P/1 – Bia, bom dia!
R – Bom dia.
P/1 – Bia, pra gente começar eu gostaria que você me dissesse o seu nome completo.
R – Maria Luiza Barbosa de Freitas.
P/1 – Você nasceu em qual cidade, Bia?
R – Na cidade de Caucaia no interior, por nome de Olho D’Água.
P/1 – Era uma comuni...Continuar leitura
P/1 – Bia, bom dia!
R – Bom dia.
P/1 – Bia, pra gente começar eu gostaria que você me dissesse o seu nome completo.
R – Maria Luiza Barbosa de Freitas.
P/1 – Você nasceu em qual cidade, Bia?
R – Na cidade de Caucaia no interior, por nome de Olho D’Água.
P/1 – Era uma comunidade?
R – Era uma comunidade.
P/1 – E que data que você nasceu?
R – Vinte e três de maio de 1957.
P/1 – Bia, e o nome dos seus pais?
R – O meu pai é Francisco Barbosa de Moraes.
P/1 – E da sua mãe?
R – Francisca Benvindo Barbosa.
P/1 – Eles eram lá dessa comunidade, Olho D’Água?
R – Eram. Nascido e criado na comunidade.
P/1 – E você teve irmãos?
R – Tenho. Tenho cinco irmãos, seis comigo.
P/1 – Ah, é? Quantas mulheres e quantos homens?
R – Três mulheres e três homens.
P/1 – E você é o que, a primeira?
R – Eu sou a quinta. Nós somos seis. Aí tinha os quatro mais velhos e eu sou a quinta.
P/1 – E o último era o que? Era um homem?
R – Era uma mulher.
P/1 – Era uma mulher? Ah. E como que era viver lá na comunidade Olho D’Água?
R –A comunidade era... Meu pai é o tipo seu fazendeiro, tinha criação de animais, de cabra, de porco, de muita galinha e plantava bastante, agricultura.
P/1 – O que vocês plantavam lá?
R – Lá no sertão era diferente das coisas da praia. Era só algodão, era mamona, era fava, arroz, o feijão e o milho. Tudo isso.
P/1 – Ah, e vocês plantavam e consumiam e vocês vendiam também?
R – Vendia. Meu pai vendia algodão, vendia mamona, vendia arroz, saca de arroz.
P/1 – E o seu pai trabalhava ali sempre na plantação, agricultura?
R – Tudo na agricultura. Tudo é na agricultura.
P/1 – A sua mãe também?
R – Também. Todos na agricultura. Nós nunca tivemos o pé fora pra outra atividade a não ser só pra agricultura.
P/1 – E como que eram os seus pais, Bia?
R – Meus pais eram gente boa, mulher. Meu pai é gente boa, a minha mãe... Ainda hoje a minha mãe é viva, meu pai tá com um mês de falecido. Faleceu com 94 anos e ela tá com 93 anos.
P/1 – E como que eles eram quando vocês eram crianças assim?
R – Quando era criança a gente tinha uma criação boa, tinha uma educação dada por eles, apesar deles serem analfabetos, naquele tempo os idosos naquela época não tinham o estudo de hoje. Eram umas pessoas boas, umas pessoas que sabiam educar, respeitar os filhos, os filhos os pais. Eram umas pessoas maravilhosas.
P/1 – E a sua mãe também?
R – A mãe era também. Tanto que ficaram dessa idade convivendo casados eles.
P/1 –E como que era a infância lá?
R – A infância era só tomar banho de rio, Rio do Cauipe. Era nos açudes, que tinha muito açude, que sertão tem açude naqueles barrancos das serras, dos serrotes. A nossa infância era essa.
P/1 – E vocês brincavam com o quê, Bia?
R – Brincava de bonequinha, que a gente aprendeu a bordar, costurar através de aprender a fazer roupinha de boneca. Brincava dessas coisinhas.
P/1 – Mas vocês faziam as bonecas?
R – Fazia. A minha irmã mais velha fazia as bonecas, as bonequinhas de pano pras duas meninas mais novas brincarem.
P/1 – Aí como que vocês conseguiam o tecido? Vocês tinham que ir pra comunidade, pro centro?
R – Não. Os tecidozinhos as minhas tias. As minhas tias arranjavam, nesses tempos fazia muita nervura, aquelas coisas antigas, bordado na mão, nervura. Aí da onde elas tiravam aquele material pra trazer pra elas bordarem, aí elas traziam a minha irmã adquiria, que elas faziam da cambraia. Aquelas cambraias, que era cambraia antigamente que chamava, pra fazer aquelas bonecas, aquelas roupinhas de boneca.
P/1 – Você fazia também as bonecas?
R – Fazia. Aprendi a fazer. Aprendi a fazer as bonequinhas.
P/1 – E além das bonecas o que mais vocês brincavam?
R – Não. Nós meninas só brincávamos com as bonequinhas mesmo. Naquele tempo, nosso tempo, agora tô com 57 anos, não tinha as coisas que tem hoje.
P/1 – Mas tinha brincadeira de roda?
R – Tinha. Tinha brincadeira onde a gente estudava, aí tinha as brincadeirinhas de roda, que hoje é diferente que ninguém nem vê existir mais. Não existe. Antigamente tinha.
P/1 – E você ajudava também os seus pais na plantação?
R – Ajudava. Ajudava. Nós ajudávamos nosso pai a apanhar arroz, algodão, fava. E ajudava nossos pais. O pai nos criou todas assim. Nós vestíamos, calçávamos, não faltava nada pra nós por causa de que meu pai tinha nós todos ajudando nas condições financeira da agricultura.
P/1 – Você se lembra de alguma situação, Bia, assim da sua infância que foi marcante? Ou quando você ia pra roça, ou quando ia lá...
R – Lembro. Da nossa infância lembro que nós íamos dar água aos animais, em cacimba, as cacimbas que faziam no chão nas serras, nos pés do serrote. Aí a gente ia de animal, nós entrávamos na... entrava nas casas dos vizinhos, dentro de casa, nos jumentos. A gente ia no caminho, dobrava pras casas, aquelas casinhas ruins que eram assim quase que nem esse negócio aqui, a gente entrava pra dentro o cavalo e os animais dentro das casas das pessoas.
P/1 – Vocês entravam com tudo então?
R – Era. Nós éramos...
P/1 – Junto com o jumento?
R – Era. Nós brincávamos, éramos danadinhas. A gente fazia essas coisas.
P/1 – E você brincava com o que? Com os irmãos? Tinha vizinhos também por perto?
R – Tinha não. Só tinha uma casa, nesse tempo as casas eram longes, distantes, das minhas tias e só quem tinha filho era uma das minhas tias. Ela tinha três filhos, três meninos, mas os meninos dela já eram mais do que nós. Eram do tempo dos outros meus três irmãos mais velhos. Aí nós brincávamos os três irmãozinhos, que na minha casa parecia que eram duas famílias porque tinha três irmãos, uma irmã e dois irmãos. Aí nasceram esses dois, um irmão e mais as duas irmãs, que era eu com a minha irmã, aí nós só convivíamos juntinhos. O meu irmão neném e eu e a minha irmã Lúcia, que eram os três mais novos.
P/1 – São os três mais novos. E os três mais velhos como se chamavam?
R – É o Dedé, o Jorge e a Luzia. Que era o José, nós chamávamos de Dedé e o Jorge o nome era Jorge mesmo. E a Luzia.
P/1 – Bia, o seu apelido bia surgiu na infância?
R – Da minha irmã mais novinha. Que quando ela nasceu eu tinha cinco anos de idade, aí a irmãzinha foi e começou a me chamar de Bia. Pronto.
P/1 – Aí pegou.
R – Pegou. Ninguém me conhece pelo meu nome, só pelo documento.
P/1 – E seus pais também chamavam Bia?
R – Chamavam Bia. Tudinho, tudinho.
P/1 – Você gostava desse apelido?
R – Gostava. Gostava e gosto. Eu não gosto nem que me chama pelo nome.
P/1 – Bia, e a escola assim? Vocês estudaram ali na comunidade?
R – Meu Deus, a nossa escola era longe. A minha primeira escola foi a Maria Cleomar Pereira Gomes num lugar chamado Lagoinha, numa comunidade com o nome Lagoinha. Lá foi onde eu fui alfabetizada, fiz até o segundo aninho. Aí depois disso, quando terminava lá, aí a gente vinha pro Tapará, pra outro colégio Antônio Gomes Pereira, professora Lucivan de Aguiar da Cunha. Aí com essa daí a gente fez até esse ano, esse ano que eu lhe disse.
P/1 – Até a quinta série.
R – Foi.
P/1 – E assim, quando você ia pra escola, quanto tempo mais ou menos vocês caminhavam pra chegar?
R – Ai, minha filha, era uma hora de viagem. Uma hora de viagem.
P/1 – Vocês caminhavam?
R – Caminhava a pé. A pé. Todo tempo na sombra daquelas matas. Uma hora de viagem.
P/1 – Iam todos os irmãos juntos?
R – Não. Só ia eu e esses dois irmãos que eu estou lhe dizendo.
P/1 – Mais novos.
R – Era. Os três. Os primeiros já tinham estudado, já não iam porque as escolas antigamente eram muito fraquinhas, só chegava o ensino até essa série. Tinha diretora, tudo direitinho, mas não tinha mais. Aí se tinha outra escola, mas já era na sede, no centro de Caucaia, dentro da cidade mesmo. Como é que ia? Não tinha transporte, não tinha ônibus, não tinha nada pra ir pra lá, que antigamente o pessoal era difícil pra transportar pras cidades, não é que nem hoje. Era que nem aqui pra São Gonçalo. Se tivesse um menino pequeno que fosse pra passar pra estudar e não tivesse ônibus escolar, só faltava não ir porque a viagem era longe. Era o mesmo que...
P/1 – Era difícil então ir pra escola?
R – Era. Era que nem aqui, nós morando aqui e a cidade lá no São Gonçalo. Aí a gente não ia a pé, que não tinha ônibus que nem agora que tem. Todo menino que mora aqui vai pro São Gonçalo estudar. Vai pra Paracuru, vai pra comunidade que quer porque vem o ônibus escolar buscar e vem deixar, mas antigamente não tinha.
P/1 – Bia, qual lembrança que você tem dessa primeira escola?
R – A minha... Eu tenho uma lembrança boa da nossa professora, que já é falecida.
P/1 – Você lembra o nome dela?
R – Lembro-me. Esqueci o restinho, só que o nome dela era Maria, mas tinha os dois sobrenomes. Aí eu esqueci.
P/1 – E como que era essa escola? Essa primeira estudavam várias pessoas de séries diferentes?
R – Era. Essa escolinha ela tinha dois turnozinhos, um pela manhã e a tarde. Era as escolas fazem só um tipo assim galpãozinho só com duas janelas, só com uma porta pra entrar. Eu não sei nem se elas eram feitas de tijolo, se era feita de taipa e rebocada. Eu não sei.
P/1 – Você não lembra.
R – Era. Mas eu sei que elas ficavam bonitinhas.
P/1 – Vocês tinham merenda lá na escola?
R – Tinha não, filha. Naquela época não tinha merenda, não.
P/1 – Aí como vocês faziam? Vocês tinham que levar alguma coisa pra comer?
R – Era. Se fosse de manhã minha mãe fazia merenda pra nós e dava merendazinha pra gente levar ou por outra só quando chegasse. Nós tínhamos até pena dos outros amiguinhos que eles eram piores do que a gente, aí a gente nem levava, ia logo era assim mesmo sem merendar.
P/1 – E quando a sua mãe fazia merenda o que ela colocava pra vocês comerem?
R – Pra nós comermos? Pra fazer? Ela gostava sempre de fazer tapioca, fazer malassada de ovos, galinha caipira ela fazia. Aí o meu pai sempre ia pra Catuana e comprava bolacha, que nesse tempo nem pacote não era. Eu não sei nem onde é que eles colocavam aquelas bolachas, eu sei que o meu pai comprava no mercado de bolacha. Era uns embrulhos de bolacha, vinha assim embrulhado. Aí a gente tinha as merendazinhas. Meu pai gostava de comprar queijo grande, tirava assim um pouquinho. Eu nasci naquela época que foi seco, você não lembram, tinha sido seco, a seca do 58, eu já estava nascida. Eu fui criada com leite de cabra e papinha de queijo. Pegava o queijo e ralava e fazia aquelas papinhas pra eu comer.
P/1 – E a seca depois assim houve outro tempo de seca forte que você lembra na infância?
R – Houve essa que eu nasci e quando foi no 70, não sei se foi 77 ou oito, por aí, houve um repiquete grande que eu lembro que eu já tinha os meus irmãos rapazes, eles fizeram trabalho até na emergência, aqui era emergência que chamava acho que era. Eles trabalharam, mas de lá pra cá 93, quatro, também foi um ano meio razoável pra quem morava no interior. De lá pra cá que eu cheguei no Monguba já tem bem duas vezes que acontecem esses invernos fracos, mas não foi seco total.
P/1 – Bia, quando você já cresceu, já adolescente assim, nessa época... Vocês sempre moraram lá nessa região?
R – Moramos lá. Com 25 anos eu me casei com uma pessoa que morava no Cambeba. Aí eu vim de lá, do sertão pro Cambeba. O Cambeba era tipo isso aqui ou melhor, que era sítio. O que tinha no sítio? Muita diferença do sertão. Águas boas, era sítio de canavial, de coqueiro, de bananeira, de fruta mesmo e muita fruta, muito legume no sítio, onde eu morei 19 anos. Saí do sítio pra Monguba. Saí em 2000. Cheguei lá no 81 e saí em 2000. Morei 19 anos no sítio.
P/1 – A gente vai voltar depois, eu vou te perguntar mais, eu gostaria que você me dissesse também um pouco como era a vida religiosa. Você falou que já era evangélica naquela época?
R – Era. Era por causa da família da minha mãe, das irmãs dela. Nós fomos criados desde meninazinhas ali, de uns 14 anos que a gente começou a entender, que a gente era criado na igreja.
P/1 – Como que era ir pra igreja? Havia culto?
R – Tinha. Tinha os cultozinhos lá, tinha a escola dominical, tinha o aprendizado, tinha os cultos por semana. Todo dia tinha... O nosso caminho... Eu tô dessa idade, pode me perguntar o que é uma festa que eu não sei lhe dizer o que é. Porque nós que estamos aqui, nós vemos de tudo, mas por os meus pés pra dentro nunca.
P/1 – Então vocês não frequentavam festas?
R – Nada disso. Não.
P/1 – Mas existiam?
R – Existia.
P/1 – Lá na comunidade.
R – Existia. Na comunidade existia.
P/1 – Mas que festas eram essas que existiam?
R – Sei lá, mulher. Eram salões feitos de palha de coqueiro, de palha não sei de que e fazia só o piso de barro e tinha os sanfoneiros, que nesse tempo não tinha essas outras coisas, até tinha.
P/1 – Ah, tinha os sanfoneiros, tinha o forró então?
R – Era. Tinha. Pois era.
P/1 – Então a família da senhora não ia pro forró?
R – Não. Nós íamos não. Meu pai, minha mãe, nunca cansei minha família nessas coisas assim, não. Hoje estão meus irmãos tudo idoso, de 60 pros 63 anos, é tudo... A mais nova que tá aí com 57. A outra minha irmã está com 52, aí eu nunca cansei minha família desse jeito. Estão todos lá, tudo bem direitinho. Tanto que é uma pessoa bem conservada. Meus irmãos de 60 e tantos anos, a minha irmã Luzia ainda cuida da minha mãe, uma senhora de 62, 63 anos, não parece. É quase o meu jeito. Porque nós somos umas pessoas conservadas livres do mundo, das coisas mundanas que tem aí. Ninguém era estragado de noitada, de nada disso, não.
P/1 – Bia, como que era assim o culto? Você tem essa memória quando era mais jovem?
R – Os cultos? Do mesmo jeito que é hoje. Um culto é celebrado, primeiro a oração, louva os três hinos, lê-se a mensagem, dá a explanação, apresenta os convidados, alguém que está visitando e daí por diante. Dá as oportunidades pra louvar, pra pregar, pra alguma coisa. O culto é feito assim.
P/1 – Vocês também pregavam o evangelho em outras casas?
R – Pregava, minha filha. Pregava, fazia os cultos em casa que gente pedia, se lança palavra... É coisa que a gente faz todo dia. Todo dia. Nós temos de dar um folhetozinho, nós temos de falar a palavra de Deus pras pessoas, porque se nós não falarmos as pedras vão clamar por nós.
P/1 – E sempre da Assembleia de Deus?
R – Sempre da Assembleia de Deus. Quando eu cheguei aqui a igreja Bethel, tinha uma igreja Bethel, como a gente não faz… e nem anda atrás de placa de igreja, claro que a gente ficava com as pessoas. Eles participavam e tinha a convivência com eles. Ainda hoje você tem.
P/1 – Agora, Bia, pra entender assim um pouco, qual seria a diferença da Assembleia de Deus pras outras que tem aqui, outras evangélicas?
R – Não. Quase todas têm os costumes. Não tem diferença. Todas têm o costume de tudo. É uma coisa que a gente não pode dizer que tem diferença. Agora tem gente que antigamente tinha aquelas rouponas, mais rixa, aquelas saias bem grandes, aquelas blusas tipo roupa de freira. Aí tinha, mas hoje não. Hoje já tá ficando mais uma modernidade, estão deixando de olhar mais é pra roupa, olhar mais é pra palavra, olhar mais é pra convivência, olhar mais é pra Jesus, porque antigamente o pessoal olhava é pras roupas das pessoas, pra andar daquele jeito, mas aquilo ali não salva, não. Quem salva é Jesus. Não é vestuário, não.
P/1 – Então houve uma mudança então?
R – Houve uma mudança.
P/1 – Então assim, se a mulher quiser cortar o cabelo, passar um batom, passar uma maquiagem pode, na Assembleia de Deus?
R – Não. Os cabelos ninguém corta, não. Os meus são pequenininhos por causa de que em 2000 eu tive um problema de útero, que fui até operada, fiz cirurgia em 2002, aí meu cabelo caiu. Eu tinha o cabelo bem grande, bem cacheado, aí o meu cabelo caiu. Foi passado um produto lá no hospital geral onde eu me operei, aí o meu cabelo caiu. Graças a Deus que Deus ainda me deu esse, que senão eu tinha ficado era pior, não tinha o meu cabelo.
P/1 – Mas seu cabelo é bonito.
R – Era. Aí foi assim. Mas sempre usam o cabelo grande.
P/1 – Bia, você estava contando aí que você se casou com 25 anos.
R – Com certeza.
P/1 – Antes de você se casar você estudou então até a quinta série, você mudou lá pra escola, e depois que você saiu da escola você ficou fazendo o quê? Você ficou ajudando os seus pais na roça?
R – Quando eu saí... Foi. Fiquei em casa trabalhando. Aí eu comecei a gostar desse homem, gostei bem cinco anos. Aí nós casamos em 81, aí vim morar, fui pra minha casa, pra esse sítio, trabalhar como agricultora, que tudo do sítio se precisar fazer nós éramos lá que nem caseiro. Aí era eu que dava conta e tinha os meninos, pra cuidar dos meninos, tive os cinco meninos. Aí pronto, a minha vida foi essa sempre de uma dona de casa, de uma pessoa mesmo que foi dedicada à família, à responsabilidade.
P/1 – E onde a senhora conheceu o marido?
R – O marido eu conheci na escola lá onde eu estudava. Nós estudávamos e ele estuda lá. Eu conheci lá. Agora, como a gente morava distante daqui pra lá, a gente passava tempo, naquele tempo se mandava um bilhetinho. Um bilhetinho pela folhinha de papel. A gente mandava por outros meninozinhos que estudavam lá da comunidade dele, foi começada a coisa assim.
P/1 – Ah, é? A senhora gostou dele desde o início então?
R – Foi.
P/1 – A senhora se apaixonou por ele.
R – Com certeza.
P/1 – E vocês namoraram quanto tempo, Bia?
R – Cinco anos.
P/1 – Cinco anos?
R – Cinco anos.
P/1 – E ele também frequentava a igreja?
R – Não. Ele nunca quis, por isso é que foi separação, que ele queria gostar era das festas, gostar era das coisas mundanas.
P/1 – Ah, ele gostava de festa?
R – Era. Eu só vivia só na minha casa, mas ele gostava era das coisas dele. Ainda hoje gosta.
P/1 – Ele gosta? Mas ele além de gostar ele tocava, fazia alguma coisa?
R – Não. Ele só gostava mesmo era de brincar. O negócio dele era brincar, o negócio dele era de vaidade. Ainda hoje. Ele é mais novo que eu cinco anos, ele é da idade da minha irmã. Ele tá com 52 anos, ainda hoje ele gosta dessas coisas aí. Ele sempre vai na casa da minha menina e gosta dessas coisas aí.
P/1 – E quando vocês se casaram vocês mudaram então, a senhora saiu de casa.
R – Saí. Eu me casei, vim direto pra minha casa. Ninguém nunca andou morando com ninguém. Direto da casa dos meus pais pra minha casa.
P/1 – E vocês fizeram uma festa no casamento?
R – Na casa do meu pai, meu pai fez.
P/1 – Fez?
R – Fez.
P/1 – E como que foi essa festa? Você lembra?
R – A festa eu me lembro. Matava criação e assava e cozinhava. Minha mãe fez bolo, aqueles bolos caseiros que fazia. Fazia aluá, acho que era aluá que fizeram.
P/1 – O que é aluá?
R – Que eu saí pra esse casamento lá em Fortaleza, que nós casamos lá no cartório Araripe de Antônio Bezerra. Aluá se fazia de pão com não sei o que era o outro material que colocavam, eu sei que era o aluá que fazia, que chamava aluá pra pessoa tomar com bolo, uns potes desse tamanho. E teve comida, teve uma festa de comida mesmo.
P/1 – Aluá é o que? É um bolo então?
R – Não. Aluá é um... Hoje em dia as pessoas não têm refrigerante, não têm tipo... Aí o aluá é feito disso aí. Eu só sei que ele é feito é de pão. De pão, de xerém de milho.
P/1 – Ah, é uma bebida então?
R – É uma bebida.
P/1 – Ah, é? O aluá? E é feito de que? De pão e de...
R – De pão. Torra pão, aqueles pães grandes ou então milho e pisa e diz que bota.
P/1 – E tinha um gosto de quê?
R – Rapaz, tem um gosto bom que eles adoçam.
P/1 – Era doce então?
R – É. Fica um gosto bom. Chama-se aluá, do interior, lá do interior. Acho que ainda hoje existe aquelas festas juninas no interior.
P/1 – Ah, o pessoal fazia então o aluá?
R – Faziam. Era. Agora não fazem mais não. Colocam logo é bebida, cachaça, aqueles potes de bebida. Antigamente o aluá era isso que eu tô lhe falando.
P/1 – Mas então era uma bebida fermentada, era alcoólica?
R – Era não.
P/1 – Não era, não.
R – Era não, minha filha. Era não.
P/1 – Bia, assim, o casamento então foi uma festona?
R – Foi. Foi até uma festa.
P/1 – E teve música?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Não. Não tinha música nessas coisas, não. Só de comida pros convidados que foram.
P/1 – Onde vocês foram morar quando vocês se casaram?
R – Viemos pro Cambeba.
P/1 – Pro Cambeba.
R – Foi de onde eu fui desapropriada pra chegar até aqui. Eu só fiz duas mudas, foi uma da casa do meu pai pro Cambeba e do Cambeba pra cá.
P/1 – E quando a senhora chegou no Cambeba a senhora já conhecia lá?
R – Já conhecia, porque é onde a família dele morava. Conhecia, mas não conhecia muito, mas já tinha bem...
P/1 – Mas vocês foram morar então na casa da família dele?
R – Era. Na casa da família.
P/1 – E quantas pessoas moravam lá na casa?
R – Na minha casa? Não. Na casa que foi feita só pra nós dois. Só moramos nós dois, aí os meninos.
P/1 – Ah, vocês então foram morar ali perto da família dele, não com a família dele.
R – Não. A família mora lá pra acolá e nós aqui.
P/1 – E como que foi a vida de casado no início? Assim, quando a senhora saiu de casa, morava ali com a família...
R – Aí a vida quando eu cheguei lá foi outra mudança um pouco diferente. Diferente, ali sozinha naquela casa, ele gostava muito de sair. Eu ficava só na minha casa.
P/1 – A senhora ficava muito tempo sozinha?
R – Ficava. Ficava só. Passava o dia, dormia a noite só na casa lá deserta que só ficava só.
P/1 – E tinha luz elétrica?
R – Tinha não, filha, era lamparina.
P/1 – Era lamparina?
R – Era, que não tinha energia.
P/1 – Aí o cotidiano da senhora quando a senhora casou era cuidar... A senhora tinha um roçado também em casa, criava galinha?
R – Na minha casa, o sítio?
P/1 – Isso.
R – Tinha. Lá não existia roçado. No sítio não existia porque era sítio, como eu já lhe disse, de cana, de milho, feijão, mas tudo era de sítio. Você não sabe o que é sítio. Sítio é aquele que é de canavial.
P/1 – Ah, grande.
R – Era daquele tipo ali. Com muito coco, muito coqueiro. Aí era desse tipo aí. Agora tinha milho, feijão, batata doce, melancia, jerimum, todo tipo de coisa você tinha no sítio.
P/1 – E a senhora trabalhava nisso...
R – Era. Cuidava disso aí.
P/1 – E como era o cotidiano da senhora? A senhora acordava bem cedo...
R – Era do mesmo jeitinho, que hoje eu tô aqui nessa munguba aqui. Ali quatro horas, quatro e meia, cinco horas eu já to acordada. Era do mesmo jeitinho.
P/1 – Aí a senhora fazia café?
R – Fazia café, fazia tapioca, cozinhava macaxeira, cozinhava batata, que tinha muitas coisas no sítio.
P/1 – E já preparava o almoço de manhã ou não?
R – Não. O almoço eu ia fazer lá pras oito horas, nove horas, dez horas, mas eu fazia isso aí porque tinha o meninozinho. Tinha o meninozinho que eu colocava na escola. O meninozinho que tem, na escola no Itapará. Aí tinha o meninozinho, cedo eu fazia as coisas por causa do menino.
P/1 – E a senhora teve filho logo depois que a senhora casou?
R – Foi. Foi um menino, o primeiro menino nasceu em 82.
P/1 – Qual o nome dele? O primeiro filho da senhora?
R – James Barbosa de Freitas.
P/1 – E como foi a senhora ser mãe?
R – Foi. Pra ter o meninozinho...
P/1 – A senhora teve o filho lá mesmo?
R – Lá mesmo no sítio. Tinha uma senhora que meu pai de lá de onde ele estava ele pagava uma senhora pra ela cuidar de mim, ajudar no sítio, que minha mãe morava, a gente morava longe e essa senhora morava lá.
P/1 – Ela que fez o parto da senhora?
R – Foi. Era. Aí ela ficava na minha casa, ela banhava aquele menino, ela arrumava, matava galinha, fazia o almoço. Quando era de tardezinha ela se ia embora pra casa dela e eu ficava. Foi ela que cuidou dos meus cinco meninos. Tanto que eu estava aqui quando ela faleceu lá na Área Verde, Matões. Eu não ia porque não tinha o transporte, não sei se você sabe a dificuldade pra chegar lá. Aí eu mandei os dois meninos de bicicleta daqui: “Vai que aquela mulher é o mesmo que ser a mãe de vocês”. Eles foram.
P/1 – Qual o nome dela, Bia?
R – O nome dela era Maria...
P/1 – Tinha um apelido?
R – Tinha. Maria Café.
P/1 – Maria Café?
R – Maria Café...
P/1 – Por que Maria Café? Ela gostava de café?
R – Por causa da família que era família acho que de café. Agora, Maria Café e o nome dela era Maria Costa Oliveira.
P/1 – Mas todo mundo a conhecia por Maria Café.
R – Justamente. Que era da família de café.
P/1 – Então quando você ficava grávida ela ficava com você então?
R – Era.
P/1 – Quando você estava perto de ganhar o neném.
R – Era ela que ficava cuidando. Ela passava de 15 dias na minha casa, indo pra casinha dela e voltando. Que ela era uma senhora de idade.
P/1 – Então ela era a parteira.
R – Era.
P/1 – Você teve alguma dificuldade de parto?
R – Não.
P/1 – Todos foram tranquilos, você teve sempre em casa.
R – Era que eu fazia os pré-natalzinho. Graças a Deus eu fazia na Caucaia.
P/1 – Ah, então você ia ao posto de saúde?
R – Fazia. Ia. Eu fazia, nem nos postos não era, eu fazia era na Clínica São Judas Tadeu mesmo. Fiz com o doutor Zé Maria, fiz com o doutor José de Queiroz. Tinha os meus acompanhamentos, eu fazia, graças a Deus. Eu sou uma pessoa que sempre eu tinha assim de uma atividade de fazer as coisas.
P/1 – E era muito longe de onde você morava?
R – Era. Caucaia, eu fazia lá no centro mesmo, lá dentro da cidade de Caucaia. Ainda hoje existe lá as clínicas, o Hospital São Judas Tadeu, o Paulo Sarasate. Era longe.
P/1 – Mas aí como que você chegava até lá?
R – Tinha um ônibus que passava na estrada carroçal, num lugar chamado Coité. Aí a gente saía aqui do sítio, caminhava como daqui não sei nem até onde, bem um quilômetro, ia, apanhava o ônibus, ia e voltava pela manhã.
P/1 – Então dava pra ir.
R – Dava. Às vezes ia uma vez por mês, ou o médico passava pra gente ir dois meses, mas que fazer a gente fazia. Nem que fosse três a quatro vezes ou cinco vezes, mas a gente fazia.
P/1 – Bia, como que era a sua casa?
R – Lá?
P/1 – É.
R – A minha casinha lá era de taipa, mas toda rebocada, toda cimentadinha. Cozinha tipo essa, ali era outro compartimento com um quarto, uma salinha, uma sala grande e um alpendrezinho grande na frente. A casa lá.
P/1 – Então as crianças dormiam num quarto só?
R – Era. As crianças tinham o quartinho deles dormirem e agora eu dormia na sala, a sala era bem grande, eu dormia noutra salinha e não tinha canto pra eu ficar, porque eu sempre pastorava os meninos. Que o meu marido era desses que nunca gostou de ficar dentro de casa. Mas eu sempre era ali com os meninos.
P/1 – E o marido da senhora trabalhava em quê?
R – Trabalho de agricultor no sítio.
P/1 – No sítio. No sítio de vocês então.
R – Era. No sítio que era desses...
P/1 – Da família dele.
R – É. Era no sítio.
P/1 – Era propriedade da família?
R – Da família. Era.
P/1 – E ele tinha alguma... Vocês estavam plantando na época, você falou, todos esses daí, jerimum, melancia, vocês tinham sempre fartura então?
R – Tinha. Tinha fartura. Parece que foi Deus que me conservou lá como quem diz que quando tu saíres dali pra ir pro assentamento, pra pegar uma coisa no zero, os meninos já estão criados. Porque o mais velho estava, eu não lembro nem da idade do menino, e a menina pequena tinha sete anos quando chegou aqui. Os meninos já estavam tudo grande. Porque se fosse no tempo... Porque quando nós chegamos aqui, aqui foi do zero. Nós pegamos só as casas e o campo.
P/1 – Eu quero até ouvir mais assim você falando dessa mudança, mas antes assim pra gente fechar, vocês tinham um terreno grande então.
R – Tinha. O terreno lá era grande. O terreno era 1800 hectares, que ele começava no Cambeba, terminava no “Trevessão” de Matões aqui. Tem a terra alto, que chama terra de sequeiro, pra se plantar roçado, roça, o que é, e tinha a terra do sítio do baixo.
P/1 – Bia, quantas famílias moravam no sítio?
R – Lá no sítio mesmo só tinha o casal de idoso com as pessoas que eles arrumavam pra trabalhar em farinhado, em moagem, e uma moça cuidando da casa e eu desse lado de lá de cima. Do outro lado tinha a outra senhora que ela mora aqui no assentamento também, a dona Santana, é uma senhora de 70 e tantos anos. E tinha outra senhora com a família dela dentro desse terreno. Era ocupado só essas famílias, três famílias.
P/1 – Três famílias.
R – A família lá e eu e a dona Santana.
P/1 – E todos tinham um vínculo familiar com a família do marido da senhora?
R – Tudo. Tinha. Todos tinham.
P/1 – A senhora comentou agora que vocês faziam farinhada?
R – Fazia. Fazia farinhada lá. Tinha casa de farinha, casa de moagem, que era pro canavial, pra cana, pra fazer rapadura, fazer doce.
P/1 – Descreve pra gente o processo de fazer rapadura, por exemplo.
R – Rapadura. A rapadura corta a cana, leva toda pra lá, lá tem o engenho, vai passar a cana, a garapa já sai ali numa bica lá pras caldeiras, que as caldeiras estão fervendo. Lá tem uma pessoa preparando ela. Aí depois prepara todinha e vai apurar, fazer um mel bem grosso.
P/1 – Tem um tempo de vocês ficarem ali fervendo a garapa?
R – Tem. Tem o tempo.
P/1 – Quanto tempo mais ou menos?
R – Ah, eles passam dia. Começa três da madrugada, passa o dia todinho com bastante fogo nas caldeiras. Aí fazem, tem as formas de rapadura do tamanho que você quiser, pequenininha, do tamanho que quer. Aí a pessoa vai, enche de barro ou de ferro, dá aquele doce bem grosso, aí vai sentar as rapaduras, faz com coco, coloca erva doce, o que é que faz. Aí faz aqueles mels, aqueles quebra queixo, fazia isso aí.
P/1 – E a cana dá o ano todo?
R – Dá. A cana é. A cana é de ano em ano.
P/1 – Ah, é de ano em ano. Então você...
R – Por essa época, nós estamos em maio, quando era em junho, julho, a cana tava toda madura. A gente conhece pelo pendão que ela solta. Tava da madura, começa logo as moagens em junho, fim de junho pra julho. Aí ia até o fim do ano.
P/1 – Então como vocês começavam a colher em junho, julho e plantava em maio então?
R – Era. Quando era em maio iam cortando, aí a pessoa queimava aquela palha seca que ficava. Quando queimava ela brotava todinha. Ela renova todinha. Aí a pessoa faz só regá-la todinha, colocar estrume, pronto. A mesma cana.
P/1 – Então aí o fim do ano vocês estavam trabalhando aí fazendo a rapadura.
R – Era. Fim do ano era.
P/1 – Vocês faziam cachaça também?
R – Não. Lá só trabalhava com doce.
P/1 – Só com doce? E vocês vendiam essa rapadura?
R – Vendia. Vendia ela todinha pra pagar a manutenção de quem trabalhava.
P/1 – Vocês contratavam pessoas também?
R – Tinha. Até uma casa de moagem ocupa uma faixa de cinco, seis homens. Homens.
P/1 – Tem que ser homem pra trabalhar?
R – É homem. Pra cortar. Um animal, burro pra caminhar, pra lutar no engenho, fazer o mel. Acertar a rapadura. Tudo é homem. Ali é uma faixa de uns cinco homens.
P/1 – Aí vocês se reuniam? Essas três famílias se reuniam pra pagar então esses homens?
R – Era. Era e tinha de vender os pacotes de rapadura pra poder apurar dinheiro pra se...
P/1 – E onde vocês vendiam, Bia, a rapadura?
R – A rapadura vendia em todos os comércios.
P/1 – Vocês vendiam em Caucaia?
R – Nos comércios. Não. Vendia nas comunidades mesmo. Vinha pro Bolso, sítio Bolso, aí onde tem hoje essas firmas, que aquilo ali também tudo era comunidade, era sítio Bolso, era Pacatuana, era pros Matões, ia até a cidade do Pecém. Eu vendia para as comunidades.
P/1 – Você vendia também a rapadura?
R – Vendia. Quando um moía, meu marido tinha, a gente vendia.
P/1 – Como que vocês se organizavam? Vocês acordavam bem cedo, organizavam ali as rapaduras, como vocês levavam, cesto?
R – É. Elas iam empacotadas. Tinha os pacotezinhos, aqueles pacotes de plástico, ela era toda empacotadinha neles. Empacotava ali e fazia lá, fosse vender 30 pacotes, 40 pacotes.
P/1 – E vocês conseguiam ter uma renda vendendo rapadura?
R – Conseguia. Era baratinho, mas conseguia que dava pra pessoa...
P/1 – Vocês conseguiam.
R – É. Dava pra se manter. Dava pra manter, pras despesas.
P/1 – E assim, o que vocês faziam com esse dinheiro, já que vocês plantavam aquilo que comia?
R – O dinheiro era todo investido naquilo ali.
P/1 – Tudo na rapadura de novo?
R – Tudo investido de novo. Tudo investido ali. Porque era, a gente vivia daquilo ali. Era todo investido.
P/1 – E a farinha? Vocês viviam também da farinha?
R – Era. Farinha a pessoa vendia também. A farinha era baratinha, os pacotes, os sacos de 50, 60 quilos se vendia também.
P/1 – Mas vocês consumiam também essa farinha?
R – Consumia. Ficava farinha, a goma. Naquele tempo ninguém comprava quase nada assim nos mercados porque a gente tinha o produto pra gente se manter. Tinha fartura pra se manter.
P/1 – Descreve pra gente também assim como que era a produção da mandioca até chegar na farinha, por exemplo.
R – A mandioca a pessoa...
P/1 – Tinha uma época pra plantar a mandioca?
R – Tinha, minha filha. Tinha a época.
P/1 – Qual era a época?
R – A época da mandioca é quando chega logo ali o mês de janeiro, a pessoa prepara a terra e planta os pauzinhos de mandioca, planta a mandioca. Além de plantar a mandioca, o feijão, plantava milho. Quando era no meio de abril, maio, já estava tudo brotando. Aí quando era no outro ano tinha mandioca madura pra fazer farinha.
P/1 – Então era anual então.
R – É. De ano em ano. A mandioca é de ano em ano.
P/1 – De ano em ano. Aí qual era o mês que vocês arrancavam a mandioca?
R – A mandioca sempre a gente gosta de fazer sempre no mês de julho a agosto, que ela tá fresquinha ainda. Não tá aquela mandioca velha dura até pra raspar. Aí fazia essa época aí.
P/1 – E tinha um tipo de mandioca assim, um tipo que você fala: “Essa daqui é boa.”?
R – Hoje existe, por causa do pessoal da Emater que estão visitando as comunidades, eles estão aparecendo mandioca aí que nem eu sei bem dizer. Mas antigamente era só a mandioca do céu, que era uma mandioca muito boa pra nós, que lutava muito só a maioria era ela. Hoje aqui tem serrana, tem mata vaca, tem não sei o que lá. Um monte de coisas que apareceram aí, essas mandiocas que vem especial, que a ancestral pra gente plantar.
P/1 – Mas no tempo da senhora quais eram os tipos que tinha de mandioca?
R – Mandioca do céu.
P/1 – Mandioca do céu.
R – Uma mandioca que chamava mandioca do céu. Que era uma mandiocona bem grande, uma mandioca que era preta.
P/1 – Você lembra o porquê era mandioca do céu?
R – Não sei dizer.
P/1 – Mas era aquela mandioca que você arrancava, cozinhava, era aquela que desmanchava na boca, ou não?
R – Não.
P/1 – Ou ela era dura?
R – Aquela era dura. Essa aí é pra fazer farinha, a que eu tô lhe dizendo. Agora mandioca pra gente comer é sempre Água Morna, ou outra macaxeira preta que chamava. Pra se comer, que essa aí que a gente cozinha pra comer, a macaxeira preta e a Água Morna. Já existia essa bem...
P/1 – Então a macaxeira é pra comer e a mandioca é pra fazer a farinha?
R – É pra fazer farinha. Ninguém come mandioca, se comer se embebeda. Ela não cozinha. Ela fica escaldada às vezes, não cozinha. Agora a outra não, coloca ali e vai até cozinhar.
P/1 – E a mandioca então vocês colhiam ali na metade do ano e depois como que vocês faziam, vocês cortavam, descascavam e levavam pro...
R – Trazia de lá do terreno. Em carga pra casa de farinha, raspava, lava, é cortada no serrador, depois vai passar por um pano bem grande pra se espremer a goma, tirar a goma, coar a goma. Aí vai pra prensa imprensar, peneirar e vai colocar no forno pra fazer a farinha.
P/1 – Torrar a farinha.
R – É. Torrar a farinha.
P/1 – E esse trabalho era feito por mulheres ou por homens?
R – Ta aí um que é feito por mulher. Só precisa de homem pra arrancar, arrancar os par de mandiocas e colocar pra casa de farinha de carga. Mais pra imprensar e mexer é que é o homem. O serviço todo é de mulher.
P/1 – É tudo de mulher. E a senhora trabalhou na farinhada?
R – Trabalhava. Hoje em dia eu trabalho aqui nesse lugar.
P/1 – Aqui também tem uma casa de farinha?
R – Tem também. Agora vai começar agora em julho. Tem o assentado aqui, seu José Saturnino, ele tem mandioca aí pra fazer umas três semanas, viu?
P/1 – E vocês guardavam então essa farinha pra consumir então?
R – Era pra consumir. A gente vendia ali os pacotinhos pra pagar aquele homem que mexesse, que imprensasse, que fizesse aquele serviço mais pesado, mas o resto é o serviço que só mulher faz. Ali são quatro, cinco mulheres, pronto. Resolve o problema. Lava a goma, coloca no secador, peneira a goma. Tudo esses serviços são de mulher.
P/1 – E pra fazer uma boa farinhada quantos quilos de mandioca mais ou menos precisava?
R – Ah, pra uma boa farinhada é o que mais ou menos? É uma tonelada que se chama hoje uma carrada de mandioca.
P/1 – Uma carrada, não é?
R – Era.
P/1 – E uma carrada dava mais ou menos quanto de farinha?
R – Uma semana de farinha. Dava quase uma semana.
P/1 – E uma semana seria assim quantos quilos mais ou menos de farinha?
R – Uns mil quilos.
P/1 – Uma tonelada.
R – Por aí. Acho que era.
P/1 – Então uma carrada é uma tonelada de farinha.
R – É que aqui hoje em dia o homem aqui, como não tem quase animal pra trazer lá do terreno daqui que a gente mora mesmo, sabe, de lá. Aí ele aluga um carro que tem pra acolá, o homem vai e traz no domingo à tarde. A carrada de mandioca, despeja na casa de farinha pra gente raspar e ela dá muita massa, muita farinha, dá muita goma.
P/1 – E assim, vocês em casa vocês consumiam assim o feijão, a mandioca, a macaxeira, farinha também?
R – Farinha, goma.
P/1 – Como que era o prato de vocês? O que vocês comiam?
R – O prato. O prato a gente comia feijão, comia peixe, que tinha muito peixe também no sítio que tinha uma lagoa que chama até Lagoa do Santana, dava muito peixe. Tinha muito peixe bom, cará, todo tipo de peixe. Aí comia peixe, a gente comia galinha caipira, a gente matava porco que a gente criava lá guardado no chiqueiro. Fazia um prato mesmo. Comia com jerimum, comia com maxixe, comia com quiabo. Aqui eu já acho difícil porque eu gosto tanto dessas coisas e não existe, só se a gente comprar. É de ano em ano que a gente planta quanto tem inverno, nessas terras aqui. Que aqui nem é sertão, nem é praia. Chama-se caatinga um terreno desse. A gente que era mais acostumado. É por isso que eu digo, aí é mais diferente, aí não dá muito essas coisas, mas nos roçados dá jerimum. Lá era bastante essas coisas que a gente comia no prato.
P/1 – Vocês tomavam café também?
R – Tomava.
P/1 – Aí como vocês faziam pra comprar o café? Vocês compravam...
R – Comprava no mercadinho onde a gente fazia as compras, num mercadinho longe, bem longe assim na cidade. Nós comprávamos café, comprávamos açúcar pra fazer café.
P/1 – E sabão, essas coisas... Vocês faziam sabão?
R – Sabão. Não.
P/1 – Vocês compravam então?
R – Comprava. Aquela época tinha muito sabão, quando eu cheguei no sítio, tinha muito Sabão Pavão. Aí a gente comprava um quilo de sabão. São as barras grandes, Sabão Pavão.
P/1 – E as lamparinas pra acender?
R – As lamparinas, comprava a querosene pra colocar nas lamparinas. As lamparinas a gente pegava algodão e fazia uns pavios, colocava naquelas lamparinas pra acender à noite.
P/1 – Vocês tinham rádio, Bia, naquela época?
R – Tinha. Quando eu cheguei no sítio eu tinha um radiozinho de madeira. Eu trouxe até ele pra cá e daqui foi jogado fora. Era um radiozinho de madeira a pilha, quatro pilhas grandes.
P/1 – Você gostava de ouvir o rádio?
R – Gostava.
P/1 – O que você ouvia no rádio?
R – No rádio eu sempre ouço os programas do Paulinho Aveiro, programa aí que tinha até uma mulher que ainda hoje ela existe, esqueço o nome dela. Assistia uns programas assim. Não fui muito de gostar de assistir rádio, não, mas a gente colocava aquilo lá um pouquinho. Mas televisão ninguém ouvia falar, não sabia nem o que era. Não existia.
P/1 – Bia, vocês assim então tinham algum momento de diversão? Porque tinha muito trabalho também e você falou da igreja também, que você frequentava. O que você se divertia? O que a família se divertia nessa época quando vocês mudaram lá pro Cambeba?
R – No Cambeba... Quando eu cheguei no Cambeba já tava mais a coisa desenvolvida, pra mim não, eu nunca fui pra esses tipos de coisa, mas pra quem era homem eles iam pra campozinho de futebol.
P/1 – E jogavam então?
R – Era. Saia assim pra esses tipos de coisa. Agora, pra mim mulher não. Eu não lembro muito de vaidade de eu sair atrás dessas coisas, não.
P/1 – A senhora ficava mais em casa trabalhando e cuidando dos filhos?
R – Ficava na minha casa. Era na minha casa. Ainda hoje aqui. Eu não saio dessa casa pra canto nenhum a não ser pra resolver um problema, alguma coisa de motivo meu pessoal, mas eu não gosto de andar.
P/1 – E as crianças? Elas estudavam lá perto então, do Cambeba?
R – Estudavam no Tapará. As minhas meninas foram. Estudaram lá.
P/1 – No Tapará? E como que eles iam pra escola?
R – Iam a pé pro Tapará. Aí quando as meninazinhas terminaram aquela série que tinha lá, aí iam estudar lá na Primavera, mas já ia de ônibus, viu? Estudava no Matões ou de bicicleta ou de ônibus. Quando a série não tinha, já tinha pra onde mais desenvolver. As minhas meninas. Quando eu cheguei aqui, tem a escola aqui dentro do assentamento, do mesmo jeito, quando os meninos terminaram aquela que não tinha aqui, aí tinha um carro ou ônibus pra levar os meninos pro Muriti, pro Cumbe, Marisera, até o centro se precisasse. Porque as minhas meninas, só quem chegou a terminar o terceiro do fundamental foi a Aline e a Raquel. A outra não. A outra casou logo, deixou de estudar. Ela ainda estava fazendo o primeiro. E os dois meninos nenhum. Chegaram a fazer só até a sétima. Não estudaram porque nós não tínhamos dono de casa pra ajudar, aqui. Aí eu colocava os meninos pra trabalhar pra nós poder manter eu e as meninas, viu? Eu não queria abandonar que nem muitos abandonaram as casas do assentamento, foram embora por recurso financeiro. Eu não queria fazer isso. Eu queria manter minha casa, a minha família de pé. Aí eu coloquei os meninos pra trabalhar. Hoje o mais velho sabe, ele tem computador, ele tem. Um menino que não estudou, mas ele é uma pessoa bem desenvolvida. A minha filha também, as duas meninas, as duas estão fazendo faculdade. As duas mais novas.
P/1 – Dona Bia, vocês ficaram ali morando quanto tempo lá no Cambeba?
R – Dezenove anos.
P/1 – Dezenove anos? E sempre esse ritmo assim de muito trabalho.
R – Era. Com certeza.
P/1 – Também de venda. Comercialização desses produtos de vocês. E quando surgiu essa história das obras do Pecém?
R – Quando foi em 97. 97 apareceu o pessoal do Idace que chama desapropriar. Apareceram medindo as terras e dizendo que iam desapropriar porque ali ia ser um polo industrial perto do Pecém por causa do porto que estava sendo construído lá. Aí eles precisavam daquela área que era pra ser pra Petrobrás como hoje é mesmo realidade. Aí quando chegou 98, nove, eles compraram isso aqui, esse terreno, vieram construir as casas aqui. Eles indenizaram as pessoas lá. Indenizaram, depois que aprontaram aqui, aí trouxeram as quantidades de família que existia dentro daquelas terras que foram desativadas, eles trouxeram pra cá. Aqui foi feita essa aqui pra 40 famílias, viu? São 40 famílias. Tem 21 aqui e o restante na outra vila lá do outro lado.
P/1 – Um MongubaII então?
R – Justo. É. Aí eles nos trouxeram pra cá. Pra que quando chegamos nós aqui. Eles passaram dois anos dando uma cesta básica e uma assistência. Passaram só dois anos. Depois eles acharam...
P/1 – Agora, Bia, vamos só voltar um pouquinho assim. Quando você soube dessa história, você lembra o dia quando as pessoas lá do Idace chegaram na casa da senhora, que chegaram ali no terreno?
R – Foi. Eles chegaram bem no mês de junho a julho.
P/1 – A senhora lembra assim...
R – De 97.
P/1 – A senhora lembra quando eles chegaram lá?
R – Começaram a chegar, a fazer reuniões, faziam uma reunião na casa sede que era uma casona que tinha no Cambeba. Faziam o plano de ação. Levar todo mundo pra lá pra fazer um plano de ação. Chama-se um plano. Existe esse plano. Existe esse livro. Foi feito um livro, elaborado, ele existe lá na sede que é do outro lado. Mas existe um plano.
P/1 – E a senhora assim, o que a senhora sentiu assim?
R – Ai, minha filha, a gente se sentiu muito mal. Tem gente que até... Tem idoso que até morreram de raiva, de ficar com aquela ansiedade de sair do lugar que nasceram e se criaram lá. Passei criado noutros cantos pra ir pra um canto que ninguém sabia nem onde era. Outra convivência, outra mudança. Menina, foi uma coisa. Só a pessoa mesmo que era equilibrada é que ficou de acordo e que recebeu aquilo como uma coisa normal, mas muitos não aceitavam.
P/1 – A senhora estava de acordo?
R – Rapaz, eu sempre fui uma pessoa assim porque, graças a Deus, nós tínhamos uma criação boa, eu fui sempre de acordo. Eu disse: “Eu vou por causa que eu tenho os meninos e eu penso nos meus meninos. Eu não vou ficar mesmo, voltar pro sertão da minha família e ter os meninos por quê? Pra ir pra lá tem que fazer e tal e tal. Eu vou pra lá”. Eu vim, olhei, gostei do terreno, a casinha era direitinha com energia, com água. Era difícil os acessos, mas eu vou pra minha casa.
P/1 – E o marido da senhora?
R – Eu vim e ele não queria vir, queria ficar lá. Mas eu vim primeiro. Depois ele veio. Veio, mas ele não gostou. Não gostou, ele não fez nada. Nem responsabilizou-se por nada. Aí ficou. Ainda passou na fase de uns três anos e pouco pra lá e pra cá. Aí ele foi voltar pra trás de vez. Aí abandonou. Pronto. Eu fiquei. Que a gente quando faz alguma coisa com fé a gente vence.
P/1 – E quando chegou o dia mesmo de sair, a senhora lembra?
R – Lembro-me o dia de sair. Quando chegou o dia de sair eles visitaram. Brilhante, que era um rapaz que trabalhava no Idace, vinham os três, eles me visitaram: “Nós viremos tal dia lhe buscar. Pra senhora lavar a casa e tal e tal”. Eu vim aqui na casa em fevereiro. Limpei a casa, voltei.
P/1 – A senhora gostou quando a senhora viu essa casa?
R – Quando foi em março, aí no dia 14 de março de 2000, eu tenho agendado, aí eu vim pra cá. Eles mesmos fizeram a minha mudança numa Toyota, minhas coisas pra cá. Colocaram duas carradas dos meus materiais, meus bichos que tinha, trouxemos pra cá.
P/1 – E a plantação da senhora, o que a senhora tinha lá plantado, como que a senhora fez?
R – Eles indenizaram. Eles pagaram.
P/1 – Eles pagaram.
R – Pagaram. Naquela época eles pagaram 3107 reais pelo aquilo que eu tinha, pela minha casinha e pelas minhas plantas. Pagaram. Mas eu fui tola por causa de que eu como casada quis respeitar o meu marido, mandei chamar ele lá dos trabalhos por onde ele estava, ele veio, colocaram no nome dele e o dinheiro meu marido ficou, deu o fim, não me deu nada nem deu pra dar pros meninos.
P/1 – Ele ficou com o dinheiro?
R – Ficou. Ele depositou 2500, ficou com 500 pras vaidades dele e isso ele deu fim. Não compramos um palito de fósforo pros meninos. Nem pra mim, pra ninguém. Viu? Aí pronto, acabou. Desperdiçou o dinheiro. Acabou, ficou pra lá.
P/1 – Então calma aí, ele depositou 2500 na conta de quem? Da senhora?
R – Foi. Do dinheiro que foi indenizado.
P/1 – Mas ele deu então 2500?
R – A mim, não. Depositou no nome dele, lá mesmo ele consumiu. Acabou. A gente ficou sem nada.
P/1 – E como vocês fizeram então? Quando vocês chegaram aqui, esse terreno qual é o tamanho dele?
R – O terreno aqui é 20 com 50 quadrazinha. Aí a gente foi lutar, cercar, plantar e fazer alguma coisa de comida. O governo dava uma cesta aí por dois anos. É o que você sabe, quem tem fé e tem garra e olha pra gente mesmo, pras coisas da família da pra ser. Então estou aqui.
P/1 – E as crianças gostaram? Elas tinham quantos anos, mais ou menos?
R – Onde eu tava a pequena tinha sete anos, a outra tinha 14 anos, que é mais velhinha que ela sete anos, a outra tinha 16 anos, o menino um tinha 17 e o outro tinha 18 anos.
P/1 – E eles assim, a senhora com criança e adolescente. Eles gostaram daqui?
R – Gostaram. Porque onde eu estava... Os meus meninos aonde eu estiver, eu posso estar dentro de um fogo, eles gostam.
P/1 – Mas assim o que mudou na vida deles quando a senhora mudou pra cá?
R – Mudou... Na vida dos meninos eu não sei nem dizer por causa que... Eu achei que até mudou pra melhor, por causa de que quando eu cheguei aqui, mesmo com a assistência que o pessoal deu uns dois anos, foram gente boa esse pessoal do Idace, eles mudaram pra melhor. Por causa de que, você sabe que já tinha uma casa que tinha água, tinha energia, já tinha a escola dentro da comunidade. Já tinha um benefício melhor.
P/1 – Aqui tem uma escola então?
R – Tem, filha. Tem um colégio maravilhosos. Lindo.
P/1 – E é de que? Quais são as séries?
R – Ele tá ensinando até a oitava.
P/1 – Até a oitava.
R – Até a oitava.
P/1 – E o ensino médio? Como que eles fizeram então? O segundo grau, as crianças e os adolescentes.
R – Foram fazer, começaram na sede em Paracuru. Quando terminou aqui foram pra lá pra terminar os três anos. Aí o prefeito disse: “Coloca mais pra lá”. Foi e colocou na Umarizeiras. Aí as meninas terminaram lá.
P/1 – A senhora disse agora que elas estão fazendo faculdade então?
R – Estão no São Gonçalo, todas as duas.
P/1 – Em São Gonçalo? Mas elas não moram com a senhora?
R – A pequena mora. A de 20 anos ainda mora mais eu.
P/1 – E ela tá fazendo faculdade.
R – Tá. A outra não. A outra é casada, a Aline é casada. A Aline tem 28 anos e é casada.
P/1 – E como que a mais nova vai até a faculdade?
R – Ela vai pra casa da outra, que a outra já trabalha. A outra ta trabalhando de secretária na vigilância de São Gonçalo, viu, a que é casada. Aí ela tem a casinha dela e ela faz faculdade e a outra vai pra casa dela.
P/1 – Então elas moram e estudam lá?
R – É. Mas vem a semana passar mais eu.
P/1 – Ah, o final de semana vem pra cá.
R – É que elas fazem faculdade aos domingos, por causa de que a outra trabalha, sempre faculdade tem os dias.
P/1 – Qual o curso que elas fazem?
R – Menina, até eu não to sabendo ainda, não. Elas dizem, mas eu esqueço. A daqui de casa é de Administração, porque ela já foi professora dois anos de computação trabalhando pra Agropolo, Fortaleza. Que tem a casa de campo de computação aqui, casa de Estado aqui, aí é ela, o comando era ela. Aí ela já trabalhou dois anos pro estado visitando os interiorzinhos das comunidades dado por eles lá mesmo. Aí esse ano não avivaram o contrato por causa de Copa, de política, aí o Cid Gomes não contratou mais ninguém. Ela continua fazendo a faculdadezinha dela ali.
P/1 – A senhora chegou a receber algum benefício do Governo Federal?
R – Não, minha filha. Não.
P/1 – Algum tipo de Bolsa Família?
R – Ah, recebo. Isso aí eu recebo desde 2002. A Bolsa Escola das meninas, recebi o Bolsa Jovem das meninas quando estudava e recebo, ainda hoje eu recebo o meu Bolsa Família.
P/1 – E esse tipo de benefício ajudava então a complementar renda?
R – Ajudava, minha filha. Ajudava bastante. Ajuda. Tá aí uma coisa bem feita que foi feita, viu?
P/1 – Bia, o que mudou então na vida da senhora? Lá tinha energia elétrica onde a senhora morava?
R – Tinha não. Tinha não. Além dizer, lá tinha fartura da alimentação, das coisas orgânicas do campo, mas não tinha essas outras coisas lá ainda.
P/1 – Tinha água lá encanada?
R – Tinha água boa. Lá não. Encanada não.
P/1 – Era sempre água de poço?
R – Era. Água de poço. Era cacimba de anel. Cacimbão, assim, colocava os anéis com tampinha em cima pra não cair dentro. Era de poço.
P/1 – E vocês usavam algum tipo de substância pra limpar a água, cloro?
R – Não. Colocava não. Lá era água natural, minha filha, mesmo que água Indaiá. Lá era terreno bom. Lá o pessoal ficava tudinho injuriado por causa de que os terrenos melhores que tinha o governo desapropriou a gente, colocou-nos pra uma sequidão dessa na frente de lá. Era terra boa por lá.
P/1 – E teve gente que não quis sair lá?
R – Saíram. Tinha que sair, ia sair bem acho que a força. Com raiva, mas saíram.
P/1 – As outras famílias que moravam no sítio saíram?
R – Saíram. Todo mundo...
P/1 – Vieram pra cá também?
R – Vieram pra cá, uns foram pro Novo Torém, outros foram pro Forquilha e as comunidades ficaram assim. Mas lá não existe mais nada. Hoje lá é terra demais que fizeram aquelas indústrias, tá tudo lá nos terrenos, em cima dos terrenos
P/1 – Ah, então lá já mudou tudo então?
R – Tudo. Tudo. Tá com 14 anos. Primeiro que foi feito foi a Volpi e hoje está cheio de firma, tudo cheio de firma lá os terrenos.
P/1 – A senhora foi visitar lá?
R – Depois disso tá com 14 anos que eu não visitei mais lá, não.
P/1 – A senhora não foi mais?
R – Não.
P/1 – E assim, aqui o que mudou então na vida da senhora?
R – Aqui o que mudou... Não, a gente hoje aqui está achando, eu to achando bom o meu lugar. Hoje eu já tenho o meu aposento, graças a Deus. Estou com a minha casinha, tenho o meu cantinho de eu estar e daqui, já disse, ficar aqui pro resto da minha vida, que eu nunca fui gente de andar, gostar pra aqui, pra acolá. Não, isso nunca gostei. Eu gosto do meu lugar. E uma coisa também, o silêncio. Hoje em dia as comunidades quando você vê, Deus me defenda de morar mais em comunidade de rua, de favela. Nem pensar. Eu nunca gostei, nunca fui muito disso. E aqui é tranquilo como você vê. Aqui você passa o dia você não vê ninguém, só se você sair na rua, for ao comércio mercantil, ou tiver uma reunião que tiver necessidade. Você não vê ninguém, não tem nada pra lhe atormentar. Ainda é uma benção. Por isso é que a gente hoje deu de valorizar por causa disso.
P/1 – Bia, quantas famílias moram mais ou menos aqui? Quantas casas tem aqui no MongubaI?
R – Tem 37 famílias aqui dentro. Tem mais porque já tem filho de assentado que já estão casados, arranjaram família. Tem até umas casinhas que eles estão fazendo nos terrenos lá acolá, nos terrenos que pertenciam a família aqui, outros pedacinhos acolá estão fazendo umas casinhas lá. Até mais. Eu fiz um levantamento o ano passado, deu na faixa de duzentos e oitenta e pouco pessoas que moram aqui dentro.
P/1 – A senhora fez um levantamento pra que?
R – Pra eu saber o que é que está aqui dentro.
P/1 – A senhora faz parte de alguma organização ou associação?
R – Eu sou a secretária da associação.
P/1 – Ah, então existe uma associação de moradores aqui?
R – Existe, minha filha, associação. Desde 2000 que foi fundada e quando a gente faz, quando precisa fazer alguma coisa a gente vai, registra ela viva por dois anos e meio, três anos. Aí eu fiz um levantamento. E esse ano eu tinha vacilado que eu quero fazer de novo. Conto que eu sei quem mora aqui, quem tá aqui, quantas pessoas. Pode me dizer. Na rua debaixo tem 17 casas com 17 famílias. Pode me dizer quantas pessoas moram lá dentro que eu sei. E dessa outra do mesmo jeito.
P/1 – E assim, a terra de vocês, esse terreno a senhora tem a titulação?
R – Eu tenho. Tenho a titulação daqui.
P/1 – Então todas as famílias têm a titulação desse terreno.
R – Tem. Os assentados todos têm. Têm o título.
P/1 – E quando tem assim um filho que quer casar, quer construir uma casa, pode construir dentro do terreno que é o proprietário?
R – É. Com certeza. Pode fazer a casinha. Já foi feito loteamentozinho acolá noutro terreno. Já tem na faixa de 15 a 17, tem as casinhas já prontinhas pra eles lá. Aqui dentro. Porque foi lei, é um direito desde que nós entramos aqui que foi passado isso em ata, foi passado dentro do livro interno do histórico do assentamento, que era pra ser assim. Por isso é que a gente tirou e estão lá as casinhas deles.
P/1 – E quem é que vai morar lá nessas casas?
R – Os filhos dos assentados. Se for a filha que arranjou uma pessoa lá fora, ela não quiser ir embora, ou o filho que arranjou uma mulher lá e ele não quiser ir pra onde quiser. Vai ter direito de fazer a casinha lá, como já tem muitos aí. Já tem deles aí que já estão bem com sete a oito anos que tem as casinhas deles.
P/1 – E não precisa pagar então por essas casas?
R – Não. Eles mesmos fazem a casinha deles, cavam um poço na porta.
P/1 – E qual é o critério assim de recebimento? Quem que consegue esse terreno? Tem uma lista, uma fila de espera? Como que é?
R – Não. Tem uma lista não. A pessoa que quiser faz uma reunião, uma assembleia...
P/1 – Entre os associados?
R – Justo. É. Aí vamos fazer: “Olha, o Fulano hoje quer um lotezinho assim, assim, assim”. Vai fazer aquele lotezinho, faz bonitinho ali no nome dele, tudo direitinho. Coloca lá, mede uma pessoa, vai um líder, que tem. Mede lá o lotezinho de terra, ele cerca de arame, cava um poço, compra os materialzinhos, faz a casinha dele lá.
P/1 – E a associação surgiu quando vocês tiveram que mudar?
R – Foi quando nós chegamos logo aqui. Nós chegamos aqui, eu pelo menos cheguei em março, quando foi em abril veio uma equipe do Idace e foi fundada a associação. Registrada.
P/1 – A senhora já foi presidente da associação?
R – Não. Sempre fui a secretária.
P/1 – E quem é o presidente ou a presidente?
R – O presidente é o Murilo. Murilo é que é o presidente da associação agora. Mas tiveram vários, teve o Manuel da Silva Alcântara, teve o seu José Maria Gomes Barbosa.
P/1 – Eles eram tudo ali da região do Cambeba.
R – Eram. O Manuel era daqui, agora o seu Zé Maria veio de lá. Tudo de lá.
P/1 – E agora fazendo um balanço, Bia, a senhora já está o que? 15 anos? 14, 15 anos.
R – Catorze anos. Fez 14 anos agora em março, cheguei em março.
P/1 – Isso. 14 anos aqui assim, o que mudou aqui também, aqui no assentamento? Além de ter um novo loteamento, pros filhos dos assentados, houve outras melhorias aqui que antes não existia no início?
R – Houve. Por quê? Quando nós chegamos nem o posto médico nós não tínhamos. A gente consultava no alpendre do colégio. Vinha o médico, fazia as consultas, aquela coisa de criança e tal. Aí a gente doou uma casa, uma casa que nem essa, lá pra prefeitura, com papel e tudo, hoje é um posto médico. Tem médico de 15 em 15 dias. Eu sou hipertensa, eu to com surto de diabete, faço o meu tratamento todo ali, o meu medicamento é recebido ali, essas mulheres de pré-natal, de criança, tudo tem lá no posto médico. Tem essa casa digital. O colégio era a única coisa que tinha, era uma casa de farinha comunitária e o colégio que foram os primeiros. Aí já tem essas coisas. Não, não tenho nada a reclamar do meu assentamento, não.
P/1 – A senhora passou a trabalhar também na casa de farinha?
R – Aqui?
P/1 – É.
R – Não. Desde que cheguei aqui nós fazemos farinha.
P/1 – A senhora continua fazendo a farinha?
R – Continuo. Continuo.
P/1 – E a rapadura?
R – Não. A rapadura aqui não existe, porque não tem cana.
P/1 – Não tem. Não tem cana.
R – Não.
P/1 – Aí a farinha vocês vendem ou é só pro consumo?
R – Vende aqui do mesmo jeito. Eles fazem do mesmo jeito. Eles fazem dentro do próprio assentamento, eles fazem a farinha e vende porque tem de pagar uma pessoa, que ninguém faz só. Só se a família for grande, família grande que tinha uns três homens em casa, mas se não tiver, forem só dois homens, tem de contratar queira ou não queira, gente pra se ajudar.
P/1 – E assim, o cotidiano da senhora de trabalho agora assim, o que a senhora ta... Não é sempre que a senhora trabalha com a farinha então?
R – Não.
P/1 – E o que a senhora faz? Como é o dia da senhora? A senhora pode descrever?
R – O meu dia hoje?
P/1 – É.
R – O meu cotidiano hoje tem os meus trabalhozinho de apanhar o feijão. Também o feijãozinho que eu sempre gosto de plantar. Minha areazinha de milho e feijão. E o meu cotidiano de casa, de dona de casa, eu zelo a minha casa, o meu quintal, as minhas plantas, cuidar das minhas galinhas, dos meus bichinhos que eu crio. De zelar a minha casa.
P/1 – Fazer comida também?
R – É. Fazer minha comida, meu almoço, minha janta.
P/1 – Quem almoça com a senhora?
R – Quando está em casa sou e a menina, que almoça mais eu. Quando meus filhos vêm também ficam comigo ali um dia, dois dias. Tem o menino às vezes ele passa até de três ou quatro dias, quando é pra ele dar uma ajuda a consertar as minhas cercas que estão estragadas.
P/1 – Sempre com muito trabalho então?
R – É.
P/1 – E assim, os cultos a senhora vai quando?
R –Vou domingo, vou quarta e vou sexta.
P/1 – E as reuniões da associação não são sempre então?
R – É. A reunião da associação sempre quando eles têm uma coisa aí pra resolverem, reúnem-se de mês em mês. O presidente reúne de mês em mês quando tem pra se resolver um problema, alguma coisa. Porque graças a Deus a gente tem uma comunidade que ninguém tem problema, muito cheia de problema. Tem confusão, mas aqui não existe. Pra precisar da gente estar ali mantendo, chamando a atenção, não, não existe isso.
P/1 – E a senhora observa assim uma mudança grande aqui, não só aqui no próprio assentamento, mas na região depois das obras do Pecém?
R – Houve, minha filha, mudança. Muita mudança.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Que tipo de mudança que houve assim?
R – Ficou melhor pros homens, que foram trabalhar, arranjaram empregos nas firmas, porque não tinha, era só de agricultura, dessas coisas assim, se queria mais uma coisinha pra fora. Mas hoje não. Hoje em dia esses jovens que terminam já vão e arranjam uma vaga, um emprego. E melhorou bastante pra eles.
P/1 – Os filhos da senhora trabalham nas obras ou não?
R – O meu filho mais velho trabalhou. Ele trabalha muito na IPX antes de se casar. Aí ele casou com uma moça de lá do Maracanaú e ela não quis ficar aqui. Aí ele ficou, passou ainda cinco anos trabalhando na firma e dormindo aqui, de 15 em 15 dias ele ia lá.
P/1 – O que ele trabalhava?
R – Na IPX?
P/1 – Isso. O que ele fazia lá?
R – Ele trabalhava acho que é serviços gerais. De tudo ele fazia, era quando estava construindo.
P/1 – Na construção então ele trabalhava.
R – Era. Trabalhou. Trabalhou na IPX muito tempo.
P/1 – Ele trabalhou quanto tempo? Cinco anos?
R – Não. Ele trabalhou na IPX somente uns dois anos. Dois anos, por aí, dois e meio.
P/1 – Bia, você consegue pensar como a região será daqui uns 20 anos? Você consegue imaginar esse futuro?
R – Ai, minha filha, eu sempre eu digo, eu sempre gosto de pensar, não gosto de pensar... Acho que a gente não deve pensar e nem fazer futuro pro dia de amanhã que não pertence a nenhum de nós, só a Deus. Mas eu tô cansada de dizer, ninguém espera morrer, só espera viver. Eu tenho certeza, que o pessoal do Idace me dizia, que daqui a dez, a não sei quantos anos, a tendência é crescer, a tendência é chegar mais coisa pra perto e tal e é o que eu tô lhe dizendo. Ficar mais próximo de pessoa ou haver mudança, eu não sei, mas que ter vai ter, porque tudo que vai pra frente, que tem no dia-a-dia hoje, tem coisa diferente.
P/1 – E a senhora acha que essa diferença vai ser positiva?
R – Menina, vem coisa positiva e vem coisa negativa. Porque hoje é assim. Porque ali no meio tem o bom e tem o ruim. Aí tem de ter.
P/1 – E o que seria de negativo?
R – Ai, minha filha, porque claro que vai ter. Eu tenho certeza que vai ter, ter os assaltos, pessoa diferente, gente que pensa coisas ao contrário como deve de vir de outros cantos pro meio, que todo canto tem de ter isso. Quando começa a aparecer. E como você tá vendo, agora quando vocês foram daqui que foram aqui pelo Siupé vocês vão ver casas, loteamentos pra sair no Siupé. Daí pra fora. Não no assentamento. O assentamento é só dali pra cá. Pra fora ali. Aí...
P/1 – Siupé é o que?
R – É uma cidade. É um município de São Gonçalo.
P/1 – Ah, é um município.
R – É. Mas é uma cidade que você vendo é igualmente São Gonçalo, a cidade de São Gonçalo, Siupé.
P/1 – Agora, Bia, aqui como que vocês fazem pra ter o transporte público passa aqui?
R – Passa. Passa mais pra Paracuru. Ele vem de Paracuru, passa ali, aí sobe, vem de manhã e vem meio dia. E os ônibus escolares têm três vezes no dia, de manhã, meio dia e a tarde. E tem mais outro micro-ônibus que vem deixar professor e aluno de fora e buscar ali pro colégio.
P/1 – Mas onde que para o ônibus?
R – Passa ali na entrada pra cá.
P/1 – A entrada a senhora fala que é aquele baque que fica ali na esquina.
R – É. A esquina.
P/1 – Então ali naquele baque que para o ônibus?
R – É. Os ônibus passam lá. Tudo ali.
P/1 – Então tem um ônibus meio dia...
R – Tem. E a tarde.
P/1 – E a tarde.
R – Pra ir pra Paracuru.
P/1 – Paracuru. E pra voltar também?
R – Também. Agora, já pra São Gonçalo não tem acesso.
P/1 – Aí como vocês fazem então a questão do transporte.
R – A gente quando quer resolver vai pra Paracuru e se quiser ir pra São Gonçalo vai numa moto. Tem um homem que faz isso três vezes só, segunda, quarta e sexta, pra São Gonçalo. O carro particular dele, ele leva quem quer ir resolver algum negócio. Ia pra São Gonçalo.
P/1 – Aí vocês já sabem os horários, que ele faz?
R – Justo. Justo. É de manhã, ele vai de manhã às seis horas e volta 11 horas pra trás. E são só três dias por semana, segunda, quarta e sábado... E sexta.
P/1 – Bia, vendo na percepção dos outros moradores, há dificuldades aqui no assentamento?
R – Existe. Ainda tem dificuldade ainda.
P/1 – Quais seriam essas dificuldades?
R – A dificuldade que existe a maioria é mais pra nós que quer agricultura. A agricultura hoje está uma coisa quase esquecida. Não tem assistência da Ematerce, não tem uma assistência de uma finança, de alguma coisa aí. Tá meio difícil assim pra gente que quer ser agricultor mesmo, mas do restante não tem, não.
P/1 – Vocês têm escola, tem o posto de saúde.
R – Tem.
P/1 – Vocês têm a terra, no caso.
R – Tem a terra, com certeza.
P/1 – Bia, você falou da seca que teve aqui nesses últimos anos.
R – Foi, minha filha. Quase que ficava sem água. Não fica por que...
P/1 – Como vocês faziam? O que vocês fizeram?
R –Mas tem duas caixas grandes que foram feitas junto com o assentamento, com as casas. As duas caixas, uma aqui e a outra lá.
P/1 – Vocês têm uma espécie de cisterna então?
R – Não. São caixas d’água.
P/1 – É uma caixa d’água mesmo?
R – É caixa. A rua debaixo tem toda água encanada daquela caixa. E tem a outra ali. A gente não tinha tanto assim de dizer: “Ah, meu Deus, vai beber água de pipa”. Não senhora, porque tem as caixas lá.
P/1 – Mas chegava carro-pipa aqui na época da seca? Chegou?
R – Não. Não chegou, não. Chegou a vir não. A gente não tinha de dizer que procurar elas porque nós temos as nossas caixas grandes.
P/1 –E como vocês fizeram com as plantações? Vocês tiravam a água dessa caixa?
R – Era, mas o poço não chegou a secar. Não. Aí pras plantas a gente aguava as plantas, pro consumo tinha porque eu tenho água encanada na casa por causa de que eu tenho poço e já tinha instalação, cavei um poço lá na entrada da instalação da casa, aí pronto. Ligou o motor a água subiu pra caixa. Aí o meu poço não tinha feito falta. Eu vi que o poço ficou muito baixo, que eu mandei medir o poço. Ficou na baixa de dois metros e meio d’água. Se não tivesse chovido um pouco a gente achou que ia secar.
P/1 – Vocês iam ficar sem água.
R – Era. Era, mas do restante não.
P/1 – Mas todo mundo tem poço aqui?
R – Tem. Todos têm o poço.
P/1 – Todos têm um poço. O poço já foi construído quando vocês chegaram aqui.
R – Foi quando nós chegamos. A gente mandou cavar um poço que não tinha poço.
P/1 – Ah, por que não tinha?
R – Não tinha, não. Não tinha poço. É que nem os assentamentos que estão fazendo agora, esses novos aí, todos têm os poços já, poço feito na porta.
P/1 – Vocês tiveram que pagar então por esse poço?
R – Foi. Tivemos que pagar. Esse aqui foi o primeiro assentamento que foi feito. Foi feito em 97 e oito. Foi o primeiro este aqui, pra concluir em 2000. Foi este aqui. Foi o primeiro. Por isso que ele ficou meio desarrumado, porque foi o primeiro. Aí depois veio o Forquilha, o Novo Torém. Hoje têm vários aí, que eles desapropriaram o restante de pessoa, colocou em outros municípios, Caucaia, mas esse aqui foi o primeiro. Foi o da história foi esse aqui. Por isso é que o pessoal não tá bem habituado nesse negócio aí.
P/1 – Agora, Bia, como que você vê as obras do Pecém?
R – As obras do Pecém eu não sei nem explicar porque eu não...
P/1 – No sentido de impacto na comunidade. Como você vê assim, na região o impacto que houve na região das obras?
R – Das obras. Uns teve gente, o mais próximo ali, o Bolso e tal, acharam um pouco ruim por causa daquelas firmas, muita coisa que aconteceu, fizeram até umas reivindicações aí que achavam que ia poluir, uns acharam assim. Mas outros já acharam bom por causa do trabalho. Eu não sei.
P/1 – Bia, qual é o seu sonho hoje?
R – O meu sonho hoje que eu espero é melhorar bastante. Que a gente fique melhor do que o que nós já estávamos. Nós tenhamos mais uma tranquilidade, o que acontecer não venha por mal, mas venha por bem pra gente viver bem. A comunidade, as pessoas, o pessoal também tenha mais amor, tenha mais Deus no coração pra poder trabalhar, porque sem Deus nós não somos nada, nós não resolvemos nada. Porque hoje em dia como você vê as badernas que estão acontecendo, esses protestos aí, aquelas violências, aquilo ali não é nem protesto, aquilo ali eu digo logo é vandalismo mesmo, que quando eu assisto a televisão eu acho que aquilo seja. Não é protesto nada, não, porque a pessoa quer protestar com a coisa ele não vai agredir, não. Não vai apedrejar nada, não. Vai é lutar por um direito. Foi que nem eu aqui. Eu aqui não fui ofender ninguém, eu não fui dizer que o governo me colocou pra eu morrer de fome, pra eu ficar atrás do que eu estava, pra eu ter isso e aquilo outro, até meu marido me abandonar porque não gostou do lugar, não tinha como ele se manter bem e tal e tal. Não. Eu não fui dizer isso. Eu fui lutar e fui vencer e hoje eu to aqui.
P/1 – Hoje o marido da senhora tá onde? O ex-marido da senhora.
R – Tá lá pra Caucaia.
P/1 – Ele tá morando na cidade então?
R – Não. Nos arrebaldes mesmo. Que ele nunca deixou de trabalhar na agricultura, em fazenda, em canto que tenha coisa de criação, ele nunca deixou.
P/1 – E a senhora sabe de alguma história de famílias, de alguma família que veio pra cá e não se adaptou?
R – Ah, meu Deus do céu, é o que dava aqui. Aqui chegava bem cedo, passava uma semana, na outra semana precisa chamar a Toyota pra colocar dentro pra leva pra trás. Agora não sei nem onde é que eles estão mais.
P/1 – Mas essas pessoas voltavam? Como que eles faziam?
R –Ora se voltou. Tem deles que moram em casa alugada, tem deles que moram pelo mundo aí mais uns outros. Foram-se embora. Não ficaram aqui, não.
P/1 – Foram muitas famílias que abandonaram aqui?
R –Foram. Eu tenho certeza que aqui dentro assentado só tem uns 15 a 16 assentados. O restante foram outras pessoas novatas. E os primeiros foi na faixa de uns 20, 20 e tanto.
P/1 – Ah, então eram 20 e 15 ficaram? 15 famílias ficaram?
R – Era. Eu tenho certeza que umas 15 a 16 assentadas agora.
P/1 – Então umas quatro ou cinco foram embora então, não se adaptaram?
R – Foi mais, mulher. Foi mais. Foi mais de uns 20.
P/1 – Ah, foram uns 20.
R – Era.
P/1 – Então no total quantos eram então?
R – Quarenta e uma famílias.
P/1 – Quarenta e uma e metade foi embora.
R – Foi. Foi embora. De lá pra cá, tinha deles que não passava nem um ano, não tinha condições deles viverem aqui dentro. Diziam eles. Foi uma luta pra mim, vencer, pra mim hoje eu estar aqui foi uma luta, por isso aí é que eu digo, foi uma luta pra eu vencer aqui e estar aqui.
P/1 – E qual foi a dificuldade que teve, que a senhora sentiu aqui?
R – A dificuldade era a vida financeira mesmo. Por Deus que quando foi 2002 entrou o Bolsa Família. Eu estava doente no hospital quando eu tinha feito o meu cadastro aqui e entrou o meu bolsa família. Parece que era naquela época começou 40 e poucos reais, 45 reais pra família minha e dos meninos e aí pronto. Aí a menina ficou, a menina mesmo me tirava quando estava pronto, agente de saúde é quem controlava isso. Aí ia tirando. Pronto. Gerou uma ajuda pros meninos.
P/1 – Ajudava então esses 40 reais.
R – Com certeza. Era. Aí pronto, hoje está custando o Bolsa Família bem cento e poucos reais, mas naquele tempo era só isso aí. Mas alguma coisa... Agora eu falo assim, a carga tributária estava até controlada, dava pra alguma coisa, dava uma ajuda boa.
P/1 – A senhora falou que teve problema de saúde.
R – Foi. Tive.
P/1 – O que a senhora teve?
R – Eu tinha... Apareceu um mioma no útero, aí eu passei na faixa de uns dois a três anos fazendo tratamento, o médico viu que não tinha solução, foi preciso me operar, tirar.
P/1 – A senhora teve que tirar, a senhora fez a cirurgia onde? Aqui?
R – Eu fiz na César Cals.
P/1 – Onde que fica? Em Paracuru?
R – Não. Fica em Fortaleza. Fiz os tratamentos lá. Nesse tempo ainda não... Hoje, não, hoje agora faz esse tipo de cirurgia que eu fiz aqui no Paracuru, São Gonçalo, mas naquela época não fazia. Ou Maternidade Escola, César Cals, Hospital Geral. Aqui não fazia. Hoje já tem mais fazer o tratamento, vem o médico de lá, tal dia tem o médico pra operar tantas pessoas. Hoje existe nos hospitais, mas não tinha. No meu tempo não tinha, em 2002 não tinha.
P/1 – Aí a senhora ficou internada lá...
R – Eu passei 14 dias internada. Aí fiz a cirurgia, fui pra casa de uma irmã minha e os meninos sozinhos aqui, mas era tudo grande. A meninazinha pequena estava com bem uns oito a nove anos, aí quando eu me recuperei eu vim embora continuar a minha casa.
P/1 – A senhora voltou pra cá.
R – Foi.
P/1 – Bia, você tem alguma percepção, alguma coisa que a senhora queira dizer pra a gente registrar sobre o assentamento que eu não tenha perguntado?
R – Eu tenho. Porque com o assentamento a estrutura dele não é que nem as dos de hoje, que estão correndo aí. Eles vieram aqui, está na faixa de uns quatro anos, vieram Incra e Idace, fizeram a reunião dizendo que eles iam dar uma reforma nas nossas casas pra reparar os erros que tinham feito pra trás. Pra reparar. Uma reforma de oito mil reais. Tá certo. Que eles fizeram naquela época muito apressado por causa que o porto estava dando pressão que queriam continuar as obras do porto e tal e tal, aí eles fizeram rápido. As casas não foram nem tão bem terminadas, que parece que foi feito ainda caindo reboco, essas coisas e pra vir. Eles prometeram, fizeram todo o levantamento, fizeram toda estrutura e sumiu todo mundo, Incra, sumiu ninguém sabe como que não saiu. Agora, no Novo Torém, se vocês visitarem vocês vão ver e pode fazer a pergunta que eles vão lhe dizer, houve a reforma lá de oito mil reais pra cada família, pra reformar a casa, pra dar uma ajeitada, uma reparada porque não ficou o assentamento bem concluído que nem os que eu já lhe falei lá. Porque tem um novo, tem no Caranguejo, município de Caucaia, um assentamento lá, que deram o lote já murado, as casinhas todas direitinhas, toda... Não tem comparação com essas aqui. Aí eles queriam reparar esse erro que eles tinham feito pra trás, que foi tempo do governador Tasso Jereissati. Eles queriam reparar com oito mil reais pra casa família e não entrou. Eu sempre tenho cobrado isso aí. Reúno grupo de jovens pra fazer um levantamento, eu disse que até as casa delas tinham sido comprometidas, que não tinham sido bem feitas. Elas não estão todas comprometidas com reboco, com piso, com alguma coisa, com porta mesmo e daí por diante. É uma coisa que sempre eu digo, era pra nós cobrarmos era isso aí, porque eles prometeram, o Incra, que já passou pro Incra que já tá com 14 anos. Eles foram quem prometeu fazer e levaram a papelada toda, a associação toda pendente, não tinha nada ao contrário e não entrou esse dinheiro. Agora, no Novo Torém foi feita.
P/1 – E você acha por que lá foi feito e aqui não?
R – Justo. Porque ele...
P/1 – Por que a senhora acha que lá foi feito e aqui não?
R – E aqui não. É que eu não sei. Porque é porque se eles viram que tinham mal feito, porque eles não disseram a associação, não era? Gente, não vai entrar o dinheiro que vem comunitário, não é individual. Não vai entrar porque tem isso assim, assim, assado. Eles não chegaram a explicar. Não deram explicação. Não deram. Eu não sei porque eles não deram, porque devia terem dado. Aí ninguém sabe do motivo. Eu sempre tinha dito o presidente era pra voltar, procurar o Idace e procurar saber o porquê que não entrou aqui e lá entrou. Tá chegando no Forquilha. Um senhor da Ematerce me disse que ainda ia chegar, e digo, mas já ta com quatro anos, quando chegar aquele dinheiro não chega mais nem a metade do que a gente era pra ter gastado naquela época. Porque continua as coisas vão subindo. Eu tenho muita vontade, porque isso aqui já está com 14 anos. Essa cozinha aqui eu fui feita pra fazer de extra pra aumentar essa casa, que a casa eu achei pequena pros meus meninos...
P/1 – Ah, isso aqui foi a senhora que fez essa...
R – Fui eu que fiz pra fazer essa cobertura.
P/1 – Essa cobertura.
R – Porque eu achei esse negócio muito pequeno, as casinhas pequenas. Onde as casas que estão fazendo agora, pode ir a casa no Novo Torém, pode entrar e olhar que é tudo casa com dois, três quartos. A casa só com dois quartinhos. As casas pequenas.
P/1 – Então essa casa aqui são dois quartos...
R – Só. A salinha, essa cozinhazinha. E o banheirinho lá e pronto. Só tinha essa areazinha de serviço aí bem aqui. Não. Não pode.
P/1 – Agora uma curiosidade, Bia, lá no lugar que vocês moravam anteriormente vocês dormiam em rede?
R – Dormia.
P/1 – E aqui?
R – Não. Aqui hoje tem as caminhas, mas lá já tinha a caminha dos meninos. Já tinha a caminha dos meninos.
P/1 – Aqui vocês dormem em cama então?
R – Dorme. Eu nem gosto. Eu tenho a minha cama no outro quarto...
P/1 – Gosta de rede, então?
R – Eu gosto de dormir na minha redinha, mas eu tenho a minha cama. Tem minha cama, tem a caminha dos meninos.
P/1 – Então a senhora dorme de rede ainda?
R – Durmo. Gosto muito da minha redinha. Aqui tenho a minha cama, mas eu tenho a minha cama.
P/1 – Tá certo então, Bia. Bom, a senhora assim, o que a senhora sentiu falando aqui da história da senhora?
R –Eu me senti bem. É o mesmo que eu tivesse visitado. A minha memória, meu tempo que eu nasci e me criei, onde eu passei. Você me acredita que eu tenho uma gaveta de uma cômoda, uma gaveta mesmo normal, ela é cheia de documento, de agenda, de coisas da história. Quando tem esse rapaz da Fetraece, que era o Alessandro, ele vinha, sentava nessa cadeira e me pedia papéis pra ele olhar. Ele vinha pra comunidade, ele passava a semana aqui. Ele passou quase um ano pra olhar, que eu gostava de escrever. O histórico eu sabia de tudo, timtim por timtim das coisas que aconteciam.
P/1 – Então a senhora registrava?
R – Justo.
P/1 – E a senhora tinha outros documentos além desses registros da senhora, esses registros pessoais?
R – Não. Tinha não. Só minhas histórias, aquelas coisas que se passavam de 2000 pra cá, as minhas mudanças. Eu tinha isso registrado. Tinha, não, ainda hoje tenho minhas papeladas. É bom. Eu gostei da entrevista, tá bom?
P/1 – A senhora, eu comentei, pedi antes pra senhora fotos. Vocês não fizeram fotos assim? Vocês não tinham fotos do lugar anterior?
R – Tinha não. Tinha não, nunca gostei de foto, não. De foto pra bater foto, não. Ninguém falava nessas coisas pra bater foto lá, não. No sítio lá, não.
P/1 – Mas não apareciam aqueles fotógrafos que faziam foto?
R – Não. Hoje a gente tem álbum de foto, vai pra uma igreja, vai pra um aniversário de uma criança, bate foto dessas coisas tudinho, mas antigamente não tinha nada, não. Não tinha nada dessas coisas, não.
P/1 – Tá certo. Bia, nós agradecemos então o registro da sua história.
R – Tá bom.
P/1 – Muito obrigada.Recolher