Apresente-se
Meu nome é Valdete Pires Cardia, nasci em uma pequena cidade chamada Palmital, no estado do Paraná, em 24/05/1973. Minha casa era de madeira muito velha e ficava em um sítio bem afastado da cidade. Meus pais trabalhavam na roça para garantir o sustento de mais quatro irmãos. Como o...Continuar leitura
Apresente-se
Meu nome é Valdete Pires Cardia, nasci em uma pequena cidade chamada Palmital, no estado do Paraná, em 24/05/1973. Minha casa era de madeira muito velha e ficava em um sítio bem afastado da cidade. Meus pais trabalhavam na roça para garantir o sustento de mais quatro irmãos. Como o meu irmão mais velho já estava um tanto crescido, ele ajudava meus pais a cuidar de mim e dos meus outros irmãos. Sempre foi para mim um segundo pai. Era ele quem me levava nas costas para minha mãe me amamentar no meio dos cafezais onde eles capinavam. Por isso e outras coisas, sempre tive um amor especial por este meu irmão.
Conte sobre a sua infância/adolescência
Minha infância foi um tanto triste e a minha adolescência também. Na infância fiquei um bom período em uma creche onde me obrigavam a dormir sem que eu tivesse sono, e se não dormisse me puxavam as orelhas. Faziam revistas de piolho na frente dos outros e mandavam – a mim e minha irmã – para a casa. Minha mãe perdia o dia de serviço, pois não tinha com quem nos deixar. Nesta época morávamos em uma favela em Londrina, chamada Rosa Branca. Às vezes não tínhamos o que comer. Meu irmão mais velho trabalhava em uma lanchonete e o patrão dele dava para ele trazer para casa todos os salgados que sobravam no fim de noite na estufa. Então comíamos e íamos dormir. Meu irmão sempre esteve perto de nós ajudando os meus pais nas horas difíceis. A creche onde fiquei existe até hoje, mas eles tratam as crianças muito bem agora. Na minha infância ficou marcado um dia em que não quis dormir e a irmã me colocou de castigo e eu consegui fugir. Com 6 anos de idade. Fui parar no trabalho da minha mãe, que não era muito longe dali, mas havia umas avenidas super perigosas para atravessar. Deus me guardou. Esta passagem ficou marcada pois eu não queria ficar naquele lugar, mas entendia que a minha mãe precisava me deixar lá para que ela pudesse comprar um sapato ou uma roupa para mim e meus irmãos, comida etc. Na minha adolescência tive que ajudar a minha família por isso tive que trabalhar cedo. Primeiro varrendo o pátio do lugar onde meu pai trabalhava como vigia, depois cuidando de um quiosque de flores do chefe do meu pai, depois em uma padaria, como balconista, depois em um posto de gasolina, e depois em uma transportadora. O que me marcou na adolêscencia foi o acidente da minha irmã, que começou a ter crises convulsivas e precisou de muitos remédios. Meu pai não tinha condições, por isso o que eu ganhava era praticamente para ajudar a comprar os medicamentos e a compra no mercado, aos dezesseis anos parei de estudar, pois saía tarde de meu emprego. Depois voltei a estudar, mas já havia passado algum anos. Não desisti e voltei para a sala de aula.
Suas primeiras idéias
Aconteceu uma grande tragédia em minha vida, pois perdi meu irmão que eu tanto amava de uma forma muito trágica. Ele se suicidou infelizmente. Com este acontecimento, fiquei muito triste e abalada com depressão e procurando sempre o porquê de muitas coisas. Como estava em casa, deprimida, minha irmã e mais algumas amigas que trabalhavam em uma entidade e também não aceitavam o que acontecia lá dentro com as crianças, resolveram fundar elas mesmas uma instituição. Todos os erros e maus tratos que elas viam pretendiam fazer diferente, se reuniram e foram buscar um local para colocarem o projeto em prática. Como elas tinham muita força de vontade, mas não entendiam nada de papelada e nem por onde começar, me chamaram para ajudar. Comecei a pesquisar aqui e ali e a procurar os órgãos envolvidos, procurando resolver as dificuldades e desafios que iam surgindo pela frente e, com muito esforço da equipe toda, conseguimos fundar a associação Faça Uma Criança feliz. Correndo atrás de angariar parceiros e fundos para a entidade, fui melhorando e a saudade de meu irmão foi se tornando um sentimento mais aceitável. Comecei a me dedicar praticamente doze horas por dia em busca de melhorias para a entidade. No ano de 2000, a associação conseguiu uma parceria com a prefeitura da cidade e acolhemos 50 crianças em regime de creche. Conseguimos a reformar um barracão abandonado e construímos 2 salinhas de aula, cada uma tinha 25 crianças. Comecei a pesquisar mais sobre entidade filantrópicas. Fui atrás dos títulos de utilidade pública e certificados. A entidade conseguiu título de utilidade pública federal e certificado de entidades beneficentes, registro no conselho dos direitos da criança e adolescente e outros registros.
Conte a sua história de mudança social
Com a implantação desta pequena creche, as outras mães do mesmo bairro ou de bairros vizinhos, vinham procurar a instituição a fim de conseguir vaga para seus filhos para irem procurar emprego, pois elas precisavam de um lugar seguro para deixar seus filhos. Eu particularmente me lembrava de minha mãe quando ela tinha que trabalhar e não tinha com quem deixar minha irmã e eu. Mesmo que a creche não nos desse amor e nos colocasse de castigo, pelo menos a minha mãe tinha um local para nos deixar. Por isso fui atrás de enviar projetos e pedir ajuda para que pudéssemos aumentar mais duas salas, mais dois banheiros e uma área coberta para as futuras crianças. Enviei projetos para muitas empresas e, depois de 32 projetos enviados, consegui uma ajuda de um pessoal de São Paulo. Foi uma luta muito grande, mas vencemos mais um desafio: construímos mais duas salas, os banheiros e a área coberta. Os desafios enfrentados são constantes, mas teve uma época em que as coisas não estavam muito bem. Sempre me preocupei com a alimentação de nossas crianças, e quando via que estavam para acabar os suprimentos, já saía pedindo, fazendo campanha em mercados etc, Nunca deixei faltar nada, Certo dia, abri o armário onde quardamos a alimentação e só havia três pacotes de arroz e outras mercadorias que dariam para mais uns quinze dias. Mas o arroz, não. Foi quando peguei a lista tefefônica e, aleatoriamente, escolhia algum número e ligava pedindo a doação, principalmente de arroz, pois era o que menos tínhamos. Em um determinado telefonema, como os nomes estão na lista, eu liguei e pedi para falar com um senhor. Falei o nome, ele veio e eu disse sobre as dificuldades da entidade e falei o que estávamos precisando. O senhor do outro lado não disse que nos ajudaria, mas disse que, no outro dia, faria uma visita a nossa entidade. Eu disse a ele que seria muito bem-vindo. No dia seguinte, o senhor apareceu e trouxe três fardos de arroz e muitas caixas de leite. Agradeci muito, conversamos bastante, falei sobre os projetos da entidade e ele acabou virando amigo nosso e parceiro da entidade, Depois, na despedida, ele nos disse que ele era gerente regional da Serasa do Brasil e que faria de tudo para nos ajudar. Ele começou a ir à entidade frequentemente e acabou virando “de casa”. Era ele quem promovia as festas da creche para nossas crianças, arrecadava brinquedos, ovos de páscoa, trazia o Papai Noel para entregar presentes, roupas e sapatos. Enfim, virou nosso parceiro. Fizemos uma homenagem merecida a ele pelas nossas crianças. Ele nos ajuda até hoje nos eventos da entidade. Sei que aquele telefonema, que era uma dificuldade, foi recebido por Deus, que colocou este homem tão valioso em nosso caminho. Para ter um projeto aprovado pela Serasa, temos que passar por várias etapas e desafios, principalmente em se tratando de transparência financeira, para convencer o gerente sobre a viabilidade dos projetos da instituição. Tudo tinha que estar perfeito e as documentações em dia. Foi imprescindível ter transparência nos papéis e dentro da entidade para que o projeto de ajuda da Serasa fosse concretizado. Os funcionários da Serasa começaram a participar dos eventos e a se infiltrarem nos papéis da entidade, perceberam as dificuldades e foram nos ajudando. Hoje estamos ampliando mais três salas de aula e um refeitório com a ajuda da Serasa.
Conte sobre as mudanças que sua idéia provocou
Hoje lido com uma comunidade cheia de dificuldades e problemas variados. São mães solteiras, que têm, às vezes, um filho com cada pai. Lido com o conselho tutelar, onde muitas mães procuram vagas para seus filhos em creche. O conselho tutelar da zona norte de Londrina e a associação de moradores de um referido conjunto vieram me procurar, pois tinham um barração abandonado no bairrro e as mães precisando de creche e, de novo, aceitei o desafio com muita dificuldade. Consegui reformar o barracão, fiz promoções, bazares, bingo etc, mas consegui a reforma. Fui atrás de parceria com a prefeitura e, graças a Deus, consegui. Hoje atendemos mais 57 crianças em período integral e, em 2008, mandei um projeto para a justiça federal criminal de Londrina, e consegui aumentar mais duas salas de aula. Agora vamos atender 68 crianças em período integral. Consegui inscrição no censo escolar e, com o certificado de Brasília, vamos receber a merenda para as nossas crianças. Minha vida mudou radicalmente, pois me dedico ao máximo pela entidade. Deixo às vezes de pagar as minhas contas particulares, mas não deixo faltar nada para nossas crianças. Este ano (2009) vamos implantar uma brinquedoteca para as nossas crianças. Não reclamo de nada na minha vida. Não tenho tudo o que quero, mas tenho tudo o que mereço, que é o amor das crianças que recolhemos com muito amor em nossa entidade, o carinho e a atenção delas. Sei que fazemos a diferença, tratamos as crianças como nossos filhos, pois não aceito o que já passei em outra entidade quando era criança. Se a criança em nossa entidade não quer dormir, ela fica assistindo televisão ou deitadinha no colchão para descansar, sem a obrigação de dormir. Dorme se quiser. Nossas crianças têm que sentir prazer em vir para a creche, sentirem-se acolhidas e amadas. Hoje encaro as dificuldades com muita maturidade a perda do meu irmão me fez ver a vida de uma outra forma. As vidas das pessoas com quem lido são difíceis, por isso tento ajudar no que posso. Às vezes uma palavra amiga é o suficiente.
Conte sobre o potencial de mudança de sua idéia
Como já passei por muitas dificuldades e desafios dentro da instituição penso que talvez eu possa ajudar mais outras entidade que têm dificuldade em aumentar o seu espaço físico por falta de recursos financeiros. Como as exigências da lei são iguais para todos, pensei em viabilizar o projeto de um banco social, não só para as entidades sem fins lucrativos (que já sejam mantenedoras de alguma ação) mas para pessoas que queiram, junto a uma entidade, montar uma pequena empresa. Uma porcentagem do lucro seria repassada à entidade parceira. Estas parcerias interligadas ajudariam uma comunidade toda.
Conte outras histórias.
Talvez por ter sofrido, fiz do sofrimento uma escada e a cada dia escalo mais um degrau. Mesmo depois de casada voltei a estudar, fiz um curso técnico de 4 anos de magistério e estou fazendo faculdade de pedagogia.
Tive um pequeno tumor no ovário direito e tive que tirar um pedacinho desse ovário. Não conseguia engravidar, fiz tratamento durante muitos anos e, graças a Deus, tenho uma filha linda de seis anos. Desde 1999, quando perdi o meu irmão, não parei mais de correr atrás de melhorias para a entidade. Este ano (2009) vamos construir um berçário. É mais um desafio para todos nós. Vamos lutar e a comunidade ficará feliz. Nós também, em podermos ajudar as mães, pois lembro das dificuldades que a minha mãe teve e não quero que elas passem pelas mesmas coisas. Gosto de ajudar outras entidades. Hoje ajudo sempre quando elas vêm me procurar em busca de ajuda para resolver problemas burocráticos. Fico feliz em servir. Nunca senti revolta por ter crescido com tantas dificuldades, sinto orgulho em poder ajudar, me faz bem e lembro sempre do meu irmão com o envelope de pagamento fechado que dava para o meu pai pagar as contas, ficando sem nada. Ele nunca reclamou. Às vezes as pessoas que estão à minha volta dizem que sou boba, que faço as coisas de graça para as outras entidades, que deveria cobrar pelo meu trabalho. Mas eu não consigo, pois as entidades já têm tão pouco, não conseguiria fazer isto. Sou muito feliz no que faço. Às vezes bate um estresse, mas logo passa, pois acredito sempre em um amanhã melhor e faço tudo para que ele realmente seja. Acredito que a melhor forma de construir um mundo melhor é pela educação e ensinando valores aos pequeninos que jamais esquecerão.Recolher