Depoimento de Milton Tertuliano Barros
Entrevistado por Valéria Barbosa e Márcia Ruiz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 01 de novembro de 1994
Transcrita por Marina D'Andréa
P- Senhor Milton, eu queria que o senhor nos dissesse seu nome completo, o local que o senhor nasceu, e a data de nascimento do senhor.
R - Meu nome é Milton Tertuliano Barros, nascido em Princesa Isabel, Paraíba. Data de nascimento: 25 do 2 de l940.
P - O nome dos pais do senhor e local de nascimento.
R - José Tertuliano Barros e Maria do Carmo, os dois nascidos em Princesa Isabel.
P - Qual era a atividade do pai do senhor?
R - Motorista de caminhão.
P - Ele trabalhava pra alguma empresa?
R - Não, não. Era... ele vivia em círculo no país.
P - E ele transportava o quê?
R - Ah, aí eu já não sei, certo? Porque eu não tinha contato com ele.
P - Eu queria que o senhor contasse um pouco da infância do senhor lá em Princesa Isabel.
R - Eu...vivi uma vida de pobre, minha mãe lavadeira de roupa, ela foi meu pai e minha mãe, eu, aos oito anos, eu já transitava na cidade vendendo pão, entregando pão de casa em casa, depois parti para umas feiras livres, e... daí por diante eu... no continuar da vida eu fui ajudar meu avô na lavoura, o qual pra mim não era muito importante, porque eu não gostava disso. E de um momento para o outro eu parti para a vida do mundo.
P - Seu Milton, vamos falar um pouquinho da infância , ainda. O senhor me contou que o senhor vendia pão.
R - Sim.
P - Pra quem que era que o senhor vendia, como é que o senhor fazia esse trabalho?
R - Bom, isso aí era o seguinte. Eu ia na padaria, pegava um cesto, enchia de pão, e ia distribuindo de casa em casa. Essa era a maneira que eu trabalhava com os pães lá.
P - Era um costume lá da cidade?
R - Ah, sim, não tem dúvida, era um costume da cidade.
P - E como é que o senhor era remunerado?
R - Não, não. Minha remuneração era.... era pra angariar um...
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Entrevistado por Valéria Barbosa e Márcia Ruiz
Estúdio da Oficina Cultural Oswald de Andrade
São Paulo, 01 de novembro de 1994
Transcrita por Marina D'Andréa
P- Senhor Milton, eu queria que o senhor nos dissesse seu nome completo, o local que o senhor nasceu, e a data de nascimento do senhor.
R - Meu nome é Milton Tertuliano Barros, nascido em Princesa Isabel, Paraíba. Data de nascimento: 25 do 2 de l940.
P - O nome dos pais do senhor e local de nascimento.
R - José Tertuliano Barros e Maria do Carmo, os dois nascidos em Princesa Isabel.
P - Qual era a atividade do pai do senhor?
R - Motorista de caminhão.
P - Ele trabalhava pra alguma empresa?
R - Não, não. Era... ele vivia em círculo no país.
P - E ele transportava o quê?
R - Ah, aí eu já não sei, certo? Porque eu não tinha contato com ele.
P - Eu queria que o senhor contasse um pouco da infância do senhor lá em Princesa Isabel.
R - Eu...vivi uma vida de pobre, minha mãe lavadeira de roupa, ela foi meu pai e minha mãe, eu, aos oito anos, eu já transitava na cidade vendendo pão, entregando pão de casa em casa, depois parti para umas feiras livres, e... daí por diante eu... no continuar da vida eu fui ajudar meu avô na lavoura, o qual pra mim não era muito importante, porque eu não gostava disso. E de um momento para o outro eu parti para a vida do mundo.
P - Seu Milton, vamos falar um pouquinho da infância , ainda. O senhor me contou que o senhor vendia pão.
R - Sim.
P - Pra quem que era que o senhor vendia, como é que o senhor fazia esse trabalho?
R - Bom, isso aí era o seguinte. Eu ia na padaria, pegava um cesto, enchia de pão, e ia distribuindo de casa em casa. Essa era a maneira que eu trabalhava com os pães lá.
P - Era um costume lá da cidade?
R - Ah, sim, não tem dúvida, era um costume da cidade.
P - E como é que o senhor era remunerado?
R - Não, não. Minha remuneração era.... era pra angariar um pão. Entregava aquele pão, pra ganhar um pão, você entendeu? Porque nossa vida era muito pobre, nós não tínhamos um meio de condição nenhuma, num... minha mãe lavando roupa, pra uma cidade pequena, um... o condicionamento financeiro é bem pequeno. E pra quem ela lavava essa roupa também era bem pequeno o poder aquisitivo, certo? Então minha mãe trocava o trabalho pelo pão. Era a vida que nós vivíamos.
P - O senhor tinha irmãos?
R - Só uma irmã, não é?
P - Fala um pouquinho da escola.
R - É, eu estudei numa escola a qual a gente, por ter nome de moleque, que o moleque, no nordeste, é o maloqueiro aqui. Então, a gente era meio encostado, pelo preconceito da cidade, uma cidade pequena, com preconceito altíssimo. Então a gente era considerado um negro e era meio afastado do povo.
P - Além do preconceito com a cor, que tipo de preconceito que existia?
R - Preconceito por você não ter, vamos dizer assim, ser filho de uma lavadora de roupa. É um... desconceito, veja só. Pro povo você é ninguém. Então você não tem nome. Ele é filho de negra. Negra lava roupa pra fulano. Então, pessoa sem, vamos dizer assim, sem nenhum prestígio. Ele é jogado ao lixo. É pisado. Entendeu?
P - Seu Milton... o senhor me contou que o senhor começou a trabalhar muito cedo.
R - Muito cedo.
P - Bom, independentemente desse trabalho, o senhor brincava, ou não?
R - Ah, sim Eu vivi...
P - Eu queria que o senhor falasse das brincadeiras.
R - Eu vivi... eu fui um moleque, o qual vivi como qualquer criança. A criança, não tem tempo ruim pra ela, certo? Ou passando fome, ou não passando, ou mal vestido ou bem vestido, ela vive. Nós tivemos, eu tive uma infância, eu formei a minha infância. Eu fui moleque de rua, eu brinquei de peão, eu nadei bastante, vivi muito dentro de açude, eu andei muito a cavalo, eu... briguei muito, é... roubei muito mercadoria do povo, você entendeu? Quer dizer, eu vivi uma vida que eu gostei de viver, você entendeu? E pra mim, minha infância foi bacana pra chuchu. Minha vida, ela começou a se tornar difícil depois que eu saí da minha terra. Porque eu fui enfrentar um mundo diferente, que eu não conhecia. Então eu tinha que me comportar. Ou me comportava ou partia pro mundo cão, certo? E eu optei ao mundo bom.
P - No caso ainda da escola, o senhor tem lembranças assim, da professora, dos colegas....
R - Olha, professoras, a gente não tem lembranças porque a gente não foi, vamos dizer assim, envolvido com essa gente. Você era apenas visto como um aluno ali de dentro mas bem afastado. Então a gente não tem aquela lembrança, vamos dizer assim, aquele carinho especial por uma pessoa que você conheceu naquela vida lá. Não tem, não tem... Os colegas eram os de sempre, quer dizer, aquele que era do meu mundo, porque o outro lado, era o outro lado. O do meu mundo era aquele que nós comíamos a casca de banana na rua, pegava um nó de cana na rua, você entendeu, é... caía na rua, sujava, é... estava rasgado, estava bem, estava no chão, estava bem, se ia na casa dele e ele ia comer no chão, ia comer no chão, quer dizer, era a vida da gente. Então a gente lembra, esse tipo de coisa a gente lembra, você entendeu?
P - Bom, depois da atividade, né?, de vender pães, e tal, o senhor falou que começou a ajudar um senhor numa feira livre...
R - É, nas feiras livres, é, quer dizer...
P - Conta um pouquinho como é que era...
R - É, nós, nós... saíamos de lá da cidade da gente, carregava o caminhão, ia pra uma outra cidade, descarregava o caminhão, montava a barraca e... trabalhávamos, vamos dizer, nós saíamos de casa umas 4 da manhã, chegava num determinado local umas 6, montava a barraca, já dava umas 8 horas. Aí ia tomar café, pra começar a feira. Aí começava a feira, fazia o dia todo, 6 horas desmontava, pegava, botava no caminhão, voltava, e essa era a vida que nós vivíamos.
P - Eu queria que o senhor descrevesse um pouco como era essa feira. Assim, pra uma pessoa que não conhece uma feira... no Nordeste.
R - Olha, era uma feira natural, uma feira tão natural quanto a daqui. Veja só, só que não tem, vamos dizer assim, a disponibilidade, ou seja, é... o espaço que tem uma feira aqui, ou a organização que tem uma feira aqui. É uma feira jogada, certo, cada um faz à sua maneira, quer dizer, então... e se vive, né, cada um faz da sua maneira. Cada um forma sua barraquinha, cada um joga no chão como quer .... quer dizer, é isso aí. Isso na época em que eu estava lá, porque não existia desenvolvimento, não existia comunicação... Hoje não, hoje o nosso setor é bem desenvolvido, bem comunicado, você entendeu? Agora, na nossa época, nós, inclusive a nossa cidade, ela tinha só uma saída e uma entrada. Era pelo mesmo setor, você entendeu? Ali, quando chovia, tinha um riacho que chamava-se Riacho da Velha, quando chovia, não entrava e nem saía. Era a nossa cidade.
P - Da casa de infância do senhor... o senhor traz lembranças?
R - Ah sim, eu morei numa casa que... essa casa eu lembro muito. Eu morei numa casa no meio de uma lagoa. Quer dizer, no tempo de chuva, quando chovia, aí.... nossa casa ficava ilhada, certo? Então ali, os sapos que, sabe... o sapo é proliferado no Nordeste. Então ali as paredes ficavam lotadas de sapos e depois entrava dentro de casa, e dormia junto com a gente, e ficava debaixo da cama, e (riso) assim por diante.
P - O senhor falou comigo que num momento também, o senhor trabalhou com o avô do senhor.
R - Ah sim. Eu trabalhei porque... foi quando eu dei continuidade. Quando eu... porque eu trabalhava vendendo esses pães, eu vendia pão, eu vendia pirulito, eu vendia pastel, eu vendia coentro na rua... eu fazia uma série de coisas. E daí eu tive que ajudar também o velho. E eu não gostava, dessa vida eu não gostei. Foi um dos fatores de eu também ter saído do Nordeste, porque eu nunca gostei de roça. Negócio de puxar cobra pros pés não foi pra mim, não nasci pra essas coisa. Então, eu ajudava o velho, quer dizer, ajudei até quando eu achei que eu estava com a crista levantada, como nós falamos, certo? Eu digo: "Não, agora já dá pra mim sair fora e..."
P - E o que é que o avô do senhor fazia?
R - Meu avô, ele vivia da agricultura, né? Ele era meeiro, ele pegava uma terra de um fulano lá, e ele dizia: "Olha, você trabalha aqui, e o que... vamos dizer assim, o que lucrar, a metade é meu." E era assim que a gente fazia.
P - E plantava que tipo de...
R - É... feijão, milho, algodão, melancia, é... abóbora, maxixe, e assim por diante.
P - E ele comercializava esses produtos, não?
R - Não, não. Só pro uso.
P - Maxixe, no Nordeste, como é que é conhecido aqui em São Paulo?
P - Maxixe, maxixe. É como, vamos dizer, aqui nós conhecemos abóbora, mas é girimum, né?
P - E até quando que o senhor trabalhou na lavoura, com o avô do senhor?
R - Até os 15 anos. Daí por diante, eu saí fora. Aí fui viver o mundo fora, né, quer dizer, eu me eduquei, porque eu era tipo... um animal, certo? Eu fui um moleque meio perverso, você entendeu? Mas o mundo ensinou, pouco a pouco a gente foi... Eu levei umas trombada boa, aí eu segui caminho bom.
P - O senhor saiu de Princesa Isabel e foi pra onde?
R - Pra João Pessoa. João Pessoa, eu fiquei uns seis meses lá pra João Pessoa trabalhando no Mercado Municipal, é... vendendo umas verduras, uns legumes de um elemento que trazia, pra também angariar um pão pra ajudar a família, você entendeu? Mas aquilo não deu resultado nenhum. E, logo em seguida eu parti pra São Paulo.
P - No caso, quando o senhor foi pra João Pessoa, o senhor foi sozinho?
R - Sozinho.
P - E a mãe do senhor?
R - Ficou, ficou. Quer dizer... porque o meu objetivo sempre foi minha mãe. Porque minha mãe... tem uma coisa muito importante nessa velha, que ela não me deu um outro pai. E... jamais, jamais... Ela falava que enquanto ela respirasse, ela era o pai e era a mãe. Nenhum elemento jogaria a mão em cima de mim, quer dizer, em cima de mim e da minha irmã. Porque... geralmente o padrasto, ele judia, judia muito da pessoa, né, então, minha mãe tinha muito isso. Então nós consideramos muito minha mãe por causa disso, damos muito valor a ela por causa disso. Ela foi gente, gente, gente, sabe? Até hoje, até hoje, minha mãe me trata como uma criança.
P - E quando que foi que o senhor veio pra São Paulo?
R - Eu vim em 55. Quase no final de 55 pra 56, né? Entrei aqui muito moleque, quer dizer, sem conhecer nada, e vivi uma vida na rua. Dormi 61 dias na rua. E aí conheci uma pessoa aí, apanhava papel...
P - Como era o nome dela?
R - Se não me engano era Teresa, viu? Se eu não me engano essa pessoa... E ela fazia... apanhava papel e eu dormia em cima dos papel dela. E ela falou pra mim que ia me arrumar um emprego. E foi indo, foi indo, ela um dia me trouxe um cartão. Que era pra mim vê esse emprego. Mas como eu não tinha um calçado, uma roupa, nada, ela comprou um chinelo pra mim, e comprou uma camisetinha, da Hering... (choro)
P - Seu Milton, ela... e aí... Tudo bem, não tem problema. O senhor estava me dizendo...
R - Me dá só um tempo... (choro) (pausa)
P - ... da Plastic.
R - É. Eu trabalhei numa firma chamada América Plastic. Que era localizada na Rua Apeninos, não sei se era 121 ou 123, você entendeu? E trabalhei duas semanas, porque eu não tive condição de encarar a firma porque eu trabalhava de prensista manual e eu estava subnutrido, né? Eu não, não... estava à altura de fazer... eu pesava 52 quilos, e... fraqueza total, quer dizer, então eu não tive condição de encarar o negócio. Duas semanas depois eu fui dispensado, o qual arrumei um dinheiro deu pra mim alugar uma pensão durante quatro meses.
P - E aonde que era essa pensão?
R - É, Senador Queiroz, 645, 8º andar, 8.
P - Então era perto do Mercado, né?
R - Perto. Em cima do Mercado.
P - E depois que o senhor saiu de lá?
R - Saí de lá e fui pro Mercado. Entrei no Mercado, fui trabalhar numa firma por nome Empório Azul, na Rua B, nº 2. Esse Empório Azul era de propriedade de Antônio da Costa, um português, é... filho de português. E tinha um gerente, pessoa sensacional, me incentivou muito na vida, me deu uma luz, uma luz a qual essa luz dele me ilumina até hoje. Que foi a moral, a honestidade, e a simplicidade. Ele lutava muito nesse campo aí. Era um filho de italiano. Então, por intermédio desse cara eu me encaminhei dentro de São Paulo.
P - E como... e qual que era o principal produto desse Empório?
R - Azeitonas. Azeitonas.
P- E eram importadas?
R - Eram importadas.
P - Como que... no caso das embalagens, como é que era vendido o produto?
R - A granel. Tudo a granel Na época, você sabe, há... uns 30 anos atrás não existia supermercados, né? Não existia. Quer dizer, é o... o veículo de São Paulo era o Mercado Municipal. Era conhecido em todo o país, todo o país quase, que se diz, esse Mercado. E... isso aí, Ave Maria, Nossa Senhora Isso aí era uma barbaridade O que se ganhou de dinheiro aí, não está escrito. Naquela época, quem ganhou, hoje, os filhos, não os pais, mas os filhos, estão bem pra chuchu.
P- E a... eu queria que o senhor falasse um pouquinho da freqüência, das pessoas que freqüentavam o Mercado.
R - Olha, a freqüência, a freqüência era muito... alta. Veja só, é... porque a parte de tradição. O Mercado ele foi freqüentado por europeus, mais, certo? Porque o Mercado ele, ele.... a função dele era só a parte mais de importado: o bacalhau, a azeitona, quer dizer, que era o principal, o bacalhau e a azeitona. Quer dizer, o brasileiro em si muito pouco freqüentava o Mercado. É mais o europeu. Isso era de conhecimento que a gente tinha, certo? O português, o italiano, o espanhol, e assim por diante.
P - O senhor lembra de alguma pessoa importante que freqüentava a barraca pra adquirir alguma coisa, ou não? Que era conhecido...
R - Olha, veja só, é o que eu disse. Eu me dediquei demais ao trabalho, e não memorizei essas coisas não. Sinceramente, não deu pra memorizar isso aí. Eu conheci muita gente aí no Mercado mas, assim, dizer assim olha, determinar uma pessoa e dizer assim: olha, conheci essa pessoa assim, assim. Eu conheci... no Mercado, Dercy Gonçalves, eu conheci no Mercado, é.....ih, eu conheci uma série de pessoas
P - Me diz uma coisa, seu Milton, o senhor disse que era vendido a granel. Então, a embalagem... a azeitona, ela vinha importada em que embalagem?
R - Ela vinha num tipo de.... era uns barris, uns barris feito de... é... de madeira. Eu não sei se vocês já viram, tem uns barris. Eram feitos de madeira, porque hoje é plástico. Mas a madeira pra eles não dava mais. Aquilo era barril de 200 quilos, de 300 quilos, de 400 quilos, quer dizer, era assim que era embalada, que vinha pra cá, né?
P - E as pessoas compravam por quilo?
R - Por quilo.
P - E como é que era pesado, naquela época?
R - Era pesado em embalagem de papel. Você pegava com uma concha, tem um tipo de uma concha que ela escoava água, você deixava ela escoar bem, jogava no saco de papel, porque plástico não predominava na época, certo? Então, jogava no saco de papel, logo em seguida, numa balança, tirava rápido, enrolava noutro papel e entregava pro freguês. Quer dizer, era assim que era manuseado o produto.
P - E como que era a forma de pagamento?
R - Ah, só à vista. Só.
P - Não tinha caderneta?
R - Nada disso, não, não. Porque, na época, o dinheiro nosso era valioso, né, então, o povo não precisava. Você veja, é tanto que, na época, você era, você era, vamos dizer assim, você era... você passava, a pessoa te pegava, te puxava, pra você comprar fiado e você não queria. Porque não tinha necessidade. O seu dinheiro era pouco, mas você veja só, que na época eu ganhava um salário mínimo, eu não sei se era um salário mínimo, ... era um salário mínimo, sei lá. Olha, com um salário mínimo eu vivia aqui, pagava a pensão, a metade do meu salário era pra minha mãe, certo?, e eu ainda ia pra rua, ainda ia para uma sala da Paulista, ainda ia para um cinema, você entendeu? E assim por diante. Quer dizer, vivia-se bem melhor com um salário mínimo antes, do que dez salários hoje, você entendeu? Quer dizer, então a turma não, não... a gente não tinha, vamos dizer, assim, pensamento de comprar fiado. Eu não conheço, eu não tinha conhecimento de que alguém comprasse fiado na época não. Porque o povo queria o dinheiro vivo na mão. Você trabalhava, sabia o que tinha.(pausa) Pode continuar.
P - Seu Milton, nesse... nesse primeiro Empório que o senhor trabalhou, qual era a função do senhor?
R - Eu, eu carregava mercadoria pra suprir o Empório. Eu, todo o tipo de mercadoria que precisasse, eles compravam ou eles tinham depositada, eu ia com o carrinho de mão, pegava essa mercadoria, trazia pro Mercado e jogava lá. E uns elementos iam jogando lá pra dentro ou arrumando a mercadoria.
P - No caso desse carrinho, o carrinho era do senhor?
R - Não. Da firma. Esse era da firma, né?
P - Bom, depois desse primeiro Empório o senhor foi...
R - Eu parti pra um segundo Empório. Chamava-se Gilberto Brihy, na Rua A, nº 11. Parti pra ele e passei com ele, é... dois anos. Se eu não me engano, dois anos.
P - E o principal produto que ele vendia?
R - Cereais. Todos os tipos de cereais. Nós trabalhamos durante muito tempo, depois eu, não sei porque cargas dágua, a gente se desligou e eu parti pra um outro Empório. Mas só que aí era produtos salgados. O nome da firma era Antônio C. Quintas. Eu me lembro muito bem.
P - Me diz uma coisa, voltando um pouquinho pra esse Empório, que o senhor vendia... que eram grãos, não é isso que o senhor disse? Como é que eram embalados, também?
R -Esses também embalados em saquinhos de papel.
P - E eles ficavam em... barris, também?
R - Não, não. Veja só. Na época, na época, a turma não se ligava muito a barricas, como hoje nós temos, né? O cara pegava um saco, amarrava ele embaixo, jogava ele ao contrário, ele, sentava né? O cara enchia de mercadoria, dobrava a beira do saquinho, do saco, e assim, expunha a mercadoria, com o próprio saco da mercadoria.
P - Certo. Que tipo de mercadoria que era vendida? Que tipo de grãos?
R - Arroz, feijão, farinha e assim por diante. Toda a parte de cereal.
P - E quem eram os fornecedores dessa banca?
R - O Atacado Santa Rosa.
P - Atacado Santa Rosa?
R - Porque até hoje o Mercado é suprido pelo Atacado Santa Rosa. Até hoje Não, não... não quebrou esse tabu, não.
P - E esses grãos eles eram nacionais, a maioria, ou era alguma coisa importada?
R - Nacionais e estrangeiros. Porque nós temos, vamos dizer assim, é... lentilha, ervilha, grão-de-bico, todos produtos importados.
P - E vinham de onde, principalmente?
R - Espanha, Portugal, Chile...
P - E aí depois... o senhor falou que o senhor foi pra essa empresa de salgados, que é Antônio C. Quintas. É, como é que foi lá, como é que era embalada a mercadoria, como era exposta?
R - A mercadoria era embalada em papel, também. Ela é exposta, vamos dizer assim, antes, tinha umas pedras de mármore, né? Então o balcão era feito com as pedras de mármore que, hoje ainda tem, ainda tem alguma reminiscência disso aí. Então, era embalado, era, era exposto naquelas pedras de mármore, o freguês vinha, escolhia a mercadoria, você tirava e colocava na balança, embalava no papel também, e entregava. Que até antes... o jornal era usado como embalagem. Hoje, Deus que me perdoe. Quem é que põe um jornal pra um freguês? Ave Maria ( risos) Mas, antes, o povo não olhava muito isso aí. Não existia uma inspeção a altura, né? Hoje não, Ave Maria, tá louco
P - Esses salgados eram fornecidos por quem, seu Milton?
R - É... Sadia.... ih, rapaz, tem... é difícil, porque antes era três ou quatro firma que fornecia. Agora tá me falhando a memória. Eu sei que a Sadia era prioritária, certo? Quer ver outro? É... quer ver outro... Sadia... (pausa) (riso) Ah, tudo bem, não dá pra lembrar agora não.
P - Com o seu Quintas foi...
R - Swift, quer ver outro... Perdigão.(riso) Tem outra, tem outra, Aurora, não, essa Aurora é nova, se eu não me engano. Eu sei que tinha várias delas.
P - No caso com o seu Quintas. Foi a... o primeiro momento que o senhor partiu pro balcão? Porque, antes, o senhor carregava, né?
R - Não, eu parti pro balcão no Brihy, no Empório Brihy. Eu já parti pro balcão ali. Eu parti pro balcão, fazia entrega na cidade, quer dizer, então eu era um....um free-lancer, né, vamos dizer.
P - Como que o senhor fazia entrega na cidade?
R - Eu fazia de carrinho, eu, por exemplo, eu pegava pra entregar... eu entregava até na Consolação, aí na... é... Dr. Arnaldo, ali no... no... Hospital das Clínicas, tinha lá um negócio das Clínicas que a gente fazia entrega lá dentro, também.
P - E o senhor fazia isso com o carrinho?
R - De carrinho, de lá do Mercado até lá com o carrinho, você acredita nisso?
P - A pé?
R - A pé, com o carrinho. Naquela época, existia os bonde, né, então você pelo trilho do bonde, que você botava o carrinho... a roda do carrinho aqui, quando o bonde vinha você saía fora e deixava o carrinho. (riso) Se Deus levar Deus que leve também, porque eu não vou não Mas dava tudo certo.
P - Me diz uma coisa, seu Milton, quanto tempo o senhor demorava pra fazer, por exemplo, ir da...
R - Vamos dizer, se eu saía do Mercado, vamos dizer, quando tinha entrega aí na... na Dr. Arnaldo, por exemplo, que era no Hospital das Clínicas, era a Universidade, era na Universidade que nós fazíamos entrega. Eu, por exemplo, saía às 6 horas da manhã, saía eu e um outro colega. Adaptava uns dez sacos de arroz e ele saía empurrando e eu puxando. O ruim era subir... por exemplo, a gente já saía cedo, porque tinha macaco, naquela época, não era asfalto como hoje tem, né? É macaco. Então você pegava aquele macaco, pro carrinho subir aquilo ali, e você fazia Você novo, estava com todo o gás, então você num tinha tempo ruim. E outra coisa, você estava afim de trabalhar, porque minha finalidade era trazer minha mãe. Eu trabalhava 24 horas por dia se você quiser saber, tá? Eu trabalhava... eu trabalhei feito um doido mesmo, porque minha finalidade era trazer minha mãe pra perto de mim. Porque onde ela estava não estava bom. Estava bem porque o que eu ganhava metade era dela. Então dava pra suprir a situação dela lá dentro. Mas, eu não estava satisfeito, porque ela junto de mim seria melhor, estava a presença dela, a gente sempre foi assim. Então... foi isso que eu vivi.
P - E quanto tempo que o senhor demorava pra chegar?
R - Do Mercado, a gente demorava assim uma base de... umas 2 horas, do Mercado até lá em cima. Agora pra voltar, não. Pra voltar o carrinho vazio. Botava um em cima do carrinho saía correndo, (risos) brincando no meio da rua.
P - O senhor tinha quantos anos nessa época, senhor Milton? Quantos anos o senhor tinha?
R - Eu, na época eu tinha... 17 anos... 16, 17 anos por aí. Dezoito, 17, 18 anos, foi quando eu estava com esse Brihy.
P - E foi fácil o senhor alugar uma pensão sendo menor de idade?
R - Foi, foi, porque veja só, antigamente, você com dinheiro na mão, você era rei. Então, eu cheguei, primeiramente: "O senhor mora onde?" Era uma italiana velha, metida pra chuchu. Velha não, na época ela era nova. Então: "Você mora onde?" Eu digo: "Não, eu estava morando lá no Paraíso." "Mas o senhor trabalha onde?" Eu digo: "Eu vou trabalhar aqui no Mercado e por esse motivo eu quero..." E eu digo: "Quanto é a pensão?" Ela falou, na época parece que 500 réis, ou era 400, sei lá, e eu tinha 1 e vinte, então eu digo: "Estão aí os quatro mês já duma vez." Aí então ela pegou e pôs no bolso e: "O senhor pode entrar, sua cama é aquela lá." (risos) E fui vivendo assim devagarinho.
P - E depois que o senhor saiu do seu Quintas?
R - Do seu Quintas, aí eu fui viver é... vamos dizer assim, por conta própria, né? Eu fui trabalhar com carrinho, comprei um carrinho, aí fui puxar mercadoria. Ali eu já conhecia todo o mundo e todo o mundo sabia quem eu era e então, vamos dizer assim, você tem um box: "Milton, eu tenho uma mercadoria pra puxar e eu preciso..." Você tinha outro: "Milton, eu tenho..." Quer dizer, então eu formei aquele grupo, o qual nem venci depois, nem venci. Aí foi de um, foi de outro... aí a administração, porque na época era fervorosa a administração, era tudo da prefeitura, tudo era... também os administradores eram militares, existia aquele negócio de militar, ali o cara... Então, me pediram pra mim tirar uma chapa de carregador. Aí foi difícil pra tirar, mas como a gente tinha muito conhecimento, de um, de outro, aí tirei a chapa de carregador, fiquei como carregador mesmo, né, chapa 493.
P - Me diz uma coisa seu Milton, vamos falar um pouquinho do abastecimento do Mercado, né? O senhor disse que o grande abastecedor do Mercado no atacado é a Santa Rosa. Agora, por exemplo, a nível de frutas, quem abastece?
R - Quem abastecia de frutas? Era as chácaras, os pomares, por exemplo, é... tinha na época... porque veja só, fruta, eu não tomei muito conhecimento da fruta. Foi o que eu falei pra vocês, eu parti mais pro lado de cá. Mas tinha Jundiaí, tinha Valinhos, tinha Monte Alto, e tinha uma série... Campinas, quer dizer, que abastecia São Paulo.
P - Limeira...
R - Limeira... isso, isso
P - E me diz uma coisa, senhor Milton, dentro do Mercado Central, vende-se atacado e varejo?
R - Vende-se atacado e varejo, vende-se atacado e varejo. O Chiappetta é um grande atacadista, temos o Mercacentro, um grande atacadista, tem o Romanos, um grande atacadista, tem Irmãos Borges, quer dizer, eles trabalham com o varejo mas, mais atacado.
P - Me diz uma coisa, seu Milton, nessa época que o senhor tinha um carrinho, o senhor puxava mercadoria, o senhor fazia mais do atacado do que do varejo?
R -Sim, não. Eu trabalhava, veja só, o meu sentido era ganhar, não importa de quem. Vamos dizer assim, você chegava no Mercado e falava: "Olha, Milton...", porque o setor lá de cima, a turma só trabalhava na caixaria, ninguém queria pegar um saco na cabeça. E eu pegava um, pegava cem e pegava 200. Eu cheguei a puxar 400 sacos de arroz pro Chiappetta, no tempo ele trabalhava muito com cereais. Eu chegava a puxar 400 sacos de arroz pro Chiappetta, 400, moça Botava dez, 40 viagens de dez sacos no carrinho. Quer dizer, tem tudo isso. Eu cheguei a carregar caminhões e caminhões de coco, caminhões de batata, vinha de São João da Boa Vista, é... quer ver? Além Paraíba, essa cidade aí que é...que é turista, é perto de São João da Boa Vista, por ali, Poços de Caldas Carreguei muito caminhão pra Poços de Caldas, você entendeu? Então, eu estava com coragem de trabalhar, eu queria trabalhar, eu queria saber em que, com quê? Quer dizer, hoje eu estou sentindo o drama, você entendeu? Eu caí muito, caí muito, eu caí demais, eu, com 54 anos, eu estou derrubado. Mas foi muito trabalho, muita luta.
P - E me diz uma coisa, quanto tempo o senhor ficou com o carrinho?
R - Carrinho eu fiquei até 70, setenta, 71. Em 71 eu fui convidado, por dois elementos pra participar de uma sociedade num box ali dentro. Aí eu falei que não tinha condição, você entendeu? E eles me proporam pagar com integração de serviço. E... sabia que eu conhecia mesmo toda a matéria lá no atacado, aí nós entramos e arrebentamos a boca do balão, sabe? A banca estava meio derrubada, o português deixou ela derrubada, nós levantamos estoque, aí fizemos o mezanino, e aí tocamos o pau. Quatro anos depois eu saí fora porque os homens estava sendo muito vivo pro meu gosto, certo? Eu, baianão e eles só mexendo no dinheiro, o coitado aqui se danando. (risos)
P - Do que é que era esse box?
R - Era de cereais, também. Só que a gente trabalhava com todos os tipos: lataria, limpeza, e assim por diante. Quer dizer, um tipo de uma casa, pra provir uma casa, certo?
P - Como era o nome desse...
R - Empório Romigel, o qual era os três sócios. Um chamava-se Roberto, o outro Milton e o outro Gelson.
P - E aí depois o senhor foi pra...
R - Saí daí, aí fui trabalhar com um turco, chamava-se Ale Neser, na Rua B, Rua B, 5. Trabalhamos três anos também, e aí ele começou... Aí o negócio começou a cair e ele jogava muito no bicho, aí, depois... porque ele que fazia a... a parte financeira era dele. Ele começou a se apavorar com o negócio de duplicatas e partiu pro jogo de bicho, e daí tomar uns antidistônico, porque estava muito apavorado, a cabeça quente, e desse antidistônico partiu pra mais longo, e longo, daí eu tive que me separar dele.
P - Era sociedade também?
R - Sociedade.
P - E do que é que era?
R - Era... também era cereais.
P - E como é que era o estoque, como vocês faziam o estoque?
R - Não, o estoque, veja só, nós temos lá, por exemplo, eu não sei se você já viu a disposição da minha barraca. Nós temos a exposição na frente, atrás nós fechamos e deixamos o estoque lá dentro. E alugamos um... uma casa lá fora, pro mais pesado. Eu, por exemplo, eu com o Ale, nós tivemos estoque bom. Na época nós tivemos um estoque muito bom Mas ele começou a ver demais, foi quando começou a surgir o negócio de supermercado. Aí ele: "Vamos montar um supermercado, vamos montar..." Eu digo: "Olha, nosso poder aquisitivo não dá pra isso não... nossa bagagem não é essa não." "Não, vamos." Compramos uma mercearia do cara, derrubamos a mercearia toda, deixamos o salão, reformamos o salão, botamos todos os pontos. Compramos, compramos a montagem de Joinville, na época. Então era pra montagem chegar em outubro, e ela veio chegar em fevereiro, depois do Natal, porque nós queríamos aproveitar o Natal pra pagar a montagem. Aí quando chegou foi devolvida a...
P - Onde era, seu Milton?
R - Isso era lá no... Você conhece a estação Metrô Penha? Ficava na parte de cima, assim, era ali.
P - E aí, como chegou depois, o que vocês fizeram? Venderam?
R - Depois, não... ficou o salão lá, e a gente ia passar pra frente, passar pra frente, no fim terminamos entregando pro homem. Porque a gente estava pagando o aluguel daquilo ali pro cara, aí entregamos o salão. Perdemos todo o dinheiro. Aí continuamos lá, com o nosso estoque, trabalhando direitinho, aí foi indo, foi indo, e foi caindo, foi caindo... Mas sabe o que acontece? É... você num pode dar o pulo além do teu braço ou da tua perna. O cara, por exemplo, se você ganha dez, você só pode gastar cinco, cinco ele tem que ficar de reserva. E o cara ganhava dez gastava 20, então, foi caindo. E o baiano velho junto, (riso) não arrumando nada, só a coragem e a cara. Eu vim comprar uma casa depois de 35 anos de trabalho em São Paulo, vim comprar uma casa depois de 35 anos. Quando eu também deixei uma vida com o que eu tinha, sabe? Porque eu tive muita vida muito cão, aí na rua, nas noitada, no diabo, então, não deu pra mim comprar uma casa, e também fiz uns casamento errado também, porque uma mulher incentiva muito o homem, não é verdade? Então se... eu não tive uma mulher pra me incentivar, a mulher brigando: "Olha, tá faltando aqui... essa televisão está quebrada, eu quero que compre outra." O cara vai indo, vai indo, até que ele se enche. Aí ele vai, e compra a televisão pra mulher. E: "Nós não temos uma casa pra morar. Você vai ter que dá um jeito, porque você é homem e tal..." O cara vai, no fim compra. Mas eu não, eu não tive quem fizesse isso aí. Só queria tomar o meu, eu digo: "Tomar o meu ninguém vai tomar não." Então não tenho nada, só tenho isso aqui pra trabalhar.
P - O senhor casou em que época, senhor Milton?
R - Eu casei em 66, não era pra casar em 66. Mas eu fui mexer onde não devia, aí tive que casar correndo, o Marcelo nasceu, eu casei em junho e o Marcelo nasceu em dezembro.
P - E o senhor conheceu ela aonde?
R - Eu conheci ela aqui em São Paulo, na minha casa. Na minha casa nós formava uns forrozinho, assim no fim de semana, sabe, e a gente gostava muito de dançar. Aí eu conheci essa carioca, dançava pra caramba
P - Como era o nome dela?
R - Carmem, Carmem Amélia Rodrigues Barros, hoje Barros, antes era Carmem Amélia Rodrigues, depois tomou o nome do paraíba aqui.
P - Aí... o senhor morava ainda perto do Mercado?
R - Não, aí eu já estava morando com a minha mãe, morava lá na Vila Esperança. Conheci essa danada, essa mulher me amarrou. Você vê, uma menina nova, eu com 25 e ela com 15 anos, cheirando a leite (risos) Paraíba se danou, viu? Se danou, foi o pior casamento que eu fiz na minha vida. Não deveria, certo?
P - E aí o senhor ficou quanto tempo com ela?
R - Com ela eu fiquei... acho que 6, 7 anos.
R - E ela fazia o quê?
R - Nada, só cuidava da família.
P - E o senhor teve quantos filhos com ela?
R - Dois. Milton e Marcelo. Depois arrumei uma outra, tive um caso com ela, tive filho com ela também, e assim por diante.
P - E o terceiro filho, qual que é o nome dele?
R - Rogério Tertuliano Barros.
P - Ele é filho do seu segundo casamento?
R - É.
P - E a segunda esposa do senhor chama como?
R - Helena José Salomão de Mello.
P - Ela faz o que seu Milton?
R - Ela hoje é... Comigo ela nunca trabalhou não porque eu nunca admiti que mulher trabalhasse. Me desculpe, mas a mulher trabalhou, ela ganha prioridade. (risos) Eu sou meio medieval, certo? Acho que a mulher nasceu pra cuidar do homem. A mulher de hoje não quer a cozinha, né? Mas hoje ela trabalha de assistente social. (risos)
P - E hoje o senhor está casado ou não?
R - Não, eu hoje tenho um casamento aberto. (risos) Ela na casa dela, e eu na minha. No fim de semana eu vou pra casa dela... nós dormimos junto, no outro dia saio, vou pra minha casa, supro a minha casa, volto novamente, fico o resto do dia com ela, à noite venho pra casa pra trabalhar.
P - E o senhor mora com quem hoje?
R - Com minha mãe. Sempre morei com minha mãe.
P - E os filhos do senhor?
R - O Marcelo mora com nós, o Miltinho é amasiado com uma menina aí, vive a vida dele, e o Rogério com a mãe dele.
P - E me diz uma coisa. Vamos voltar um pouquinho, a gente acabou entrando pelo lado pessoal, como é que foi a aquisição, depois que o senhor teve o seu carrinho, o senhor foi, entrou nas sociedades, e depois dessa segunda sociedade com o turco...
R - Com o turco... Veja só, aí não deu certo e eu pedi a abertura, né, ele foi e cedeu. Quer dizer, ou eu, ou ele. A prioridade era dele, porque vinha de pai pra filho, certo? Eu digo: "Então vê se arruma um dinheiro aí pra me dá o meu e você fica com isso aí." Eu não fazia questão nenhuma. "Ainda estou novo, dá pra mim trabalhar." Aí ele me arrumou na época 400 contos... foi 400 contos, 400 cruzeiros, foi. Ele deu a minha parte. Aí tinha esse chinês que estava passando esse box. A turma: "Milton, não vai pra lá que você vai se danar, Milton, cuidado, Milton, cuidado." Eu digo: "Não, eu vou pra isso aí. Eu vou." Aí, comprei com a coragem e a cara. Eu não narrei esse ponto pra você não. Aí comprei lá o box, era só peixe podre, né? Aí descarreguei... limpamos tudo, tiramos um caminhão desse negócio de peixe podre, esse negócio aí. Tirou um caminhão mesmo de lá de cima do mezanino (risos). Aí jogou tudo fora, limpou a barraca, aí eu comecei. Peguei um saquinho ali, um saquinho aqui, botar aqui, pedi emprestado uma caixinha pra fazer uma prateleira, uma caixinha pra fazer outra prateleira e foi indo e foi indo... O primeiro movimento que eu fiz nessa firma, eu perdi o dinheiro, num dia de sábado, no movimento de sábado. Eu com aquela euforia, né, de ter entrado, ser sozinho agora, aí entrei na firma, fiz o movimento do dia, botei no bolso do avental aqui e me abaixei pra fechar. E esqueci de um negócio lá dentro. Passei por baixo da empanada novamente. Aí, quando eu voltei, saí, todo contente, quando cheguei na esquina, botei a mão, cadê o dinheiro? Voltei correndo, mas... shuuu... aquilo pra mim acabou comigo. Aí, nesse mesmo ano, aí levantou tudo direitinho, aí ficou tudo cheinho, bonitinho, eu arrumei a frente, tal, aí a freguesia já estava tocando firme. Aí veio uma enchente. Foi em oitenta... foi em oitenta e nove... 79, fevereiro de 79, parece. Deu a enchente e acabou com tudo, gente. Eu estava, me levantando. Acabou com tudo. Aí eu tomei uma cachaça do diabo, aí digo: "Que vá tudo pro inferno" (risos) Mas acontece que a turma da Santa Rosa já tinha uma certa consideração a mim, aí falaram assim: "Olha cara, segura a ponta que a gente cacifa isso aí. Não deixa isso não. Não é pra desanimar não. Você já trabalhou até agora" Eu toquei de novo. Aí veio outra enchente, mas essa daí eu já estava seguro, né?, já estava seguro, aí toquei. E estamos aí.
P - E me diz uma coisa seu Milton, hoje, o senhor vende o que nesse box?
R - Eu, meu caso é cereais, né? O meu veículo principal é o feijão e o arroz, e assim por diante, os grãos é que segura a parte da gente.
P - E é o que o senhor mais vende?
R - O que mais vende. Quer dizer, nós trabalhamos em torno disso aí. O Marcelo quer diversificar a coisa, o Marcelo quer mexer nisso... Agora mesmo, ele inventou de pôr uns negócio torrado, caju, amêndoa, pistache, essas coisa; eu acho que não é o local certo pra nós trabalhar, isso aí não é pra nós. Mas, pra não existir aquele negócio de polêmica, conversinha, desafeto de um pra outro, aí eu deixo correr, mas eu não estou contente com isso aí não.
P - Me diz uma coisa. Que tipo de arroz o senhor vende?
R - O arroz que vende hoje e é o único que existe, é... veja, que desenvolve, é o arroz agulhinha tipo 1. Um agulhinha que surgiu, americano, derrubou todos os tipos de arroz no país. É como hoje o feijão carioquinha. É o feijão mais conhecido no país. Antigamente não se conhecia esse feijão. Quando esse feijão surgiu, a turma olhava" "Que é que é isso?" E era feijão roxinho, paquinho, rosinha, é... chumbinho. Mas esse tipo de feijão carioquinha não existia não. É como esse arroz agulhinha. O arroz agulhinha ele surgiu, a turma olhava aquele arroz fino, era acostumado àquele arroz longo, um tal de salaguda, que vinha de Goiás, um arroz espetacular, um grão desse tamanho Depois surgiu aquele arrozinho, hoje ninguém tem mais nada. Só trabalho com agulhinha, todo o tipo de arroz é agulhinha, até mesmo o parboilizado, ele é agulhinha.
P - E o arroz integral, o senhor vende também?
R - Vende, vende. Não, mas aí em pouca proporção, né? Arroz integral é um quilinho aqui... daqui há dez anos outro, e assim...
P - E o senhor trabalha com algum cereal importado?
R - Trabalho. Trabalho com grão-de-bico, lentilha, ervilha, e... feijão branco, só. Esses são importados.
P - Os fornecedores do senhor são da região da Santa Rosa?
R - São. Eu só trabalho com atacado mesmo, só do atacado da Santa Rosa. Eu não peço... vamos dizer, pra começar, importar eu não posso, certo? Então, nós temos com facilidade aí, pessoas conhecidas já de muito tempo, fornece pra gente, da maneira que a gente quer. Então a gente fica por aí mesmo.
P - Como é que o senhor paga esses fornecedores? O senhor tem algum crédito... como é que é?
R - Não, aí, veja só, aí depende do fornecedor. Existe os que... cada um tem um critério, né? É, por exemplo, se eu peço de um importador, ele me... o boleto, né? Então ele me joga no banco. E se é de elementos que a gente conhece, que trabalha com produtos nacionais, você chega lá, pede a mercadoria, por exemplo, eu tenho um fornecedor que chama-se Chicão, e a firma dele também é Chicão. E, esse elemento, eu chego lá, loto minha firma de mercadoria dele, ele assina um papelzinho deixa lá e a gente vai pagando devagarinho. Dá dois mil hoje, dá mil amanhã, compra dez, 15, 20 milhões, e vai dando de pouquinho pro cara.
P - E pra vender?
R - Pra vender é outro problema. Porque hoje nós tempos, nós não temos mais uma passagem, porque o supermercado, ele acabou com o pequeno, né? Pro cara encarar o Mercado, hoje em dia, ele tem que ter uma bagagem com o pessoal de lá. Então, hoje nós temos a rua, vendemos à base de dez dias, 15 dias, porque temos um cara como esse Chicão que segura a barra da gente. Porque se não segurasse, se fosse pra viver de passagem do Mercado, já tinha fechado há muito tempo.
P - E me diz uma coisa, seu Milton, quais são as maiores dificuldades de ser empregado e de ser patrão?
R - Eu acho que o empregado, veja só, principalmente tratando-se do meu caso. Eu acho que o empregado, ele se limita ao que ele ganha. Que seja aqui, que seja ali, ele se limita. Vamos dizer, você trabalha, não sei se é funcionária pública, sei lá. Mas você ganha 500, você vai se limitar aos 500 que você ganha, você não vai partir pra outro campo. Você sabe que não tem, não tem espaço pra você. Senão você vai se degredar. E o cara que se torna patrão, que eu não conheço essa palavra "patrão", sei lá, mas infelizmente existe isso aí, e eu vou fazer o quê? É o caso: ter três filhos como eu tenho, cada um com uma maneira de ser. Miltinho tem uma maneira, Marcelo tem outra e Rogério tem outra. Miltinho... um... maloqueiro. Você sabe que maloqueiro, ele abrange todos os campos, tanto o bom quanto o ruim, certo? Marcelo tem ímpeto de grandeza. É, Marcelo até pra falar, fala pelo nariz. (riso) É um elemento que se apresenta muito. Sinceramente, honestamente, eu vou te falar com sinceridade, eu estou falando muito sincero. Então, o Marcelo, por viver numa faculdade, ele quer viver uma vida de universitário. Universitário, que eu digo, é um elemento que está bem financeiramente. Marcelo quer seguir esse campo, e eu acho que não tem ainda campo pra ele aí. Mas infelizmente ele quer seguir assim, você vai fazer o quê? Rogério, que eu estou cansado de falar pra ele que a cabeça dele já está bem feita pra ele saber analisar as coisas... ele não é filho de um milionário.
P - Ele tem quantos anos?
R - 16. Ele é filho de um barraqueiro de Mercado. Ele não tem, o cara não tem nada mais nada menos do que a posse de um box, como permissionário. Porque se a prefeitura cismar hoje, ou amanhã, joga todo o mundo na rua e até logo. Quer dizer, então, não é ninguém, é apenas um permissionário. Vive o dia a dia, mas o cara já pensa muito alto. Vamos dizer, por exemplo, eu comprei um computador essa semana pra ele, porque ele estava necessitando desse computador, made não sei o que, que os nome eu nem sei. Aí, comprei o computador... "Vamos comprar as mesas do computador, vamos compras as mesas." Ora, vamos devagar, compramos o computador, vamos comprar a mesa, aí já pensa que tem que comprar uma cadeira, que gira pra aqui, que roda pra aqui, que faz... (risos) Ah, mas não é por aí. A coisa não é por aí. Vamos comprar, mas vamos comprar paulatinamente. Ora, se nós não podemos construir de uma vez, constrói de pouco a pouco até que nós chegamos lá. Mas não, nas idéias dos meninos... o Marcelo, eu falo: "Marcelo, não vamos fazer isso hoje, Marcelo, deixemos pra amanhã isso aqui." "Não pai, porque..." Olha, esse negócio de expor esses salgados aí. Ele quer que venha tudo de uma vez E não é de uma vez. Primeiramente, vamos procurar preço, segundo, mercadoria, o tipo da mercadoria, pra nós expor, e vai devagarinho. Agora, quer tudo de uma vez. Agora, eu digo pra ele: "Olha, você vai fazer tudo isso e o retorno vai ser duradouro, porque todo o mundo vende isso aqui dentro. Você tinha que jogar uma mercadoria aqui dentro que não existisse dentro do setor. Aí nós íamos trabalhar ela, ia trabalhar o freguês, em cima dela, porque só nós temos a mercadoria. Agora, se todo o mundo tem você vai pôr uma mercadoria que todo o mundo tem? E outra, os fregueses que vêm aqui já vêm certo no fulano. Vêm certo no Chiappetta, vêm certo (numa Nancy?), vêm certo no (Santande?), e assim por diante. Nós, jogamos essa mercadoria agora, e quem vem buscar essa mercadoria?" "Que conversa..." Mas, infelizmente, pra não existir aquela polêmica, então a gente deixa correr.
P - Eles trabalham como funcionários junto com o senhor?
R - Ah, sim. Não que eles sejam funcionários, mas eles são obrigados a trabalhar como funcionários pra, eles dão a carteira, pra dar um tempo de serviço, uma coisa, pra mais tarde pode ser que precise pra uma... uma aposentadoria ou qualquer coisa parecida, então eles... Mas eu não gostaria que meus meninos trabalhasse, eu junto com eles. Eu gostaria de... eu estar fora deles. Eu montar um negocinho ali, e dizer assim: "Olha, vocês me dão um tanto por mês aqui e eu vou ficar aqui. Eu não vou atrapalhar vocês." Porque eu atrapalho, eu falo, eu vou pra cima, quer dizer, eu sei como é que veio isso aí. Eu sei a dificuldade que veio. Então eles não sabem. Uma vez o Miltinho falou: "Passado já era." Isso aí magoou muito. Porque eu fui falar pra ele: "Olha, isso aqui veio assim, assim, você veja como o pai lutou, o pai fez..." E a turma também fala pra eles o meu passado ali dentro, então o Miltinho falou pra mim uma vez: "O passado já era." Então quer dizer que só daqui por diante é que nós estamos vivendo, mas não é assim. Ele devia de estar dentro desse passado. Tudo o que ele fez, todos o movimentos dele foi desse passado. Então ele não deveria falar assim. Mas falou, vai fazer o quê? Brigar eu não vou.
P - E me diz uma coisa, seu Milton, hoje, o senhor compra alguma coisa dentro do mercado?
R - Pra mim? Sim, ah, sim. Eu compro peixe, eu compro bacalhau do Mercado, quer dizer, eu compro porque eu conheço toda a raça, você entendeu? Então eu levo a melhor mercadoria, pode ter certeza. Como também aquele que precisa de mim leva a melhor mercadoria. Então, eu compro peixe, eu compro a fruta, eu compro a carne, eu compro o geral. Eu só não compro queijo, azeitona, porque nós não gostamos dessas coisas. Lá em casa não tem esse negócio de... Agora, veja só, o trivial a gente compra.
P - A carne de sol o senhor compra lá também?
R - Não, a carne de sol do Mercado não é boa não. (risos) A gente compra mas não é boa, aquela ali não oferece vantagem não.
P - Me diz uma coisa, seu Milton, como é que o senhor... o senhor teve dificuldade de se tornar proprietário dentro do Mercado levando-se em consideração que a maioria das bancas era de pessoas que eram estrangeiras?
R - Ah, espera aí. Você abordou um campo que, realmente. Existia uma certa polêmica porque eu era um carregador e, veja só, e "cabeção", certo?, nordestino. Quer dizer, porque todas aquelas barracas vieram só de tradição, de português, italiano, alemão, espanhol, certo?, e árabe. Agora, o único elemento que dentro do Mercado conseguiu um box, e com trabalho, como eu fazia como carregador, fui eu. Então existia aquela polêmica do elemento: "Pô, esse cara... carregador, como é que ele arrumou isso aí? O que é que ele fez?" "Vem junto", eu digo: "Vem junto que você vai ver" Então, eles mesmos assistiram, não precisava nem fazer pergunta, né? Eles assistiram o meu trabalho árduo, o dia-a-dia, sem cessar, passei 16 anos trabalhando pra sair, passei acho que uma semana nesses 16 anos. Então foi assim que eu consegui isso aí. Eu deixava que a turma falasse. Uns chegava muitas vezes, como tem uns tipinho lá, que eles chega, olha o seu ambiente, vê um buraco na prateleira, no outro dia ele vê outro, e aí ele já pergunta pra você: "Está existindo algum problema, quer vender?" Aí eu respondo: "Você não tem dinheiro pra comprar mas nem, mas nem pra entrar aqui, quanto mais comprar isso aqui. Isso aqui é muito valioso. Você não tem dinheiro pra isso." Eu falo na cara dele, pra que, comprar o quê? Isso pra mim tem muito valor. Descarto o cara assim e ele sai fora.
P - Me diz uma coisa, seu Milton, quando o senhor veio pra São Paulo, qual foi a impressão que o senhor teve da cidade?
R - Veja só, a impressão da cidade grande todo nordestino tem. Ele acha isso aqui um absurdo, que o cara vai se perder, vai viver... Eu não tive muita impressão e vou te explicar por que. Porque eu saí do sertão do nordeste, cidade pequena, sem nenhuma estrutura, fui pra João Pessoa. Já olhei o ambiente, era um ambiente diferente, mais aberto e mais sofisticado, você entendeu? Quando eu entrei em São Paulo, eu não quis ficar é, vamos dizer assim, onde o nordestino fica. Por exemplo, é um tipo de albergue, vai. Quando eu cheguei, quando eu saltei do trem aqui, porque nós ficamos em Minas Gerais 12 dias, houve uma chuva violenta, roubaram uma malinha que eu tinha, eu fiquei sem nada, aí pegaram um trem, botaram nós pra cá, uns para o Rio e outros pra São Paulo. E eu cheguei em São Paulo, assim que eu desci do trem eu falei: "Olha, eu quero saber onde é o centro de São Paulo." O cara mostrou: "Olha, está vendo aquela torre daquela igreja, lá é o centro de São Paulo." Eu desci no Brás, subi, e aí fiquei dormindo lá, dormi uns 15 dias lá, na porta da igreja. Era bom, que era danado naquela época. Um frio... era aí na Catedral. Um frio que Deus mandava então, dormi ali um tempão, depois fui lá pra Praça Princesa Isabel. Fiquei pra lá e pronto. Mas eu não tive muito medo de São Paulo não. Quer dizer, quando eu cheguei aqui, quer dizer, você ficou ao Deus dará, né, você não conhece ninguém, aquela vergonha de pedir alguma coisa, medo de roubar alguma coisa, a fome. Você passava naqueles restaurante, aquelas vidraça com aquelas comida lá tudo exposta, você com uma fome de morrer, vontade de quebrar um vidro daquele, mas você não podia fazer porque você não estava na tua terra, pra começar. A única coisa era chegar, sentar num canto e chorar, e chamar por mãe. Mas não podia voltar porque não tinha como... Ia voltar como? Aí tive que ficar. E estou aqui até agora.
P - Me diz uma coisa, seu Milton, o que é que o senhor gosta de fazer hoje, a que horas o senhor entra no Mercado?
R - Eu entro no Mercado às 5 horas da manhã.
P - E a que horas o senhor sai?
R - Eu saio 4 da tarde, 4:15 mais ou menos. Agora, conto o que eu gosto de fazer: jogar palito e tomar cachaça, é bom demais, bater um bom papo, ir no clube, uma coisa, é isso aí.
P - E, o senhor, quando sai do Mercado, o senhor vai pra casa direto?
R - Vou direto pra minha casa. Eu, não tenho mais aquela influência de ficar. Porque, veja só, bar, ele não traz nada de bom, você entendeu? Então a gente vai pra casa, perto de casa você tem lá um campo de bocha, um negócio, umas amizades joga um dominó, uma coisa, quer dizer, já tá formado o ambiente. Agora, barzinho, essas coisa, não tenho mais influência pra essas coisas não. Eu acho que a casa da gente é muito mais importante.
P - Seu Milton... pensando um pouco nessa história de vida aí que o senhor nos contou, se o senhor pudesse mudar alguma coisa, o que o senhor mudaria, o senhor faria de novo?
R - Ah sim Quer dizer, se eu tivesse a bagagem que eu tenho, eu voltaria a trabalhar no que eu trabalhava. Eu ganhei muito dinheiro, gente, eu ganhei muito dinheiro mesmo. Puxa vida, eu vivi muito bem, trabalhando como carregador, puxando um carrinho suado ali, uma força de gigante, sabe. Vixe Nossa Senhora Ô vida boa que eu levei naquela época, viu? Ave Maria, eu era lépido demais, tá louco, eu era o cão. Então eu gostaria de viver aquela vida lá, essa vida de hoje não é boa não, porque a pessoa vive um teatro, enganando um ao outro. Porque veja só, você tem um box no Mercado, o povo pensa que você tem milhões e milhões e se apegam nisso. Eu tenho o caso dessa mulher ai que é mãe do Rogério, essa mulher fustiga minha vida como o diabo. Ainda teve mais três anos pra ela me... você entendeu? E você tem que suportar aquilo, agüentar aquilo, porque a lei admite, admite uma mulher ser pilantra com você, você entendeu? Te coagir, porque no caso, por exemplo, eu fui levar as mesas, ontem, na casa dela, é... com o menino, "Seu filho está precisando de uma cama que não tem onde dormir" "Como, meu filho está precisando de uma cama?" Ele: "Pai, não ouve não que ela está esclerosada, deixa ela." Mas não é, não adianta ele falar, porque ela parte pra cima. E depois, disse que está tomando remédio, é... não sei o que, e que cada remédio custa 40 mil, e...sei lá, está maluca, acho que está maluca. (risos) Está pagando os pecados.
P - Seu Milton, me diz uma coisa, qual é o seu maior sonho, ainda hoje?
R - Meu maior sonho é formar o Rogério e ver o Miltinho mais o Marcelo bem estabilizado com o nome que nós temos. Eu zelo muito por esse nome, certo? Nosso nome é muito importante. É porque meus filhos ainda não tomaram conhecimento disso. Meus filhos ainda vivem agarrado na minha calça, você entendeu? Toda e qualquer coisa é: "Pai, pai, pai." Um homem com 27 anos, outro com 25, os homens não têm uma iniciativa não têm, sinceramente, não têm. Eu vejo o Marcelo e o Milton, dois moleques, Milton se quer um negócio na casa dele: "Pai, vai ver isso aqui pra mim, compra esse negócio aqui pra mim, pai." Ele não tem iniciativa de ele próprio comprar. Por exemplo, é... quebrou lá os móveis da casa dele, a mãe dele que teve que telefonar pra mim, falando que quebrou os móveis da casa dele. Ele não tem: "Pai, dá pro senhor comprar os armários pra mim, pai?" "Vai na loja, vê os armário compra e depois a firma paga." Agora, tem que ser eu, você entendeu? Então por isso que eu ainda vivo com esses cara, porque se eu sair, a queda é grande, hein. A queda é grande. Não que eu queira dizer que... porque veja só, meus meninos, meus meninos são uns menino que estudaram, eles têm um campo muito maior do que o meu. Na parte de informática, na parte de tecnologia, na parte de... Eu não, eu não conheci essas coisas, você entendeu? Então eu acho que estava na hora desses menino, eles próprio tomar suas iniciativas e dizer: "Não pai, olha, eu vou pedir um ano pro senhor. Nós vamos tocar, eu e ele. O senhor fica aí pra não ficar sem fazer nada." Porque eu também não posso ficar sem fazer... Deus me livre, Ave Maria E eu queria que... mesmo assim, meu maior... não tenho outro sonho. Porque eu não tenho, primeiramente, eu vou te contar, eu não tenho olho grande. Eu nunca tive assim ideal de ser milionário... porque se eu tivesse esses ideais, eu teria sido desonesto, entendeu? Porque eu acho que a maior bandeira do mundo é a honestidade. Então se eu tivesse, muitos dentro do Mercado, eles se arrumaram por quê? Porque prejudicaram você, prejudicaram ela, prejudicaram ele, quer dizer, então isso eu acho que não... não tem bom proveito. Mais hoje, mais amanhã você paga. Então eu não tive, vamos dizer assim, esse pensamento de ser milionário, de ter dez carro ou 12 carro, 15 carro, ou ter fazendas e fazendas... Não, eu queria comer, eu queria ter pra mim comer. Eu queria ter pra mim comer. Eu queria ter um lar pra mim viver, dizer: "Não, isso aqui está sossegado, isso aqui é meu, está bom demais." E pra mim está ótimo, eu acho que ninguém vive a vida que eu vivo. Eu tenho certeza absoluta que nem todo o mundo vive a vida que eu vivo. Eu como a comida que eu quero, faço o que quero, bebo o que quero, você entendeu? O que é que a pessoa quer mais da vida? Eu te pergunto, o que é que quer mais da vida? 54 ano, não tem muito mais alternativa Olha, só em comer bem e beber bem, o que é que você quer mais? Não precisa de mais nada. Dinheiro pra quê? Dinheiro pra quê? Quando eu tinha as ilusões do homem, andar atrás de mulheres e mulheres, talvez o dinheiro tivesse alguma influência. Mas hoje não, hoje me limitei. Tenho uma velha num canto lá, fim de semana vou na casa dela, (risos) até logo, você entendeu? Já vivi o que tinha que viver, pra que é que eu quero mais dinheiro, gente? Agora, meus filhos... meus filhos é que têm que fazer alguma coisa mais na vida. Eles têm que aproveitar esse nome, certo? Eu não Pra mim está bom demais. Chego em casa minha mãe está lá num canto - hoje não, porque hoje está doente, coitada, inclusive voltou até pro hospital de novo, ela fez uma operação aí, e infeccionou, Deus queira que não seja infecção hospitalar, e está lá novamente.
P - Ela tem quantos anos.
R - Minha mãe tem 74. Mas, minha mãe, minha mãe foi minha vida, gente Pelo amor de Deus, o que essa mulher fez comigo não existe. É tanto, é tanto que eu atribuo, eu não viver com mulheres hoje em dia, eu culpo minha mãe. Minha mãe foi boa demais comigo, eu me acostumei demais com minha mãe, então, se uma mulher gritasse comigo, eu mandava ela plantar fava e saía fora.
P - E a sua irmã?
R - Olha, eu e minha irmã, veja só, nós não somos muito ligado assim como... Eu adoro minha irmã, gosto de minha irmã, tanto que, antes de eu possuir uma casa pra mim, eu fiz uma casa pra minha irmã. Porque eu sabia que ela ia... mais hoje mais amanhã, o marido dela é um cara supertrabalhador, o cara é fora de série, mas o trabalho dele parece que não rende, você entendeu? E eu tenho certeza que jamais eles iam comprar uma casa. E minha irmã foi pro interior, viver com uma família aí, cuidar de um sítio, mais o meu cunhado, meu cunhado é...ele é pedreiro, ele é eletricista, ele é tudo. Você dá o chão ele faz tudo. E ele formou esse sítio lá, no fim o cara... deu com os pé no cara. Ele voltou pra São Paulo... e eu tinha uma certa culpa na coisa. Porque eu falei pra ele: "Oh, você está agüentando demais esse sujeito. Manda esse sujeito andar." Aí ele veio pra São Paulo e foi morar na casa de um primo, no fundo da casa de um primo. E uma vida danada, e uma reclamação, aí eu digo: "Um dia, eu vou fazer uma casa pra minha irmã." Aí um primo dele tinha aí um terreno, em Itaquaquecetuba. Fui ver o terreno. Olhamos o terreno: "Dá, esse terreno dá." Comprei o terreno, comprei o material e mandei ele tocar. Fizeram um cômodo, e uma cozinha. Entraram lá pra dentro e hoje está uma bela duma casa. Antes de eu ter uma casa eu comprei um terreno, e levantei pra minha irmã. Quer dizer, mas eu e minha irmã, nós temos uma indiferença porque, quando eu estava precisando, porque, na lógica, a filha mulher que cuida da mãe, certo? Quando eu estava precisando da minha irmã, aí estava numa vida cão, na noitada, essas coisa. Aí, uma vez eu saí do (garetão?) e minha mãe estava morrendo em casa. Eu, na hora que eu saí de lá eu digo: "Eu vou sair, eu vou embora..." Parece que eu estava adivinhando, minha mãe estava em cima da mesa caída lá. Aí, daquilo ali eu fiquei meio... aí falei com a minha irmã: "Olha, faz o seguinte, você cuida da minha mãe, que a metade da sua despesa, eu te dou." Aí ela falou: "Não, você que cuide da mamãe porque eu não vou cuidar dela pra você ficar putanhando aí pela rua." Aí nós ficamos com indiferença por causa disso, você entendeu? Mas mesmo assim, o que ela precisa de mim eu estou junto, estou junto mesmo.
P - Seu Milton, eu queria... porque o nosso tempo já está esgotando, eu queria fazer uma pergunta pra gente concluir. Eu queria que o senhor dissesse o que é que o senhor acha de deixar esse depoimento da história da vida do senhor, da atividade profissional do senhor, aqui pro Museu da Pessoa?
R - Eu não sei a quem tem conhecimento, certo? Mas a quem tiver conhecimento, se agradar, pra mim é ótimo, certo?
P - E pro senhor? Isso o senhor está dizendo em relação a pessoa que vai ouvir...
R - Veja só, veja só. Eu nem sabia como funcionava isso aqui, certo? E eu não sei, até como, até como eu vou ver isso aí. Só quando eu ver um dia, aí eu vou sentir o que eu falei aqui.
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