Programa Conte Sua História
Depoimento de Cátia Hatsuko Kawano Miyasiro
Entrevistada por Danilo Eiji Lopes
São Paulo, 03/09/2015
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Cátia, inicialmente, eu gostaria de agradecer por você vir e dar um pouco do seu tempo, disponibilizar a sua história. Ent...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Depoimento de Cátia Hatsuko Kawano Miyasiro
Entrevistada por Danilo Eiji Lopes
São Paulo, 03/09/2015
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Cátia, inicialmente, eu gostaria de agradecer por você vir e dar um pouco do seu tempo, disponibilizar a sua história. Então, em nome do Museu, muito obrigado.
R – Eu que agradeço.
P/1 – Bom, para começar, eu não vou nem entrar diretamente na sua história, tá, mas eu queria conversar um pouco, né? Bom, primeiro, fala para nosso registro, o seu nome completo, data de nascimento, local de nascimento, para a gente começar, por favor.
R – Meu nome é Cátia Hatsuko Kawano Miyasiro, tenho 36 anos, nasci em São Paulo.
P/1 – Nasceu em São Paulo?
R – São Paulo.
P/1 – No bairro de?
R – Na verdade, eu nasci em Mogi das Cruzes…
P/1 – Ah, tá vendo? Já tá mudando (risos).
R – É, nasci em Mogi das Cruzes e fui registrada no bairro da Vila Matilde.
P/1 – Catia, então, antes de começar a sua história, queria saber um pouco das origens familiares, né, estamos vendo, você é japonesa. Você sabe a história da sua família? Pessoal veio para cá, como chegou aqui? Conta um pouco pra gente.
R – Os meus avós, eles são do Japão mesmo, da parte da minha mãe, de Hiroshima e da parte do meu pai é de Okinawa, então é uma mistura de Hiroshima com Okinawa. E eles vieram… o meu vô da parte da minha mãe veio justamente por causa da guerra, né, que iria ter a Segunda Guerra Mundial, então eles conseguiram escapar, vir para o Brasil.
P/1 – Isso foi a história que eles contaram para você?
R – É, que contaram para mim.
P/1 – Tá. Eles vieram para São Paulo, foram para o interior de São Paulo, como que…?
R – Foram para o interior de São Paulo.
P/1 – Conta um pouquinho, o quê que eles contavam… o nome deles, quem são? Parte de mãe, primeiro, vamos lá.
R – ____00:02:37___ Kawano, ele foi para o interior, trabalhou como caminhoneiro, carregando nos sítios, mesmo. Depois, veio para São Paulo, trabalhou com uma cooperativa. Aí depois disso, ele começou a trabalhar como vendedor de bala, né, ele fazia balas, aquelas artesanais e vendia e foi assim, até nos últimos dias da vida dele. Casou com minha avó que era mineira, japonesa também, só que ela não nasceu lá, nasceu aqui e teve a mãe e o meu tio. E foi assim.
P/1 – Isso por parte de mãe?
R – De mãe.
P/1 – Por parte de pai, seus avós vieram de Hiroshima?
R – Não, essa foi por parte da mãe.
P/1 – Essa foi por parte da mãe? Vieram de Hiroshima?
R – É, Hiroshima. A parte do meu pai, eles vieram de litoral de São Paulo, eles foram para o litoral de São Paulo, onde… agora, não me recordo o nome, mas onde se fazia plantação de banana (risos), não me recordo o local…
P/1 – Ah! Era plantação de banana? Então, deve ser litoral sul, provavelmente? Cananeia…
R – Não me lembro.
P/1 – Mas enfim, eles falavam com você em japonês? Eles falavam português?
R – Português.
P/1 – Eles mantinham a tradição do Japão? Alguma coisa?
R – A parte do meu pai, sim, eles mantêm até hoje a tradição de Okinawa e a parte da minha mãe, não. Era já o costume brasileiro, era mais forte.
P/1 – Quando você fala de tradição, o quê que é? O quê que eles mantêm, por exemplo?
R – A questão religiosa da minha vó por parte de pai, as comidas típicas, também, a gente tem ainda essa tradição de comer. Ela faz moti, minha vó, ainda faz e é muito bom (risos), muito bom. E da parte da minha mãe, já faleceu, a minha vó e o meu avô, só tenho a minha vó agora, paterna. Meu avô faleceu recentemente, do meu pai, fiquei um ano com ele, cuidando dele, foi um tempo precioso para mim, pude amá-lo, o tempo trocando fralda, dando banho, esse foi um tempo muito precioso para mim, que eu pude conhecê-lo mais. Apesar das debilidades, a gente dançava, a gente cantava junto, né, a gente teve um tempo precioso juntos. Foi muito bom.
P/1 – Quais são as histórias que ele tinha, assim? Ele tinha vontade de voltar para lá? Voltou?
R – Não. Depois que veio para o Brasil, não voltou mais, ficou…
P/1 – Mas tinha esse sonho de voltar? Era para vir e voltar? Ou veio e falou: “Puta, adorei aqui, quero ficar aqui”? Como que foi essa trajetória deles aqui?
R – Eu, na verdade, não tive tanto contato com… quando era pequena com o meu avô da parte do papai, mais da mamãe e ele, com uma idade já avançada, ele voltou para o Nihon, o da mamãe, né, o pai da mamãe, voltou para o Nihon e foi trabalhar numa fábrica, já idoso, né, conseguiu guardar um dinheirinho, comprou uma casinha, né, eu fiquei… comia miojo (risos), comia… ele poupou muito, então ele teve que…
P/1 – Só para entender, então ele aqui, já adulto, já mais velho, foi para o Japão, ele foi trabalhar e depois voltou?
R – Voltou. Esse é o pai da mamãe.
P/1 – Deixou a família aqui, foi para lá e voltou?
R – É. Foi e voltou. Trouxe o dinheirinho dele, comprou uma casinha, né, porque até então, eles moravam na Cohab e ele acabou conseguindo… foi uma vitória para ele, né, fazer essa proeza com aquela idade, né? Ele tava bem idoso, já.
P/1 – E seus pais, me conta um pouco, seu pai, sua mãe nasceram aqui? Foi no interior? Conta um pouquinho.
R – Papai nasceu mesmo nesse local…
P/1 – Do litoral?
R – Do litoral. E mame nasceu aqui em São Paulo, mesmo, eles se conheceram… eram vizinhos, né, acabaram se conhecendo e começaram a namorar e foi um tempo bom para eles, pelo o que eles comentam. Aí logo em seguida, ela engravidou dos filhos anteriores a mim, né, um ela perdeu e o outro foi tirado. Ela conta que a minha vó insistiu para ela tirar e isso causou um transtorno muito grande na vida dela. A partir daí, desse momento, provavelmente, ela se culpou e aquilo trouxe uma enfermidade mental muito grande para ela. Mas começou mesmo, a se manifestar, depois do Marcelo, quando teve o Marcelo, aí começou a agravar o problema e ao longo dos anos, foi aumentando.
P/1 – Marcelo, seu irmão?
R – É.
P/1 – Você tem mais… você, o Marcelo, tem o…?
R – O Rafael e a Tassia.
P/1 – Bom, seu pai estava no litoral, sua mãe já era daqui, nasceu aqui, casaram, foram trabalhando e depois, foram constituindo família e tendo essa trajetória, né?
R – Sim, papai…
P/1 – Seu pai trabalhou com o quê? O que seu pai fazia?
R – Ele é eletrônico, sempre foi eletrônico, trabalhou numa firma, depois se tornou autônomo e até hoje, ele é autônomo. Eu falo que ele é um pai herói, né, um pai e mãe ao mesmo tempo, porque ele, além de sustentar os quatro filhos, ele conviveu com o problema da mamãe. Ela tinha picos de agressividade muito grandes, também, palavras chulas, muito ciúmes dele, então ele conviveu com tudo isso, praticamente, a vida inteira e não teve um relacionamento conjugal saudável. E isso acarretou para os filhos, também, mas eu falo que papai é um herói. Eu tenho ele como um herói, mesmo, né, por ter suportado tantas dificuldades e mesmo assim, aguentou. Aguentou firme, nunca desistiu da família.
P/1 – Os nomes deles, mesmo? Para registro.
R – Rafael…
P/1 – Não, dos seus pais.
R – Ah sim! Américo e Regina.
P/1 – Américo e Regina. Eu queria então voltar um pouco, vamos falar um pouco dos seus pais. Quando você fala que a sua mãe… que a sua vó quis que ela tirasse o filho, por exemplo, era dele? Do Américo? Era de um outro relacionamento?
R – Era dele. Isso.
P/1 – E você sabe isso? Foi comentado isso em família com vocês, porquê isso…
R – Ela era muito nova. Muito nova, provavelmente o quê? Quinze, 16 anos, mais ou menos.
P/1 – Quando eles estavam juntos?
R – É, provavelmente, era nessa fase, aí. Então, ilegal fazer isso, então teve que fazer de uma forma clandestina. Então…
P/1 – Isso seus pais que te contaram?
R – Isso. Foi a minha mãe que contou. Foi ela que contou para mim. Não sei se… até onde isso é verdade, porque ele tinha surtos, ela ouvia vozes, ela falava: “O Tony Ramos, amanhã, vai vir aqui em casa”, né, então não se sabe até onde isso era fantasia da cabeça dela, ou se realmente, era verdadeiro, mas enfim, eu tenho por mim que se isso, realmente, aconteceu, houve um transtorno muito grande na vida dela, causou um transtorno muito grande na vida dela.
P/1 – Mesmo eles tendo continuado juntos e tendo filhos depois…?
R – Sim, porque era um desejo, ela não queria tirar, era uma coisa que foi feita contra a vontade dela. Então, ela também… houve um problema com isso, porque ela tinha um pouco de bloqueio com a minha vó, entendeu, ela agia com a minha vó de uma forma meio brusca, ela não dava valor pelo o que ela fazia, então talvez, foi essa… esse fato que aconteceu que levou ter esse bloqueio de relacionamento, né?
P/1 – Bom, mas isso… eles estavam juntos, adolescentes, isso passou anos depois, né?
R – Anos depois.
P/1 – Que você falou de… conta um pouquinho da trajetória deles. Eles eram adolescentes, teve esse problema, depois eles continuaram juntos? Eles se casaram? Você sabe como foi isso?
R – Sim… casaram…
P/1 – Ela estudou? Eles estudaram?
R – Não, na verdade, ela não conseguia parar em serviços, porque ela sempre achava que alguém estava perseguindo ela, já começou a ter aquele resquício do problema, né? Então, ela sempre falava: “Alguém tá me perseguindo, alguém não gosta de mim”, então ela não conseguia ter equilíbrio para ter um trabalho, ou mesmo para estudar. Então, houve essa trajetória mais voltada para dentro de casa, para a família e mesmo assim, ela acabava levando às vizinhanças, também… problemas para as vizinhanças porque ela gritava, achava que a vizinha tinha algum problema com ela. Então sempre ela imaginava que os outros queriam o mal dela, que iam persegui-la para fazer mal, então isso era constante. Então, não conseguiu ter uma vida normal, uma vida feliz, claro que todos têm problemas, mas não conseguiu se desenvolver na vida devido a esse problema e isso acarreta para aqueles que estão em volta também, o papai também, teve uma vida limitada, porque ele vivia em função dela. Em função dela, médico, buscando ajuda em tantas possibilidades. Então, ele vivia em função dela e da família, dos filhos. Até então, a gente morava sempre em casa de aluguel, chegou uma hora que a convite da minha avó, ela falou pra ir morar lá, junto com ela, numa casa, né? E aí, papai construiu uma casa na frente. Minha vó mora nessa casa, a gente mora atrás. Então, teve momentos bons, sim, claro, com tanta dificuldade, a gente passeava um pouco, a gente saía, sempre em família, mas eu tinha aquele problema das brigas, das palavras que machucavam, machucavam muito, muito, mesmo. Ela falava muitas coisas para mim que interferiam muito na minha identidade, quando cresci, aquele medo constante de encarar uma coisa nova, de buscar algo novo, de fazer uma faculdade. Então, eu me sentia impotente, me sentia incapaz. Mal sabia eu que isso era… foi criando essa imagem deturpada dentro de mim, um paradigma que não existia, mas foi complexo para quebrar isso. Mas eu lembro, claramente, momentos onde eu me fechava, ia para o quarto, tinha uma época que eu queria só dormir porque para mim, aquilo… por quê que eu vou na casa das minhas amiguinhas e aquela mãe cuida, faz comida, brinca, até puxa orelha, fala: “Filha, você não pode fazer isso. Estou te ensinando” …? Eu ficava assim: “Mas por que eu não tenho isso?”, né, eu ficava me questionando e começava a ficar triste, né, falava: “Por que comigo? Por que comigo dessa forma?”.
P/1 – Essa memória é muito antiga, assim, desde criança, assim? Desde que você se entende ou isso, de repente, começou em algum momento?
R – Não. Desde pequena.
P/1 –Desde pequena, você lembra da sua mãe tendo ataques, surtos?
R – É, ataques, assim, de fazer escândalos, mesmo, brigas, mas foi mais ou menos com uns 14, 13, 14 anos, que ela começou mesmo a falar muito de vozes: “Tem uma voz que tá falando para mim que eu tenho que me matar. Tem uma voz que tá falando para mim que eu tenho que fazer isso”, então a gente passou a compreender que não era normal aquilo, né, não era normal dela. Então foi se agravando conforme o tempo foi passando. É muito triste você estar dentro de um lar onde é segurança, né, seu porto seguro e você ver essa dificuldade na comunicação. Hoje, eu entendo, claramente, que a comunicação é uma ferramenta fundamental para o equilíbrio do ser humano, para que o ser humano, ele possa se entender como pessoa, conhecer um pouco dele mesmo, da sua identidade.
P/1 – Você se lembra de alguma situação que tenha te marcado, assim, que foi muito impactante, tanto… para os dois lados, né?
R – Sim.
P/1 – Lado que tenha sido legal também, com a sua mãe, que você se lembre e também, os dias… o quê que te traz, assim, essas memorias, assim? Qual que você poderia contar pra gente que tenha sido muito marcante, né, do tipo: algo mudou’, sabe?
R – É, no lado complexo e triste, ao mesmo tempo, foi quando eu presenciei, estava ao lado dela, ela queria se jogar na frente de um ônibus e eu puxei ela para que isso não acontecesse. Outras vezes, ela tentou se matar com uma faca e aquilo também me deixou transtornada. Outra vez, eu fui para escola, cheguei, ela tinha tomado veneno de rato. Então foram assim, momentos bem complexos. Momento assim, que fica na minha memória, quando eu era bem pequena, todos nós fomos para o Playcenter. Ainda tinha aquela Eva, que a gente entrava assim, e via o corpo humano. Então, eu lembro assim, que a gente estava lá naquele local, aí depois, a gente foi tomar um lanche e eu vi várias crianças brincando também, mas a gente estava junto, nós estávamos juntos. Outras vezes, a gente ia para a casa da minha avó, mãe dela, e era em outro bairro e a gente pegava ônibus, os quatro, ela e o papai, íamos todos, né? Então, a gente ia. Tinham os momentos difíceis, mas esses picos que eu me lembro desses momentos… mesmo quando ela foi internada, porque não… a gente não estava conseguindo mais lidar com essa situação, a gente tinha momentos bons, eu conversava bastante com ela, ela falava: “Oi, minha filha linda”, ela falava assim: “Você é tão linda”, ela falava pra mim. Então, tiveram esses momentos bons. E no dia em que ela veio a falecer, eu olhei para ela e falei: “Mamãe, eu te amo. Te amo muito”, e foi quando ela veio a falecer nos meus braços. Então, foi um período que eu voltei do Japão e fiquei mais próxima dela, a gente… eu dormia junto com ela, a gente fazia as coisas juntas. Eu abdiquei de muitas coisas, de fim de semana, de sair com os amigos para ficar com ela, também. Mas eu não me arrependo, porque foi o período que ela mais foi amada, foi um período que ela se sentiu, realmente, acolhida não só por mim, mas pelos meus irmãos, pelo papai. Então isso foi muito bom.
P/1 – Só para entender. Enfim, ela convivia normalmente e aí, ela foi perdendo essa sociabilidade, assim?
R – Foi.
P/1 – E foi tomando remédio, foi isso?
R – Sim.
P/1 – Foi tendo um tratamento… vocês procuraram um tratamento?
R – Procuramos um psiquiatra. A princípio, naquela época…
P/1 – Nisso, ela deixou de trabalhar, ficou em casa, é isso? Como foi esse…?
R – Ela ficou em casa, ela não conseguia trabalhar.
P/1 – Mas não tinha sociabilidade, assim?
R – Não, não tinha. Não tinha. Assim, no começo, sim, um pouco. Mas foi perdendo isso, porque aquelas vozes da esquizofrenia passaram a ser o porta-voz de tudo que ela fazia. Então, ela dava mais atenção para aquelas vozes que estavam dentro da cabeça dela do que para as pessoas que estavam em volta dela. Então aquilo começou a nortear a vida dela. Então…
P/1 – Quando você fala que conversava com ela, sobre o quê que era, assim, que você…?
R – O quê que eu conversava com ela?
P/1 – É, quando você ficava conversando com ela, tal, era sobre o quê, assim, sobre…?
R – Eu conversava sobre os meus planos, meu futuro, o que eu queria fazer, eu conversava sobre o amor de Deus, também, né, nesses últimos tempos, porque eu não tive isso, na verdade. E eu queria resgatar um pouco desse tempo que eu perdi, né, porque eu não sabia também dar amor a ela da forma que talvez ela precisava, eu acabava meio que… eu até fui para um casamento fora do tempo, realmente, para fugir dessa situação. Hoje eu entendo que eu fiz isso para fugir, querer um lar feliz, mas enfim, futuramente, aconteceu, houve uma traição, mas enfim, eu perdoei, ele me perdoou de tantas coisas… porque uma pessoa que vai para um casamento imaturo, acontece tantos problemas na vida, tantas dificuldades e você não sabe lidar, porque você não tem uma referência de casa, você não tem referência, então você vai fazendo conforme a gente vai lidando com as dificuldades e conforme eu percebi essa questão da… percebi a traição, fiquei muito mal e aí, eu falei: “realmente, minha mãe tinha razão, homem não presta”, então aquilo piorou, agravou mais aquela minha baixa autoestima, aquele medo que eu tinha da vida, então aquilo piorou, agravou, quem era a Cátia? Eu já não sabia mais quem era a Cátia. Posso falar mais?
P/1 – Claro.
R – E essa foi uma fase… a pior fase da minha vida, onde eu comecei a me sentir um nada, comecei a me sentir a pior pessoa do mundo e eu não me dava valor, na verdade, né, não estava me dando valor, fazia coisas que não me trazia benefícios nenhum, foi quando eu fui para o Japão e lá, eu fui para lá, eu comecei a ficar fechada, mesmo, para as coisas boas da vida, né, e queria, realmente, me digladiar, eu queria me autopunir. Então, por exemplo, não queria fazer uma carreira, não queria fazer um estudo, não queria, por quê? Porque aquilo ia me fazer feliz, ia me promover, eu ia deslanchar na vida, então eu não merecia isso, para mim, eu achava que eu não merecia. Então, foi uma fase bem complexa para mim.
P/1 – Vamos retomar essa parte, casamento, Japão, só queria fechar um pouco essa parte de infância, adolescência e eu retomo, tá? Bom, sua infância, você foi na escola, normalmente, né, mas tinha essa questão lá dentro de casa, né, mas você seguiu a escola e teve seus amigos, estudou. Você lembra da escola?
R – Lembro. Eu lembro que eu tinha medo das pessoas, dos… às vezes, tinha inveja dos amiguinhos, porque a questão da família, eu mesma não sabia controlar esses sentimentos que eu tinha, não sabia muito bem sobre esses sentimentos, mas eu me lembro que até então, eu estava estudando, mas eu sempre tinha um bloqueio, mesmo.
P/1 – Com seus irmãos, é igual, assim? Seus irmãos também sentiam isso? Também tinham esse…
R – Sim…
P/1 – Vocês se ajudavam entre vocês? Como é que era?
R – A gente sempre foi assim, unido, brigava, claro, coisa de irmãos, né, mas a gente sempre foi unido, assim. Só que de uns tempos pra cá, eu percebi que um dos meus irmãos, ele também teve um pouco… ele foi impactado por causa dessa vida, dessa situação e a gente pode analisar uma consequência, né, ele tem síndrome do pânico, essas coisas, toma também remédio. Mas eu vejo que cada um de nós, cada um dos filhos absorveu algo, né? E a gente luta… lutou para que não tivesse impacto maior por causa dessa trajetória, né?
P/1 – Se eu te pergunto assim, na sua infância, qual uma história que tenha sido marcante para você, que você possa descrever para a gente, contar, o quê que vem na sua mente, por exemplo?
R – Eu lembro quando eu era bem pequena, a gente morava na Guilhermina e ainda nessa fase, mamãe ainda conseguia ter um pouco de contato com as pessoas e tinham umas amigas dela que estavam lá na rua e estavam jogando vôlei junto com ela. Eu lembro assim, sabe, é um flash mesmo desse tempo. Assim, de relance…
P/1 – A escola perguntava para você?
R – Sobre ela?
P/1 – É. Sobre a sua família, sobre a sua mãe? Não tinha essa coisa, a coordenação?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não, não. Não perguntava. Mesmo porque quem ia muitas vezes… ela chegou a ir, sim, mas a maioria, papai que ia nas reuniões, assim. Eu lembro que eu buscava muito ser boa aluna, eu buscava muito tirar notas boas, mas qual que é o intuito de tirar essas notas boas? O intuito era de mostrar algo para ganhar outra… ganhar o amor, tipo: ‘eu só vou ganhar o amor do meu pai, só vou ganhar o amor, o reconhecimento de alguém se eu fizer isso’, então era condicional. Tudo o que eu fazia, a maioria das coisas eram condicionais. Teve uma vez, papai dava dinheiro para mim para comprar comida, lanche na escola e eu guardei aquele dinheiro e aí, quando ele chegou em casa, eu tinha comprado latas de tinta, eu tinha o quê? Treze, 14 anos. Comprei lata de tinta e tava pintando a casa (risos). Aí ele chegou: “O quê que você tá fazendo?”, eu falei: “Tô pintando a casa”. Então, aquele senso de responsabilidade, também, com a casa veio à tona, mas eu fazia aquilo para ser reconhecida, eu fazia aquilo para receber o amor, eu achava que o amor dele era condicional, que ele só ia me dar amor se eu fizesse alguma coisa, não era livre, um amor livre, sabe aquele amor que… mesmo que eu acertar ou mesmo que eu errar, ele vai continuar me amando, então…
P/1 – E na adolescência, assim, que você era mais velha, já sabia o que tava acontecendo, já tava consciente, né, você continuou assim, sendo uma boa aluna, você quis, enfim, não sei, como é que você lidou com essa questão familiar, você continuou indo na escola, se envolveu com drogas, não sei, você teve…?
R – Continuei indo para a escola…
P/1 – Você tinha amigos?
R – Tinha, tinha, mas eu também tinha sempre um receio, um medo, sabe, de me envolver muito, assim, sabe com as pessoas e eu gostava de tirar notas boas, até hoje, eu gosto. Mas hoje não é uma questão de obrigação ou porque eu quero mostrar algo, mas é simplesmente, porque eu vejo que tudo tem uma consequência, se você presta atenção, se você quer extrair algo para você ser um bom profissional, você vai automaticamente… a nota é uma consequência do que você está realizando, né, da forma que você está estudando, mas eu me recordo que eu comecei a namorar, então começou a fugir um pouco do foco, sabe, dos estudos e tal. E por pouco, eu poderia não ter feito nem o segundo grau, porque pra mim, estava sendo mais importante eu construir uma casa, né, do que estudar, sendo que o estudo faz parte de um crescimento e isso ajuda no construir de uma família, também. Isso eu não sabia, não tinha…
P/1 – Foi um namorado sério, pelo jeito?
R – Foi dez anos.
P/1 – Da adolescência a…
R – Dos 15 aos 25. E depois da separação…
P/1 – Você se casou com ele?
R – Me casei.
P/1 – Com quantos anos você se casou?
R – Na verdade, foi… a gente começou a namorar, depois eu fui para Fortaleza, porque ele foi para Fortaleza, eu fui atrás…
P/1 – Morar com ele?
R – Morar com ele e com a família.
P/1 – Com quantos anos?
R – Eu tinha 17, 18.
P/1 – Você foi morar com ele e com a família dele?
R – É. Aí, tamanho…
P/1 – Tinha terminado o segundo grau, aqui, é isso, e foi?
R – Não, terminei lá. Papai pagou para mim o segundo grau numa escola particular lá, chamada Julia Jorge. Convivi muito lá, foi importante aquele momento para mim, aprendi muito, só que chegou uma hora em que eu quis voltar, quis ficar próxima da minha família, ele voltou comigo.
P/1 – Mas casados?
R – Não. A gente estava amasiado. Aí depois disso, a gente resolveu casar…
P/1 – Desculpa, só para entender. Lá, você foi com a família dele? Você era uma criança, né, 17 anos?
R – É, então. Era muito; não tinha noção, na verdade do que… mas o amor, né… a gente…
P/1 – E a família te acolheu bem?
R – Sim, sim. Me acolheu… sempre me acolheu bem, sempre quis o meu bem, ela sempre me instruiu, na verdade, coisas que eu não tive na mamãe, ela passou a me instruir, só que muitas vezes, eu até não gostava, né, porque pra mim, eu achava que aquilo soa de uma forma diferente, mas hoje ela compreende que realmente ela me ajudou muito, aprendi muitas coisas com ela, até questão de casa, né, da organização de como… de criação, de filhos, tudo isso ela me…
P/1 – E você ficou quanto tempo em Fortaleza, nesse…?
R – Fiquei nove meses lá.
P/1 – Nove meses?
R – Nove meses, trabalhei lá, também, um tempo.
P/1 – Então, foi rápido, mas intenso, foi isso?
R – Foi rápido, mas intenso.
P/1 – Entendi. Você trabalhou com o quê?
R – Trabalhei como operadora de micro, naquela época, chamava (risos), de micro. Eu lembro que foi um milagre, na verdade, porque era difícil trabalho lá, e eu ainda consegui um valor um pouco mais elevado do que aquelas pessoas, mesmo porque eu sabia mexer no computador.
P/1 – Onde você aprendeu?
R – Eu aprendi aqui em São Paulo…
P/1 – Nas escolas?
R – Não, eu comecei a fazer um curso, curso de computação, Word, Excel, Power Point e eu treinava na casa do meu tio, né, eu ficava mexendo no computador e aí, fui para lá já sabendo mexer com esses programas…
P/1 – Você fez um curso técnico aqui, assim, uma formação mesmo?
R – Não, um curso… sabe essas escolas?
P/1 – Do pacote Word?
R – Isso.
P/1 – Entendi, você fez aqueles Microlins, né, aquelas coisas da vida?
R – Isso, isso.
P/1 – Mas foi seu pai que pediu? O quê que foi? Foi uma iniciativa sua?
R – Foi iniciativa minha. Na verdade, foi iniciativa mesmo, porque a minha família, ela é de comerciantes, então, eles tendem a trilhar mais esse lado do comércio e eu já tenho mais esse lado… não que eu não tenha o lado empreendedor, mas eu sinto essa necessidade de ter o teórico também de ter essa base teórica que um curso superior, um curso… ele tem a acrescentar na nossa vida, né?
P/1 – E isso te ajudou em Fortaleza, né?
R – Me ajudou em Fortaleza.
P/1 – E nessa experiência, o quê que te mais marcou em fortaleza nesses nove meses, assim? Conta numa história pra nós, aí, o que você vê e fala: “Puxa, tal dia, aconteceu tal coisa”, ou com família, ou enfim…
R – Ah sim!
P/1 – Uma viagem…
R – Eu fui para praia junto com o meu ex e minha sogra e cheguei lá, o repertorista começou a cantar para mim, aí eu falei: “Eu não sou turista”, falei para ele (risos): “Eu não sou turista”, falei. Foi muito engraçado, porque ele achou que eu fosse do Japão. E outro dia também, eu tava andando na rua de Fortaleza, daquele bairro e uma pessoa se assustou, por quê? Porque não via japoneses, naturalmente, nas ruas. Então, foi muito engraçado, muito engraçado.
P/1 – Bom, e aí, você ficou nove meses, você era uma criança, ainda, você foi com 17 e voltou com 17?
R – É.
P/1 – No máximo, 18. Daí, você voltou com o seu namorado? Qual que é o nome dele, mesmo?
R – Raniele.
P/1 – Com o Raniele. Daí, foram para ficar na casa dos seus pais?
R – Sim, sim.
P/1 – E como foi isso, tendo a sua mãe com esse quadro, como que é? Seus irmãos?
R – Não foi muito bom, porque mamãe, como já tava com essas crises de esquizofrenia, então ela fazia certas… tinha certas atitudes que não… como fala? Não acrescentava no relacionamento, uma porque eu também não estava totalmente correta com a minha atitude, porque você ir para casa dos seus pais não é uma coisa… vai tirar a privacidade, tanto de um quanto do outro, mas eu lembro do fato em que ela jogou um copo de suco na cara dele e ele ficou nervoso, na hora, acabou batendo nela, né, mas isso foi uma forma de… como que eu posso dizer? Foi complicado, né, isso deu um certo problema, mas depois, a gente… a família toda perdoou, sabe? Mesmo porque isso não aconteceu só com ele, né, já aconteceu em picos, mesmo, foi muito difícil, porque ela fazia isso com outras pessoas também, então se você tá num momento bem complicado, você acaba tendo uma reação sem você conseguir ter o domínio. É que tinham vezes que ela fazia muitas coisas, mesmo, eu não vou dizer que eu tô falando que isso é justificável, não é justificável, porém, foi pego de surpresa, mesmo e já vinha vindo, né, várias situações. Isso com o papai, também, né, ela batia, ela dava tapa na cara. Então, era uma forma muito agressiva dela, também. Hoje, a gente não sabia lidar com isso, a família não sabia lidar com isso e nem o meu ex-marido não sabia lidar com isso. Então, foi complicado para todos.
P/1 – E vocês ficaram quanto tempo ali até sair?
R – Agora, eu não me recordo, porque minha vó faleceu, eu fiquei muito ruim, muito mal, porque eu convivia muito com ela, da mãe dela, a mãe da minha mãe. Então, eu fiquei muito… eu não me lembro quanto tempo que eu fiquei lá, mas eu sei que depois, a gente buscou uma vida mais independente, sempre com um pouco de dificuldade, mesmo porque nem eu e nem ele tínhamos feito um curso superior, a gente, praticamente, parou a vida para viver isso. E aí, chegou uma fase que eu era muito ciumenta, eu aprendi com ela, né, a ser ciumenta. Então, isso veio… estragou muito. Chegou uma hora que eu creio que a pessoa não aguenta, também, e joga tudo para o ar, né? Ele teve muita paciência comigo, mesmo porque eu tinha muitas crises existenciais dentro de mim, muitos complexos dentro de mim, então foi uma pessoa também que… para estar dez anos com uma pessoa com tantos problemas! Eu creio que foi vitorioso, também. Só que chegou uma hora que a pessoa não aguentou mais, e…
P/1 – Você disse que vocês saíram de casa? Uma hora, vocês ficaram um tempo aí, daí vocês estavam trabalhando, vocês moravam juntos de aluguel em algum lugar? Como foi isso?
R – Sim, moramos de aluguel…
P/1 – Onde era? Conta um pouco dessa vida que você teve com ele. Você tava trabalhando onde? Como que foi esse momento? Ficou mais distante de casa, mas… melhora a relação, piora, enfim…
R – Sim, eu passei, na verdade, viver numa redoma, né, na minha casa. Não que eu não tinha esse convívio com a minha família, mas era mais a minha casa, então eu meio que sufocava um pouco ele, passei a sufocar um pouco e não tinha aquela… tanto aquela perspectiva, aprendi a aprender com Corel, com Photoshop, aprendi assim, na raça e passei a trabalhar como arte finalista, trabalhei em gráficas e ensinei ele a fazer isso e inclusive, até hoje, ele trabalha com isso. Eu já sai desse ramo, mas trabalhei muito tempo com gráfica, fazendo criação, design, aí eu fui buscar um pouco mais de teoria, fiz um curso na Impacta, um curso de criação e design, para ter um pouco mais de técnica e passei a às vezes, fazer um freelancer, mas sempre na área gráfica, sempre como arte finalista e isso foi… depois, eu passei a ter um escritório de arte final, foi bem nessa fase que aconteceu, né, que ele conheceu uma pessoa, tal e eu ia para as ruas… eu tava em Osasco, nessa fase, eu ia de manhã, voltava à noite com vários pedidos, aí tinha que fazer as artes, mandar para gráfica, depois pegar aqueles cartões de visita, panfletos e entregava. Isso de ônibus, de… porque não tinha um carro, mas eu era feliz, porque aquilo, eu levava uma forma daquela pessoa ganhar mais, daquela pessoa ter um retorno para o seu serviço. Então, eu ia feliz.
P/1 – E você tava ganhando, também, né?
R – Sim, sim. Tava ganhando…
P/1 – E ele tava trabalhando, também?
R – Ele fazia as artes…
P/1 – Ah, vocês trabalhavam juntos nesse empreendimento?
R – Juntos. Nesse período, a gente trabalhava juntos e foi nessa fase que ele conheceu uma pessoa na internet… isso foi uma fase muito difícil para mim, emagreci muito. Mas ele queria voltar depois.
P/1 – Ah, vocês terminaram?
R – Terminamos.
P/1 – Você voltou para a sua casa?
R – Não. Eu fiquei em Osasco e ele foi embora. E aí, depois nessa fase, aí voltei para zona leste e ele pediu para voltar e tal, e tal, eu dei uma chance, só que eu ainda estava magoada. Eu não tinha, realmente, perdoado ele, de verdade. Então, qualquer coisa que a pessoa faz já vira uma bola de nove e vai indo, vai indo. Chegou uma hora que eu falei: “Não, não quero mais”, e ele… eu lembro dessa fase que ele ajoelhou nos meus pés lá para assinar o divórcio: “Não faz isso comigo, porque eu te amo. Não faz isso”, eu tava tão, mas tão magoada, com o coração tão duro, que eu falei: “Não quero”, ele falou assim: “Eu vou falar para o Juiz que é você que quer divorciar, não sou eu”. Então, eu falava para dar o troco, sabe, eu tinha esse lado ruim. Foi ruim, eu fui ruim, mesmo e aquilo lá, depois, eu me arrependi. Mas enfim, acabou que…
P/1 – Eu entendi que você foi para a zona leste, vocês se separaram, com o Juiz, inclusive…
R – Sim, a gente se separou…
P/1 – E foi nesse momento em que você foi para o Japão?
R – Foi, depois desse fato…
P/1 – Quando você terminou?
R – Quando eu terminei…
P/1 – Abandonou seus clientes aqui, seu trabalho…
R – Nessa fase, eu já tava numa gráfica, eu já estava trabalhando… sai de Osasco, era em Osasco que eu tinha uma firma, né, uma terceirização…
P/1 – Você montou?
R – É, era uma terceirização. Era dentro da minha casa…
P/1 – Mas você montou uma gráfica dentro de casa…
R – Gráfica, não, era só terceirização. Eu fazia as artes e eu enviava para gráfica e a gráfica mandava para mim já pronto e eu entregava…
P/1 – Isso com o seu ex, ainda?
R – Isso. Aí foi nessa fase que a gente realmente decidiu terminar, e aí, assim…
P/1 – Como surgiu a coisa do Japão?
R – Então, eu tava com uma crise muito… uma crise existencial muito grande, eu não sabia mais o que fazer, sabe, eu já tava querendo… na verdade, nessa fase eu tinha uma vontade de morrer, essa era a verdade, eu não queria mais viver, eu falava: “Tanta coisa ruim que acontece na minha vida, por quê que eu vou viver?”, então tudo que eu fazia a partir desse momento era para me digladiar, era para me autopunir, né, eu fui para o Japão e naquela fase foi a fase…
P/1 – Como surgiu o Japão? Da onde? Quem que te indicou? Como foi? Conta um pouco…
R – Então, eu só fui porque papai foi (risos), eu não ia ter coragem de ir sozinha, né? E papai foi comigo.
P/1 – E sua mãe?
R – Ficou nessa fase…
P/1 – Ficou internada?
R – Isso. E a gente foi.
P/1 – Seus irmãos ficaram?
R – Ficaram também. Aí depois de…
P/1 – E da onde surgiu essa ideia assim, eu sei que é comum, né, vocês viraram uns dekasseguis?
R – Dekasseguis, é.
P/1 – Eu sei que é comum, enfim, na nossa… comunidade (risos), mas quem que indicou? Quem que te recebeu lá? Conta um pouco como foi esse tramite, assim, tipo, o quê que vocês fizeram para poder ir?
R – Meu irmão já estava… meu irmão… desculpa, o meu irmão já estava lá, o Rafael. Rafael já estava lá e ele já tinha mobiliado a casa, um apartamento e aí, fui eu e papai para lá, né, ele já tava trabalhando e eu consegui um serviço lá com uma empreiteira.
P/1 – Você conseguiu daqui? Como é que é a questão de visto?
R – Não. Cheguei lá.
P/1 – Mas e o visto, essas coisas, como que é?
R – Eu peguei o meu fundo de garantia, né, que eu tinha recebido da gráfica, eu peguei o fundo de garantia e aí, eu paguei a minha passagem, eu não fui contratada daqui, porque como eu tinha o meu irmão lá, então eu tinha essa liberdade de chegar lá e procurar uma empreiteira, para que eu pudesse me adaptar. Primeiro serviço foi difícil, muito difícil, porque eu não tinha aquela habilidade, agilidade manual, sempre trabalhei com computador, então trabalhar em fábrica é complexo, né, muito complexo.
P/1 – É? Eu não sei (risos).
R – É muito complexo.
P/1 – Mas como foi? Eu queria entender mais desse trâmite. Descreve mais, assim, como foi? Chegou onde? Que parte do Japão? Ele te recebeu no aeroporto? Vocês ficaram no apartamento? Dormiu embaixo da cama? Conta um pouco pra gente como é isso.
R – A gente chegou lá em Yokkaichi, Sasagawa e é um local que tinham muitos brasileiros, peruanos, bolivianos. A gente chegou lá, tudo novo, né, local novo e eu lembro que no primeiro dia, eu falei: “Eu sei que eu não tenho fluência na língua, mas eu vou fazer um teste”. Fui até uma loja imprimir uma foto. Aí, eu cheguei do meu jeito, eu expliquei que eu queria imprimir aquela foto e ele perguntou qual que era o tamanho, aí eu falei: “Igual esse retrato”, aí falei: “Inclusive…”, eu falei do meu jeito, né: “Inclusive, eu quero comprar esse e quero comprar o porta-retrato, issho ni, aí ele entendeu. Eu sai de lá vibrando, porque eu me fiz entender… eu fiz que ele me entendesse, né, questão da… então, houve uma quebra de… uma quebra do bloqueio da língua. A partir daí, eu buscava falar poucas coisas, mas eu não tinha mais aquele receio de errar, e o senhor agradeceu, ficou feliz, eu sai feliz de lá também, cheguei em casa falando: “Consegui imprimir sozinha, eu fui sozinha”, não precisei de interprete, não precisei de ninguém para fazer esses tramites, né?
P/1 – Você estranhou a cidade? Comida? Jeito de…?
R – No começo, quem fazia comida era o papai (risos). Engraçado, né, que ele sempre foi assim. Então, ele fazia pra gente comida em casa, mesmo para não gastar, pra gente não ter aquele gasto tão excessivo. Mas depois, a gente percebeu que a gente tem que viver. A gente tem que viver, também ter os passeios, ter as coisas naturais que o país proporciona pra nós, para ter realmente uma experiência. Aí, ele veio embora, depois, ele foi em agosto… nós fomos em agosto e no final do ano, ele foi embora, veio embora, porque ele deixou o serviço dele, né, com o meu irmão e o meu irmão ficou com dificuldade de tocar aquele empreendimento e aí, ele voltou e eu fiquei sozinha com o meu irmão, lá. Aí começaram as peripécias da Cátia (risos), as dificuldades, comecei a me envolver com muitas coisas, né, noitadas, comecei a sair sexta, voltava só domingo, ia para as baladas. Na verdade, aquele valor não era o que eu queria para mim, né, a gente tá falando da Cátia, né, não queria aquilo lá, era mais porque eu não tava me conhecendo, eu não sabia quem eu era, eu queria, mesmo, era me condenar, mesmo, fazer tudo que poderia haver uma consequência ruim para a minha vida, me envolvia com pessoas e tal sem pensar nas consequências. Então, isso trouxe uma dificuldade para mim…
P/1 – Conta uma dessas experiências, dessas peripécias.
R – Assim, de me relacionar com uma pessoa e…
P/1 – Festa, não sei, conta uma aí… vocês foram num lugar, daí viajou… conta.
R – Tipo… na verdade, assim, era mais assim, era coisa de balada mesmo, de sair, de dançar e eu me envolvi com uma pessoa que eu conheci no dia, sabe? Então eu não tinha aquela consciência de que poderia até contrair um problema, uma doença, alguma coisa para mim e isso era mais para me punir, na verdade, nessa fase, eu queria me matar, mesmo.
P/1 – Bebia?
R – Não, não chegava a beber, eram mais questões mesmo…
P/1 – Sair, vida louca?
R – É, eu pensava em cortar o meu pulso, era muita coisa assim, que passava na minha cabeça. Então era uma vida bem desregrada.
P/1 – E assim, eu já li bastante, né, que tem muito brasileiro que sofreu com preconceito, né, que o japonês também via com maus olhos, você teve alguma situação?
R – Às vezes, a gente ia para um combine, que fala, né…
P/1 – O quê?
R – Combine é uma loja de conveniência, né, que fala, e as pessoas não queriam entender o que a gente falava. Eles falavam: “Hã? Hã?”, não… a gente percebe que a pessoa, ela não quer ter comunicação e quer, às vezes, dificultar, mesmo porque eles falavam: “Você tem fisionomia de japonês” e é meio constrangedor eles, falam, não saber falar o japonês. Então, eles lidavam com isso, mesmo porque tem muitos americanos, muitos brasileiros mesmo que sem ter descendência que falam fluentemente o japonês. Esses, eles vêm essa pessoa como uma pessoa esforçada e a gente que é dekassegui que não tem a fluência, eles lidam como se a gente não se importasse muito com isso.
P/1 – A questão da língua, você aprendeu aqui no Brasil? Vocês falavam em casa, é isso?
R – Não.
P/1 – Como que você aprendeu?
R – A minha avó por parte de mãe me obrigava a pelo menos, saber escrever. Então, eu sei escrever, pelo menos eu sei. Isso, ela me obrigava porque ela falou que um dia eu ia precisar: “Um dia você vai precisar”, só que para falar, eu já não queria conversar em japonês.
P/1 – Eles não falavam entre si? Você não ouvia em casa? Você não ficava ouvindo japonês em casa?
R – Não. A partir do momento que eu decidi ir para o Japão, eu procurei uma professora de japonês, inclusive, ela é minha amiga até hoje e ela me ensinou um pouco, não sei fluente, mas eu consigo me virar, com um pouco, mas… pretendo, futuramente, aprender mesmo, fluentemente, mesmo por questão assim, de você se aproximar mais dos japoneses, principalmente, os mais antigos, que a gente tem muito o que aprender com eles, às vezes, você só consegue falando em japonês, na linguagem original da pessoa…
P/1 – Mas aqui, você tem uma rede bastante da comunidade, assim, você faz parte?
R – Japonesa?
P/1 – É, você tem uma rede de japoneses?
R – Não.
P/1 – Não tem.
R – Não, não, eu convivo mais com brasileiros, mesmo. Poucos japoneses, bem pouco, mais brasileiros, mesmo.
P/1 – Voltando então um pouquinho para o Japão, conta um pouco desse dia a dia de chão de fábrica, aí, como foi isso aí? Você nunca tinha trabalhado nisso, que tipo de trabalho que foi? Conta um pouco. Você ficou no Japão… dois anos?
R – Eu fiquei no Japão de 2000… eu fui em 2005, voltei no final de 2009.
P/1 – Ah, ficou bastante tempo!
R – Fiquei um tempo…
P/1 – E sempre com o seu irmão?
R – Não. Nessas peripécias, eu acabei…
P/1 – Você foi morar sozinha?
R – Morei com uma amiga, morei com um rapaz também, aí voltei, não deu certo, né, do nada, ele falou: “Não quero mais”, né, e aí eu voltei. Então, a fábrica…
P/1 – É, no quê que você trabalhou, conta um pouco da sua trajetória ali, de trabalho e de como era.
R – Eu comecei a trabalhar numa fábrica de chocolate, é a ___01:07:36___, era na esteira, pegando o chocolate… isso foi depois, o primeiro serviço que eu entrei foi pegar os pacotes prontos e colocar dentro de uma caixa, só que eu tinha que fazer uma… que era observar se o pacote estava todo fechado, se aquela linha, o fechamento estava alinhado, se o código de barras estava correto, então era muito rápido. Aí eu olhava os dois, fazia a verificação e colocava no coiso… são cinco de cada lado, então era muito rápido. Então, vinha de uma esteira lá em cima e eu ficava sozinha. Eles tiraram duas pessoas quando eu cheguei e me colocaram sozinha. Aí eu… tinha horas que eu tava conseguindo, mas chegava uma hora que era tão rápido, tão rápido, que aumentava, ficava aquele montante e eu me desesperava e eu tinha que apertar o botão, aí eles paravam a esteira, mas não é legal, só que eu não aguentei muito tempo porque pra mim, aquilo…
P/1 – Acumulava, você apertava o botão, para a esteira, daí já vinha alguém te apitar, é isso?
R – Sim, vinha alguém… claro que no começo, eles não vinham… só que chega uma hora em que a pessoa vai… e eu falei: “Não quero mais”, sai, porque eu não aguentei, eu não aguentei. Aí depois, eu fui para a fábrica de rolamentos, NTN que chama a fábrica de rolamentos. Naquela fábrica de rolamentos, tinham duas máquinas enormes que eu precisava cuidar sozinha e começava com rolamento cru lá na frente, aí ele fazia um linchamento por dentro, depois jogava para o óleo e aí, as sequências da máquina. Aí vinha a parte do robô, teve a fase que eu entrei, não tinha robô ainda, mas depois, implantaram robô e eu tinha que observar se tava correto, às vezes, a máquina parava e aí, tinha que parar tudo. Então, eu cuidava de duas máquinas, então era corrido do começo ao fim, aí no final, era uma caixa com 24 peças, assim, você tinha que colocar, uma era com 24, outra…
P/1 – Você montava a caixa?
R – Eu montava a caixa. Antes disso, eu tinha que olhar, fazer _____01:10:29____, eu olhava, fazia assim para ver se os gominhos estavam funcionando ou travavam, aí eu olhava para ver se não tinha ferrugem, depois eu olhava também o laser, se tava certo ou não, o laser era minúsculo. Então, se saísse com defeito, o quê que eu tinha que fazer? Deixar de canto, ir lá na frente, lixar o laser para voltar de novo para a máquina, tirava as pecinhas, os gominhos e voltava toda sequência de novo. Eu sai de lá porque era uma semana antes e uma semana… uma semana de manhã e uma semana à noite. Então, eu fazia das sete da manhã às sete da noite e na outra semana, das sete da noite às sete da manhã, então era muito corrido, muito…
P/1 – Nossa, por que isso? Por quê que eles faziam essa mudança?
R – Porque aquilo era 24 horas, não parava, era uma empresa que não para.
P/1 – Eu sei, mas por quê que não botava alguém para fazer sempre das sete da noite às sete da manhã? Por quê que invertiam o seu horário? Você sabe? Alegava o quê?
R – Não sei a lógica, não sei disso. Claro que à noite, tinha…
P/1 – Bônus.
R – Tinha bônus, que você ganhava mais um extra, né, então… talvez sejam questões monetárias, mesmo, para dar uma oportunidade para a pessoa fazer… ganhar um pouco mais, mas isso, o corpo sofre, o corpo passa numa dificuldade e foi lá que eu descobri que eu tava com pré-câncer no colo do útero, devido acho que as minhas peripécias e eu acabei descobrindo e um certo dia, o meu chefe chegou para mim e falou: “Olha, você tá passando por tudo isso porque você precisa de Deus”, e eu falei: “Nossa, mas você é da igreja?”, eu tava meio revoltada da vida, aí ele falou assim: “Olha, por quê que você não vai naquela igreja do…?”, do rapaz que trabalhava lá na nossa seção. Eu já tava namorando com uma pessoa dentro daquela fábrica e aí, eu falei para essa pessoa se ele podia me levar, né, para conhecer e tal. Aí, ele me levou e tal, e desde então, eu passei a conhecer, na verdade, quem é a Cátia, porque eu descobri o amor de Deus, uma coisa que eu nunca tinha vivenciado na minha vida, né, foi uma coisa surpreendente de eu ter entendido que independente do que eu sou, independente do que eu faço, tem uma pessoa que me ame incondicionalmente, uma pessoa que tá mais se importando comigo, com a minha existência, de eu estar aqui do que as minhas motivações em si, né, eu fazia para querer ser amada e a partir de então, eu aprendi que eu não preciso fazer nada para ser amada, eu já sou. Ele me ama, independente do que eu faça, ele me ama.
P/1 – Cátia, foi um insight, foi no primeiro dia em que você foi, foi depois de várias missas, o quê que… como foi essa transformação da Cátia? Você ouviu a palavra? Foi isso? Conta pra mim.
R – É, foi assim, foi impactante porque naquele dia…
P/1 – No primeiro dia?
R – É, no primeiro dia eu ouvi o que eu precisava ouvir sobre o amor. Eu falei: “Nossa, isso é o que eu sempre procurei”, eu tava procurando uma pessoa, tava procurando um namorado, tava procurando desde a minha casa, mas era esse amor que eu precisava conhecer, para eu me dar valor, para eu ser quem eu sou, não ter medo de falar: “Eu sou Cátia, eu gosto disso, eu tenho esse talento, eu posso fazer isso, eu tenho capacidade”, então tudo isso quebrou os paradigmas que eu tinha tanto tempo guardado dentro de mim na minha mente, ficou enraizado. Então, claro que com o tempo, eu passei a conhecer mais esse amor de Deus e cada dia mais, cada dia mais, não vai ter fim, mas eu, naquele dia eu compreendi o quanto eu tenho valor, o quanto eu tenho valor para ele.
P/1 – Você pode descrever esse dia para mim, como foi?
R – Eu chorei, fui lá na frente, o pastor falou assim, se eu queria receber esse amor de Deus e aí, eu me ajoelhei e aí, eu realmente, eu dei essa oportunidade de conhecer esse amor que eu tanto procurava, eu lembro que eu chorei muito, muito, muito mesmo e inclusive, depois disso, eu olhei para essa pessoa que eu tava namorando, falei: “Não era isso que eu queria”, eu comecei a entender que tudo que eu procurava era por carência, porque eu queria também me matar por causa da carência, porque eu queria preencher aquele vazio do meu coração com uma pessoa falha, com uma pessoa que um dia ia falhar comigo e eu não suportava as pessoas me rejeitarem, não suportava as pessoas falarem “Não” para mim, aquilo me decepcionava, completamente. Então, aí eu percebi que essa pessoa, eu tava usando essa pessoa, na verdade, não era uma coisa sadia, eu tava usando porque eu queria algo dele, queria o amor dele, mas não era uma coisa…
P/1 – Que igreja que é? É uma linha evangélica?
R – É, eu comecei lá no Japão, fui nessa igreja…
P/1 – Que era?
R – Evangélica.
P/1 – Frequentada por quem? Brasileiros? Dekasseguis?
R – É, brasileiros, a maioria de brasileiros. Aí depois, eu fui para uma igreja próxima da minha casa, que é a Betel e lá, eu fui construindo essa Cátia que ama fazer visitas, ajudar as pessoas…
P/1 – Eu já vou perguntar, pra gente fechar o Japão, me conta assim dessa experiência, pô, foram quatro anos, né, e que revolucionou a sua vida, né, além desse insight com a religião e com a mudança, né, descreve pra gente uma história que tenha sido marcante ali, que você tenha vivenciado, algum lugar que você foi ou alguém que você conheceu, ou alguma conversa, enfim, que você lembra assim, do Japão e fala assim: “Poxa, esse dia foi legal por tal, tal…”.
R – Tem vários momentos bons que eu passei, mas foi no dia em que eu fui… eu tava com esse problema do pré-câncer, eu fiz três vezes exames e constou mesmo que eu estava, porque é um, dois, três, a fase, né, o três é três A e três B. O três A é pré-câncer, já, e o três B já é o câncer alojado. Aí eu fui e deu três A e praticamente, fiquei desesperada. Aí, eu já estava na igreja, né, aí eu percebi que foi consequência das minhas atitudes que eu tive, uma… como que fala? É uma palestra, não é palestra, foi num ginásio, o Benny Hinn, ele foi nesse dia e ele falava inglês, a gente tinha interprete e tal, e aí, ele falou: “Coloca a mão onde você tem o problema”, aí eu coloquei a mão assim, na barriga, aí ele falou, eu comecei a sentir uma coisa esquentar, mas muito quente, quente, quente, fiquei: ‘gente, o quê que tá acontecendo?’, era tudo novo para mim, fazia pouco tempo que eu tava na igreja, fazia meses, dois, três meses, eu acho e aí, ele falou: “Você tá sentindo algo esquentar?”, eu falei: “Tô lá no finalzinho, lá em cima”, ele falou: “Você tá sendo curada”, e eu naquele momento, eu acreditei, eu falei: “Realmente, eu senti sendo curada, porque eu tô sentindo um negócio esquentar aqui na minha barriga”. Aí eu fui fazer exame, não constou mais nada, nada, nada, nada! Então, eu falei: “Gente, tudo isso foi para conhecer o amor de Deus?”, sabe, eu não falo de religião, assim, mas eu falo de conhecer esse amor que mudou a minha vida, esse amor que eu quero levar para as pessoas, quantas pessoas passam por isso, também, não buscam…
P/1 –Cátia, você veio pra cá e hoje você tá bem envolvida, né, com a igreja, né? Me conta um pouco hoje, seu dia a dia, como é que é?
R – Meu dia a dia?
P/1 – É, seus trabalhos com a igreja, me conta um pouco.
R – Eu faço parte da Comunidade da Graça, eu sou hoje, eu sou líder de uma célula de jovens, esses jovens, muitas vezes, chegam com muitos problemas também, como aconteceu com a minha vida e eu procuro ter empatia por elas, eu procuro da forma, ouvi-las, amá-las e fazer com que elas venham conhecer também esse amor de Deus que muda, transforma a vida da pessoa, né, e muitos chegam… tem pessoas divorciadas também, com problemas de rejeição, com problemas de baixa autoestima, porque realmente, a igreja em si é um lugar de doentes, lugar onde as pessoas falam: “Não tem mais opção para mim, não sei mais o que fazer”, e é onde a gente acaba acolhendo e é um trabalho que eu amo, eu amo fazer e conforme vai crescendo, a gente não tem condições de cuidar de muitas pessoas, então a gente multiplica, a gente leva outros a cuidarem de outras pessoas também, então a gente… como se fosse separar, a gente pega dez continuam no mesmo local e a gente vai para uma outra casa e assim, quem tiver a vizinhança, as pessoas que tiverem com problemas…
P/1 – Conta pra gente, por exemplo, uma experiência da comunidade que você vivenciou que tenha sido muito marcante, assim, na sua… ou uma pessoa, ou uma ação que vocês fizeram. Conta um pouco pra gente. Que eu sei que são várias coisas, são vários encontros, mas tem um caso que te marcou? Algum menino, uma pessoa, ou uma ação que vocês fizeram?
R – Geralmente, a gente tem o “Papai do Céu”, que a gente faz no final do ano com a fundação e lá, as pessoas carentes vão e são apadrinhadas, a igreja se envolve com isso e a gente tem a oportunidade de abraçar aquelas crianças, a oportunidade de dar o amor, mas teve um dia que chegou uma pessoa de estado de vulnerabilidade muito… muita vulnerabilidade e ela teve AVC, então, ela veio com uns trajes, né, ela tinha feito urina na roupa, então tava com um cheiro bem forte. Aí, ela chegou lá e eu fui atrás dela, inclusive, nesse dia, a gente tinha… a gente tem o projeto, o pastor tem o Projeto Atitude e tinham umas roupas lá, então, na hora, eu fui lá, procurei uma roupa para ela e sapato e levei ela para o banheiro. Aí, ela… a princípio, ela ficou meio assustada, porque ela achou, talvez, que eu ia tirar ela do… mas na verdade, eu levei ela para o banheiro para trocar de roupa. Ela falou: “Nossa, obrigada”, ela agradeceu, ela ficou muito feliz porque a gente acolheu, abraçou, sabe, eu abracei, eu expliquei para ela que aquela roupa estava com cheiro, ela não tava tendo noção, porque é tão comum para a pessoa que a pessoa já não tem mais aquela sensibilidade. E aí, eu conversei com ela e falei para ela sobre esperança, contei um pouquinho da minha vida também, foi um relato brevíssimo, mas eu falei que eu estou aqui só por milagre, mesmo, porque se eu realmente não tivesse conhecido o amor de Deus, nessas horas, eu acho que eu nem estaria mais viva da forma que eu agia, né, aí ela agradeceu, ela ficou muito feliz, ela falou: “Nossa, eu sei que você vai fazer isso com muitas pessoas”, então esse dia me marcou e fora outras pessoas… eu comecei a ter mais envolvimento com essas pessoas e sempre tive esse desejo de acolher, de abraçar mas porque… não é mais por trocas ou por querer mostrar: “Olha, eu tô fazendo algo bom”, não, é mais para que essa pessoa conheça também que existe amor, que existe um amor e ela pode buscar e é gratuito, né, você não precisa fazer nada, você só precisa crer que existe esse amor. Então, eu passei a perseguir isso, a desejar mais e mais levar essa… é uma realidade, isso aconteceu comigo. Se eu consegui encontrar isso, esse amor que mudou e que…
P/1 – Eu vou começar a amarrar pra gente fechar a nossa entrevista, né, hoje, como tá o seu dia a dia, assim? Eu sei que você voltou a estudar… não é? Como que você tá fazendo? Você tá morando onde? Como é que tá a família? Como que tá esse… como que é o seu dia a dia de trabalho, de coisas? Como que é?
R – Hoje, não tenho mais medo, né, antes eu tinha um receio, um medo de encarar uma faculdade, hoje eu não tenho mais. Inclusive, com 36 anos, né, um pouco tarde para fazer, mas foi realmente devido a esses problemas, então hoje eu tô no segundo semestre de Marketing, quero utilizar essas minhas ideias, tantas ideias que eu tenho na minha mente para poder promover o impacto social, esse é a minha vida, né, eu posso dizer que eu desejo trabalhar com isso, né, até enquanto viver, né? Moro com os meus irmãos, minha irmã, ela casou, inclusive esse rapaz é muito bom para ela, ela tem artrite reumatoide, então ela sofre muito com isso, toma remédio e ele cuida muito bem dela, né, ele decidiu ama-la. Minha irmã também tá fazendo faculdade, ela faz Psicologia. Meus outros dois irmãos são sócios junto com o meu tio, o meu primo, eles têm uma empresa de comunicação visual, eles fazem plotagem, banner e papai casou de novo, né, casou, tem a sua família, tá morando próximo de casa, mas tem lá a sua família e moram eu e os meus dois irmãos. Hoje, também, eu ajudo um outro projeto que chama “Além da Rua”, liderado pelo Rafael e eu tio muito feliz porque toda sexta-feira, a gente vai numa comunidade em Itaquera, a gente faz os alimentos na igreja quadrangular, não é a causa que é para cuidar do próximo, né, então a gente faz os alimentos, faz arroz, faz feijão, salsicha no molho, a gente faz as marmitas…
P/1 – Você cozinha?
R – Eu ajudo a cozinhar.
P/1 – Legal, o grupo, assim?
R – O grupo, isso. Mais as mulheres, então sou eu e mais duas… geralmente, que acabam colocando a mão na massa. E aí, a gente faz os marmitex, fecha e leva para as comunidades, a gente chega lá, já tem uma pessoa para receber a gente e aí, vem a fila, as pessoas vêm, só que a gente não quer só entregar esse alimento e roupa, a gente aproveita para conhecer um pouco da história da pessoa, para ouvir, para dizer que ela pode, que ela vai conseguir, o quanto Deus a ama, pode ser que ela se pergunte: “Eu tô aqui nessa situação porque Deus não me ama”, mas na verdade, não, ela pode fazer diferente onde ela está, ela pode simplesmente, dizer: “Eu sou uma pessoa única”, eu falo para essas pessoas: “Não existe ninguém igual a você na face dessa terra, Deus te fez único e exclusivo, você tem suas características, você tem seu dom, seu talento e você pode fazer algo em benefício do próximo, também, não só por você, porque a gente só consegue amar o próximo quando a gente se ama”, então o nosso trabalho é resgatar o amor, primeiro, conhecendo o amor de Deus e a partir do momento que você conhece o amor de Deus, você se ama, você consegue, realmente, literalmente, dizer: “Eu sou amada” e você consegue ter boas decisões na vida, você não toma decisões por impulso ou você não toma… claro que pode acontecer, mas você não se torna escravo de uma carência, muitas vezes, você toma decisões por carência e então, a gente leva isso para essas pessoas, dizendo o quanto eles são amados, independente da circunstancia em que ele vive, o amor de Deus, ele não muda, o frasco do perfume, ele pode estar no chão, ou pode estar em cima da mesa, mas a essência não muda. O perfume está lá dentro. Então, a gente quer resgatar o valor da pessoa, do ser humano em si, o quanto ele pode contribuir para um impacto social, também.
P/1 – Você tem visto mudanças? Tem pessoas entrando mais para o grupo? Tem pessoas que… você acha que esse trabalho que vocês têm feito tem tido… reflexos?
R – Sim, com certeza.
P/1 – Pra gente ir fechando, tem alguma história, alguma coisa que eu não perguntei e que você gostaria de contar? Alguma história, alguma coisa que passou? Que você gostaria de contar, de registrar?
R – Olha, hoje eu entendo o quê que é família,
hoje eu entendo o valor do pai, da mãe dentro de um lar e hoje, eu procuro explicar sobre a comunicação e amor, isso é algo que eu vou seguir, orientando as pessoas e a minha trajetória foi simplesmente, um propósito, eu não vejo mais como algo ruim, apesar das dificuldades, eu vejo que tudo isso que eu vivenciei, hoje tem um propósito para poder ajudar outras pessoas, para poder entender o que as outras pessoas passam e ter empatia pelo próximo, porque a gente só tem empatia quando a gente vive. A gente só consegue sentir a dor do próximo quando você sente a dor, então eu vejo tantas pessoas chegarem na célula de jovens, também, e dizerem: “não sei o que eu posso fazer da minha vida”, inclusive, hoje, eu vejo uma moça, ela tá sendo empreendedora, ela tá empreendendo, ela tá vendendo saladas em potes e eu falo… eu fico tão feliz com a vitória dela, com esse progresso da vida dela e ela vai… ela tá transpondo isso para as suas filhas, né, então aquela realidade dela, né, de dificuldades, de tantos transtornos também que ela passou, cessou. Hoje, ela pode dar uma vida diferente para as filhas dela, uma vida, não financeiramente, falando, mas em questão de valores, em questão de base, né, então a história dela foi mudada porque ela conheceu o amor de Deus também, porque ela não conhecia, né, então, resumindo tudo, a gente só passa anos dar valor quando a gente conhece o amor de Deus, não estou falando de uma igreja, não tô falando de religião, eu tô falando do amor de Deus. Isso faz a gente se tornar mais humanos, né, ter… estar voltado a impactar alguém e eu falo: “Eu não admito entrar na vida de alguém e não deixar alguma coisa”, até as minhas experiências ruins faz com que a pessoa até se identifique e fale: “Poxa vida, eu pensava que era só eu, mas eu também posso vencer, porque se você está conseguindo… passou por toda essa fase e tá hoje assim, eu também posso”, então isso me traz muita alegria, muita alegria. Eu sou feliz, eu falo que eu sou feliz, a cada dia que passa, eu sou muito feliz, Jesus me deixou… me fez algo que eu procurei minha vida inteira.
P/1 – Cátia, você gostou de dar a sua entrevista?
R – Adorei.
P/1 – Da experiência?
R – Fantástica.
P/1 – Então, Cátia, em nome do Museu da Pessoa, nós aqui, presentes, muito obrigado por ter dado sua entrevista. Obrigado.
R – Obrigada. Eu que agradeço.
FINAL DA ENTREVISTARecolher