Projeto: BNDES 50 Anos
Depoimento de: Márcio Fortes
Entrevistado por: Claudia Leonor e Márcia Paiva
Rio de janeiro, 06 de maio de 2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: BND_TM004
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – Eu queria pedir para...Continuar leitura
Projeto: BNDES 50 Anos
Depoimento de: Márcio Fortes
Entrevistado por: Claudia Leonor e Márcia Paiva
Rio de janeiro, 06 de maio de 2002
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: BND_TM004
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Fernanda Regina
P/1 – Eu queria pedir para você falar de novo o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – Completo, completo?
P/1 – Completíssimo.
R – Tá bom. Márcio João de Andrade Fortes. Nasci em 1944, em Belo Horizonte. Eu nasci em Belo Horizonte por uma razão inusitada. Meu pai tinha tuberculose. E foi lá para se curar. E, portanto acabei nascendo lá. Mas só fiquei lá seis meses. Logo em seguida eu vim para o Rio, portanto eu sou a coisa mais carioca que pode acontecer.
P/1 – E qual é o nome dos seus pais?
R – Os meus pais é Maria Augusta e João Fortes. Papai acabou de morrer. Faleceu agora em janeiro. Faz muita falta. Mas o fato é que ele teve uma grande vida, né? Essa vida é uma vida muito interessante, não precisamos nos aprofundar na vida do papai, mas é importante dizer que nós somos 10 filhos. É importante dizer porque nesse universo, né, 10 filhos, 16 genros e noras que as pessoas separam toda hora, não sabem por quê e papai e mamãe têm 32 netos, imagine você. Nesse universo todo não há registro de acidentes graves, insolúvel. Do tipo assim: morreu, foi atropelado, foi assaltado, perdeu o olho, é tuberculoso, é débil mental, né? Não passou de ano no curso primário. Não aconteceu isso. E isso é atribuído à graça de Deus lá em casa. Quer dizer, meus pais e nós todos fomos formados, nós fomos formados em um quadripé: quatro valores. Quatro valores. O valor da Pátria, da Nação. Responsabilidade cívica. Agora se chama responsabilidade social ou lá o que seja. O valor do trabalho individual, a produção. Quer dizer, valorizar quem produz, quem trabalha. Isso é uma vertente empresarial. O valor da família e o valor da religião. Não quer dizer que eu tenha adotado todos os valores na integridade em que foram passados. Mas o fato é que ficaram incutidos. Assim, mas então não há outros valores? Há também. Mas não é primordial na nossa formação a exibição de fortuna, a exibição de poder, a exibição de charme social ou qualquer coisa assim que tantos outros valorizam. Até sem mal nenhum. Mas o fato é que esses quatro pés foram moldando muito a característica dessa trajetória. E me levaram a me casar com uma moça que tem nove irmãos. Então cada um dos meus pobres filhos tem 30 e, tem 50 primos irmãos, entendeu? É uma tragédia na minha vida. Porque eu não sei mais como fazer para administrar essa (riso) outra empresa, afinal de contas, que é a família. Essa característica, você está rindo? (risos) Mas é sério.
P/2 - Eu estou Achando ótimo. (risos)
R – Mas é uma coisa séria, entendeu? Então essa trajetória toda moldou muito a minha própria ascendência, né? Eu fui até o momento em que o Collor tomou posse em 1990 eu era o mais jovem de todas as rodas que eu frequentava. Quer dizer, eu fui diretor de empresa com 24 anos. Eu fui residente de um sindicato patronal com 27 anos. Eu fui secretário geral do Ministério da Fazenda com 33 anos. Assumi o Ministério da Fazenda com 33 anos de idade em Brasília, em 1979. E a gente vai se acostumando a ter o direito que os mais jovens têm de ser mais ousados, mais, enfim. Ímpares. Não conformistas com as situações.
P/2 -
E na escala dos seus irmãos, os 10 filhos você é o caçula?
R – Eu sou o mais velho.
P/2 - O mais velho?
R – Eu sou o mais velho de todos. A minha irmã menor, Maria Isabel, tem dois anos mais que a minha filha mais velha. Eu tenho netos e tenho sobrinhos mais novos que os meus netos. Essas coisas de família grande. Que é muito rico tudo isso.
P/1 – E dentro desses valores que você falou da família, tinha algum conselho que seu pai te dava assim? Que você lembra dele falando para você?
R – Não, especificamente não. Mas os valores, né? Eles ficam incutidos. Quer dizer, você tem que valorizar o trabalho, valorizar (riso) a espiritualidade, a dimensão espiritual do ser humano. Não precisa ser religioso, estou dizendo que, não é obrigado a ir a missa todos os domingos. Mas o fato é que você tem que ter a noção perfeita da sua dimensão espiritual e da sua limitação terrena. Papai era muito acético nessas coisas. Entendia de Filosofia, um pouco de Teologia. Era engenheiro e militar você para você ver como são as coisas. Mas enfim, essa moldagem toda me levou a essa minha trajetória. Essa trajetória eu assumi o BNDES com 43 anos de idade. Na realidade 42. Ia fazer 43. Quarenta e dois era minha idade em janeiro de 1987.
P/2 - Só um minutinho, antes eu gostaria que você falasse da sua formação acadêmica.
R – Ah, é?
P/2 - Qual foi o curso, a faculdade que você fez, por que é que você escolheu?
R – Está bom. É, olha aqui, papai era engenheiro. Então desde menininho pequenininho que eu já dizia: “Que é que você vai ser na vida, menino?” Eu dizia: “Engenheiro.” Pronto. Não discuti muito essa, não fiquei naquelas dúvidas existenciais que hoje em dia são tão comuns. As pessoas mudam de opção com facilidade espantosa. Mas eu não. Minha mãe era professora pública, e na verdade era professora especializada em educação de surdos-mudos. Mas então eu fui aluno do Instituto de Educação aqui no Rio de Janeiro. E de lá o natural nos alunos do primário no Instituto de Educação, os meninos, os homens era irem cursar o Colégio Militar. Depois o que seria muito natural porque papai tinha sido aluno do Colégio Militar. Mas aconteceu um acidente de saúde dele e tal e ele virou, se converteu ao catolicismo de forma radical então eu fui orientado para o Colégio Santo Inácio onde cursei meu curso todo. Virei um inaciano ortodoxo. Sabe, eu sou jesuíta de raciocínio. Silogismos. Faço tudo direitinho. E isso foi muito útil, né? Eu olho em volta hoje, vejo lá os meus colegas de turma e tudo, quer dizer havia, o Santo Inácio era uma escola de formação de líderes mais do que de formação acadêmica. E dali normalmente vestibular eu fui fazer Engenharia na PUC. Onde me formei engenheiro. Agora, eu, enfim, desde garoto lá no Colégio Santo Inácio já exercia atividade política. Eu era dirigente do Grêmio. Participei de eleições da UNE. Fui diretor. Fui ao Congresso da UNE de Quitandinha, está entendendo? Conheci o Zé Serra presidente da UNE. 1960, 61, 62. Uma época difícil, né? Enfim, o fato é que essa conjunção eu fui presidente do Centro Acadêmico da Faculdade De Engenharia da PUC já no terceiro ano de escola. Em seguida, eu concorri a presidente do Diretório Central dos Estudantes. Perdi a eleição. Mas fui escolhido por razões de outra natureza membro do Conselho Universitário da PUC em 1967. E lá eu estou até hoje, né, nos últimos 35 anos eu sou membro do Conselho da PUC. Que é uma coisa meio rara, né?
P/1 – Hum, hum.
R – Essa permanência. Em pessoas como eu que não são nem egressas nem participantes do ambiente acadêmico. Eu não sou professor. Nunca dei uma aula na minha vida. Mas essa vertente é mais no sentido da visão da necessidade da formação mais prática, mais correta, né? Eu acho que está indo bem. O fato é que um belo dia, voltando aqui à sua (riso), eu me formei em política nos Estados Unidos. Estudei na Universidade de Harvard e fiz parte da ________
P/2 - Pois é, e como é que foi essa escolha para você ir fazer um curso político também? Que você estava com Engenharia?
R – Ah, não. Havia uma seleção. Havia uma seleção aqui. Os americanos na época faziam uma seleção, eles estavam muito preocupados com a formação de líderes, né, naquele momento muito conturbado da política brasileira.
P/2 - Mas isso por conta do seu envolvimento com política estudantil?
R – Com política universitária. É. E lá fui eu. Fiquei lá quatro meses estudando política. Foi um curso muito rico. Muito interessante, né? Nunca tinha saído do Brasil naquela época. Tudo isso foi muito enriquecedor. Agora pouco importante para a trajetória seguinte. A trajetória seguinte é o seguinte: o meu pai tinha uma pequena empresa, era titular de uma empresa de construção e eu me formei em 67 na PUC. Em 68 eu fiz dois cursos para graduação. Um de manhã e um de noite. Trabalhava de tarde. Em seguida tive que tomar a decisão, né? Ou ia para a política, ia fazer as coisas, mas eu me casei estudante. Eu já tinha responsabilidade de família, com 22, 23 anos. Então eu não pude ir para a política. Aí eu fui trabalhar na empresa. E a empresa realmente funcionou. Quer dizer, de 69 a 79, 10 anos foi uma coisa de maluco. De maluco. Você trabalhar 24 horas por dia. Isso quem tem 24 anos pode fazer. 25, 26, 27,28, pode fazer. As mulheres reclamam e os filhos mais ainda coitados. Eles mesmos não sabem por que. Mas agora a gente sabe depois de velho. O fato é que foi uma explosão de produtividade. A empresa multiplicou-se por não sei quantas vezes e tal. Abriu atividades em outros estados, em outras cidades. Eu me tornei muito participante do diálogo com as autoridades, Caixa Econômica e tal. E daí me tornei muito amigo do Carlos Richbiter que era em certo momento presidente da Caixa Econômica Federal. Depois ele foi para o Banco do Brasil. Fez-me um convite inusitado, ainda no Banco do Brasil. Que fosse uma espécie de assessor dele. Para assuntos que ele não conhecia bem. Da vida, o banco no entender dele tinha dificuldade de compreensão. Lá fui eu. E no final de 79 eu fui convidado para ir para o Ministério da Fazenda. Então eu larguei a empresa. fiz um rompimento radical, difícil. Então larguei a empresa e larguei o Rio de Janeiro. Fui para Brasília. Morei 1 ano lá nesse período. Levei mulher e filhos. Quer dizer, a Celinha era estudante universitária mudou de faculdade. As crianças foram para o colégio lá e tudo mais. foi um ano muito rico. Entrei na vida pública de cabeça. Dá muito trabalho mas também tem muita gratificação. Só durou um ano porque nós fomos, logo em seguida saímos do Governo. Carlos Richbiter em seguida eu. Daí eu fiquei aqui um pouco mais de tempo e larguei a empresa, voltei para a empresa e saí da empresa em 1984. Oitenta e quatro para 85. Por razões de natureza política. Quer dizer, eu fiz a campanha de 82 para governador e para senador aqui do Rio para o Célio Borges e para o Moreira Franco. Em seguida, ficamos muito envolvidos com a coisa da Diretas Já. Constituição. O que estava acontecendo depois do início da democratização, né? Formação de partidos políticos, visto agora, 20 anos depois, parece que passou rápido. Não passou rápido não. Quer dizer, o PT foi fundado em 1980, né? Os outros partidos foram fundados em 1980. O PFL. O PFL saiu de um apêndice do antigo PMDB e tudo o mais. Bem, divergimos e encontramos o nosso caminho e elegemos Tancredo Neves no voto indireto e o danado morreu, não é isso? Antes de tomar posse. Em um capitulo importante de crise da questão brasileira e ficamos por aí até que aconteceram as eleições de 86. Em pleno Plano Cruzado. Eu participei ativamente da eleição do Moreira Franco aqui no Rio. Essa atividade toda, essa mistura de administração pública com eleições, com processo político partidário. Constituição partidária. Discussões, debates. Dezenas de participações me levaram a ser convidado e assumir a presidência do BNDES, em janeiro de 87. Período político muito importante. A década de 80 foi uma década curiosa no Brasil, né? A primeira metade foi Governo Figueiredo. Muito, muito esquisito porque sem autoridade. Uma política econômica tumultuada, desatualizada. Porque sob a égide do ministro Delfim Neto que sempre se reportava, e isso é uma coisa muito natural no ser humano, ao tempo em que ele era ministro 10 anos antes. Ou 15 anos antes. Em outro tempo. Em outra condição. Então o fato é que o BNDES, eu estou entrando direto aqui no BNDES, de cabeça já que vocês querem que eu fale disso. Em janeiro de 87 era uma casa sem motivação, triste. Se isso é uma expressão, uma palavra que resume tudo. Saindo de um longo período de interinidade. O presidente anterior era interino. Era o André Montoro Filho. Que tinha ficado 18 meses como presidente interino. Sucedendo ao Dílson Funaro que tinha sido escolhido pelo Tancredo Neves, tinha sobrevivido um pedacinho. E tinha então sido nomeado ministro da Fazenda. O Francisco Grow era diretor do BNDES nessa época. Quando eu entrei ele saiu do Banco Central. Mas o banco naquela época ele não tinha se encontrado. Porque ele vinha de um período em que a sua orientação, a sua direção, a sua razão de existir era dentro de uma política de substituição de importação que tinha sido prevalente na década de 70. Baseada em créditos externos. Baseada, sobretudo em enriquecimento das empresas estatais para fazer face às dificuldades de competição internacional em uma época em que havia dificuldades internacionais de outra natureza, como regulador de juros, como incentivador de indústrias de base. Ele tinha lá seus princípios que sucediam a vários períodos de formulação estratégica. O primeiro período da década de 50. O segundo da década de 60. As substituições da década de 70, não tinha ainda conseguido se encontrar na década de 70, já estava, na década de 80 e já estávamos em 87, não é? O que é que aconteceu? O que aconteceu é que o Brasil todo não tinha se encontrado nessa questão. Por quê? Por que entre 1965, particularmente entre 65 e 80 entraram no Brasil mais de 100 bilhões de dólares de empréstimos em moedas estrangeiras que foram utilizados para construir a infraestrutura que nós chegamos a conhecer naquele momento. De telefonia, de energia elétrica, de rodovias, de aeroportos. Do que fosse. Essa quantidade enorme de recursos era disponível no mercado financeiro internacional por força da reciclagem dos petrodólares. Mas aí um belo dia o preço do petróleo subiu em 72, 73, explodiu, quer dizer passou de três dólares para 30 o barril. Os países produtores de petróleo não tinham capacidade de absorver a nova riqueza que lhes chegava, reciclaram. Emprestaram ao sistema financeiro internacional que na falta do que fazer emprestaram a paises como o Brasil. O fato é que de sete a oito bilhões de dólares por ano, todos anos durante 15 anos, muito tempo. Isso viciou um pouco o modelo brasileiro que se acostumou a isso. Quer dizer, é possível fazer usina nuclear? Perfeitamente. Pede dinheiro emprestado, vem você faz a usina nuclear, né? Claro que havia certo planejamento. Não era feito malucamente. Mas não havia preocupação com a questão financeira. Quer dizer, os projetos eram formados, eram elaborados, eram aprovados. Eram levados a cabo sem preocupação com a questão dos recursos. E por isso em 87, bem como em 1980 começaram a escassear essas fontes, e em 82 aconteceu o setembro negro. Quer dizer, a falência do México. Naquela época. O México já faliu naquela época. E a reunião do FMI de Toronto no Canadá. Que foi em setembro de 82, foi dramática para o Brasil. O Langoni que era o presidente do Banco Central teve que se mudar para Nova Iorque e ficar lá assim como quem fica na caixa de uma empresa que está à beira da falência. “Pago a você. A você só pago 50 por cento” inventaram formas mágicas, malucas. Uma delas foi o ________. Pelo qual o Brasil não tendo divisas convencia credores do setor privado brasileiro a transferir seu crédito para o setor público com o aval do Tesouro. Agravando a situação. O que viria a estourar depois já na década de 90. Do endividamento externo brasileiro de responsabilidade do poder público, do setor público brasileiro. Mas o fato é que em 87 o banco era uma, era uma casa triste, eu falei quero confirmar. Mas, sobretudo, sem orientação estratégica. Ele não tinha, não sabia bem o queria fazer. As diretrizes eram diretrizes burocráticas, administrativas. Por quê? Porque havia em primeiro lugar uma enorme participação do banco em empresas que tinham sido privadas no passado. E que tinham sido compradas pelo _______. Diversas. Uma porção de coisas que faziam com que o banco perdesse um tempo enorme, e recursos. Não só financeiros, mas, sobretudo, administrativos, estratégicos. Coisas para as quais ele não estava preparado para administrar empresas. Siderúrgicas, Caraíba Metais e outras coisas. As discussões na diretoria do banco eram infantis. A diretoria do banco se reunia e era absolutamente irritante. A primeira, a segunda e a terceira reuniões que eu presidi era para não repetir. Quer dizer, senhores responsáveis, grupos de análise discutindo qual era o nome do diretor financeiro da Caraíba Metais. Porque tinha saído um e havia uma disputa política para saber quem era o seguinte. Em uma empresa privada. Que deveria a rigor se comportar como tal. Competir no mercado nacional e internacional e etc. Era um patrimônio que lá havia e também uma responsabilidade de gestão e uma responsabilidade política em relação as tais empresas que significavam muitas vezes setores de atividade.
P/2 - Mas só um minutinho. O banco interferia na gestão dessas empresas que ele participava?
R – Ele era o dono.
P/2 -
___________
R – Ele era o dono. Não, ele não interferia. Ele era o dono. Ele tinha, possuía 23 empresas. Possuía a Caraíba Metais, ele era o acionista controlador.
P/1 – Acionista principal?
R – Acionista controlador. R às vezes tinha 90 por cento, 100 por cento. Cabia ao presidente do banco, à direção do banco dizer quem era o presidente da empresa. O diretor financeiro. O diretor comercial (risos). Que estratégia. E os diretores, esses funcionários do banco às vezes, às vezes não, pediam dinheiro a toda hora. Solicitam recursos. Aumento de capital. E enfim, uma situação dantesca. Dantesca. Simetal. Siderúrgica do Espírito Santo. E sei lá mais o quê. Florestas na Bahia. Não era fácil não. Era uma situação esquisita.
P/2 -
E toda essa situação...
R – Havia esse envolvimento. Isso era uma situação. A outra situação é que o banco era envolvido financeiramente com o setor estatal da economia. Ele era dono de 35 por cento da Eletrobrás. E da Rede Ferroviária Federal. E da Nuclebrás, e da Eletrobrás, e da Chesf, e de Furnas, e de isso e daquilo. E tinha ao longo do tempo emprestado dinheiro, sob a forma de empréstimo, a essas empresas para fazer seus projetos, suas coisas e havia uma enorme inadimplência. Quer dizer, as empresas estatais não pagavam ao banco que deviam. Não pagavam e estamos conversados. Porque tudo é do mesmo patrão. Só que o banco devia a credores externos. Devia à banca internacional uma quantia que eu não me lembro agora com clareza em dólares quanto era, mas não administrável tão grande era a coisa. Em terceiro lugar, porque a própria participação do banco nos projetos de desenvolvimento a cargo do setor privado da economia, ainda se baseava em diretrizes da década de 70. Quer dizer, o banco ainda era a única fonte, não acreditava no mercado de capitais privado. Tinha dificuldade de participar acionariamente com risco em paralelo à participação por empréstimo. Os empresários também tinham se acostumado a solicitar empréstimo e estamos conversado. Sobretudo o tempo em que o juro do banco era fortemente subsidiado. Havia uma regra de subsídios fortíssima pelo qual a correção monetária dos empréstimos do banco era 20 por cento ao ano. Ainda que a inflação fosse 300. Então isso era um estímulo ao desperdício sobre tudo. Mas ao desperdício do que iniciativas válidas e promissora. Bom, consertar essa coisa, que tinha outros aspectos. Aspectos administrativos internos. Quando eu entrei no banco houve alguma reação e uma série de valiosos quadros administrativos e funcionais: superintendes, e gerentes e tal e coisa, já em idade de aposentadoria solicitaram a aposentadoria. Foram para o setor privado e deixaram lacunas que mereciam ser preenchidas. Bom os primeiros meses, portanto do banco foram um pouco assim de conhecimento da, dessa realidade e da identificação de valores dentro de casa que pudessem ajudar na reconstrução. Primeiro de uma filosofia operacional. Quer dizer, da razão de existência. Da identificação daquela instituição. Da sua razão de existência, da sua razão política. Em segundo lugar da sua estratégia de atuação. Então nós elaboramos em primeiro lugar o seguinte: o banco existe para questões de longo prazo. Então resolvemos fazer um trabalho de cenários da economia brasileira para cerca de 20 anos. Ao longo de 20 anos. Quer dizer, deveriam prevalecer até 2010. E assim foi feito. A equipe de planejamento do próprio banco, mesmo _____- um pouco de força, um pouco de gás, elaboramos lá o cenário da economia brasileira para 20 anos à frente. E ficava claro uma porção de coisas que algumas dessas coisas falar parecia às vezes um pouco de, de agressão dentro do banco. Primeiro, que o setor estatal tinha que cumprir outro papel que não de construir uma infraestrutura. Até porque havia outra questão ao lado, que era a questão social brasileira que estava pessimamente atendida. Por um absoluto desrespeito e uma absoluta não higidez das finanças públicas brasileiras. Com uma inflação crescente em que os remédios anti-inflacionários, um dos quais era o Plano Cruzado, que estava nos seus estertores quando eu entrei no banco, ali no finzinho, né? Não tinham ainda completado o seu círculo. Certamente já se sabia que iam resultar em fracasso e com uma explosão inflacionária que seria maior do que aquela que tinha sido combatida no início do Plano Cruzado.
P/2 - Então você pode só remarcar o ano?
R – Deixa eu marcar.
P/2 -
Hum, hum.
R – Então o Plano Cruzado foi, o Plano Cruzado todo mundo se lembra...
P/2 – No ano que você entrou no banco?
R – Não, não. Eu entrei no banco em janeiro de 87. O Plano Cruzado foi lançado em fevereiro de 86, não é? Com o Dílson Funaro e tal. Ele obedeceu a uma rígida administração do Pérsio Arida, do André Lara Rezende, economistas, João Manoel Cardoso de Melo e outros. Naquele primeiro semestre entre fevereiro até julho. Um belo dia ele começou a fazer água com decisões do presidente Sarney, que não aguentou, não suportou certa pressão de liberalidade em diversos aspectos do Plano Cruzado. Ele foi útil politicamente para eleger todos os governadores menos um, que o PMDB naquele ano fez. Todos os senadores menos um ou dois. Havia uma campanha eleitoral em 86. Todos foram eleitos assim. E uma grande bancada de deputados, etc, etc. Mas as instituições públicas sofreram muito com isso. Quem lidava com recursos públicos. Quer dizer, em primeiro lugar o tesouro. Não conseguia mais cumprir suas obrigações. Ou seja, prover de recursos às universidades, aos hospitais públicos, às Forças Armadas, à diplomacia. Ficou todo mundo aí a matroca.
P/2 - E o banco chegou a ter prejuízo? A entrar no vermelho?
R – O banco em abril de 1987 não tinha dinheiro para pagar a própria folha de pagamento. Foi salvo pela privatização da Nova América de tecidos. Tinha uma fábrica de tecidos (risos).
P/2 - Hum, hum.
P/1 – (risos) .
R – (risos) Rá, rá, rá? Pois é.
P/2 - A famosa, Nova América.
R – A famosa Nova América eu tive uma discussão no Clube de Engenharia com o deputado Jorge Bitar. Hoje uma figura honesta e séria que era o presidente do Sindicato dos Engenheiros que foi contrario naquela época a privatização da Nova América de Tecidos. Achava que já que a Nova América estava de propriedade do BNDES devia continuar assim porque servia para regular o setor de tecidos, entendeu? Então nós vendemos a Nova América entrou algum dinheiro e pagamos a folha de pagamento. Mas aí foi todo um esforço de recuperar créditos de empresas completamente inviáveis. A Rede Ferroviária Federal. Que não pagava porque dizia que a Petrobrás não pagava a ela o transporte do petróleo não sei aonde. Que dizia que não pagava porque a Eletrobrás não pagava a conta do petróleo das termoelétricas do estado de Rondônia. Que dizia que não pagava porque as finanças de não sei quem, vem um nó derivado do modelo, não é só da inflação. A inflação é mais consequência do que causa. É de um modelo que tinha sido paralisado no tempo e não tinha sofrido a adaptação necessária à realidade internacional. O fato é que em 82, 80 parou e em 82 inverteu a curva. Em vez de nós recebermos de sete a oito bilhões de dólares por ano, em 82 nós passamos a ter que gastar dinheiro devolvendo empréstimos que tinham sido contraídos antes e não tínhamos...
P/2 - Isso por conta dessa política de substituição de importação?
R – Não, e da construção da infraestrutura, da existência de créditos internacionais abundantes a juros razoáveis. Uma porção de outras coisas, mas para as quais havia a necessidade de um preparo. Só que um parênteses também, em 1979 lá no Ministério da Fazenda o ministro Carlos Richbiter fez o famoso relatório Rischbieter. Quem tem memória depois se lembra. É um relatório que se baseava nisso. Nas contas externas. Quer dizer, os juros estavam crescendo, o preço das nossas comodites exportáveis estavam caindo. Café, minério de ferro, açúcar e outros caindo. E nós íamos ter menos receita de exportação. O preço do petróleo subindo mais uma vez. Enfim, um nó. Ia dar um nó. E esse nó tinha remédio. Você podia se preparar para isso. Mas não foi a opção do Governo brasileiro. A opção do Governo brasileiro do ministro Delfim Neto e sua equipe na época foi de continuar na toada como se houvesse créditos ilimitados. No banco havia um sem número de projetos de infraestrutura ainda aguardando o inicio. Por exemplo, a hidroelétrica de Xingó. Que foi terminada agora em 1998 (risos). Eu estou falando em 87, ein? Já estava no meio da obra e tal da hidroelétrica de Xingó e tinha lá o projeto dela. O projeto é ótimo porque produziria não sei quantos kilowatts de energia. O preço é tal. Porque na região falta energia. E tem mercado. Tem gente que vai comprar energia. E tal, tal, tal, tal. Recurso para fazer a obra: a definir. A definir como? Porque durante décadas você ia ao Banco Mundial ou Bank Of América, ou Banco Alemão ou Credit ___________, tal e fazia um sindicato de crédito externo e levantava o dinheiro para fazer Xingó e pronto. A Chesf ia depois pagar aquele empréstimo com a conta de luz das pessoas que iam comprar energia. Só que não tinha mais esse crédito. Isso em 80. E essa situação perdurou sem que ninguém desse muita atenção a ela até 87. Em 87 então o resultado do Planejamento Estratégico do banco e consequente, portanto do cenário da economia brasileira foi de quatro, ou cinco grandes linhas que eu quero dizer que mudaram radicalmente o estado de, a postura do banco, a sua razão de existência. O tornaram enfim, operacional para a nova fase de desenvolvimento brasileiro. O tornaram respeitado e o tornaram até hoje detentor de certas tecnologias como é o caso das privatizações. Quais são essas cinco linhas, que podem ser seis, vamos ver se a gente chega exatamente em cinco. Foi o que eu me lembrei. A primeira foi que haveria necessariamente uma inserção do Brasil na economia internacional. Nós chamamos naquela época de Integração Competitiva. Se quiser traduzir para a linguagem de hoje é a tal da globalização.
P/2 -
Hum, hum.
R – Entendeu? Quer dizer, estava na cara que você não poderia se comportar como uma ilha. Na década de 70 todos os paises tinham se comportado como ilha. A moda, no momento em que houve a escassez de petróleo lá no Oriente Médio, a Opep se criou e os paises produtores de petróleo se organizaram de forma eficiente para aumentar o preço e direcionar mercado mundial de petróleo, tocou-se assim uma barata voa no mundo _______. “Espera aí. Então eu não quero mais comprar petróleo”. E cada um foi tratar de si, né? A Holanda foi andar de bicicleta, os Estados Unidos limitaram a velocidade dos automóveis a 55 milhas por hora. O Japão sei lá o quê. E o Brasil então resolveu fazer um modelo, como a Argentina fez outro, como o Peru fez outro. Cada qual ele fosse assim uma espécie de ilha independente do resto do mundo. Eu produzo aqui, já que sou uma nação grande, forte, pujante e rica, tudo o que eu preciso. Não preciso mais depender do exterior. Isso era assim um pouco, não dito com essas palavras, porque ninguém pode falar uma coisa dessas no mundo de hoje. Mas era um pouco do que estava por trás. Uma coisa muito patriótica, né? Eu não preciso do resto do mundo. Então vamos embora. É exatamente o contrário de hoje. O mundo hoje entende que ninguém é ninguém sozinho. Não há país que possa sobrevier, nem os Estados Unidos independente do resto do mundo. Porque tem tecnologias que se trocam, porque hoje há valores novos. A economia do conhecimento deu uma dimensão aos negócios internacionais que não havia naquela época. Quer dizer, é mais importante ter cérebros do que ter minério de ferro. É mais importante ter a tecnologia de produzir grãos de qualquer coisa do que ter ouro em minas. Mas enfim, naquela época não era assim. O fato é que a década de 70 foi marcada por isso. Então na questão energética para servir de exemplo, nós fizemos um programa nuclear, para ficar livre do petróleo. Nós fizemos o programa do álcool, o Pró-alcool, entende?
P/2 - Fala um pouco mais do Pró-alcool também?
R – O Pró-alcool é um programa interessantíssimo pelo qual você tem uma fonte Renovável de energia, que é plantar cana e colher um combustível que serve para abastecer automóveis, caminhões, ônibus e tudo o mais que você quiser. É ótimo, inteligente, etc. Só que esse combustível é mais caro que a gasolina. Mais caro e menos eficiente. Então se realmente houvesse essa escassez de petróleo seria fundamental. Não havendo escassez de petróleo como depois se demonstrou, se torna redundante o Pró-alcool. Nós continuamos usando o Pró-alcool porque adicionamos à nossa gasolina 20 por cento de álcool. Usamos álcool para uma porção de finalidades em que antes não era utilizada e exportamos o álcool. Tem lá a sua razão até estratégica de ser. Mas não podia ser considerado hoje mais como uma coisa essa, quer dizer, a substituição de “Não quero mais importar petróleo”. Daí desenvolveu-se a tecnologia de prospecção e extração de petróleo em águas profundas. Tanto no mar do norte quanto aqui. Quer dizer o Brasil se tornou, passados 20 anos, detentor da mais avançada tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas que existe. Toda a robótica que existe foi desenvolvida e tudo mais. Isso aí teve um enorme valor. Mais a ilha de 70 tornou-se completamente inaplicável em 1990. Quinze anos depois. Noventa não dava mais para pensar nisso. Só que em 87 nós vimos isso. E apelidamos de Integração Competitiva ao Resto do Mundo aquilo que hoje seria a globalização, uma das linhas que o banco deveria perseguir como orientação fundamental. Quer dizer, estimular tudo aquilo que ajudasse o país a ser competitivo no exterior. Ajudasse o país a ser capaz de enfrentar o resto do mundo na exata dimensão da sua importância. Isso foi uma coisa impor..., não foi fácil. Quer dizer, você tinha em 1987 uma porção de correntes de opinião inclusive universitárias, acadêmicas e economistas, dentro do próprio banco que entediam que não. Que você não tinha que se integrar coisa nenhuma. Que você tinha que continuar buscando. Por exemplo: a produção de computadores brasileiros. Você tinha a fábrica Cobra. Nós éramos participantes do capital da Cobra Computadores Brasileiros. Você se lembra disso? Não? Acabou a fábrica. Por que é que acabou?
P/2 - A hora que abriu o mercado.
R – Não é porque abriu o mercado. É porque se não abrisse o mercado você hoje não teria computadores.
P/2 - Não, ela era.
R – Quer dizer, a Varig não poderia fazer reservas de passagens com eficiência que faz porque...
P/2 - Não se renovou, né?
R -... O sistema que ela estava usando não tinha contribuição de cérebros e equipamentos e outras coisas, que foram se desenvolvendo em outros países. O que é que eu posso fazer, né? (riso). Então a tal da globalização chega. Os aviões são Boeing. Então eu ao invés de reclamar que tenho que comprar Boeing devia fazer o que fizemos: produz aqui o Embraer e exporta o bichinho também. Quer dizer, faz alguma coisa. Mas o que você não pode é dizer aqui – como foi na década de 70 e ainda era em 87 – é proibido importar computador. Era proibido importar computador. Isso nos custou algum atraso. Não atraso para o nosso uso pessoal. A Internet veio depois, né? Naquela época não houve esse prejuízo. Mas você já imaginou se nós tivéssemos fora da Internet, o Brasil hoje fora da Internet? Era aquilo a que chegaríamos se tivéssemos persistido na política de proteção nesse...
P/2 - De defesa de mercado.
R -... Campo. Então essa Integração Competitiva dizia isso: “Proteger tudo bem. Mas nunca excluir”. Quer dizer, e a Integração Competitiva é ser capaz de competir no exterior para exportar, mas também ser capaz de aguentar a importação. Quer dizer, aguenta aqui. Pode abrir que eu sou capaz de resistir. No primeiro momento houve um choque muito grande. O que veio depois foi distorcido por causa do Governo Collor que a seguir abusou da coisa, né? Quer dizer, abriu demais. O Ciro Gomes, ministro da Fazenda foi um desastre para isso, não é? Na eliminação total de alíquotas. Fez um estrago à economia brasileira terrível porque entendeu mal essa questão. Mas o fato é o seguinte, você ao invés de reclamar que não podemos comprar moda italiana, por exemplo, né? A gente tinha que acreditar que o nosso designer era de muito boa qualidade. Que havia aqui estilistas e produtores de tecidos capazes de vender tecido na Itália. Era um pouco por aí. Não podemos comprar granito da Itália porque ele vem aparelhado. Ué? Por que é que não aparelha o granito aqui se a pedra existe aqui? Sai daqui em bruto para ir para lá. Enfim, uma porção de capítulos e eu estou dando exemplos muito superficiais para o nosso efeito aqui. Mas que uma das linhas, e eu estou querendo chegar à segunda, é a integração competitiva com o resto do mundo. A segunda linha era você inverter o perfil do portfólio de créditos do banco. Quer dizer, que os ativos do BNDES deixassem de ser concentrados no setor público. Não era possível permanecer com quase 80 por cento dos ativos de créditos do setor público. Quem é que devia dinheiro ao banco? O setor público. Isso é uma coisa inaceitável. Porque o setor público não paga. Naquele momento não pagava. Ele não tinha equação de higidez financeira dentro de si. Chamava muito a atenção o volume de certos créditos absolutamente inviáveis, né? Os mais espantosos eram os créditos de estados e municípios, por exemplo. Mas havia créditos de estatais federais de muita gravidade. E outras coisas. Quer dizer, a cidade industrial de Curitiba. Curitiba está fazendo fábricas lá, aquela coisa toda. Só que a cidade industrial o lugar onde havia terrenos industriais, com energia elétrica, água, e tal, tal era totalmente financiado pelo BNDES e a prefeitura não pagava. E continua não pagando até hoje. É bom que se diga. E pronto. Estamos conversados. Não havia sistemas. Não havia a tal da lei da responsabilidade fiscal. Não havia instrumentos de cobrança eficiente. A Rede Ferroviária Federal, todo o sistema elétrico, o sistema petro... Era um nó de participações cruzadas e de compromissos não cumpridos uns com os outros, espantoso. Espantoso. Quer dizer, a Eletropaulo não pagava as contas de luz à Furnas. Furnas fornecia energia para o Estado de São Paulo. O Estado de São Paulo não pagava as contas à Furnas. E, portanto, Furnas se julgava no direito de não pagar o que devia ao BNDES porque não recebia de São Paulo. Essa coisa toda era resultado de uma equação perversa que tinha que ser enfim resolvida. Que era isso. Que era inverter o perfil de ativos. Sair do setor público e ir para o setor privado. A terceira coisa era ter uma redução, estimular uma redução e o percentual de participação financeira em todas as suas colaborações. Melhor dizendo: você queria fazer uma fábrica de parafusos. Você chegava ao banco e pedia a ele 70 por cento do dinheiro da fábrica. E o banco então emprestava 70. Você botava 30 dos seus amigos e fazia a fábrica. Nós então resolvemos inverter isso. Fizemos lá uma série de regras tinha que forçar a situação, né? Pelo qual você não chegaria a 70 por cento. Você chegaria a 30. 20 de empréstimo, 10 de participação. Obrigava o camarada a ir ao mercado de capitais, abrir seu capital. Contratar ou interessar um banco de investimento privado para que viesse a ser tomador de empréstimos e outras coisas. Enfim, invertesse aquela curva. Porque estava ruim você ser muito concentrado se não havia recursos abundantes como há hoje. E, portanto não havia sentido em emprestar muito para poucos. Era melhor __________ cunhamos na época uma série de experiências. Quer dizer, a entrada do BNDES em um financiamento de um projeto industrial qualquer ou comercial que fosse, industrial, ele por si só ainda que fosse com 10 por cento significava um aval ao projeto. “O BNDES está entrando com 10 por cento”. É o suficiente para o empresário levantar os outros 90 no setor privado da economia. Conseguir novos sócios, novos parceiros para financiamentos, tudo mais. A quarta linha era de pulverizar mais o crédito do banco. Quer dizer, pela primeira vez no banco falou-se em crédito de pequena dimensão. Crédito à pequena e média empresa. Fizemos estudos sobre isso. É uma coisa muito interessante, em que descobrimos que já naquela época não havia mais tanta relação na eficiência de empresa de maior dimensão com aquela menor. Quer dizer, a empresa pequena, hoje isso é total. A empresa pequena tem toda condição de ser competitiva, moderna. Ter tecnologias atualizadas, saber comercializar todos os seus produtos. Ainda que sendo pequenininha. Porque existem sistemas que propiciam isso, né? As terceirizações, etc. Uma porção de questões tanto na prestação de serviço quanto na indústria quanto no comércio. Uma empresa agrícola de pequena dimensão não necessariamente seria mais uma empresa simplesmente familiar. Porque ela pode com a Embrapa, né, e outros instrumentos e cooperativas, usar máquinas sem tê-las. Comprar sementes beneficiadas, financiadas pelo Banco do Brasil sem ser uma grande empresa. Enfim, era necessário e foi estimulado como uma das linhas de atuação do banco, que o banco passasse a financiar mais as empresas e os negócios de pequena dimensão.
P/2 -
Qual era o equilíbrio entre os investimentos entre o setor público e privado? Era mais ou menos equilibrado ou estava mais?
R – Quando eu entrei?
P/2 - Muito mais público?
R – Só tinha público. Não, 75 por cento era ativo público.
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E vocês tentaram inverter...
R – Tentamos e conseguimos. Conseguimos até na marra. Saiu uma Resolução 469, que até hoje nos matam de raiva que proibia o financiamento do setor público. Por parte do Conselho Monetário Nacional. Era proibido. Pronto acabou. Não pode, não pode. Ficava uma coisa doida. E o Maílson da Nóbrega que era o ministro da Fazenda teve que aguentar esse tranco lá alguns anos. Foi um freio de arrumação, né? Na questão do setor público. Depois veio o Collor e tomou outras orientações. Mas o fato é que nesse período essa linha de voltar para pequenas e médias empresas foi muito boa. A quarta linha foi de identificar melhor a participação do banco na questão social direta. Hoje está melhor. Hoje tem uma diretoria para isso. A Beatriz está lá, Azevedo, fazendo muito bem. Quer dizer, não se queria que o Banco de Desenvolvimento Econômico e Social tivesse o papel da Mãe Joana ou fosse a grande entidade filantrópica do Brasil, não é isso. Mas que fosse exemplar. Que enfim, estimulasse o desenvolvimento de atividades que pudessem ser construtivas sendo também assistencialistas. Hoje há inúmeros exemplos. Quer dizer, você financiar computador para favela no Rio de Janeiro. E uma porção de outras coisas.
P/2 - Mas na sua época é possível você citar um exemplo de algum?
R – Cito as usinas de lixo, por exemplo. Nós passamos a financiar o tratamento, a coleta e o tratamento de lixo em cidades de menor porte. Que não havia isso. Era uma nojeira, né? Continua sendo, viu? Não resolveu o caso não. Mas serviu de exemplo: “É possível fazer usina de tratamento de lixo de pequeno custo”.
P/2 - E essas usinas?
R – Que ocupassem mão de obra. Onde havia lixão, quer dizer, o lixão é uma expressão que diz que você tem um lugar onde você joga o lixo e tem multidões de pessoas vão lá e vão catar o lixo, não é isso? Então você pegava aquelas pessoas e dizia: “Vem cá, ao invés de catar o lixo de forma desordenada vamos construir aqui uma pequena usina. Vocês todos vão ser empregados da usina. Vamos fazer” (risos). E isso foi um exemplo. Outros exemplos muito importantes, já naquela época, hoje é a coisa definitivamente mais importante que se pode fazer, é a eliminação do analfabetismo digital, né? É fazer todo mundo entender de computador. Mas naquela época já havia um pouquinho disso. Quer dizer, era estimular a formação de recursos humanos, sobretudo, voltados para a atividade produtiva. Sem querer substituir os cursos profissionalizantes. Mas na base da elevação social. Isso o Carlos Lessa que na época foi diretor lá do banco também funcionou com muita precisão. Muito mais nos estados do Nordeste do que aqui. E a agricultura familiar, o estímulo à agricultura familiar. Mas organizada, para que aquela famosa cena da criação de duas vacas, quatro galinhas, não seja uma coisa tão desordenada, mas sim enfim, organizada. Por último, vale dizer também que o BNDES era uma casa muito fechada, sabe? Ainda é um pouco fechada. Mas naquele tempo era uma espécie, havia uma dificuldade enorme do próprio banco de receber a visita e a curiosidade de quem quer que seja. O banco gostava muito de militar. Era todo mundo da oposição, mas adorava. Porque militar, você não precisava receber deputado, você não precisava conversar com políticos, você não tinha preocupações com o Poder Judiciário. A imprensa então era mal tratada que era uma coisa horrorosa. Então nós fizemos uma linha de mais transparência, né? Muito mais visibilidade para obter, e obtivemos o apoio da opinião pública àquilo que estávamos fazendo. Que não era fácil mudar a orientação programática e quase ideológica de uma organização pública. Eu participei disso. Eu tenho muito orgulho de ter liderado isso, sabe? Foi uma coisa muito intensa e muito visível. Quer dizer, cada privatização dessa me custava uma CPI. Eu era réu, (riso) você está entendendo? E achava ótimo. Quanto mais melhor. Eu me lembro que o Fernando Henrique era senador naquele período, lembro uma vez que eu falei: “Presidente, o senhor
não quer...” , presidente, “...senador o senhor não quer me convocar?”. Ele era presidente de uma comissão qualquer lá. Relações Exteriores. “Convoca-me para um depoimento”. “Ah, você quer palco para brilhar”. Qualquer coisa assim, né? Eu queria mesmo.
P/2 - E foram muitas privatizações?
R – Foram 17 empresas privatizadas nesse período, né? De maio de 87 até outubro de 89 quando eu saí do banco porque não consegui privatizar a Mafersa, né? A Mafersa era uma fábrica de vagões, não vou dizer que falida, porque falida não era. Mas não hígida. Já tinha pedido concordata. Já estava em _______ com uma porção de coisas. Vivia de crédito de curto prazo do próprio BNDES. Avais nossos para atividades que não tinham sentido. Porque ele também fornecia para o setor público. Fornecia vagão de metrô, não tinha mais metrô. Então era uma coisa complicada. As empresas de metrô não tinham dinheiro para pagar. Bom, então, e material ferroviário. Mafersa, né? Mas a Mafersa então nós tratamos da privatização da Mafersa para outubro de 89. Ela foi bem preparadinha e tal. Havia lá dois ou três interessados. E à última hora a Presidência da República mandou parar. Não fazer. Por razões políticas, eleitorais. Porque achava que isso ia dar voto para o Lula, ou coisa que o valha. Então aí eu pedi para sair. Fui embora. Foi bom. Não foi um mau período não. Esse período de dois anos e 10 meses foi o período mais intenso da minha atividade profissional. Ele foi muito inovador. Muita batalha, muita briga, muita coisa. Muita, muita reação. E até a participação pública entre, por parte dos vários agentes, dos interessados do banco. Quer dizer, quando eu fiz um ano de gestão, eu entrei em janeiro de 87, em fevereiro de 88 o empresariado brasileiro resolveu fazer um almoço de comemoração ao meu ano de gestão. E fez aqui um almoço enorme em um hotel do Rio de Janeiro. E foi uma coisa, né? Na realidade foi certa reação àquilo que se falava que eu seria substituído. Houve assim uma reação algo muito ostensiva e que me segurou lá. Foi uma coisa engraçada. Havia muita mudança. Eu entrei no banco quando o ministro do Planejamento, meu ilustre chefe era o João Saiad. Atual secretário da Marta Suplicy. Em seguida mudou para o Aníbal Teixeira. Sob a direção do Aníbal Teixeira que nós tivemos as mais importantes batalhas para que essas cinco ou seis linhas – daqui a pouco aparecem mais linhas com a memória, né? Mais linhas, em que a principal, a mais ostensiva delas, a mais batida, mais polemica delas melhor dizendo era a questão da privatização. Porque a Aracruz Celulose que vivia sob o controle do banco não era propriedade, essa era um pouco diferente. Vivia ___________, precisava de expansão. Precisava de capital. Precisava duplicar sua produção e tudo mais. e o caminho natural seria duplicar a produção. Quer dizer, o banco botava o dobro do dinheiro e ia embora e tal. Não foi assim a nossa opção. Foi passar o controle, vender as ações que tínhamos para grupos privados com o compromisso de fazer empréstimos para expansão para os novos grupos. E foi uma coisa sofisticada. Que nos obrigou a substituir a diretoria da empresa. A diretoria da empresa como tantas de controle do BNDES era uma diretoria politizada. Amparada por políticos. Era amparada particularmente pelo ministro do Planejamento, esse Aníbal Teixeira. E por gente ligada ao presidente da República. Então não foi fácil essa batalha inicial da Aracruz Celulose. Mas uma vez vencida, foi extremamente emblemática e muito bem sucedida. Me custou uma CPI também. a Aracruz Celulose, mas enfim passamos. Até desenvolvemos uma tecnologia de apresentação na Câmara dos Deputados na época, eu me lembro bem. Fazia um relatório gordo assim, cheio de dados. E dar para os membros da comissão. Enfim a coisa funcionou. O fato é que nessa trajetória logo em seguida o ministro do Planejamento, o Aníbal Teixeira foi substituído pelo João Batista de Abreu que ficou até o fim da minha gestão. E fizemos muita novidade. Isso foi uma coisa...
P/2 - Deixa eu te perguntar também um detalhe: desse planejamento estratégico dessas linhas que você falou, como foi a adesão interna, do corpo de funcionários?
R – Pois isso é que foi o mais surpreendente: adoraram.
P/2 -
E houve uma participação?
R – Adoraram.
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As pessoas...
R – Adoraram, adoraram. As adesões foram, porque saiu de baixo para cima. Ninguém chegou e disse: “O banco vai fazer assim”. Nós desenvolvemos. Como saiu muita gente quando eu entrei, os novos participantes foram encarregados de construir essas estratégias, essas diretrizes, essas novas formas de fazer e esmiuçar melhor essas linhas. E saiu muito de baixo. Havia grupos, e grupos, e grupos e grupos. E despertamos talentos. Fizemos surgir talentos, que depois foi muito útil ao banco. O banco quando eu entrei eram nove diretores. Hoje são seis. Eram nove diretores. Nenhum era funcionário do banco. Nenhum. Todos eram gente de fora. O ex-governador do Rio Grande do Sul, o ex-formulador do Nordeste o Carlos Lessa. O filho do ex-governador do Rio de Janeiro. Eram pessoas assim os diretores do banco. Então a inversão disso, quer dizer, a luta que eu tive pessoal para que um dos diretores fosse do banco, e o Nildemar ___________, foi a nossa conquista nessa época foi muito importante. Motivou muito o banco. Quer dizer, um de nós vai ser. Hoje todos são de dentro do banco. Menos o presidente (riso). Quer dizer, é engraçado como... O Zé Mauro foi, naquela época, o Zé Mauro hoje vice-presidente do banco foi bastante incentivado naquele momento a ascender profissionalmente e tantas outras, o Luiz Paulo Veloso Lucas. Prefeito de Vitória que foi excelente, um quadro excepcional era técnico. Virou gerente, a seguir superintendente e por aí fomos. Mas o fato é que o banco gostou muito. Comprou, e se não tivesse feito nada teria acontecido. Porque na realidade as corporações como o banco onde as pessoas são admitidas por concurso, enfim, a sua tarefa diuturna de tomar conta das usas funções não é mais importante do que a mística que se instala. E tantas corporações existem assim. Tantas burocracias são eivadas de qualidade por causa disso. Quer dizer, entendem a própria missão, o próprio papel. O BNDES, a Diplomacia brasileira, as Forças Armadas, a Petrobrás. No setor elétrico tantas iniciativas. As pessoas, as coisas só funcionam quando são compradas pelo corpo funcional. Pelo corpo funcional. Pelo corporação. Se não, não adianta. Isso naquele momento o banco fez. Fez, se deu de presente isso e a mim gratificou muito pessoalmente. Porque eu fui um instigador dessa novidade toda. Podia ter dito “Não, vamos ficar quietinhos aqui. Levar com calma e tal”. Não foi fácil não. Porque foi um choque, né? Substituir conceitos. E substituir conceitos, não em desacordo, não vou dizer isso. Mas meio assim à revelia do pensamento dos gestores da economia brasileira. Você vê agora, nós estamos aqui mo mês de maio de 2002. O Fernando Henrique já foi ao prédio do BNDES talvez umas 20 vezes. Agora em maio tem o Fórum Nacional que é uma coisa que eu inventei lá. Naquela época. Que hoje está na décima quarta edição. Lá vai o Fernando Henrique para a abertura do Fórum Nacional, também. Sabe quantas vezes o Sarney foi ao BNDES? Nenhuma. Não é 20 nem duas não. É zero. Não havia importância. Mas nenhuma. Nem para ir à comemoração do aniversário do banco. Nada. Porque não havia. Era uma coisa distante da...
P/2 -
Não havia uma interlocução?
R – A interlocução era eu que fazia. Na base da, do esforço pessoal. Era membro do Conselho Monetário Nacional, tinha relacionamento pessoal. Tinha trabalhado em Brasília antes. Tinha lá meu modo de fazer. Mas não era fácil. Tinha um...
P/2 - Márcio, deixa...
R – O ministro da Indústria e Comércio chamava-se Roberto Cardoso Alves. Era um ex-deputado. Deputado. Estava no mandato. As brigas com ele eram horrorosas. Horrorosas. Horrorosas. Paulistão, do interior. Coitado, morreu de acidente de automóvel, até. Mas era um sujeito da velha-guarda do Congresso. Tinha outros conceitos. Entendia diferente o papel de uma instituição pública.
P/2 - Em 88 foi promulgada a nova Constituição. Isso, enfim, até para a economia?
R – (riso) Ajudou muito o banco.
P/2 - Ajudou o banco?
R – Ajudou porque nós nos esforçamos, né? Prestando atenção. Sabendo que haveria ali uma lei mater, magna, enfim que prevaleceria sobre todas as outras nós defendemos o banco. nós fizemos incluir o BNDES com o nome dele na Constituição. E está lá na Constituição: o Banco de Nacional de Desenvolvimento Social receberá 40% dos recursos do Fat, por exemplo. Está lá posto. Então a não ser que se mude a Constituição os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador são aplicados pelo BNDES. O que hoje é uma grande fonte de recursos do banco. Mas foi uma conquista nossa. O ministro Serra, o senador Serra, naquela época era deputado e relator de uma das comissões temáticas lá da Constituinte, nós enchemos o saco do homem. Coitado. Para entender bem o que é que era o banco, como é que era a prática. E fazer com que a Constituição se não fosse a favor, pelo menos que não fosse contra o que o banco fazia. A Beatriz Azeredo era assessora do Serra naquele momento na Câmara dos Deputados. Hoje diretora do banco. e se lembra bem desse episódio todo. Enfim, foram feitas muitas iniciativas. Agora o que aconteceu depois? Depois, você diz que não interessa o depois, né, porque eu... (riso)
P/2 -
Não, pode falar. (riso)
R – Não, depois aconteceu o seguinte. O banco, aí eu saí e entrou um presidente novo que era um dos meus diretores. O Nei...
P/2 - Távora.
R – Távora, é. Bom rapaz. Bom sujeito. Mas que não conseguiu ter autoridade necessária para fazer qualquer tipo de mexida no assunto. Então o banco durou lá mais um período. Um ano e meio depois que eu saí. Até que entrou o Collor. E o Collor botou o Dudu. Eduardo Modiano, como presidente. E o Dudu, o Eduardo então passou a privatização como se fosse uma coisa assim a coisa máxima do banco, né? Eu diria até que ele incorporou valores novos àquela cultura que nós tínhamos construído e adquirido, que era uma cultura um pouco limitada às unidades de produção. Ele não. Ele ampliou para petroquímica, ampliou para siderurgia. Ampliou para os serviços públicos, né?
P/2 - Hum, hum.
R – E privatizou a Vale. Depois saiu, entrou o Luiz Carlos Mendonça de Barros que deu uma visão muito mais ampla na questão da privatização e inclusive muito mais ágil na utilização muito mais profunda de uma daquelas perninhas que era a utilização do mercado de capitais privado. Eu acho que aquelas nossas diretrizes prevaleceram apesar de tudo, esse tempo todo. E uma das boas coisas é essa. Quer dizer, apesar de tudo nós estamos aqui hoje 15 anos depois, 14 anos depois, né, falando como aquilo que foi formulado continua em vigor e sendo aperfeiçoado dentro da mesma diretriz geral. O Fórum Nacional, essa coisa que hoje, isso aqui é impessoal, né? Quer dizer, atemporal, não é isso? Não tem hoje aqui?
P/2 -
(riso)
R – Não é? Mas agora no mês de maio (riso) agora no mês de maio, hoje, particularmente hoje se abre lá o Fórum Nacional. O Fórum Nacional é uma grande reunião de intelectuais, acadêmicos e tal, pensantes. Quem inventou fui eu. Quando presidente do banco, quer dizer: o que é que a gente imaginou? O Reis Veloso participou disso com tanto entusiasmo e até hoje é o superintendente lá do Inae. Eu sou o presidente do Fórum Nacional. Até hoje. O mesmo. Hoje, eu. Estou lá eu recebendo as pessoas. Para quê? Nós imaginamos fazer uma formulação permanente de acompanhamento da economia, da sociologia e da política brasileira que ajudasse o banco a se posicionar. Mas só que logo depois o banco se tornou pequeno para o Fórum Nacional. O Fórum Nacional passou a formular para o Brasil inteiro. Então o tema do Fórum Nacional desse ano, que é o décimo, décima quarta versão do Fórum Nacional – durante quatro dias mais de 30 painéis vão debater a mesma questão – É A Economia do Conhecimento. Como é que um país se torna mais importante, mais estrategicamente válido, mais capaz de competir e tal e coisa, sem ter tecnologia. ______ Porque tem conhecimento. Quer dizer, como é que é a educação, a formulação de recursos humanos pode dotar o país de conhecimento capaz de ele ser competitivo mesmo sem ter muito dinheiro. Bom, mas o Fórum Nacional foi uma das iniciativas que a gente tomou, foi em 88. Eu me lembro bem. Fizemos o primeiro, depois o segundo, depois eu saí e continuei o presidente e tal. E até hoje sou. De quê? Do Inae. Instituto Nacional de Auto-Estudo. É uma entidade fora do banco que toma conta do Fórum Nacional. Mas, por exemplo, o Conselho do banco? Nós conseguimos infiltrar lá pessoas capazes de realmente dar palpites. Lúcidos. O alvo, lúcido sobre o banco, sobre as questões. E não apenas ficar naquele negócio assim: aprovadas as contas. Depois tinha, via a BNDESPAR, a gente tinha um pouco mais de liberdade. Porque o Conselho do BNDES era nomeado pelo presidente da República. Era sempre uma coisa meio delicada de tratar. Mas o Conselho da BNDESPAR, que era um Conselho que podia ter 11 membros, aí nós escolhemos a dedo. Trocamos o Conselho todo. Pusemos só gente capaz de contribuir efetivamente. Com idéia. Porque tudo, esse seis ou sete, seis linhas ou sete que eu consegui dizer cinco aqui saíram desse Conselho. O da BNDESPAR. Quer dizer, era o Antonio Ermírio, era o Carlos Rischbieter, o Paulo Cunha, o quem mais que estava lá? O ______________, o Roberto Teixeira da Costa. Nomes de fora do banco capazes de formalmente dizer como achavam que o banco tinha que ser. O que é que estava acontecendo de fora que nos cabia apreciar e incentivar, e etc. Assim foi. E tudo isso permanece até hoje. Não sei se o Conselho, ou tais Conselhos continuam se reunindo ou não. Mas a formulação naquela época foi feita assim. Quer dizer com a irrigação, e eu dizia para eles lá, para os meus amigos lá do setor privado que eu tinha convidado para ir para o Conselho da BNDESPAR: “O que eu quero que vocês falem mais do que tudo é para o gerente do banco aqui (risos). Não é para fora não”. Eles têm que comprar a ideia, entender que banqueiro não é ladrão. Isso é o primeiro conceito, por definição, né? Alguns são.
P/2 - (riso)
R – Mas, não por definição, a Bolsa de Valores é um antro de jogatina. Não é. Depende, que tem suas regras. Nós fizemos as nossas privatizações no ambiente da Bolsa de Valores. Foi uma novidade. Não era. Até então tinha havido algumas privatizações no país, sobretudo, feitas pelo Banco Central que eram dentro da sala do Banco Central. “Traz seu envelope aí _____.” Não era. Nós inventamos fazer a Bolsa de Valores. Inventamos o leilão. O leilão é uma coisa ótima. Aperfeiçoamos depois o leilão, com o leilão em dois turnos. Em que o primeiro turno é por envelope e o segundo é viva-voz entre os dois primeiros. Que funciona muito bem. Para obter o maior preço, né?
P/2 - Hum, hum.
R – E melhores condições. Na hora de vender instituições. Bom, mas eu acho até que o banco depois, se errou – certamente todos erramos, as instituições erram mais ainda sempre – errou porque reforçou muito a linha de privatização, não em detrimento, mas em obscurecimento das outras. Das outras linhas. E agora, ultimamente não, voltando às linhas ele é hoje o grande banco da exportação brasileira. Exportação estrutural. Não é do crédito ao comprador externo. É da exportação estrutural. Quer dizer, o banco é o patrono da Embraer. O banco é o patrono do setor têxtil exportador. O banco é o patrono de tantos setores que têm sucesso no exterior, como enfim, um verdadeiro banco de crédito à exportação brasileira. Tem funcionado assim o BNDES. O banco é o grande catalisador do mercado de capitais brasileiro. Quer dizer, não há lançamento de ações, não há investimento do setor privado que dispense a participação ainda que pequenininha, 10 por cento que seja, do BNDES. O BNDESPAR tem participado de tudo. O banco continua sendo o formulador das linhas de desenvolvimento de novos setores no Brasil. Mas não mais como grande financiador em 80 por cento. E, sobretudo está fazendo assim com o setor privado. Está na moda aí discutir a questão da Globo Cabo. Se faz ou não faz o financiamento para expansão da, enfim, é na questão que aconteceu da Globo Cabo. Que houve uma frustração de ampliação de mercado. Claro que tem que fazer. Mas o fato é que fez uma participação na qual ela é sócia da Globo Cabo, é também financiadora do conjunto Globo Cabo e sócio privado e sócios públicos e pegou um setor que no Brasil não existia. Que era o setor da televisão a cabo, e outras coisas, e fê-lo existir, né? O setor existe porque o banco entrou. Se não tivesse entrado não havia TV a cabo no Brasil. Pronto, estaríamos vendo TV broadcasting pelo menos seis canais por cidade e estamos conversados. Entender assim fica melhor saber como é que as tais seis linhas foram se desenvolvendo ao longo do tempo. Contando com o mercado de capitais, entendendo melhor o comércio exterior como tem que ser. Até de forma mais moderna, eu diria, porque contando também com uma nova postura do Ministério da Indústria e Comércio que se tornou um Ministério mais ativo na questão do Comércio Exterior. Houve uma definição mais clara por parte do Governo brasileiro de que o comércio exterior não pode ser mais dividido. A responsabilidade pelo comércio exterior não pode mais ser dividida pelo Itamaraty, pelo Banco do Brasil, por isso e por aquilo e centralizou lá no, hoje ministro, Sergio Amaral que toma conta disso.
P/2 - Márcio, nosso tempo está terminando...
R – Já?
P/1 – (riso)
P/2 -... Eu queria só finalizar com uma última pergunta se você, como você definiria também a atuação do banco no processo histórico brasileiro nos últimos 50 anos?
R – Ah, bom, sem dúvida. Quer dizer, acabou a Segunda Guerra Mundial o Brasil, eu estava falando aqui antes um pouquinho não cheguei a completar , né? Dos tais 55 anos depois da Segunda Guerra. Mas pega 50. Dos 20 anos em 50 em que não aconteceu a ditadura militar nós tivemos todos os acidentes políticos possíveis no Brasil. E para não falar demais, um presidente da República se suicidou. O outro renunciou sete meses depois de empossado. O outro, coitado, morreu no dia da posse depois de uma luta danada para substituir o Governo Militar. O Collor, resultado do Governo Sarney sofreu um impeachment. O Itamar, governou dois anos e meio, teve seis ministros da Fazenda. Quer dizer, são coisas, em um ambiente desse se não houvesse instituições como o BNDES e outros, mas particularmente no BNDES, o Brasil hoje seria uma grande África. Porque é impossível você convencer alguém, ou algum banco, alguma instituição financeira que se preze a investir a longo prazo em uma instabilidade que se sucede desse tipo de coisa. O próprio Governo Militar brasileiro foi instável. A troca do Costa e Silva pelo Médici foi dramática. Ninguém sabia o que ia acontecer. Então a consequência é muito prática. Não se faz nada. Por parte do investidor privado não faz. Fica quieto esperando. Agora se tem uma instituição como o BNDES que se propõe a ser enfim, estruturante de longo prazo para a atividade produtiva, para atividade comercial, para a atividade de prestação de serviço. Para o desenvolvimento econômico brasileiro, né? E com responsabilidade pública, e isso aconteceu, foi uma coincidência muito feliz que tivesse acontecido no Brasil. Você segura. Você segura o investimento, você segura o entusiasmo você segura a vertente desenvolvimentista de um governo. E o fato fundamental que o BNDES é a instituição de fomento ao desenvolvimento existente hoje no Brasil. Mais do que a mexicana, __________ mexicana que é um banco de, a vigésima parte da dimensão do BNDES.
P/2 -
Obrigada pela sua participação.
P/1 – Eu queria agradecer também, obrigada.
R – Obrigado a vocês.Recolher