Projeto CSP
Depoimento de Maria da Paz Teófilo da Silva
Entrevistada por Luiz Gustavo Lima
São Gonçalo do Amarante, 1 de junho de 2014
CSP_HV015_ Maria da Paz Teófilo da Silva
Realização Museu da Pessoa
P/1 – Dona Maria, primeiro, eu queria agradecê-la por permitir-nos entrar na sua casa e poder fazer esse bate-papo tranquilo.
Para começar, queria que a senhora falasse o seu nome completo.
R – Maria da Paz Teófilo da Silva.
P/1 – Queria saber quando e onde a senhora nasceu.
R – Sou do dia 28 de junho de 1965, filha natural de Fortaleza.
P/1 – E os seus pais quem são?
R – Os meus pais são: Maria Nogueira Teófilo e José Teófilo da Silva.
A minha mãe era daqui.
P/1 – Também?
R – Ela é filha natural.
VOZ – Sou de Fortaleza, mas sempre fui criada aqui.
Nós fomos para Fortaleza para viver lá.
P/1 – Ela nasceu aqui?
R – Minha mãe nasceu aqui.
Ela é do dia 08 de dezembro do 1937.
P/1 – A senhora tem irmãos?
R – Somos em seis irmãos: três irmãs e três irmãos.
Foram 12, mas seis não se criaram.
P/1 – E a senhora está entre os mais novos ou os mais velhos?
R – Eu estou entre os mais velhos.
P/1 - A senhora ouviu as histórias da família?
R – O meu pai ela conheceu em Fortaleza, só que ele é de outro lugar.
Ele morava na Água Verde.
Ele trabalhava lá em Fortaleza.
Eles se casaram e então nascemos.
Ela foi me ter em Fortaleza, mas só que eles viviam aqui.
Passei um tempo aqui e, depois, fomos embora de novo para lá.
Agora, voltamos de novo.
P/1 – E a senhora sabe se em Fortaleza a senhora nasceu em hospital ou de parteira?
R – Foi na Maternidade Escola.
P/1 – No hospital.
Vamos tentar lembrar de como era a primeira casa em que você viveu.
Você consegue se lembrar disso?
R – Essa casa aonde eu mesmo nasci foi do Jirau.
Uma casinha de palha.
Só que eu já me lembro a partir dos quatro anos.
Eu sei que morávamos numa casinha de palha e com uma tia.
Era a coisinha mais bonita - eu achava a coisa mais linda do mundo.
Eu achava interessante.
Eu me lembro de muita coisa boa e também de muita coisa que não era boa.
Não tínhamos condições e as pessoas trabalhavam muito.
Não é como hoje.
P/1 – Vamos tentar entender as coisas boas e ruins.
O que era bom nessa casa?
R – Eu achava bom o clima, era muito gostoso, aquela coisa de interior mesmo.
VOZ – Brincava no pé-de-pau.
R – Brincava (risos).
VOZ – Atrás de ninho de passarinho (risos).
P/1 – Como é que eram as brincadeiras?
R – Brincávamos com sabugo de milho, que eram as bonecas.
Tinha uns pepinos de quando lavava a louça.
Furávamos e fazíamos as brincadeiras.
Era cavalo ou a coisa que a gente queria que fosse.
Colocávamos uns pauzinhos no chão.
Essas eram as brincadeiras.
Tinha a quenga, com dois cordões que saía brincando no chão.
Era muito bom, eu gostava.
P/1 – E onde a senhora dormia?
R – Dormíamos juntos nessa casa de palha.
Tudo era de palha: telha, parede.
.
.
P/1 – E como era a cama?
R – Não tinha cama, nesse tempo não existia isso.
P/1 – Mas como era o lugar onde se deitava?
R – Era uma redezinha de saco.
Nesse tempo era rede de saco e quase não tem mais.
Eu achava muito bom.
P/1 – Você viu os outros irmãos nascerem? Onde eles nasceram?
R – Nasceram no hospital.
P/1 – Você se lembra de como é que fazia quando alguém ficava doente naquela época?
R – Dava remédio caseiro.
Era só o que as pessoas faziam.
Se fosse alguma coisa grave levava para a rezadeira.
P/1 – A senhora se lembra de alguma rezadora dessa época?
R – Não, já morreu.
P/1 – A senhora lembra o nome?
R – Lembro.
Desse tempo era a Dona Conceição, uma rezadeira muito boa.
A maioria corria pra lá.
P/1 – A senhora já precisou?
R – Já.
Eu precisei, os meus filhos precisaram.
Agora eu não preciso mais, porque ela morreu.
Deus a levou.
P/1 – Como era o dia a dia nessa casa? Como é que era a alimentação?
R – Era muito difícil, não tinha trabalho.
Naquele tempo, as coisas eram muito difíceis porque a pessoa trabalhava, mas o dinheiro que a pessoa ganhava não dava para comprar o necessário para ela se alimentar.
E era assim muito.
P/1 – Eu esqueci de perguntar a profissão dos seus pais?
R – Era na agricultura, eles trabalhavam na roça.
P/1 – Qual era o tipo de produção?
R – Era mandioca, feijão, milho e coisas assim.
P/1 – Vocês vendia o excedente, aquilo que sobrava?
R – Na época eles plantavam só para o consumo mesmo.
Às vezes, aquela pessoa ia fazer uma farinhada na casa de uma pessoa que tinha a casa de farinha.
Aí, a pessoa dava aquela quantia para a pessoa.
P/1 – Enquanto criança, a senhora chegou a frequentar a casa de farinha? O que ia fazer lá?
R – Eu ia rapar mandioca.
Eu achava bom.
E comia o mexerico.
(risos)
P/1 – O que é mexerico?
R – Mexerico é o que fica da farinha quando ela torra.
Fica aquele pozinho roxeado, bem crocantezinho.
Eu achava bom.
Ajuntava, colocava numa quenga e comia.
Era tão bom (risos).
P/1 – E a questão de ralar a farinha?
R – Rapávamos a mandioca.
Tinha as pessoas para arrancar, para trazer para casa de farinha para as mulheres raparem a mandioca.
Depois serrava e ia espremer.
É um trabalho.
Depois era prensado.
P/1 – E vocês ficavam quanto tempo fazendo isso?
R – Às vezes, passava semanas, ume mês.
Quando era farinhada grande era de um mês.
P/1 – A senhora consegue nos contar todo o processo da farinhada até ela ficar pronta?
R – Rapava e serrava a mandioca.
Depois, colocava num tanque, colocava agua e ia espremer para tirar a goma.
Depois, com aquela goma tirada, colocávamos para prensar e ela ficar seca e, assim torrar a farinha para ficar pronta.
Tirávamos aquela goma.
Quando era para lavar era quase do mesmo jeito, nada de colocar para secar.
Era como a farinha.
Só que tinha que ser em forno brando para a goma.
P/1 – E a senhora falou que frequentou pouco a escola?
R – Foi muito pouco.
P/1 – E lá no entorno do lugar tinha alguma escola? Como era isso?
R – Tinha quando morávamos em Fortaleza, mas era muito difícil porque o meu pai não tinha emprego fixo.
Tinha um pessoal que ensinava, mas não era em colégio.
Pagávamos cinco reais por semana.
Naquela semana que tivesse o dinheiro para pagar, você ficava e continuava estudando.
Quando não tivesse, parava.
Era assim.
Eu não aprendi muita coisa.
O que eu aprendi foi fazer meu nome.
Isso eu sei.
Já as minhas outras irmãs - tenho uma irmã que nunca aprendeu o seu nome.
Mas eu aprendi, graças a Deus.
Eu não sei ler muito, não vou dizer que eu sei ler, mas para onde me colocarem eu vou.
Basta a pessoa me dizer aonde é que eu vou, que eu bato lá em cima.
Era difícil.
Depois, fui ser dona de casa ainda muito nova e estou até hoje.
Sou uma dona de casa (risos).
P/1 – Vamos chegar lá.
Primeiro, onde você morou em Fortaleza?
R – No bairro Quintino Cunha.
P/1 – Você começou a crescer e a ficar mais mocinha.
Como ficou a vida? A senhora trabalhava?
R – Sim.
P/1 – E como era o trabalho?
R – A minha mãe trabalhava e nós cuidávamos dos outros irmãos mais pequenos.
Era assim que se fazia: ela trabalhava, lavando roupa e essas coisas assim, e nós ficávamos em casa, cuidando dos irmãos menores.
P/1 – E a senhora cuidou dos irmãos até quando?
R – Até eles ficarem grandes.
VOZ – Quando ela começou a cuidar do último irmão, ela tinha sete anos.
P/1 – E o que a senhora achava de melhor e de mais difícil nessa questão de cuidar de uma criança?
R – Eu achava bom e ruim.
Às vezes eu me zangava.
P/1 – Mas como era cuidar de alguém naquela época?
R – Eu achava fácil, porque uma criança cuidava de outra, só que com um entendimento menor.
Eu já era mais entendida e cuidava deles.
P/1 – O que a senhora fazia nessa época?
R – Eu fazia comida para eles, o mingau com leite.
A minha mãe saía e já deixava a quantidade certa para eu fazer.
“Fulano, você vai fazer isso; Cicrano, você vai fazer aquilo ali”.
Era assim, cada qual tinha a sua tarefa para fazer.
Era desse jeito.
P/1 – E isso foi assim até a senhora se casar?
R – Eu me ajuntei muito nova.
Sei que eu cuidava dos meus irmãos e, depois, vim para cá, já com uns oito ou nove anos.
P/1 – Tinha algum momento de lazer no meio de toda essa trabalheira?
R – Na nossa época não existia lazer para nós.
P/1 – Nem uma festa de santo?
R – Às vezes, mas tinha que pelejar muito.
Rezávamos primeiro, pedia a Deus para abrandar o coração da mãe, para ela nos deixar a uma praia.
Às vezes, Tinha que ir com mais uma pessoa maior de idade.
Mas não tinha lazer.
P/1 – Mas, das poucas vezes que foram possíveis, do que que a senhora se lembra? Por que era legal ir à praia?
R – Eu me lembro de parque, de circo, que a gente saía escondido dela (risos), deixava uns cabos de vassoura dentro da rede e se mandava no mundo.
Ela não nos deixava sair.
Tinha que ser escondido.
Nós íamos para o parque e para o circo.
A diversão era essa.
Às vezes, íamos escondidas a um colégio que fazia festas.
P/1 – E a senhora tem alguma história que a senhora lembra, assim, para contar desses momentos?
R – Eu me lembro que era tudo muito agitado, que eu só andava com medo de quando chegasse em casa e ela pegasse para meter o pé.
Quando eu ia para as festas, eu e a minha irmã mais velha, deixávamos os paus dentro da rede, porque quando ela acordava e ia olhar, veria os paus e pensaria que éramos nós lá dentro da rede”.
A gente ia com medo de ela nos pegasse na volta e metesse a peia.
P/1 – E já chegou de acontecer isso?
R – Uma vez ela nos pegou quando estávamos chegando.
Ela meteu a peia.
Ave, Maria! Mas a minha infância não foi muito dessas coisas, porque logo, quando eu ainda ia fazer doze anos eu conheci o pai dos meus filhos.
Ele era mais velho e eu não tive muita oportunidade de brincar, de ter aquela infância.
P/1 – E como a senhora conheceu ele?
R – Em Fortaleza, ele morava lá.
Eles moravam aqui em Caucaia e foram embora pra lá, onde eu o conheci.
P/1 – Como é que foi essa ocasião? Quando se deu isso?
R – Acho que foi em 1980 que eu o conheci.
O meu primeiro filho eu tive em 1981.
Eu acho que eu ainda ia fazer uns 13 anos quando o conheci e logo me ajuntei a ele.
P/1 – Mas como é que isso conheceu? Como foi essa história?
R – Eles eram vizinhos.
Eu não queria.
Ele era uma pessoa que gostava de ameaçar.
Quando eu era nova tinha medo das coisas, ouvia os exemplos.
Acho que eu me ajuntei a ele por medo, não foi por amor, por gostar.
Foi só pelas ameaças.
Dizia que se eu não o quisesse ele me matava, que faria isso e aquilo.
Eu tinha medo e me ajuntei com ele.
Não foi essas coisas.
Mas aí, eu me ajuntei com ele.
P/1 – A senhora ficou quanto tempo casada com ele?
R – Passei 19 anos.
Eu sofri muito, passei muita coisa ruins.
Eu tive oito filhos dele, mas só criei quatro, os outros morreram.
Ele era uma pessoa muito agressiva.
Quando ele estava bom, era uma boa pessoa; mas quando ele tomava uma bebida, pronto, a coisa já mudava.
Ainda passei 19 anos com ele, mas foi amargoso.
P/1 – Qual era a profissão dele?
R – Ele era operador de máquinas.
P/1 – Trabalhava na indústria?
R – Sim.
P/1 – Qual indústria, a senhora lembra?
R – Ele trabalhou na Emplac, ficava lá mesmo onde morávamos.
Ele trabalhava, eu estava lembrada aqui das firmas em que ele trabalhou.
P/1 – E o que se deu para vocês se separarem?
R – Ele arrumou outras mulheres e judiava muito comigo.
Eu decidi que eu não queria mais viver com ele.
P/1 – E ele aceitou?
R – Ele já vivia com outra mulher há nove anos e não aceitou.
Ele não queria que eu viesse embora, mas se eu ficasse lá era a mesma coisa, ele ficava sempre perturbando.
E eu notei que ele era muito agressivo e eu não quis mais.
Vim embora para cá.
P/1 – Como foi esse processo de separação?
R – Não foi muito fácil porque eu não tinha trabalho.
A minha mãe vinha embora para cá ajeitar a aposentadoria dela e eu resolvi ir com ela.
Eu peguei os meus filhos e fui embora.
Mas foi muito ruim, muito difícil.
Tem coisas que eu não gosto nem de me lembrar.
Eu passei muita coisa difícil e ruim.
P/1 – E como foi chegar aqui?
R – Quando cheguei aqui eu comecei a trabalhar rapando mandioca.
Eu passava um dia na casa de uma pessoa fazendo faxina.
Foi assim que sobrevivemos.
P/1 – Aqui é o Bolso?
R – Estamos falando do Bolso.
Dessa época em que eu me separei dele, em que eu fui embora, estou falando do Bolso.
P/1 – E como era o Bolso?
R – Eu achava muito bom o Bolso, um lugar muito calmo, tranquilo.
Não era um lugar assim que tivesse essas atribulações.
Era uma coisa muito boa.
Só não tinha trabalho para as pessoas.
O trabalho era só na roça.
Agora, quando começou a surgir essas empresas, apareceram os empregos para os homens e ficou melhor.
P/1 – Mas, ainda naquela época, qual foi o impacto de quando chegou aqui?
R – De calmaria, eu achava muito bom.
Eu fui trabalhar para criar os meus filhos que eu trouxe de lá, porque eu não tinha quem me desse nada.
P/1 – A senhora lembra a idade deles na época que a senhora veio de lá?
R – A minha mais velha tinha sete anos quando eu vim para cá.
O outro tinha seis, a outra tinha oito anos.
O mais novo tinha um ano e seis meses quando eu vim para cá.
P/1 – Você ficou morando junto com a sua mãe?
R – Sim, fiquei morando junto com a minha mãe.
P/1 – E o seu pai?
R – O meu pai também veio embora para cá.
Ele ficou lá, mas veio embora.
Ficamos morando juntos.
Nesse tempo eu conheci esse outro rapaz com quem eu vivo hoje.
P/1 – Como foi isso?
R – Ele é meu primo legítimo.
P/1 – Como foi essa história?
R – Eu achei bom porque foi a primeira vez que - acho que eu não tive aquele tempo de conhecer uma pessoa que eu gostasse, que eu simpatizasse.
Ele já andava muito lá na minha casa, na casa da minha mãe em Fortaleza.
Quando eu cheguei aqui não deu outra, eu me ajuntei com ele.
Já está com 20 anos.
P/1 – E teve alguma ocasião especial para esse enlace acontecer?
R – Não.
Já nos conhecíamos da cidade, mas só que não conversávamos.
Não passava nem pela minha cabeça porque ele é dez anos mais novo do que eu.
Então, nunca me passou pela cabeça.
Eu o conheci e nos ajuntamos.
Temos dois filhos: o mais novo tem 16 anos.
Até hoje eu vivo com ele, graças a Deus.
Eu acho muito bom porque eu não tive tempo de conhecer uma pessoa que me desse valor e que eu gostasse dessa pessoa.
E agora foi que eu o encontrei.
Graças a Deus, ainda estou com ele e pretendo viver o resto da minha vida com ele.
P/1 – No Bolso a senhora trabalhava fazendo as faxinas.
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R – Era farinhada, rapando mandioca, espremendo goma, eu vivia assim.
P/1 – E tinha alguma outra atividade que a senhora fazia além dessas?
R – Só cuidava de casa mesmo quando eu chegava.
Eu trabalhava no bar para a Francisca Antoele.
Era só aos domingos que eu trabalhava.
P/1 – O que você fazia lá?
R – Eu lavava a louça, fazia comida, entregava.
Lá era um bar, tinha a lagoa que o pessoal tomava de banho e ficava bebendo e comento aquele tira-gosto.
P/1 – E isso era bom ou ruim?
R – Pra mim era bom, eu achava bom.
Achava ótimo.
Mas o que eu sinto mais falta é da casa de farinha (risos).
P/1 – Por que?
R – Ave Maria! Era muito bom, muito gostoso.
Eu acho que ali naquela casa de farinha eu esquecia dos problemas.
Eu ficava ali rapando aquela mandioca, aquela coisa, com aquela vontade mesmo.
Eu achava bom.
Eu gostava.
O trabalho que eu sinto mais falta é desse aí.
P/1 – Como é o nome do seu esposo?
R – Jucineudo Nogueira de Oliveira.
P/1 – E aí, você conheceu o Jucineudo, teve dois filhos.
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R – Dois filhos dele.
Tenho um com 18 e tenho um com 16.
P/1 – E teve a mudança do Bolso para cá.
R – Assentamento Nova Vida.
P/1 – Quando isso se deu?
R – Isso foi em 2009, quando começou a revolução, o negócio das desapropriações.
Eles iam nas casas para perguntar quem queria e quem não queria sair.
Eu fui uma das que aceitou logo, porque lá onde eu morava era muito difícil para pegar um carro.
Para ir a São Gonçalo do Amarante tínhamos que ir a pé.
Como eu cuidava também do meu pai, eu tinha muita dificuldade para sair com ele e para levá-lo ao hospital, era muito ruim.
Quando veio a desapropriação, eu achei bom.
Logo eu coloquei o meu nome para sair de lá.
O meu marido veio aqui, olhou a casa e compramos uma ali embaixo.
Essa daqui eu ganhei do Governo.
A outra casa que eu tenho é lá embaixo.
Com o dinheiro da desapropriação de lá, eu comprei a outra aqui.
Foram uns 18 mil e uns quebrados, na época.
Ganhávamos uma casa.
Eu sei que, graças a Deus, até hoje, eu acho bom.
Eu gosto daqui, mas sempre fica aquela coisa: não deram a casa de farinha para trabalharmos e, assim, não tem nada para fazermos.
É só aquilo: vou me deitar e assistir televisão.
P/1 – Dona Maria, a senhora falou que foi uma das primeiras a aceitar sair do Bolso.
O que foi que lhe chamou tanta atenção e fez se desprender logo do Bolso e ir para outro lugar que a senhora não conhecia?
R – Eu achei que era melhor porque era difícil o acesso que se tinha para ir a São Gonçalo do Amarante.
Para resolver alguma coisa tinha que andar muito.
Eu achei melhor ir para um lugar mais central, porque se houver alguma necessidade de noite, como uma doença ou outra coisa, não tínhamos como chamar um carro para entrar porque lá não entrava carro, era no meio do mato.
Ficava só aquele povoadozinho, o pessoal da mesma família de onde a gente morava.
P/1 – A senhora lembra como foi a conversa da empresa com as pessoas para falar da retirada das pessoas do Bolso?
R – Eles falavam que não podia ficar a casa perto de onde iriam fazer a indústria.
Eles estavam tentando conversar com outras pessoas para ver se eles entendiam e faziam a mesma coisa.
Graças a Deus, entrou todo mundo em acordo e saímos numa boa.
P/1 – O que você achou da chegada das indústrias
R – Eu achei bom porque surgiu muito emprego.
Não é para todos, porque aqui não tem gente preparada para essas indústrias que chegaram agora.
Mas tem muitos que trabalham, como servente, pedreiro e essas coisas assim.
Eu achei muito bom porque já desapropriaram o lugar de onde morávamos, mas surgiu muita coisa boa, como o emprego para os homens.
Paras as mulheres mais velhas não, mas para os mais novos tem muito emprego.
P/1 – A senhora disse que teve quantos filhos mesmo?
R – Eu tive dez, mas cinco morreram.
Eu tenho o Cláudio, o Clailton, Eliel, Daniel e a Daniele.
São quatro homens e uma mulher.
P/1 – A morte foi no parto?
R – Não, um morreu quando tinha seis meses de nascido.
Os outros três foram com seis meses de gravidez.
P/1 – Eu queria saber dos partos.
A senhora sempre teve no hospital ou teve algum parto em casa?
R – A mãe delas eu tive em casa.
Eu morava em Fortaleza, mas eu tive em casa.
Porque eu tinha a outra, que era muito pequenininha, e ainda ia fazer um ano quando a outra nasceu.
Eu tive em casa, com pena de deixar a outra, que era muito apegada a mim.
Pensava assim: “Oh, Meu Deus! Ir para a maternidade e deixar a bichinha aqui sozinha”, porque eu morava com a minha mãe, mas não era do mesmo jeito.
Eu a tive em casa.
P/1 – E como é ter filho em casa? Quem ajudava?
R – Eu não achei muita dificuldade.
Achei melhor do que no hospital.
P/1 – Por quê? Explica pra gente.
R – Porque a parteira era muito paciente, atenciosa, ela vinha e examinava.
“Tal hora você vai ter”, e naquela hora marcada que ela dizia, eu tive.
Não precisava daquele alvoroço, de estar correndo para lá e para cá.
Eu achei bom.
Não achei ruim, não.
P/1 – O primeiro a senhora teve no hospital?
R – O outro eu tive quando eu estava com seis meses de gestação e foram em casa.
Já os outros eu tive na maternidade - um morreu com seis meses depois que nasceu.
Os outros foram com seis meses e já nasceram mortos.
Eu tive tudinho em casa: quatro em casa.
Que é a mãe delas, e os outros três.
P/1 – Era sempre a mesma parteira que ajudava?
R – Não.
P/1 – A senhora lembra o nome das parteiras?
R – Esses outros que eu tive em casa foi sozinha.
Eu e Deus.
P/1 – Como é que fazia para aparar a criança? Como é que era isso tudo?
R – Quando eu via que eu ia ter eu chamava a minha sogra.
Mas, quando nascia, já nascia morto os bichinhos.
Só teve um que ia fazer sete meses - ele ainda nasceu vivo.
Mas os outros dois nasceram mortos.
P/1 – Você teve filhos que nasceram e cresceram em casa?
R – A mãe delas eu tive em casa.
Ela morreu com 22 anos, quando ela se envenenou.
Eu tive ela em casa, mas eu não achei ruim, não.
P/1 – Quem cortava o umbigo? Quem fazia esses procedimentos?
R – Era essa parteira.
A parteira já conhecida de muitos anos.
Ela já tinha pegado até os meus irmãos também - porque alguns nasceram em casa.
Ela era muito boa, muito experiente.
Mas, graças a Deus, esses outro eu tive todos na maternidade e não foi preciso ter em casa.
P/1 – E a senhora falou da diferença de ter em casa com a parteira e ter no hospital.
Preferiu ter em casa?
R – Eu preferi ter em casa por causa da outra que era pequenininha.
Eu tinha pena de deixar a bichinha em casa.
Mas eu não achei ruim, nenhuma dificuldade.
P/1 – No hospital você teve parto normal ou parto cesariano?
R – Tive parto normal.
Todos foram normal.
Do meu menino que tem 36 anos eu tive eclampse, na hora do parto, e eu quase morri.
Do mais novo, que eu trouxe de lá, eu também quase morri no hospital.
P/1 – Já do segundo casamento?
R – Não, do primeiro ainda.
Do segundo, graças a Deus, eu cheguei na maternidade, tive, pronto e acabou.
Veio bem ligeirinho e não tive trabalho algum.
Comecei a sentir no mesmo dia em que eu tive.
Agora, os outros, eu passava dois, três dias sentindo aquela dor, aquelas coisas ruins, mas desses outro não.
P/1 – A senhora já chegou a ajudar em algum parto?
R – Já.
Uma mulher, que morava para lá, não deu mais tempo de chamar o carro para leva-la ao hospital.
O nenê nasceu e eu peguei, cortei o umbigo dele.
P/1 – E como é que fazia?
R – Eu perguntei a uma senhora já mais velha, que era até rezadeira, a minha madrinha Chicó: “Madrinha, me diga uma coisa, como é que corta o umbigo?”.
Ela disse assim: “Minha filha, você mede três dedos e corta o cordão umbilical.
Quando acabar, amarre bem amarrado que para não soltar.
E assim eu fiz, graças a Deus.
Esse menino, quando eu saí de lá, ele já estava já com quase cinco anos.
Ele me chamava de mãe, ave Maria, eu gostava tanto dele.
Depois que eu vim embora de lá eu não voltei mais.
P/1 – Para o Bolso?
R – Não, para Fortaleza.
Esse menino que eu cortei o umbigo dele foi lá em Fortaleza.
P/1 – Como é que era a sensação de participar de um parto?
R – É uma sensação que eu não sei nem explicar.
É como um impulso.
Você vê aquela pessoa precisando e vai naquela vontade de ajudar.
Eu achei boa essa experiência que eu tive.
P/1 – E aconteceu isso quantas vezes?
R – Aconteceu umas três vezes.
Eu até quase peguei um bebê da minha irmã, só que ela era muito alarmenta (risos).
Eu disse: “Não.
Vamos leva-la ao hospital mesmo”.
Eu levei ela ao hospital.
E uma prima minha também.
P/1 – A senhora ainda tem notícia de pessoas aqui do entorno, vizinhos e conhecidos que ainda tem parto em casa?
R – Não.
Porque não tem mais quem tenha menino em casa, de jeito nenhum.
Só tem em casa se não ter tempo de ir para a maternidade.
Às vezes, levavam antes do dia.
O médico marca aquele prazo e, antes do dia, elas já vão.
P/1 – Você tem quantos netos?
R – Eu tenho cinco, na raspa dos seis: o Danislam, que é o mais velho; a Mariane, a Micaeli, a Kauane, o Diego e outra que vai nascer agora.
Seis.
P/1 – E os cinco que já nasceram, já estão grandes, foram de parto natural?
R – Sim, parto normal.
P/1 – Todos no hospital?
R – Tem até uma sapequinha que mora aqui atrás da minha casa.
Ela tem dois anos, mas pensa numa coisinha.
O meu neto mais velho tem 14 anos.
A Mariane tem 13, que é essa que eu crio, e a outra tem nove.
Kauane tem dois e o Diego também.
Agora vai nascer outra menina.
P/1 – Já tem alguns anos que a senhora se mudou para cá?
R – Já vai fazer quatro anos.
Eu me mudei em 2010 para a Parada.
Já fazem dois anos qu eu moro nessa casa, porque eu morava lá embaixo.
Quando terminaram as casas, viemos morar aqui.
Se não viéssemos morar aqui, eles davam para outra pessoa.
P/1 – Como é a vida? A senhora já falou um pouco disso, mas como é? O seu marido faz o quê?
R – O meu marido é pedreiro.
Na época, ele era agricultor, trabalhava no cabo da enxada.
Mas ainda hoje, se precisar, ele trabalha no cabo da enxada.
Mas ele é pedreiro.
P/1 – E você acha que a vida melhorou ou ficou mais difícil dos últimos anos pra cá?
R – Eu achei que melhorou muito.
P/1 – Mesmo sem a casa de farinha?
R – Mesmo sem a casa de farinha.
Por uma parte melhorou.
P/1 – E o que melhorou?
R – Lá no Bolso não tinha trabalho para ele.
Aqui não.
Quando chegamos aqui as coisas foram ficando mais fáceis.
Ele trabalha uma, duas, três semanas, porque ele não gosta de ir atrás de firma, mas ele já trabalhou em firma.
Ele gosta de trabalhar por conta dele.
P/1 – Ele trabalha como mestre de obras?
R – Tem um rapaz que ele chama para ir trabalhar com ele.
Eles pegam o serviço e vão fazer.
P/1 – A empreitada?
R – É, empreitada.
Eu acho bom, mudou muita coisa, graças a Deus.
P/1 – E os filhos mais velhos, o que eles fazem?
R – Tem uma que mora ali e é dona de casa também, agricultora.
Tem outro que mora aqui atrás que trabalha na firma.
E o outro mora lá no Siupé, mas ele também nunca trabalhou em firma.
Ele é agricultor.
Esses outros aqui de casa não fazem nada.
O de 16 ainda estuda.
Tem um de 18 que não faz nada, nem estudar ele quis mais: “Não quero mais estudar”, e eu disse: “Tem que estudar”.
Nem quer trabalhar, nem quer estudar.
Dá um trabalho que eu vou lhe dizer uma coisa - tem que ter muita paciência (risos).
Eu acho que eu tenho até demais.
Tem dia que o pai se zanga: “Eu vou botar ele pra ir embora, para sair de dentro da casa”, e eu digo: “Rapaz, não vá fazer isso.
Vamos ter paciência, um dia ele se ajeita”.
Tenho muita fé naquele pai que, do mesmo jeito, o outro também era problemático.
Ave Maria! Faltava me matar.
Eu ficava doida de preocupação, passava dois, três dias no mundo bebendo.
Graças a Deus, melhorou.
Assim, vai ser o outro.
Já entrou para duas semana que ele não sai de dentro de casa.
Sai um pouquinho, mas logo volta para casa.
P/1 – A senhora falou que teve um acontecimento com a sua filha.
Como foi isso?
R – Foi lá no Bolso.
Na época, quando ela teve essa primeira menina dela - ela nunca viveu com o pai da menina.
Depois, ela começou a gostar do outro rapaz e teve essa outra e se ajuntou com ele.
Eu não queria que ela se ajuntasse, mas ela se ajuntou.
Ela tinha uma vida muito difícil porque ela não trabalhava e não tinha ninguém que desse nada a ela.
As coisas eram muito difíceis.
Sei que ela se ajuntou com ele, teve essa menina que estava com dois anos e seis meses.
Aí, ela pegou uma depressão muito grande e se envenenou.
Morreu.
Tomou de noite e, de madrugada, ela morreu.
Foi muito difícil.
Ainda hoje é difícil para mim.
Ave Maria! Eu acho que eu saí de lá por causa disso também.
P/1 – Da casa de cima ou do Bolso?
R – Do Bolso.
Saí mais por causa disso, porque, na época em que ela morreu, eu fiquei muito abalada.
Ela morava bem pertinho de mim e veio mais para baixo.
Eu fui atrás dela.
Fiquei morando bem pertinho dela.
Mas nessa época foi muito difícil.
P/1 – Ela se queixava para a senhora de alguma coisa?
R – Não, ela era uma pessoa muito alegre, ave Maria! Não tinha no mundo quem dissesse que ela tinha algum problema.
Quando ela tomou o veneno, que morreu, todo mundo disse: “Valha-me Deus! O que foi com a Andréia? Ela vivia doente, com algum problema?” Ninguém acreditou.
Foi de uma hora para a outra.
Isso vai fazer oito anos.
P/1 – Sobre a questão da religião, a senhora falou que há pouco tempo.
.
.
R – Eu era católica.
Então, uma filha minha, com dois meses ela ficou louca varrida.
Ela mora ali.
Eu chamei uns crentes para orar, mas eu já participava da igreja, mas eu nunca tinha dito: “Vou aceitar”, não.
Eu fui e chamei os irmãos para orar lá.
Foi daí que eu fui e disse que ia aceitar.
E aceitei.
Eu era católica, mas não ia à igreja participar de missa porque a igreja era longe e sair daqui para acolá é muito difícil.
O culto tem toda a semana, na segunda e na sexta.
É muito melhor, uma coisa para ficar orando, pedindo a Deus, agradecendo as coisas boas e as coisas ruins também, porque temos de agradecer por tudo.
Pra mim, eu acho que temos de agradecer por tudo.
Tem que agradecer a Deus por tudo que se passa, pelo bom e pelo ruim.
P/1 – Por que?
R – Porque eu acho que é uma maneira de agradecer a Deus por tudo.
Eu acho que só no querer d’Ele é que as coisas acontecem.
É pela vontade d’Ele.
Então, quando acontece uma coisa boa, eu agradeço e quando acontece uma coisa ruim eu agradeço do mesmo jeito.
Eu acho que é assim.
P/1 – E como está essa filha que está passando por esse problema?
R – Ela melhorou.
Ela já tinha passado.
Ela teve isso três vezes.
Ela fica louca varrida.
Ela não me conhece e nem ninguém.
P/1 – E ela faz algum tipo de tratamento?
R – Não.
A menina a levou num rezador e eu a levei no médico.
O médico passou uns remédios para ela, mas ela não quis e tomou pouco.
P/1 – Aqui na comunidade tem benzedeiras, rezadores?
R – Aqui mesmo só tem uma rezadeira que eu conheço, que mora no fim desse conjunto.
P/1 – Quem é?
R – Dona Maria Alzira, uma senhora já.
P/1 – Ela é sua conhecida ou amiga?
R – É conhecida, porque o irmão dela vive com a minha mãe, aquela senhora que estava aqui.
Mas a única pessoa que eu conheço que reza por aqui é ela.
Parece que o pessoal está mudando as tradições, as religiões.
Eu não entendo.
P/1 – E o que a senhora acha dessas mudanças?
R – Às vezes, eu fico imaginando assim: “Como é que a pessoa faz uma coisa e quer ser outra e, às vezes, não é nem uma e nem outra?”.
(risos) Eu não sei se é porque a pessoa acha muito difícil esse negócio de ser rezadeira, eu não entendo.
Mas tem poucas.
Antigamente, tinha muito rezador bom.
A pessoa chegava com o filho doente, ele dizia o que o seu filho tinha e, se fosse para morrer, ele dizia também.
Mas já não existe mais isso.
As pessoas correm para o médico, que é quem decide o que aquele menino tem, qual é a doença e qual não é.
É assim.
Antigamente, eu ia em rezador.
P/1 – O que será que o fez mudar tanto assim?
R – Não sei.
Tem muita coisa que precisamos entender.
Sei que antigamente tinha muito, muitos rezadores.
Não íamos nem ao médico, ia logo para o rezador.
Hoje não, tem é que correr logo é para o médico.
Porque, se não correr para o médico, às vezes, até morre.
Antigamente, a gente só tomava remédio caseiro: era um chá, não tinha injeção, não tinha comprimido (risos).
Hoje não: é comprimido, é injeção.
P/1 – E quando precisa de um médico, ele tá a quanto tempo daqui? Como faz para ir ao médico?
R – Pegamos o ônibus que vai para escola, que fica bem pertinho aqui da Parada.
Aí, quando tem consulta marcada, vamos de ônibus, pela manhã.
Se surgir alguma coisa, chamamos a ambulância ou o carro e pagamos.
Às vezes, a ambulância vem e leva.
Era assim.
P/1 – Demora quanto tempo para ir para lá de ônibus?
R – São cinco minutos.
De ônibus é perto.
Só não é perto, é a pé, porque saímos daqui pela madrugada para pegar uma ficha numa segunda-feira e, às vezes, só é consultado na quarta-feira.
P/1 – A senhora já passou por isso?
R – Eu já passei por isso.
Eu tenho problema de pressão alta e tomo remédio.
A cada três meses eu vou.
Mas, fora isso, eu não sou muito de ir ao médico.
Mas eu vou marcar o dentista para elas e para mim.
Mas, tirando isso aí, só de três em três meses que eu vou lá no posto para fazer um exame de sangue.
P/1 – Como a senhora acha que vai ser essa vida daqui para frente?
R – Eu quero que eles tenham alguma coisa boa pela frente.
Que eles estudem.
Graças a Deus, esse meu filho de 16 anos já está fazendo o terceiro ano.
Ele já vai terminar.
Tem essas duas netas que são muito estudiosas, graças a Deus, elas não faltam à aula.
E eu espero um futuro melhor para elas.
Já que eu não tive, não quero o que os meus filhos não tenham o que eu não tive.
Eu quero uma coisa boa para eles e que, daqui para frente, seja muito melhor do que tá sendo para mim.
Porque eu já estou ficando de idade, velha, estou com 48 anos, vou fazer 49 nesse mês.
Espero uma coisa boa para eles e um futuro melhor.
P/1 – A senhora falou para eles.
E o que a senhora imagina para você?
R – Eu imagino coisas boas também.
Coisa ruins eu não imagino, não.
P/1 – E o que é uma coisa boa?
R – Coisa boa é viver com saúde, com tranquilidade, com paz e amor.
É o que eu acho.
Eu não tenho raiva de ninguém e ninguém tem raiva de mim.
Eu gosto de todo mundo e todo mundo gosta de mim (risos).
Eu não trato ninguém mal e não ando dizendo nada das pessoas, que também não dizem de mim.
P/1 – Deu para perceber que a sua família mora bem perto.
R – A família mora todo por aqui.
P/1 – E como é que são os momentos de lazer em família? Como isso acontece?
R – É bom, é normal, moramos todos perto.
Um dia vamos na casa de um, outro dia vamos na casa do outro.
Nos vemos todos os dias, toda hora.
P/1 – Vocês organizam festas juntos? Alguma comemoração, um aniversário? Como é isso?
R – Às vezes, a minha irmã, quando ela vai completar ano, ela faz um almoço só para família: a minha mãe, irmãs, a família.
Isso é muito bom.
Tem uma mulher que mora em Fortaleza, ela é evangélica mas, de vez em quando, ela vem fazer um culto aqui.
Ela já veio na minha casa.
Fazemos um sopão e distribuímos a todos.
Eu acho bom.
P/1 – A senhora não é de comemorar aniversário?
R – Não.
P/1 – Tem alguma questão especial para não comemorar?
R – Não.
Eu nunca gostei dessas coisas.
Eu vou para a casa da pessoa que me convidar para um aniversário, um casamento ou algo assim, mas eu nunca gostei de fazer eu mesma.
P/1 – E você prepara o aniversário para alguém da sua casa?
R – Às vezes fazemos um bolinho, um refrigerante surpresa, sem saber.
Só isso mesmo.
Mas o meu aniversário eu nunca fiz.
Não fiz do primeiro filho, não faço de nenhum, que é para ninguém ficar com raiva do outro.
“A mãe faz isso para Fulano e não faz isso para mim!” Eu acho melhor assim.
P/1 – Como foi nos contar a sua história? O que a senhora achou dessa experiência?
R – Achei bom, foi ótimo.
Porque a cada dia que passa vamos aprendendo mais.
Eu não sei ler, como eu já disse a vocês, só sei assinar o meu nome.
Mas eu converso com qualquer pessoa.
Não tenho dificuldade nenhuma em falar com ninguém.
Eu achei ótimo.
No dia que a menina me telefonou, perguntando se podia vir, eu disse: “Pode vir, a minha casa está de portas abertas para receber vocês”.
Hoje, a Mariane amanheceu dizendo: “Mãe, o pessoal não vem?”, e eu disse: “Não sei.
Até uma hora dessa não vieram”.
Aí, quando dei fé, vocês chegaram.
Achei bom.
Gostei.
P/1 – Só para fechar, separamos algumas fotos e tem uma fotografia que não é muito comum, que é de um velório.
Quando é que foi aquilo?
R – Foi de quando o meu pai morreu, em 2001.
Já vai fazer 13 anos no dia 28 de setembro.
P/1 – O que ele teve?
R – Ele teve um AVC [Acidente Vascular Cerebral].
Deu três vezes.
Na última, ele se prostrou, passou três anos acamado.
Todo encolhidinho, com a perna dele toda encolhida.
Ficou bem, mas eu cuidei dele até o dia dele morrer.
Banhava, dava comida, levava para o médico, para o banco.
Quem cuidou dele o tempo todo fui eu, porque ele também não queria outra pessoa (risos).
Às vezes, eu saía para São Gonçalo e o deixava prontinho, já tomado banho e com o mingau.
Eu só dava a alimentação quando eu chegava, porque ele não queria que ninguém desse.
P/1 – Por que?
R – Acho que as pessoas não tinham a paciência que eu tinha, de colocar na boca dele, que custava muito a engolir.
Eu cuidei dele até o último dia.
P/1 – O que a senhora sentia na hora de fazer esse cuidado?
R – Ave Maria! Para mim, era uma coisa.
.
.
Ele já tinha me colocado no mundo.
Aquilo que eu estava fazendo não eram mais do que a minha obrigação.
Aquilo era uma obrigação que eu tinha com ele, porque foi quem me colocou no mundo.
Com toda a dificuldade que teve, foi ele que me criou e ajudou a criar os meus filhos mais velhos.
Eu fazia aquilo com prazer e com carinho.
Com pena também, porque eu não queria que ele morresse, não queria que ele estivesse naquela situação.
Mas eu cuidava dele com carinho, com toda a dedicação do mundo.
Acho que, quando eu estava cuidando dele era como estar cuidando dos meus filhos.
P/1 – Bom, Dona Maria, obrigado, então.
R – De nada.
Obrigada, também.
P/1 – A gente agradece pessoalmente, em nome do Museu da Pessoa.
Queria dizer que você agora faz parte do nosso conjunto de histórias de vida.
Obrigado!
R – Agradecer também a vocês e obrigada também pela parte que me toca.
Porque me procuraram e eu achei muito bom.
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