essa área, o exército passou a atuar, a polícia passou a atuar de forma mais adequada e isso terminou. Então foi uma vitória naquela época e aí também há uma flexibilização para a criação de jacarés em cativeiro, há uma perda de interesse por se comercializar pele desses animais. E hoje o jacaré voltou a ser tão abundante quanto ele era no Pantanal, eu sou testemunha disso aí.
P/1- Eu estou vendo que foi uma época cheia de coisas. Como que sua esposa via? Porque ela entrou um pouco nessa fase.
R- Minha esposa acompanhou tudo isso. A Mariangela acompanha todo esse processo e o que eu acho fantástico dela é que ela sempre deu força para isso, ela nunca quis participar desse negócio, mas ela dava todo suporte para mim, para que eu saísse, para que eu fizesse, para que eu trabalhasse, para que eu me envolvesse. Nunca houve da parte dela nenhuma palavra do tipo “mas por que você faz isso? Isso dá dinheiro, ou isso?”Absolutamente, ela sempre foi uma pessoa que na maneira de agir, como ela age, é uma pessoa extremamente doce, ela sempre abriu as portas para que eu pudesse fazer o que eu quisesse e parte de todo esse sucesso eu devo a ela, sem dúvida nenhuma. Porque se não fosse o apoio que ela me deu, eu não teria chegado aonde cheguei.
P/2- E a OIKOS foi a primeira organização não Governamental a tomar uma atitude jurídica, no caso de Cubatão. No Brasil foi a primeira e no caso de Cubatão também a primeira. Eu queria que você falasse um pouquinho sobre essa questão de Cubatão.
R- Cubatão é aquela história, é o auge daquela barbaridade toda, aquela poluição brutal, aquela Vila Parisi, a explosão daquela vila que eu não me lembro mais o nome...
P/2- Socó.
R- Socó. Então era toda aquela situação. Aquelas encostas caindo, e naquele momento o Randau e o Fabio levantam essa questão e começam a se articular com o ministério público. E dali vem toda a ação que foi montada e todos nós assinamos aquele negócio, que foi um ato de coragem nosso muito grande e mudou também a atuação das empresas naquela região. Hoje aquilo não é nenhum parque de diversões para passar por ali, porque obviamente, ambientalmente falando, a escolha daquele lugar foi péssima, desde o momento que aquelas empresas foram implantadas ali. Mas ambiente daquilo hoje versus o ambiente daquilo há vinte e poucos anos atrás, é totalmente diferente. Você não enxergava há vinte e poucos anos atrás, você passava pela Cosipa [Companhia Siderúrgica Paulista], se vocês se lembram, a Cosipa tinha uma fumaça amarela, que saía daquelas chaminés, era uma loucura, parecia uma erupção. Era um negócio... você não respirava, você passava ali, você não respirava naquele lugar. Aquilo ali ia ser Bhopal, era para ser Bhopal [região da Índia na qual houve o vazamento de quarenta toneladas de gases letais de uma fábrica de agrotóxicos em 1984]. Não foi, em parte, porque nós passamos a agir também, modéstia a parte, porque a gente se envolveu, a gente chamou a atenção para essa questão e porque a legislação começou a ficar cada vez mais forte. E também isso vem com... vamos dizer assim, o Ministério Público começando a ficar importante, a Constituição nova e tudo mais, em que se ganha muito poder com esse negócio. Então há uma atitude das empresas, de mudar, porque não havia condições de permanecer, há esse acidente também de Bhopal, eu acho que essas coisas têm toda uma relação. Bhopal é de 1988, 1986, mais ou menos, uma coisa nessa época, então eu acho que tudo isso ajudou muito.
P/1- Nesse período, qual o fato que mais te marcou, que aconteceu, nessa década de 80.
R- Olha, na década de 80 o fato que mais me marcou, sem dúvida nenhuma, foi a morte do meu pai, que morre em 1979. E eu era uma pessoa em 1979 e eu passei a ser uma outra pessoa em 1980. Eu era uma pessoa muito mais expansiva, irresponsável, mais alegre até 1979, a partir de 79 eu passei a ter tantas responsabilidades que eu mudei, me tornei uma pessoa mais introspectiva, uma pessoa mais objetiva, uma pessoa mais cética. E tudo isso, para mim, esses dez anos iniciais da minha vida como empresário, foram difíceis, não do ponto de vista material, absolutamente, mas do ponto de vista de tomar as decisões certas em relação à administração do meu patrimônio e da minha contribuição para aquelas empresas que eu passava a representar o meu pai, então não era brincadeira. Eu não tive nenhuma preparação, meu pai não teve tempo de conversar comigo, de como eu deveria entrar. Eu não tive nenhum estágio na empresa a ponto de chegar e falar “passei por esta área, esta área, esta área e agora eu estou, pela mão do meu pai, entrando nesta posição.” Absolutamente, eu caí de um dia, de um ex-piloto da Varig, virtual, para um empresário. Então pode imaginar o que é isso para a cabeça de uma pessoa com vinte e três anos? Não tinha condição. Então eu acho que os primeiros anos foram anos de tentativa de entender esse processo todo e me adequar e entender melhor essa minha ideologia, ou seja, eu passei a ter essa ideologia ambiental burilada, trabalhada, envolvida, foi muito interessante. Então foi uma época muito borbulhante do ponto de vista de emoções e de caminhos, e que já me levam para a década de 90, já focado nas áreas em que eu ia seguir. E tem um fato na década de 80, muito engraçado, que é quando eu vou, sou convidado para ser presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo. O que era isso aí? O governador Montoro, no apagar das luzes do governo Montoro, cria uma Fundação Florestal. O que era essa Fundação? Essa Fundação foi criada para ter uma contrapartida para o Instituto Florestal, que já existia, era já um órgão da Secretaria do Meio Ambiente, que foi criada no governo Montoro, e o Instituto, que já existia antes da criação da Secretaria mas agora pertencia à Secretaria, tinha poderes demais ou burocracia demais. E uma ala dissonante desse Instituto quis criar um movimento que pudesse se opor a essa burocracia e que tivesse uma situação de mais independência. Então criam essa Fundação Florestal, que tinha condições de sobrevivência a partir do manejo das florestas plantadas que o Estado de São Paulo tem, que são algo em torno de trinta e poucos mil hectares de pinus, que o Estado tem e explora. Então essa Fundação foi criada no final do governo Montoro e eu então fui convidado a participar. E o que acontece? Eu fui convidado e naquela época eu ainda estava com certa ilusão governamental, aquela... como é que é? Uma infantilidade patriótica toda, de achar que “agora, então já comecei a me tornar um empresário, então agora eu gostaria de me dedicar ao governo, para ajudar o Brasil, além de ser ONG, ajudar, blá, blá, blá”. E me convidam e o ego falou mais alto, e nesse momento então eu aceito ser presidente. E o Rodrigo Mesquita e o Fabio Feldmann me falam “Não vai, não vai, seja presidente da SOS Mata Atlântica, você vai ser o segundo presidente.” “Não”, eu falei, “Eu quero ir para lá.” E o Rodrigo vira o segundo presidente da SOS Mata Atlântica, aí eu vou para a Fundação Florestal. Bom, encurtando a história, eu chego na... no convite para ser presidente da Fundação Florestal, eu praticamente me tornei a Rainha da Inglaterra, porque lá todos os postos estavam colocados e eu não tinha função nenhuma a não ser presidente da Fundação Florestal. Aí eu entro para a Fundação Florestal e me descubro numa situação interessante, porque eu tinha uma diretoria que eu não tinha escolhido, pessoas que eu não conhecia, não tinha nenhuma afinidade com essas pessoas, e eu de repente queria trabalhar, queria mostrar serviço, e as pessoas não queriam que eu fizesse isso, então deu-se um choque muito grande. Aí o negócio que não andava, ninguém falava, a coisa mal... entra o governador Quércia. E o Quércia traz o secretário [Jorge] Wilheim para ser o secretário do meio ambiente e eles colocam um diretor financeiro nessa Fundação e, de repente, eu que não conseguia me dar com aqueles outros diretores, passo a me dar com esse diretor financeiro, que também nunca vi mais gordo, mas uma pessoa que tinha nível, conversava comigo, “nhem, nhem, nhem”. Mas em suma, vim a descobrir depois, porque eu não vou ficar entrando em detalhes, que lá na frente descobriu um escândalo na Fundação, que a pessoa, a mulher encarregada das compras da Fundação tinha um caso com esse diretor financeiro e esse caso me foi denunciado pelo noivo dessa mulher, que só denunciou o caso porque descobriu que essa mulher e o diretor financeiro estavam tendo um caso nas costas dele. Então ele decidiu denunciar toda a situação pro presidente da Fundação, para que eu então acabasse com aquela bagunça. Aí eu falei “Mas você sabe que você também é culpado.” “Eu sei, mas eu quero fazer.” (risos) Uma loucura completa! Aí eu levei esse caso, nem levei pro secretário Wilheim, levei para a Secretaria da Fazenda do Estado e denunciei, abri uma sindicância, criei um problema para mim com o Jorge Wilheim, e depois quando terminou todo o problema e essas pessoas foram demitidas e afastadas, eu aí entreguei o cargo da Fundação Florestal para o Jorge Wilheim e falei que eu nunca mais volto para governo nenhum, não quero saber de nada disso, e graças a Deus cumpri essa promessa. E aí, quando eu saio da Fundação, o Rodrigo me convida para ser então o terceiro presidente da SOS Mata Atlântica e eu assumo em 1991, mais ou menos.
P/1- Vamos só voltar um pouquinho e daí a gente entra na SOS. Ainda na OIKOS, que você ajudou a fundar, você tinha um cargo, uma função?
R- Não. A OIKOS tinha isso, eram quatro, cinco pessoas, que se reuniam, a Sandra Sinico e o Castilho, que eram os outros fundadores, e era uma sessão de terapia. Porque você ia para a casa do Fabio Feldmann à noite ou ia para a Lalekla e você ficava discutindo todos esses temas que a gente falou e tal, e discutindo e falando. Então o Randau falava uma coisa, o Fabio falava outra, a Sandra falava outra, o Piero Luoni falava outra, e era todo mundo muito louco. O Piero era um anarquista, o Randau era louco, o Fabio era um intelectual, ideólogo, sonhador, a Sandra ficava com o saco cheio facilmente e eu era pragmático. O Castilho aparecia de vez em quando. Então era um negócio doido, porque eu queria pôr ordem naquela bagunça e era difícil pôr ordem naquela bagunça. Mas mesmo assim, com toda aquela loucura, todas essas ações aconteceram, isso que é fantástico. Agora eu imagino, que se a gente fosse gente mais organizada e madura, o que a gente não poderia ter conseguido.
P/1- E nessa época ainda, antes de você entrar na SOS, como que os outros empresários te olhavam?
R- Eu era uma figura rara. Eu era visto como... a minha família me julgava, obviamente, um imaturo, uma pessoa que provavelmente não tinha, sei lá, ainda muito discernimento então. Outros empresários me olhavam pior ainda, porque eu ia pedir dinheiro para eles, porque a única maneira de manter a SOS Mata Atlântica no início, eu era o “fun-raiser” da entidade, e eu passava o chapéu. Eu ia de empresário a empresário, que eu conhecia a ponto das pessoas me verem e sair correndo, porque sabiam que eu ia lá para pedir dinheiro. Aí então eu inventei uma técnica, que era o seguinte: eu pensei “Bom, o que eu preciso para manter essa instituição? Eu preciso de dois mil dólares por ano, pensando assim, de cada empresário, se eu conseguir uns cem empresários eu vou ter duzentos mil dólares, e com isso projetos serão feitos e tudo será maravilhoso”. E aí eu cheguei ao primeiro empresário e aí eu falei “Ô fulano, eu queria uma contribuição anual de dois mil dólares”. Ele falou “Como? doze mil dólares?” Eu falei “Não, dois.” “Ah! Dois eu dou.” Aí eu falei doze mil, dois mil, então agora eu sabia e no final eu falava “não eu estou bem com dois, dois resolve meu problema.” E com isso eu fui conseguindo. Eu consegui levantar, no início, recursos suficientes para manter a Instituição. A Instituição começou sendo bancada pela MacArthur Foundation, que deu o dinheiro inicial para treinar as pessoas da Fundação e esses recursos que eu trazia, que foram de início recursos interessantes e importantes para manter a Instituição. A Instituição só ganha auto-suficiência, depois na década de 90, mas estou dizendo lá pelos anos de 1995, 1996 ela entra com o programa do cartão afinidade Bradesco Visa e aí ela começa a ser auto-suficiente. Agora, os empresários, a relação com eles, era difícil. Houve empresário, gente famosa e tal, que me deixou esperando horas na sala para eu ser recebido, e quando eu era recebido, era muito maltratado, interessante isso. Eu aprendi a ser muito mais humilde a partir desses processos todos, porque eu estava do outro lado, pedindo alguma coisa, e foi uma lição muito interessante, de você ter que pedir. Pedir para outros, como nesse caso, é muito fácil para mim, o duro, eu ainda tenho problema de pedir para mim, mas pedir para os outros, pedir para a SOS, eu peço a qualquer momento, sem problemas. E aí isso me dava uma força muito maior de ficar analisando a postura da pessoa, de ficar entendendo, porque eu falava “Mas por que você não quer me dar, eu estou aqui para pedir uma coisa que não é para mim, é para nós, e você me trata dessa maneira, por que isso? Por que você me dá tão pouco e tal?” Então era uma coisa complicada, mas foi muito bom para a minha formação.
P/1- Roberto, eu gostaria que você contasse para nós como foi sua passagem da OIKOS para a SOS?
R- A passagem se deu nessa turbulência da Fundação Florestal. Não, eu diria antes. Na realidade a passagem da OIKOS à Fundação Florestal foi de 1986 para frente, não é verdade? A coisa começa com a gente se envolvendo já nesses grupos de INGs, de indivíduos se organizando em relação à questão do Lagamar, lá no litoral sul do Estado de São Paulo, na região do Vale do Ribeira. A gente tem uma chamada de atenção pelo Rodrigo Mesquita, que chama a OIKOS e outros movimentos para tentar se envolver naquela região e procurar preservá-la. Porque é a última grande região de Mata Atlântica no Brasil, é a maior extensão de mata Atlântica contínua, e com isso o Rodrigo falou “Gente, vamos fazer alguma coisa, nós temos que nos preocupar com isso.” E há uma reunião naquele momento entre o governador [Beto] Richa, o governador Montoro lá no Ceparnic [Centro de Pesquisas Aplicadas em Recursos Naturais da Ilha do Cardoso], que era o Centro de Estudos do Parque da ilha do Cardoso, uma instalação que foi feita no governo Paulo Egydio, uma coisa assim impressionante e totalmente abandonada naquela época. Não sei como é que está hoje, mas era um lugar assim muito estranho e fomos todos lá, umas quarenta, cinquenta pessoas, e eu me lembro que lá é que nós estabelecemos a linha de fundação desta entidade voltada para defender os interesses daquela região, foi lá naquele local. E ali estava o Rodrigo, estavam todos que fundaram, e o Rodrigo foi a mola mestra desse lançamento da Fundação SOS Mata Atlântica.
P/1- E como que você via isso, quando ela começou a acontecer? Você se sentia envolvido com o Lagamar?
R- Não, foi uma passagem muito natural. A OIKOS foi perdendo espaço, as pessoas foram se desinteressando, cada um foi se distanciando, e a SOS trouxe todo mundo de volta de novo. Então a OIKOS estava perdendo o seu momento e a SOS é o renascimento de um movimento.
P/2- E quais as principais frentes de atuação da SOS nesse começo, além da questão do Lagamar?
R- Acho que a coisa mais importante foi a gente ter focado a nossa ação, focamos a nossa ação na Mata Atlântica, SOS Mata Atlântica. E aí o fato de termos focado a ação e termos conseguido desenvolver através do Roberto Duailibi, da DPZ [agência de publicidade, atualmente DPZ&T], o símbolo da SOS Mata Atlântica, não existe entidade ambientalista no Brasil com uma mensagem mais clara, mais explícita, mais simples do que essa “Estão tirando o verde da nossa terra”. Tiramos uma parte do verde da bandeira do Brasil, ficou uma coisa fantástica. Então nós focamos a área de atuação, o Lagamar passa a ser um símbolo, mas a atuação seria na Mata Atlântica como um todo. Então, a primeira atuação da SOS foi de primeiro entender o que era a Mata Atlântica, configurar, estabelecer os limites da Mata Atlântica. Esses foram os primeiros trabalhos da SOS Mata Atlântica, e aí foi a dedicação em estabelecer os conceitos básicos.
P/2- E aí você em 1991 passa a atuar como presidente da Fundação, não é? Quando você entrou na SOS o que você encontrou?
R- Eu encontrei uma bagunça muito grande. O Rodrigo era o presidente, mas o Rodrigo era, assim como o Fabio, um intelectual também, uma pessoa voltada para entender os grandes desafios, construir esse caminho todo, mas não pôr a casa em ordem. Então eu entrei lá dentro da casa com a missão de arrumar aquela casa toda. Nunca tive nenhum pendor para ficar de repente desenvolvendo os caminhos ideológicos e estratégicos até da casa, do movimento. Eu fui chamado tenho certeza, porque eu era empresário, porque eu tinha recursos, porque eu tinha condição de ter acesso a empresários para buscar recursos para bancar a entidade e acharam que eu tinha alguma habilidade gerencial para pôr a casa em ordem. Quando eu chego na casa, eu encontro uma bagunça, não tinha orçamento, o recurso mal utilizado, as pessoas fazendo projeto atrás de projeto e nunca terminando os projetos que já tinham começado, que essa é uma tendência de todos nós, o projeto novo é mais interessante que o projeto antigo. E com isso eu me deparo com uma situação em que você tinha várias ONGs dentro da ONG e eram INGs. INGs e ONGs. Então meu papel qual foi? Foi chegar lá, pôr a casa em ordem. E para pôr a casa em ordem eu fechei a torneira do dinheiro, pus um pessoal, vamos dizer assim, de contábil e financeiro dentro da casa, para começar a arrumar a casa. E com isso as pessoas passaram a entender que o dinheiro não saía mais facilmente como vinha saindo, agora elas iam ter que justificar os projetos. Era parar de ficar numa demanda, aceitando a demanda que vinha de qualquer lugar, e com isso a gente começou a restringir a ação da entidade, focar a ação nas coisas mais importantes e com isso a gente começou a andar novamente. A entidade, ela diminui comigo no começo para depois crescer, é assim que acontece.
P/1- E você vai para lá em 1991, ela foi fundada em 1986. Esse período você teve uma participação, você acompanhou?
R- Muito pouco, eu era conselheiro, mas eu estava na Fundação Florestal. Eu tinha muita coisa para fazer na Fundação florestal, mas eu estava acompanhando como conselheiro à distância e tal. Nessa época eu também estava desenvolvendo meu projeto de hotel no Pantanal, nessa fazenda que eu passei a infância, que depois foi dividida pelos meus familiares e eu fiquei com um pedaço, e eu estava me desenvolvendo em termos de começar um projeto de turismo ecológico no Pantanal. Então eu passei muito tempo na África andando para cima e para baixo. Fui para vários países da América Latina para ver a experiência, vivenciei tudo o que era coisa para trazer o projeto para cá. Então nessa época eu estava um pouco fora, voltado mais para os meus projetos. Quando eu assumo a presidência, eu entro com a casa, vamos dizer assim, administrada pelo Rodrigo, saindo, pelo Capobianco e pelo Clayton. Eram os dois homens importantes, o Clayton na área de projetos e o Capobianco na área de mobilização, e naquele momento eu começo a me impor, principalmente através desses mecanismos de controle, e o Capobianco sai, porque não aceitou ficar na instituição comigo agindo dessa maneira. Ele tinha toda uma liberdade que eu não ia dar mais em função da crise que eu encontrei na Instituição, e o Clayton sai logo depois. Naquela época houve muita dúvida se a instituição permaneceria viva, o pessoal achava que eu podia ser muito competente como empresário, mas que não entendia nada de ONG. E que com as minhas, vamos dizer assim, práticas gerenciais, eu estava tirando toda a liberdade das pessoas de empreenderem do ponto de vista de projetos e focando demais e com isso diminuindo o escopo da entidade, e muita gente apostou que a entidade não ia sobreviver. Mas o resultado foi que a entidade sobreviveu, cresceu, e está repensando a sua atuação hoje em dia.
P/2- Logo que você entrou na presidência, coincidiu com o período da ECO 92. Muitos dizem que a ECO 92 foi um divisor de águas com relação ao movimento ambientalista. Eu queria saber se você concorda com isso e se concorda por quê?
R- Eu acho que sim. A ECO 92 lança o movimento para cima, projeta luzes sobre o movimento. Então o que você vê é um movimento cheio de boas intenções, cheio de idéias, mas extremamente desorganizado e com muito boa vontade e aquele negocio que em inglês se fala “wishful thinking”, muito “wishful thinking”, mas pouca realização. E nesses anos todos que a ECO passou, a gente sentiu que de fato a devastação continuou, as pessoas estão conscientizadas, mas não estão engajadas, aquilo que eu falei logo no início. O que o movimento, o que a ECO fez, foi levar essa imagem, essa bandeira, esse movimento para todo mundo, todo mundo passou a entender. A questão da educação ambiental passou a ser uma coisa mais entendível, levada pras escolas, as crianças passaram a ser, vamos dizer assim, alavancadores dessa questão toda. Os empresários passam a se preocupar mais com esse negócio, a legislação começa a ficar mais apertada, a nova Constituição dá mais poderes para o Ministério Público. Tudo isso mudou muito a coisa, mas esse divisor de águas encontrou, em contrapartida, uma falta de vontade política dos governos de implementarem todas aquelas promessas que aconteceram e da parte das ONGs, ainda uma falta, principalmente das ONGs brasileiras, uma falta de organização para poder assimilar as demandas e poder transformá-las em produtos e resultado. Então é uma época em que a gente está se organizando, eu acho que agora é diferente. Nós estamos agora numa outra etapa do movimento, onde o movimento já está maduro, consciente das dificuldades, e procurando adaptar a linguagem à população como um todo. E aí vem essa história de transversalizar, quer dizer, é não mais falar de ambientalismo pelo ambientalismo. Esse negócio de falar de biodiversidade para um público que não sabe nem o que é que é, é grego. Então você tem que falar assim hoje em dia, é diferente, você tem que falar assim “Gente, o meio ambiente está presente na questão da sua segurança.” “Ah! Mas como?” “Claro, porque na medida em que há uma crise ambiental nos locais onde as pessoas estão saindo e vindo para as cidades, vocês estão sofrendo essa pressão.” “Mas o que levou essas pessoas a abandonarem aquelas áreas, é alguma questão ambiental? Então vamos entender que a degradação do meio ambiente naquelas áreas levou essas pessoas a se mudarem de local e gerou falta de possibilidades pras pessoas viverem ali.” A questão do custo de você viver nas grandes cidades, a água, que hoje em dia tem que vir de Minas Gerais para abastecer São Paulo e você tem que explicar isso. A questão da favelização, que é toda essa migração que vem de áreas degradadas e que vem para degradar mais ainda o seu ambiente aqui, enfim, tudo, a questão estética, que se degradam as nossas cidades assim de uma maneira terrível. Nunca houve tanta degradação como nos últimos vinte anos, quer dizer, você vê o enfeiamento das cidades, a favelização das nossas cidades, tudo isso você tem que explicar numa conjuntura ambiental, você tem que explicar pras pessoas. Você tem que falar com as pessoas, por exemplo, a elite, por exemplo, nem elite, as pessoas que tem uma casa na praia, você tem que explicar para elas a ocupação desordenada, que vai fazer com que aquele imóvel que elas construíram perca valor ao longo do tempo. Por quê? Porque não há planejamento, não há zoneamento. Há uma simples invasão de áreas e isso leva a toda uma invasão, depois favelas e tal, a deterioração dos mananciais que vão para aquelas praias, queda de qualidade de vida. E você tem que transversalizar essa informação e não mais falar da questão da biodiversidade, da questão do mico-leão, da questão disso e daquilo. Você tem que usar essas questões como símbolo, mas, na realidade, você tem que mostrar que meio ambiente e qualidade de vida são uma coisa só, e que nós estamos tentando lutar para que as pessoas tenham uma boa qualidade de vida e salvando o planeta pras pessoas, essa é a realidade. O planeta vai continuar e as pessoas vão desaparecer, só que nós estamos empobrecendo a nossa vida e isso que a gente tem que tentar explicar para essas pessoas. Mas o problema é que as pessoas hoje estão tão alheias a isso, as pessoas estão isoladas na cidade. A cidade passou a ser uma coisa auto-suficiente, o camarada não sabe mais nem que... a criança não sabe o que é uma galinha, ela vê a galinha, o frango está lá no supermercado, cortadinho, limpinho, bonitinho, mas não sabe que aquilo lá foi uma galinha, que mora não sei o que, e que antes daquela granja... Você está resfriado, come uma galinha que já vem com todos os remédios possíveis, antibióticos e tal. Ninguém sabe, não tem mais relação nenhuma com a natureza. Então, as pessoas, elas perderam esse contato, elas se sentem muito auto-suficientes aqui, elas não tem noção de onde vem o alimento, como é produzido e tudo o mais, e a nossa mensagem tem que ser essa, de reaproximar as pessoas com esse negócio, é uma melhor qualidade de vida. Mas é muito difícil, porque nós hoje em dia somos muito mais materialistas, somos muito mais consumistas, e nós hoje em dia estamos tendo que adaptar o nosso discurso ao consumidor. Então nós estamos indo pras empresas, que fazem produtos, e falando para essas empresas como é que eles podem melhorar o seu produto para que aquele consumidor que não é verde, mas que eventualmente pode priorizar esse produto, que tem características de maior respeito com a natureza, se a empresa souber fazê-lo a um custo compatível com aquele produto que não tem respeito à natureza... Porque se o custo for mais alto, o consumidor vai continuar comprando o produto que não tem respeito com a natureza. Então é todo um processo que você tem que hoje em dia saber falar com o consumidor, saber falar com as empresas, fazer uma campanha para vender. Como nós vendemos a pasta de dente e que um percentual vai para instituição e você tem que justificar para o teu patrocinador, aonde vai esse recurso e para o cliente, por que é importante ele comprar aquela pasta de dente. Mas se ela não tiver um preço melhor, não vai comprar. Então esse é o grande desafio nosso hoje, é tornar esse consumidor um ativista pela sua qualidade de vida e que passa pela questão ambiental. E esse processo é um processo de conscientização para o engajamento, esse é o grande desafio que nós vamos ter nessa década.
P/1- Você estava falando nisso, eu estava pensando no que você falou um pouco antes, do Hotel no Pantanal. Pelo que eu entendi é Ecoturismo, não é? Na época que você estava fazendo isso não era uma coisa muito comum, do que é hoje.
R- Não, não existia ecoturismo na época em que eu fiz isso. Em 1987, quando eu comecei esse hotel, o que existia no Pantanal era hotel para pesca e hotel para homem só. Não existia um hotel onde você podia levar sua família para, vamos dizer assim, apreciar a natureza. Então eu fiz um projeto em que eu copiei o projeto do que já existia na África do Sul, que é muito mais avançada nessa área. Então eu fui lá, aprendi o processo de guias, guias bilíngues, que levam você e mostram a natureza e decifram a natureza para você. E aquela época que eu comecei com esse projeto, o público principal era estrangeiro, o brasileiro não tinha noção. Como é que o brasileiro foi descobrir o Pantanal? Através da novela, para você ver como nós somos. A novela é que fez o brasileiro descobrir que o Pantanal é um lugar, “Poxa, o Pantanal é acessível, o Pantanal é bonito. Nossa, é espetacular. Tem mosquito?” “Tem, faz calor.” “Faz.” “Chove muito?” “Chove. Mas é bonito, então vamos lá.” E hoje em dia meu público mudou, sessenta por cento do meu público é brasileiro, quarenta por cento é estrangeiro.
P/1- E na época as pessoas não falavam assim “Como que você vai fazer uma coisa assim?”. Porque era tão novo aqui.
R- Todo mundo achava que eu era louco, mas como eu já tinha fama de louco mesmo, então não fazia a menor diferença, é mais uma loucura. E eu fui desenvolvendo isso aí naquela época. Aquela fazenda que eu contei para vocês, ela foi dividida entre os meus familiares, e todos os familiares ficaram com um pedaço e continuaram desenvolvendo a pecuária extensiva de gado no Pantanal. Eu fui o único que aliei à pecuária o turismo. E todos os meus familiares achavam que eu era um doido varrido, porque eu ia criar problemas de mão de obra, ia inflacionar os salários, ia criar problemas culturais, as pessoas iam ter que conviver com o turismo e o turismo não traz só coisa boa. Mas tudo isso foi superado, eu já tenho esse projeto há dezoito anos praticamente, é um projeto de sucesso, é um projeto que construiu um nome. E me dá extrema satisfação, porque você poder buscar maneiras de perpetuar um negócio, que faz muita diferença. Quais são as maneiras que o Pantanal pode ter para conseguir sobreviver? Sem dúvida nenhuma o turismo é uma delas, não é a solução única, mas é uma das soluções. É conjugar atividades, pecuária, turismo, pesquisa, que são atividades muito menos predatórias do que agricultura e outras coisas, que em outras regiões do Brasil já foi destruída. O Pantanal continua relativamente intacto, porém agora ta sofrendo uma pressão muito grande de pessoas que desconhecem o Pantanal, que vêm de fora, compram terras baratas, que a terra no Pantanal é muito barata, e cortam, mudam pastagens e destroem áreas mais altas. O Pantanal é formado de áreas inundáveis, áreas mais altas, e esses fazendeiros vindos de fora, sem qualquer relação com a história local, com a cultura local, derrubam as cordilheiras, como a gente chama assim, e plantam pasto nessas áreas para que o gado, durante as cheias, suba para essas áreas. Quando na realidade não deveriam fazer isso, porque essas cordilheiras é que mantém a fauna silvestre, é que seguram a erosão em algumas dessas áreas e, ao fazerem isso, eles estão empobrecendo o Pantanal, erodindo o Pantanal, e criando problemas para o Pantanal. Mas o Pantanal ainda tem uma situação, comparada com o Cerrado, que está indo embora, sobra o quê? Vinte por cento, com a Mata Atlântica que sobra sete por cento, com a Amazônia, que eu sei lá o que sobra, sessenta por cento. Mas o Pantanal ainda sobra muito. O problema do Pantanal é o entorno do Pantanal e agora, lá dentro, essas questões que são muito ruins.
P/1- O Ecoturismo e os esportes radicais, que tiveram um “boom” dos anos 90 para cá, você acha que eles contribuem para uma conscientização maior do meio ambiente?
R- Com certeza. Projetos sérios contribuem com certeza com isso. Porque hoje em dia você leva... O que eu observo é que as famílias estão levando os seus filhos para conhecerem o Brasil. Antigamente famílias com mais recursos não deixavam os filhos aqui, iam passear na Disney, nã, nã, nã, e Brasil não. Por que não o Brasil? Porque o Brasil não tem infra-estrutura e porque é caro viajar dentro do Brasil. Agora não, agora você já tem infra-estrutura no Brasil, você já tem acesso, vamos dizer assim, não tão bom, eu acho até que piorou o acesso aéreo, porque a malha aérea diminuiu com a crise das companhias aéreas. Mas você tem, hoje em dia, hoje você tem companhias em que você voa mais barato, você tem condição de visitar melhor o Brasil e você tem condições de ficar bem nesses lugares onde você vai. Então, hoje em dia as pessoas perderam o medo de visitar o Brasil e levar as famílias, e eu observo no meu empreendimento cada vez mais famílias levando os filhos para conhecerem o Pantanal. Ninguém vai lá para ficar na pousada, vai lá para conhecer o Pantanal. É isso que é bonito, você está indo pros Lençóis Maranhenses, está indo para todas essas aéreas, e ficou acessível.
P/2- Roberto, você disse que diminuiu muito a questão da preservação de áreas como o Cerrado, como a Amazônia e como a própria Mata atlântica. Quais são as perspectivas para você com relação à Mata Atlântica ?
R- Olha, a Mata Atlântica para mim, a devastação da Mata atlântica continua, mas em um ritmo que gradualmente vai diminuir e ele muda de características. Antigamente eram projetos grandes, de agricultura, papel e celulose, onde o pessoal derrubava a mata para plantar as árvores para fabricar o papel e a celulose, pecuária, mineração. E hoje em dia você está vendo que é muito mais a casa de praia, o condomínio, a pequena propriedade rural que detona a Mata Atlântica. E isso é uma coisa que a gente tem detectado, graças ao Atlas que a gente faz. Mas com a legislação, com a conscientização, com a dificuldade toda que é você continuar infringindo a lei, eu acho que nessas áreas onde reside a maior parte da população brasileira vai haver um maior cuidado. Mas não quer dizer que a ameaça diminuiu, não. Por quê? Porque, por exemplo, você tem um problema de favelização, que eu falei para vocês. Então você tem todos esses núcleos habitacionais, você tem toda a favelização que está acontecendo. E as favelas, nos últimos sensos que tem mostrado, têm crescido muito mais do que... o que cresceu na cidade de São Paulo foi a favela, é um negócio grave. Então, o que eu quero dizer, é que ela vai continuar muito ameaçada, mas hoje em dia você tem muito mais ação, muito mais atenção, muito mais grupo organizado para falar alto e para tentar intervir em relação a isso. Mas eu diria que as perspectivas ambientais no Brasil não são boas não. Eu diria que o Cerrado vai embora, a Amazônia vai sobrar pouca área, por quê? Porque você vai ter a abertura de rodovias que vão cortar a Amazônia ligando Santarém até Cuiabá, que hoje já existe, mas amanhã vai estar asfaltado e isso, obviamente, cada estrada aberta é uma espinha de peixe que se cria e a devastação acompanha tudo isso. Estão sendo criadas Unidades de Conservação, em número bastante grande, e isso é um fator que segura, sem dúvida nenhuma vai segurar. Mas vai ser difícil, principalmente, aliado ao fato que você não tem vontade política ainda, do governo, os governos são muito inoperantes, é a última prioridade. E é como eu falei, nós, ambientalistas, ainda não soubemos transformar, aquela história que me deixa profundamente irritado, quando eu conheço algumas pessoas que falam para mim assim “Ah! Você faz tudo isso? Ah! Que bom que você existe né!” Bom que eu existo para fazer o trabalho que ele não, para se engajar naquilo que ele deveria estar se engajando. E é isso que é o desafio da gente: é transformar cada um de nós num indivíduo que vai lá e consegue mudar as coisas, e consegue parar aquele negócio, então esse é o desafio. Mas eu diria que esse processo leva muito mais tempo do que a velocidade das coisas que estão ameaçando, enfim, o meio ambiente no Brasil. A história da soja está aí explicado o que vai acontecer e à medida, por exemplo, que a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] desenvolve sementes mais adaptadas aos trópicos. Daqui a pouco você vai ter soja plantada em áreas que na Amazônia, mesmo legal, que hoje estão ainda principalmente plantadas em áreas de cerrado, mas no futuro você pode ter sementes adaptadas àqueles solos pobres, produzindo. Você já imaginou isso? Então é uma loucura isso, porque se quer proteger, mas você está desenvolvendo tecnologia para acabar com esse negócio. Não é o teu objetivo acabar com esse negócio, mas você acaba criando condições para acabar com esse negócio.
P/2- Então, já que você tocou na questão da soja, com relação aos transgênicos, que é um assunto que está sendo debatido agora, intensivamente, foi agora nesse final de ano...
R- Olha, eu vou te falar uma coisa: eu não entendo desse assunto. A única coisa que eu posso te dizer é que eu acho que isso tem tanta questão de ignorância dos dois lados nessa área. para mim, é que nem falar aquela revolução verde que houve no passado, isso são mudanças de patamares. É que nem falar como questão, como é que é, de embriões, o que vai acontecer. Biotecnologia, tudo isso é tabu, é um negócio complicado. Agora sabe, vai ser difícil segurar esse negócio. Eu não acredito que os ambientalistas consigam segurar os transgênicos, e eles vão acontecer cada vez mais, é uma questão de mercado. Se nós estamos tão pouco organizados para conseguirmos segurar as coisas que nós deveríamos estar conseguindo, essa questão que envolve dinheiro e numa velocidade brutal, eu acho difícil. Agora, eu não tenho posição formada a respeito de transgênico, se me perguntarem “você é contra os transgênicos?” Eu diria “Eu não sei, eu não sei avaliar.” Eu não acho que essa posição radical “somos contra tudo e todos” seja também a mais correta.
P/2- E Roberto, das campanhas que a SOS desenvolveu nesses dezoito anos, qual ou quais te marcaram de alguma maneira especial?
R- Para mim, eu diria que a SOS é uma entidade de mobilização, é isso que ela faz. Ela recolhe informação que ela produz ou não, ela junta essa informação e disponibiliza essa informação pro público e trata de mobilizá-lo a partir disso. Esse é o papel que a gente procura desenvolver na SOS. A ferramenta maior para isso foi o Atlas, que a partir do primeiro Atlas e dessa relação com o INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], a gente conseguiu mapear a Mata Atlântica numa escala de um para duzentos e cinquenta e começar a mostrar, então, sucessivamente, o que está acontecendo na Mata Atlântica, sobrepondo imagem sobre imagem, aumentando ou reduzindo a escala, que estamos indo para um para cinquenta mil agora. A gente já está conseguindo enxergar áreas de três hectares até. A gente consegue identificar situações mais graves e tal, coisa que a gente não via antes, a gente não conseguia identificar em áreas maiores. Então eu diria a você que a partir dessa construção de informação, a gente criou mecanismos de pressão. Por exemplo, a gente fez o Atlas e a gente acabou chegando agora num Atlas Municipal, então agora cada município dispõe de um Atlas da Mata Atlântica do seu município. Então mudou, porque a nível federal é mais difícil conversar, a nível estadual difícil. Mas a nível municipal, quando você dá pro seu munícipe o Atlas daquele município, que ele entra na Internet e acha lá “O meu município não tem nada, ou tem isso.” Aí ele pode, a gente dá o mecanismo para ele pressionar o prefeito, a câmara. O que pode fazer para mudar? O que eu posso fazer? Por que vocês estão fazendo isso? Então você vai aproximando a ferramenta do indivíduo e vai tornando aquele indivíduo um indivíduo engajado. É essa a maneira da gente trabalhar, com campanhas, mobilizar, ir para Brasília, falar com aqueles deputados, tentar desmistificar essa informação sobre a Mata Atlântica. De novo, transversalizar, tirar esse lado chato, o lado acadêmico da informação e tornar uma informação mais palatável, tudo isso é o que a gente está tentando fazer.
P/1- E fazendo um balanço de todas essas campanhas, da atuação da SOS nesses dezoito anos, como você concluiria?
R- Eu concluiria da seguinte maneira: primeiro eu acho que a entidade ela se organizou, ela é uma entidade auto sustentável, ela é uma entidade que dispõe de recursos para fazer projetos, diferente de muitas entidades que não se organizaram e que não souberam lidar bem com o dinheiro porque acabaram aceitando demandas demais da sociedade. Então isso, de um lado, é positivo, do outro lado, o que tem de negativo é que nós não conseguimos atingir essas questões de engajamento e também, muitas vezes, o fato de você se fechar à demanda, você também empobrece a tua oferta. Então o que aconteceu é que nós, ao longo do tempo, perdemos muitas vezes a primeira linha, a bandeira de determinadas questões, porque estávamos preocupados em fazer bem aquilo que fazíamos. E agora nós temos que repensar nossa atuação, para que nos próximos dezoito anos a gente faça um novo pacto com a sociedade e a gente possa então entender “Bom, naquilo que a gente avançou, avançou bem? Como é que nós podemos avançar os próximos dezoito anos? O que a sociedade espera de uma entidade como a nossa?” Para isso a gente vai fazer pesquisa "quali", "quanti", para isso a gente está fazendo conversas com “stakeholders”, para entender o que essas pessoas esperam da entidade, os temas mais polêmicos que devem ser trabalhados por essa entidade, tudo isso vai ser feito. Então eu diria, que o balanço, em minha opinião, é muito positivo. Porque não é fácil você sobreviver no Brasil, uma ONG, dezoito anos e chegar ao final desses dezoito anos sendo a entidade com maior credibilidade hoje em dia. Das entidades ambientalistas, a mais conhecida, a que tem o maior número de filiados. Isso é muito, muito importante para nós, mas ao mesmo tempo, meio ambiente é a penúltima prioridade do eleitor brasileiro. Os jovens estão muito mais consumistas do que aqueles que a gente conhecia há dezoito anos, não tem mais ideologia. Os jovens não estão mais motivados por essas questões e nós não estamos conseguindo transformar o nosso assunto, que deveria ser uma ideologia comum a todos: viver bem. As pessoas não estão pensando assim, as pessoas hoje em dia vivem do momento, você falar para a pessoa o que é lá na frente. Até a religião mudou, antigamente o cara era católico e você ia resolver o seu problema no próximo mundo, hoje em dia você está sendo evangélico para resolver seu problema nesse mundo. Então todo mundo quer resolver o problema já, e com isso o que é que está acontecendo? Está acontecendo que as pessoas não têm esse compromisso de tempo e nós, em minha opinião, não fomos hábeis em mudar o discurso, esse é o grande desafio que nós temos daqui para frente.
P/1- Pegando o gancho dessa sua resposta, como você vê a fundação SOS hoje, de quando você começou a atuar nela em 1991?
R- Eu acho muito melhor, eu acho a Fundação muito melhor. Ela tem pessoas muito mais preparadas, pessoas muito mais engajadas, profissionais, pessoas que entendem a necessidade de se comprometer com metas e serem cobradas por isso. Não adianta falar “mas eu sou ambientalista, portanto eu não sei o que, eu tenho menor comprometimento.” Não senhor, você tem que cumprir essas coisas, você vai ser cobrado por isso, você tem um orçamento a cumprir, você tem que saber fazer o orçamento, você tem que saber fazer o projeto, você tem que prestar contas pros seus patrocinadores, doadores e para a sociedade. Então eu acho que a entidade ela está muito melhor, “Ah! Por que você fez?” Não, é uma construção, que desde o primeiro fulano... Se o Fabio não fosse o ideólogo que foi e o Rodrigo não tivesse dado este encaminhamento através da criação da marca, através dos grandes temas a serem seguidos, eu não estaria fazendo o trabalho que eu fiz, que foi muito mais fácil de fazer, que foi o de simplesmente separar os temas pelo grau de importância, priorizá-los e focar, esse foi o meu trabalho. Então é uma continuação, não houve um rompimento, “então fulano saiu e deixou assim?”. Não, é uma construção e o próximo presidente que vier, porque não pretendo me eternizar nesse cargo, ele vai pegar uma instituição que fez um novo pacto com a sociedade. Esse é o objetivo de a gente estar desenvolvendo toda essa questão dos dezoito anos, é um novo pacto, o novo presidente que vier vai pegar a entidade, com esse novo pacto, com essas novas demandas da sociedade, adaptando a entidade que ele tem hoje a essa relação e a essa situação.
P/1- Você mesmo disse que você não quer ficar eternamente como presidente da fundação e muita coisa vai acontecer aí. O que você espera, você, Roberto, espera da fundação daqui a dez anos?
R- Eu trabalho para que a fundação crie um fundo de caixa, para que ela possa pelo menos manter um núcleo, na pior situação possível, um cenário terrível, que ela tivesse que reduzir o seu tamanho, porque não tem mais patrocinadores, porque ela teve algum acidente de percurso, ela teria recursos básicos para poder se manter com um núcleo de pessoas, pensantes e atuantes e continuar o seu trabalho. Então eu trabalho, eu trabalho pequenininho nesse campo, criando essa blindagem da fundação e no sentido amplo eu trabalho dando condição, para que esses executivos da fundação cada vez tenham mais autonomia, auto-suficiência e profissionalismo para administrarem essa entidade daqui para frente, com vistas a poder convidar presidentes sempre, pelo menos na minha visão, que venham do campo empresarial. Por quê? Porque o campo empresarial dá uma largura para essas pessoas de contatos, idéias e recursos, que muitas vezes um técnico, um cientista, ele não tem essa habilidade. O empresário ele não vai ser um cientista, ele não vai ser um técnico, mas ele vai saber conviver melhor com essas pessoas do que você pegar um cientista e falar para ele “Agora você vai ser um “fun-raiser”, vai cuidar dos números, vai fazer isso, vai fazer aquilo.” É muito complicado. Eu acho que se nós conseguirmos então trabalhar nesses dois sentidos, de blindar a Fundação dando a ela condições de sobrevivência nos dias de inverno, que sem dúvida virão, e ao mesmo tempo dando condição de criar uma equipe que tem condição de se profissionalizar e crescer, tudo vai ser muito mais fácil. Agora, óbvio, qual o momento político desse país? Qual é a aceitação que a sociedade vai ter? Isso a gente pretende responder a partir de todo esse trabalho que a gente está iniciando agora, e deve ter no próximo ano terminado, esse trabalho com um retrato da sociedade, daquilo que a sociedade espera da SOS e de como deve ser essa SOS para responder a essas demandas do futuro.
P/1- Ser presidente de uma fundação ou de uma empresa, ou de qualquer coisa que seja não é uma coisa tão confortável. O que te faz ser presidente da Fundação SOS?
R- Eu acho que a primeira coisa é o amor que eu tenho por ela, a segunda coisa é ainda uma sensação de trabalho não terminado e de achar que eu estou contribuindo de uma forma fantástica para o Brasil através da SOS Mata Atlântica. O meu trabalho, a minha dedicação, faz com que eu realmente possa primeiro me sentir uma pessoa útil. Se eu fosse apenas um empresário, eu estaria sendo útil, obviamente, dando empregos, gerando negócios, fazendo coisas, seria muito útil, mas eu ainda me sinto muito mais útil. Então eu me sinto uma pessoa privilegiada, e estar aqui, me dá essa sensação e faz com que eu, sem dúvida nenhuma, prepare a minha saída, porque você não pode ficar muito tempo, eu já estou há tempo demais e esse tempo tem a ver com o fato de nós, ao longo desse tempo, não termos terminado o trabalho de criar essa condição de organização auto-suficiente e blindada, que pode aceitar presidentes que virão, mas sempre numa situação de despersonalizar-se. Eu não acredito numa organização que tenha um presidente muito forte no sentido de para fora. Eu nunca tive esse papel, pouca gente sabe que eu sou presidente da SOS Mata atlântica, porque eu quis que a entidade fosse uma entidade que ela é mais forte que o presidente, e é isso que a gente tem que construir. Então o meu compromisso com a entidade é esse, é de criar esses mecanismos para que ela possa andar sozinha, se eu sair agora ela anda sozinha sem problema nenhum. O que eu estou agora é à procura do melhor perfil de pessoas para me substituir, para que ele possa continuar com essas idéias todas. A dificuldade será é fazer com que os antigos, os ideólogos e tudo o mais, aceitem uma pessoa que de repente não vai vir dos quadros que nós criamos, e que não dá para vir dos quadros que a gente criou, que virá de fora, e que vai de repente ser o presidente dessa instituição. Como é que vai ser essa relação? Isso é um desafio.
P/1- Roberto, para a gente finalizar, eu gostaria que você me respondesse, qual o peso que tem a questão ambiental na sua vida e a Fundação?
R- Ah, eu acho que o peso, hoje em dia... eu estou mexendo com a SOS Mata Atlântica, com o Funbio, eu sou o presidente do Funbio, que é o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, que é uma coisa muito grande e que eu fui convidado a partir dessa experiência toda de empresário e ambientalista, tal. Então eu acho que o peso, não sei, eu diria que cinquenta por cento da minha vida, por assim dizer, está voltado a alguma área que mexe com isso, que está envolvido com isso. Os projetos que eu desenvolvo, os projetos que eu herdei, então a área ambiental para mim é muito importante. E a Fundação para mim ela tem, enfim, esse significado que eu já expliquei, quer dizer, é uma sensação de ser extremamente útil, de se sentir extremamente útil. De não falar “o que você fez?” “Ah! Eu dei um dinheiro para um orfanato, eu ajudei isso.” não, eu dou o meu tempo, não tem coisa, não há nada mais caro que o tempo da gente, porque o bem mais precioso que a gente tem é o tempo, e dar tempo para um projeto como esse é a melhor coisa que a gente pode fazer. Então eu me sinto uma pessoa, para terminar, extremamente recompensada, não frustrada, vamos dizer assim, que cada vez amadurece mais em função de estar me dedicando a um trabalho como esse e eu imagino, que as pessoas que fazem isso, em qualquer segmento, tem a mesma sensação.
P/1- E Roberto, tem alguma coisa que você gostaria de falar, que nós não te perguntamos, que você lembre e fale “Ah!”?
R- Não, eu só me senti extremamente orgulhoso de poder estar participando de um projeto como esse, de poder ser um dia um elemento de informação. Você imagina, hoje em dia nós, com essa tecnologia, pessoas daqui há quatrocentos anos, se nós ainda existirmos, quinhentos anos, vão poder olhar para um negócio desses e falar “O cara pensava assim naquela época”. Eu só, talvez, dissesse o seguinte, é tal a irresponsabilidade dessas pessoas que vivem neste século 21 com a questão do meio ambiente, que a gente, quando olha para trás e faz julgamento sobre pessoas que viveram há quinhentos anos atrás, eu dou um exemplo muito claro. Então as pessoas julgam o tal do [Hernán] Cortés, quando ele conquistou os Astecas “Mas que monstro, ele destruiu uma civilização.” Só que você esquece que o cara pensava como um homem do século 15, nem 16, ele pensava, e o cara foi lá e fez aquilo pensando em glória de Deus, do ouro e da majestade e era um negócio novo. Ele não estava pensando “o que vai acontecer, porque eu vou destruir uma civilização? O que o mundo está perdendo a partir da destruição desse negócio da mudança?” Não, mas nós, hoje em dia, somos pessoas amplamente civilizadas e com tecnologia para fazer cenário e nós sabemos perfeitamente bem o que acontece a partir dos atos que a gente pratica. E mesmo assim, com tudo isso, nós continuamos praticando esses atos. Então nós somos muito piores do que essa gente que morou há quinhentos anos, duzentos anos no planeta, porque eles não pensavam dessa forma, mas nós pensamos e mesmo assim somos irresponsáveis. Então isso que me deixa tão perturbado em relação à nossa espécie. Quer dizer, com tanta disposição, com tanto instrumento e não consegue pensar. É isso.
P/1- Nós queremos te agradecer por você ter ficado com a gente esse tempo e ter dado seu depoimento.
R- Muito obrigado, eu gostei.Recolher