Projeto Memórias do Comércio 2020-2021 – Módulo Bauru
Entrevista de Tereza Cristina Leoni
Entrevistado por Cláudia Leonor e Wiliam Carneiro
Bauru, 02 de fevereiro de 2021
Entrevista MCHV_017
P1 - HV017, hoje é Bauru, dois de fevereiro. Então, Tereza, assim, a nossa conversa é informal, um pouco, você vai contar um pouco do seu comércio, do seu negócio, como que estruturou e como é que, aos poucos, também você foi vendo a transformação do bairro aí, do Mary Dota, tá? E, assim, é uma conversa informal, você vai contando para a gente e a gente também vai perguntar um pouquinho, assim, da sua infância, da sua adolescência, onde você cresceu, sabe assim? Pra ir compondo a sua história de vida, tá? Mas é tranquilo, a gente vai conversando, o Caio está gravando, se cair a conexão e tudo, a gente segura um pouco, tá? E você fica à vontade, para contar o que você quiser, no seu olhar, tá bom?
R1 - Ok.
P1 - Eu só vou fazer uma abertura aqui, já está gravando, mas oficialmente eu vou fazer uma abertura e a gente começa a conversar e o Wilian está me dando suporte aqui, ele vai atuar como pesquisador também, que ele que fez o contato com você, né?
R1 - Ok.
P1 – Maravilha. Então vamos lá!
Projeto Memórias do Comércio de Bauru
Entrevista de Tereza Leoni
Entrevistada por Cláudia Leonor e Wilian Carneiro
Bauru, dois de fevereiro de 2021
História de vida 017
Transcrito por Selma Paiva
P1 – Então, Tereza, obrigada por sua presença aqui hoje, pela participação, agradeço muito em nome do Museu da Pessoa e do Sesc.
R1 - Eu que agradeço.
P1 – Então, eu vou perguntar o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R1 - Tereza Cristina Leoni de Souza, eu nasci aqui mesmo em Bauru, dia dez de agosto de 1968.
P1 – Maravilha! E você nasceu, você cresceu em que bairro, Tereza?
R1 - Eu cresci ali no Centro, do lado das Nações Unidas, a minha infância toda foi ali, do lado do Teatro Municipal, cresci ali.
P1 - Tá e fala assim: o nome dos seus pais e o que eles trabalhavam, o que eles faziam?
R1 - Meu pai Lázaro Leoni, ele trabalhava na prefeitura, ele era fiscal da limpeza pública e a minha mãe era do lar, Francisca Darci.
P1 - E você... os seus irmãos, você é filha única, como é que é, assim, seus irmãos, irmãs?
R1 - Eu tenho um irmão, o Lázaro, e tenho uma irmã também. Eu tenho irmãos por parte de mãe, né, que é de um casamento antes, mas assim, os irmãos mesmo seriam eu, meu irmão e minha irmã.
P1 - E aí do casamento primeiro da sua mãe, tem mais quantos irmãos?
R1 - Mais cinco.
P1 – Nossa, cinco?
R1 - Cinco, cinco.
P1 - E vocês se reuniam assim, nas festas, como é que era isso?
R1 - Não tínhamos muito contato. Quando pequenos sim, mas depois não tivemos muito contato, porque depois meus pais separaram, minha mãe separou do meu pai. Então, a gente perdeu total contato.
P1 – Entendi. E me fala uma coisa: você cresceu ali, que você falou perto do Teatro Municipal. Conta para a gente como é que era aquele pedaço, quando você era criança.
R1 - Ai, nossa, uma delícia ali! (risos) Muitas lembranças boas, né, porque tinha - não era o Teatro Municipal ainda - feira livre ali, pista de skate, onde a gente brincava todas as noites. Era, assim, muito bom, não tinha perigo nenhum, né, como hoje. A gente ficava na rua até tarde, brincava na rua e foi uma infância muito boa, uma infância muito boa.
P1 - Brincava do que, na rua?
R1 - Ai, de pega-pega; de queima; pera, uva, maçã; tudo, as brincadeiras que adolescente, né, criança, brinca mesmo.
P1 - E você estudou onde, Tereza?
R1 - Eu estudei na Santa Maria.
P1 - Ficava onde?
R1 - No bairro, na Cardia. Ela começou na Igreja São Sebastião, era atrás da Igreja São Sebastião, fiz até a quarta série e depois mudou, né, mas para Santa... na Vila Cardia mesmo, só que daí já não era mais escola paroquial, aí ela passou a ser municipal.
P1 - Era uma escola paroquial, mesmo?
R1 - Antes era, até a quarta série, Escola Paroquial Santa Maria.
P1 – Entendi. E tinha, assim, ensino de religião ali, como é que isso se organizava?
R1 - É, tinha os momentos de orações, né, mas não, eles não influenciavam, não tinha, assim, não tinha nenhuma influência, mas a gente vivia ali dentro da igreja né, era gostoso.
P1 - E me fala uma coisa: como é que foi, assim, você estudou lá até a quarta série?
R1 - Isso.
P1 - E depois?
R1 - Aí depois foi construído uma nova escola, ela deixou de ser paroquial, né, a prefeitura construiu uma escola perto, poucas quadras dali, então passou a ser uma escola municipal, onde eu terminei até a oitava série.
P1 – E, assim, neste período, Tereza, tinha assim alguém que... algum professor que te influenciava mais, alguma disciplina que você tinha maior afinidade?
R1 – Ai, sim, todos né? No primário um carinho imenso por todos os professores, eu sempre fui muito apegada aos professores, tinha a Dona Deise, a Dona Diva, a Dona Janete, a Dona Rosa. Então, foram as minhas professoras que eu tive bastante contato e depois, no ginásio, tinha Dona Zelinda, que era professora de Matemática, que era a que eu mais tinha medo, mas a que eu mais me apeguei, (risos) mas, assim, muitos professores bons.
P1 - Mas por que o medo, Tereza?
R1 – (risos) Eu não gosto muito de Matemática, (risos) muitos exercícios, mas, por fim, né, a gente acaba se apegando aquilo que é mais difícil, né? Então, aí eu me apeguei mais a ela.
P1 - Tá. Willian, quer fazer alguma pergunta?
P2 - Então, sim, sim. Eu gostaria de perguntar então como que era a cidade ali na época, né, já que a senhora viveu no início perto do Teatro Municipal, que não era teatro, mas enfim, a senhora teve muito contato com o Centro. Como que era isso na época? Tinha muito carro já, muito movimento, como que era?
R1 - Ai, olha, tinha carros, mas não tanto quanto hoje. A gente tinha liberdade, eu com oito anos, atravessava a Nações Unidas, eu ia até a Araújo Leite, buscar pão todos os dias, sem problema algum, sem perigo, era normal a gente andar ali, né, tinha os mercados tudo ao redor. Então, a gente tinha muita liberdade, não se via problema, né, em a gente sair de casa e era como eu disse assim, muito gostoso, porque a gente tinha a feira aos domingos, a gente participava muito, né, quando a feira estava ali, praticamente a feira era na frente da minha casa. Então, a gente conhecia praticamente todos os feirantes, era uma amizade muito boa. Meu pai, por ser da prefeitura, conhecia, né, praticamente todo mundo. Então, eu vivia ali, assim, tive uma infância muito gostosa. E a minha casa tinha muitos pés de frutas, manga. Então, a nossa infância foi assim no quintal, pegando fruta. Queria uma fruta, a gente pegava no pé, não tinha isso de ir no mercado. Depois que eu casei eu resisti bastante a comprar uma manga no mercado, porque eu falava: “Meu Deus, como assim, uma manga no mercado?”, se eu podia apanhar no pé, né? Mas foi assim, foi bem gostoso mesmo, que a gente cresceu muito com a natureza.
P1 - Quer continuar, Wilian?
P2: E aí, a senhora mudou de casa alguma vez, depois desse período?
R1 - Eu morei ali na Ezequiel Ramos, do lado do Teatro Municipal, até o meu casamento, casei com 19 anos, né, aí eu saí dali. Ali, esta região do Teatro Municipal, aquela quadra inteira, era dos meus avós, meu avô foi um dos primeiros moradores, né, quando ele veio para o Brasil. Então, ali era praticamente toda a família. Então, nós estávamos tudo em família ali e eu morei lá até casar, casei e aí foi quando eu saí, né, desliguei o cordão.
P1 - Era um sítio, o que era ali? Era um sítio?
R1 - Não, não, não, não era um sítio não, eram as quadras com várias casas. Então, é como é ainda hoje, a Ezequiel Ramos, quadra nove, tem as casas dos dois lados, né e tinha uma casa na esquina, que hoje foi desmanchada, que fica do lado do Teatro Municipal. Ali era a casa maior, que era a casa do meu avô, que ele construiu, uma casa grande, que parecia, a sala parecia um salão de festa, porque italiano, gostava muito de reunir as pessoas, né? Mas aí ele construiu as casas tudo ali pertinho, porque queria os filhos todos perto. Então, ficava tudo pertinho. Minhas tias, eu cresci tudo no meio das minhas tias.
P1 - Agora ali, antes, não era o Teatro Municipal, né?
R1 - Não, não, era um mercado ali, era o mercadão antes, era o mercadão.
P1 - Era muito movimentado, nesta época?
R1 - Uhum, bastante, bastante, eram várias gôndolas, voltado para a Nações. Então, tinha vários, como se fosse vários, não gôndolas, vários salões. Então, cada salão tinha açougue, tinha vários segmentos ali e as pessoas usavam ali e era um mercado livre, era um mercado que as pessoas iam consumir, tinha a feira também, que acontecia ali na Nações. Então, era tudo pertinho, era tudo muito pertinho.
P1 - Teresa, mas nesta época que você é criança e estava circulando aí, já era canalizada a Nações ou era céu aberto ainda?
R1 - Então, era canalizado e eu, assim, quando eu era criança, acho que eu tinha sete ou oito anos foi quando explodiu, deu aquela explosão, eu estava na minha casa e quebrou todos os vidros da minha casa, que eu morava praticamente do lado, né? Então, foi quando teve aquela explosão, aí voltou tudo à estaca zero, porque saiu o asfalto, saiu tudo. Aí levou um tempo para refazer tudo aquilo, mas foi bem assustador aquele dia.
P1 - Você lembra de ter ouvido a explosão, você lembra deste dia, do que você estava fazendo?
R1 – Eu lembro. Lembro, eu estava com a minha sobrinha na cama, assim, sentada, minha sobrinha caiu da cama até e as janelas da minha casa, os vidros quebraram, trincou tudo, porque foi muito forte.
P1 - Já que é uma entrevista de história, né, Wilian, Tereza descreve para gente quais foram as causas, o que você ouviu falar na época, assim, para quem não conhece esta história de Bauru.
R1 - Então, é assim: o que eu fiquei sabendo foi que vazou combustível, né, que tinha, vazou uma grande quantidade de combustível e que depois veio a explosão, mas assim, eu não procurei saber muito, mas o que a gente, o que foi informação para a gente era isso, que tinha o gás e que daí ele explodiu tudo, que acabou com tudo ali, o asfalto, tudo.
P2: E a senhora lembra, se a senhora saiu para fora, como é que foi ver isso, assim, quase ao vivo?
R1 - A gente, na hora, todo mundo ficou assustado, né, mas depois a gente saiu, a gente saiu, saiu todo mundo, todos os vizinhos, a gente saiu. Uma casa atrás de onde é agora o mercado, o Teatro Municipal, o bueiro, a tampa do bueiro, foi tão forte a explosão que ela bateu na porta, ela saiu do lugar e bateu na porta dessa casa. Então, a gente viu tudo isso, né? E, assim, para a gente, eu era muito criança, então para mim, a gente não sabia muito bem o que estava se passando, a gente estava ali assistindo tudo, mas sem saber muito bem o que se passava.
P1 – Entendo, né? (risos).
R1 - A Nações Unidas, ela... a gente assistiu também, eu presenciei muitas, muitas enchentes ali, né? Eu morava um pouquinho mais para cima, então quando chovia, a gente ficava assistindo carros passando. Eu me lembro uma vez que teve uma chuva muito forte num domingo, que eles tinham acabado de montar todas as barracas da feira, aí quando veio a chuva, a chuva levou tudo, tudo, tudo. Então, a gente via passando frutas, barraca, carteira, carro, passava tudo ali. Essa parte das Nações eu sempre, eu não gosto muito até, porque eu morro de medo ali, começa a chover e até hoje eu tenho medo de passar ali, porque assisti muitas coisas ali, eu tenho medo.
P1 – É perigoso. Tereza e nesta época que você era criança, ali passava o trem, naquela baixada que o pessoal fala que é a baixada do Silvino?
R1 - Passava, mas ficava longe, assim, ficava meio longe, mas passava, passava sim, passava, mas eu mesmo, até é a minha maior frustração, que eu nunca tinha andado de trem e eu fui andar de trem depois de adulta. Eu queria, ouvia falar do trem, mas nunca tinha andado e eu ouvia as pessoas falando, né, mas eu fui andar só depois que eu casei, nunca tinha andado.
P1 - Maravilha. E, assim, você falou de viajar de trem, mas assim, vocês iam para alguns outros lugares, costumava viajar com a família?
R1 - Eu viajava com a minha madrinha, meu pai era uma pessoa assim que não saía muito, meu pai era meio aquela pessoa mais caseira, difícil sair, mas eu viajava com a madrinha, ia pra São Paulo, para praia. Então, tinha esses passeios, né? E passeios assim: às vezes casa de prima, de tia, mas nunca pousar fora de casa, sem ser com a madrinha, nunca. Então, era só isso, mesmo.
P1 - Quem que era a sua madrinha?
R1 - Ela chama Vilcineia, hoje ela mora em Bauru, mas ela morava em São Paulo antes.
P1 - Ela vinha te buscar e levava, como é que era isso?
R1 - Isso, isso, ela vinha para cá e aí ela passava, porque a mãe dela morava aqui, a irmã do meu pai e aí eu ia para São Paulo com ela, passava uns dias, voltava, minhas férias eu passava lá. Ah, e eu ia muito pra Curitiba também, porque daí tinha os primos também de Curitiba. Então, julho, os primos de Curitiba vinham para cá e dezembro aí eu ia para lá.
P1 - É bem diferente, né, Curitiba, o clima daqui, né?
R1 – Uhum, bastante.
P2: A senhora chegou a ir no Jardim Botânico, lá em Curitiba?
R1 - Sim, o Jardim Botânico, Jardim Ambiental, meu primo morava ali do lado do Jardim Ambiental. Então, a nossa... a gente ficava ali o dia inteiro no Jardim Ambiental, que era uma delícia.
P1 - Você falou também, Tereza, das festas de família, quais eram as ocasiões? Assim, você falou muito deste lado italiano, quais eram as comidas?
R1 - Então, o meu avô, quando construiu a casa, que ele era italiano, até comentei, né, que ele quis uma casa grande, porque ele gostava de reunir as famílias, mas quando minha mãe estava grávida de mim, quatro meses, meu avô faleceu. Então, não acontecia mais estas festas na casa da minha tia, porém, assim, sempre a família, sempre muito unida, né? A gente tinha, tinha não, tem, até hoje, que agora os filhos cresceram, cada um foi para um lado, mas sempre teve este vínculo, sempre estar todo mundo junto, enquanto minha avó era viva, estavam sempre as tias, sempre unidas, os primos, aquela mesa grande, juntava todo mundo, a mesa dos adultos e tinha que fazer a mesa das crianças, de tanta criança. Então, a gente cresceu assim.
P1 - Para a gente registrar, o nome dos seus avós paternos e dos seus avós maternos?
R1 - Sim, meu avô paterno é Antônio Leoni, que por sinal tem a Travessa Antônio Leoni, né, lá na... ali do lado do Teatro Municipal, que quando ele veio para o Brasil, no caso, ele que doou aquela parte. Então, o Teatro Municipal, aquela parte toda foi doação do meu avô, na época, para a prefeitura, tanto que tem a Travessa Antônio Leoni ali. A minha avó é Teresa Sacol Leoni, vieram da Itália, com dezessete anos, se conheceram no navio, casaram, aquela história bonita, e tiveram vários filhos. E agora, meus avós maternos, eu tive contato pouco, pelo fato dos meus pais terem se separado, mas o meu avô era Florentino Alexandrino Cearense de Oliveira e a minha avó era Maria... não me lembro agora o sobrenome dela, não me lembro. Eu não tive muito contato com eles.
P1 - Os seus avós, o sobrenome Leoni, eles vieram direto para a região de Bauru ou eles passaram em alguns outros lugares, que você saiba?
R1 - Não, meus avós vieram direto para cá, direto.
P1 - Você sabe o ano que eles chegaram, mais ou menos?
R1 - Não, não, não, não, não sei, mas eu até tenho - se tivesse falado - um documento que foi contada a história do meu avô, eu tenho este documento comigo, mas não tenho em mãos, mas ele foi um dos primeiros moradores aqui de Bauru.
P1 - Genial, faz parte da história, né?
R1 – Uhum.
P1 - Tereza e como, assim, a sua vida foi se desenvolvendo: você estudou e como, assim, você começou a trabalhar com quantos anos, como é que a sua vida se organizou?
R1 - Bom, eu sempre quis trabalhar, né? (risos) Estudava, meu pai era uma pessoa que sempre exigia, né, o estudo, até pelo fato dele não ter muito estudo, porque na época que meus avós vieram, meu pai contava assim que eles falavam assim: “Aprendeu a assinar o nome, então já não precisa mais ir para a escola” e meus tios, meus avós cuidavam, que era tipo uma pequena fazenda ali na época, né? Que você perguntou se era uma fazenda. Antigamente, quando meu avô pegou a terra era, depois ele foi construindo, mas então ele tinha os gados, tinha a criação e aí, então, meu avô falou para o meu pai: “Olha, não precisa, aprendeu a assinar o nome, não precisa mais ir para escola”. E meu pai, acho que ele tinha um pouco de frustração com isso também e ele pegava no nosso pé, tanto que nossa, escola era tudo e aí eu estudei, mas eu não fiz faculdade, fiz Magistério, porque logo depois eu conheci meu marido, conheci e já casei e foi quando eu cheguei a trabalhar numa escola, mas foi quando de repente eu parti para o comércio, pelo fato do meu filho, quando nasceu, era alérgico a leite, eu tinha que amamentar. Aí veio, eu sempre gostei muito, assim, meu pai queria que eu fosse enfermeira ou veterinária, o sonho dele, mas o meu sonho, não sei, a venda está no meu sangue, eu sou vendedora nata, eu gosto de vender e aí foi quando eu quis ter o meu comércio, né? Meu marido me apoiou e eu comecei, comecei assim.
P1 - Maravilha, mas vamos voltar um pouquinho: você fez Magistério onde?
R1 - No Anglo, no curso Anglo. Eu comecei no curso Anglo e depois eu terminei no Liceu.
P1 - Quando já era ali na Araújo Leite, o Anglo?
R1 - Na Antônio Alves.
P1 - Antônio Alves, isso.
R1 – Antônio Alves, é, porque eu trabalhava lá. Você perguntou se eu gostava, né, se eu queria trabalhar: eu sempre gostei, eu queria trabalhar. Então, meu pai não me deixava trabalhar, mas as minhas primas eram professoras lá e aí elas perguntaram se eu gostaria de trabalhar de estagiária, ajudando a cuidar das crianças e na hora eu quis. Então, eu comecei a trabalhar lá no curso Anglo, trabalhei por dois anos e meio, era estagiária, fazia Magistério, era estagiária e trabalhava ali, aí depois foi quando eu fui estudando e foi mudando.
P1 - E já teve o primeiro salário, né?
R1 - Sim, sim e comprei minha primeira Melissa. (risos). Antigamente, meu pai, eu falei assim: “Pai, eu quero uma Melissa”. Minhas amigas tinham Melissa, foi logo que saiu. Meu pai falava: “Não, só no final do ano que compra sapato”. E aí eu queria uma Melissa e aí eu fui trabalhar. Eu queria uma Melissa e eu comprei a Melissa.
P1 - (risos). Eu vou explorar um pouquinho mais esse lado. Você ficava com as crianças, fazia o estágio à tarde, com as crianças da tarde, do primário?
R1 - Não, é pré-escola.
P1 - Da pré-escola?
R1 – Pré-escola.
P1 - Que era o Pica Pau, não era o Pica Pau?
R1 - Escolinha do Pica Pau, Dona Marília, trabalhei lá.
P1 – Fala um pouquinho, fala um pouquinho dessa época.
R1 - Nossa, era uma época muito gostosa. Bom, minhas primas, como eu disse, eram professoras lá, né e aí eu entrei de estagiária.
P1 - Como é que elas chamam?
R1 – Vera, Vera Lígia e a Ester, Ester Tereza Senger Petroni e aí a minha prima, a Vera, a Vera Ligia Senger, foi ela que me levou para trabalhar lá na escola, ela conversou com a Dona Marília. Eu não tinha idade para isso, porque eu tinha apenas catorze anos ainda, ainda estudava. Então, eu comecei meio período, porque eu estudava de manhã, então eu ficava à tarde. Aí, logo que eu formei a oitava série, eu tive aí para poder... podia ficar o dia todo, aí eu pedi para eles me deixarem trabalhar o dia todo e a gente ganhava assim, vinte por cento do salário-mínimo, era pouquinho, mas era, para mim foi um crescimento muito grande e eu trabalhei, aí eu pedi para que eles deixassem eu trabalhar o período integral. Então eu cuidava, eu ficava de manhã, ia de manhã para lá, ficava, na hora do almoço eu ganhava um extra, porque eu ficava no portão cuidando das crianças. Então, as crianças saíam e entravam, eu já tinha pedido para ficar lá também, para poder, né... e depois, aí eu ficava até a tarde na saída e daí, dali mesmo eu já ia para o curso, fazer o Magistério, estudava ali mesmo.
P1 - A Marília era a diretora do Pica Pau, nesta época?
R1 - A Dona Marília era diretora, dona, ela era proprietária, diretora, uma graça, aprendi muito com ela.
P1 - Descreve como que ela era nesta época.
R1 – Ela, nossa, era uma pessoa maravilhosa, era aquela pessoa assim que nós, professoras, assim, as professoras estagiárias, tínhamos muito respeito por ela e ela sempre falou, assim, a questão, o tratamento, a prioridade sempre é a criança, então ela falava: “Não quero nenhuma tia conversando assunto que não é de criança”. Era assim. Então, ela chegava e a gente ficava, assim, super tenso. Só que na hora que ela chegava, as crianças a viam, corriam tudo para ela e abraçava. Então, a gente tinha um respeito, né? Ela era autoridade, porém ela era uma pessoa maravilhosa, porque as crianças a amavam demais.
P1 - Impressionante, né?
R1 - Muito, muito lindo.
P1 – Porque, de um lado, assim - eu conheço a Marília - ela pode parecer brava, né, mas ela tem esta coisa do acolher a criança, né?
R1 - Sim, ela era demais, assim. A Dona Marília era uma pessoa realmente fantástica.
P1 - Maravilha. E aí você formou no Magistério, mas você tentou dar umas aulas, mas acabou não dando aulas, você foi para o comércio?
R1 - Eu formei no Magistério, mas antes de me formar, eu trabalhei como estagiária. Aí precisava de, por exemplo, professores ausentes, licença, aí eu cobria. Aí eu já estava na parte do primário, mas eu fiquei bem pouquinho, porque depois foi quando vendeu a escola, uma empresa de fora veio, comprou a escola, daí já não era mais o curso Anglo e eles dispensaram todos os funcionários, todos e eu também, numa dessa, fui. E aí, nesta época, eu fiquei desempregada. Foi quando eu já conheci meu marido, estava ficando noiva e quando eu fui trabalhar no Ceará Magazine, por acaso, eu estava preparando meu enxoval e aí lá, por causa do enxoval, eu descobri que eles estavam precisando de um funcionário e eu comecei a trabalhar lá no Ceará Magazine, com o senhor Machado e Dona Socorro.
P1 - Agora está aqui em cima, no alto da cidade, mas era mais no Centro, o Ceará Magazine?
R1 - Era na Azarias Leite, na Azarias Leite. Aí, olha, eu mudei de Magistério para... porque eu não tinha terminado o Magistério ainda. Então, eu precisava trabalhar, para poder pagar o curso. Foi quando eu mudei para o Liceu e aí eu terminei o Magistério trabalhando no comércio, mas...
P1 - Como que era esta época do Ceara Magazine, assim? Porque era uma loja muito referência aqui em Bauru também, né, Teresa?
R1 - Era, bom, muito bom trabalhar lá, porque a gente tinha os clientes que eram já aqueles clientes fiéis, né, produtos maravilhosos e foi uma fase muito boa porque... como que eu posso dizer? Eu querendo, preparando o meu enxoval também, eu pude trabalhar, tinha o meu salário e por fim eu acabei ficando lá três anos, porque era muito bom trabalhar com eles. E eu confesso que o senhor Machado, eu nunca escondi isso dele, Dona Socorro, mas eu falo que o ‘seu’ Machado faleceu, mas eu tenho a minha loja faz 28 anos e eu falei para ele, tive oportunidade de falar pra ele que ele foi um grande inspirador pra eu ter o meu comércio. Para eu levar o meu comércio da forma como eu levo, consegui, que não é fácil, eu inspirei muito na forma como ele lidava, né, com esta parte administrativa, aprendi muito com ele, vendi muito, vendia bem, sempre estava em primeiro lugar, sempre fui uma boa vendedora, sempre.
P1 - Quer fazer alguma pergunta, Wiliam?
P2: Como é que foi esta experiência, então, de sair de Magistério como professora e entrar como vendedora agora, por que são públicos...
R1 - Foi assustador, confesso que foi assustador, porque na época eu trabalhava na escola porque surgiu emprego, né, a minha prima me colocou lá. Eu trabalhava e também nem ganhava tanto assim, só que quando eu fui dispensada, eu assustei, eu fiquei assim, você fica meio sem chão, porque você fica: “E agora, o que eu vou fazer, o que eu vou fazer da minha vida, que rumo eu vou tomar?”, né? Mesmo sabendo que eu precisava terminar meus estudos, você fica um tempo assim sem norte, você não sabe que direção tomar e por acaso, né, foi por acaso que surgiu este emprego e eu tinha que trabalhar e, na hora ele, ‘seu’ Machado me deu um teste lá de Matemática e fez eu fazer um monte de conta, ele falou: “Tá bom, tá contratada” e aí eu passei a trabalhar lá. Foi por acaso, foi consequência, né, foi uma consequência. E assim como na maioria das coisas, foram indo assim, como consequência mesmo na minha vida e foi bom, eu trabalhei e acho que descobri a parte minha de vender, deste lado meu que eu gosto, realmente de lidar com o público, de falar com as pessoas, tratar assim, eu gosto, está em mim isso.
P1 – Que lindo isso!
P3 – A senhora disse que ficava em primeiro lugar lá, né? (risos)
R1 - Sim, sim.
P1 - Descreve um pouquinho os produtos do Ceará Magazine.
R1 – Ah, sim, produtos maravilhosos, né, até hoje, mas eram produtos... como eu posso dizer, assim? Não tinha, todos diferentes, de excelente qualidade, peças exclusivas. Era uma exclusividade, isso que eu queria dizer. Então, era muito exclusivo. Enxoval, as pessoas que buscavam enxoval naquela época no Ceará Magazine, buscavam exclusividade e lá encontravam e encontravam um atendimento muito bom, que era eu também e minhas amigas.
P1 - E tinha promoções, assim, época perto, assim, de maio, que é o mês de casamentos, Natal, como que eram essas promoções?
R1 – Tinha, sempre, ‘seu’ Machado sempre foi cuidadoso com isso. Então, tinha as promoções, né? Não tanto quanto hoje, que as pessoas, assim, até apelam um pouco. Não era necessário. O Ceará Magazine era tradição aqui, é tradição. Então, as pessoas, eu acredito assim, que a pessoa falava: “Olha, eu vou casar”. Então, uma moça da sociedade marcou o casamento, onde ela ia? No Ceará Magazine, fazer o enxoval. Então, era bem isso: tradição em Bauru, o enxoval Ceará Magazine.
P1 – Entendi. Que lindo isso! E você falou que ficou três anos na Ceará Magazine, até casar? Recupera um pouco este momento, assim.
R1 - É, eu... bom, aí quando eu conheci meu marido, né e a gente... eu casei, a gente tinha um acordo. Então, quando casasse, ‘seu’ Machado falou: “Olha, quando casa, tem que sair e tal”. Eu falei: “Está bom”. Então a gente sai, ia fazer o acordo. Porém, quando eu estava para sair, ‘seu’ Machado pediu para ficar, ele falou: “Não, fica, continua”. Ele não queria que eu saísse, mas para mim não compensava, porque eu ia ter um filho pequeno e, por fim, eu optei mesmo para sair, porque já estava no projeto, desde quando eu entrei lá, eu entrei consciente que quando eu tivesse um filho, né e aí eu saí, saí realmente para pedir a conta. Eu pedi a conta assim: nós fizemos um acordo, que foi bom também, isto já estava no trato, não foi nada ilegal e só que eu sempre gostei de lidar com vendas, aí eu fui e falei para o meu marido: “Eu tenho o Danilo pequeno, que é meu filho, mas eu preciso fazer alguma coisa”, aí eu comprei um mostruário de joias e saía vendendo joias nas lojas e vendia. (risos)
P1 – Opa, caiu.
R1 – Acho que voltou aqui.
P1 - Voltou. Você comprou um mostruário de joias?
R1 – De folheados.
P1 – Foi de Bauru esse mostruário?
R1 – Folheados, aqui em Bauru mesmo.
P1 - Folhados, semi joias?
R1 - Semi joias, isso. E aí eu vendia nas lojas, porque eu tinha amizade com todo mundo e aí eu passei até a ganhar mais do que meu marido, que trabalhava na época na Telefônica (risos) e ganhava bem. Uma coisa que eu não contei da minha infância também, né: eu sempre estava vendendo alguma coisa, sempre, a minha infância, eu estudava na Santa Maria e eu tinha as minhas amigas e então eu ficava esperando quando a Telesp ia lá cortar aqueles fiozinhos do poste, que mudava, eu pegava aqueles fios e fazia pulseira, escrevia nomes, pegava encomenda na escola, nome de time, aprendi a fazer com linha de crochê. Então eu fazia, eu sempre estava vendendo alguma coisa. E eu chegava e tinha o costume que eu chegava nas casas das minhas amigas e as mães delas perguntavam assim: “Teresa, o que você está vendendo desta vez?”, (risos) porque já era marca registrada, eu sempre estava vendendo alguma coisa.
P1 - E elas compravam de você?
R1 – Compravam, compravam (risos).
P1 – Ajudava, né?
R1 – Uhum.
P1 - E esse dinheirinho desta época, o que você fazia?
R1 - Ah, comprava doce (risos), nesta época da escola eu comprava doce. Não era ainda na época, que depois eu comecei querer a minha sandália. Isso foi antes né, da sandália, né, meu anel de ouro. Eu lembro que, quando minhas amigas completaram 15 anos, elas todas ganhavam anel de ouro, mas o meu pai não podia me dar e eu queria um anel de ouro. Então eu fui trabalhar, foi quando eu trabalhei nos dois períodos lá no Anglo, que eu pedi para trabalhar os dois períodos e eu comprei o meu anel de ouro, consegui comprar, parcelei lá em quinze vezes, mas eu queria um anel de ouro e eu comprei.
P1 - Foi numa loja que você comprou, você lembra a loja?
R1 - Não, não, não, a moça vendia lá, ela ia lá vender, naquela confiança. Hoje não tem mais isso, mas ela vendeu para mim, paguei acho que em quinze vezes, ela ia todo mês receber.
P1 - Que graça! (risos) Mas aí você casou e você falou que o seu filho tinha uma alergia que demandava atenção sua?
R1 - Sim, meus filhos são alérgicos a leite de vaca, tinha problema de lactose, alergia. Então foi quando... mas, assim, na verdade não foi... eu saí do Ceará Magazine por causa do meu filho, mas aí eu não tive, eu ainda não sabia que ele tinha esta alergia, mas daí ele tinha problema de infecção, muita infecção, mas eu fui descobrir esta alergia quando ele tinha três anos, mas mesmo assim eu trabalhava, eu vendia. Eu trabalhava como autônoma, trabalhei como autônoma um bom tempo, até que um dia, eu lá no Ceará Magazine mesmo, eles estavam... tinha uma empresa que era Filó S/A, eles estavam procurando uma promotora, uma demonstradora e aí a minha amiga falou que eu tinha o perfil que essa empresa estava procurando, mas eu não estava procurando emprego e aí, ela falou pra mim: “Mas vai lá, porque o salário é muito bom, tem vários benefícios”. Aí eu fui por acaso, fui brincando, sem falar para o meu marido, né, passei por lá, fiz a entrevista e passei na entrevista, ela me chamou para segunda entrevista e, quando ela me chamou para segunda entrevista, ela já pediu para preparar a documentação, daí eu falei: “Mas já, eu passei, vou ser contratada?” Ela falou: “É, você vai pra Ribeirão fazer um curso”. Aí eu falei assim... eu fui falar com meu marido: “Brincando fui fazer uma entrevista e fui contratada e agora, o que eu faço?” Ele falou: “Ah, vai, né?”. Nisso meu filho era pequeno, mas eu tinha a minha sogra. Aí foi quando eu trabalhei também três anos na Filó S/A e foi quando engravidei daí da minha filha, da Luciana, mas aí, como eu já sabia que o Danilo era alérgico a leite, porque a gente sofreu muito neste período, com médico descobrindo o que ele tinha, custou para a gente descobrir, ela, quando nasceu, que ela já... depois da licença maternidade, que ela ficou os quatro meses em casa comigo, quando deu a primeira mamadeira já apareceu os sintomas da alergia, aí eu pedi a conta do emprego, eu pedi para a empresa me mandar embora, que era a Filó S/A, a Triumph, né e só que daí eles falaram assim, que era uma empresa multinacional: “Olha, Teresa, isso só existe no Brasil, fazer acordo, para nós acordo não existe, mas então não tem, ou você pede a conta ou manda embora, mas a gente não tem motivos para mandar embora”. Porque eu também era uma promotora que estava sempre em primeiro lugar nas vendas, sempre, né? Eu ficava numa loja, mas sempre primeiro lugar. E aí ele falou assim: “Olha, como você é uma funcionária que nunca nos deu trabalho, a gente vai liberar tudo que você tem direito”. Aí eles me liberaram e foi quando eu comecei a minha loja, eu peguei todo o dinheiro do acerto... por acaso uma amiga do meu marido, a esposa de um amigo do meu marido foi visitar a Luciana quando nasceu, que ela tinha, estava com quatro meses, foi fazer uma visita e eu expliquei que eu estava saindo do serviço, porque ela tinha alergia e eu ia ter que amamentar e ela falou: “Por que você não monta uma loja?”. Eu: “Ah, eu quero, mas...” Aí ela falou: “Eu estou vendendo a minha, quer comprar?”. Comprei (risos), comprei.
P1 - Já era a Eletritel?
R1 - Não, não era a Eletritel. Quando eu comprei esta loja dela, era uma loja de confecção, uma loja assim: calçado, confecção, aviamento, tinha de tudo, era tipo um bazar, né, mas quando eu comprei...
P1 - Como chamava a loja?
R1 - Dalu Presentes.
P1 – Balu Presentes?
R1 – Não, Dalu, Da de Danilo e Lu de Luciana. É. E o meu filho perguntava porque a loja era só da Lu, mas eu falava que era Dalu, não era só dela, era Dalu, dos dois, mas enfim, a loja chamava Dalu Presentes, eu fiquei quase dois anos com a loja, fui uma das primeiras aqui do Mary Dota e, assim, só que daí quando eu... aí eu montei um prédio na frente da minha casa, um salão, meu marido construiu pra mim e aí foi onde a gente... eu tinha de tudo ali. Eu comecei, como eu era uma das primeiras lojas, não tinha muita coisa, então eu tinha infantil, eu tinha adulto, tinha masculino, feminino, eu ia muito pra São Paulo, vendia praticamente de tudo e vendia muito, só que eu recebia pouco. Foi assim: foi uma experiência não ruim, foi um crescimento para mim, porque naquela época não existia cartão de crédito, era a bendita fichinha e a gente, eu peguei um núcleo assim, chegando as pessoas. Então, eu vendia muito mesmo, a loja não parava, só que eu tive muitos problemas com o pessoal que não pagava.
P1 - Para receber?
R1 – É, para receber. Então, foi quando um dia meu marido falou para mim... eu já estava assim, triste, porque eu falei: “Poxa, a gente vende, vende”. Aí chegava na hora de ir cobrar as pessoas, a gente ia, colocava meus filhos no carro, a gente ia tudo bem, aí quando voltava a gente já voltava nervoso, estressado, mesmo você tendo SPC, eu tinha convenio com o SPC, eu tinha convenio com tudo, mas não resolvia nada, se a pessoa quisesse pagar, pagava, ou não, né? Aí eu fiquei um tempo com a loja, foi quando eu falei: “Ah, quer saber?” Meu marido falou assim: “Olha, ai, vamos parar com a loja, porque né, não está dando certo”. E aí vem aquela frustração de novo, você fala: “Puxa vida!”, mas eu entendia que realmente eu estava jogando dinheiro fora, vendia e não recebia. Aí eu fiquei três meses tentando liquidar tudo, eu liquidava, fazendo liquidação das coisas que eu tinha, o prédio era meu, né, então eu abria, mas o meu marido trabalhou na Telefônica durante muito tempo e quando ele não estava na Telefônica, ele fazia serviço de eletricista, era instalador de telefone e eletricista. E na minha casa ele montou um quartinho e lá ele tinha toda peça, ele tinha disjuntor, ele tinha um monte de coisinhas que eletricista usa, para socorrer uma pessoa. Então, o que acontecia? Logo que nós mudamos no Mary Dota, eu tinha a loja ali de confecção, só que chegava à noite, o pessoal batia no portão: “Junior, olha, queimou o meu chuveiro, será que você não consegue me socorrer?”, aí ele: “Ah, eu vou ver o que eu tenho lá”, ele já tinha uma resistência de chuveiro. “Junior, queimou minha lâmpada, você me socorre?” Aí as pessoas começaram muito pedir ajuda para ele. Aí ele falou para mim assim: “Se a gente colocar... vamos fazer uma experiência? Vamos colocar um pouco de parte elétrica aqui, você topa ”, eu falei: “Eu topo”. Porque quando meu marido fazia parte elétrica de final de semana, eu era a ajudante dele, ele me levava como ajudante. Eu tinha a loja, mas eu era ajudante dele de ajudar a montar fio, montar luminária, eu fazia tudo isso com ele, para ajudar também. E aí ele falou assim: “Você topa?”, eu falei: “Topo”. E foi quando a gente, eu tinha a loja, num cantinho da loja a gente montou uma prateleirinha de aço, nós colocamos um rolo de fio um e meio, dois e meio, quatro milímetros, ele comprou duas antenas, comprou meia dúzia de lâmpadas e fez uma madeirinha e colocou um soquete, uma tomadinha, assim na porta da loja de mostruário, ficou na porta da loja. Até então a loja também era numa rua, numa transversal, era meio escondidinha, né, mas ele colocou ali. E aí, o que aconteceu? As pessoas começavam procurar o material elétrico, toda hora ia gente perguntar: “Teresa, eu preciso deste pedacinho de fio, eu preciso de uma lâmpada”. E quando passou mais ou menos um mês assim e conforme as pessoas iam pedindo as coisas, a gente ia colocando. Nós compramos duas antenas e de repente nós fizemos um pedido de dez antenas, aí de repente o pedido de um rolo de fio, já era dez rolos de fio e a gente foi aumentando e foi tirando tudo da loja, até que chegou um dia, eu peguei tudo que tinha na loja de confecção, calçados, toda aquela mercadoria que tinha, eu fiz uma trouxa e levei pra Casa da Criança e falei assim: “Olha, eu estou doando tudo”. Levei tudo pra lá e falei assim: “Não vou mais vender isso”. E aí eu peguei até muitas fichinhas das pessoas que me deviam, até rasguei, pus fogo, falei olha: “Não quero mais esta vida, vou mudar agora”. E aí foi quando nós colocamos a parte elétrica ali, nós começamos na 39 e era a mesma lojinha, só que aí a gente começou a colocar muita coisa, muita coisa. E aí, como meu marido trabalhava na Telesp, ele trabalhava fora e eu ficava na loja e tinha muita coisa que eu não conhecia, então eu estava aprendendo. Então, eu atendia o cliente às vezes com ele no telefone, me ajudando. E aí a gente teve um vendedor na época, muito esperto, este vendedor foi muito... ajudou muito a gente, ele era de Ribeirão Preto. Então, ele chegou na loja, ele foi indicado, né, para atender a gente e ele chegava na loja e ele vinha uma vez por mês e ele tinha a lista dele e ele ficava lá na loja e falava: “Hoje vou ficar aqui”. Aí ele sentava lá na loja e ficava. Aí a pessoa chegava: “Teresa, você tem o disjuntor tal?” Eu falava assim: “Não tenho”. E ele falava: “Não, mas vai chegar” e escrevia. Aí: “Você tem tal coisa?” “Não, vai chegar”. E quando chegava no final da tarde, ele tinha uma lista imensa. Aí meu marido chegava e olhava: “Olha, preciso pedir tudo isso aqui”. E aí foi que aconteceu e eu fui aprendendo também a conhecer os produtos. E aí foi quando a gente viu que a loja começou a crescer, só vendia, assim, era material elétrico, a gente precisava sair dali e a gente não parava de atender mais. Como a loja era na nossa casa, era dia, noite, de madrugada o pessoal pedia socorro e não tinha hora, né? Mas como a gente era no Mary Dota, nós somos uns dos primeiros, então a gente tem um carinho aqui com o pessoal e esse carinho que a gente tinha de atender fora da hora, isso nunca foi um problema para nós, acho que isso tornou a Eletritel o que é hoje. E aí a gente, com a loja lá, precisava um ponto maior, né? E começou: “Ai, aonde que a gente vai?” Foi onde a gente começou a procurar um ponto na avenida, até que a gente conseguiu comprar essa casa e a gente fez. Era um cômodo, era a loja e de repente a gente passou a loja inteira, foi passando a loja inteira, porque a gente foi sentindo a necessidade de estar aumentando, né? Hoje a gente trabalha com um segmento assim, tudo, temos 18 mil itens aqui, trabalha com praticamente tudo. Virou quase um Tem Tudo. A gente continuou atendendo de sábado e domingo, atendia as pessoas nos horários que elas precisam, né? Então, foi assim, meio assim, que surgiu a Eletritel. A Eletritel surgiu e foi uma consequência, falei: como tudo na minha vida assim foi, não foi nada planejado, né? Quando eu fiz um curso no Empretec que fala assim de planejamento, eu descobri assim que eu não tive planejamento, foi tudo assim, consequência, uma coisa foi puxando a outra, mas que deu certo, deu muito certo.
P2 – Dona Teresa, eu lembro também que você disse que, por causa do Mary Dota, da expansão do Mary Dota no início, muita gente precisava de serviços elétricos, né e isso também foi uma das, um dos porquês que cresceu tanto a loja.
R1 – Ajudou muito na época, na época assim, vendia muita lâmpada, muita luminária e eu lembro que eu montava, a gente não tinha máquina de medir fio, eu media fio na rua, porque a pessoa pedia trinta metros de fio e não tinha máquina, eu media fio na rua, então e meu marido não trabalhava na loja até então, né? Aí, de repente, veio o menino para me ajudar, que também ele veio de uma loja que tinha já um conhecimento e que me ajudou muito também e aí eu fui aprendendo a conhecer, né? Enfrentei também muitos obstáculos de, por exemplo, uma mulher atendendo parte elétrica. Foi logo que começou o Mary Dota. Então, as pessoas mudavam muito o padrão, o poste, queria pôr o visor para a rua. Aí a pessoa chegava na loja... um dia uma mulher pôs o pé assim, na loja, olhou e falou assim: “Só tem você para atender aqui?” Eu falei: “Só”. Ela falou assim: “Então eu vou embora, você não vai saber o que eu preciso”. E ela precisava de um padrão de entrada e eu sabia muito bem, né, eu sabia muito bem vender tudo isso, né? Aí depois ela voltou, pediu desculpas, mas a pessoa tinha esse... e ainda meu marido até brincava, né, brincou até com ela e falou assim: “Não, claro que ela sabe, ela que me ensinou”, né? Então, a gente brincava disso, porque as pessoas tinham esse preconceito por eu ser mulher em uma loja elétrica, que eu não ia entender o que eu estava vendendo. E pelo contrário, né? E até hoje eu brinco com os meus funcionários, né? As pessoas perguntam. Às vezes eu vou fazer um serviço de solda, conectar alguma coisa e a pessoa fala: “Ah, mas você sabe?” Eu brinco e falo assim: “Claro que sei, eu que ensinei eles, né?” Então, a gente brinca com isso. Porque tem que saber, né, senão você não... assim: tem que conhecer o produto que você vende.
P1 – Mas a parte de material de construção, parte elétrica, parte de pneus, normalmente é associado ao universo masculino, né, de atendimento, de vendas.
R1 – É.
P1 – Agora, Tereza...
R1 – Infelizmente tinha esse preconceito, mas hoje também não existe mais.
P1 – É, já ultrapassou, né? Agora, também você falou muito do começo do Mary Dota. Fala para a gente, assim, descreve pra gente o que é o Mary Dota e como era esse começo, porque o bairro mudou muito, né?
R1 – Ah, sim. Bom, no começo, assim, quando nós chegamos aqui, é aquela ilusão de ter a casa própria, né? A gente chega e acho que todo casal novo... nós viemos assim, com aquela mesma esperança: ter uma casa própria. E quando a gente, quando nós começamos aqui, a princípio a gente até pensou em sair daqui, quando nós pensamos em um comércio, a gente até pensou em buscar um outro lugar, até o momento que a gente descobriu realmente que o potencial aqui do Mary Dota foi crescendo muito. Foi até o que eu comentei: muita gente, as pessoas necessitavam de muitas coisas, né? Então, até o motivo assim, do comércio, acho que o comércio aqui se tornou tão forte assim porque foi o maior núcleo da América Latina, muitas pessoas precisando. Não tinha, assim, um acesso fácil. Hoje a gente vê que é facinho você chegar ao Centro da cidade, né, mas, as pessoas não tinham, às vezes, condução. Então, foi, né, assim: acho que o crescimento do comércio foi justamente por isso.
P1 – O acesso era ali pela Nuno de Assis, já era ali, mas era difícil?
R1 – Era ali.
P1 – Horário de ônibus, essas coisas?
R1 – Era por ali, mas era uma rua só, não tinha, não era dupla ainda, né, era só uma via e era um acesso bem difícil. Quando chegava, assim, horário de pico mesmo, nossa! Eu cheguei a trabalhar fora, a gente ficava parado ali um tempo para conseguir entrar no bairro.
P1 – E você foi contemplada com uma casa, vocês foram contemplados com uma casa?
R1 – Isso, fomos.
P1 – Para registrar também, era uma casa da Cohab, assim. O que era a Cohab? O que significava o Mary Dota, que você falou que era um dos maiores da América?
R1 – Quando o Mary Dota... quando eles, né, fizeram o núcleo Mary Dota, que acho que foi o último, depois que a Cohab fez, então eram várias casas, acho que tinha quatro mil e poucas casas, que era realmente para atender aquela classe, aquele pessoal realmente uma classe mais econômica, que não tinha condições mesmo de ter a casa própria. Tinha... a gente pagava em várias parcelas, eram muitas parcelas. E, assim, tinha gente de todos os níveis. Tem casa que até hoje não tem muro, mas as pessoas.... aí, o bairro Mary Dota, eu acredito assim, que nós fomos muito privilegiados entre muitos bairros que tenha em Bauru, né, muitos núcleos, o Mary Dota eu acho que foi muito, muito privilegiado, porque tem um potencial muito grande aqui na parte de comércio, eu acho. Ele cresceu muito, né, cresceu muito. Tanto que eu, tanto tempo, eu investi minha vida aqui 28 anos, né? Se eu não acreditasse aqui no bairro, eu não teria construído minha vida aqui, né? Eu tinha a minha casa, eu fui contemplada, mas daí eu investi, eu consegui comprar uma casa na esquina, que é um dos melhores pontos, todo mundo fala, né, na época todo mundo falava assim: “Essa casa era para ser minha”. Aí eu pensava: “Não, era para ser minha, porque eu comprei, né?” E aí, quando a gente comprou um ponto assim, excelente, a gente construiu a casa, morava do lado, até que a gente passou a ser tudo loja, a gente construiu em cima também, a gente tem prédios que a gente aluga e depois disso eu comprei uma outra casa. Então, eu mudei perto, eu moro no Mary Dota mesmo, mas comprei uma outra casa também, né? Porque eu gosto daqui, eu gosto, eu acredito muito no bairro, eu... a gente tem de tudo aqui, tem de tudo, tem... é um bairro muito bom para se morar.
P2 – Teresa, eu também cresci aqui no bairro, no Mary Dota e a Eletritel era um pouco menor do que é hoje. Hoje é maiorzinha, teve expansão, né?
R1 – A Eletritel começou em uma portinha, onde é o salãozinho do lado, né? Ela começou na 39, aí depois a gente comprou a casa aqui na esquina e já tinha um salãozinho e aí ela foi para lá. Aí foi quando a gente começou a perceber até que aumentaram as nossas vendas, porque só da gente sair de uma rua lá escondidinha, quando a gente veio para a avenida mudou muito, né? E aí a gente foi comprando mais produtos, foi, as pessoas foram pedindo, procurando mais coisas, aí foi quando a gente foi aumentando. Aí a gente construiu aqui na esquina e depois da esquina as pessoas falavam: “Você tem que aumentar isso aqui”. Aí eu falava: “Mas vou aumentar para onde, só se onde eu moro”. Aí, foi quando eu mudei e fiz tudo loja. Mas a Eletritel era pequenininha, era um cômodo, um.
P1 – Caracteriza para a gente o morador do Mary Dota, assim, que acaba sendo o seu cliente também, Teresa.
R1 - Olha, nós temos clientes aqui, assim, de todos os níveis, né, de todos os tipos, temos... para nós, hoje, eu posso dizer assim que os nossos clientes se tornaram grandes amigos, né? Tem cliente - porque o Mary Dota é muito grande - que ainda chega aqui e fala: “Nossa, eu não sabia que tinha essa loja”. Mas assim, a gente tem e gosta até, fala: “Nossa, você tem de tudo aqui”. Então, a gente sabe ainda que a gente tem muito o que explorar, né? Mas, assim, os nossos clientes, desde o início, eu acredito assim, que a gente foi evoluindo todo mundo junto, né? É porque nós, eu também comecei com uma casinha que não tinha muro, não tinha forro, não tinha nada. Eu comecei com essa casinha, assim como meus vizinhos. Então, a gente viu que todo mundo foi evoluindo, as pessoas foram mudando a vida, os filhos foram crescendo, foram se formando. Hoje eu vejo assim: um bairro muito bom para se morar, para se viver. Algumas pessoas até não acreditam muito, né, algumas amigas que montam loja: “Ah, mas o Mary Dota, qual o potencial de compra do Mary Dota?” E eu falo: “Olha, eu não tenho problema com isso, eu não reclamo, eu tenho cliente para todos os padrões. Eu tenho cliente que busca o mais simples, até o mais sofisticado”. Então, não tenho, assim e todos, assim, são clientes que a gente tem muito carinho e são especiais, muito.
P1 – Você está na avenida, na principal, ali?
R1 – Avenida, na principal.
P1 – Como chama? É Raphael...
R1 – É Doutor Marcos de Paula Raphael, na esquina principal.
P1 – Caracteriza um pouco essa avenida para a gente, assim, porque acho que ela é a principal avenida de comércio, né?
R1 – Sim, sim. Eu falo para as pessoas, eu costumo dizer, né, para as minhas amigas que não conhecem o Mary Dota, que às vezes vêm. Eu falo assim: “Gente, vocês vão conhecer o Mary Dota, vocês vão ver outra realidade”. Porque, por exemplo: em um sábado à tarde aqui, é um comércio assim, é um movimento, né, é até diferente da cidade. A gente tem de tudo, tem... como que eu posso dizer? A pessoa não precisa sair daqui, ela não precisa ir até a cidade, para encontrar produtos. Eu mesmo, aqui eu encontro tudo o que eu preciso, porque eu tenho os meus amigos. Então, eu tenho as lojas, a gente torna uma amizade e a gente acaba ficando por aqui mesmo. E eu sempre falo para as minhas amigas: “É mais fácil comprar em um lugar assim, né, no Mary Dota, que tem uma avenida grande, mas que você conhece as pessoas do que, de repente, você chegar em um lugar que tem, assim, você não conhece ninguém, você fica procurando, não sabe o estilo, né?” E eu sempre falo para as pessoas: “Vocês vão se surpreender”. Pessoas que não conhecem ainda onde eu moro e quando vêm, assim e a gente está chegando e eu falo: “Ó, vocês vão se surpreender, porque o Mary Dota é uma cidade, vocês vão...” Para quem está acostumado a ficar naqueles bairros mais quietinhos, mais... né, aquelas pessoas, tipo: nós temos bairros como Parque União, Vista Alegre, é tudo quietinho. O Mary Dota não é isso, o Mary Dota é festa de manhã até tarde, é correria, é movimento, é um comércio muito bom, é gente andando para todo lado. Tem movimento aqui, bastante.
P1 – Esse comércio acaba mobilizando, movimentando muito o bairro?
R1 – Sim, sim, bastante.
P1 – E, Teresa, tem o frigorífico aí, né, o Mondelli. Que, assim, eram as terras também, né?
R1 – Sim, tem. Quando nós chegamos aqui, é assim: na verdade, nós fomos os invasores, né, porque eles estavam sozinhos aqui, nem tinha, não tinha casa, não tinha nada. Então, no começo nós tivemos até muitos problemas com o cheiro, era bem complicado, mas eles mesmos tomaram conta, né? E, assim, a gente tinha que ser compreensivo, porque na verdade nós viemos para cá, eles estavam isolados, né? Mas hoje não existe mais nada disso. Existe, sim, o frigorífico, nem sei se ainda continua o nome de Mondelli, porém eu sei que eles empregam muitas pessoas. Tem, assim, muita gente que a gente conhece, são clientes nossos, que trabalham lá. Então, eu acredito que é muito bom também para o nosso bairro, muito bom.
P1 – É, acaba movimentando também.
R1 – Sim, também, bastante.
P1 – E como que você resolveu essa questão que você apontou no ramo de confecção, da inadimplência, assim? Como é que você conseguiu resolver essa questão?
R1 – Olha, é assim... espera só um segundinho.
P1 – Quer dar uma paradinha?
R1 – Não, é meu marido. Então, como que foi que eu resolvi essa questão da...
P1 – Inadimplência, receber, vender.
R1 – Sim, olha, foi bem difícil na época, porque investi todo o meu dinheiro quando eu saí da empresa, né, eu recebi tudo, investi na loja. Meu marido pegava todo o salário dele para a gente não ficar devendo, né, porque a gente tinha aquela ideia assim: nosso nome tem que estar sempre certinho. Então, ele pegava o salário dele, pagava, para não voltar cheque nosso. Só que, assim, eu ia muito para São Paulo e comprava roupa e meu contador mesmo na época falou: “Teresa, para você ter sucesso em um negócio, você só vai ter lucro depois de uns três anos. Então, você não pode pensar assim, em tirar nada da empresa”. Então, eu via aquelas roupas que eu queria para mim, eu colocava para vender e era a primeira a ser vendida. Aí eu via a pessoa passando na minha frente, ia e voltava com a roupa que não... mas, assim, aí no começo, eu fiquei assim: eu confesso que eu fiquei meio... mexeu um pouquinho comigo, assim, quando eu decidi que eu ia fechar a loja, mexeu um pouquinho com o meu psicológico, né, de tristeza, mas logo passou, porque quando eu vi, né, que tinha dado certo o outro negócio, que Deus tinha dado outra oportunidade para a gente, eu logo esqueci. Aí, até o momento e, assim, ainda durante um tempo, porque assim, eu tinha um consórcio de carro também que eu investi na loja e quando eu fechei a loja de confecção, o valor que as pessoas deviam para mim, era um valor que dava para eu comprar um carro zero, né e eu falava assim: “Poxa vida, eu não tenho meu carro porque eu investi e está tudo perdido”. Só que, o que aconteceu? Algumas pessoas eu ia atrás e você escuta muitas histórias e foi aquilo que eu falei: a gente ia bem, mas quando voltava, voltava meus filhos chorando, às vezes eu e meu marido, porque é muito estressante você ouvir dez vezes a mesma história, né? E é aquela coisa: mesmo que você coloca no SPC, não adianta, se a pessoa quer pagar, ela paga. Aí, o que eu fiz um dia? Um dia, né, isso é uma coisa minha, mesmo, meu espiritual, cheguei, quando eu vi que a loja estava dando certo, foi quando eu doei todo o restante das coisas para, lá para a Apae. Eu fiz um propósito comigo mesma: que aquelas pessoas que estavam devendo não iam dever mais para mim, que elas estariam devendo então, né, não era mais para mim e aí eu joguei, coloquei fogo mesmo, rasguei, coloquei fogo em todas as... né? Falaram que eu era doida, mas tinha coisa lá de dois, três anos e não ia receber, mesmo. E, se eu ficasse olhando para aquilo eu ia sofrer, eu ia... é uma coisa assim, é um atraso de vida, né? E aí eu coloquei fogo naquilo e falei assim: “Olha, Senhor, não é mais para mim que essas pessoas devem. Se um dia elas quiserem pagar, elas pagam para o Senhor”. Depois de uma semana veio uma pessoa pagar, uma semana. Veio uma pessoa que fazia três anos e ela chegou para mim e falou assim: “Olha, eu preciso que... eu quero pagar a minha conta com você”. Eu falei: “Olha, eu já tirei o nome do SPC, não está mais lá” “Ah, mas eu quero pagar”. E eu falei assim: “Não, você não deve mais para mim, faz uma doação para a sua igreja, faz o que você achar melhor, mas você não deve mais para mim”. E foi o pensamento que eu tive e também não veio mais ninguém pagar e até hoje - infelizmente, é uma coisa assim que é ruim, eu comentei até esses dias - eu tenho pessoas que passam por mim e por exemplo: estou em um mercado, estou em algum lugar, pessoas que passam por mim e abaixam a cabeça, não conseguem olhar, porque elas sabem que ficaram devendo. Mas, assim, elas não vieram falar comigo, mas para mim eu já não tenho mais essa dívida, porque eu não vou receber mesmo, né? E mesmo depois da parte elétrica, porque eu vivi isso na parte antes, mas não vou falar para você que foi fácil durante vinte e oito anos essa parte elétrica, foi muito difícil, você não tem ideia quantas, quantas inadimplências nós tivemos, quantas vezes a gente teve que se reerguer, assim, de realmente você levar tombo. Porque, assim, uma parte elétrica, às vezes, não é coisinha, tipo uma roupa, uma calça. É coisa assim, de oito mil reais, dez mil reais, pessoas que vão comprando, sindicato que às vezes gasta vinte mil reais. Então, são coisas que você, de repente, por diversas vezes a gente passou por situações assim: “Meu Deus, como que eu vou fazer?” E a gente conseguiu se reerguer. Foram 28 anos, né? Coisas assim, da pessoa chegar aqui e falar assim: “Você cobre o preço para mim?” “Ah, eu cubro, qual o preço?” Aí: “Olha, só que vou pegar o material e o eletricista vai trabalhar uma semana na minha casa e aí eu vou.… assim que ele terminar, eu posso vir aqui te pagar?” E como você conhece a pessoa, você conhece o pai da pessoa, você fala: “Tudo bem”, né? Aí dá uma semana, dez dias, você vai na casa da pessoa e ela olhou na minha cara e falou assim: “Ah, olha, tenho uma coisa para te falar: eu não tenho dinheiro para te pagar”. Ela pegou oito mil reais de material e ela falou para mim assim: “Ó, eu não tenho”. E eu falei: “Mas como assim, você falou que ia pagar à vista, você pediu para eu cobrir preço” “Mas então, é que eu não tenho dinheiro, aconteceu um imprevisto e eu não tenho”. E aí você vai fazer o quê? Aí você olha, reza e pede, porque senão, se você não tiver, assim, um emocional, né, você acaba, onde acaba casamento, acaba tudo.
P1 – Isso que eu ia falar.
R1 – Acaba tudo. Então, você tem que ter, assim, muita sabedoria, muita fé em Deus, saber que pode recomeçar.
P1 – Mas quando faz uma compra dessa, a pessoa faz duplicata, faz crediário, como é que faz?
R1 – Olha, hoje...
P1 – Que oito mil, é difícil alguém vender oito mil, assim.
R1 – Nós temos a loja há 28 anos, né? Então imagina assim: há vinte anos o vizinho chega para você, né, que foi o caso dessa moça, tal: “Eu vou levar, posso fazer?” Então a gente confiava muito, eu confio até hoje. Não vou negar para você que eu não confio. Hoje eu tenho ainda, acontece um casinho ou outro, mas é bem pouco, mas por exemplo: nós temos parcerias com eletricistas. Os eletricistas vêm, então eles têm cadastro, eles têm... a gente... então, por exemplo: ele vai fazer um serviço e às vezes ele não tem dinheiro e a pessoa fala: “Você traz o material e depois eu te pago”. Acontece. Então, o eletricista vem e pega todo o material, leva, faz o serviço, a pessoa paga o eletricista. Já aconteceu de a pessoa pagar o eletricista, o eletricista não me repassar; já aconteceu da pessoa não pagar o eletricista; já aconteceu da pessoa dar cheque sem fundo. Então, são várias situações e sempre acontece. Hoje bem menos, bem menos, porque hoje a gente não trabalha com cheque, é só cartão, hoje a pessoa vem passar o cartão antes, mas ainda tem eletricista que leva material.
P1 – É um sistema bem antigo, né?
R1 – É. (risos). Mas a gente aprende.
P1 – O cartão de crédito ajudou, então?
R1 – Muito, muito, muito. Hoje o cartão de crédito é essencial, essencial. Quem não tem cartão de crédito...
P1 – Você falou da mudança, tudo, né, assim, da transformação do bairro e tudo, agora, você pegou essa fase. Eu queria que você falasse um pouco dessa fase, assim, da transformação do bairro, você pega o bairro que veio assim, de casas da Cohab, que é a Companhia Habitacional de Bauru e aí você pega esse crescimento do bairro e essa transformação, que as pessoas foram o quê? Particularizando as casas, foram melhorando?
R1 – Sim, sim. No começo as casas eram praticamente todas iguais. Então, não tinha muro, não tinha forro, não tinha piso, as casas iguais. Eu lembro que um dia eu cheguei, eu cheguei, eu vim do serviço, né, eu errei a rua - porque você tinha que contar quantas ruas - aí eu desci e contei a casa, sétima casa, eu falei: “Ah, essa aqui é minha”, azulzinho na frente, né, entrei, no que entrei com tudo não era a minha casa. Aí eu fechei, porque as casas eram assim, e várias pessoas compraram, né, casas assim, porque não tinha nada. Até que depois as pessoas aí foram murando, as pessoas... muitas pessoas assim, como a gente. A gente veio e a gente queria mudar logo, queria parar de pagar aluguel. Então, a gente veio já para cá sem... não tinha nada a casa, a gente foi fazendo aos poucos, o muro mesmo foi a última coisa que a gente fez. Um dia eu escutei um barulho no quintal e eu abri a janela, no que eu abri a janela do meu quarto, uma vaca enfiou a cabeça dentro do meu quarto, né? Muuuuuu. E era isso o Mary Dota antes. A gente vivia assim, no meio... né? Colocava lixo na lixeira e os bois, cavalos iam e comiam tudo, estragava tudo, mas aí foi evoluindo. Então, foi crescendo, as pessoas foram, né, modificando suas casas, cada um foi, realmente, crescendo, se adaptando. E vieram muitas pessoas depois para cá, também, muitas pessoas venderam as casas. Então, vieram pessoas de fora também, né, o comércio também. No começo, o comércio era mais das pessoas do bairro, né? E hoje eu vejo assim que muitas pessoas vieram de fora. Então, tem muitas lojas, grandes até, assim, franquias, né, que já vieram e estão estudando o Mary Dota, já tentaram, umas deram certo e outras não, mas a gente viu assim, que o Mary Dota hoje ele é bem observado, eu vejo assim.
P2 – Teresa.
P1 – Você quer fazer uma pergunta, Wiliam?
P2 – Quero sim. Sobre a loja, eu lembro que a gente conversou naquele dia, que tem alguns brinquedos, né, que você colocou nas prateleiras. Como é que é isso, é para poder atrair criança também?
R1 – Então, é assim: a gente, quando nós começamos aqui era antena, telefonia e elétrica. O fato da gente trabalhar de segunda à segunda, as pessoas começavam a procurar coisas que não tinha e as outras lojas acabavam fechando, né, final de semana, sábado à tarde, domingo e a gente tinha o espaço, né, tinha cliente, estava aqui trabalhando e tinha vontade, então a gente começou a ir colocando. Então, nós fomos colocando, assim, uma diversidade muito grande de produtos, a gente foi mudando bastante. E o brinquedo começou assim. Na verdade, o brinquedo começou porque o meu fornecedor... eu tenho muitos afilhados, então eu ia comprar e já trazia para os meus afilhados. Na hora que chegava aqui na loja e a pessoa via: “Ai, eu vou levar”. Eu falei assim: “Ah, gente, eu vou colocar brinquedo aqui também”. Aí a gente começou a colocar brinquedo. Tem brinquedo, tem artigos para presentes e vende, né? Não é uma coisa que vende muito, mas agrega. Porque, por exemplo: o pai geralmente, em final de semana, quem vem é o pai e o pai vem com o filhinho. Aí ele vem comprar alguma coisa, o filhinho já olha o brinquedinho e: “Ah, pai, compra”. E uma coisa bacana também que aconteceu, que os pais geralmente... geralmente é mãe que cuida mais disso, né, de cuidar do presente, vai comprar e os pais, às vezes, não têm nem tempo, eles estão trabalhando, eles não têm tempo e aí acontece muito assim, que às vezes a gente vê um pai ali que está saindo do serviço, o eletricista e ele fala assim: “Ah, eu vou levar esse aqui para o meu filho”, né? Sabe assim, quando você vê que desperta aquela... ele viu o brinquedo e ele mesmo sentiu aquela vontade de comprar. Então, ajuda bastante assim, brinquedo vende também, vende presente, vende de tudo. (risos).
P2 – O pai está ali já e já aproveita.
R1 – É. Tem pai que chega e fala, olha assim e a criança nem está junto, mas ele vê, a gente vê que ele tem aquele carinho, né, fala: “Poxa vida, eu vou levar esse brinquedinho para o meu filho” e é bacana, bacana isso.
P1 – Legal. E falando em família, assim, a gente mudando um pouquinho, né, como você conheceu o seu marido, como é que foi esse tempo de namoro?
R1 – É, bom, eu conheci o Junior...
P1 – Como ele chama?
R1 – Junior, Laerte Junior. (risos) Eu o conheci quando eu trabalhava no Anglo, né, eu passava em frente o serviço dele e aí a gente se conheceu no Bancários, né, o antigo Bancários, não tem como, não tem, acho que da nossa época todo mundo, né? Aí eu o conheci no Bancários e a gente começou a namorar, eu tinha dezesseis anos quando comecei a namorá-lo, casei com dezenove anos e nós temos dois filhos. Então, a gente casou, ele trabalhava na Telefônica na época, depois... hoje ele já vem, trabalha aqui com a gente também, né, vem aqui e fica aqui na loja. Aí nós tivemos dois filhos, que é o Danilo e a Luciana.
P1 – E eles estão com quantos anos, o Danilo e a Luciana?
R1 – O Danilo tem trinta e três, ele trabalha em uma empresa, ele se formou em gerente de projeto e a Luciana é veterinária, se formou veterinária.
P1 – Ah, que beleza! O que você acha que mais mudou, assim, do comércio que você está hoje, da parte geral, assim, do comércio de material elétrico?
R1 – O que eu acho que mais mudou...
P1 - Em termos de produto, o que mudou em termos de produto?
R1 – Assim, é uma constante mudança, né, é um constante crescimento. Desde quando nós começamos, sempre vai inovando. Então, sempre, desses vinte e oito anos, sempre vai inovando os disjuntores. Por exemplo: lâmpadas, antigamente a gente usava aquelas lâmpadas de tubo, foi mudando para led e hoje as lâmpadas diminuíram. Fiação, tudo, tudo foi se tornando, assim, muito prático, é muito prático mesmo. E questão assim, também, das facilidades, a beleza. Hoje - antigamente as coisas eram mais rústicas - tem uma diversidade imensa, aquela... muita coisa bonita, as pessoas procuram bastante coisas, né, diferente, é lâmpada de uma cor, lâmpada de outra cor. Então, né, hoje tem infinitas coisas, né, para a pessoa decorar uma casa e na parte da iluminação conta muito com isso também.
P1 – Conta muito, né?
R1 – Conta muito.
P1 – Você falou do Empretec, que você fez o Empretec.
R1 – Eu fiz. (risos)
P1 - O curso não é fácil, né? É um curso, assim, bem puxado. Eu gostaria que você falasse um pouco. É do Sebrae, né?
R1 – É um curso de imersão. O Sebrae me acompanhou durante dois anos, né? O projeto Ali me acompanhou, quando uma época eles vieram me perguntar se eu queria um acompanhamento e eu disse que sim. Então, todo mês eles vieram, a gente conversava, mas assim, a gente entrava em um conflito grande com o Sebrae, o pessoal de lá porque, para eles, essa visão que a gente tem hoje, por exemplo: colocar todo tipo de produto. Eu tenho muitas coisas que não eram do meu ramo, da minha atividade, mas pela pessoa procurar, eu acabo colocando e o Sebrae, assim, na época do projeto Ali, via isso de uma forma errada, que a gente tem que ter menos variedade. E outra coisa que a gente erra muito, né, por exemplo: meu marido, a gente tem aquela coisa de estoque, o meu marido tem um estoque grande. Então e ele, a gente, entrava nesses conflitos. Porém, aí conversando bastante, eu cheguei à conclusão assim: que eu não mudaria isso, porque o que diferencia a Eletritel, o que nos diferencia, é a variedade de produtos, né, é você atender em um horário onde os outros não atendem e a pessoa saber. Tem gente que atravessa Bauru, né, tem gente que vem de final de semana de outras cidades, de região, que sabem que vai encontrar. Então, a pessoa chega aqui e fala: “A pessoa falou para eu vir aqui, que eu ia encontrar”. Então, às vezes, uma coisa assim que nem, né, por exemplo, parte automotiva, lâmpadas de carro, não era a nossa área e a gente nem trabalhava, mas as pessoas vinham procurar no final de semana, tudo fechado, a gente começou a colocar e assim foi muita coisa que a gente foi colocando: parte hidráulica, parte de tinta, algumas coisas, coisas que não era mesmo para ser da nossa área e acabou se tornando e hoje realmente a gente tem essa variedade e o que não tem, a gente tem o caderninho e a gente compra para atender, entendeu?
P1 – Vocês ainda...
R1 – Ah, sim, falando do Empretec. Ah, o Empretec é um curso de.... aí, depois que fiz o Ali, tudo, eu fiz o Empretec e foi um curso de imersão uma semana que foi, assim, fantástico na minha vida, foi maravilhoso. Eu posso dizer para você assim que me arrependi muito de não ter feito isso antes. Se eu tivesse feito antes, eu teria mudado muito, muita coisa no meu comércio, a percepção, teria feito muita coisa diferente. Não sei se teria dado tão certo também, mas eu teria arriscado, talvez até mais. Porque o Empretec é um... ele abre a mente, ele é um... ele é, assim, um curso que realmente mexe muito com você e ele te mostra uma realidade totalmente diferente. Então, a gente acaba, eu mesmo, Teresa, comecei lá atrás, vinte e oito anos atrás, com uma lojinha e uma estantezinha. Então, a minha mente, você fica assim, você não vê crescer, né? Hoje, até você tinha perguntado assim, o que mudou. Não só da parte elétrica, mas hoje a gente vê que a tecnologia, a parte de internet, se você não se adaptar, você vai ficando para trás. Então, o Empretec abre muito a mente para isso, né? O Empretec é um choque, ele é um choque mesmo, ele é tipo assim: de tirar você da realidade. O meu maior choque foi descobrir que, durante vinte e cinco anos, eu fui a minha própria empregada, porque eu estou aqui todos os dias, eu trabalho aqui e aí, quando eu fazendo ali o Empretec, né, descobri que eu era a minha empregada, durante vinte e cinco anos. Que a loja pode andar sem, né? A gente fez também um outro curso, que é o Um, Dois, Três, Quatro, Você, que também é fantástico, é gente aconselhando e esse treinamento de PNL. Isso, assim, ajudou muito a gente, eu e principalmente meu marido, assim, para a gente lidar com tanta coisa com a loja, trabalhar junto. Imagine, as pessoas perguntam: “Como vocês conseguem trabalhar lado a lado, marido e mulher?”, né? Se a gente não tivesse, assim, esses cursos, (risos) essas coisas, acho que... porque não é fácil também. E aquilo que falei para você: de repente você lidar com situações, a pessoa olhar para a tua cara e falar que ela não vai ter o dinheiro para te pagar e você, dá vontade de você... né? Aí você tem que ter um jogo de cintura imenso, você tem que... é assim, muita coisa que envolve. Então tem que, você tem que trabalhar muito a sua mente e o seu espiritual, tem que trabalhar muito você mesmo como pessoa, como ser humano, para você conseguir realmente tocar um comércio assim, senão não consegue mesmo.
P1 – Maravilha. A gente está começando a encaminhar para o final, Teresa. Willian, você tem alguma pergunta, alguma coisa que tenha passado?
P2 – Eu ia perguntar dos filhos, né? Os filhos escolheram profissões diferentes, bem diferentes e se eles planejam, né, depois dar continuidade com a loja. Como é que é isso, como é que você vê o futuro aí?
R1 – Olha. Verdade. Você fez essa pergunta, né? Eu incentivei meus filhos a buscarem realmente o que eles queriam. O meu filho com dezesseis... os meus dois filhos, sempre ajudaram a gente na loja. O meu filho, desde pequenininho, ajudava a atender, né, ele cuidava da loja, atendia e durante... até dezesseis anos, foi quando ele prestou o CTI, que ele... né? Porque um dia, aqui na loja, ele vendo um rapaz mexendo no sistema, olhou e falou: “Mãe” - ele ia fazer elétrica - “eu sei o que eu quero: informática”. E aí foi quando ele partiu para essa área e aí ele fez o CTI, depois ele fez a faculdade, né, Sistema de Informação e depois ele fez o gerenciamento de projeto, a pós ele mesmo que pagou. Ele foi assim: com 17 anos ele já era totalmente independente, já cuidava das coisas dele, já tinha o trabalho dele, né? Mas quando ele trabalhava aqui na loja, ele tinha o salarinho dele, ele trabalhou. E ele, até hoje, o Danilo é meu consultor aqui e a Luciana também. A Luciana trabalhou na loja até um certo tempo. Ela começou a fazer a Veterinária, aí ela precisou, exigiu mais tempo dela, mas ela sempre esteve aqui acompanhando tudo, tudo, tudo. E até hoje, tudo o que se passa aqui dentro da loja, o Danilo e a Luciana fazem parte de tudo, a gente reúne. Todas as decisões que a gente tem que tomar, eles fazem parte. Eu sei que, se um dia, acontecer qualquer coisa comigo ou com meu marido, eles têm a profissão deles. Eu não sei o que eles vão fazer, mas se eles chegarem aqui hoje, entrar aqui hoje na loja, eles sabem tocar essa loja aqui certinho, da forma como a gente tocaria. É que realmente eu os incentivei a buscarem o sonho deles, porque eu sempre falei: “A gente não tem sábado, não tem domingo, não tem feriado, a gente trabalha muito”. Não que isso, né, me entristeça. A gente trabalha, tem hora que eu falo assim: “Nossa, né, ah, queria um final de semana, ficar final de semana em casa com a família, um domingo”. E hoje eu já posso até um pouquinho fazer mais isso, mas teve época que eu não podia mesmo. Hoje a gente tem mais funcionários, mas assim, não tinha. Então, eu falei para eles, eu falei assim: “Olha, busquem os seus sonhos, realizem o que vocês... né, vão realizar o que vocês gostam”. Minha filha se tornou veterinária, para realizar acho que o sonho do meu pai, que ela não chegou a conhecer, mas ele queria que eu fosse veterinária e, no fim, ela foi veterinária, né? Então, acho que, de certa forma, realizou, porque eu queria ser vendedora (riso). E eles, assim, gostam daqui e eles sabem tudo o que se passa aqui, tudo. E até eu falo que o Danilo é meu consultor, porque tudo o que eu preciso, assim, decidir, as coisas que eu preciso, né, até a Luciana também, mas o Danilo por ele ser mais Exatas, então ele está a par de tudo, ele me ajuda, ele: “Mãe, faz assim, que é melhor”. Essa parte, principalmente agora, dessa nova geração, né, até como tratar funcionário, ele me ajuda muito nisso, porque é uma visão diferente, né? Eu busco muito isso neles, porque eu falo: “Eu olho a empresa de uma forma, mas eles, de fora, olham a empresa de outra forma”. Então, eu aceito muito a opinião deles.
P1 – Eu tirei o meu áudio, porque caiu um pé d’água agora e aí ia interferir o seu áudio.
R1 – (riso) É. Aqui parece que está chovendo também.
P1 – Não, aqui já deu uma chuvona. E, assim, a gente indo pra um momento de reflexões, né, a gente está gravando, assim, à distância, por conta da pandemia, né e o comércio ficou bastante tempo fechado, abre e fecha, né? Então, assim, vamos usar esse momento para reflexão, assim: quais foram os desafios e os aprendizados para o comércio, para a sua atividade durante esse tempo aí de 2020, principalmente, Teresa?
R1 – 2020?
P1 – É, por causa da pandemia.
R1 – Uhum, olha, para mim, 2020 eu posso dizer assim que, ao invés do que aconteceu com outras pessoas, né, com outras empresas, para nós foi diferente. Porque nós entramos, né, no essencial. Então, a gente trabalhou muito, muito mesmo. Chegou, quando começou tudo, todo mundo assustado, o meu contador falou: “Ó, dá férias”, né? E a gente deu férias para os funcionários e depois, no dia seguinte, a gente ficou sabendo que a gente podia abrir e ficou eu e meu marido trabalhando aqui sozinhos, nós dois. A gente trabalhava dia e noite, dia e noite. E foi assim. Com todo mundo fechado, graças a Deus a gente vendeu, foi bom para nós, né, a gente conseguiu até recuperar coisas que já há algum tempo estava muito difícil. Porque as pessoas tiveram que se preparar para o home office; mães que precisavam ter aula em casa, preparar a televisão para o filho ficar em casa; adultos que trouxeram os pais para morar junto e precisavam adequar a casa, né, com segurança. E nós tínhamos tudo isso. Então, a gente trabalhava dia e noite, trabalhamos muito e desde então a gente não parou, a gente não parou. Então, assim, para a Eletritel, para nós, eu tenho uma gratidão imensa, né, todos os dias eu agradeço a Deus, porque eu consegui manter todos os meus compromissos, consegui manter os meus funcionários, não precisei entrar em... né, como o pessoal, diminuição de salário, essas coisas. E agora, a experiência, assim, triste é realmente ver amigos da gente que não conseguiram passar pelo mesmo e tiveram muitas dificuldades, pessoas que a gente até tentou ajudar, né, pessoas que até não conseguiram ver uma nova forma, porque algumas pessoas encontraram uma nova forma de viver a situação, né? Ah, não posso fazer desse jeito, mas encontrou uma nova forma, mas as pessoas que não conseguiram enxergar isso, né, porque se você não consegue enxergar de uma forma, tem que fazer de outra. Vamos fazer acontecer, né? Mas a tristeza foi isso. E hoje, assim, eu vejo que a gente, né, está nessa fase vermelha e o Mary Dota está unido, né, até por sinal fui eu que criei um grupo e coloquei todos os comerciantes e falei assim: “Gente, a gente tem que se unir, a gente tem que lutar”. E está todo mundo trabalhando. Fase vermelha, ninguém fechou, está todo mundo atendendo adequadamente, com segurança, com precaução, tomando os devidos cuidados. Mas as pessoas não podem parar de trabalhar, não pode, né, deixar de ter o... as pessoas não podem parar, né, de trabalhar. Então, é bem isso mesmo: duas realidades, você... eu falo assim que eu tenho essa gratidão, me preocupa o amanhã, que eu não sei até quando vai isso, me preocupa muito. Eu tenho meus funcionários, eu converso muito com eles, a gente tem essa preocupação, a gente não sabe até quando a gente, né, vai manter tudo isso também. Então é... mas eu tenho fé em Deus que, se Deus quiser, vai passar tudo, né, logo. Tem que...
P1 – Vamos sair dessa, né? (riso)
R1 – É, vamos sair dessa, urgente.
P1 – Teresa, tem alguma coisa que a gente não perguntou, que você gostaria de deixar registrado ou que a gente passou batido e que você gostaria de falar mais?
R1 – Acho que não, falei bastante, né? (risos)
P1 – Mas passa rápido, né?
R1 – É, passa rapidinho. Mas acredito que não. Eu vejo, uma coisa que eu falo das pessoas que, né, se de repente alguém tem vontade de abrir um comércio no Mary Dota, algumas pessoas vêm perguntar para mim, eu falo assim: “Olha, se você quer realmente ter um comércio no Mary Dota, se prepare para trabalhar diferente das outras pessoas”. O Mary Dota é diferente, né, porque na cidade é uma outra realidade e aqui a gente trabalha em horário onde os outros não trabalham. Então, eu falo: “Se quer realmente ter, prepare-se para trabalhar diferente”.
P1 – Muito. (risos) Bastante.
R1 – Trabalhar bastante (risos).
P1 – Maravilha! Então, para encerrar, a última pergunta que eu costumo fazer, é uma pergunta que eu gosto de fazer, é assim: mas a gente passou esse tempo, você está registrando a sua história de vida para o Museu da Pessoa, para o Sesc, para ter uma referência aí do seu negócio, do ramo de atividade, de como é um registro histórico também sobre o Mary Dota, né? O que você achou dessa experiência de ter dado uma entrevista, assim, mais longa, falando de você, da sua experiência, da sua história de vida? O que...
R1 – Ah, é gostoso, porque a gente relembra, traz, assim, a memória de coisas que a gente às vezes já tinha... não que tinha apagado, né, mas que a gente vai deixando, né? E é legal poder registrar isso. Eu não sei de que forma vai ficar registrado, mas é gostoso a gente poder passar, eu gosto de passar essa experiência para as pessoas. Porque eu vejo assim: como, realmente, uma vitória. Para mim, desde o início da minha trajetória assim, foi, cada dia, uma vitória nova e eu gosto muito de passar isso para as pessoas, para que elas acreditem que é possível, né? Se tem um sonho, tem que correr atrás, fazer acontecer, mas não ficar sentado esperando, porque não vai acontecer também, tem que correr atrás, correr atrás.
P1 – Maravilha! Então, assim, em nome do Museu da Pessoa, do Sesc São Paulo, do Sesc Bauru, agradeço muito a sua entrevista, a sua disponibilidade com o projeto. Foi uma linda entrevista, acho que super retratou, né, o Mary Dota, o ramo de material elétrico, assim. Eu super agradeço a sua participação, viu, Teresa, obrigada mesmo.
R1 – Obrigada vocês.
P2 – Gostaria também de agradecer à Dona Teresa, super me atendeu bem, conversou comigo, gostei bastante também e obrigado pela paciência também.
R1 – Ah, imagina. Obrigada, viu?
P1 – O Caio vai desligar o gravador e a gente termina.
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