P/1 – Boa tarde, Pastor Dione, eu primeiramente gostaria de agradecer a aceitação do convite pra participar desse depoimento que é uma realização do Museu da Pessoa com a Rede Globo.
R – Boa tarde, Paula, pra mim é um prazer imenso.
P/1 – Eu gostaria então de começar o nosso depoimen...Continuar leitura
P/1 – Boa tarde, Pastor Dione, eu primeiramente gostaria de agradecer a aceitação do convite pra participar desse depoimento que é uma realização do Museu da Pessoa com a Rede Globo.
R – Boa tarde, Paula, pra mim é um prazer imenso.
P/1 – Eu gostaria então de começar o nosso depoimento pedindo que nos diga o seu nome completo, o local e a data de nascimento, por favor.
R – O nome todo é Dione dos Santos, nasci 1 de junho de 1973 no Rio de Janeiro.
P/1 – Seus pais, o nome completo e a origem, por favor.
R – Everaldo, o nome do meu pai é Everaldo Amaro dos Santos e minha mãe é Francisca Ferreira dos Santos, o meu pai é da região de Campos e minha mãe é da região Ceará.
P/1 – Você conhece um pouquinho da história dos seus avós?
R – Bom, a história dos meus avós eu conheço pouco, da parte do meu pai o nome da minha avó é, se chama Ducelina, né, e casada com o Manuel José Pinto e trabalhavam na roça, trabalhavam nos canaviais lá pro lado de Campos, né, e que a qual o meu avó veio a falecer também porque ele tinha uma profissão de pescador, morreu no mar e minha avó faleceu por velhice mesmo e da parte da minha mãe Vitorino era o nome do meu avô e da minha avó era Adocina, né, e minha avó morreu de velhice e meu avô da parte do meu pai morreu por uma doença, um derrame que ele teve, né, então hoje eu não tenho mais avós.
P/1 – Você conheceu e conviveu?
R – Bom, conhecer eu conheci e convivi, mas os meus avós quando morreram eu era criança ainda, eu tinha o quê? Uns oito anos de idade quando eu perdi totalmente os meus avós, né, mas eu tenho a lembrança, né, de todos eles.
P/1 – Alguma lembrança especial que tenha lhe marcado como memória de avós?
R – Eu me lembro que uma certa vez eu, da parte do meu avô da parte da minha mãe, eu estava brincando no quintal dele e eu queria, tinha um pé de Jamelão e eu queria comer um Jamelão, né, e ali ele falou assim: “Você quer comer Jamelão você tem que subir no pé pra pegar”, eu tinha, o que, uns sete anos de idade e eu subi na primeira arvorezinha do pé e fui pegar um Jamelão, quando eu botei o pé no muro eu cai, né, quando eu cai eu vi o desespero do meu avô, né, porque ele tava tentando passar uma lição de vida pra mim, dizer: “Se você quer alguma coisa você tem que ir buscar”, mas ali eu vi o desespero dele que eu me machuquei, ele falou assim: “É, filho, eu pensei que você tava preparado pra pegar uma fruta, imagine pra vida, ta entendendo” e ali eu vi o desespero dele, mas foi uma coisa que eu achei bonita, né, ele me ensinando a já colher os frutos, né, correr atrás daquilo que a gente quisesse obter, marcou muito a minha vida aquilo ali, a preocupação dele, né, porque ao mesmo tempo ele mandou eu ir, mas depois viu que eu não tava preparado pra tal coisa, ele cuidou das minhas feridas e ocultou da minha mãe (risos), isso aí marcou a minha vida.
P/1 – O senhor tem irmãos?
R – Eu tenho uma irmã, é um casal, Patrícia dos Santos, a minha irmã é um presente pra mim porque quando minha mãe teve a minha irmã eu estava fazendo um ano de nascido, então, ou seja, o meu aniversário de um ano não teve, aniversário de um ano, porque a minha mãe estava no hospital tendo a minha irmã, eu nasci em primeiro de junho, minha irmã nasceu no dia 2 de junho, então foi um presente, uma pessoa que eu amo muito, tá entendendo, é minha irmã, eu amo muito ela.
P/1 – Conta um pouquinho, por favor, da sua infância, que bairro que o senhor cresceu, como era um pouco a vida de brincadeiras, um pouco dessas lembranças de cotidiano de infância.
R – A minha vida, podemos dizer assim, a minha infância foi muito boa, né, porque o meu pai e minha mãe, eles me trataram como um príncipe, né, por ser, dentro da família, a primeira criança, né, dentro da família, né.
P/1 – A profissão do seu pai qual é?
R – A profissão do meu era comerciante, né, ele trabalhava com comércio e ele me dava de tudo, me tratava super bem e por sua vez o meu pai também, além de ser comerciante, o meu pai, ele era um evangélico, né, era um ministro da casa de Deus, minha mãe por sua vez também e ali nós nascemos dentro de um berço evangélico, né, fomos apresentados, um costume dentro da religião cristã que a criança, ela não é batizada e sim apresentada, né, dentro da igreja elevada ao céu mediante uma palavra bíblica que tem ali no livro de Matheus que Jesus, quando ele nasce, né, logo após ele é levado a Semião, que é um profeta, né, pra quebrar todo o protocolo da circuncisão, né, porque todo judeu cortava o prepúcio das crianças e Jesus não precisou disso, quebrou-se um protocolo que ele foi apresentado então aos céus e agradecendo a Deus pelo nascimento daquela criança, né, consagrando aquela criança a Deus e nós também fomos, quando criança, nós fomos apresentados dentro da igreja porque quando a minha mãe teve, começou a me gerar dentro do seu ventre teve complicações, né, quase que ela abortou, né, foi uma gravidez de risco, daí o meu pai falou: “Se essa criança nascer saudável, ainda mais um homem, nós vamos assim consagrar, vamos ensinar que todo percurso, né, da vida dela tem que ser na presença de Deus” e ali a minha infância.
P/1 – Foi em que bairro?
R – Foi na Vila Aliança, Bangu, sou banguense, ali na comunidade de Vila Aliança, que Vila Aliança é uma comunidade aonde as pessoas vieram de várias partes do Rio de Janeiro na época da década de 70, é, 60 e pouco a 70, as pessoas estavam sendo imigradas pra algumas, de algumas comunidades pra essa comunidade porque eles estavam fazendo obra na época no Rio de Janeiro e minha mãe e meu pai foram levados pra lá.
P/1 – Você sabe de onde que eles tinha vindo, de outra comunidade do Rio, você sabe?
R – Minha mãe, ela veio de Ramos, ali parece que eles estavam fazendo alguma pavimentação, eles estavam fazendo alguma urbanização e parece que algumas casas foram demolidas, né, e eles imigraram a minha mãe pra essa localidade de Bangu que se chama Vila Aliança e meu pai, né, ele veio de Campos mesmo, aonde, quando a minha mãe foi imigrada eles não se conheciam ainda.
P/1 – Você sabe como eles se conheceram?
R – Eles se conheceram ela sentada no portão, ele passando, né, e todas as vezes, aquela tardezinha das pessoas ficar sentadas no portão, que antigamente podia, hábitos bons, né, as pessoas sentadas, confraternizavam com os seus vizinhos, as crianças brincavam na rua e ali passando, meu pai muito galanteador, né, chegou até ela e deu aquela fisgada: “Olha que eu passo aqui, sempre lhe vejo”, ele me contando e aquilo foi entrando, foi semeando no coração da minha mãe até que um dia, né, ela, uma pessoa de família, uma jovem, né, veio a pedir pra namorar, ficar noiva e se casaram e se casou virgem, isso aí havia muito naquela época, né, e foi assim que os meus pais se conheceram.
P/1 – Você conheceu um pouco o porquê do nome Dione?
R – Bom, meu pai, ele, antigamente havia um filme americano que o Johnny, ele era um guerreiro, ele lutava por aquilo que ele queria, né, e meu pai ficou muito impactado com aquele personagem: “Pô, esse camarada aí é tudo que eu quero que o meu filho seja”, né, e colocou o nome de Johnny, mas quando eu nasci, na época, quando o meu pai foi registrar não podia colocar nome americanizado, estrangeiro, não podia: “Mas eu quero o nome Johnny”, então a pronúncia sai Johnny, mas por escrito colocaram, o próprio escrivão ajudou o meu pai, Dione.
P/1 – Que ótima história.
R – É, mas eu gostei muito porque tem tudo a ver, era um nome diferente, né, era raro, porém hoje já tá“bombando”.
P/1 – Então vamos voltar um pouquinho, a tua infância na Vila Aliança, como é que era, do que vocês brincavam, o que era brincadeira de rua de menino?
R – Ah, rapaz, naquele tempo.
P/1 – Meados da década de 70.
R – É isso aí, aquele ano era muito bom, né, as brincadeiras nossas era, que hoje não existe mais com as crianças, né, não tinha a tecnologia que hoje tem, não tinha os computadores que hoje, a nossa brincadeira era pular corda, nossa brincadeira era pique-esconde, queimado, tá entendendo, coisas boas, o futebol de rua, o golzinho, famoso golzinho.
P/1 – O que era o golzinho?
R – O golzinho era aquela brincadeira do final da tarde, quatro hora, cinco hora, a molecada se reunia, botava um travezinha feita por nós mesmo, né, de um metro e meio de largura de ambas as parte e fazíamos um campo de futebol na rua e a gente botava três de cada lado e começava a brincar, jogar bola e entrava a noite adentro, entendeu, isso é muito e umas coisas que me marcaram na infância foi o carrinho de rolimã, né, que era feito com aquelas rodas de rolimã, aquele, a gente botava na madeira, fazia um carrinho ali e a gente brincava de corrida no asfalto, né, foram brincadeiras saudáveis que hoje não existe mais, é muito raro nós vermos isso, né.
P/1 – Mas como que era a Vila Aliança naquela época, era uma comunidade, era asfaltada, como é que eram as casas?
R – Bom, na época eram umas casas bastante precariazinhas, né, porque era aquelas casas feitas pra mudança rápida, né, essas casas de baixa renda, tudo pavimentado, tudo direitinho, alguns lugares do bairro era asfaltado, outros não era, aonde eu morava era asfaltado, né, e era um lugar pacato, né, um lugar que você não via droga, você não via traficante, era um lugar que fazia o bem estar de quem crescia ali, né, eu peguei ainda essa época aonde você conhecia todo mundo, fulano da rua tal é meu amigo, fulana da rua tal é minha amiga, entendeu, então isso era muito bom, a gente rodava a comunidade toda, as porta podia dormir aberta, tá entendendo, a gente ficava até de madrugada na rua, né, uma hora da manhã, e ali os pais nos portões, era uma coisa muito saudável, a Vila Aliança era assim.
P/1 – Vocês tinham festas comunitárias, por exemplo, tinha festa junina?
R – Tinha, tinha, antigamente.
P/1 – Como era a vida na comunidade na década de 70?
R – A vida da comunidade na década de 70 existia as famosas caipira, né, que era nessa época as festas juninas, né, e me lembro que na comunidade lá tinha sete grupos de caipira, né, porque a comunidade é cortada por um valão, né, então tinha, da parte norte tinha um grupo de pessoas que tinha a sua, o seu grupo, a sua caipira e do lado de cá tinha também as suas, os seus grupo, né, de caipira, então quando eles se organizavam durante a festa junina, ficava duas semana as festas sendo feita em cada rua, né, por exemplo, a primeira semana e a segunda semana vai ser na Brecota, aí todo mundo se reunia, aí o grupos se ajuntavam, dançavam caipira na Brecota, aí tinha troféu, tinha aquela
coisa toda, a terceira semana com a quarta semana e assim ia passando as festas junina brincando, né, dentro da comunidade, uma brincadeira saudável, enchia, aonde existia as barraquinhas de comidas típica, né, como angu a baiana, como doces de pé de moleque, aquelas coisas todas, né, que hoje você só encontra nas grandes, digamos assim, mercearias, né, já não encontra mais nas ruas, nas barraquinha.
P/1 – Sua mãe cozinhava, sua mãe costurava, como é que era um pouco a sua mãe?
R – Bom, minha mãe era uma mulher muito, podemos dizer assim, caseira, né, ela tinha um hobby de costurar, fazia aquelas roupinhas, né, os paninhos de prato, pano de chão e gostava muito de cozinhar, a comida da minha mãe era uma delícia, né, a gente gostava, eu gostava muito do arroz, feijão com batata frita, né, e aquele ovo estralado, meu Deus do céu, aquilo pra mim, eu deixava a carne de lado pra comer porque era uma comida tão fresquinha, batata feita por amor, né, e aquilo ali.
P/1 – Sua família tinha recursos, quer dizer, como é que você reflete um pouco sobre essa origem da família, se pai era comerciante, como é que era o comércio dele, ele era dono do comércio, era na comunidade, como é que era?
R – No início a minha família era bastante carente, né, não tinha aquela, aquele recurso todo, né, então, mas o meu pai, ele sempre, quando ele casou com a minha mãe, né, ele começou, ele trabalhava numa gráfica quando ele conheceu minha mãe e era um homem que sabia desenvolver tudo que vinha na sua mão, aí eu me lembro que ele foi trabalhar, né, como HP, HP era um homem porta, essas pessoas que ficam na porta chamando os clientes pra loja.
P/1 – Rueiro que a gente chama também, HP, que interessante.
R – HP, isso é a gíria do comércio, HP é um homem que aborda, que chama pra loja e automaticamente meu pai era um desses homens, numa ótica ele trabalhou como HP, ao ponto de ele se desenvolver tanto no seu trabalho que ele passou a ser vendedor, né, e de vendedor, né, por ele vender muito, uma vez ele ia sair, né, do trabalho, o patrão chamou ele, propôs uma sociedade, né, uma porcentagem e dali ele começou a desenvolver, trabalhar e quando ele começou a trabalhar como um dos sócios com alguma porcentagem ele montou um comércio dentro da comunidade, que na época não existia mercadinho, era o famoso bazar, né, o bazar da carteirinha, que bazar da carteirinha? Era onde as pessoas compravam fiado e botava na carteirinha: “Ô, seu Everaldo, vim comprar um leite, vim comprar aí um pão, dá pro senhor botar aí na carteirinha?”, então o meu pai tinha uma carteirinha de pessoas que compravam fiado e no final do mês pagava e aquilo dentro da comunidade era bastante notório e vendia muito, né.
P/1 – Tinha nome, como é que o pessoal se referia?
R – Chamava Mercearia do Seu Manuelzinho, né, porque o nome dele é Everaldo, né, e as pessoas com carinho chamavam ele de Manuelzinho, né, daí: “vamos lá na Mercearia do Seu Manuelzinho”, aí pegou Mercearia do Seu Manuelzinho e eu me lembro, aí ele deixava com a minha mãe o comércio, né, deixava com a minha mãe e ia trabalhar, né, no centro onde era a ótica, que era em Campo Grande, né, então durante o dia na
comunidade minha mãe ficava juntamente conosco, né, e meu pai ia trabalhar na sociedade que ele tinha na ótica, né, e eu dentro do comércio só sabia comer doce (risos), pegava, eu e minha irmã, entendeu, dava um prejuízo, né, chocolate então a gente detonava, né, e a nossa infância foi assim, eu vendo o meu pai guerreando, batalhando e meu pai cresceu muito, né, ao ponto de, quando ele se tornou sócio ele ajuntou um dinheirinho e propôs sociedade, propôs comprar a parte do sócio, né, e o sócio não recusou a oferta e ele se tornou dono, né, se tornando dono, aí a mercearia foi crescendo, minha mãe com aquele dote de costureira, aí ele: “Você quer montar uma confecção?”, aí comprou máquinas, né, enfim, aí a nossa família começou a ter uma estabilidade melhor do que tinha, né, aí foi quando eu comecei ter os melhores brinquedos, comecei ter as melhores roupa.
P/1 – Você lembra de algum brinquedo?
R – Me lembro de um brinquedo, era um carrinho do bombeiro muito raro e esse brinquedo que o meu pai me deu, ele escondeu esse brinquedo na praça e aí ele falou assim: “Vamos ali na praça porque a praça é um lugar aonde, ela traz muitas surpresa”, eu me lembro disso, eu falei: “É mesmo, papai, traz surpresa?”, “É de repente você pode achar um carrinho”, mas já tava tudo armado, né, aí a gente andando pelo meio da praça, ele: “Que que é aquilo ali?”, aí apontou, eu falei: “Pai, é um carrinho e é um carrinho do bombeiro”, aí eu corri na direção pensando que alguém poderia ver e pegar primeiro do que eu, aí corri, peguei e fiquei feliz, levantei: “Papai, peguei um carrinho”, ele ria e aí quando eu vi minha mãe tava do outro lado rindo, minha irmã também, né, e aquilo marcou a minha vida também, né, porque eu vivi família, né, meu pai, né, me deu uma criação saudável e graças a Deus eu não tenho o que reclamar, né, da minha família, me deu de tudo.
P/1 – Em termos de escola, que escola que você frequentou, até que ano que você frequentou?
R – Bom, a escola que eu frequentei, eu tive no jardim de infância, né, em Bangu, eu não me lembro o nome desse colégio, mas é o jardim de infância que era do lado do Colégio Getúlio Vargas, o qual quando a minha mãe me colocou pra estudar no jardim de infância ali era um caminho pro colégio estadual Getúlio Vargas e ali no jardim de infância foi uma época muito boa, né, porque ali a gente aprendeu a desenhar, aprendeu a se desenvolver, né, com algumas artes industriais quando criança e quando termina nossa época ali nós fomos estudar na escola Getúlio Vargas, que por sua vez era um excelente colégio, a diretora bastante inteligente, rígida, que naquela época você chegava de manhã era formatura pra cantar o hino nacional, meu Deus, a primeira lição: tem que aprender ser patriota, tem que saber cantar o hino nacional e o hino nacional é bastante difícil e eu me lembro que a gente fazia mímica, a diretora olhava, não, tem que aprender, aquilo ganhava ponto também e ali a gente começou a desenvolver dentro desse colégio também. No primeiro ano, né, a gente, por ser uma criança que tava já entrando dentro da adolescência, pré-adolescência, né, a gente começou a estudar muito, mas ter muitas amizades, ta entendendo, e isso era muito bom, né, porque a gente começamos conhecer outras pessoas, outros jovens de outras comunidades, né, aonde a gente final de semana fazia festa na casa de um, fazia festinha na casa, mas isso tudo com pai levando, né, era uma coisa saudável, né, e cresci, tudo, a minha vida toda foi centralizada em Bangu, né, estudo, colégio, amizade, tudo ali em Bangu.
P/1 – E aquela fábrica de tecidos Bangu?
R – Fábrica de tecidos do Bangu que hoje é um shopping.
P/1 – Se o senhor puder relembrar um pouquinho sobre ela, o barulho, Bangu era um bairro que tinha uma fábrica de tecidos que era tradicionalérrima na cidade.
R – É verdade, eu me lembro que a entrada do colégio era do lado da entrada da porta da fábrica, né, e eu ficava maravilhado porque tinha realmente certos horários que tocava um sino, né, tipo uma Maria fumaça e tinha um relógio, né, um relógio que até hoje tem, aonde a gente, por exemplo, a gente entrava dentro da escola e a gente muitas das vezes era doido pra acabar uma matéria, entrar pro recreio, a gente ficava olhando pro relógio, a gente falava: “Professora, daqui a pouco vai tocar o sino da fábrica, a senhora sabe que é o recreio”, é o relógio, a gente ficava implicando com a diretora, né, e quando nós saíamos, né, pro recreio eu me lembro que lá na fábrica Bangu tinha três piscinas enormes, mas não era piscina, era reservatório de água e tinha um muro que do lado do muro do colégio era o campo, uma quadrazinha e a gente muitas das vezes pegava a bola e chutava pra cair dentro da cisterna pra quê? Pra gente pular dentro da cisterna, nadar, tá entendendo, e pegar a bola, e a diretora, ela pegava no nosso pé tremendamente e tinha os funcionários que já sabia nas nossas artimanhas, que eu não sei se era o dono, se era apropria gerência, que já deixava os funcionários ali perto, tá entendendo, porque era perigoso, né, porque aquilo ali era um reservatório de água que abastecia os maquinário dentro da fábrica, né, e parece que tinha um cano que puxava a água, tá entendendo, pra dentro da fábrica, né, e eu me lembro que quando a bola caía, quando qualquer coisinha acontecia, automaticamente o funcionário já ficava em QAP, ficava alerta, jogava a bola de volta só pra gente não ter o prazer de pular na fábrica Bangu e causar um acidente, porque já aconteceu isso na minha época de um menino pular, né, de uma outra turma e não voltar, isso na época causou, né, um alarme tremendo, aí teve até um certo protesto, né, como o colégio e até mesmo com a fábrica, que queria que colocasse uma tampa, enfim, queria que colocasse alguma proteção pra que tal coisa não acontecia, mas eu me lembro que era muito bom, era muito bom.
P/1 – Em Bangu também é tradicional o time de futebol, né?
R – É.
P/1 – Também vocês lembram, vocês iam assistir, algum jogador que tenha te marcado ali de Bangu?
R – É, Bangu, na época Bangu Atlético Clube, né, a gente cresceu também torcendo pro Bangu e eu me lembro que tinha um jogador, né, que era da nossa comunidade que começou a treinar no Bangu, né, um jovem que era muito habilidoso e quando ele ia treinar nós íamos pro campo do Bangu, né, ver ele treinar, porque ele arrumava lá a possibilidade de nós entrarmos e vermos o treino dele e u me lembro que houve uma vez um jogo, né, dentro do campo do Bangu que teria que o Bangu, tava começando a desenvolver dentro do primeiro grupo, né, porque tinha a série A, série C, série D e me lembro que na época o famoso Castor de Andrade, né, que era o dono da banca do bicho, ele que era o mentor de tudo e ele mandou pras comunidades ônibus, né, porque ele era banguense doente e era um jogo contra o Flamengo e ele queria porque queria ganhar o Flamengo, então ele mandou aqueles ônibus, Kombi pras comunidade pra que o Bangu enchesse e no dia do jogo, por sua sorte, o Bangu encheu, a gente torcendo e um garoto, né, um menino nosso amigo que tava já despontando no futebol, né, ele, nessa época ele fez até um gol, né, a gente gritava o nome dele e foi uma história também bonita, né, porque tava iniciando um campeonato estadual aonde o Bangu passaria pra primeira divisão, né, e a gente fizemos, o Bangu naquela época não ganhou, empatou, mas pra gente empate contra o Flamengo é vitória, aí o Castor também ficou feliz, mandou liberar refrigerante e deu promoção, bônus pros jogadores porque o Bangu empatou, né, naquele jogo, então foi uma festa tremenda, a gente saimo pela, aí esquecemos ônibus, viemos pela rua, tá entendendo, festejando com o menino que tava com a gente, tá entendendo, que era jogador do Bangu, pra nossa comunidade e dentro da comunidade começamos a fazer festinha também mediante a vitória, tá entendendo, do Bangu, porque era inédito, né, aquilo.
P/1 – Você torce pro Bangu?
R – Não, hoje eu sou flamenguista, né, tenho nada, gosto do Bangu de coração, mas a camisa é flamenguista.
P/1 – Então vamos voltar à escola, quer dizer, você fica na escola Getúlio Vargas até quando?
R – Eu fiquei até, a escola Getúlio Vargas, até os 14, 13 anos de idade, né, até os 13 anos de idade, né, porque a gente pegou da primeira série e fomos até a oitava série na Getúlio Vargas, teve alguns anos que eu repeti, né, de ano, porque a merenda era muito gostosa (risos) e a gente, teve uma época da minha vida no colégio que a gente só queria saber de fazer bagunça, né, e naquela época a diretora era bastante rígida, né, ela nos botava de castigo de joelho, né, botava em cima do milho, ta entendendo, tinha autorização dos pais, né, e, meu irmão, falava, eu me lembro que o nome dela era Dona Dulce, né, meu Deus do céu, a gente queria ver qualquer pessoa, mas não queria ver a diretora Dona Dulce na nossa frente, porque ela sabia botar respeito, né, e quando a gente fazia bagunça ela brigava com a gente, botava o dedão mesmo na cara, ta entendendo, falava: “A responsabilidade de vocês é minha, os pais de vocês confiaram a esse colégio”, era uma coisa séria aonde ia notificação pros pais, os pais vinha e concordava com o castigo que a diretora assim colocava sobre a gente, né, e a gente muitas das vezes saía do castigo escondido, ia ela atrás da gente, né, mandava mais advertência e ela era uma pessoa rígida, né,
e a gente muitas das vezes pela nossa criação, né, a gente até respeitava e temia, né, a Dona Dulce, mas alguns colegas não respeitavam não, saía do castigo e ele botava no castigo, entendendo, era no feijão, era no milho e na minha infância dentro do colégio me marcou muito essa diretora, né, ela era uma pessoa muito dura, muito rígida, mas ao mesmo tempo a gente gostava dela, a gente fugia dela, é o problema já vinha ela: “Vou te mandar pra diretoria”, já era: “Vou te mandar pra secretaria”, já era, a gente chorava, mas não queria, então você copia tantas vezes e a frase: “Não devo fazer bagunça na sala de aula” ou ir pra diretoria: “Não, eu copio cem vezes, não devo”.
P/1 – Tudo menos Dona Dulce.
R – Menos Dona Dulce, né, que ela era uma pessoa muito rígida, isso nos parava, né, isso nos freava: “Pô, meu irmão, vamos ficar ligado porque você vai pra diretoria ficar no feijão, hein”, aí a gente preferia copiar até mesmo no quadro, que antigamente existia isso, né, a professora, a gente fazia bagunça, não queria nos mandar: “Você prefere o que, ir pra diretoria ou escrever no quadro ou no caderno”, a gente ficava lá no quadro, no caderno e também tinha aquilo, né: “Prefere ficar de castigo aqui de joelho atrás da porta ou pra diretoria?”, “Não, eu vou ficar aqui, eu prefiro obedecer a senhora do que ir pra”, então tinha esse contraste, né, e a gente achava que a professora, ela pegava leve com a gente pela Dona Dulce ser bastante rígida, então vamos ficar por aqui mesmo e Ra muito bom, era muito bom.
P/1 – Você ficou até 13 anos na escola e depois deu continuidade ou não, você trabalhava no negócio do seu pai, como é que era isso?
R – É, eu fiquei até os 13 anos de idade, aos 13 anos de idade eu comecei a ter uma certa, podemos assim, querer ter uma certa independência, né, de falar pro meu pai: “Olha, pai, eu não quero mais, entendeu, estudar de dia, eu quero estudar à noite, né, eu preciso ajudar, eu quero ajudar o senhor no comércio do senhor”, aí foi quando eu saí do Colégio Getúlio Vargas e fui estudar no João Procinha, o João Procinha eu estudei à noite, né, e comecei a trabalhar com o meu pai, né, indo pra ótica, indo pra onde ele tinha o comércio dele, fazendo aquilo que ele fazia, né, HP, ficava na portaria porque até então o meu pai me dava uma comissão das venda que eu fazia: “Se tu vender”, me ensinando a pescar, né, me deu a vara, me deu a isca, né, agora vai pescar, eu me lembro que na, aonde o meu pai trabalhava eu comecei a trabalhar como HP e era a minha primeira semana, né, eu adolescente, né, tinha saído do colégio de dia e comecei estudar à noite e trabalhar de dia, né, eu comecei a ficar cansado, né, porque trabalhava durante o dia, acordava cedo e quando chegava a noite eu não aguentava ficar na sala de aula, eu dormia dentro da sala de aula, né, aí conclusão, eu era um adolescente, mas eu tinha um porte físico muito avantajado pra minha idade, né, eu tinha 13 anos, mas eu, as pessoas olhavam pra mim: “Não, tu não tem 13 anos, tem 18 anos, tem 17 anos”, né, porque eu era grande demais, né, era um jovem que, adolescente, tinha 13 anos, mas era grande. Eu tinha um porte físico legal e eu comecei a malhar nessa época, né, aí trabalhava, malhava num colégio perto lá da onde meu pai trabalhava na hora do almoço, né, eu conhecia uma rapaziada que na hora do almoço fazia uma malhação, eu falei: “Vamos embora, também vou malhar”, aí, meu irmão, chegava à noite não conseguia estudar, aí eu comecei a faltar à aula,daí fala pro meu pai: “Pai, sabe o que acontece, eu to faltando na aula, não tem condições de estudar à noite, vou trancar minha matrícula e vou ficar trabalhando com o senhor”, na época ele: “Não, você tem que estudar, coisa e tal, tem que terminar os seus estudos” e foi uma guerra terrível, né, aí eu
me lembro que eu fiquei chateado com o meu pai e saí: “Então já que o senhor não quer que”, aí eu saí do trabalho do meu pai e saí do colégio, né, e comecei a vender roupa, né, ter a minha própria independência, não, minto, antes de vender roupa eu montei uma barraquinha de doce, né, pra mim.
P/1 – Você era virador.
R – Eu me virava, né, falei: “Eu vou montar uma barraquinha de doce”, aí o que que eu fazia? Eu arrumava uma caixa de picolé, né, e vendia doce e comprava uma bananada e vendia picolé e doce, tá entendendo, ali mesmo pela comunidade e a coisa foi desenvolvendo, né, e eu com aquele dinheirinho do picolé e do doce, eu falei: “Rapaz, o negócio rende mesmo”, aí montei uma barraca, né, e dessa barraca se tornou um outro armazém, né, porque na época o meu pai tinha montado o armazém, né, mas mediante o trabalho dele lá crescer e aqui já o armazém dele, né, por sua vez, a caderneta muita gente deixou de pagar, ele começou a ter prejuízo, ele parou, quando ele parou, né, depois de alguns anos eu dei continuidade com os doces, aí ali era só doce, né, daí eu comecei a vender doce, a coisa foi crescendo também. Aí eu vi que eu tinha um dom pro comércio, aí eu comecei comprar roupa pra vender pra rapaziada da comunidade, né, e aos 16 anos eu conhecei um amigo, né, aos 16 anos eu comecei a me enturmar com a rapaziada que na época começou dentro da comunidade não ser mais aquela comunidade pacata, né, aí a droga começou a entrar dentro da comunidade, aquela coisa toda e começou se formar o tráfico, né.
P/1 – Isso era em que ano mais ou menos?
R – Aí essa época aí já era nos anos 80 e alguma coisa, 88.
P/1 – Oitenta e oito, 89.
R – Oitenta e oito, 89, né, aí foi quando eu comecei a ver o tráfico se formando dentro da minha comunidade, né, e tinha um jovem lá que ele era sobrinho do traficante, né, porque quando começou nessa época, nessa, nos anos 80 começou os pequenos furtos dentro da comunidade e um dos motivos também do meu pai fechar é que na época o café, né, era levado na porta, o açúcar era levado na porta e meu pai tava sendo assaltado, os fornecedores do meu pai estavam sendo assaltado dentro da comunidade, né, foi quando começou bujão de gás ser roubado dentro da comunidade, foi nessa época, foi nessa época de 85 em diante. E teve um camarada lá que se intitulou Robin Hood, né, ele: “Ó, meu irmão, não quero ninguém roubando dentro da comunidade, né, e começou ser o guardião da comunidade e por isso havia correções, né, dentro da comunidade e foi onde esse camarada botou o tráfico de drogas, que é a cocaína, aonde foi fundado o Terceiro Comando, tá entendendo, porque havia, pessoas vinha de outros lugares e paravam numa praça, paravam numa esquina e começavam a vender as suas drogas, né, começavam a: “Aí, rapaziada, tenho aqui um negócio bom, é o cheirinho da loló”, aí esse camarada viu que tava, por causa das droga tava havendo aquela bagunça de roubo, aí ele preferiu, né, unificar tudo: “Meu irmão, eu não quero ninguém vendendo mais droga, quem quiser comprar droga vai comprar na minha mão” e aquilo foi uma renda muito grande porque ele começou a montar o tráfico de drogas, né. E nos anos 80, lá pro ano 88, 87, 88, eu conheci esse jovem, né, eu tinha 16 anos, que ele era sobrinho desse rapaz que fundou, né, o tráfico dentro da comunidade e ali, quando ele fundou o tráfico dentro da comunidade, eu comecei a andar com ele, né, vender roupa pra ele, vender roupa pro tio dele, vender roupa praquela rapaziada, entendendo, e começamos a ter envolvimento, né, de amizade, já comecei a ter outro tipo de amizade, não era mais aquela amizade inocente, né, da época, mas sim aquela amizade, né, eu vendo ali os cara traficando, né, o respeito que eles tinham, mas quando eu comecei a conhecer esse outro lado começou a me interessar, né, e automaticamente esse amigo meu, ele fazia favores pro seu tio, aí eu já queria tá com ele fazendo favores pro tio dele, tá entendendo. Aí foi quando nós começamos a ficar mais íntimo da situação ao ponto de eu me tornar um dos tesoureiros, porque eu vendia roupa, sabia mexer com comércio, aquela coisa toda, né, aí eu me tornei um dos tesoureiros da época, né, ficar perto dos traficantes mais altos, né, daquela época, na época não era traficante, era o malandro, né, era chamado o verdadeiro malandro, que naquela época se despontou, que era o Escadinha, que era Robert de Lucas, né, que era o Gordo, era a Falange Vermelha, né, que depois passou a ser comandada pelo Comando Vermelho, então nessa época não tinha briga entre a Falange Vermelha e o Terceiro Comando, todo mundo era amigo, né, a gente ia pra favela, ia pra outra, ele me levava, tá entendendo. Mas aí quando a coisa foi ficando mais séria aí houve uma briga, um racha, aí se tornou o Comando Vermelho, né, aí o Terceiro Comando não apoiou esse racha que houve, aí o Terceiro Comando ficou inimigo do Comando Vermelho, né, que na época ali perto era o Rogério Lemgruber, que era o fundador do Comando Vermelho. Então aí eu já me tornei participante, né, ativo do tráfico, né, nunca cheirei, nunca fumei, né, e nunca matei, mas ajudava o tráfico e mediante essa minha personalidade de não fumar, de não cheirar, também ser uma pessoa articulada, pensador, isso era interessante pro tráfico, né, porque a gente sabia administrar as coisas, foi quando eu comecei, aí desvencilhei de vez da minha família ao ponto, né, de dormir em casa só nas madrugadas, né, era um jovem que começou a viver nas ruas, nas balada, nas festa, conheci as mulheres, aquelas coisas todas, né, que a qual eu nunca pratiquei, né, aí senti o gostinho, aí fomos até os 22 anos de idade, servi o quartel.
P/1 – Ia te perguntar sobre exército, você foi?
R – É, eu tive.
P/1 – No meio de tudo isso ainda.
R – Fui pro exército onde nós aprendemos a manusear arma, onde eu também comecei a ensinar os garoto que era colega meu como manusear um fuzil, que na época era Parafal 762, que era muito raro na época ter um fuzil, na época não era fuzil
era metralhadora que tinha dentro das comunidades, né, a arma mais pesada era a metralhadora, um oitão, mas a coisa foi desenvolvendo, né, que começou a chegar os fuzil 762, o HK, o G3.
P/1 – Na comunidade, a arma dentro da comunidade?
R – Dentro da comunidade, tá me entendendo, então a gente vemos, vimos isso crescer, vimos o tráfico se organizar, né, porque o tráfico começou a se organizar foi nessa época, de 86, tá entendendo, em diante e hoje vê o que o tráfico é, né.
P/1 – Como é que era dentro da comunidade, como é que você foi percebendo essa mudança, quer dizer, eram regras, a violência?
R – É, a gente começamos a perceber dentro da comunidade porque já começou haver as mortes, né, impor, ta entendendo, o terreno, né, e aquilo foi mudando o quadro da comunidade, né, já não era mais aquela situação de os anos 70, eu quando criança brincava, hoje, aí naquela época você podia ficar porque você não tinha ninguém armado dentro da favela, dentro da comunidade, né, até então não era chamada de favela, mas de comunidade, né, mas quando o tráfico começou a proliferar, aí começou em alguns terrenos baldio da comunidade fazerem casa, barracos, aquelas coisas todas, aí começou pessoas de outros lugares virem, tá entendendo, pessoas se agruparem, se tornarem realmente um bairro sem ordem, e por tá sem ordem, né, aí onde teve a necessidade de impor ordem, aí pessoas que roubavam era cobrada, tá entendendo, com tiro na mão, tiro no pé e se ficasse mais agravante aí perdia a sua própria vida, tá entendendo. E eu vi isso tudo acontecer, né, e eu vi crescer e ao mesmo tempo comecei a participar com esse crescimento, né, ao ponto de ser um jovem na época já com o coração fechado, já não era mais aquele menino dócil, já não era mais aquele adolescente que queria brincar, aquela coisa, não, meu negócio agora era uma coisa mais séria, né, é ficar perto sinistro, já por também, querer por respeito só com a minha presença, tá entendendo, porque na época eu comecei a malhar, aquela coisa toda, peguei corpo, né, então um jovem, 17 anos, com um corpão e envolvido com os malandro da comunidade, isso aí era o ideal, né. Então a gente começamos impor respeito dentro daquela comunidade, foi quando a gente era unha e carne, eu e esse menino, esse meu amigo, né, começamos a crescer junto e tio dele foi preso, pro tio dele ser preso ele, dentro da hierarquia ele tinha que ser o sucessor, né, e por ele ser o sucessor ele tinha a suas ordens porque a gente, o tio dele preso, a gente fazia o que tinha que fazer na comunidade, passava pra ele, ele passava pro tio dele, o tio dele dava as ordens e ele dava as ordens dentro da comunidade, tá entendendo, então a nossa vida começou a se envolver dentro desse início de organização de tráfico.
PAUSA
P/1 – Bom, Pastor, a gente tava então falando um pouco dessa tua vida, dos seus 16 a quantos anos você?
R – Dos 16 aos 22 anos, né, foi, podemos dizer que foi a.
P/1 – Você vivia como financeiramente nessa época?
R – Nessa época, né, eu comecei a desenvolver transações, tá entendendo, eu, como eu falei pra você, eu montei um comércio, né, e desse, vendia roupa.
P/1 – Essa roupa você comprava aonde, você lembra?
R – Eu comprava em Alcântara, né, em Alcântara tinha umas ponta de estoque, na época era as roupa famosa como Cantão, como Company e a meninada gostava dessas roupa, né, era Alternativa, né, que não lembra da Alternativa, a HangLoose e tinha uma outra marca também que era Bad Boy, BadGloove, um negócio assim, então a gente sabia aonde tinha essas roupas e vendi pelo dobro dela, entendendo, e eu sempre comecei a me virar e o comércio que eu montei eu ampliei ele com um depósito de bebida, né, montei um depósito de bebida, né, e a coisa foi crescendo ao ponto de eu ta no tráfico, ter o meu comércio e montei também uma quadrilha de assalto a banco, que eu ia assaltar banco, dava a nossa pegada nos banquinhos, né, que a gente ia lá e assaltava, enfim, eu me virava, eu comecei a articular dentro do tráfico esses pensamento, né, e a gente fazia isso, roubava banco, né, tinha um comércio, ainda tinha as negociações por fora, onde a gente mantinha o meu, a minha vida, né, o meu custo de vida.Ao ponto que nessa época eu conheci uma menina, né, que hoje é minha esposa, né, ela também não sabia quem eu era, casou comigo pensando que eu era um trabalhador, né, porque naquela época tinha como você ocultar muita coisa, até então os meus pais não sabia quem eu era, né, sabia que eu tinha um comércio, sabia que eu era comerciante, que eu me desprendi, tirei o cordão umbilical, né, já não dependia mais do meu pai, né, e aquilo eu fazia com o maior ocultismo, né, o meu envolvimento com o tráfico, nunca deixei ninguém me ver armado, tá entendendo, só dentro da comunidade, dentro da favela que eu portava a minha pistola, aquela coisa toda, mas nunca deixei, né, a minha mãe saber, algumas pessoas da comunidade sabia e tinha medo de contar pra minha mãe, né, porque, deu ir lá cobrar. Aí eu conheci essa menina numa festa de rua junina, que na época ainda existia, né, mandei um bilhetinho pra ela, papel de bala, né, quero te conhecer, aí nós começamos a conversar e sair, né, ela engravidou, né, eu me casei com ela.
P/1 – Como é o nome dela?
R – Bianca, né, uma morena linda na época, né, que todos os garotos era apaixonado pra sair com ela e a gente teve essa sorte, né, de sair com ela e hoje ela é a mãe dos meus filhos, né, e ela conviveu comigo esse tempo todo sem saber que eu era um jovem envolvido no tráfico, quando ela ficou sabendo? Quando eu fui preso, né, com 22 anos de idade, foi quando na época o tio desse rapaz morreu, né, e ele teria que assumir a comunidade e tinha um outro rapaz responsável pela comunidade que ia passar a comunidade pra ele e quando a comunidade ia ser passada pra ele ele me chamou: “Olha, eu vou ser o
dono da favela e você vai ser o segundo homem da favela e a gente vai ter que fazer uma limpeza, você vai começar, vai ter que começar a matar, você vai ter que começar a agir de uma outra forma porque agora você vai ser o segundo homem da favela”, eu me lembro que nós compramos armamento, tá entendendo, eu comprei os armamento, comprei dois fuzil, comprei um G3 e comprei dois quilos de cocaína, né, aonde aquela semana iria acabar a cocaína da comunidade e a gente ia fazer o acerto e ia entrar uma nova cocaína, né, que ia ser a nossa cocaína. Ele era bastante inteligente nessa parte de fazer a endolação, fazer a mistura da cocaína e a gente ia começar a por respeito, né, mais ainda, dentro da comunidade porque a gente ia assumir uma responsabilidade de dono da favela, eu me lembro que a gente comprou isso numa quinta-feira, mas o dia anterior, alguns meses anterior tava no meu comércio um rapaz que ele era um dos maiores assaltantes de banco, que participou do assalto do banco da década de 70, de 80, se eu não me engano, ao Banco Central, tá entendendo, houve um grande assalto no Banco Central e ele participou desse banco, assalto desse banco e ele fazia parte da minha quadrilha, né, e ele foi preso na frente do meu comércio e quando ele foi preso, né, ele ficou devendo um dinheiro pros polícia e os polícia, né, por sua vez, já tava me investigando e ele trouxe os polícia até a mim pra mim pagar um dinheiro pra ele pros polícia. O que ele fez na época era imperdoável, né, porque ele trouxe até a mim uma guarnição policial, então esse meu amigo queria matar ele, eu não deixei matar ele porque eu vi que os policial na época iria matar ele de qualquer forma, né, aí eu liberei aquela quantia de dinheiro pra ele, né, pra ele pagar os policial e ele mesmo falou pra mim: “Olha, eu quero falar pra você, meu irmão, que você me perdoe, mas os policial já sabe quem você é, não to de xisnovando, tá entendendo, mas os policiais, eles me mostraram, tem tudo a teu respeito, eles sabem que você é um dos articuladores da comunidade, né”, aí ele ficou devendo uma outra parte, deu o dinheiro, os policiais foram embora, mas ficou devendo a outra parte e ele sumiu, os policiais vieram cobrar quem? A mim, quando eles vieram cobrar a mim eu falei: “Meu irmão, não tenho nada a ver com o camarada, não, entendeu, tem que ir atrás dele”, “Não, mas ele fez um negócio contigo, rapaz”, eu falei: “Não”, “Ó, deixa eu falar pra você, a gente sabe quem você é, a gente tá no teu calço, qualquer vacilo teu já era, a gente vai te pegar e vai te matar, a gente não vai te perdoar, não, a gente vai te matar”, enfim e foi dito feito, né, uma semana antes da gente assumir a comunidade, isso num sábado, na quinta-feira nós compramos todo o abastecimento pra comunidade, né, isso foi em 96, no ano de 96, a gente ia tomar conta de tudo, foi quando esses policiais ficaram no meu encalço por causa do outro rapaz que dava devendo ele, entraram dentro do meu comércio porque tinha uma pessoa que estava me vigiando e começou a me “xisnovar”: “Olha, tem tantos armamento dentro do comércio dele, tem tantos pó, fulano de tanto comprou pó”, sendo que no dia que, no sábado que eles foram me dar um bote eu tinha guardado a cocaína dentro do meu guarda-roupa e minha esposa encontrou e perguntou: “O que que é isso?”, eu falei: “Isso aí é do rapaz, pediu pra mim guardar e coisa e tal”, “Meu irmão, não quero esse negócio aqui na minha casa, não, tira esse troço daqui”, nessa época ela chamou a minha mãe e tudo, fez maior rebuliço, mas ali já foi Deus, né, por quê? Porque ali se os policiais encontra aqueles dois quilos de cocaína seria a minha sentença, né, ia pegar uns anos de cadeia, aí eu peguei aquela cocaína, tirei dali e mandei guardar em outro lugar e peguei os armamento e guardei em outro lugar, que tava dentro do meu comércio, mas deixei duas pistola dentro do meu comércio, foi quando o policial bateu, né, dentro do meu comércio e eu falei: “To tranquilão”, “A gente vai dar uma geral, a gente pode dar uma geral?”, eu falei: “Pode dar uma geral”, mas eu tinha esquecido que eu tinha deixado as pistola em cima
da minha mesa, quando o policial entrou dentro do meu comércio e viu as pistola lá com a numeração raspada que eu tinha comprado, que era uma PT 380 e um Glock, né, israelense, uma arma, uma nove milímetro israelense e ali só aquilo ali já foi o fato de eles me enquadrarem, ta entendendo.E começou a jogar no ventilador: “A gente sabe quem você é, o xis nove deu você, você ta com tantos quilos”, aí foi quando eles começaram a dar um pente fino na minha casa, dar um pente fino dentro do meu comércio, pra ver se encontrava as drogas e os fuzil, mas não conseguiram, né, só as duas pistola, né, e ali eu me lembro que eles me pediram na época 50 mil reais: “Olha, pra gente te liberar é 50 mil reais” porque dentro da viatura deles tinha um saco de cocaína, né, que eles tinha prendido e outro lugar: “T vendo isso aqui, a gente vai te prender, tá entendendo, meu irmão, falei pra tu que ia pegar, o camarada ficou devendo 50 mil, eu quero 50 mil, você que vai ter que pagar o pato, tá entendendo, meu irmão, então pra gente não te prender e não te matar a gente quer 50 mil”, aí me lembro que a primeira vez que eu chorei, né, aí eu chorei: “Pô, agora tu tá chorando, meu irmão, tu não é o cara, tu não é o bambambam” e aí foi aglomerando, né, minha família veio: “O que que tá acontecendo”, aí o policial: “O filho da senhora é vagabundo”, aí foi quando explanou, minha mãe chorando, meu pai chorando, minha esposa chorando, aquela coisa toda e a casa caiu pra mim, eu falei: “Meu Deus do céu, e agora?”. Aí foi quando eles me botaram dentro da D20: “Tá tendo muita aglomeração aqui, vamos entrar”, me botaram dentro da D20 e meu pai entrou comigo, eu me lembro que: “Ó, vocês não vão levar o meu filho, não, sozinho não, vocês vão matar o meu filho”, eu me lembro que o meu pai não falou mais nada, sentado me olhando chorou, eu vi a lágrima do meu pai chorando e olhando pra mim, aquilo acabou comigo, quebrou meu coração, aí foi quando eu ouvi uma voz, né: “É melhor caminhar comigo ou dançar com o diabo, você foi nascido e criado dentro da igreja, você vai deixar o diabo fazer isso contigo”, aí foi quando eu chorava mais ainda, falei pros policiais: “Ó, vamos fazer um acerto aqui, meu irmão, não tem 50 mil, eu tenho cinco mil pra perder meu, vou dar os cinco mil vocês podem ficar com os armamento aí, as pistola, que também vale uma dez mil – na época, né – uns dez mil reais, é com vocês mesmo, mas eu não vou pagar mais nada, é o que eu quero dar pra vocês”, aí os policiais conversaram, fizeram um terror psicológico, tá entendendo: “Não, você vai ter que dar os 50 mil”, eu falei: “Mas eu não sei do cara, o cara sumiu, tá entendendo, eu também não sou isso tudo que vocês tão falando, entendeu, então o que eu tenho pra perder é isso aí, meu irmão”, “Tá tranquilo, a gente vai aceitar, mas se a gente te pegar na infração de novo sabe que não tem mais perdão, ou é vala ou cadeia, meu irmão”, aí foi quando eu virei pra eles e falei assim: “Ó, vocês nunca mais vão me ver nessa situação porque a partir de hoje eu to voltando pra Jesus”. Aí foi quando eu desci daquela D20, eles me trouxeram até o meu comércio, né, me deixaram na frente do meu comércio com o meu pai, né, ali eu dei o dinheiro pra eles, eles levaram os armamento e falou: “Vou voltar e a gente vão te pegar na boa”, eu falei: “Vocês podem voltar porque vocês não vão me pegar na boa, porque a partir de hoje eu não quero andar armado, não quero mais essa vida”, aí foi quando eu voltei pra Jesus, procurei um pastor naquela mesma noite e me reconciliei com o Senhor, tá entendendo, com Deus, aí foi quando eu comecei a frequentar a igreja de novo, aquela coisa toda.
P/1 – Foi fácil deixar essa outra vida, foi fácil?
R – Bom, aí eu tive que desenrolar, né, aí, pra você ver, isso foi num sábado, na semana seguinte eu seria o dono conjuntamente da favela, aí eu tive que dar explicação, né, eu tive que chegar pro traficante na época que tava no comando, falar assim: “Ó, eu não vou aceitar”, eu falei pro meu amigo: “Ó, infelizmente eu não quero mais isso”, porque quando eu fui preso na época houve aquela tensão dentro da comunidade, né, meu irmão: “O Cabeça foi preso”, que o meu vulgo na época era Cabeça: “Pô, o Cabeça foi preso, os policiais pegaram o Cabeça, o Cabeça”, aí ficou aquela tensão dentro da comunidade, né, e por quê? Porque quando eu fui solto, né, aí eu, quando eu fui solto, os policiais foram embora, aquela coisa toda, foi anoitecendo, já tinha minha convicção, o que que eu iria fazer, fui pra dentro da favela em direção, né, da rapaziada, conversar com o gerente e com o meu amigo, aí quando eu cheguei lá fizeram a maior festa: “Aí, Cabeça, ta solto, porra, maluco, tu foi batizado, pá”, que aquilo que aconteceu comigo era um batismo, né, meu irmão, porque eu fui e voltei: “Pô, tu é sinistrão mesmo, tu soube desenrolar aquela coisa toda”, mas eu falei pra eles: “Ó, rapaz, eu soube desenrolar, desenrolei, mas meu pai chorando, minha família toda sabe agora e eu não quero mais essa vida pra mim, não”, “Qual foi, cumpadi? Não, que isso?”, aí começou aquele debate, né: “Não, você não pode pular do barco agora”, eu falei: “Mas eu vou pular, meu irmão, é a minha família, é a minha vida, minha esposa chorando lá, entendeu, minha esposa tá grávida, tá entendendo, e eu não quero mais essa vida pra mim, não”, aí eu chamei o meu amigo em particular, eu falei: “Meu irmão, tá aqui os fuzil, tá aqui as droga, tá entendendo, a partir de hoje eu não quero mais saber de nada disso”, ele: “Pô, é isso que tu quer mesmo?”, “É isso que eu quero”, “Então se é isso que você quer tá tranquilo, vou deixar tu sair tranquilo”. Mas aí já não era mais a mesma coisa, esse meu amigo, ele só assumiria a favela se fosse comigo, tá entendendo, aí automaticamente depois de uns meses ele não assumiu mais a favela, ele preferiu deixar com um sucessor que era um cunhado dele, tá entendendo, e sair, porque ele só confiava em mim, tá entendendo, e aí foi quando, caminhando pra igreja, ele vendo, ele me vendo, né, porque foi uma mudança radical, né: “Pô, o Dione agora já não tá mais nas esquinas, já não tá mais nas bocas, já não tá mais, agora ele tá indo pra igreja, pô, agora é um homem pacato” e aquele meu testemunho começou a impactar o meu próprio amigo, algumas pessoas: “Pô, será que isso é verdade mesmo, meu irmão”, até os policiais que falaram que voltariam pra me pegar eles não acreditaram: “Agora tu é bíblia mesmo, né, meu irmão, ó, vou te pegar no furo”, eles me paravam, tá entendendo, eles ficavam me rodeando pra saber se aquilo era verdade, né, porque foi um, na época era um fato inédito, tá entendendo, um jovem que tinha tudo pra seguir a vida do crime largar o crime, agora viver uma outra vida, foi o que aconteceu, né, comecei a entrar pra igreja, né, comecei a ser fiel a igreja.
P/1 – Que igreja que é?
R – Era a Igreja Congregacional, que era dentro da comunidade, porque nesse dia, depois que eu entreguei os armamento, entreguei, é o famoso desenrolado, quando eu desenrolei lá com a rapaziada, né, e eu falei assim: “Ó, daqui eu to saindo pra procurar um pastor, meu irmão, eu vou voltar pra Jesus, Jesus ta pedindo pra mim orar” e foi quando aconteceu, né, eu procurei um pastor, ele automaticamente orou pela minha vida, ali ele me convidou pra ir pra igreja, tá entendendo, é uma coisa semelhante ao Suburbia, eu to vivendo um papel no Suburbia semelhante ao Clayton.
P/1 – Pois é, o que tem do Dione no Clayton, depois a gente vai fazer essa pergunta.
R – Tá entendendo, e o que que acontece e ali eu comecei, aí eu comecei, agora, voltando pras favela, voltando
pra boca de fumo não como um traficante, como o articulador, mas agora: “Pô, meu irmão, olha aqui o que que Jesus fez na minha vida, vai fazer na tua também, meu irmão, vamos”, aí eu comecei a ganhar vários jovens do tráfico, o meu próprio amigo largou o tráfico, consegui ganhar ele pra Jesus, tá entendendo, e eu comecei a fazer uma revolução, aí eu comecei, juntamente com o pastor da igreja, montar o famoso arrastão de Cristo, a gente entrava dentro dos bailes, tá entendendo, com os jovens tudo que saiu do tráfico de camiseta chamada arrastão de Cristo e quando via aquela “muvuca” na madrugada entrando dentro do baile, tá entendendo, de bíblia na mão e de folheto na mão: “Pô, o que que é isso?”, aquilo era inédito dentro da comunidade, a gente começamos a invadir, né, a comunidade com esse arrastão de Cristo e ganhava jovem pra Jesus. E eu fui crescendo dentro da igreja, né, pela minha sinceridade, pelo meu desenvolvimento, aí fui consagrado, que dentro da igreja existe as hierarquias, a obreiro, fui consagrado a diácono e aquilo ali era uma coisa bastante espontânea da minha parte e quando eu tava no tráfico, além de eu ser um jovem que graças a Deus não deixou eu assumir essa outra fase da minha vida no tráfico, mas eu não gostava que ninguém matasse ninguém, por exemplo, tinha jovem amarrado pra morrer lá, tava no cativeiro pra morrer: “Aí, parceiro, tem um pra morrer ali, meu irmão, xis nove, tarado, estuprador”, eu ia até essa situação e começava a entrevistar: “O que que tu fez, cara?”, “Pô, não é nada disso, pô, me inventaram umas calúnias, inventaram umas”, eu falei: ‘Pô, meu irmão, ó, vou te liberar aqui, meu irmão, mas, pô, vou desenrolar pra tu”, aí eu chegava pros camarada: “Pô, meu irmão, sabe o que acontece? Não quero desrespeitar vocês, não, mas o camarada ali merece uma oportunidade, tá entendendo, vamos dar uma oportunidade pra ele”, aí eu liberava ele: “To contigo mesmo, se não tu que vai ter que cobrar pela tua mão”, “Não, tranquilo, deixa comigo”, eu chegava: “Tá vendo aí, pô, se você errar eu que vou ter que te cobrar, pô, então, pô, não erra mais, não, pô, faz isso, faz aquilo”, então eu comecei a ter essa influência e quando eu entrei pra igreja aí é que eu comecei: “Pô, meu irmão, não mata ninguém, não”.
P/1 – Da onde veio isso, de onde é que você acha que veio isso seu dessa tua fala, da tua capacidade de convencimento, dessa tua interlocução?
R – Pô, eu creio que isso nasceu dentro de mim, eu posso dizer que isso veio.
P/1 – Porque tinha os dois lados, quer dizer, no movimento você também tinha esse poder de articulação e de convencimento e na igreja você também tem.
R – Eu creio que isso é um dom, tá entendendo, que eu nasci com esse dom, né, porque eu comecei a ver, né, que eu tinha algum desenvolvimento pra articular situações e eu falei: “Pô, isso aqui vai ser a minha ponte, isso aqui vai ser o meu alicerce”, entendeu, de eu poder convencer, então a gente começamos a trabalhar em cima desse dom que eu tinha, ta entendendo, aí eu voltava pras boca de fumo pregando, né, ao ponto que eu falei assim: “Rapaz, eu tenho que ajudar mais essa rapaziada, como é que eu vou fazer?”, porque tinha alguns jovens que queria sair do tráfico, mas não tinha onde ficar, tava devendo a polícia, tá entendendo, era viciado demais: “Pô, eu preciso de um lugar pra me recuperar”, aí foi quando eu conversei com o meu pastor, meu pastor me consagrou a pastor, mas a igreja em si não concordava com esse trabalho de recuperação, por exemplo, eu cheguei pro pastor: “Pastor, tem como eu guardar um jovem aqui dentro? Pô, ele não tem onde ficar, mas ele precisa se recuperar, eu vou ficar cuidando dele aqui dentro” e o próprio sistema da igreja da época não concordava com isso, aí o que que eu fiz? Aí eu montei, né, o pastor, ele tinha dado na minha mão uma congregação, né, e dentro dessa congregação eu comecei a botar os garotos dentro dessa congregaçãozinha, era um espaçozinho pequeno, falei: “Meu irmão, ti vai ficar aqui, tu vai dormir nos banco, vou tá aqui contigo, a gente vai tá, tá entendendo, trabalhando junto”, aí foi quando eu cheguei pro pastor, né, falei: “Pastor, a realidade é essa, eu quero cuidar desses jovens, eu não quero ser rebelde com o senhor, eu queria que o senhor me abençoasse, eu queria montar um ministério independente, tá entendendo”, foi quando nasceu a igreja Assembleia de Deus Ministério da Restauração, isso em 2004, né.
P/1 – Lá na Vila Aliança?
R – Lá na Vila Aliança, em Senador Camará, tá entendendo, aí começamos a trabalhar com os jovens, aí eu comecei, né, invadir mesmo as favela, as boca de fumo, os garotos, jé, aí o que que aconteceu? Pô, o pessoal viu que eu era um pastor que ia lá agora: “O Dione agora é um pastor que vem resgatar as almas”, então eles não deixavam nem eu saber que ia morrer gente, aí os próprios morador me ligava, né: “Pô, tá morrendo, tem um camarada amarrado aqui pra morrer”, aí quando eu chegava eles ficavam: “Pô, quem te avisou?”, “Pô, meu irmão, tranquilo, sabe que a minha missão é essa, ninguém vai matar ninguém, ta entendendo, vou levar ele, vou cuidar dele, tá entendendo, peço essa oportunidade respeitando, né, a sua autoridade, mas, pô, esse sangue você ia derramar aqui não vai correr na tua mão porque eu vou te ajudar a não matar esse jovem, eu vou cuidar dele”, aí foi quando começou o nosso trabalho de centro de recuperação, tá entendendo, conscientizando esses jovens, tá entendendo, a não matar, mas sim muitas das vezes levar pra mim e a obra foi crescendo de um pedacinho, tá entendendo, uma congregaçãozinha pequena, o negócio foi crescendo, foi crescendo e hoje é a igreja que é, né, a Assembleia de Deus do Ministério da Restauração.
P/1 – Como é que a televisão inglesa te descobriu?
R – A televisão inglesa me descobriu da seguinte forma: eu ganhei um traficante pra Jesus chamado Washington, né, o nome dele é Washington, o antigo Feijão do Amarelinho, não sei se vocês viram uma matéria, isso em 2005, de um traficante que foi preso na Bahia numa fazenda de cacau, que ele era dono do Amarelinho, mas tava lá escondido, então foi uma repercussão terrível, era esse jovem, ele tava numa comunidade onde eu tava pregando, ele ia invadir uma outra, a própria comunidade dele, que tomaram dele, né, ali eu convenci ele não ir pra comunidade dele, os outros jovens que estavam com ele, tava apoiando ele, também tava se sentindo oprimido e eu convenci, falei: “Rapaz, tu vai morrer”, aquela coisa toda e eu ganhei esse jovem pra Jesus porque no outro dia, pô, um dos maiores traficantes da época, né, no outro dia ele me procurou: “Pô, não quero mais essa vida, não, cara, tu me deu um tapa”, conclusão, né, começou a andar comigo, né, aí, pô, mais um, eu vi a minha história se repetir: “Pô, o traficante Feijãozinho do Amarelinho agora é crente, meu irmão, caramba, o pastor Dione conseguiu resgatar ele”, aquela coisa toda. E começou a haver repercussões de alguns jovens que a gente começou a ganhar pra Jesus e esse rapaz tinha feito uma matéria com esse jornalista inglês, tá entendendo, que foi dentro da favela na época que ele era traficante, tá entendendo, esse jornalista quando viu ele convertido numa festa, falou: “Pô, você não é o fulano de tal, pô, o que que aconteceu?”, “Pô, o Pastor Dione foi lá na favela, pregou”, “Eu quero conhecer o Pastor Dione”, aí foi quando ele publicou, né, foi lá no nosso trabalho, aí começou a nos entrevistar, na época eu tinha um centro de recuperação, ainda era pequenininho, né, com alguns jovens falando, aquela coisa toda e ali publicou, em 2007, né, essa matéria no The Guardian, né, aí
o John Blair, né, viu essa matéria.
P/1 – Como que era a chamada dessa matéria?
R – A chamada era uma página inteira, né, do The Guardian, se você entrar na internet The Guardian, Pastor Dione, você vai ver essa matéria lá, era uma foto, aí nessa época ele me procurou: “Pô, quero fazer uma matéria contigo” e eu falei: “Pô, tu quer fazer uma matéria comigo? Então tá bom, então tu vai ter que me acompanhar”, aí eu me lembro que o evangelismo que eu fazia eu começava dez horas da noite, terminava às cinco horas da manhã e entrava dentro das favelas, tá entendendo, entrava dentro das Favela da Maré, da Rocinha, tá entendendo, em todas as comunidades e ele vinha tirando foto, né, e os traficante vendo: “Ó, to com um jornalista aí me acompanhando, que ficou maravilhado com a matéria, tá entendendo, com o nosso trabalho, e tá tirando foto aí com a gente, coisa e tal”, “Não, pastor, tranquilo, tá com o senhor, só não tira a nossa cara, só não”, aquela coisa toda, aí eu falei: “Tranquilo, tá vendo aí, né, rapaziada, só não pode tirar o rosto, mas do pescoço pra baixo pode tirar”, aí teve uma foto que eu tava com a bíblia na mão e o rapaz tava com o fuzil, ele tava em pé com o fuzil assim
apontado pra baixo e eu com a bíblia, apontando pra bíblia: “Rapaz, isso aqui que é um fuzil de verdade, não é isso aí, não, essa arma aí ela mata, tá entendendo, vidas, essa arma aqui, ela dá vida”, aí foi quando ele tirou a foto e essa foto ficou fenomenal.Essa foto aí explodiu tudo e foi a capa do The Guardian, escrito em cima: “Pastor com a bíblia na mão invade as comunidade mostrando a degeneração dos homens”, aí ele veio relatando, né, como é que: “Um certo traficante procurou o pastor, chorou no peito dele, deixou o fuzil de lado, uma coisa inédita, chorando no peito do pastor, dizendo que queria mudar de vida” e eles gravando, filmando tudo aquilo, aí quando bateu lá no The Guardian, tá entendendo, o John Blair viu e procurou o Tom, Tom Philips, né, hoje ele tá até na, se eu não me engano ele tá na China e: “Eu quero conhecer esse pastor também, pô, isso é inédito, um pastor entrar dentro das favela”, tá entendendo, aí foi quando ele nos procurou, conversou conosco, ele quer fazer um documentário, tá entendendo do teu trabalho, conversar com alguns jovens, com alguns viciados, alguns ex-traficantes: “Não tem problema, manda ele vir conversar comigo”, ele veio, passou o que que ele queria, ele ficou comigo 30, 30 dias comigo, foi um reality show. Eu comecei a conversar com os traficantes: “Ó, pô, tem uma proposta aí, tá entendendo, de um documentário querendo mostrar, vocês não sempre quiseram falar”, né, porque a imprensa antigamente, até hoje, eles não abrem o coração deles pra jornalista nenhum, né, a nível de passar, falar o que eles querem, né, porque a imprensa, ela julga o traficante de uma forma, eu falei: “Pô, e é a imprensa internacional, eles quer saber o que que você pensa, eles quer ouvir a tua voz, você vai falar o que você deseja e não vai ser”, “Pô, não vai ser cortado, aí não vai ser coratado, pô, pastor, pode trazer, pô, pode filmar nossa cara aí, a gente quer falar mesmo, a gente quer botar pra fora o que tá dentro do nosso coração, porque hoje eu sou traficante”, aí foi quando eu ia evangelizar, eles ficava comigo, eu ia pro banheiro, eles iam, eu tomava banho, eles me filmava, um Big Brother, tá entendendo.
P/1 – Por que você achava que era importante esse trabalho?
R – Porque o mundo tinha que ver, tá entendendo, esse trabalho porque a realidade, pelo tráfico também se organizar o governo também começou a se organizar e dentro das comunidade o traficante era tido como traficante que não tinha solução, que não tinha regeneração, mas eu era um traficante que foi, tá entendendo, ressocializado, eu era um homem também que vivia no meio deles, mas ali eu podia falar do que eu conhecia: “Não, pô, ele pode ser um homem restaurado, ele pode ser um homem ressocializado, mas as pessoas não vê”, eu queria mostrar isso, né, eu queria que as pessoas conhecessem que o traficante que eles conhecia como matador, como um homem que portava um fuzil, ele poderia também ser um cidadão de bem, só precisava de uma oportunidade e eu creio até hoje que isso é necessário, que isso é verdadeiro, mas infelizmente, porque a gente conhece muitas das vezes o outro lado, por que o traficante tá ali? O traficante tá ali porque ele deve a justiça e, por sua vez, por ele ter medo de procurar a justiça, se entregar, tá entendendo, ele sabe que o policial que prendeu ele, tá entendendo, tem algo preso com ele que pode matar ele dentro da cadeia pra ele não abrir o bico porque aceitava o arrego, aquelas coisa toda, tá entendendo, que fica em oculto, né: “Pô, mas se eu sair, pô, quem vai me proteger, quem vai?”, foi quando eu também quis trazer a existência de uma mídia, né, internacional: “Ó, aqui, meu irmão, o trabalho é sério, aqui o negócio não adianta você vir pra cá, querer esculachar os meus garoto, a minha igreja porque aqui o negócio é sério, aqui é regeneração, né”. Porque todas as vezes que tinha uma operação dentro da favela, todas as vezes que tinha um aparato policial, eles ia lá no meu centro de recuperação, eles ia lá minha igreja porque eles sabia que ali tinha jovens, ta entendendo, que foram resgatados do tráfico e era conhecido como enfermaria do tráfico porque eu pegava o jovem todo arrebentado, levava pra minha igreja e cuidava dele, pô, daqui a pouco o jovem tava todo bom, ta entendendo, todo arrumadinho, bonitinho, dentro dessa situação, então eu quis passar isso e foi o que John Blair também, né, na época passou, a veracidade de tudo, né, e foi um filme que, foi um documentário que era pra ser de 40 minuto, o John Blair: “Meu irmão, isso não é documentário, eu vou fazer um filme, isso da pra fazer um filme”, que na época, em 2009, ele saiu no festival de cinema aqui do Rio, né, aqui na Glória, né, foi lançado, saiu em alguns cinemas, foi pra alguns cinemas, mas lá fora explodiu, o canal quatro da BBC de Londres vendeu pra um outro canal, tá entendendo, e passou no mundo inteiro, até na Discovery passou esse documentário, entendeu.
P/1 – Agora, como é que o Dione na vida pessoal e no Suburbia?
R – Bom, vamos lá, o Dione na vida real é um homem que se dedica ao que faz, né, é um homem que pensa em tudo que vai fazer, é um pastor, ama o que faz, né, e tá dentro das comunidades e o Dione dentro do Suburbia é parecido com o Dione realmente fora do Suburbia porque eu to fazendo não, ainda que pra muitas pessoas que vão me ver dentro do Suburbia: “Pô, deve tá representando”, não, é o que eu faço, pra mim o Suburbia foi um presente de Deus.
P/1 – Como se deu o convite pra você fazer?
R – Bom, o convite pra mim foi até uma surpresa, né, pelo que eu fiquei sabendo o Luis Fernando, né, ele teve um conhecimento do nosso trabalho, né, do que ele precisava, por quê? Porque o Suburbia vem contando a história de uma jovem, não é isso, que vem do interior, vem pra cidade grande e aquela coisa toda, um jovem que se revolta com muita coisa, por matarem o irmão dele, né, e isso é real, é real dentro das comunidades,mas também tinha que haver uma autenticidade daquilo que poderia ajudar, né, o Suburbia a nível de religião, né, porque teria que ter um pastor ou um ator que teria que ir pra dentro da favela, tá entendendo, ou seja, procurar alguém pra vivenciar, estudar, passar aquela situação de um pastor verdadeiro, tá entendendo, pra que pudesse ficar algo autêntico, então eu creio que o Suburbia é uma coisa tão autêntica a vida real que por vários pastores acho que nós fomos o mais autêntico do nosso trabalho pra ocupar o papel de Suburbia, eu fiquei muito feliz quando fui convidado, né, o diretor Luis Fernando e eu falei assim: “Olha, eu só exijo uma coisa, que eu seja eu mesmo”, “Não, é isso que o diretor quer, que você seja você mesmo.
P/1 – E aí você recebe os textos, você lê e quando você lê você fala assim: “Gente, já sei sobre isso, é isso ou não é isso”, como é?
R – Bom, os texto é parecido, né, com aquilo que a gente vivencia, né, com aquilo que a gente prega e o Luis Fernando me deixou bastante à vontade, que eu pudesse tá dentro do texto e ao mesmo tempo ser natural, pegar o texto e colocar dentro da minha fala, ainda que seja parecido, ainda que seja igual, porque é igual à minha vida, tá entendendo, mas com algumas diferença, né, então a gente pega aquele texto, grava o texto e ali a gente dá uma aprimorada no texto, a gente só não fica só no texto, tá entendendo, a gente consegue abranger de um texto um capítulo muito grande, tá entendendo, a gente começa a vivenciar dentro do texto a nossa própria vida, tá entendendo, aí a coisa fica bonita.
P/1 – Como é que é essa relação do Clayton com o Pastor Dione?
R – Bom, a relação do Clayton com o pastor é uma relação que eu posso dizer igual a que eu tenho com os outros jovens, né, ele, os outros jovens que tão no tráfico me olham como um homem que pode ajudar eles, né, pode ensinar um caminho diferente e o Clayton também me vê dessa forma e eu por sua vez vejo o Clayton como eu vejo o jovem que eu sempre cuidei, que eu sempre preguei, que eu sempre zelei e é assim que eu vejo o Clayton, um jovem que pode ser um potencial maior do que a vida que ele tá levando.
P/1 – Como é que é gravar essas cenas com eles?
R – Bom, é divertido, né, porque eu, a cena que eu gravei lá
no Paquetá foi uma cena que é costumeira minha, né, quando o Clayton, ele sofre o golpe, aquela coisa toda, ele tá dentro de casa pensando que vai morrer e a mãe dele manda me chamar, manda me chamar e eu tenho a convicção de pregar pra ele e ele se converter à igreja, se converter ao evangélico e mostrar que ele não morreu porque Deus assim o livrou, porque Deus tinha um plano na vida dele, né, e as cenas pra mim é meu cotidiano, pro Clayton possa ser, tá entendendo, uma coisa cinematográfica, ma pra mim é aquilo, pô, to fazendo uma coisa assim cinematográfica, mas é uma coisa que eu vivencio, tá entendendo, na minha vida real.
P/1 – O que significou pra você participar do Suburbia?
R – Significou pra mim, significou pra mim uma honra muito grande, um pastor evangélico, né, dentro da Globo, dentro de uma minissérie importante, ser revelado, eu até venho, assim, agradecer a parabenizar o Luis Fernando porque uma grande porta se abre com relação ao mundo evangélico dentro da Globo, tá entendendo, porque as pessoas que me conhecem sabem que eu sou um pastor verdadeiro, os crente, as pessoas que são evangélica, que não via a Globo, tá entendendo, vai saber que tem um pastor evangélico e vai ter curiosidade: “Quem é esse pastor? É o Pastor Dione, pô, vamos ver o que tá acontecendo”, tá entendendo, então vai ser uma especulação tremenda, né, porque o Suburbia foi um presente, tá entendendo, de mostrar um trabalho, uma emissora, verdadeiro que há dentro das comunidade com uma pessoa que é um pastor de verdade, né, e isso pra mim foi um presente e parabenizo ao Luis Fernando e agradeço a Globo, né, de mostrar isso.
P/1 – O que acha desse trabalho, que são jovens negros de comunidades diferentes do Rio, deles tarem tendo essa experiência de trabalho, né, porque eu acho que o Suburbia é uma quebra de paradigma, quer dizer, vai ser uma minissérie, basicamente atores negros, tem o pessoal mais velha guarda, o Arthur Costa, a Rosa Maria, mas, assim, gente jovem saída de comunidade, né, como é que você enxerga isso no contexto geral?
R – Eu enxergo, né, que o Luis Fernando como um visionário de sempre tentar trazer a veracidade, né, dos fato, que isso vai ser uma vitrine, essa minissérie vai ser uma vitrine porque jovens que estão lá fora, jovens que estão pensando que não têm mais possibilidade de seguir uma carreira, ser um ator, ser um artista, ser um modelo, ele vai, o creio que o Suburbia vai entrar no meio de uma visão de pensamento, de uma linha de pensamento, pô, meu irmão, só tem pessoas que vieram da favela, da comunidade, tão tendo a oportunidade, são artistas novos e eu creio que isso vai surgir o interesse do jovem que queira entrar pro tráfico, do jovem que queira viver uma vida errônea e querer tentar lutar por uma vida artística, eu tenho essa visão, né, eu vejo que o Suburbia é uma vitrine positiva pra que possa surgir vários talentos que estão em oculto.
P/1 – Alguma fala que tenha mais te impactado nessa gravações, alguma parte de texto que tenha te marcado mais ou te emocionado mais?
R – Tem, tem sim, foi na, como eu havia dito, quando eu chego pra, o Clayton te deitado no chão, né, e ali ele tá desesperado pensando que vai morrer, mas não quer morrer e ali eu começo a conversar com o Clayton e eu falo pro Clayton: “Clayton, o que aconteceu contigo e o que você sentiu foi a presença de Deus lá dentro daquele rio”, ele olha pra mim estatalado, né, com aquele olhão, ele fala: “Pastor, é verdade, foi a presença de Deus, eu senti, eu vi, eu vi, eu vi isso” e eu olho pro Clayton, falo assim: “Clayton, você quer aceitar Jesus como único e suficiente salvador da sua vida para remissão de seus pecados e pra salvação da tua alma pra você ser uma nova criatura?”, o Clayton olha pra mim, ali naquele momento parece que tem uma guerra, né, entre o mau e o bem, o Clayton relutando e a mãe dele: “Fala, meu filho, aceita, meu filho” e ele, mediante o seu desespero: “Aceito, aceito”. Aquilo ali eu fiquei impactado porque é uma coisa que eu já vivenciei, né, na minha vida, me lembrou de um fato de um jovem que tava morrendo com a cabeça toda arrebentada e ali eu perguntei, eu sabendo que ele tinha perdido muito sangue, perguntei: “Você quer aceitar Jesus como” e aquele jovem, né, agonizando, a morte, ele: “Aceito, pastor”, isso me chocou muito porque foi uma cena que eu vivenciei e ali eu tava gravando com o Clayton essa cena.
P/1 – O nome do teu personagem é Pastor?
R – É Pastor Dione mesmo.
P/1 – O que você acha do diretor, quer dizer, ter escolhido o teu próprio nome, o próprio personagem interpretado por você que é você, né?
R – Eu fiquei maravilhado, né, porque da mesma forma eu senti que o diretor, ele me respeitou, né, em tudo, ao ponto de eu tá, assim, fazendo o papel, né, mas ao mesmo tempo ele me deu essa autenticidade, né, eu fiquei maravilhado.
P/1 – Pra gente ir encerrando duas perguntas, uma: qual o valor da vida que você acha mais importante de transmitir? Quer dizer, uma pessoa que tem uma trajetória que começou com uma história da sua família humilde, foi crescendo, você brincava de carrinho de rolimã, depois teve uma passagem forte, né, pelo movimento, vai pra evangelização, qual é o valor da vida que você acha importante de se ter, de se transmitir?
R – Bom, um dos valores mais importantes da vida que eu posso dizer pela minha trajetória, pela convivência que eu tive com outros jovens, né, com o meu trabalho, é o valor da obediência porque isso foi destruído dentro das família, né, o filho pedir benção: “Benção, pai, benção mãe”, porque independente de quem seja a pessoa quando ela pede a benção pro pai, pede a benção pra mãe é uma coisa genética que ta ligada a Deus e quando ela fala: “Meu filho, que Deus te abençoe”, aquilo se abre um leque, né, no mundo espiritual de uma guarnição praquele jovem, praquele filho, isso foi perdido, né, do pai ter essa obediência, do filho ter essa obediência ao pai ao ponto dele falar assim: “Benção pai, benção mãe” e o pai com a maior alegria, independente da idade que o filho tenha: “Que Deus te abençoe, meu filho, que Deus te guarde, meu filho, que Deus te ilumine, meu filho”, né, isso é uma profecia que foi gerada de Deus pra vida de qualquer ser humano, ser guardado por essa benção.
P/1 – Como é que é o Dione pai?
R – O Dione pai, eu vou ser bem sincero com vocês, o Dione pai é um pai que ama os filho, mas um pouco ausente pelo trabalho que eu faço, eu sou um pai um pouco ausente, né, com os meus filho, o meu filho mais novo, ele cresceu, né, podemos assim, de eu nunca ter jogado bola com ele, de eu nunca ter soltado pipa com ele, por quê? Porque eu me preocupava mais com os outros jovens do que com o meu próprio filho.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu sabia que meu filho tinha a mãe dele e tinha os avós que amava, né, então eu sabia que a criação do meu filho tava sendo bem amparada, né, ainda que precisasse da presença do pai, tá entendendo, mas eu me ocultei muito com relação a isso e o filho que eu tenho agora de dois anos, é dois anos e meio, é um filho adotivo, que é fruto do meu trabalho, né, e esse menino eu já faço diferente, né, eu já to mais com ele, já abraço mais ele, o que eu não fiz com o meu filho mais velho eu faço com meu filho mais novo e eu passo isso pro meu filho mais velho: “Filho, sabe que o teu pai teve na guerra esse tempo todo, teu irmão é teu irmão, não é porque ele é adotivo, você tem que dar carinho pra ele, né” e o Davi Dione foi um presente de Deus pra mim, pra me recomeçar, né.
P/1 – Davi é o nome dele?
R – É Davi Dione, ele é fruto do nosso trabalho.
P/1 – E do seu filho mais velho qual é o nome?
R – Lucas Dione e eu tento ser um pai agora mais do que nunca pro Davi Dione e pro Lucas Dione, que agora ele, eu vejo, o meu medo, né, o meu medo é que a idade que ele tem é a idade que eu me despontei, 15 anos, é a idade que eu virei a casaca, então hoje eu quero, eu falo pra ele: “Meu irmão, quero ser teu amigo, quero ser, senta aqui, meu irmão, tu ta vendo, tu viu o que aconteceu, tu participou comigo, tu viu o nosso trabalho, você viu o que que é as droga, você viu o que que é a vacilação, você viu, então você, meu irmão, você não pode entrar por esse caminho, você viu o que quase que aconteceu com o teu pai”, então a gente, agora com o meu filho com 15 anos eu sou um pai que passa uma experiência, ta entendendo, pra ele da sua idade de jovem a idade adulta.
P/1 – Você domingo em família, futebol, almoço junto?
R – Tem, tem sim, a gente senta pra comer, né, a gente sai muito, né, agora a gente tem, isso família, a gente ta sempre unido, graças a Deus.
P/1 – Algum sonho ainda a ser realizado, Dione?
R – Tenho sim, o meu sonho é acabar com o crack, esse é o meu sonho, acabar com o crack na vida dos jovens, essa é a minha fase terminal da minha carreira, né, é lutar até o fim em acabar com o crack, de ter uma sabedoria, desenvolver, ta entendendo, pra que o crack e as droga não existam mais na vida do jovem, esse é meu sonho, porque é uma droga que denigre, é uma droga que faz o jovem de tudo a nada, de ser alguém a não ser ninguém, um jovem que tinha família que passa a ser um delinquente sem perspectiva de vida, um jovem que tinha sonhos ele fica no escuro, um jovem que poderia ser alguém que hoje não tem expectativa e é conhecido como ninguém, então isso é uma droga que eu tenho um sonho de Deus me dar uma sabedoria pra poder influenciar essa juventude a não mais fumar o crack.
P/1 – Já parou pra pensar como vai ser o dia do primeiro capítulo do Suburbia, em casa, a galera toda vai ver, como é que vai ser?
R – É, vai ser uma ansiedade tremenda, né, o primeiro capítulo Suburbia, aquela coisa toda, né, pô, vai ser ligações: “Ó, vai começar Suburbia, pô, assiste aí a Suburbia, meu irmão, entendeu, vamos, tem que ver a Suburbia, quer saber”, “Mas, pô, a cena que eu não te vi”, “Não, tu vai me ver, fica tranquilo”, então vai ser uma coisa inédito, né, vai ser uma ansiedade e vai ser uma alegria tremenda também, né, porque a gente vai ta assim passando, vendo a ali na mente um recado que eu sempre tentei passar, né, uma coisa que eu nunca imaginei, como o documentário “Dançando com o diabo” foi pra mim uma grande ponte, uma grande, um projeto de evangelismo, né, eu creio que através da Globo, né, o nosso papel vai também passar alguma coisa pra juventude, isso pra mim é gratificante trabalhar no Suburbia.
P/1 – Eu agradeço imensamente pelo belíssimo depoimento, gostaria de comentar mais alguma coisa?
R – Bom, gostaria sim, gostaria
de comentar ou registrar que todo o jovem que tá nas droga, todo jovem que está sem expectativa de vida, ele tem esperança, não pense que é o fim, não pense que não existe uma luz no final do túnel, pra ele tem jeito, pra ele tem solução, que você venha a ser uma pessoa, um jovem que busque isso dentro de você, um grande guerreiro.
P/1 – O que você achou de prestar esse depoimento, contar um pouco sobre a sua trajetória de vida, parte, né?
R – Desse depoimento, eu achei maravilhoso porque eu fico maravilhado quando eu conto histórias que estavam em oculto, tá entendendo, eu acho isso muito importante da imprensa, seja qual ela for, eu queria até que todas as imprensas tivesse essa maturidade de influenciar, saber que ela pode ajudar em alguma coisa a nível de mostrar que se a pessoa não tem jeito, se é o fim do túnel, se é o final, ela tem possibilidade se erguer, a imprensa tem essa possibilidade e pra mim ta dando essa entrevista, porque eu sei que tem alguém, um ou dois que vai ver e vai refletir, vai pensar, né, naquilo que nós estamos falando e vai até estudar: “Pô, vou procurar saber, vou pesquisar, né, se isso realmente tem possibilidade” e pra mim é um prazer imenso.
P/1 – Agradeço imensamente em nome da TV Globo e do Museu da Pessoa, muito obrigada.
R – Eu que agradeço, um abraço pra todos vocês, tá bom, que Deus venha abençoar a vida de cada um de vocês.
P/1 – Super obrigada.Recolher