IDENTIFICAÇÃO Nome, data e local de nascimento Meu nome é José Ferreira de Lima. Nasci em Gravatá, em 10/03/1936. TRABALHO Ingresso na empresa/Trajetória profissional Trabalhei cinco anos na Antarctica. A fábrica ficava lá na Rua da Aurora. Trabalhei na fermentação e no cozi...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Nome, data e local de nascimento
Meu nome é José Ferreira de Lima. Nasci em Gravatá, em 10/03/1936.
TRABALHO Ingresso na empresa/Trajetória profissional
Trabalhei cinco anos na Antarctica. A fábrica ficava lá na Rua da Aurora. Trabalhei na fermentação e no cozinhamento de lá. Eu pedi pra sair quando eu soube que a Brahma estava sendo instalada aqui no Nordeste. Aí eu vim embora pra cá. Saí de lá no final de 1963 e no dia três de agosto de 1964 eu entrei aqui na Companhia e Cervejaria Brahma.
Ah, lá na Antarctica, quer dizer, eu tinha idéia do que era cerveja, mas a cerveja da Antarctica, na época o cozinhamento dela era feito, colocava açúcar no cozinhamento. E aqui, quando eu cheguei, não tinha nada disso, a fabricação aqui era diferente. Lá fazia a cerveja, deu o peso, aquele horário não tinha, como é que se diz, tempo de cozinhamento. Deu aquele peso, que na época era doze zero o apronte da cerveja lá, e tirava, fechava e colocava ela pra fermentação, depois no refrigerador pra ser resfriada, e depois a fermentação toda pra depois...
Eu quis ir pra Brahma porque na Antarctica era proibido beber, e eu gostava de tomar uma cervejinha. Por isso, o tempo que eu trabalhei lá só bebi Brahma. Saía de lá pra beber. Era conhecido nos bares onde eu chegava pelo “Rapaz da Brahma”, eu e um colega. Chegava lá: “Chegou o rapaz da Brahma”. Na época a cerveja Antarctica aqui custava 250 Mil Réis, sendo 25 centavos hoje, e a cerveja Brahma era 400, e a gente só tomava Brahma. Era cara. Só bebia Brahma.Aprendi e fiquei. O mais novo mal chegou depois de mim, e os outros que “vai vim aí”, vão chegar aí, que foi cervejeiro, fez o curso lá em Curitiba, tudo chegaram depois de mim. Foram meus aprendizes.
Eu fui o primeiro a fazer cerveja aqui. Começamos só com uma etapa, a primeira etapa. E teve a segunda e a terceira etapa. Trabalhei por 29 anos e oito meses. Era pra eu sair daqui com 20 anos, mas o trabalho era tão bom que eu passei 30, passei 29 e oito meses. Eu tinha tempo já pra me aposentar. Não me aposentei, que era pra ter me aposentado com insalubridade, com essas coisas todinhas. Perdi tudo isso. Me aposentei por tempo de serviço, 35 anos e três meses e 17 dias.
Trabalhei 15 anos no comercial. Vim para o comercial, que era circulando por todos os bares de chopp. Eu tinha que estar lá pra ver como é que estava o chopp. Eu era como um fiscal. Quem dava o diploma do chopp pra turma que vinha aprender aqui era eu. Eu gostei mais da fábrica. Escute bem, gostei uma parte. O tempo que foi de fábrica foi muito bom mas o comercial foi muito mais divertido. Eu não estou trabalhando até hoje porque... Me chamaram pra voltar dois meses depois mas eu digo: “Não, vou dar a vez pra outro” que eu já tinha feito o meu, o meu pé de meia já estava feito.
MUNDO DO TRABALHO Cotidiano de trabalho
Na fábrica não podia beber, era proibido. Quando eu vim pra cá, o meu trabalho era beber. Que fui eu que ensinei a turma aqui dentro praticamente. Só quem conhecia de cerveja, a não ser os caras que vieram do Rio, foi eu. Eu fui o primeiro cervejeiro prático daqui da filial Nordeste. O chefão que veio, o alemão, que ensinava a gente como fazia a cerveja. A gente lá no setor tinha que provar a cerveja, entendeu? Lá dentro a gente tinha que provar. Na hora quem estava lá na filtração tinha que provar, os encarregados. E tinha a seção técnica lá na industrial, que a gente quando queria beber ia beber lá. Mas eu bebia lá no setor mesmo, no setor a gente bebia. De manhã cedo o Mestre Cervejeiro descia, e lá eu já estava lá com umas garrafas de cerveja lá em cima de um balcão pra ele, e os copos de lado, pra ele tirar o de cada um pra degustar a cerveja, se estava boa, pra saber o CO2 como estava, pra ser engarrafada. Que a cerveja, antes de ser engarrafada, de manhã cedo tinha que provar. Quando ele não vinha, quando ele não chegava na hora, eu provava e tirava as provas e levava lá pra sessão técnica pra ele provar quando ele vinha do almoço. Tinha um cervejeiro aqui que tinha dia que ele chegava, nem na sessão ele passava, que já vinha turbinado não sei de onde, bebia muito. Era o Frederico Deich, ele até saiu depois, foi dispensado daqui. Foi nosso primeiro cervejeiro daqui. O Dr. Hélio, que era o chefão, e ele. Mas tinha dia que ele passava direto. Aí eu tinha que ter conhecimento do que fazia pra mandar engarrafar a cerveja. Aí provava e mandava lá pro laboratório. Quando ele chegava lá, aí já tinha provado a cerveja. Cada tanto você tirava uma garrafa de cerveja e botava lá pra provar.
Mas minha vida aqui dentro foi isso. Eu viajava quando: “Ah, em tal lugar vai ter um chopp. Lima, vai lá”. Qualquer bronca que tenha: “Está tendo um negócio aí no festival de chopp, vai lá ver o que está acontecendo”. O chefão lá dentro mandava eu ir. E depois eu vim aqui pro comercial, pronto. Aí eu fiquei, que eu trabalhei 15 anos interno e 15 anos externo.
Só quem tinha direito a motorista aqui na Brahma era eu e o Diretor, o Gerente Geral, porque eu nunca dirigi. Aí tinha dois motoristas pra trabalhar comigo.
UNIDADES DE PRODUÇÃO Cabo de Santo Agostinho
Aqui no Cabo, fabricávamos cerveja e refrigerante. Chopp da Brahma, que tinha aquela cerveja, e o refrigerante. O guaraná, quando chegou, logo o guaraná, a Sukita e o Limão Brahma eram os três refrigerantes que tinha. Distribuíamos para o Nordeste todo, até Fortaleza e Bahia. Sergipe também puxava cerveja daqui. Aqui o Nordeste todinho puxava cerveja daqui. Tinha também o Maranhão. A cerveja daqui ia pro Maranhão também. Essa fábrica aqui já chegou a ter 1200 e poucos funcionários. 1200 e poucos funcionários tinha essa fábrica.
Olha, eu vou dizer uma coisa. O pessoal de hoje trabalha com interesse em dinheiro, e a gente quando trabalhava aqui a gente trabalhava por amor. Olha, a Brahma pra gente era uma família, era a nossa casa. Isso todos quando vierem falar com a senhora vai lhe dizer isso: “A gente tinha a Brahma como nossa casa”. A gente saía daqui, saía feliz da vida. Quando a gente chegava em casa era outra felicidade. Mas quando a gente chegava aqui era a maior felicidade do mundo. Eu me sentia tão feliz no mundo quando eu chegava, eu não tinha hora pra chegar no trabalho. Quer dizer, eu chegava a hora que o tempo... mas eu chegava cedo pra participar de tudo. O meu horário era de oito horas, sete horas eu já estava dentro do escritório. Aqui, quando a gente chegava pra trabalhar aqui, começava aqui era seis horas da manhã, 15 pras seis a gente já estava aqui dentro da fábrica. Os homens chegavam com a gente, a gente já estava aí. Era tudo amigo, era uma família. Pra isso hoje em dia nós temos ainda um grupo que se reúne. Tem a diretoria, que a gente se reúne uma vez por mês, no final do mês, e na metade do mês, que é quando a turma está com dinheiro, pra vir pagar alguma coisa aqui. A gente se reúne aqui. Eu sou, a única coisa que eu tenho a falar dessa empresa é que eu fui o cara que passei mais tempo aqui dentro e perdi meu plano de saúde.
TRABALHO Momentos marcantes
Não, teve muitas coisas. Eu viajava esse Nordeste todo fazendo festivais de chopp. Toda a minha vida, quer dizer, 15 anos, quer dizer, do início da fábrica, quando começou a fazer chopp aqui, eu era quem fazia os festivais de chopp, de Alagoas ao Rio Grande do Norte, e fiz também o festival de chopp em Salvador. O que me marcava era isso, que todo mundo: “O Lima tem que ir pra tal lugar fazer o festival de chopp”. Aí eu pegava minha equipe aqui, o material, o chopp também daqui, e a gente ia lá fazer festa todos os finais de semana.
EVENTOS Festival de Chopp
O distribuidor comprava, e lá o pessoal do dos eventos que comprava. Vendia as canecas pra poder... Custava 30 reais uma caneca, 40, pra o cara ia beber e dançar na festa toda. Eu tenho em minha casa ainda um acervo de umas 750 canecas lá, tudo de festivais de chopp que eu fiz aqui no Nordeste. Cada festival que eu ia eu trazia uma caneca. Ta lá. Só quem não gostava muito é minha esposa, porque cada festival de chopp desses era um final de semana que eu passava fora de casa. Saía na sexta-feira e chegava na segunda.
MUNDO DO TRABALHO Relações de trabalho
Acontecia que todo mundo queria estar comigo nos cantos, que eu chegava pra tomar um chopp: “Lima, como é que vai o chopp aqui? Não tem nenhuma novidade pra contar não?” Ah, eu gosto muito de beber, mas eu devo dizer assim: “Não, eu não vou fazer farra nem nada”. Porque eu era muito acreditado aqui dentro. A gerência dizia: “Lima”, “Seu Lima”. Eu era chefe de meu mesmo. Aqui, quando eu vim para o comercial, tinha um gerente e tudo... Teve um gerente de Brahma que era sobrinho de um dos donos da Brahma, me chamava de Tio Lima. Valter Rit , foi Gerente Comercial aqui, só me chamava de Tio Lima, que eu era o mais velho aqui do comercial, da turma. Era tudo rapazes novos: “Olha, tem que respeitar o Tio Lima”. Então, era isso.
Olha, eu não posso dizer a você, da turma que trabalhava comigo me tinha aqui, como se diz, eles me endeusava aqui dentro, me tinha como um deus aqui, de cerveja e de chopp. Foi a minha vida que eu vi aqui dentro. Eu antes escrevi um negócio aqui, que eu gostava muito de beber, brincar no bar. Eu disse: “Rapaz, existe o crime do colarinho branco”. Quando eu chegava num bar, que vinha um chopp mal tirado, eu dizia: “Esse é o crime do colarinho branco”. Aí eu fiz um versozinho que diz assim: “O chopp sem colarinho é o crime de quem serve, castigo para quem bebe”, Ou “Um castigo de quem serve e um crime pra quem bebe”, Lima do Chopp. A Brahma aproveitou isso. Anos depois soltou uns cartazes aqui que mandou botar em bar, aí botou chopp da Brahma. Mas quando eu fiz, eu tenho escrito lá na praia isso.
Um amigo meu do Rio, que trabalhou comigo aqui, mandou [uma medalha] pra mim, pra você ver o respeito que o cara me tem. Diz que eu fui um ídolo pra ele aqui. PRODUTOS Brahma Chopp
Eu prefiro, em primeiro lugar, a cerveja. Eu só bebo água porque sou pobre. Hoje em dia ainda tomo seis cervejas todos os dias. Só da Brahma. Nunca botei uma Antarctica na minha boca. Nem agora. Está sendo feito aqui, tem festa aqui. Eu não tomo chopp, eu tomo o refrigerante dela, eu tomo, mas Antarctica eu nunca tomei, porque quando eu fui trabalhar nela me proibiram e eu fiquei com aquele trauma. FAMÍLIA Esposa
Eu já tomei duas ali com um colega quando eu vinha. Antes de vir pra cá tomamos quatro cervejas, eu paguei duas, ele pagou duas, ali no barzinho. Mas eu gosto, é a minha água. Eu só bebo água porque eu sou pobre, se não fosse eu só tomava cerveja. A minha mulher reclama, tudo... Eu não sinto nada.
LAZER Clube do Limão
Graças ao meu bom Deus. Eu arrumei tanta amizade aqui dentro que hoje em dia eu sou Diretor do Clube do Limão. Tem um clube ali em Boa Viagem, vai completar 39 anos agora. É patrocínio da Pitu e do clube.
Todos os domingos, de 10 horas a meio dia, uma hora da tarde, eu distribuo caldinho de feijão e batida de graça pra todo mundo da praia. O cara chega lá, caldinho de feijão e a batida, de graça. Toma banho de mar, o chuveiro, é bem... na areia da praia, em frente ao Edifício Portugal em Boa Viagem.
COSTUMES CULTURAIS Cultura pernambucana
Eu fiz isso aqui, fiz outro também que eu tinha aí. Nessa sala aqui, que era a sala do Gerente, tinha um quadro aí que tinha escrito um que eu fiz do mar também, sobre a cerveja, que “Se o mar fosse um tinteiro e as ondas o papel pautado, se os peixes fossem escrivões, escrevesse com cuidado, não dava pra anotar os chopp e as Brahma que eu tenho tomado”. Assino Lima do Chopp. Nas minhas placazinhas tem tudo isso assinado. Mas é isso. A Brahma pra mim, se eu tivesse que trabalhar ainda na vida eu só queria trabalhar na Brahma.
MUNDO DO TRABALHO Saúde do trabalhador
Eu perdi o plano, eu não tenho direito ao plano de saúde. Hoje em dia eu sou beneficiado da minha esposa, que ela é funcionária do estado, federal. Eu tenho o plano de saúde dela, mas não tenho aqui. Fui o cara que dei a minha vida aqui dentro e perdi o plano de saúde. Não me indenizaram nem nada, mas eu não me lastimo por isso. Eu não fui indenizado em plano de saúde nem nada, porque a Brahma só deu plano de saúde pra quem se aposentou até 1990. A minha carta de aposentadoria saiu em 1993 e eu me afastei da empresa em 1994. Eu fiquei um tempo passando uns serviços pra uns colegas.
Quer dizer, a única mágoa que eu tenho, eu não tenho essa mágoa mas minha mulher fala: “Você devia ter um plano de saúde, rapaz, cadê? Você não tem”. E toda a turma aí tem. Aquele Luis Paulinho também não tem esse plano de saúde. Foi eu e ele que perdeu o plano de saúde, e um se vim falar com a senhora aqui também.
O Teófilo. Também se aposentou, mas não tem. Se aposentou depois. E eu dava pra ter me aposentado em 1990 quando ela estava, mas ninguém me chamou pra isso nem nada, não me avisaram nada. Aí quando chegou a minha vez: “Você não vai ter plano de saúde”. Eu também não corri atrás não. Eu estava tão empolgado na época que eu nem saí.
ENTREVISTA Recado
Não, o que eu quero dizer pra Companhia é que ela seja, quer dizer, essa como a AmBev hoje está sendo, pelo menos com a gente ela está tendo a mesma coisa que a Brahma antiga tinha. Tem um gerente que chega aqui, vem conversar conosco, essas coisas. Eu agradeço muito a essa empresa pelo tempo que nós passamos aqui dentro e o que ela tem feito hoje pela gente, que até hoje a gente continua se reunindo aqui dentro. É uma mãe. A turma chama mamãe Brahma, agora é mamãe AmBev.
Agora é AmBev. Mas é isso. Só o que eu tenho pra dizer pra essa Brahma, que essa AmBev que é hoje a nossa Brahma, a maior cervejaria do mundo como está na estatística aí. Eu me sinto de fazer parte dela. Não trouxe minha estrela, mas eu tenho a estrela que recebi com 25 anos. Ainda ganhei outra de um amigo meu do Rio que mandou pra mim pelo respeito que ele me tinha, ele me mandou uma estrela pra mim do Rio. Eu tenho duas estrelas, dessa que você vai ver o rapaz com ela, eu tenho duas daquela em casa.
CERVEJA Fabricação
Hoje em dia mudou. A cerveja de hoje, a Brahma pra mim, tem um gosto dela apurado pra mim, tem tudo. Mas mudou muito porque a fabricação antigamente passava dez, 12 horas a fabricação de cerveja. Hoje em dia parece que é quatro ou é cinco horas, que eles estão tirando... Acabou-se a caldeira de pressão, agora é feito com maltose, o mel do milho que vem aí. Quer dizer, a cerveja agora é uma cerveja mais rápida. Mudou muito por isso. Mas na nossa época a cerveja era, a melhor cerveja do Brasil foi a cerveja Brahma aqui do Nordeste.Recolher