Projeto: Dieese
Entrevistado por: Marcelo Fonseca e Nádia Lopes
Depoimento de: Luiz Antonio Martins (Gato)
Local: São Paulo
Data: 16 de novembro de 2006
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Código: DIEESE_TM033
Transcrito por: Lúcia Nascimento
Revisado por: Isabela Rangel Fraga Burgo
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Projeto: Dieese
Entrevistado por: Marcelo Fonseca e Nádia Lopes
Depoimento de: Luiz Antonio Martins (Gato)
Local: São Paulo
Data: 16 de novembro de 2006
Realização: Instituto Museu da Pessoa
Código: DIEESE_TM033
Transcrito por: Lúcia Nascimento
Revisado por: Isabela Rangel Fraga Burgo
P1 – Para começar, você pode me dizer o seu nome completo, local e data de nascimento?
R – Olha, meu nome é Luiz Antonio Martins, tenho o apelido de Gato desde os cinco anos de idade, dado pela minha avó materna. Acabou que quando entrei na escola, já me chamavam de Gato, até a professora. Como dava muito trabalho, acabei não colocando até hoje no meu nome, tem que mudar documentos, tem que mudar tudo. Nasci em São Lourenço, Minas Gerais, em 30 de abril de 1947.
P1 – E qual é a sua formação?
R – Me formei como engenheiro de telecomunicações, na PUC-RJ [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro], em 1970. Mas fui trabalhar direto na área de informática. Entrei na IBM [International Business Machines Corporation] do Brasil, em que fiz um curso de analista de sistemas, trabalhei lá por cinco anos, quase seis, de 1971 a 1976. Depois fui para o Serpro [Serviço Federal de Processamento de Dados], onde trabalhei minha vida toda, até 2004, quando me aposentei.
P1 – Pela sua formação e entrada na IBM, você pegou o computador chegando no Brasil?
R – Bem no início. Inclusive, trabalhei muito com mini computador, não era nem o micro. Os computadores, me lembro que em 1971, quando entrei na IBM, estava fazendo curso interno ainda, e fomos visitar o que se chamava o quarentão da IBM. Tinha acabado de ser instalado lá no Rio, no bureau de serviços da IBM o que se chamava o quarentão, pra você ter uma ideia, a memória era 40 de kilobytes. Hoje, um disquete tem 1,3 megabytes. E ele ocupava quase um andar inteiro, tinha uns 100 metros quadrados contando com o computador, unidade de discos magnéticos, unidade de fitas magnéticas e impressoras enormes. Aí é que começaram os terminais de vídeo ligados em tempo real aos computadores, sem nenhuma inteligência, que era toda nos computadores. Depois, com toda evolução, indústria nacional, a Cobra [Computadores Brasileiros] começou a fazer os minicomputadores aqui e depois os micro. A mudança é uma coisa impressionante.
P1 – Mas esse não foi seu primeiro emprego?
R – É, eu fui paro Rio, estudei até o ginásio em São Lourenço com a família, minha mãe está viva ainda, com meus irmãos, e fui pro Rio fazer o científico, no colégio federal Pedro II, no Rio. Depois, em 1966 fiz vestibular, passei em Engenharia. Durante o período, estudei na PUC no Rio de Janeiro, não tinha condições de pagar, mas me deram bolsa total, e pra me manter, dava aula particular, me virava. Em 1967, houve um concurso para inspetor de alunos nos colégios estaduais do Rio de Janeiro. Era contratado, não estatutário. Fiz o concurso e passei com tranquilidade. E trabalhei de 1967, já estava no segundo ano de Engenharia, até 1971 quando me formei. Aí fui trabalhar na IBM e pedi demissão do colégio estadual.
P1 – E como o Dieese [Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos] apareceu na sua vida?
R – Bom, em 1977, estávamos em plena Ditadura Militar, no Governo Geisel e um conjunto de pessoas que vinha participando da atividade política, da luta contra a ditadura, fundou a Associação de Profissionais de Processamento de Dados, no Rio de Janeiro. Já existia no Rio Grande do Sul e tinha a sigla de APPD. Não tinha sindicato, pois essa profissão estava começando. E uma das bandeiras da APPD era lutar pela criação de um sindicato específico na área de informática, empregados de empresas de processamento de dados e pessoal que trabalhava com informática em outras empresas. A APPD tinha outras duas bandeiras muito importantes: regulamentar a profissão, o que até agora não conseguimos e lutar pela indústria nacional na área de informática. Estava nascendo a Cobra... então era brigar pela política nacional de informática. A partir de 1980, eu entrei na diretoria dessa entidade pré-sindical. Como não tinha sindicato na área, o pessoal do Serpro, da Dataprev [Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social], da Datamec S.A. - Sistemas e Processamentos de Dados, que deixou de ser estatal, hoje pertence a Unisys, essas empresas não tinham quem representasse eles, sendo representadas pela área do comércio. Aí nós começamos a representá-las, a própria APPD representava. Então, virei um dirigente sindical. Em 1985, a gente conseguiu um sindicato, já na redemocratização do país, no governo do Sarney. Conseguimos a carta sindical, elegemos a primeira diretoria e fiquei direto na diretoria do sindicato. Em 1989,
fui eleito presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas e Serviços Públicos e Privados de Informática e Internet e Similares do Estado do Rio de Janeiro., que é o Sindpd-RJ. Aí, eu não tinha mais condições de permanecer na empresa, porque não tinha tempo. Fui liberado para trabalhar no movimento sindical, mas continuei como funcionário do Serpro. Já nessa época, a gente acompanhava o Dieese, porque ele tem um papel fundamental de apoio ao movimento sindical brasileiro, apoiando tecnicamente as nossas lutas e negociações. Em 1992, saí da presidência do sindicato, mas continuei na diretoria. Fui eleito membro da executiva nacional da CUT [Central Única dos Trabalhadores], aqui em São Paulo. Fiquei de 1991 a 1996 aqui, como membro da executiva nacional da CUT. Em 1992, quando saí da presidência do sindicato, passei a ser o representante do sindicato na direção sindical nacional no Dieese. Fiquei no Dieese do início de 1993 até 2001. Em 1999, já tinha deixado de ser liberado no sindicato e resolvi voltar pro Serpro. Continuei na diretoria, mas não liberado. Em 2001, fui convidado pra ser diretor do fundo de pensão do Serpro, o Serpros, e saí da direção do Dieese. Saí do sindicato e do Dieese em 2001. Então, fiquei aqui de 1993 a 2001, como diretor.
P2 – Quando na direção do Dieese, você estava na direção nacional ou no escritório regional?
R – Eu era da direção sindical nacional. A gente não se reunia sempre, tinha reuniões duas vezes por ano, porque havia a direção executiva sindical, que se reúne quase toda semana. Mas eu tinha um contato muito grande com o Dieese, porque no final de 1993, início de 1994, passei a representar a CUT, junto com outro companheiro, o Sebastião Neto, no Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. Lá também tinha representação da CUT, da Força Sindical, do CGT [Confederação Geral dos Trabalhadores] e do Dieese. O Dieese coordenava o trabalho das três centrais no Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. Havia muitas questões técnicas, a gente estava estudando as grandes mudanças que estavam acontecendo no mundo, nessa época. Você pegava emprego, salário e etc., aí passei a ter um trabalho mais junto ao Dieese. Além de ser da direção nacional, como eu representava a CUT no Pbqp [Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade], a gente acabava tendo reuniões permanentes, de 15 em 15 dias a gente tinha reunião desse grupo de pessoas do Dieese, da CUT, CGT e Força Sindical para tocar o trabalho do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade. Tive um contato muito forte com o Dieese até 1997. Depois, quando saí da CUT, ficava mais no Rio e só vinha aqui nas reuniões da direção sindical, que eram semestrais.
P2 – Aproveitando que você falou do Pbqp, ele fazia parte do Cvte do Itamar?
R – É o contrário. A Comissão era abaixo do Pbqp. O Pbqp era o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, foi criado pelo Collor. No governo Itamar, em que a gente avançou muito mais na democratização, o Itamar abriu a participação das centrais sindicais e do Dieese. Aí foi criada essa Comissão de Valorização do Trabalho e do Emprego – Cvte, em que o Dieese era o coordenador. Nessa comissão, participavam também o governo, empresários e centrais sindicais. Isso foi em 1992, 1993. A partir de 1994, passei a representar a CUT nessa comissão, junto com as demais centrais e o Dieese.
P1 – Vou voltar um pouco. Você falou desse momento de implantação da informática, que você acompanhou de fato, pela sua formação. O seu caso nas entrevistas é bem específico, porque a gente entrevistou sindicalistas que já vêm de uma base sindical estruturada. Você começou a estruturar uma base sindical e participou de uma entidade pré-sindical que se transformou num sindicato depois. Quais foram as maiores dificuldades que vocês enfrentaram neste momento?
R – Primeiro, antes de fazer o sindicato, de conseguir a carta sindical, a gente não tinha uma representação legal. Então, a gente forçava a barra para as empresas aceitarem negociar. Tinha essa diferença; estava na época da ditadura, que só foi ultrapassada realmente a partir de 1985. Mas quando foi ocorrendo a abertura democrática, no Governo Figueiredo, as empresas passaram a aceitar sentar com a gente pra negociar, mesmo sem ser sindicato. Me lembro que em 1984, nós assinamos o primeiro acordo coletivo de trabalho com o Serpro, com a Dataprev e com a Datamec, mesmo sem ser sindicato. Nos organizamos a nível nacional, as APPDs, porque havia quase dez estados. Criamos uma espécie de federação, que se chamava APPD Nacional, foi ela que assinou o acordo coletivo com o Serpro, Dataprev e a Datamec em 1984. Em 1985, a gente conseguiu a carta sindical. Então, primeiro era o problema da representação legal, por isso a gente não tinha nenhuma imunidade sindical. Estava em plena ditadura e tínhamos que ter coragem de enfrentar as empresas, apesar de serem estatais, de se ter maior segurança no emprego, e da ditadura já estar mais fraquinha. Não tenho a menor dúvida que a gente conseguiu montar essas entidades e atuar mais porque já tinha uma abertura política no Brasil. Se fosse em 1970, por aí, a gente não ia conseguir nada. Então, a primeira questão era de representação legal e que todo mundo trabalhava, entendeu? Era terrível. Lembro que tinha uma porção de empresas pequenas, de informática, prestadoras de serviço e que a gente começou a mobilizá-las para poder melhorar o movimento. E assim forçar a barra com os sindicatos dos comerciários na época, pra Federação dos Comerciários negociar com a gente e não com o Sindicato dos Comerciários. Mas quando a gente fazia isso? Que hora cuidávamos da entidade? Era à noite. Trabalhávamos o dia todo, como analistas, programadores, digitadores e à noite a gente ia fazer política na nossa entidade. De vez em quando, a gente estava lá colando cartazes, os próprios diretores do sindicato – e você não vê mais isso, acabou. Os dirigentes sindicais estão numa situação de trabalho muito melhor, me lembro que de madrugada a gente estava correndo de polícia, colando cartazes. A gente fazia cola lá na salinha da APPD e saía colando cartazes, não tinha nenhum artista por trás, era um negócio meio amador, colando cartazes, chamando pra assembleia. Foi bastante duro. E sem dinheiro nenhum, a gente não tinha dinheiro. Tinha que cobrar as pessoas, que pagavam uma mensalidade.. Foi um momento muito interessante. Depois, criamos o sindicato, aí começamos a ter dinheiro, imposto sindical, mensalidade descontada em folha. Quando fui presidente, na segunda diretoria do sindicato, a primeira foi de 1986 a 1989 e fui vice-presidente. Em 1989, a diretoria se dividiu em três e minha chapa ganhou a eleição. Lembro que havia três ou quatro empregados, em 1989, quando saí, em 1992, a gente estava com 27. E nós que cuidávamos disso também, até que a gente conseguiu contratar um administrador pra tomar conta do sindicato. Até então, a gente tinha que tomar conta de tudo: fazer política e cuidar do sindicato. E na época da APPD, tinha que tirar, às vezes, dinheiro do bolso pra pagar o único empregado que a gente tinha e o aluguel da sala. Foi uma vida dura. Não foi desse sindicato que você falou. Hoje não, já temos uma sede própria no centro da cidade, no Rio. Na minha primeira gestão, a gente comprou uma sede na Tijuca, uma casa que fizemos um negócio legal. Agora, a atual diretoria conseguiu uma grana boa e comprou um andar inteiro no Rio de Janeiro e ainda alugou a casa na Tijuca.
P2 – Quais foram a principais bandeiras lá na categoria? Lembro que no Senado, em relação à informática, houve um debate muito grande em relação à quebra de patentes, né?
R – No começo, nas APPDs, a gente tinha essas três bandeiras: criação do sindicato; lutar pela política nacional de informática, fortalecendo as empresas brasileiras, não só de hardware, mas de softwares e sistemas e regulamentar a profissão. Eram essas três bandeiras. Com a criação do sindicato, a APPD tinha muita gente, boa parte das pessoas que participavam eram analistas, um pessoal com mais qualificação e era muito forte a questão da política de informática. Mas conforme a gente foi crescendo, a questão sindical passou a ser mais forte. Então, era campanha salarial, etc. Depois da criação do sindicato, tentamos manter as APPDs, mas não conseguimos. A vida foi mais forte e a questão sindical acabou se impondo. Tanto que até hoje a gente não conseguiu regulamentar a profissão. Eu, particularmente, tenho muitas dúvidas se devemos ou não regulamentar, naquela época, tinha certeza, hoje tenho dúvidas, acho que perdemos o bonde da história. Dizer hoje quem trabalha em informática ou não é muito difícil e a gente tinha essa questão de política de informática. Brigava muito pela Cobra, uma empresa que foi fundada naquela época e que chegou a desenvolver minicomputadores nacionais, mas depois acabou. Tinha uma reserva de informática na época da ditadura e a gente defendia aquela reserva, que era na área de minicomputadores e não deixava importar minicomputadores. Tinha que montar aqui. Em relação ao balanço dessa época, tem gente que acha que foi bom e gente que acha que não foi, pela questão do desenvolvimento da área de informática no Brasil. A Cobra acabou entrando pelo cano, hoje pertence ao Banco do Brasil e não é mais fabricante de computadores.
P2 – Como vocês usavam o Dieese?
R – Assim que a gente se transformou em sindicato, em 1986, que passamos a ter um pouco mais de dinheiro, imediatamente a gente se filiou ao Dieese, no sindicato do Rio. Um tempo depois, na minha gestão, em 1989 ou um pouco antes, resolvemos montar um escritório do Dieese, uma subseção lá no sindicato. Éramos o único sindicato da nossa área de processamento de dados que tinha uma subseção do Dieese. Tivemos um técnico do Dieese muito tempo, mais de dez anos. Esse técnico acabava assessorando a nossa federação nacional, que criamos depois, a Fenadados [Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares]. Nós sempre vimos uma importância muito grande do Dieese, um papel muito grande, primeiro assessorando os sindicatos, fazendo com que a gente chegasse nas campanhas salariais, nos acordos coletivos e estivesse embasado, né? Com propostas embasadas tecnicamente, com base científica, vamos dizer assim. Além disso, acho que o Dieese teve um papel muito importante e continua tendo, não tenho a menor dúvida disso, do ponto de vista de ajudar a unidade do movimento sindical brasileiro. Porque o Dieese assessora todas as centrais sindicais, os sindicatos filiados ao Dieese estão em todas as centrais sindicais. Então, o Dieese, quando o movimento sindical se dividiu, em 1981, 1982, com a fundação da CUT em 1983, a gente estava tentando trabalhar junto, tinha uma comissão nacional pró-CUT, que eram todas as correntes sindicais. Em 1983, a CUT acabou sendo formada, depois foi a CGT, que se transformou em Força Sindical, continuou com outro nome. Outras centrais sindicais se formaram, além
da SDS [Social Democracia Sindical], etc., mas o Dieese foi muito útil e continua sendo pra manter um mínimo de unidade sindical. Além de ser um órgão técnico, acaba tendo um papel muito grande na unidade sindical brasileira. Já deixei de ser sindicalista, desde 2001, como falei, sai da CUT em 1997 e do sindicato em 2001, hoje, acho que está mais difícil essa questão da unidade. As centrais sindicais, principalmente a CUT, a gente brigava muito na época em que eu estava na diretoria da CUT, de que os sindicatos têm que ser independentes de partidos, governo etc. Qualquer que seja o governo e por melhor que seja, mais ou menos próximo dos trabalhadores, os sindicatos têm que ser independentes. Até para ter força pra lutar pelos seus interesses. E a partir da eleição do Lula, houve uma partidarização muito grande do movimento sindical brasileiro. Então, a CUT passou abertamente a apoiar o Lula e os candidatos do PT [Partido dos Trabalhadores]. Isso é muito grave, porque os trabalhadores, de maneira geral,
não são de tal partido, A, B ou C. As próprias lideranças sindicais são de diversos partidos. Aí começa a ter disputas muito sérias dentro dos próprios sindicatos. E quando você apoia explicitamente um governo, começa a ter problemas graves. A CUT hoje se dividiu, tem uma parte grande da CUT, do pessoal do Pstu [Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado], que fundou a tal da Conluta [Coordenação Nacional de Lutas]. Por que? Porque começou
a CUT passou a ser “muito governista”. Isso vai trazer problemas sérios pra CUT, não tenho a menor dúvida. Aí as outras centrais sindicais acabam apoiando o candidato tal na época da eleição. Isso é muito ruim pro movimento sindical e pro governo. O que seria bom para o Lula, por exemplo, é que houvesse as centrais sindicais independentes do governo, pressionando. O Lula sabe disso, todo governo sabe que existe uma luta política dentro de qualquer governo, como existe na sociedade. Você puxa para um lado, ele puxa para o outro. Numa família, a gente sabe disso, muitos filhos
tem que brigar uns com os outros pra ver o que vão conseguir do pai e da mãe. A coisa não é simples assim, tem sempre uma negociação. Então, se tem uma central sindical independente, questionando a política do governo, acaba ajudando o governo a travar uma luta interna, o que é muito ruim. O Dieese hoje tem esse papel mais importante ainda, porque é o único local, na minha opinião, olhando de fora – deixei de ser dirigente sindical – em que os dirigentes sindicais sentam de forma unitária pra discutir os seus principais problemas. O Dieese tem esse papel importante.
P1 – Pegando o gancho dessa qualidade do Dieese de todas as centrais sindicais transitarem dentro do Dieese, existe uma coesão de ideias de que o Dieese é para o movimento sindical, supra interesses. Mas já que você falou agora pouco no Pbqp, como era a relação dessas centrais e do Dieese? Como isso fluía dentro do Programa?
R – Como a gente discutia as questões e era mais de conjuntura política, o que estava acontecendo realmente no chão da fábrica, pra onde as empresas estavam indo, as questões eram mais técnicas, todo mundo tinha sua visão ideológica, mas era mais fácil a discussão. Até porque sempre os técnicos do Dieese nos ajudavam a olhar a realidade. Então, por mais ou menos radical que fosse o discurso de um ou de outro, o Dieese fazia a gente botar o pé no chão e ver o que estava acontecendo. Não adiantava eu ficar com a minha vontade de vamos fazer isso ou aquilo, porque a realidade era muito mais dura, muito mais forte do que a nossa vontade. Então a discussão era muito interessante. Sempre gostei muito disso, até pela minha formação, sempre gostei de estudar, e desde garoto nunca saí sentando numa mesa de negociação que eu não sabia defender e que não sabia se era possível. Quer dizer, até pelo fato de eu trabalhar em empresa estatal, mesmo na época da ditadura, a gente tinha um acesso maior, sabia das dificuldades, sabia o que poderia ou não avançar. Era mais fácil essa discussão no Dieese. Na CUT, por exemplo, entrei na direção no final de 1991, em 1993, por aí, comecei a me aproximar do trabalho lá no Pbqp e acabei representando a CUT lá, pois queria estudar direitinho o que estava acontecendo. Porque eu não gostava de só fazer discurso, sem estar embasado na realidade. Pra mim foi ótimo. Inclusive, essa experiência pessoal, não só como dirigente sindical, acabou abrindo um campo de empregabilidade muito grande. Hoje, continuo atuando politicamente, sou presidente da Associação dos Aposentados do Serpro lá no Rio, também ganhei uma eleição no ano passado como representante dos empregados no fundo de participação da minha empresa, o Serpros Seguridade. Sou o representante no conselho deliberativo, eleito pelos participantes. Então, meu viés político continuou. Ao mesmo tempo, depois de aposentado, estou trabalhando em consultoria na área de gestão organizacional, em melhorar a qualidade de gestão de empresas. Trabalho com a Petrobrás, Correios, com uma série de empresas como consultor. E comecei aí, nesse Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade, comecei a olhar essas coisas. Participei de um momento muito importante do movimento sindical brasileiro coordenado pelo Dieese, que foi o Primeiro Programa de Capacitação de Dirigentes Sindicais e Assessores, o Pcda. No final do governo Itamar, início do governo Fernando Henrique, conseguimos que o governo bancasse a formação de dirigentes sindicais e técnicos do Dieese, em qualidade e produtividade, para a gente poder entender melhor o que era gestão da qualidade total, prêmio nacional da qualidade, que negócio era esse que estava demitindo pessoas. Será que a demissão era o programa de qualidade? Ou o programa de qualidade mostrava que as empresas não estavam arrumadinhas? Começaram a arrumar a empresa e a ver que estavam sobrando pessoas. Ou, às vezes, não, os caras jogavam pesado pra demitir. Fomos tentar entender melhor isso. Conseguimos do governo um curso., o primeiro foi de 240 horas. Participei junto com o Dieese, o pessoal da CUT e da CGT, na definição e planejamento do programa, e depois participei como aluno. Foi muito interessante. Fomos para fora, em 1995, 100 pessoas viajaram pro Japão, Estados Unidos, Europa, bancados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pelo Ministério do Trabalho, para a gente conhecer o que estava se passando lá fora nessa área de competitividade e qualidade. A gente visitou empresas, academias, empresários e centrais sindicais. Participei dessa coordenação e como aluno. Foi um momento muito rico. Depois houveram mais programas, capacitando mais gente. Acho que até 1997, 1998 quando saí, já tinham sido formados mais de 1000 dirigentes sindicais e técnicos nessa área de qualidade e produtividade. Acabei gostando muito disso, achei muito interessante essa área de gestão, a gente fazia gestão no sindicato, como eu falei, eu tinha que coordenar os empregados dos sindicatos, que eram profissionais e tinha que coordenar a diretoria, que é muito mais difícil, porque são todos voluntários. Um dia o cara aparece, no outro não, um é da corrente A, outro da corrente B. Então, tinha que coordenar aquele grupo e os empregados, até que a gente contratou um administrador. Mas acabei gostando dessa história e nos últimos dois anos que eu fiquei no Serpro, depois que voltei, de 1999 até 2001, fui trabalhar na área de Melhoria da Gestão da empresa. Deixei a área de informática. Depois, fui pra área de Fundo de Pensão e quando voltei acabei trabalhando na área de Gestão da empresa. Me abriu um campo de emprego, tanto que continuo trabalhando nessa área.
P2 – Dos grupos que foram fazer experiência nessas regiões, o grupo em que você estava foi pra qual região?
R – Primeiro, nós fizemos aqui uma tal de missão exploratória. Teve dois grupos de pessoas, formados por representantes do Dieese, das centrais sindicais e representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia. O Ministério colocou um técnico junto com a gente. Então, fizemos dois grupos, duas missões, pra poder ver direitinho, com mais detalhe, o que os alunos iriam visitar, entendeu? Porque a gente tinha alguns indicativos, mas não certeza se era bom ou não. Eu fui no grupo da missão exploratória dos Estados Unidos, Japão e Coréia, viagem que durou um mês. E houve um outro grupo que foi à alguns países da Europa: França; Espanha; República Tcheca; Itália e Suécia.
E teve um grupo que foi pra Inglaterra, se não me engano. A gente levantou os países que achou que eram os mais próximos, onde a gente poderia aprender mais nessa questão da qualidade e produtividade. Depois, a gente desenhou o programa bonitinho, isso em junho de 1995. Em outubro, novembro de 1995, foram três grupos. Dividimos as 100 pessoas em três grupos de 30, um foi pros Estados Unidos, outro pro Japão e outro pra Europa. Dois grupos pra Europa e um pros Estados Unidos e Japão, se não me engano. Três ou quatro grupos. Fui como aluno já, mas coordenando o meu grupo, era um dos líderes. Estive na França, Espanha e Suécia.
P2 – Em relação à essa experiência cotidiana, você se lembra de algo marcante?
R – A gente viu muita coisa diferente. Eu, particularmente, vi muita coisa diferente. Estive no Japão, onde fiquei uma semana. Três ou quatro dias na Coréia, mas depois não voltamos para lá. A gente viu que realmente a Coréia era muito diferente do Brasil e lá o movimento sindical estava muito desorganizado. A parte do movimento sindical que a gente conseguiu contato na Coréia não era reconhecida pelo governo, então a gente teve dificuldades lá, tanto que não levamos os alunos para lá. Nos Estados Unidos, o contato com o movimento sindical, a entidade está aqui na ponta da língua, esqueci o nome, eu sei que eles eram um pessoal muito conservador. Na época que a gente estava chegando lá, estava mudando, hoje é bastante progressista. Mas era muito atrelada ao governo, muito naquela fase do sindicalismo amarelo, profissionalismo exagerado, o pessoal botando pra quebrar para ganhar eleição, havia uma máfia dentro do sindicato. Quando a gente começou a entrar, eles estavam começando a se abrir. A CUT e as outras centrais tinham um contato grande com a central americana. Depois, em 1994, no meio dessas viagens todas, estive um mês lá fazendo cursos, em um centro educacional de formação muito interessante, em Washington. Fui com um grupo da CUT, CGT e Força Sindical. A gente ficou um mês fazendo curso. Na Europa, é completamente diferente. O movimento sindical europeu tem muito mais liberdade. Nos Estados Unidos, o pessoal tinha um sério problema e continua tendo, porque lá, quando você passa a ser dirigente sindical, tem que romper o contrato de trabalho com a empresa em que trabalha. Você perde o emprego e passa a ser funcionário do sindicato. Ele que vai te bancar. Quando termina seu mandato, talvez você consiga voltar pra empresa, ou não. É terrível. Na Europa, há uma liberdade sindical muito maior. Os sindicatos se organizam dentro das empresas. Não tem os sindicatos como no Brasil, que tem uma diretoria do sindicato liberada do trabalho. Lá, os sindicatos são as representações dentro das empresas, então em cada empresa, com um número de empregados pra cima, é obrigada a deixar o sindicato atuar lá dentro. E existem todas as correntes sindicais. Na França, por exemplo, tem a CGT [Confédération Générale du Travail], a Cfdt [Confédération Française Démocratique du Travail], outra central mais ligada ao pessoal de esquerda e várias centrais sindicais que o pessoal chama de sindicato: “Eu sou do sindicato CGT”, “Eu sou do sindicato Cfdt”. Dentro da empresa, os trabalhadores elegem seus representantes, dependendo do número de sócios que o sindicato tem. Então, se o CGT tem 30% dos sócios, vai eleger 30% dos representantes. Do pessoal sindicalizado na empresa, por exemplo, 1000 pessoas, 300 são da CGT, 400 são da Cfdt, então a Cfdt, quem tem mais sócios, vai sentar na mesa pra negociar com a empresa. Há uma representatividade interessante na história. Só pode sair de uma central pra se sindicalizar em outra, livre. Não é obrigado a ter um sindicato só por empresa. É interessante, também, porque faz os sindicatos trabalharem mais forte, né? E o pessoal não fica liberado, são trabalhadores lá da empresa e que possuem sei lá quantas horas por dia ou por semana pra ficar nas suas salinhas, dentro da empresa, pra receberem os sindicatos. Na verdade, a diretoria do sindicato já é a federação, são algumas pessoas liberadas pra fazer o trabalho da federação. É uma vantagem muito grande em relação ao Brasil, aqui só pode ter um sindicato por categoria. Em São Paulo, por exemplo, só pode ter um sindicato dos bancários. Quando vai ter eleição neste sindicato, começa uma briga terrível pra tomar o poder lá dentro. Até porque as pessoas também se acostumam, ficam liberados do trabalho, acostumam a ter secretária, carro. Se ele voltar para o trabalho, tem uma função lá. É bancário, não é chefe, nem nada. Então, o cara, até por sobrevivência pessoal, o que é um problema sério também, e aqui no Brasil está acontecendo isso, na época de eleição sindical, o problema ocorre até em correntes da mesma central sindical, da CUT, da Força Sindical, entre eles. Algumas categorias, não sei se continua acontecendo, por exemplo, os rodoviários, de vez em quando ocorrem tiros. Ainda, há um tempo matavam pessoas, mataram dirigentes sindicais ali no ABC Paulista, foram assassinados em época de campanha salarial. A época de eleição do sindicato é grave. Já na Europa, a liberdade sindical faz com que os trabalhadores não tenham a máquina sindical pra tomar conta e cada um tem o seu sindicato e trata de convencer os trabalhadores a ficar nele. E as diferenças são muito grandes na Europa, por causa disso, existe mais liberdade sindical, os trabalhadores participam muito mais das direções das empresas. Na Alemanha e Suécia, há quase que uma co-gestão. A introdução dessas novas tecnologias de qualidade total foram negociadas, porque afeta o emprego, diminui postos de trabalho. O desenvolvimento tecnológico e as novas tecnologias na área de gestão fazem com que as empresas fiquem mais enxutas, trabalhem de forma mais organizada, diminui o número de pessoas necessárias pra fazer o trabalho. Não é que o desenvolvimento tecnológico provoque o desemprego, ele provoca a diminuição dos postos de trabalho. Agora, se os trabalhadores tivessem força pra pressionar o governo e as empresas para diminuírem a jornada de trabalho, o que acho que é a única saída no mundo – diminuir a jornada de trabalho, pra todo mundo trabalhar menos e para que todos trabalhem. Enquanto o desenvolvimento tecnológico avança, você precisa de cada vez menos pessoas para fazer o mesmo número de carros, como resolver? O que as empresas fazem? As empresas não abrem mão do cara trabalhando oito horas. Antes, ele trabalhava oito horas e eram produzidos 100 mil carros. Agora, o mesmo número de pessoas fazem os mesmos 100 mil carros em seis horas, mas as empresas as forçam a trabalhar oito horas. Até o contrário, demitem pessoas e não diminuem a jornada. O único caminho é diminuir a jornada para ter emprego pra todo mundo. O desenvolvimento tecnológico não provoca o desemprego, provoca a diminuição dos postos de trabalho. O que provoca o desemprego é a forma como a negociação aconteceu. Na Europa, a coisa foi mais negociada, nos Estados Unidos não. No Japão, essas mudanças todas foram impostas. Para nós foi bom, porque essas coisas aconteceram primeiro lá. E nós fizemos essas viagens e aprendemos várias coisas que ainda iam acontecer no Brasil. Foi muito útil esse Pcda. Hoje, não sei como as coisas estão, não sei se a gente continua com esse processo.
P2 – Você esteve no escritório regional do Rio de Janeiro do Dieese?
R – Não ia lá. Ia em algumas assembleias regionais com os sindicatos, mas nunca fui membro da direção regional do Dieese no Rio. Tinha um companheiro nosso lá do sindicato, que sempre foi muito atuante no Dieese, a gente sempre achou fundamental o Dieese. A mensalidade, a contribuição do Dieese, inclusive, a gente tinha um técnico do Dieese o tempo todo. Então, tínhamos um representante na direção nacional que foi um outro companheiro nosso até 1992, depois entrei no lugar dele. E sempre tivemos um representante na direção regional do Dieese, um deles até acho que fez parte da executiva. Eu mesmo nunca fui. Até participei em alguns trabalhos no Rio, mas representando a direção sindical.
P2 – Ficaria difícil dizer pra gente qual seria a atuação do Dieese ao nível do movimento sindical brasileiro?
R – Acho que, de maneira geral, foi esse trabalho nosso. Quer dizer, o Dieese sempre esteve muito presente nos sindicatos de todas as correntes políticas. Era um trabalho coordenado ao nível nacional pelas subseções, os escritórios regionais. Eu participava das discussões do trabalho nacional do Dieese por meio da direção nacional, não no dia a dia do escritório do Rio. Participei pouco,algumas vezes, mas sempre como membro da direção nacional.
P2 – Quando você veio para o Dieese foi após a saída do Barelli?
R - Exatamente. O Barelli entrou como Ministro do Itamar no final de 1992. Quando cheguei aqui já estava o Serginho, Sérgio Mendonça. Comecei a atuar aqui já no início de 1993. Em 1992, acho que houve a assembleia do Dieese, que elege a direção, eu tinha saído da presidência do sindicato no Rio,e aí substituí o outro companheiro nosso, Orlando Tomé. Em 1992 já não estava mais o Barelli, tinha acabado de sair. O governo de Itamar foi setembro de 1992, eu já peguei o Serginho.
P2 – Você lembra de ouvir algum comentário de alguma mudança ou se teve crise nessa época?
R – Não notei. Já acompanhava o trabalho do Dieese, não estava aqui no dia a dia, mediante nosso representante. O Serginho já vinha trabalhando muito com o Barelli, era seu substituto. De longe, porque não participei, mas parece que foi uma transição bem tranquila, porque o Barelli era uma pessoa muito reconhecida no movimento sindical brasileiro. Ele entrou inclusive como Ministro do Itamar, indicado pelo PT. Ele fez parte, na época, da cota do PT, que, na minha opinião, cometeu um erro muito sério, enquanto partido, em 1992. Porque o PT foi praticamente o principal partido responsável por termos conseguido o impeachment do Collor. O PT, o Psdb e outras forças de esquerda. E quando chegou a época montar o governo, o PT não quis entrar, um erro grave, na minha opinião. Acho que, inclusive, perdeu a eleição em 1994 por não ter querido entrar no governo. Na minha opinião, era porque tinha uma inflação muito alta, não se tinha certeza do que aconteceria no governo Itamar, poderia queimar todo mundo que entrasse e acho que o PT tomou uma decisão bastante oportunista. O Lula era o favorito pra 1994, depois da queda do Collor. Eles não esperavam o Plano Real, que acabou elegendo o Fernando Henrique. O PT acabou indicando o Barelli e outra pessoa, não lembro quem, mas duas pessoas que não eram filiadas ao partido. O Barelli era muito próximo do PT até por causa do Dieese e muito próximo da CUT, acabou sendo Ministro do Trabalho por indicação do PT. Acho que essa posição, inclusive do PT, que no começo era independente do governo Itamar e depois passou a ser oposição, acabou tendo muito desgaste com o Barelli. O Barelli acabou indo para o Psdb por causa dessa postura do PT, no governo Itamar.
P2 – Quando o Barelli saiu e o Serginho assumiu, houve um pacto pra compor a direção nacional do Dieese. Você lembra disso?
R – Eu não participei, ainda não estava aqui. Mas não me lembro de uma crise, de ter um pacto. Naquela época, já tinha a CUT, a Força Sindical, a CGT, e a direção nacional do Dieese já era formada de forma tripartite, vamos dizer assim. A CUT acabou sendo hegemônica, depois de um determinado tempo, porque os sindicatos se filiaram à ela. O sindicato era importante, participava do Dieese e acabou se filiando à CUT, porque a direção que ganhava a eleição era da dela e acabou sendo maioria aqui. Mas aqui no Dieese, no tempo em que eu fiquei na direção sindical, que meu sindicato era filiado à CUT e boa parte do tempo eu era o representante da CUT no Pbqp, a gente tomava muito cuidado pra manter a unidade do Dieese. Mesmo a CUT tendo um número muito grande de sindicatos filiados ao Dieese, a maioria era dela e a gente via a importância de todas as centrais participarem, de manter um espaço mais participativo dentro do Dieese. Mas não me lembro de ter existido uma crise. Já conhecia o Serginho, ele participava substituindo o Barelli. Não era da direção, mas já tinha um espaço unitário, uma luta pra manter o espaço unitário.
P2 – Dentro do Dieese, uma das coisas marcantes vividas pela conjuntura foi o Plano Real. Você viu a ação, resposta e avaliação do Dieese. Houve uma divulgação? Como foi isso?
R – Em 1994, o Plano Real, no início, acabaram existindo algumas divergências, porque o Dieese falava verdades que muita gente não queria ouvir. Logo no início, lembro que a própria CUT, eu era da direção e brigava muito contra esse troço, tinha a visão que o Plano Real era eleitoreiro e que foi feito pra eleger o Fernando Henrique. Inclusive nos debates, vimos isso aí. Acho que o Alckmin poderia ter dado uma estocada no Lula quando dizia: “Eu segurei a inflação”. Não, quem segurou foi o Plano Real, as bases dele estão aí. E combater a inflação é fundamental pros trabalhadores, quanto mais pobre, mais difícil. A classe média conseguia se segurar, colocava o dinheiro aqui, ali, tinha a conta do Bradesco que automaticamente inseria na poupança, tinha as contas remuneradas que todo dia mudavam de valor. Mas o trabalhador mais pobre que vive de salário mínimo ou de um pouco mais, uma inflação de 20%, ou até de 80%, como nós chegamos a ter no mês de março de 1991, quando o Collor entrou. A inflação era terrível. Quando um governo entra forte contra a inflação, em princípio os trabalhadores não podem ficar contra, inclusive porque as bases do Plano Real foram completamente diferentes do Collor e do Plano Cruzado. Lembro que o Dieese tinha uns grilos aí, incompreensões de alguns dirigentes sindicais que não conseguiam enxergar que o nosso inimigo não... O fato de o governo segurar a inflação e a gente dizer que era correto, não significava que a gente estava ao lado do governo. E a vida mudou completamente, a gente passou a ter que brigar por aumento real do salário. Era muito fácil conseguir aumento de 100%, porque a inflação aumentava 10%, 20% ao mês, então, era fácil chegar na mesa de negociação e conseguir um número altíssimo. Com o Plano Real, a gente passou a ter que discutir de forma mais séria o aumento do salário, participação nos lucros e resultados. Foi de 1994 pra cá que se pode começar a discutir como os trabalhadores participavam da divisão dos lucros da empresa. Ao mesmo tempo, começaram as grandes mudanças nas empresas, com a adoção desses programas de qualidade, que foi com o Collor que começou a história, em 1990, 1991. Não é porque o Collor era bom ou ruim,
essas mudanças estavam ocorrendo no mundo inteiro. As empresas precisavam ser mais produtivas pra enfrentar essas mudanças enormes nas áreas de informática, comunicações e transportes. Hoje, o mundo virou uma aldeia global, a gente sabe como é pequeno. Até uma guerra você vê pela televisão. Os espaços ficaram muito curtos. Então, começou junto com Plano Real, você exigia mais em mobilizar os trabalhadores pra ganhar 1%, 2% acima da inflação.O pessoal tinha memória inflacionária e não conseguia entender isso: “Mas só dois? Só três?”. Mas a inflação foi quatro ou cinco. Ainda, vai chegar a três no final deste ano. Fica mais difícil pro sindicalista e pro dirigente sindical começar a mobilizar a categoria. Na época em que foi a transição, era difícil fazer uma pauta de reivindicação que pedia 3% acima da inflação, entendeu? No governo Fernando Henrique, no Plano Real, acabou a indexação salarial. Era livre negociação, que era em termos, porque os sindicatos mais fortes tinham força pra negociar, os mais fracos, não. E a gente continuava: “Eu quero todas as perdas do Plano Real, mais não sei quanto”. No final das contas, acabava conseguindo uma parte pequena daquela recomposição. E como discutia isso com os trabalhadores? Era muito difícil. De 1994 pra frente, o Plano Real e mais essas mudanças fizeram com que os dirigentes sindicais se preparassem mais. Deixar de fazer só agitação, mas mobilizar a categoria, fazer greve, porém até as greves ficaram mais difíceis de fazer. Os fatos concretos estão aí. E o Dieese passou a desempenhar um papel ainda mais importante.
P1 – Um pouco antes, você falou da sua participação no Pcda. Como foi o impacto do Pcda no movimento sindical um tempo depois, quando tantas turmas passaram por lá e foram formadas? A informação se expandiu dentro do movimento sindical? Qual o seu ponto de vista?
R – Olha, até 2000 eu acompanhava mais ou menos, de lá pra cá me distanciei muito do movimento sindical. De 2002 pra cá, no governo Lula, está acontecendo essa coisa que já critiquei que é a história dos sindicatos estarem muito atrelados ao governo, inclusive com alguns retrocessos. Na minha categoria, por exemplo, no sindicato do Rio, o grupo que tradicionalmente esteve na frente do sindicato e até as principais oposições, que são pessoas bem informadas, com maior formação, que participaram do Pcda etc., acabou. O pessoal que foi ficando acabou numa postura muito atrelada ao governo e outras correntes políticas que não dão força, infelizmente é isso, há correntes expressivas do movimento sindical brasileiro, “mais de esquerda”, que não dão força pro Dieese e pra questão mais objetiva, pra estudar o que está acontecendo. Dão força mais pra mobilização, pra agitação, entendeu? Essa história de ficar estudando, pauta de reivindicação, tudo provadinho por A mais B que o aumento que a gente quer é por causa disso e daquilo, esse pessoal não dá muita força à essa questão de ter um embasamento técnico. E esses grupos políticos estão ganhando sindicatos, porque o outro grupo, erradamente se confundiu com as empresas, estatais principalmente. Se confundiu com as empresas e acabou chegando numa negociação salarial e você vê o sindicalista defendendo muito mais a proposta da empresa do que... Evidentemente, isso vai dar problema. Tem muito sindicato aí que o pessoal mais pé no chão começa a perder espaço, porque começa a se confundir com governo. E as correntes que estão ganhando não são preparadas, não tiveram muita preparação no movimento sindical. Até 2000, o balanço era positivo dessas 1000 pessoas que foram formadas. Na minha categoria, mesmo sendo estatal, a gente teve um papel importante na própria melhoria da empresa. Depois dessa formação, em 1995, o Serpro estava passando por uma crise muito séria, que precisava ter uma reestruturação, uma reformulação total da empresa. E a empresa ia fazer, nós conseguimos convencer todo o movimento que a gente deveria exigir da empresa que fizesse uma comissão paritária pra acompanhar as mudanças. Mudanças grandes, reestruturação de áreas, demissão de pessoas. Hoje, o digitador não tem mais espaço. O Serpro chegou a ter 20.000 pessoas, sendo que 10.000 eram digitadores. O Imposto de Renda a gente fazia preenchendo formulários, que depois iam pro Serpro e o pessoal ficava digitando. Hoje, todo mundo faz seu imposto de renda e manda para a Internet. Mesmo que a pessoa pague alguém pra fazer, o contador manda aquilo em disquete ou já manda pra Internet. Então, acabou o emprego para aquele pessoal. O Serpro ia fazer essas mudanças e nós conseguimos, as pessoas que inclusive fizeram o curso do Pcda, eu, um outro colega do Ceará, um técnico do Dieese do rio, o Marco Teles, que também participou dos 100 alunos, a gente conseguiu convencer todo o movimento que devíamos exigir da empresa que nós queríamos participar. Mesmo que chegasse um momento em que eles dissessem que uma área não precisa mais de pessoas, vamos brigar para colocar essas pessoas em outras áreas. Um balanço muito importante, positivo, foi que a nossa participação por meio da comissão paritária, que nós pressionamos, o grupo que estava mais por dentro, conseguimos convencer o movimento como nossa primeira reivindicação, antes do aumento de salário, pedimos: “Queremos a formação de uma comissão paritária pra acompanhar o processo de reestruturação da empresa, com representação do Serpro e do movimento sindical”. Eram três pessoas de cada lado, participamos eu e mais duas pessoas. A nossa grande tarefa era pensar no que fazer com os digitadores, pessoal auxiliar de informática, que não tinha mais trabalho. E conseguimos provar pra empresa que mesmo com o desenvolvimento tecnológico, porque no começo era assim: tinha grandes computadores, milhões de formulários de papel que eram preenchidos e os digitadores digitavam, perfuravam cartão, depois digitavam numa fita, com maquinazinhas que digitavam direto na fita magnética. Depois iam pros computadores que ficavam trabalhando e imprimiam relatórios que não acabavam mais com os resultados da impressão. Então, passaram a existir os terminais de vídeo, em que já podia entrar e ver diretamente a informação. Mas com os minicomputadores, parou de ter o... Basicamente, tinha o computador central, interligando esses micros, mas cada um deles com inteligência. Então, cada lugarzinho da Receita Federal, nos portos, aeroportos onde tem microcomputadores, há uma rede de computadores. Mas quem toma conta dessas redes? Quem coloca os computadores pra funcionar? Quem vê se estão ligados corretamente? E nós dissemos: “Olha, esses digitadores podem ser requalificados e aproveitados em outras áreas”. A empresa dizia que não, que a maioria tinha mais de 40 anos e não ia estudar de novo. Nós brigamos e conseguimos a requalificação. Eram cerca de 800 a 1.000 pessoas e conseguimos salvar o emprego de 500, as quais foram requalificados e passaram a ser auxiliares, quase operadoras de redes locais, pra fazer manutenção. Agora, nosso movimento conseguiu que fosse criada uma gratificação extra pra essas pessoas, porque elas melhoraram sua qualificação, mas a empresa não tinha como aumentar seu salário. Isso foi um produto muito importante na minha categoria e foi graças ao Pcda que conseguimos entender e convencer os outros sindicalistas disso, que conseguimos convencer a empresa e trabalhamos nessa requalificação das pessoas. É um produto muito importante pra mim.
P2 – Dentro dessa última fala, você disse que existe uma diferença do novo sindicalismo para o sindicalismo do qual você fez parte, no começo. Você acha que esses novos sindicalistas entram no movimento sem vivência ou formação, o que os deixa com uma visão distinta da antiga?
R – Uma coisa importante dessa minha geração do final de 1970, 1980 e 1990, principalmente 1980 e 1990, é que a maioria das pessoas participou concretamente da luta contra a ditadura. Então, a atuação sindical era principalmente para lutar pela democracia. Os partidos políticos eram proibidos de se organizar. Na época da ditadura, só existiam dois partidos: você podia participar da Arena, que era à favor do governo ou do MDB [Movimento Democrático Brasileiro] que era a oposição. E na época mais brava, o MDB não podia falar nada, o pessoal dizia que era o partido do “Sim”, porque não podia dizer não, e a Arena era o partido do “Sim, Senhor”. O único lugar que as pessoas tinham pra fazer política era o MDB, com todas as dificuldades. E o pessoal começou a atuar nas entidades do movimento civil: sindicatos, associação de moradores. Era aí que o pessoal trabalhava muito, a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], a ABI [Associação Brasileira de Imprensa], o pessoal começou ocupar espaços. Na medida em que se conseguiu alargar os espaços democráticos, essas entidades ficaram mais fortes. A gente conseguiu ultrapassar a ditadura, graças à sociedade civil brasileira. Realmente, ficaram muitos fortes a OAB, a ABI e as centrais sindicais, né? A maioria de nós participava de partidos políticos de esquerda, alguns inclusive na ilegalidade. Eu fui do PCB [Partido Comunista Brasileiro], por exemplo, por muito tempo. Depois fui pro PPS [Partido Popular Socialista]. Depois, o PT foi criado em 1980. Tinha o PDT [Partido Democrático Trabalhista]. Vieram com a redemocratização em 1985 e os partidos comunistas puderam se legalizar. O PCB, o PC do B [Partido Comunista do Brasil] e o PSB [Partido Socialista Brasileiro], que foi remontado. Dentro desses partidos de esquerda, a gente tinha uma formação política, entendeu? Os partidos eram muito bem organizados e quando a gente chegava no sindicato, tinha uma visão política importante. Hoje está faltando isso, até o PT mesmo se tornou um partido muito grande. E pelo que o pessoal do PT fala, tem pouca formação dentro deste. Quem tem que fazer essa formação? As centrais sindicais e o Dieese inclusive ajuda muito. Mas as pessoas já vêm com outro nível, outra cabeça. Na nossa categoria de processamento de dados, ficou o pessoal com mais formação. Hoje, quase nenhuma empresa contrata mais auxiliar, digitador. A maioria é programador, analista, né? Esse pessoal mais novo agora, ninguém quer entrar no sindicato, porque se quiser um cargo mais importante lá, vai ser impossível trabalhar na empresa e no sindicato e ninguém quer ser liberado. Estamos passando por uma crise séria por isso. As pessoas que têm maior condição, mais qualificação, inclusive não querem ser liberadas, porque vai prejudicar suas carreiras. Naquela época, meu principal objetivo não era minha carreira pessoal, era lutar pela democracia. Então, a gente se virava. Eu fiquei mais de 10 anos sem ter nenhuma promoção, nada. Os que eu fiquei dentro, antes de ser liberado, eu sabia que estava escolhendo um caminho em que não ia me dar bem profissionalmente. É complicado isso. Hoje a garotada não quer mais, portanto, não quer ir pro sindicato. Aí tem um problema, porque acabam indo pro sindicato pessoas que estão querendo se aproveitar mais dele. Sem aquela cabeça da ditadura, a molecada nova não sabe o que é isso, as dificuldades que nós enfrentamos. Aí tem um sindicato, o nosso, por exemplo, que não tem muito dinheiro, mas já tem uma sede própria, carro, vários empregados, secretária, motorista que leva você aqui, ali. É diferente. Nessas empresas estatais você vê muitas pessoas indo pro sindicato, mas são normalmente auxiliares, estão mais velhos, mais de 40 anos, nunca participaram do movimento sindical. Acabam entrando pra poder ter imunidade sindical, não poder ser demitido, as empresas daqui a pouco podem demitir, porque pode não ter lugar pra eles. O cara não foi lá porque tinha um ideal, foi lá porque precisa... Aí precisa ter mais formação sindical e essa divisão prejudica mais ainda. Você fica dentro do próprio sindicato e vocês apoiam o candidato à presidência X... Chegou ao cúmulo de ver um sindicato apoiando um candidato à deputado. Que negócio é esse? O cara nem era da categoria e foi sem ter assembleia desta. Isso é muito ruim, porque divide os trabalhadores e ninguém quer participar, entendeu? Eu esperava que com o governo Lula a gente pudesse avançar, mas não conseguimos ter ampla liberdade sindical. Todo mundo acha, e eu achava isso, que na Europa, como tinha ampla liberdade sindical, tem a famosa Convenção 87 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], da qual o Brasil é signatário, mas até hoje não tem essa liberdade. Eu mesmo dizia: “A convenção 87 da OIT divide os trabalhadores”, lembro que defendia isso. Eu era do PCB, na época, e a gente era contra a Convenção 87 da OIT no Brasil. A gente achava que a unicidade sindical que existe aqui, onde é proibido fazer outro sindicato, era como se fosse a unidade. E é diferente. Na verdade, é como se fosse o partido único que existia na União Soviética. Só pode ter uma central sindical. Lembro que num congresso da CGT, de 1986 eu acho, meu sindicato já era, não, nos filiamos à CUT em 1987, mas em 1986 fomos num congresso da CGT aqui na Praia Grande. Eu participava junto com alguns colegas do PCB que eram sindicalistas, tínhamos uma coordenação nacional de sindicalistas do PCB e eu era dessa coordenação. Recebi um pessoal da CGT francesa, ligada ao partido comunista francês. A gente estava conversando e os caras: “Vem cá, qual é a principal divergência entre a CUT e a CGT?” Na época, não existia a Força Sindical. Joaquinzão, Medeiros e o Paulinho nem existiam direito. Foi depois que eles criaram a Força Sindical com o Magri, na época do Collor. “Quais são as principais diferenças?” Eu falei: “Tem a diferença tal, a tal e tem a questão da Convenção 87 da OIT, que a CUT defende e nós somos contra”. “Mas, por que vocês são contra?” “Porque a Convenção 87 divide os trabalhadores. Lá na Europa a Convenção dividiu os sindicatos todos, passaram a ter vários sindicatos etc.” O francês disse: “Quem te falou isso? Foi completamente diferente. Quando a convenção foi assinada em 1947, o movimento sindical europeu já era todo dividido. Ao contrário, a Convenção 87 da OIT exigiu das empresas que deixassem o sindicato estar dentro do trabalho. Nós fazemos a nossa unidade no chão de fábrica. Quando a empresa vai negociar, negocia com o sindicato que é mais representativo, mas todos têm que sentar na mesa pra tentar se entender. E os trabalhadores exigem que fiquem juntos”. Aí, comecei a mudar. Depois, no PCB, ajudei a gente a mudar a posição, porque isso é bobagem. É igual ao Partido Único que a gente defendia na União Soviética, que já tinha criticado e por aí à fora. Infelizmente, hoje, antes de eu sair da CUT, houve um congresso da CUT acho que em 2000, em que foi feita uma pesquisa entre os delegados da CUT e a maioria era contra acabar com a unicidade sindical. Quer dizer,
a própria CUT se transformou, porque o pessoal do PT e outros setores eram à favor da Convenção 87 da OIT e contra a unicidade sindical, acabar com o tal artigo oitavo que tem na Constituição, porque eram oposição. Na medida em que o pessoal passou a ter situação, passou a se acomodar e hoje ninguém mais quer saber de acabar com a unicidade sindical. Existe essa nova legislação que foi desenvolvida no governo Lula, mas que não foi aprovada ainda, em que haverá maior liberdade, mesmo assim, amarrada, não é uma liberdade pra valer. Essa liberdade vai exigir que todo mundo sente e vai acabar com essas brigas fratricidas no movimento sindical brasileiro, vai trazer mais gente pros sindicatos, porque hoje não querem participar do sindicato. Por que? Porque se for participar do sindicato vou ter que me liberar e se for liberado vou deixar minha profissão de lado. Minha carreira profissional vai pro espaço. Agora, o movimento sindical virou uma carreira pras pessoas.
[Troca de fita]
P2 – Você falou que participou do congresso em 1986. O Dieese, a gente sabe, sempre esteve assessorando o movimento sindical, inclusive participando de congresso de metalúrgicos e muito provavelmente do Congresso da CUT, em 1983. E do congresso da CGT, o Diesse participou também? Como foi isso? Porque têm várias centrais. Como ficou o trabalho do Dieese junto às centrais?
R – Naquela época, os congressos das centrais eram muito politizados, era muito clara a divisão das correntes políticas. Me parecia que nesses congressos o Dieese tinha pouca participação. Mas o Dieese sempre teve muita participação no congresso de categorias, porque os congressos de categoria visam principalmente o preparo das campanhas salariais. Estão muito mais preocupados com a questão objetiva. Evidentemente que você prepara a campanha salarial e tem outros pontos, como eleger a direção dos metalúrgicos ou da CUT etc. Então o Dieese sempre ajudava a desenvolver as propostas políticas, mas voltado para a negociação. Agora, a visão daquela central ou daquela federação, uma visão mais política, aí o Dieese não ajudava. Auxiliava mais nas questões objetivas de negociação coletiva, de emprego, salário e formação. Lembro que nos congressos da CUT que eu participei, o Dieese não tinha participação. Na verdade, lá você ia discutir teses políticas e as várias correntes que atuavam na CUT, cada uma fazia sua tese. Cada um com seus assessores, pessoal técnico e o pessoal da Articulação da CUT. Eu não era da Articulação, era da Unidade Sindical, uma corrente do PCB que já acabou. E nosso principal aliado era a Articulação. A gente podia ter um técnico ou outro ajudando, mas era em caráter pessoal, mas não era o Dieese. O Dieese se preservava e continua se preservando, entrando mais nas campanhas salariais. No dia a dia, a CUT continua usando muito o Dieese, assim como a Força Sindical, a CGT, pra desenvolver suas propostas. Mas no congresso é sempre mais político. Nas campanhas salariais eu sei que o Dieese tem muita importância.
P1 – O Dieese é importante para a sociedade?
R – É muito importante. É fundamental.
P2 – Como você vê a importância dele?
R – O movimento sindical brasileiro só conseguiu avançar, inclusive na época da ditadura, outro dia vi o Delfin Neto falando que uma das primeiras greves do Lula foi enfrentando o Delfim Neto e graças ao Dieese. O Dieese foi um pólo de resistência do ponto de vista técnico, também, né? O governo, na década de 1970, manipulava números e dados. Houve uma época, em 1974, 1975, em que ocorreram problemas graves, porque o Dieese, junto com a fundação Seade [Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados] de São Paulo, divulgou números contestando a inflação divulgada pelo governo, na época era do Geisel e do Delfin Neto. Ocorreu até uma greve, em cima disso, pesada, devido à esses números. A primeira greve no ABC Paulista, em 1978, foi em cima de números do Dieese. Ou seja, o Dieese mostrava claramente os números. O Dieese foi fundamental na luta contra a ditadura e tem sido durante a construção da democracia no Brasil. Hoje, está tão interessante que a gente pedia a um tempo atrás o ICV [Índice do Custo de Vida] do Dieese, aí quando a inflação caiu pra valer, o do Dieese era um pouco menor que o IPC [Índice de Preços ao Consumidor] e outros. Alguns companheiros nossos não conseguiam entender isso: “É um absurdo, quero outro”. Não adiantou outro. O ICV do Dieese pega um conjunto que mede melhor a inflação pra nós, além de ser mais confiável. Já houve brigas, inclusive sérias, de 1994 pra cá. Lembro que no Rio teve um lance desses. O Ademir teve um lance desses. Ele está aqui em São Paulo agora,
pode perguntar pra ele. O Ademir foi numa assembléia dos metalúrgicos do Rio e teve que explicar o índice do Dieese, que era menor que um desses Inpc [Índice Nacional de Preços ao Consumidor] da vida. Ele foi defender que era aquele valor mesmo e teve vaia. Foi vaiado na assembleia. A maioria da população não consegue entender esse negócio da inflação: “Dizem que a inflação foi 4%, mas olha só como meus gastos aumentaram”. O pessoal não sabe que a inflação é uma média e tem uma cesta pra calcular. Evidentemente, a minha inflação é diferente da sua, diferente da dela. Um não tem carro, outro fuma, outro não sei o quê. Cada um, na média, tem aqueles índices. Se você olhar, eu fui diretor do nosso fundo de pensão e me meti nessa área de investimento pra acompanhar nossos investimentos, que são muito complicados. E a gente, outro dia, teve que comprar títulos do tesouro nacional,
que eram indexados em IGP-M [Índice Geral de Preços do Mercado] e nossas aposentadorias eram indexadas em Inpc. Depois, nossos técnicos em investimento disseram que não teria problema nenhum, que os juros eram ótimos. E nos mostraram que toda série histórica, a maioria desses índices, depois de uns dez anos, convergem pro mesmo valor. Mas como as pessoas vão entender isso? Então, o Dieese teve esse papel muito importante na época da ditadura, porque fazia aquele pólo. As greves do ABC Paulista só aconteceram porque existiam reivindicações concretas e embasadas na realidade. Quem deu essas bases? O Dieese. E lá os metalúrgicos do ABC, até hoje, têm uma subseção do Dieese, com dois ou três técnicos o tempo todo. Eles são organizadíssimos. Agora continua tendo um papel muito grande, tanto que o Dieese, às vezes, muita gente da sociedade civil já escutou falar dele, mas não sabe que ele é um assessor do movimento sindical e pertence aos sindicatos. Boa parte das pessoas que acompanham, que têm mais informação sobre o papel dessas entidades técnicas, vê o Dieese como uma assessoria técnica muito importante, sem saber que ele é um órgão que pertence à CUT, à CGT, à Força Sindical e tal. Isso mostra como ele é forte, como se impôs na sociedade, por ser técnico.
P1 – Você falou da importância do Dieese para a sociedade e nos remeteu à um período muito bom, que é dessa atuação do Dieese na ditadura, durante esse episódio da manipulação dos índices. Mas, e agora? Da sua perspectiva pessoal, eu sei que você está meio afastado do movimento sindical, mas como você vê a atuação do Dieese daqui para o futuro?
R – Acho que fica cada vez maior a importância do Dieese, porque o mundo em que estamos vivendo exige que o movimento sindical esteja cada dia mais preparado pra enfrentar os desafios que temos pela frente. Essas mudanças na informática, tecnologia, essas coisa toda são irreversíveis e cada vez mais rápidas. Você mal acostuma com um celular, já estão prometendo outro. Muita coisa de consumo, mas com coisa que funciona. Isso é cada dia mais forte. O mundo está indo para um caminho, na minha opinião, que vai ter que discutir a história da diminuição da jornada de trabalho. E o que está acontecendo? Você tem cada vez mais, o crescimento da economia. Tanto o Alckmin ia quebrar a cara com isso, como o Lula, pois já está provado que o simples crescimento da economia não aumenta emprego na mesma proporção. Porque o crescimento tecnológico continua cada vez mais rápido, mais vertiginoso e os postos de trabalho não são criados na mesma proporção. Até, às vezes, acontece o contrário. O caminho é diminuir a jornada de trabalho. Por que? Porque a cada dia você tem mais desempregados e a sociedade pressiona pra que você tenha um seguro desemprego, você precisa de cada vez mais dinheiro pra pagar seguro desemprego. Quanto mais dinheiro você põe pra pagar seguro desemprego, mais impostos precisa. Isso está acontecendo na Europa, hoje. A sociedade começa a não aguentar, porque, no fundo, é ela que está bancando aquelas pessoas desempregadas. Tem uma hora que o pessoal não vai aguentar. A saída é pressionar as empresas, o que é muito difícil, porque as empresas em nível internacional não têm um dono. Hoje, a gente houve falar do Bill Gates, mas é praticamente uma das poucas pessoas que você ouve falar que é o dono da empresa. Quem é o dono do Ford? Da Volkswagen? Da IBM? Desses bancos todos? Não tem mais donos. Acabou. Tem os acionistas e o conselho de administração profissional, que representa os acionistas e que contrata a diretoria: um presidente e com mandato. Se você conseguir atingir as metas tudo bem, se não, é demitido e contratam outro. E quem são? Virou impessoal. Esse é o grande problema no mundo. Essas empresas estão ficando mais fortes que o governo, tirando os Estados Unidos ou algum outro, o governo sempre... Como eu falei do Collor, não foi ele que fez as mudanças boas aqui, quando falou que os carros eram carroças. Qualquer presidente, até mesmo o Lula, com a cabeça de 1989, ia fazer as mudanças. Porque elas estavam exigindo, eram objetivas. Não há quem mande nas empresas e elas estão mandando no mundo. Se houvesse 20 Bill Gates, sentariam e falariam: “Vem cá, pra onde estamos levando o mundo?”. E isso do ponto de vista de emprego é seríssimo e do ponto de vista ambiental, podendo chegar numa catástrofe. E não tem ninguém que desligue o botão. Daqui a 50 anos vai ter uma catástrofe ambiental, mas quem vai parar por isso? Quem vai parar a produção? O Brasil precisa crescer no mínimo 5% ao ano, o Lula está obcecado por esse número. Mas para crescer os 5%, é mais recurso natural que vamos consumir, mais poluição. E o mundo continua crescendo. Ou seja, quanto mais complicado está, a única saída é a com base científica. Aí o Dieese é fundamental, as centrais sindicais não podem abrir mão dele. A CUT inclusive tentou montar um Dieese próprio, o Desep [Departamento de Estudos Socioeconômicos e Políticos], fui até diretor do Desep quando fui da CUT, que é o Departamento de Estudos Sócio Econômicos e Políticos. Naquela época, eu não participei disso, mas tinha uma visão da CUT de ser hegemônica e até abrir mão do Dieese. Felizmente, logo depois que entrei, o pessoal começou a ver que isso era bobagem e que não tinha para que montar uma coisa, se já tem outra funcionando muito bem, que tem história, etc. Inclusive setores da CUT viram que era essencial o Dieese pra gente manter um mínimo de interlocução com as outras centrais sindicais. O Dieese fez esse papel e agora é mais importante ainda.
P1 – Participando desse projeto de memória, dando seu depoimento, que por sinal é riquíssimo, como você avalia a importância desse projeto para o Dieese?
R – Acho essencial. Fiquei muito feliz quando me ligaram pra dar um depoimento aqui, me sinto orgulhoso de ser lembrado e participar da nossa história de 50 anos. Acho esse trabalho muito importante, porque a gente precisa preservar a memória pra que não só os novos dirigentes sindicais, mas a sociedade fique sabendo dessas coisas. Não só divulgar isso, mas que as outras pessoas consigam entender esse momento complicado que estamos vivendo no país, podia estar mais avançado, mas essa própria divisão que existe na sociedade civil, isso vai ser muito ruim. Quando você vê a CUT apoiando um candidato, a Força apoiando outro candidato, isso é ruim. Vai levar que essa briga lá dentro do chão de fábrica. Isso não acontecia em 1994, quando o Lula era o favorito pra ganhar a eleição e se não fosse o Plano Real e a postura do PT frente ao Plano Real ele teria ganho. Lembro que o pessoal mais ligado ao Lula, lá de São Bernardo, veio com a proposta que a CUT fizesse um Congresso em maio de 1994 e apoiasse explicitamente o Lula. Houve uma resistência dentro da Articulação Sindical. Houve teve setores importantes da Articulação, que infelizmente hoje esqueceram tudo isso, que enfrentaram os metalúrgicos do ABC e disseram: “Não. A CUT é uma central sindical. E sindicato tem que ser independente de governo, religião e partido político. Independente, pois todo mundo pode ser Lula, do PT, do PPS, PDT”. Naquela época, o Brizola foi candidato, então já ia ter uma briga dentro da CUT. Tanto que depois, em 1998, quando a CUT resolveu apoiar o Lula, o pessoal do PDT, que não era um grupo pequeno, era grande e expressivo, como estava apoiando junto com a gente o Ciro Gomes, o pessoal do PDT saiu da CUT. É uma posição equivocada. Em 1994 não ocorreu isso. O que aconteceu? Todos os delegados que eram à favor do Lula assinaram um manifesto de apoio à ele. Infelizmente, o pessoal veio com essa coisa e foi ruim. A história do movimento sindical ao nível mundial já mostrou que isso não leva a um avanço do movimento sindical. Na União Soviética, no socialismo real, porque era proibido você... era uma central sindical única, um partido único. E não é a toa que saindo do socialismo real, que tinha lá e partiu pra máfia, porque é uma máfia que está controlando a Rússia. Não há vida social lá. A vida mostrou pra nós que não existia uma sociedade civil forte pra enfrentar o retrocesso. Mesmo na Espanha, com o PSOE [Partido Socialista Operário Espanhol], com o Felipe González, ficaram 12 anos no poder, um partido excelente. A Central Sindical UGT [Unión General de Trabajadores] era a principal central espanhola e acabou acontecendo esse mesmo problema daqui. Acabou se misturando a UGT com o governo. O que ocorreu? A UGT acabou virando muito governista e lá, como tem a Comissões Obreiras, que é um pessoal de esquerda também, mais firme, com mais força que a nossa Força Sindical, o que aconteceu? A UGT ficou desse tamanhinho. E o pessoal da UGT entendeu que não dá pra misturar central sindical e... É difícil a relação, realmente. Eu sabia que do lado de lá estou negociando com companheiro meu do partido. Quer dizer, o presidente de uma estatal, o presidente de... O Ministro do Trabalho era o Marinho, que era o presidente dos metalúrgicos. É difícil separar. Porém é necessário tentar separar o papel de um e de outro. Isso não é bom pro movimento sindical. E o Dieese tem um papel de manter um fio condutor de unidade nessa coisa.
P1 – O que você achou de contar sua história e participar desse projeto de memória?
R – Como falei, uma maravilha. Já andei pensando uma vez e até foi bom que você puxaram. Estava me lembrando de algumas coisas pra falar aqui e, por incrível que pareça, tinha me esquecido da história que contei dos 500 digitadores que nós conseguimos salvar o emprego. E que foi fruto do Pcda, não tenha a menor dúvida. Eu tive um papel importante, assim como outros colegas nossos que fizeram o Pcda, a gente entendeu que era preciso entrar lá e participar das mudanças, pra ajudar essas pessoas que ficaram sem postos de trabalho. Foi fruto de trabalho técnico.
P1 – É isso aí. Obrigado.
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