Projeto Um Século de Desenvolvimento Industrial no Brasil
100 Anos da White Martins
Depoimento de Nivaldo Marques Sochete
Entrevistado por Débora Querido e Consuelo Montero
São Paulo, 11 de novembro 2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número WM_HV055
Transcrito por Kelly M. Matos / MW ...Continuar leitura
Projeto Um Século de Desenvolvimento Industrial no Brasil
100 Anos da White Martins
Depoimento de Nivaldo Marques Sochete
Entrevistado por Débora Querido e Consuelo Montero
São Paulo, 11 de novembro 2011
Realização Museu da Pessoa
Entrevista número WM_HV055
Transcrito por Kelly M. Matos / MW Transcrições (Mariana Wolff)
Revisado por Bruna Ghirardello
P/1 – Primeiramente, Nivaldo, seja bem-vindo ao Museu da Pessoa. Obrigada pela tua disponibilidade, por aceitar nosso convite.
R – Eu que agradeço.
P/1 – Pra gente começar, eu ia pedir pra você falar seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Tá. O meu nome é Nivaldo Marques Sochete. Nasci dia 29 de Agosto de 1964.
P/1 – (risos) Qual é o nome dos seus pais?
R – Meu pai chamava, ele faleceu o ano passado, Osvaldo Sochete. Minha mãe é Nivea Marques Sochete.
P/1 – E eles são brasileiros?
R – Os dois são paulistas, são brasileiros, nascidos aqui no Brasil.
P/1 – E esse sobrenome?
R – O sobrenome Sochete é... O Marques, né? Marques vem por parte da minha mãe, descendência portuguesa. Meu avô materno é português, veio com seis anos pro Brasil, em 1918. Constituiu família aqui. Minha avó tem origem espanhola. Os meus bisavós por parte materna eram espanhóis. E meus bisavós por parte materna eram portugueses. Se conheceram, e casaram. Chegaram por Santos, os bisavós. Viveram, aí, muitos anos, aqui nessa região da Água Branca. Meu avô materno trabalhou 45 anos na Vidraria Santa Marina. Começou com oito anos, até aposentar. Então, só trabalhou numa empresa, é uma coisa que ele sempre valorizava muito. Eu achei muito legal, essa fidelidade, esse amor à empresa que ele tinha. Antigamente, os mais antigos, tinham essa coisa de vivenciar e viver, realmente, aquela coisa da empresa. Por parte do meu pai, que vem a parte do Sochete, ele é descendente italiano. Meu avô era italiano. E minha avó era brasileira. Eu não tive muito conhecimento. Meu avô faleceu quando eu tinha cinco anos. Meu pai nunca foi muito chegado, assim, ele gostava muito da família dele, mas meu pai nunca foi uma pessoa de muitos laços de família. Ele ia quando estava doente, tinha amizade muito forte, sim, mas não era de frequentar a casa. Então, a minha infância sempre foi mais voltada ao lado da família da minha mãe. Dos meus avós maternos, da parte da minha mãe. Do meu pai, a gente conhecia, ia, mas era muito esporádico. Festa de aniversário, meu pai, a família dele, nunca foi de a gente..., já no lado da minha mãe, sim. Mas do lado do meu pai, não.
P/1 – E eles moravam perto?
R – Moravam muito perto, até. Questão da onde eu morava pra casa da minha avó era 1800 metros, um pouquinho mais. Mas dava pra ir a pé, tranquilamente. 20 minutos, 30 minutos de caminhada chegaria lá. Mas meu pai nunca, é interessante, meu pai nunca foi, é muito caseiro, mas nunca foi muito de visitar as pessoas. Essa coisa de visitar, de ir até a casa dos parentes, sempre foi por parte das famílias da minha mãe. Muito mais unida, como família, assim. Meu pai – é interessante – eles se ajudavam muito, trabalhavam até junto, na mesma empresa, tudo junto, todos no mesmo ramo. Eu acho que até por isso eles já tinham um convívio diário durante o trabalho. Você trabalha com o irmão, vai visitar o irmão à noite? Quer dizer, você está o dia inteiro com ele, né? Todas as novidades, todas as coisas, o dia a dia, as rotinas, os problemas, nascimento, ficou grávida, tal, acho que já satisfaz pelo convívio do dia a dia. Pode ser por isso. Mas a gente, como criança, nunca tinha entendido porque a gente não visitava quase ninguém da família do meu pai. Mas não tinha nenhum problema de relação familiar. Era o jeito deles, mesmo, assim. Entendeu?
P/1 – De trabalharem já juntos?
R – É, então. Todos os meus tios trabalhavam nesse ramo, o ramo de transporte. Meu pai começou trabalhando no ramo de transporte ajudando fazendo turno com o meu tio que era o mais velho. Depois, a noite, ele trabalhava como taxista. Tinha um ponto na Conselheiro Crispiniano, lá perto do Teatro Municipal, na região. Um ponto, assim. E trabalhava com clientes certos, era quase um motorista executivo. Ele não pegava quase pela rua, assim, saía andando. Ele falava assim: “Tinha as madames, tinha as mulheres dos coronéis, tinha o pessoal diplomata.” Então, ele tinha sempre..., pegava lá no Hotel Hilton e levava no teatro. Depois... Sabe assim? Quase um motorista executivo, mas era o que eles chamavam de motorista de praça, né? Depois eles começaram a trabalhar no ramo de transporte quando a Prefeitura de São Paulo começou a fazer o novo leito do Tietê. Não sei quando, a data, assim. Mas eles: “Nós endireitamos o Tietê.” Eles cavavam o leito do rio porque o rio era muito cheio das curvas. Então, foi feito um novo trajeto, do rio mais alinhado. E esse trajeto, eles tiravam a areia do rio e levavam, desassoreavam aquela várzea, e levavam isso até pra construção civil, tal. Mas, quando era barro, quando era algumas outras coisas, levavam para algum tipo de aterro, e tal. E aí começaram nesse ramo de transportes. Aí começou. Foi aí que começou a história.
P/1 – Isso seu tio e seu avô?
R – Meu tio e meu pai.
P/1 – Seu pai.
R – Meu tio e meu pai.
P/1 – Seu avô...
R – Não, meu avô, ele trabalhava com olaria na região hoje Vila Palmeiras. Entre o bairro do Limão e a Freguesia do Ó. Na avenida ali, Avenida Nossa Senhora do Ó, mesmo, que é o bairro mais antigo de São Paulo. Ele tinha uma olaria, fazia tijolo. E, meu pai, a partir dos quatro anos, ele já começou a ajudar meu avô, ele ficava lá ajudando, eu chamava de burrico, fica puxando o burrico pra cavar o terreno, pra tirar o barro. Pra depois levar, dentro de caçambas, pra fazer a prensa do tijolo. Então, ele fala assim que ele ia pra lá quatro horas da manhã, três horas da manhã, e dormia lá, junto, assim. É interessante, essa história. Eu nem me lembrava muito, mas é isso. Assim: “Mas o senhor ajudava como?” “Eu só ficava puxando a cordinha do burrico e dando volta”. E aí, ele ia cavando, com sei lá que tipo de ferramenta que era. Mas, deve ser uma coisa giratória com uma pá, uma coisa assim. O meu avô tinha esse serviço. Oleiro, coisa assim. Era dono de olaria. Fazia tijolo, tal. Mas não me recordo. Eu me lembro muito pouco, acho que eu tinha cinco anos quando ele... Eu tenho uma ou duas imagens dele. Eu até falo pra minha mãe e pro meu pai. Não sei se confunde com uma foto que eu tinha ou se é uma imagem que eu tenho da vida real. Não sei, não me lembro, assim. Mas eu tenho uma foto dele na varanda, eu perto dele. Eu lembro bem da fisionomia. Mas, é o que eu estou dizendo, tem fisionomia de fotos, né? E fisionomia
da pessoa. Não sei. Não sei se é uma coisa real ou foi através da foto. Mas eu me lembro da casa, me lembro deles. Muito pouco tempo, muito novinho, não fixou essas imagens. Tive pouco contato com ele pessoalmente. Eu tinha cinco anos quando acho que ele faleceu.
P/1 – Seu pai e seu tio, quando que eles saíram da olaria e criaram o negócio?
R – O meu pai trabalhou até 14, 15 anos, tal. Meu tio era mais velho que ele. Então, meu tio já tinha, vamos supor lá, 18 anos, uma coisa assim. Aí, ele comprou o primeiro caminhão, meu tio. Como meu pai não tinha carteira... Naquela época autorização para dirigir, nem carteira, era uma autorização que você tirava na prefeitura, tal, uma coisa assim. Eu tenho, até... Não, mas é do meu outro bisavô. Então, ele tinha uma autorização para dirigir. Eu tenho até do meu bisavô por parte de mãe, por parte da minha avó. Ele tem uma autorização de 1900 e bolinha. Mas é uma das primeiras de São Paulo. Então, meu tio tinha essa
autorização, essa carteira de habilitação - não sei como é que chamava na época - pra dirigir. Então, ele comprou um caminhão, meu pai era ajudante. Carregava o caminhão com a pá, de areia, de terra do rio, e começava a levar. Depois, quando meu pai ficou maior de idade, naquela época eu não sei, com 18 anos, eu não sei quando é que podia tirar a carteira, aí, meu tio tinha um táxi e um caminhão. Então, eles revezavam. Quando um tava no caminhão, meu pai trabalhava à noite no táxi, né? Que chama “na praça”, com essa, aquilo que eu te comentei, com essa coisa meia motorista particular. Ele falou: “Nunca fui de andar, pegar passageiro pela rua. Era mais ponto no Teatro Municipal pros grandes hotéis, os grandes bailes, as grandes casas noturnas.” Era boate, sei lá como se chama. Mas eram os bailes, essas coisas de orquestras, bandas, essas coisas que tinham da época, lá. Aí, eles começaram a trabalhar nesse ramo de transporte, até que um dia, que foi a relação com a White, em 1954 eles fizeram o primeiro transporte de produtos. Envasado, que era o oxigênio. Tinha a primeira fábrica aqui na Água Branca. Tinha uma no Rio. Mas, começaram aqui a distribuir, que eram os primeiros cilindros de oxigênio, tal. E, em 1954, eles começaram a transportar. Começaram com um caminhão, depois dois caminhões. E aí, um ficou motorista, outro também era motorista. Depois compraram um terceiro caminhão, colocaram outro motorista. E assim foi. A partir de 1954 entraram nesse ramo que tem a ver com a White, que é o transporte de gás. Na verdade, no começo, oxigênio. Depois outros tipos de gases do ar, nitrogênio. Aí, não me lembro o histórico, quando é que começaram. Mas o início era realmente esses gases: oxigênio e gás de solda, acetileno, alguma coisa assim. Na época, acredito que era isso.
P/1 – Nós vamos voltar um pouco mais tarde nessa questão especificamente da White. Mas, ainda falando sobre seus pais, você comentou o trabalho, mesmo, do teu pai. Quando que ele conheceu tua mãe? Você sabe?
R – Sei. Meu pai, na época... Talvez eu poderia depois precisar melhor o ano. Isso aí, depois a gente vai anotar, se você me perguntar, eu perguntaria pra minha mãe, com certeza ela saberia me dar, sim. Naquela época, poucas pessoas tinham condições de ter carro. Então, quem tinha carro era quem tinha um poder aquisitivo maior, era até um status, alguém que tivesse um carro. Na verdade, o meu pai não tinha nenhum poder econômico, não tinha nenhum status, mas, até por ser o carro uma ferramenta de trabalho, ele preservava e prezava muito por aquele carro. Mas era uma coisa difícil. Poucas pessoas tinham carro. Sei lá que anos, isso. Anos 1950. Mais ou menos por aí. Então, poucas pessoas tinham carro. A minha mãe era professora de música antes de se conhecerem. Meu avô trabalhava na Vidraria Santa Marina. E posteriormente, ele abriu, junto com os outros irmãos, meus tios-avós, abriram um bar ali na Avenida Santa Marina mesmo, em frente a essa vidraria ali na Água Branca, perto da Lapa, ali. Eles abriram um bar que era um bar-restaurante, que atendia todos os funcionários da Vidraria Marina. Que meio que iam almoçar lá dentro. Ia lá, comer um comercial, algum nhoque. Naquela época, fazia aqueles pratos igual é hoje: os pratos do dia. Então, minha mãe, ela estudou música, né? E minha mãe tocava nessas bandas. Nesses conjuntos, que ela chama, nesses conjuntos musicais. Fazia bailes de carnaval, baile de final de ano, festas da vidraria. E foi convidada várias vezes pra..., chegou até a ser convidada pra trabalhar na Tupi. Na época, quem foi, foi o Caçulinha, que trabalha há pouco tempo, até, no Faustão. Mas como meu avô, naquela época era uma pessoa muito conservadora... Meu avô era analfabeto. Minha avó tinha que acompanhar minha mãe. Isso dificultava muito. E o lado televisão, rádio, Rádio Tupi, depois televisão, não era uma coisa muito bem vista na época. Uma coisa um pouco à margem de uma pessoa direita. Sei lá, né, como a gente poderia explicar isso. Então, meu avô via isso com outros olhos, entendeu? Ele não permitiu que a minha mãe aceitasse o convite de ser... Na verdade, ela tocava acordeon, como se fosse uma sanfona. Ela dava aula disso. E participava desses conjuntos. Então, ela não aceitou e aí, o Caçulinha foi convidado. Ou os dois foram convidados. E assim, acabou indo lá. Nisso, ela participou... A Vidraria Santa Marina, ela fazia na época, festas de final de ano. Porque trabalhava lá, não sei, milhares, centenas, não sei quantas. Acho que milhares de pessoas, ou centenas, novecentos funcionários. Não sei, não tenho o número na época. Devem ter até história em livros, também, de quantos trabalhavam nessa época. Então, todo final de ano, ou toda festa da primavera. Então, minha mãe foi Rainha da Primavera, ou Rainha... tem um termo. Ela ganhou um concurso de beleza e alguma coisa assim, na época. E meu pai… tinha o Benotti, que foi até padrinho da minha irmã. Eu sou o mais velho, eu tenho três irmãs. E, ele foi até padrinho de batismo da minha irmã. Esse Benotti, ele tinha um fluxo grande lá dentro da vidraria. Ele tinha um cargo, não alto, mas, assim, um cargo... E ele conhecia as pessoas. E a minha mãe ganhou esse concurso. E precisava de alguém que levasse ela até lá. Chegar que nem um carro de noiva. Que fizesse a condução dessa pessoa até chegar pra receber o cedro, colocar a faixa, num tapete vermelho. Chegar de carro. E o meu pai foi convidado. Nem foi contratado. Como o meu pai jogou futebol, ele jogava bem, chegou a ser, assim, cotado pra jogar até profissionalmente, naquela época. Mas jogava bem, foi presidente do Corinthians da Vila Palmeira. Foi presidente de alguns clubes de futebol de várzea. Naquela época devia ter muitos, né? Ele foi convidado para levar, até esse evento, parar na frente, abrir a porta, sair. E ela recebeu. Tem fotos desse evento. E aí, foi quando ele conheceu. Foi exatamente nessa coisa. Acho que não é nada bobo, né? “Mulher bonita.” (risos) Então, assim, de família super tradicional. O meu avô sempre foi, a família toda sempre foi, muito respeitadora. A gente até hoje, a gente é muito, respeita muito, a parte de cidadania. A coisa vem muito dentro do DNA da família. É muito forte, isso. Não tem nenhum parente que a gente vê que, sabe, que saiu meio errado, saiu meio fora. De tanto, sabe, tanto..., não digo cerceado, mas a gente foi colocado ali: “Não pode, não deve.” Sabe assim? Então, foi muito tradicional a nossa educação, nesse lado familiar. Aí, meu pai passou a conviver com essa proximidade. Se conheceram, começaram a namorar. Mas o namoro era na sala, aquela coisa. Eles falavam assim: que ia lá, ficava minha avó, eles, tal. Uma vez por semana. Aos sábados, num certo horário, das oito às nove, das oito às dez. Um num sofá, outro no outro. E aí, se conheceram. Namoraram alguns anos. Acho que um ou dois anos. E em 1963 eles casaram.
P/1 – Então, quer dizer que logo depois você nasceu?
R – Isso, eu nasci em 1964, em Agosto: um ano e dois meses. Eles se casaram dia primeiro de junho de 1963. Eu acho que foi primeiro de junho de 1963. Eu não tenho a data precisa, mas é um ano e alguma coisa depois que eles estavam casados eu nasci.
P/1 – Você já falou, né? Você tem quantos mais irmãos?
R – Eu tenho três irmãs. Uma nasceu em ‘965. Um ano e pouco, também, um ano e 2 meses ou 3 meses depois que eu nasci. Uma nasceu em março de ‘971. E a outra em julho de 1973. um pouco mais afastada de mim. Quase dez anos, praticamente, depois.
P/1 – Como foi sua infância, Nivaldo? Sendo filho mais velho, tendo só meninas de irmãs. (risos)
R – Só, então. Assim: quando meu pai casou, ele comprou uma casa até, não digo boa, mas era uma casa bem estruturada. Ele reformou uma casa que tinha ali na Inajar de Souza, que é a sequência da ponte da Freguesia do Ó. Uma região que tinha o rio, bem aí onde hoje é a Avenida Inajar de Souza, tem um córrego. Córrego Rio das Pedras, não sei como é que chama aquele córrego ali. Mas tem esse córrego. Então, ele comprou uma casa a margem desse rio, na rua paralela à que hoje é essa avenida. Terreno bom, uma casa boa, térrea. Uma casa até grande, terreno bem legal. Dez, 12, de frente. 30, 35, de fundo. Então, é uma casa, um terreno bom. Uma casa bonita. Ele caprichou, fez um negocinho. Casou. E aí, quando ele casou, ele mudou pra lá. Como ele era caminhoneiro, ele trabalhava já pra White Martins na época, eles faziam o transporte de oxigênios pra região de Bragança em alguns dias da semana. E fazia outros tipos de transporte, uma vez ou outra, talvez, pro Rio. Alguma coisa um pouco mais pro Vale do Paraíba, também. São José, Jacareí, essas regiões pra lá. Como não existia estrada, só existia as ruas, então, ele ia: saía daqui da Água Branca, Raul Pompéia, pegava a Pompéia, saía pela Francisco Matarazzo, ia até a Celso Garcia, cruzava a Celso Garcia, descia na... Era tudo por dentro. Não existia a Rodovia Dutra, nem nada. Então, ia por dentro da Avenida São Miguel, aí saía lá como se fosse pela Trabalhadores, ia até chegar em Jacareí, ou em Bragança. Ia por Mairiporã, por todas as avenidas. Por dentro de Santana, Avenida Tucuruvi. Esse trecho da Celso Garcia, Francisco Matarazzo, esse trecho, sim. Da região de Bragança, eu não me recordo qual era o trecho que ele comentava. E aí, ele fazia assim. Então, o que acontece? Como essa era uma viagem difícil, até pelo trajeto, às vezes, não era uma viagem que voltava no mesmo dia. Então, ele ia, pra Bragança. Hoje, vai lá e volta em algumas horas. Naquele tempo, não. Caminhões, muito mais precários, apesar de transportar cargas pesadas, caminhões à gasolina, caminhões com freio bem precários, mas bons pra época, mas precários, inviáveis pros dias de hoje. Então, ele demorava. O que acontece? Quando ele ia pra essa cidade, ele demorava um pouco pra voltar. Minha mãe ficava comigo e com a minha irmã - já nasci, depois minha irmã - nessa casa. Ocorre que, em épocas de chuva, em épocas de verão, lá enchia muito de água. Então, minha infância, assim, nessa época, era uma tensão grande. Porque meu pai deixava uma casa legal, bem montada, direitinho. Meu pai nunca deixou faltar nada, meu pai teve uma infância muito humilde. Ele falava, assim, ele nunca passou fome. Mas, ele comia fubá, e assim, aquela coisa. E comia o frango quando conseguia matar um ali que era um deles. Mas não tinha nenhum tipo de regalia, e nem de roupa. Aquela coisa, né? Camisa de saco de farinha. Ele falava, assim, que o primeiro Alpargatas Rhodia que ele ganhou, que era um tênis, que acho que era um tipo de sapato, ele já tinha, acho que, 16 anos. Sempre de chinelo de couro, feito pelo sapateiro da vizinhança, alguma coisa assim. Então, nunca teve nem sapato, nem nada. Meu pai estudou até o quarto ano primário, só. Ele era alfabetizado, tal. E constitui empresa, foi super bem. Mas ele não tinha, acima disso, nenhum tipo de formação. Aí, a infância, voltando: quando ele viajava, a minha mãe ficava com nós lá. Só que quando dava essas enchentes, ou chovia na cabeceira da serra do lado da Cantareira, ali no lado do Tucuruvi, tal, a chuva era muito torrencial lá. Essa água descia, o córrego era estreito aqui. Então, ali era represado. Ali enchia, a gente ficava debaixo d’água. Então, a minha casa enchia de água. Aí, meu pai contratou um serralheiro, fizeram uma comporta nos portões, travava. Então, assim: em época de chuva, a minha mãe tinha um kit. Isso eu lembro bem porque eu já era..., eu lembro de algumas..., porque é uma situação que te impacta muito, né? Você vê sua mãe correndo na chuva, e aquele negócio subindo, aquela aguaceira danada. Cria um trauma, até,né? Então, você, realmente... Eu lembro da enchente. Mesmo tendo depois... Quando nós saímos de lá, eu tinha seis anos de idade. Então, mesmo tendo seis anos de idade, eu consigo lembrar da enchente. A água enchia, então tinha uma comporta. Minha mãe travava todos os vasos sanitários com pano enfiado em sacos. Entupia, porque o nível da água subia por fora da casa e a água vinha por dentro. Entupia todos os ralos de chão e de pia. Com os kits que já ficavam guardadinhos. Ela lavava todos os paninhos, dobrava, e deixava num kit de primeiros socorros ali. Tinha latas de Leite Ninho, ela levantava todos os móveis. Duas latas. (risos) Ela colocava os móveis sozinhos em cima. A geladeira, vinha um senhor que morava em frente, junto com outro vizinho, e colocavam a geladeira em cima de um outro móvel pra ficar... No verão, ela já não descia mais. Ela já ficava em cima de uma mesa, assim. De um banco. A geladeira, ficava em cima. E aí, a gente ficava ali. Até que um dia, na última enchente, a água passou por cima dessa comporta, dessa barreira que tinha em volta da casa. Era toda murada, e a frente tinha esse portão, que era travado com borracha, e tal, pra água não invadir. E mesmo quando a água não invadia, a água vertia, às vezes, pelo chão. Mas limpa, né? Com pouca quantidade. A minha mãe jogava com um balde pra fora. Fazia como que um bombeamento manual, pro lado de fora, pra água não invadir a casa. Apesar de a casa ser até um piso um pouco... meio metro, alguma coisa, acima do nível da rua. Mas a água dava 90, um metro, quase, fora da rua. Então, dava muito medo. Por isso que eu lembro bem. Porque você tava aqui, eu olhava, eu via que a água tava quase da minha altura do lado de lá. Isso ficava muito medo. A minha mãe: “Volta pra dentro!” Assim, porque... Dava pra lembrar aquela água barrenta, toda... né? E a gente lá do seco, do lado de dentro. E as outras casas tudo cheio de água. Então, assim, depois dessa enchente que passou por cima, meu pai não tinha mais sossego, né? Porque meu pai, mesmo com rádios, pouca informação, na época, nos anos 1960 e pouco, tinha só rádio, mas pouca informação, então ele ficava sempre preocupado: “Meu Deus, como é que tá lá? Será que eu tenho família ainda ou perdi tudo? Será que eu tenho casa?” Porque ele viajava, e quando voltava, tava debaixo d’água. E, às vezes, tava sol aqui, mas enchia lá, lá em cima da serra. E aqui enchia tudo. Quando, essa época, essa água invadiu, assim, que chegou a molhar um pouco os móveis, perdemos algumas coisas: a parte do sofá, essas coisas que não deu pra salvar, porque punha tudo em cima da mesa. Punha a mesa, punha o sofá em cima da mesa, e todas as roupas em cima do sofá. Já ficava preparando. Não tinha sossego. Minha mãe não dormia. A gente dormia meio por cima. Como a casa era um pouco no alto, nunca perdemos de chegar a perder tudo. Mas como invadiu, meu pai falou: “Não, aqui nós não vamos ficar mais.” Meu avô morava próximo à Avenida Itaberaba, perto da 28ª Delegacia. É morro, né? Na Freguesia, também, bem próximo. O que a gente falou? 800 metros, um quilômetro, ali, por dentro. Facinho de chegar. Mudou provisoriamente pra lá, pra poder não ficar nessa situação. O provisoriamente durou eternamente. Minha mãe mora até lá hoje. Então, eu passei a morar com os meus avôs maternos, e quando eu nasci, meu avô aposentou da Vidraria Santa Marina. No mesmo ano. Quase, assim, eu nasci em agosto, acho que ele se aposentou em junho, julho. Então, foi bem a mesma coisa. Então, quando eu fui pra lá, meu avô já tinha alguns anos, seis anos, de aposentado. E ficava em casa. Então, era eu, minha avó, minha mãe, e mais três irmãs: tudo mulher. Então, assim, eu sempre cercado de muita mulher. E meu avô, esse avô que veio de Portugal, tal, avô materno. Então, nós mudamos pra lá. Minha mãe tinha, atrás da casa do meu avô tinha, uma casa de aluguel. Quarto, cozinha e um banheiro do lado de fora. Todos fora: quarto, cozinha, banheiro. Mas todos saiam pro quintal. Não tinha acesso interno. Aí, meu pai foi lá provisoriamente, durante (risos) 30 anos. 30, quase 40. Minha mãe está lá até hoje. E aí, mudamos pra lá. A minha infância foi assim. Então, meu avô, como ele era aposentado, como ele sempre foi uma pessoa de posses muito reduzidas, sempre muito humilde, sempre muito..., trabalhador, mas conquistou, na verdade, só aquela casa, onde ele morava, que ele tinha um amor por aquilo. Ele prezava muito pelo imóvel, porque era um alento da família, a segurança da família, ali. Então ele sempre foi... Ele era sapateiro da família, ele era o encanador da família. Meu avô sempre foi de muitos atributos de casa. Então, ele fazia de tudo. Meu avô entendia da parte elétrica, fazia o encanamento, trocava sola do sapato, salto. Não fazia nada pra fora, mas pros parentes, pros vizinhos, ele fazia. Sempre gostou muito de ferramenta. Sempre foi uma pessoa que teve todos os tipos de ferramentas da época. Nada elétrico, não tinha condições de comprar. Mas vários tipos de martelo, vários tipos de coisas pra fazer o sapato, vários tipos de amaciar sapato, rosca pra fazer cano, pra fazer os encanamentos da minha casa, da casa dele, né? Sempre foi uma pessoa muito ativa nessa parte de coisa. E eu herdei essa parte dele, porque desde pequeno, quando era na infância, assim, é interessante até lembrar, faz muito tempo que eu não falo sobre isso, mas, qual era a brincadeira? A brincadeira minha era: pegar uma madeira, ele me dava madeira, me dava um monte de prego, e eu pregava. Todos os pregos. Depois ele tirava todos os pregos. Meu avô viveu a guerra, muita recessão. Ele não serviu o exército porque era português, mas trabalhou no Manicômio de Franco da Rocha. Trabalhou lá como ajudante de enfermagem no tempo de guerra porque a vidraria foi fechada. Porque a vidraria, eu acho que ela tem uma descendência italiana. Acho que sim. E a Itália era, junto com a Alemanha. Então, eles praticamente boicotaram, fechou. Então, ele ficou sem emprego. Ele foi trabalhar durante um ano, dois anos, nesse entremeio, enquanto estava fechado lá, foi trabalhar como auxiliar de limpeza, lá em Francisco Morato, Franco da Rocha, onde era o manicômio das pessoas, lá, que tinham problemas psiquiátricos, tal. Aí, a minha brincadeira era essa. De ficar martelando, ele tirava. E todos os pregos ele endireitava e guardava. Qualquer prego que ele achava na rua, ele pegava, endireitava e guardava. Ele nunca comprou. As porcas, os parafusos, tudo que ele desmontava. Vai jogar uma luminária fora? Tira os parafusos, corta o fio, e guarda. Eu tenho até isso, hoje. Vira... É o que a gente falou: parece que vai pelo DNA. Porque você tem uma mania. Então, acaba virando até..., eu não sou uma pessoa que se fala assim: “Pô, mas você guarda de tudo.” Na verdade, eu não sou uma pessoa assim. Minha casa é super organizada. Só que eu não consigo jogar fora coisas que eu acho que dá para aproveitar. Eu olhei essa escultura, assim, eu achei interessante. Então, eu faço. Eu também gosto de desenvolver, de fazer, né? Eu vejo uma coisa, vejo um tripé: “Ah, isso vai jogar fora? Dá aqui que eu vou fazer uma escultura com isso.” Eu faço porque esse lado de fazer tudo veio essa da coisa do meu avô. Então, minha infância, assim, era brincar com isso. Entendeu? Minha mãe não me deixava muito na rua. Fui sair na rua, pra brincar na rua, com 13 anos. Não tinha nenhum colega. Então, era muito de casa, mesmo. Interessante, assim. Ajudava a fazer as coisas de casa. Lavar a louça da cozinha, tinha que ser eu. Era uma coisa que eu odiava, mas era obrigação de cada um, entendeu? Meu avô lavava, eu enxugava. Ou eu lavava, ele enxugava. Os homens tinham que fazer a parte da limpeza do almoço. Então, era a cargo de nós dois. Mas a infância foi legal, foi muito boa, não tive nenhum tipo de problema. Eu sempre tive muito respeito pela escola, pelo professor. A minha mãe sempre foi muito participativa na educação. Ela ia lá, na coisa. Ela perguntava. Ai, se tivesse algum tipo de reclamação, entendeu? Eu tinha muito medo. Não era só respeito, não. Tinha medo. Minha mãe nunca foi de bater, mas eu tinha um medo de apanhar. Porque a minha avó espanhola era muito brava, mas era um amorzinho de pessoa, mas a educação era muito rígida. Então, assim, até 18 anos de idade, eu não chegava..., era 11 horas, em casa! Com 18 anos de idade. Então, assim, eu nunca dormi fora de casa, mesmo com 20 anos. Eu ia pra algum baile, alguma coisa, eu tinha que voltar. Não tinha essa de liberar, entendeu? E eu não arrependo, não. Era difícil, porque meus amigos saíam, tal, tal. Mas minha mãe tinha muito medo de perder, então, ela segurou demais. Por um lado, você fica um pouco menos “do mundo”. Eu vejo meu sobrinho, agora, foi pra Austrália. Eu nunca sairia de São Paulo, por causa desse medo do mundo, porque nunca deixaram. Por um lado, eu acho que isso é um pouco ruim, mas por outro lado, não tem nenhum filho, nenhum parente, nenhum nada desandado, tá todo mundo na linha. Então, acho que serviu. Não me arrependo de nada, não, dessa fase. E depois, aí, quando começou 12 anos, aí, começa a ir na rua, jogar bola, jogar futebol no campinho. Brincadeiras tipo essas, brincadeiras de rua, tipo polícia e ladrão, essas coisas de pega-pega, bandeira, peão, essas coisas da minha infância. Pipa eu não gostava muito não, porque perdia, eu nunca fui muito de gostar de perder, você empina, o cara corta, vai embora, eu tenho que fazer outra. “Não gosto. Eu não gosto desse negócio que dá trabalho, tem que fazer de novo”. O pessoal gostava. Eu não gostava muito, não. Não gostava de empinar pipa. Foi até o ginásio, só isso: futebol..., mas sempre com horário. Entendeu? Tinha que estudar, aí a tarde minha mãe liberava às quatro da tarde pra ir jogar bola na rua. Se eu tivesse que sair do larguinho onde
estava eu tinha que ir até em casa: “Mãe, eu vou até a padaria, depois eu volto.” Se a minha mãe não visse eu no larguinho, no outro dia eu já não ia mais. Até ela me perdoar da minha falha de ter saído da asa dela. Era mais ou menos por aí. Mas a infância foi bem tranquila, mas muito caseira. Por outro lado, assim, também, eu tinha uma outra tia que morava no bairro do Limão, também próximo, que tinha seis filhos. Então, juntava minha família com eles, são dez crianças. E todo final de semana, sábado e domingo, a gente almoçava lá. Então, assim: imagina dez crianças de 13 à dois. Era de 14 à dois. Dez crianças. Era uma bagunça que por si só era uma creche inteira. Só duas famílias. Então, acho que também supria essa necessidade. Durante a semana tinha todas as coisas da escola, tal, tal, tal, colégio estadual, na verdade, foram bons colégios, mas eram estaduais. Nunca tive problema muito de séries de estudo. E aí, no final de semana, tinha essas brincadeiras com os primos, que iam na casa. E toda semana, com um monte de primo desse, e mais todos os tios, mais todas as coisas, toda semana tinha um aniversário. Todo mês era três, quatro aniversários e ia em todos. Então, assim, era muito ativo esse lance familiar, mas hoje não tem mais. A gente quase não.... Eu comemoro todos os meus. Todos, da minha esposa, da minha filha, todos. Com festa, com os amigos, com os parentes. Convido, o pessoal adora, e todos os convites que eu faço todos vem. Eu falo que isso é um problema, você convida cem pessoas e vem as cem. Aí, você gasta pra caramba. Mas vem as cem. Eu falei: “Podia faltar uns, né?” Mas não, vem. Isso é legal. Mas, então, era assim. Não teve grandes... Meu pai trabalhava de sol a sol. Meu pai nunca viajou. Nós nunca fomos pra lugar nenhum. Eu não viajo, também. Eu não conheço quase lugar nenhum. Mas, assim, também por não conhecer não me faz falta. Todo mundo fala que é bom, mas eu não... Eu viajei agora, para fora. O ano passado, pros Estados Unidos, a primeira vez que eu fui pra fora. Conheço Natal, conheço o Rio de Janeiro, porque eu fui umas três vezes a negócio. E uma vez à Campo Grande pra um casamento. Só. Conheço Campinas! Longe pra caramba. Não conheço lugar nenhum, assim. Por causa da empresa, a empresa toma o tempo, e a gente se acomoda e a gente fala assim - a empresa é quase uma bengala - assim: “Não, não dá pra largar.” E a gente acaba se acostumando a ficar, vivenciar isso. Quando você faz e você gosta, e curte, e tem uma liberdade, aquilo não é nenhum fardo: trabalhar. É legal. Então, você se diverte. Minha casa também é tranquila, que tem toda uma estrutura que eu preciso. Toda montada como se fosse uma casa de campo, entendeu? Com gramado, com carpa, com orquidariozinho. Tudo pequenininho mas eu adoro arquitetura, fiz até um curso técnico de arquitetura quando me formei no colegial.
P/1 – Nivaldo, continuando, então, você estava contando um pouquinho da vida social e familiar. Os encontros, tal. Mas eu queria te perguntar um pouquinho da tua escola.
R – Vamos lá.
P/1 – Você comentou que estudava em escola pública. Era perto da tua casa?
R – Era.
P/1 – Como era a escola? Como você ia pra lá?
R – Foi bem na época. Quando a gente saiu da casa onde nós morávamos, essa na Vila Palmeiras, onde tinha enchente, passamos a morar na casa dos meus avós maternos, que era próximo, praticamente o mesmo bairro. É o mesmo bairro. Jardins diferentes, mas
mesmo bairro, próximo. Aí, eu tava na época de ir pra escola. Eu fiz o Pré-primário, que, na época, começava no primeiro ano. Então, tinha essa: Jardim da Infância e Pré-primário. E era esse o termo a gente usava. Eu fiz o Pré, e a minha irmã entrou no Jardim de uma escola particular. Porque não existia Pré-primário e a prefeitura, não me recordo, acho que não tinha esse trabalho. Ou era creche, alguma coisa assim, da prefeitura, se tivesse. Acho que nem tinha.
Não me lembro. E, talvez, se fosse, eram muitos poucos. E tinha o Pré-primário. Aí, eu fui estudar nessa escola particular pra fazer a primeira adaptação. Que é aquela coisa: meio brincadeira, meio escola, pra entrar no primeiro ano já certo. Estudei na Escola Estadual Pasquale Peccicacco, que também fica numa travessa da Itaberaba, ali, perto da 28a Delegacia, também. Bem próximo da minha casa, 500 metros, ia a pé. Minha mãe levava e buscava todo dia. Fiz esse Pré-primário, nessa escola particular, mas devido a condições financeiras, e as escolas estaduais eram boas, saí de lá e já fui. Acho que fiz o primeiro ano nessa escola e no segundo já fui pro colégio estadual. É. Acho que sim. Se não me recordo, o primeiro ano fiz nessa escola particular. Que só ia até o primeiro ano, também. Acho que é mais ou menos por aí. E aí, não existia muitas escolas particulares na região. Do lado de lá da ponte é mais periferia, mesmo. A gente não é punk da periferia, (risos) mas é mais periferia. Aí, não tinha muita escolha, não. Então, fiz até a oitava série num colégio estadual, na rede estadual, nesse colégio na Freguesia mesmo. Depois de lá, seguindo essa mesma linha da educação, meu pai já tinha uma condição um pouquinho melhor. Já tinha transportadora. Tinha lá, sei lá, dez caminhões, ou alguma coisa assim. Já tinha uma condição um pouco melhor, financeira. Queria que eu estudasse, né? Ele sempre disse assim... Aquele orgulho do pai, queria que eu fosse alguém! Porque meu pai sempre prezava uma frase, ele falava assim... É interessante. Não sei se ele escutou, se ele inventou. Parece um chavão, assim: “O estudo é a única coisa que as pessoas não podem roubar. Eu posso deixar o caminhão, a pessoa leva. Ou eu posso deixar uma casa, mas você perde. E posso deixar um carro, a enchente leva. Mas o estudo é uma coisa que ninguém pode te roubar. Então, você vai estudar”. Nunca me forçou a escolher nenhum tipo de profissão e por eu gostar de muitas coisas, arquitetura, engenharia, eu não tinha um dom voltado pra uma área só... Administração, eu gostava de coisas de organização. Nem na área humana, nem na área médica, assim, eu não tinha uma vocação que me endereçasse. Então, eu não sabia o que fazer. Aí, minha mãe falou: “Não esquenta a cabeça. Vamos fazer um colegial. Depois,
lá, você decide Tem três anos, ainda”. “Então, tá bom”. Meu pai perguntou pra alguns amigos, tal, tal. Aí, eu fui estudar no Liceu Coração de Jesus, uma escola particular, tradicionalíssima, de padres, que alguns anos antes, sei lá, dez anos, oito anos, era somente pra homens. Depois virou misto. Foi até esse encontro que eu tive ontem com o pessoal de lá, de 30 anos atrás. O pessoal é muito unido, realmente. A gente vê que todos eram na mesma índole, na mesma característica de padrão de rigidez, porque estão todos bem encaminhados. É interessante isso, porque ninguém coloca um filho lá, porque lá... Eles convidavam, realmente, a sair, se fosse qualquer liberdade: “Não, fora, não dá, não é aqui.” Fui colocado nessa escola. Nem me consultou, na verdade. Mas também, assim: “Meu pai tá indicando, deve ser bom, então vamos lá.” Só que era muito rígido e muito puxado. Diferente, assim... Eu nunca tinha tido uma..., tive ótimos professores nos colégios estaduais, pessoal dedicado, tinham o dom do magistério. Aquela coisa de ser um mestre, ser professor, muito bons. Mas lá, era uma outra realidade, uma outra exigência. E o primeiro ano que eu passei lá foi muito difícil. Porque você vem de um colégio estadual que a coisa é ter um livro de 100 páginas, né? Você recebe 50, 60, tá bom. Lá, você tinha um de 200 e eles vão dar até o final do ano as 200. E aí, a coisa pega, né? Não é conforme o seu ritmo, é conforme o ritmo da escola. E isso eu passei muito aperto. Porque eu não sabia estudar, eu não tinha método de estudo. Eu ia bem, eu ia mal, mas eu ia. Daquele jeito que ia dando. Passava, tal, bom. Lá, não. Lá precisava de uma técnica de estudar. E aí, foi complicado, pra mim, esse primeiro ano, primeiro bimestre lá, as notas mensais, elas eram..., só passavam na reunião se o pai fosse. Se o pai não fosse na reunião, você não sabia a nota. Então, porque ele queria falar com o professor, falar o que estava bom ou não. Fiz a primeira prova mensal, e na reunião bimestral tinha quer ir a mãe lá, o pai, tinha que ir lá pra pegar a nota, pra saber. E aí, eu já fui informado, que eu tinha uma chance ainda de trocar de colégio. Porque do jeito que eu estava, eu não ia passar. Em dois meses de estudo, eu já fui alertado de que, assim: “Olha, ele não é bagunceiro. Ele não é nenhum...” Assim. “Só que ele tá perdidão.” Então, se você puder auxiliar com professor particular em algumas matérias, pra alguém dar alguma coisa pra ele, porque, realmente, eu estava perdido. Porque as coisas eram muito rápidas. Passavam lições, enfiavam pra você decorar, e você ia pra casa com aquele monte de coisa. E não estava acostumado nem com muita lição de casa, essas coisas. E aí, foi difícil. Aí, no segundo bimestre, eu já dei uma estabilizada. No terceiro bimestre eu saquei que o negócio era o seguinte: lá, as pessoas estavam lá, pra ser as melhores. Era interessante. Ninguém estava lá pra se formar. O pessoal competia internamente pra fazer o melhor trabalho. E eu sempre tive a ideia: “Não. Eu tenho que entregar o trabalho. Ou seja, cola uma figurinha, lá, e entrega.” E lá, não. Lá, cada um tinha prazer. A pessoa já vinha pra esse colégio no ginásio no primário. Eu não tinha essa idéia. O pessoal já vinha desse colégio já do ginásio, primário. Eu não tinha essa ideia de... E é muito estranho pra mim, essa história de competir. Não era nem uma competição, na verdade. Era um ego próprio, né? De você ser “o” melhor, ou “o meu trabalho”, né? “A minha apresentação desse trabalho, dessa..., tinha essa feira cultural, aqui. O meu é o the best.” E o meu era só assim, na época, né: “Não, entregou, tá bom.” E a minha mãe sempre cobrava da gente fazer o trabalho. E o meu trabalho sempre era o bom. E o meu, lá, não era nada. Então, eu tava muito longe. Aí, no terceiro bimestre, deu uma equalizada, aí eu passei. No quarto bimestre a coisa foi melhor. Fiquei, acho, que de recuperação em algumas coisas, mas deu pra passar. E aí, aí, já no segundo ano do colégio no Liceu, eu já tava mais inserido no contexto do colégio, nas exigências do colégio. É a melhor fase da minha vida, realmente. Acho que essa fase da adolescência, e tendo um colégio daquele nível, é onde eu guardo as melhores recordações. Eu não tenho muitas recordações de faculdade, que a faculdade foi uma coisa..., era muito cada um por si, sabe, assim? Era meio disperso. Lá, não. Lá o pessoal era unido em tudo. Até o jeito das pessoas. As pessoas tinham a mesma vocação. Parece assim: as pessoas eram mais religiosas naquela época. A gente tinha muito essa coisa da religião. O estudo, também, era muito voltado. Hoje, são pessoas são bem-sucedidas, até. A gente conhece alguns que são até bem-sucedidos na área que enveredaram. Interessante. Agora, na faculdade, não. Acho que era muito cada um por si. Eu não fiz muitos laços de amizade. Eu não sou muito fácil de fazer amizades. Faço boas amizades. Amizades verdadeiras e longas. Conheço muitos colegas. Mas amizades grandes assim, não.
P/1 – E ainda do Liceu, você participava da banda, do teatro?
R – Lá a gente tinha que participar praticamente de tudo, porque tinha essas feiras culturais. Como eu não era Liceano do começo, tinha o coral, tal, mas as pessoas já estavam num nível superior a esse tipo de canto. Então, quem era Liceano, lá, já participava. Eu não participava. Eu sempre gostei muito de esporte coletivo: vôlei, basquete, tal. Então, eu participava desse tipo de coisa. Então, ficava lá nos finais de tarde, às vezes dava treino pro pessoal, eu sempre gostei muito desse tipo de esporte, esporte que se relaciona. Não gosto de natação, eu fiz natação, mas acho um saco ficar lá nadando sozinho. O meu negócio é coletivo. Conversar, discutir, brigar: “Vamos!” né? Aquela coisa mais coletiva. Então, eu participava de todos os eventos. Tinha teatro, a gente fazia oficinas de teatro, lá. Tinha pessoas muito boas, nessa área, também, que já faziam curso. Então, a gente sempre fazia aquilo que, não que sobrava, mas assim: “Eu vou organizar isso aqui.” Então, por exemplo, na parte de teatro, eu sempre fui a pessoa que desenvolvia o cenário, como fazer o negócio cair, inventava uma neve: “Deixa comigo que eu faço essa neve cair.” E fazia a parte de cenografia: “Pô, como é que a gente vai...?” “Não, eu sei. Espera aí.” Me empresta uma lâmpada, liga um fio, e saía lá o cenário. Então, eu fazia essa parte meio técnica. Não atuava, praticamente. E o trabalho, também. O pessoal às vezes fazia o trabalho, estava na hora de apresentar: “Quer que eu apresento, eu apresento. Não tenho muita vergonha de falar lá.” Então, eu vou lá e falo. O pessoal: “Ai, não quero” e tal. “Não tem problema. Aí, eu vou lá e leio, não tem problema.” Então, eu participava. Aí, teve amizade com os padres. Participava de alguns encontros de jovens, esse negócio que tinha lá, bastante. E ficou ativo nessa parte. Os padres gostavam. A gente tinha um relacionamento muito legal com alguns padres. Outros eram mais rígidos. Mas, foi bem legal. Foi uma fase muito boa. Eu guardo muito boas recordações de lá. A gente não aprontava, praticamente. Não tinha nada que a gente aprontava, aquela coisa de adolescente. Mesmo sendo tão respeitador, é interessante como a fase foi boa. Tanto que a gente mantém a amizade com esse pessoal – a gente resgatou alguns – e mantém a amizade até hoje. Então, essa parte do colégio foi assim. Depois, aí, passei. Não sabia qual era a minha vocação, continuava perdido. Porque eu gostava muito de esporte, queria fazer Educação Física, mas: “Ai, caramba, ser professor de educação física. Será que é isso?” Só que eu não tinha, assim... Eu tinha colegas que eram nadadores pelo Pinheiros. Então, assim, esse cara poderia realmente ter uma profissão como esportista. Nunca fui bom jogador de futebol. Jogava vôlei razoavelmente bem, mas também nunca treinei pra ser profissional. Basquete eu brincava legal, mas também não tinha altura nem coisa pra ser profissional. Então, assim, educação física, acho que não dá. Aí, Medicina, nunca..., não tem nenhum médico na família, não conhecia, nunca pensei nessa área: a parte biológica, médica, assim. Advocacia, não tem nenhum advogado na família. O pessoal, todo mundo, trabalha em empresa. Não tem nenhum tio com formação superior, nenhum parente, assim, com formação superior, que pudesse você ver aquela pessoa: “Oh, que legal a profissão.” A gente não tinha esse embasamento. Então, fiquei realmente perdido nessa parte. Eu fiz o curso técnico de arquitetura. Falei: “Pô, eu gosto.” Eu gosto muito de arquitetura. Falei: “Essa é uma área que deve pra mim.” Só que como o meu pai tinha essa parte de empresa e eu não sabia o que fazer, não tinha certeza se eu queria ser engenheiro, arquiteto, ou fazer administração, eu já pensei o seguinte: “Meu pai vai largar isso aí com quem?” Foi mais ou menos assim. Mais pelo meu pai, na verdade. Porque meu pai sempre foi muito responsável e deu tudo pra gente, o que ele podia dar, meu pai sempre deu. Parece uma coisa que depois com o tempo a gente pensando, eu pensei mais nele. Falei: “Poxa, preciso ajudar ele. Vou fazer Administração.” Aí, eu resolvi fazer Administração de Empresas. Mas não pensava nem muito em trabalhar lá. Mas, assim, eu achei que é uma área que ia trabalhar em vários setores, então, eu resolvi fazer Administração. E, depois eu comecei a fazer Administração, fiz, tava cursando. Aí, eu falei: “Vou prestar um concurso público”. Eu ia bem. Eu acho que eu tinha condições de conhecimentos pra prestar um concurso público. Aí, eu prestei pra Polícia Federal. Passei na Polícia Federal, pra trabalhar. Na Polícia Federal. Aí, meu pai me convidou pra trabalhar na empresa. Aí, eu falei assim: “Eu vou ser policial federal ou trabalhar com o meu pai?” Porque uma vez eu fui na empresa, lá, na oficina, e eu vi assim: cada um anota do jeito que quiser, a manutenção do jeito que é, vamos que vamos, sabe assim? Não tinha nenhuma organização, e eu já estava fazendo administração dois anos. Eu falei: “Caramba, ninguém anota nada. Ninguém controla custo, ninguém controla nada, nisso aqui. Vai ser difícil ir pra frente esse negócio...”. Falei:
“Pai, o senhor, alguém precisa anotar, pra saber o que gastou, pelo menos pra pedir garantia de alguma peça. Porque quebrou, troca. Quebrou, troca de novo. Quebrou, troca de novo. E aí?”. O cara lá, né? Aí, ele falou: “É mesmo, poxa!”, mas ele não ficava lá, vinha pessoas de muita confiança, então não era que estava sendo desviado, a preocupação não era nem essa, a preocupação era ver porque que quebra tanto. Então, vamos mudar, né? Se quebra tanto, é uma outra causa. Eu dei um monte de ideia pra ele. Aí, ele falou assim: “Não, então você vai lá e arruma esse negócio, aí, fica lá.” Só que nisso saiu esse concurso e eu fui aprovado. Aí, eu fui fazer. Fui chamado na superintendência aqui no Largo do Paissandu, fui chamado pra assinar. Porque quem é que presta pra alguma coisa, chega lá e fala que não vai? (risos) Vai lá pra assinar. Minha irmã trabalha lá até hoje. Minha irmã também passou. Aí, eu cheguei lá, eu lembro que era um japonês que era o delegado, ele falou: “O senhor assina aqui, o senhor tal”. Mas uma coisa que me foi um divisor de águas, que era muito relativo à minha educação, também, foi o seguinte: “Na Polícia Federal você pode trabalhar em qualquer lugar”. “Como assim, qualquer lugar?” “É, você pode ser delegado no Belém.” “Mas eu não vou ficar aqui na Freguesia do Ó?” “Não. Conforme você for locado.” Eu falei: “Como assim? Eu estou namorando, aí mandam eu pra...” “É.” Aí, aquilo, eu já falei: “Não, eu não vou sair da Freguesia.” Sabe assim? Aquela coisa que está arraigada. E como tinha essa outra proposta, eu falei “não”. Ele falou assim: “Moço, você presta bem atenção. Se você assinar esse negócio que não quer, eu nunca vi isso, mas se você quiser assinar...”. Ele falou assim: “Pensa bem”. Eu falei: “Não, não, não. Não vou mudar de estado. E não me vejo uma pessoa que constitui uma casa, uma família, ou sei lá o que, e de repente pega a família, a filha, o filho e vai pra Bahia, ser delegado na Bahia. Aí, fica lá um ano, e daqui a pouco vai ser delegado, ou sei lá, vai ser agente federal em Santa Catarina daqui dois anos.” Entendeu? Não me vejo uma pessoa assim. Aí, eu assinei e ele falou: “Olha, então tá bom. Só que você vai ter que prestar outro concurso, porque depois não pode voltar atrás”. “Pode ficar tranquilo.” Aí, eu comecei a trabalhar na transportadora. Comecei a trabalhar lá, aí eu passei a estudar a noite.
P/1 – Aí, você ainda tava na faculdade?
R – Fazia Administração. Já fazia, acho que, o terceiro ano de Administração. Aí, eu mudei. Porque eu fazia diurno. Eu tinha prestado PUC. Eu tinha prestado Mackenzie. Prestei uma faculdade em Osasco que era pela Fundação Bradesco. Eu passei em todas. Mas aí, assim, eu fiz Administração na Oswaldo Cruz. Você vê, a Oswaldo Cruz. Eu passei na PUC pra fazer noturno, mas minha mãe queria que eu fizesse... Eu prestei pra noturno, só que eu não passei na noturno, mas passei super bem na diurno. Só que aí, falaram pro meu pai que a Oswaldo Cruz era a melhor faculdade. Mas, era a melhor faculdade de Química! Porque todos os funcionários da White tinham se formado na Oswaldo Cruz. Você vê, assim, eu era tão alienado, eu deixava tanto a conta da minha mãe, que mesmo assim... Tinha cursinho, mas: “A
Oswaldo Cruz é a melhor faculdade que tem. Então, vou fazer Oswaldo Cruz.” Foi muito boa a faculdade. Não acho que foi ruim, não. Mas eu podia ter feito PUC. Eu podia ter feito (risos) Mackenzie. Mas, assim, eu fiz Oswaldo Cruz porque ela era a melhor faculdade. Só que de Química. (risos) Todos os funcionários da White... Até a White intercedeu na minha trajetória acadêmica. Acabei indo pra Oswaldo Cruz. Aí, depois eu falei: “Pai, a
Oswaldo Cruz é a melhor de Química, não de Administração.” “Ah, agora já tá lá.” Então, acabei indo pra Oswaldo Cruz nessa fama. Tanto que eles falaram assim, ó: “Teu filho acabou a faculdade, lá, qualquer coisa, ele pode trabalhar aqui na White. A gente arruma um lugar pra ele aqui. Porque você sempre falou dele, tal, tal, tal.” Então, o meu pai tinha uma consideração muito grande com o pessoal. Mas acabou trabalhando na transportadora. Comecei lá como ajudante. Não ajudante de manutenção, mas eu ajudava a ponto de aprender, realmente. Tive sempre essa vocação de por a mão na graxa, assim, mas pra aprender. Eu não fazia, eu não era... Só que: “Me ajuda lá, vamos lá. Vamos por um motor”. “Vamos lá.” Eu entrava debaixo e sujava. Colocava roupa, também. Normal! Mas falar: “Ah, eu trabalhei como ajudante.” Eu era o ajudante, mas a minha profissão... Eu não era registrado como ajudante, mas era como ajudar. Tava lá: “Vamos ajudar.” Aí, passei a ajudar. Na oficina, mesmo. Aí, comecei a ajudar, comecei a entender como é que era a mecânica, como é que eram os motores, tudo. Aprendi tudo. Aí, depois comecei a organizar compras, aí, fiquei só mais comprador. Parei de ajudar, fazia socorro, vivia 24 horas no ar, fazendo socorro de caminhão. Aí, parei. Aí, começou a crescer um pouco mais, aí, comecei a organizar a parte de compras, e tal. Aí, depois, montei um escritorinho lá só pra mim. Porque não tinha nenhum tipo de controle, comecei a fazer uns controles, comecei a instituir algumas coisas na empresa porque... Na verdade, era difícil. Porque a ideia do meu pai, do meu tio, era aquela coisa assim: “Não, sempre funcionou assim. Sempre...” E era difícil trocar a ideia deles. São muito teimosos, né? Mas aí, a gente foi trocando, aos pouquinhos foi trocando. Tinha uns arranca-rabo, às vezes, com o meu tio, mas a gente acabou indo, foi conseguindo colocar algumas técnicas, algumas coisas que a gente aprendia, e algumas coisas mais modernas. Porque ficou muito tempo parado, em cima de uns dogmas que eles achavam que era daquele jeito, sempre foi assim, nunca vai mudar. Mudava muito pouco, né? Hoje muda muito rápido, mas naquele tempo mudava muito devagar. E aí, foi. Foi assim, nessa parte. Aí, depois, eu continuei. E assim que eu acabei Administração, eu prestei Direito. Aí, passei. Aí, fiz cinco anos de Direito, formei. Aí, o que acontece? Aquela coisa do saber estudar, do saber aprender, aí, eu nunca mais tive problema, entendeu? Todas as faculdades era assim: chegava lá já tá tudo pronto, acabou, fechei, acabou. Nem recuperação, nem nada. Nunca fiquei de nada. Entendeu? Fiquei em uma DP, uma vez, em Marketing. Que o professor me deixou, isso é óbvio. Eu entrei com um processo contra ele no MEC [Ministério da Educação]. Ganhei o processo porque não tinha o menor cabimento ele ter me reprovado direto, ele me reprovou direto porque ele tinha que ir pro Rio, era carioca. E ele passou assim: tinha 100 alunos na classe; 60 passaram, 40 repetiram. 40 abaixo de três. E 60 acima de sete. Eu falei assim: “Senhor, mas nem... Não existe isso. Isso está mais do que óbvio que, aqueles que iam ficar lá, o senhor achou...” Aí, meu trabalho, tinha feito um trabalho super bom: “Professor, o senhor pode me deixar de recuperação, nunca fiquei. O senhor pode até me deixar. Mas me repetir direto o senhor não vai me repetir.” E eu fiz a DP num horário de manhã, entrei com um processo contra ele no MEC. (risos) Arrumei a prova, o trabalho que eu tinha feito, que o trabalho estava totalmente certo. Arrumei na secretaria, a menina, lá. Conversei com ela, ela me deu, eu levei, coloquei no processo. Queriam saber como é que eu tinha arrumado trabalho. Falei: “Não interessa, o trabalho, eu arrumei.” Porque a menina achou que era uma puta sacanagem que tinham feito comigo. E ela me arrumou: “Ó, fica quieto, tira xerox.” E aí, eu provei. E depois me deram. Mas já tinha passado, também. Já era em Agosto do outro ano. Mas eu, então, assim: eu aprendi a estudar. Então, aí acabei me formando, depois prestei a OAB [Ordem dos Advogados do Brasil], passei, também. Aí, acabei. Mas não atuei nessa área.
P/1 – Porque você foi fazer Direito?
R – Então... por que eu fui fazer Direito? Na empresa, eu percebia que meu pai sempre deu muito valor ao doutor, assim. Aquela coisa do advogado. Ele sempre achou muito bonito. E ele saber, assim, que você não vai ser enganado, você não vai ser passado pra trás. Você é alguém. Sabe aquela coisa, assim? Porque antigamente eles, coitado, ele nunca foi ninguém. Ele achava que por não ter estudo nesse nível ele nunca foi ninguém. E ele era uma pessoa muito especial. O pessoal sempre gostou muito dele. Mas ele, ele achava que não era ninguém. Então, quando eu prestei Direito, que eu falei que eu tinha passado, porque eu prestei quietinho. Eu acabei, me matriculei nos vestibulares, tinha poucas faculdades particulares, até, na época, também. E aí, eu acabei passando, fiz. Quando eu falei que tinha passado, foi o maior orgulho pra ele, eu ter passado. Então, por que eu fiz? Porque tinha umas coisas na empresa que vinha de cima pra baixo. O advogado falava: “É assim mesmo.” E eu achava que não era assim mesmo. Não podia ser assim mesmo. Tinha algumas coisas que eles tinham que correr atrás, mesmo que fosse pra brigar com o fiscal: “Ah, o fiscal é assim. O governo é assim.” Sabe aquela coisa? Fica fácil. O governo cobrou a CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão]: “Ah, então tá bom.” “Paga?” “Não.” “Tá na lei?” “Não tá, não paga.” Vamos brigar. Eu sempre fui muito contestador nessa fase. Respeitava, mas contestava. Aí, eu falei: “Não, tenho que aprender esse negócio.” E foi aí que eu resolvi fazer. Não era somente pra... Por um lado era pra agradá-lo, sim, porque eu achava que ia ser um prazer. E sempre foi, ele sempre falou com muito orgulho de mim. E por outro lado, era pra ter esse embasamento, entendeu? Menos, falar menos comigo. Fala menos. Porque o cara vem, então você fica meio intimidado. Eu sempre fui muito tímido, nessa hora, não, nessa hora você impõe os seus pensamentos ou a sua ideia, e aí briga. Briga judicialmente, vamos brigar. Então, foi nesse sentido de ajudar, e ajudou muito. Porque nós mudamos o escritório de advocacia, nós mudamos toda, toda a gestão da empresa, entendeu? Eu mudei. E isso foi uma, eu digo modéstia a parte falando - as pessoas podem não analisar assim, sei lá - mas modéstia a parte falando, fiz uma diferença da água pro vinho em relação à continuidade da empresa, o crescimento da empresa. Infelizmente, assim, de repente um pouco mais tarde, poderia ter sido feito isso antes, a empresa poderia estar maior, tal. Mas foi feito e, realmente, nós não temos problemas. Toda aquela parte trabalhista não temos problema. Não tem problema de ação trabalhista. Não temos problema de nada. Tá tudo, sabe assim? Porque quando você sabe do outro lado... E eu não atuo como advogado da própria empresa. Tem pessoas que atuam pra isso. Mas eu não digo Amém: “Doutor, não. Não é assim. A defesa que eu quero é essa. A defesa que eu quero que o senhor faça é isso. Vai nesse, porque eu conheço o negócio. E eu sei qual que é a verdade.” E eu tenho que explicar pra ele. Então, fica difícil. Então, eu já falo: “Ó, é assim, assim.” Faço um roteiro: “Vai nessa linha que a gente vai ganhar porque ele está falando abobrinha. Não devemos nada disso pra ele. Ele não fez nada disso.” E aí, foi o porquê eu estudei. No caso da advocacia, sim, aí, eu já estudei pra melhorar a performance, realmente, na empresa, pra esse lado.
P/1 – E aí, naturalmente, você foi assumindo outras funções dentro da empresa?
R – Exato. Então assim: eu estava lá de ajudante, depois eu saí, comecei a sair junto com o mecânico socorrista. E via, tinha festa de meu aniversário, todo mundo em casa, e eu socorrendo caminhão. Cheguei dez horas da noite, não tinha nenhum problema. Eu tinha orgulho de fazer aquilo e eu gostava de fazer aquilo, aí, trabalhava bastante, ganhava muito pouco. Porque a empresa tinha uma dificuldade muito grande. Meu pai sempre me pagou meu estudo, meu pai sempre me deu de tudo, eu não tinha porque ter salário alto. Então, sei lá, ganhava menos que salário mínimo, lá, era quase uma mesada, eu não tinha porque pedir, porque eu sempre tive tudo, meu pai dava a roupa, minha mãe comprava... Não tive muito essa coisa de correr atrás, porque ele me dava. Então, mesmo eu trabalhando, o meu salário não era... Porque a empresa não precisava desse tipo de coisa, com o passar do tempo, eu passei a, o que eu falei, passei a controlar o escritório, aí, montei um escritório na parte da manutenção, fiquei como, vamos supor, encarregado da manutenção, aí, eu fiquei como compras. Aí, eu virei a parte administrativa, eu fui tomando conta. A parte de transporte, a parte de logística, assim, eu nunca intercedi muito em relação a isso, mas a parte administrativa, comprei o primeiro computador, ninguém queria: “Onde já se viu?” Tal. “Não, temos que controlar. Não dá mais papel.” Aí, foi. Entendeu? Aí, foi, foi, até que a empresa passou por uma dificuldade muito grande, também, nos anos 1990, com o falecimento do meu tio, que era um dos sócios. Passou por uma... E eu precisava, porque eu já estava lá há 15 anos ganhando nada, muito pouco... Até que eu pedi pra sair. Eu falei: “Olha, eu tenho duas faculdades, eu tenho muito conhecimento, eu tenho um monte de mercado pra correr atrás e vocês não tem condições de me pagar um salário digno do que eu preciso. Porque eu preciso tocar minha vida, né? Eu preciso não ganhar mais carro, eu preciso comprar um carro, estou namorando, preciso casar um dia. Sei lá, eu preciso comprar alguma coisa pra mim.” Eu não posso pedir lá: “Pai, me dá uma casa, me dá um carro, assim, porque o meu salário é pouco. Então, eu sei que a empresa não tem condições de aumentar o meu salário à altura do que eu preciso ganhar. Um pouquinho mais, pouquinho, Mas, não dá. Então, eu vou sair.” Aí, que a minha tia na época era a que estava mais coordenando porque o meu tio era majoritário na empresa. Ela falou pra mim: “Não sai. Não, não sai.” Falei: “Tia, não dá.” “Se você sair, aí não dá mais. Porque a única pessoa que dá pra confiar nessa parte administrativa é você.” Então, eu falei: “Tá, mas e aí?” “Não, aguenta a mão que a gente vai ver como é que vai ser daqui pra frente.” Mas aí, houve um problema de primo, e aquela coisa que quando falece um dos sócios, meu pai tinha uma relação de confiança, os dois irmãos tinham uma relação de confiança, que não tinha documento, que não tinha contrato que valesse mais que o fio de bigode, que nenhum dos dois tinha, mas não tinha nada. E depois do falecimento, tudo isso vem à tona, entendeu? Coisas que estavam combinadas não estavam mais combinadas. E aí, gerou um stress familiar. Uma coisa bem chata, na verdade, então, a gente abriu mão de muita coisa e a empresa quase, na verdade, quase fechou. Até que o meu pai, um dia: “Ah, então, vamos fechar isso aqui.” Foi em 1995 pra 1996. Eu tô fugindo ali, no caso, da coisa, mas de 1995 pra 1996, a gente quase fechou, porque quem era majoritário achava que tinha que fazer de um jeito, só que, administrativamente, aquela quantidade de pessoas, aquele monte de gente trabalhando lá dentro, aquela parte da administração lotada de gente, não dava pra sobreviver: “Ah, então vamos fechar.” Aí, meu pai falou: “Ah, vamos fechar. Aí, eu volto a ser motorista de praça, você trabalha fora.” Falei: “Pai!” Aí, foi muito legal, assim, porque ele falou: “Não. Eu tenho que sustentar as suas duas irmãs menor. Você e sua irmã maior já estão um pouco, mas eu pago a faculdade, tento pagar, não tem problema, não. Eu começo de novo.” Aquilo foi muito... Até me emociona, porque foi muito difícil de escutar. Tantos anos empenhado naquilo, ser jogado assim. Aí, eu falei: “Não, vamos...” - até me emociona - “Não, vamos correr atrás disso.” “Pô, mas nós não temos condições.” Falei: “Temos condições. Nós vamos ter que sacrificar..., a administração, aqui, nós vamos ter que se sacrificar cortar, acertar.” Fiz umas contas. Eu lembro que eu falei pra ele assim: “Ó, perdido por dez, perdido por mil. Só que nós não vamos abandonar esse barco.” “Nós não temos condições”, ele falou assim. “Nós temos condições. É só trabalhar, correr atrás.” “A gente compra a parte dele.” “Como?” “A gente não tem dinheiro nem pra...” É, não devia pra ninguém, nunca devemos um título, uma nada. “Mas aí, como é que vai comprar uma parte da empresa se não dá pra sobreviver, não tá dando pra pagar as contas?” Paga só as contas, vamos falar assim. “Não sobra mil reais, mil cruzeiros, sei lá quanto que era. Não sobra! Como é que vai comprar a outra parte?” “Não sei, vamos fazer um plano, uma gestão de mão de obra, cortes aqui, na carne. Vamos enfrentar de frente. Não tenho salário, pra mim não tem que cortar mais nada, então vamos fazer.” Aí, foi o que eu fiz. Idealizei o negócio. Falei: “Vamos lá. Manda a família toda embora, porque tem um monte de gente.” Tinha dois gerentes, dois administradores, dois faxineiros, dois copeiro, sabe? Dois tudo. Tudo tinha dobrado. “Corta. Chama os funcionários. Fala qual é a realidade, se eles têm condições de ajudar.” Assim: “Vamos trabalhar, vamos não sei o que lá, porque a realidade...” Sabe, assim? Explica, pra ninguém falar: “Ai, vai falir, eu vou correr”, “Antes que apague as luzes e eu fique sem receber.” Explica a real porque eles vão saber entender. Aí, assim, fiz uma reunião com todo mundo: “Quem tá junto, vamos.” “Estamos juntos.” “Vamos juntos.” Aí, foram as pessoas que mais ajudaram. Foram as pessoas que mais ajudaram, foram os próprios funcionários, que gostavam do meu pai, da família, mesmo, a gente não tem nada a falar, mal, da outra parte. O problema era administrativo: uma pessoa queria de um jeito, outra pessoa queria de outro jeito, até aí, não dá, cada um puxa pra um lado, não vai a lugar nenhum. A gente comprou, em 1996, a outra parte. (risos) Não sei nem como: “Queremos comprar esse negócio, aí. Vamos comprar.” A gente comprou. Puseram o preço. Pagar em 18 vezes. Então, vamos fazer. Aí, aí começou tudo de novo, todas as dificuldades pra poder... Meu pai voltou a trabalhar na parte manual, de ir lá pra baixo. Impressionante, assim, a força que ele tinha, assim, de... E exatamente assim. Eu não tive essa postura, e tenho orgulho dele, porque eu não tive essa postura porque eu ficava na parte administrativa, mas, eu ficava atrás da mesa, bonitinho, assim, né? E meu pai lá, no pesado, porque isso fazia com que os funcionários tivessem respeito por ele, e trabalharam. Não tem problema. Chegou um dia, no 13º no primeiro ano, falou assim, ó: “Nós não temos condições de pagar o 13º pra todo mundo. Assim, nessa condição que tá hoje. Não temos mais de onde pegar dinheiro. Pegamos do banco. Estamos pagando rigorosamente em dia as prestações dos sócios, lá, há 8 meses. Só que não temos o salário do 13º.” Aí, ele chamou os funcionários e falou assim, ó: “Quanto que você pode? Quanto? Você precisa ganhar quinhentos.” “Se o senhor me der 200, já...” “Nós vamos pagar.” “Tá bom, pra agora.” 200, 300, 100. “Eu não preciso de nada. Tô tranquilo.” Fizemos aquilo, pagamos exatamente aquilo, passamos... Na segunda parcela conseguimos passar uma boa parte. Ficamos devendo pra eles, a única coisa que a gente ficou devendo, quando foi em março, pagamos tudo aquilo que devia, lá: “Ó, tá aqui os seus 300, mais tanto.” Foram as pessoas que, exatamente assim, ajudaram, assim, na carne. Falou assim: “Não, eu...” Alguns falaram: “Não, preciso de tudo, porque tal.” Tudo bem. Não é que o cara não quis colaborar, mas ele não quis colaborar ou não podia colaborar. Mas a grande maioria colaborou. Foi essa coisa de abrir mão de um processo. Nós não infringimos a lei moral, porque nós falamos assim: “Você topa não receber o 13o desse mês pra ajudar? Topa?” E aí, toparam. E aí, foi. Conseguimos passar. Pagamos tudo, pagamos banco, pagamos não sei o que lá, em dois anos. A White Martins, na presença até de um dos diretores, do Bortoleto, nós falamos: “Oh:” - que hoje ele é diretor, era gerente - “Nós precisamos de uma ajuda. Não precisamos de dinheiro, precisamos de uma ajuda.” “Ah, mas a perspectiva de você nos mandar embora, ou de cortar o nosso serviço.” Sabe, assim? “Porque nós vamos fazer essa besteira aqui?” “Vai, que vocês prestam bom serviço. A gente não... se depender de mim, lógico, nem sabe se for, mas se depender de mim, a gente mantêm vocês no trabalho que vocês hoje fazem.” “É isso que a gente precisa. Uma confiança de que eu estou com o meu emprego garantido. Vou comprar aquele negócio.” “Você me garante?” Sabe assim? “Ó, chefe, eu vou comprar uma casa, dá pra mim trabalhar, você pretende...?” “Não, não, tá tudo...” E aí, foi assim. A gente comprou. E aí, cresceu. Estamos tocando aí. Todo esse tempo, aí, com a própria White, que é o nosso, praticamente o único cliente. Temos alguma outra coisinha, mas é 100%, praticamente. É difícil trabalhar pra um concorrente, não permite o contrato, você é especializado em gás, não pode trabalhar pro concorrente. Não dá pra trabalhar pra mais nenhum, entendeu? Mas é uma parceria boa. Muito boa. De 1954 pra cá já é um bom tempo, né? Mas não é da minha época, mas já faz tempo.
P/1 – Nivaldo, você estava falando, então, das transformações da empresa. Só pra ficar claro: quando vocês compraram a empresa, ela diminuiu, então? O corpo de funcionários?
R – Sim. Que a gente falou assim: tem que dar um passo atrás, que aqueles ditados, assim, tem umas coisas que funcionam muito bem, você tem que dar um passo atrás, pra vislumbrar o que vem pra frente, pra poder ir com mais força. A gente enxugou o quadro de funcionários. Dispensamos algumas funções que não tinha uma quantidade de serviço. Ou seja, um funileiro: era pra reforma dos próprios caminhões, não era prioritário naquele momento. Então funileiro, pintor, essas coisas, que a gente tinha nessa estrutura, foi extinta, esse cargo, lá. Não existia essa posição, não precisaríamos disso. Como eventualidade, um encostãozinho, alguma coisa ali. Contrataria alguém de fora, não ter que pagar um funileiro mensal. O quadro de mecânicos diminuiu também. Aumentou o serviço praqueles, mas a gente conseguiu conciliar. A parte administrativa eu praticamente zerei tudo, como a maioria era parentes, tal, foi todo mundo dispensado. Então, fiquei com tudo. A verdade, assim: segura tudo, vira a noite, aí, e fica. Entendeu? Não tem outra saída. Nós tínhamos que diminuir. Porque assim, nós tínhamos um valor de prestação a pagar. Então, nós fizemos uma conta, o salário daquele lá é mil, o salário daquele lá é 2000, o salário daquele lá é 1500, o salário daquele é quinhentos, quinhentos, quinhentos. Somando, deu 15 mil. Então, tá bom, esses já vão embora. Temos 12 mil. Temos que achar mais sete mil. Então, aí é onde que a gente correu atrás. Alguns caminhões a gente perdeu, teve que diminuir algumas coisas que não eram muito rentáveis, decidimos por abrir mão. Nós ficamos patinando um tempo porque poderíamos ter crescido. Mas, como nós não tínhamos capacidade de investimento, a gente ficou ali né? Com as mesmas ferramentas, com os mesmos caminhões. Já dando problemas, mais velhinhos. Mas, a gente ficou patinando. Porque nós tínhamos que desviar, remeter essas receitas pela compra da empresa, pelo restante dos 60%. O meu pai, ele tinha 10% em contrato. Minha tia tinha 30% em contrato. E meu tio tinha 50% em contrato. Na verdade, a empresa era meio a meio. No acordo de cavalheiros. Mas, em contrato o meu pai tinha 10. Um dia ele passou a ter 40. Ah, passa lá, pronto. Porque na verdade era essa a ideia. Porque o meu pai, realmente, era quem trabalhava, meu tio tinha problema de saúde, ele praticamente não ia pra empresa há muitos anos, mas era aquela coisa da confiança de família, de irmão, de confiar. Quando houve o falecimento desse meu tio, ficou 60-40. Então, nós tínhamos que comprar 60% da empresa. E o investimento da empresa em caminhões imobilizados, é um investimento alto. São caros, são valores elevados e com o frete muito competitivo, e o valor não muito alto, o frete não é, é um frete que a gente pode dizer, assim, até baixo, em relação ao mercado, então, era difícil de pagar. Então, foi feito esse planejamento administrativo pra poder... Vendemos algumas coisas. Dispensamos alguns funcionários. Enxugamos toda a parte administrativa, e até hoje é assim. Não mudou. Nós temos, aumentou, sei lá, triplicou, quase triplicou, o tamanho da empresa, praticamente. Nós temos cinco funcionários na administração. Só cinco. E tudo: cinco com contabilidade, RH [recursos humanos], fechamento, recepção. Até a recepcionista está nesses cinco. Então, é muito enxuto, é muito trabalho, mas é muito organizado. Na verdade, não é a questão de organização. A gente faz o que precisa. Muitas coisas não dá pra fazer porque teria que aumentar o número de funcionários. Isso gera custos, então, não. Então, é muito enxuto pra poder sobreviver, nesse mundo que é... A competição no nível de transporte, eu acho... O ramo de transporte, eu acredito, é um ramo muito predatório. Já defendendo o meu lado, assim: tem muitas empresas que entram no mercado, parece que é pra durar pouco tempo. Ela vem, jogam o preço lá embaixo, vocês devem ter concorrência assim, ficam quatro, cinco anos no mercado, depois vão embora, só que durante aqueles quatro, cinco anos você não consegue competir. Mas eles faliram. Mas: “Ah, então, só que a realidade é que os preços deles era mais baixo.” Mas preço, infelizmente, é o que vale no mercado, qualidade fica pra segundo ou terceiro plano, infelizmente. A gente presta um bom serviço, eu acho que a gente veste essa camisa, mesmo,a gente veste a camisa da White. É a gente veste a camisa da Gatão, mesmo. A gente tem orgulho de trabalhar lá. E temos essa parceria com eles muito legal. Só que, infelizmente, às vezes o custo que outros transportadores nos colocam, em posição de custo, fazem com que o nosso preço fique fora dessa realidade de custo tão baixo. Só que nós temos uma estrutura que eu acho que atende dentro da expectativa, até bem. Somos reconhecidos como bons. De repente, até, já ouvi muitas vezes, como os melhores. Isso é legal de escutar. A gente preza por isso, pelo nome Gatão. Eu tenho muito orgulho de prezar por esse nome e trabalhar pra uma empresa tipo White Martins. Somos os melhores. Só que, às vezes, isso não repercute em frete. Entendeu? Na hora de competir uma cotação, a gente compete com o Seu Zé, que tem um caminhão, e aí, eles falam que o Seu Zé tem um preço menor que o meu, mas, aí não dá. É o que eu falo sempre pra eles, se o Seu Zé quebrar a perna jogando bola no domingo, Seu Zé não trabalha na segunda-feira, o caminhão dele fica uma semana sem trabalhar. Porque o Seu Zé quebrou a perna e ele é a transportadora. Se o meu motorista quebrar o pé jogando futebol, segunda-feira tem outro no lugar dele. E não deixamos, né? Porque atendemos hospitais, a White atende, tal. Nós temos mais responsabilidades. Eu encaro, assim: todo pessoal da minha equipe lá, eu falo isso, nós temos responsabilidades. E eu prezo pelo nome. É a única coisa que eu prezo: prezar pelo nome. Acho que é isso que vai abrir outras portas, ou mesmo dentro da própria companhia, abrir portas, até que alguém enxergue realmente que a gente faz por amor aquele negócio. Obviamente, pra ganhar, mas pra mostrar. Eu continuo mostrando que nós somos o melhor. Eu prezo por isso.
P/1 – Nivaldo, quantos caminhoneiros vocês têm, mais ou menos?
R – Hoje nós temos 130 funcionários. Nós temos em torno de 60 e poucos caminhões. Entre carretas, quase uns 70 veículos. Desde leves até extra-pesados. Toda essa gama, nós temos esse tipo de... Por isso que eu falo: somos cinco pessoas pra tomar conta de tudo isso.
P/1 – Cinco e o restante são caminhoneiros?
R – Isso. Não tem mais nada. A contabilidade é interna, tem um contador lá e ele é a contabilidade. Exatamente pra enxugar, e mesmo assim é muito difícil, financeiramente dizendo. Porque a competição, eu acho que, é desleal. Porque a gente compete com pessoas que têm o próprio caminhão. Tem outras empresas que entram, concorrentes hoje, até um desabafo, mas assim, tem empresas hoje que entram: “Não, esse cara é igual a você. Tem muito, tal, tal, tal, e o preço dele é melhor.” “Caramba, como é que ele faz esse preço?” Eu tenho cinco pessoas na administração. Trabalhamos lá de sol a sol, 365 dias. Eu nunca tirei férias. Em 25 anos que eu trabalho na Gatão, eu tirei 15 dias, que foram agora, nesse ano em maio, que eu viajei pra fora, 15 dias. Eu nunca tirei uma férias, quando eu casei, eu tirei cinco dias e fui pra Natal. É a única viagem que eu fiz com a minha esposa, em 1997, só. Nenhum problema quanto a isso. Só que isso não me causa... Mas, não tá certo. Eu acho que assim: eu deveria poder receber mais, ou poder até prestar o melhor serviço. Mas, quando você presta um serviço que tem que competir com esse tipo de preço predatório... Porque você joga os custos, planilha aberta, mostra, caramba, eu tô ganhando X e o custo tá X+Y, como é que o cara faz X-Z? Não dá pra entender! Só que o cara dura três, quatro anos, cinco anos. E hoje, estamos aí. Estão passando um por um, aí, de greve, funcionário tudo processando, empresa quebrada, não tem crédito na praça. Só que ela tá cinco anos fazendo um preço irreal. Pra White, de repente, foi bom. Não sei quanto à qualidade de serviço que ele presta pro cliente dele.
P/1 – Você está falando muito do mercado brasileiro pra transportes. Comenta um pouquinho pra gente porque transportadora eu acho que ela tá... Ela é a primeira necessidade no processo de industrialização, uma vez que o nosso meio de transporte é basicamente rodoviário.
R – Exato.
P/1 – Você está falando que é muito concorrido. Comenta um pouco pra gente como que é essa relação com as indústrias, a demanda.
R – É. Como você mesmo falou, assim: o Brasil, ele tem dimensões continentais mas ele é totalmente voltado, muito voltado, ao transporte rodoviário. E as cidades cresceram baseadas em transporte rodoviário. Hoje, de repente, fazer uma ferrovia, tal, tal, é uma concepção do passado. Hoje, até dificultaria, porque vai ter que passar por cidades, desapropriações, você vê que isso é muito complicado. O que acontece? Eu acho que você mesmo, por exemplo, tem CNH [Carteira Nacional de Habilitação], dirige. Você perde emprego, você pega um Fundo de Garantia. Pegou Fundo de Garantia - é assim que funciona o mercado de transporte - compra uma kombi, compra um caminhãozinho. E aí, você é um transportador em potencial. E você, não menosprezando a pessoa, porque ela tem o direito de..., mas esse mercado de transporte, ele não é regido por nada. Você comprou um caminhão, você abriu uma transportadora, você não precisa ter um mestrado, não precisa ser médico, não precisa ter faculdade, você não precisa ser contador pra abrir um escritório de contabilidade, que nem tem outras exigências. Você é um transportador em potencial, sendo um desempregado, que acabou de sair e tem um dinheiro e compra um carro. E você passa a ser o que? A fazer preço conforme as suas necessidades financeiras: “Olha, eu ganhava X lá, se eu ganhar cinco eu gasto mil de combustível, mais quinhentos ali, mais quinhentos ali, sobrou três mil, tô ganhando mais.” Tá bom, só que a pessoa não tem a experiência de que daqui tanto tempo, se ele comer aqueles três mil todo mês, daqui cinco anos ele não tem outro caminhão. Ele vai ter que comprar outro. Então ele trabalha - que eu falo, é predatório - ele trabalha durante cinco, seis, sete anos até a ferramenta se exaurir a praticamente nada. Aquele investimento que ele fez, não existe mais. E o caminhão precisa ser trocado. Não tem mais condição. Aí, ele sai do mercado e volta a ser funcionário. Só que durante todo esse tempo ele ficou mandando preço, que a gente fala predatório, porque assim: abaixo. O problema de uma transportadora, também, é falar: “Poxa, você nunca viajou, nunca nada.” Todas as transportadoras, a maioria delas, a grande maioria, é de origem familiar, tem sempre uma pessoa gerindo essa transportadora, uma pessoa, um presidente, e tal. E muitas delas, a grande maioria, se extingue assim que esse presidente morre. Existe, por que será que é isso? Já ouvi muita coisa. Então, por que? Meu pai teve a sorte, vamos colocar assim, ou o azar, de ter eu pra tocar o negócio dele, porque a gestão de uma empresa de transporte, ela é muito do feeling que você tem do negócio. Porque não existe controle, os controles que você tem hoje de uma indústria, de produção, de estoque. O transporte, você pega um veículo, coloca no mercado, essa pessoa vai, e você tem que acreditar naquela pessoa, se ela falar que pegou um trânsito, você tem que acreditar que ela pegou um trânsito, não tem como verificar se aquilo é verdadeiro. Se ela falar que pegou um trânsito, porque o combustível não deu média, porque ela pegou um trânsito, você não pode mandar ela embora porque o combustível não deu média. Então, você tem um controle, mas ele é subjetivo. Porque se ele falar que teve um problema, você não tem como provar que ele te lesou, que ele desviou o combustível, porque não tem uma rotina. Como nosso transporte, por ser esse tipo de transporte, ponto-a-ponto, vai carregado, volta vazio, o controle é muito difícil. Então, o controle é muito na confiança, na presença todo dia lá, você sabendo se esses controles, você..., é feeling. Só que tem alguma coisa de errado. Entendeu? E você vai e arruma. Controles de planilhas, de computador, de software, esse negócio, a gente tem. Todos, até os melhores, que a gente usa. Mas precisa da pessoa. Porque o problema acontece todo dia. Não é uma coisa que você programa, produção, contrata, terceiro turno, não. Hoje nós estamos aqui. Agora, daqui a pouco, tem uma chuva, aí, que São Paulo pára. O paciente precisa de produto, tem que ter alguém ali pra fazer essa gestão do problema. A transportadora acaba sendo estressante, e acaba também sendo uma coisa interessante porque é um desafio todo dia, que todo dia é uma necessidade diferente, não tem rotina. É um acidente, é um acidente que você tem que arrumar um jeito de chegar lá sem passar por aquele acidente, é uma chuva, é o prefeito que bloqueia o negócio, é um paciente que tem um produto mas, e aí, de repente, ele fala que não recebeu, então, é muito dinâmico. Por ser dinâmico, precisa de pessoas que tenham noção e que consigam gerir aquilo todo dia. Não existe como você prever o que vai ter amanhã. E o transporte tá muito calcado em cima desses pilares: da família, alguém que fica gerindo, que tá presente, que tem essa noção, que olha pro motorista, escuta o que o motorista falou, o gerente, e sabe que ali tem uma verdade ou não tão uma verdade, você não pode falar que é mentira, mas assim, que você tem que verificar melhor, tem que confiar. Então, assim, não tem, não é uma coisa, assim, muito controlável, muito que você consiga planilhar, por isso que dificulta. Então, é difícil a gestão. Empresas que não são do ramo de transporte, elas terceirizam exatamente por isso. Se é tão caro, por que você não traz pra dentro? Porque é muito difícil de gerir, e é muito alto o investimento, e os custos são muito altos. Qualquer falha, você sai do ramo. Então, as empresas são praticamente familiares e a gestão continua sendo familiar. Faleceu, houve um problema de divisão, a hierarquia, lá, a parte família não assumiu: acabou. Realmente, não vai, não tem. Temos exemplo na própria White, empresas grandes, acabou falecendo por problema de doença o dono, alguma coisa assim, a família não conseguiu gerir, acabou, é pouco tempo. Exatamente por causa que não existe alguns controles que não sejam presencial. Se você tá lá, você é uma pessoa que não é do ramo, não vivenciou, você passa a ser enrolado, a pessoa te engana: ele fala que precisa retificar o motor. Você não conhece. Eu conheço: “Não.” Entendeu? Ontem chegou um caminhão lá, esfumaçando de um jeito. Eu falei assim: “Deu problema de turbina?” “É, chefe, deu.” “De novo, né?” “É.”
Então, vamos ter que verificar melhor. Entendeu? Porque, se não, chega uma hora que: “Ó. Aquela turbina.” Eu sei que aquilo é um problema de turbina. De olhar. Então, eu sei que se vier uma nota de turbina eu posso pagar, que ela quebrou. E o cara pode me trazer um monte de nota de turbina e eu: “É, quebrou outra?” “É, então.” E é alto, os valores. E aí, dinheiro vai saindo se não houver idoneidade das pessoas que estão lá, se você não estiver controlando, esse dinheiro pode ir saindo por esses ralos e você não conseguir sobreviver financeiramente. Então, precisa entender muito do negócio e é muito entender de vivenciar esse dia a dia. Então, esse é o problema, agora, é esse lado predatório que eu acho que dificulta, as empresas, elas têm gestão profissional, mas o governo não normatiza nada. É tudo liberado. É assim: quem quiser, faz, ele exige um monte de regra, nós temos todas as licenças, pagamos todos os impostos, não devemos nada a ninguém, tudo pago. Tem empresas que trabalham, que concorreram com nós, que não fazem nada disso e estão aí. Então, a gente gostaria que viesse uma regra pra que todo mundo estivesse dentro da regra, porque você competir, vamos falar em atletismo, você tem um atleta de alta-performance, você não se dopa, não faz isso, não faz isso, aí você vai competir com um cara que se dopa, você não consegue ganhar o que ele ganha, não consegue as marcas que ele consegue, e aí, você se desestimula, porque fala: “Poxa, assim não dá. Eu não vou fazer o que ele faz.” Então, eu fazendo um paralelo, é exatamente isso. A gente tem muita, tem essas coisas do mercado que deixa a gente chateado..., não é nem o termo, assim. Mas acha que não existe o mesmo profissionalismo que a gente tem. E não existe a mesma seriedade que a gente tem e não existe a mesma responsabilidade que a gente tem e nem a idoneidade que a gente tem, que é exatamente isso que meu pai sempre prezou, que a gente preza: pela idoneidade, pelo cumprimento. Pagar quem deve, não dever nada pra ninguém. Não ficar dando calote, enrolando as pessoas, entendeu? E a gente, no mercado, a gente vê muito disso. E aí, essa competição, por um mercado não ser regido por nenhum tipo de exigência... O governo não rege nada, deixa lá a vontade, você sai, se você tirar nota, tira, se não tirar nota, não tira. Porque você é pequeno, ninguém te incomoda, só que isso vai tirando o seu alicerce, se você tá lá em cima você não consegue competir com essas pessoas. E pras próprias companhias que contratam, hoje, talvez, a mentalidade está mudando, e tal, mas vai mudando muito devagar e a gente vai sobrevivendo, aí, as duras penas. Financeiramente, as duras penas. E a gente chega pra um gerente, ou chega pra um diretor, e fala: “Ó, num dá.” Mostra, fecha. Não é possível, esse preço, mas é o que nós temos. Então, fica difícil. Tem hora que fica realmente difícil. O lance do preço, e das responsabilidades que a gente assume e os outros... Então, a competição se torna irreal, você não está competindo na mesma realidade que o cara. Só que você está competindo e ele chegou antes porque o preço dele é menor, você sabe que você chega lá, mas você vai ter que burlar a regra, não pagar a hora extra pro funcionário, não registrar, não fazer isso. Ai, você já começa a derrubar alguns pilares que a gente aprendeu a não mexer pra dormir com a consciência tranquila, e ser respeitado, e os funcionários não processarem você e não te achar um sacana e achar que você está se aproveitando de quase ser um escravo. Então, isso aí a gente não mexeu até hoje, não acho que é por aí. Se for por aí, eu acho que não vale a pena. Então, essa parte do transporte é isso que a gente percebe. Que têm muitas reclamações de outras transportadoras, até grandes, que não existe uma normatização desse mercado de transporte no Brasil. Lá fora, não. Lá fora tem. Lá fora todo mundo tem que cumprir a regra, senão paga realmente, criminalmente por muita coisa. Aqui, infelizmente, não se respeita. Então, tem todo esse lado de transporte de jornada, as pessoas que tomam “arrebita”, os anabolizantes, as anfetaminas, essas coisas que as pessoas... Motorista que demora quatro, cinco dias pra fazer uma viagem longa de três, quatro mil quilômetros, você pega um cara que faz em dois, três dias sem parar, sem dormir, o dele fica mais barato, ele consegue fazer mais viagens num mesmo mês. Como é que você compete? Manda teu funcionário arrebitar e quero que faça igual a ele? Aí, você mata alguém. Nós nunca tivemos nenhum tipo de acidente fatal, nunca tivemos nenhum tipo de envolvimento, com todos esses anos de empresa. Não tivemos problema nenhum! Graças a Deus. E graças a esse tipo de gestão, também, não temos, não temos nenhum tipo de ocorrência, de incidente, de acidente, não temos nada, se a gente vê que a pessoa tá indo pro lado errado, ou que bebe, ou que tem algum desvio de conduta, a gente, na boa, chama, trata. Não melhorou? Dá um jeito, sem..., respeitando a pessoa, mas sabe..., tira, porque não pode estar lá. Até custa caro, né? Você podia mandar, por justa... Não, tira, não deu. Mas outros transportadores não seguem essa linha, não. É bem: “Vamos, temos que ganhar a qualquer custo.”
P/1 – Durante as viagens, os caminhoneiros tem algum acompanhamento?
R – Tem. Acompanhamento, que você diz...
P/1 – De vocês.
R – Tem. Então, por exemplo, hoje, praticamente os caminhões são todos rastreados. Você tem todas as jornadas que eles podem estar ou não. Existe uma regra da própria White que eles podem trabalhar 11 horas, depois disso tem que descansar, não pode mais rodar. Se eles rodarem, eles serão mandados embora, então, não é pra rodar. Isso é uma regra que eles instituíram, acho uma regra super boa e teria que fazer toda essa adequação de regra mesmo sem diminuir o salário, continua ganhando a mesma coisa e trabalhando menos. Porque nós tivemos que continuar mantendo a quantidade de horas, de valor que eles recebiam como hora extra, como se fosse pra diminuir o salário, então, foi mantido. Existe
um controle de horários, um controle de jornadas, um controle de velocidade. Tudo hoje gerenciado por equipamentos, isso facilita a gestão. Então, no meu celular, qualquer um que passar de um excesso de velocidade, eu recebo uma mensagem no meu celular. Um SMS [Safety Management System] no celular avisando que fulano de tal excedeu a viagem tal. Aí, aparece no meu computador uma foto com o mapa da localização onde ele excedeu a velocidade. Então, a gente já pega o rádio e já liga pro cara: “Por quê...?” né? “Não pode!” né? E aí, você já... Isso você começa a reclamar, reclamar, chega uma hora que ninguém mais excede. Porque: “Vai ficar aqui me aporrinhando.” Então... Então, existe uma gestão em cima dessas, através dessas ferramentas novas de tecnologia, fica mais simples. Mas ainda continua no feeling, você tem que sentir se aquilo lá, aquele, aquela... Por exemplo, teve um caso, um tempo atrás, que o cara excedeu muito! E ele falou que estava sendo perseguido na Marginal, que estavam tentando assaltá-lo, né? E não tinha porque ele estar mentindo naquele momento, porque o tempo que ele andou em cima, em excesso de velocidade -
excesso de velocidade é, assim, acima dos 80, e a gente permite, até - ele estava 90 e pouco, mas ele falou que ele tinha que chegar no posto de guarda, porque tinha um Palio que estava seguindo ele, mandaram ele parar, aquela confusão toda, e ele se sentiu acuado, amedrontado, e ele acelerou pra poder... E aí parou no posto de guarda, informou, a polícia falou pra ele ficar ali por enquanto. Então, é uma coisa, também, que: “Você manda ele embora, ou aceita a explicação dele?” O que ele ganhou em rodar três, quatro, cinco minutos a 92 por hora? Então, acredita nele. Entendeu, assim? Porque nunca aconteceu. Então, você percebe que aquilo tem um fundamento. Agora, a regra seria a seguinte: manda ele embora. Essa é a regra. Porque se você for um cumpridor de regra, esse cara, ele tem 20 anos de empresa, ele é mandado embora por uma coisa que ele defendeu, a própria vida, o patrimônio, colocou, até, de repente, a vida em risco. E foi mandado embora. Então, essa hora, é a gestão. Tem que ser mesmo pessoal: “Não, espera aí, quem é? Qual é o histórico? Por que
ele faria isso ou defenderia essa ideia? Pra quê?” Não tem razão dele descumprir uma regra dessa, a não ser por um bom motivo: defender a própria vida, ou patrimônio, ou sei lá porque que ele decidiu não se deixar roubar.
P/1 – Nivaldo, você esta comentando muito dos caminhões. Eu gostaria de fazer duas perguntas. Você já comentou que a White é a principal cliente. Você poderia voltar um pouquinho e explicar pra gente, apesar de não ter sido com você, mas quem, como começou essa parceria, o que vocês forneciam, o que vocês fornecem hoje, que equipamentos foram exigidos de vocês?
R – Ah, tá. Então, a história é aquela que a gente comentou. Lá, um pouquinho atrás, a gente falou... Trabalhavam lá na parte de..., primeiro começou com a parte do rio, que não tinha nada a ver com a White. Endireitar o leito do rio, fazer o novo trajeto por São Paulo, e essa parte de trabalhar como táxi, na praça, que nem eles falavam. E aí, houve o contato, na época, pra fazer esse transporte de oxigênio, tinham que colocar um caminhão, em 1954, colocar um caminhão pra puxar oxigênio, que eu acho que era praticamente o único produto dessa fábrica de oxigênio que tinha aqui na Água Branca, na Rua Pompéia, ali. Começou com esse... Um caminhão, depois meu pai teve que comprar um outro caminhão, meu pai começou a trabalhar, meu tio com outro. E assim foi, muitos anos, até anos 1960, e tal. Aí, outro tio também começou, um outro tio também comprou um caminhão. Ficaram quatro irmãos, quatro, cada um com um caminhão, fazendo, cada um, um trajeto. Existia a industrialização, não era o porte que é hoje, obviamente. Muitas poucas indústrias. Esse produto era um produto novo, tinha muito só na Europa. Oxigênio, alguma coisa assim. Esse processo de fabricação de certos produtos industrializados. Aí, foi aumentando a necessidade, aumentando, também, obviamente, a demanda e aumentando, obviamente, os caminhões etc. Então, foi em 1954, começaram pela Água Branca e aumentou a quantidade de caminhões. Em 1969, a unidade de Osasco, que é a maior fábrica de gases especiais, que tem laboratório, é um complexo industrial da White, mas, digo, talvez o mais importante, eu diria o mais importante, do Brasil, que detém a maior quantidade de gases, alguns gases são fabricados somente lá. Eu acho que foi em 1969, meu pai foi convidado, a transportadora Gatão foi convidada, a ir pra lá, como é um novo pólo, uma coisa nova, um novo mercado, uma fábrica maior, com maior estrutura, maior terreno, uma fábrica nova, foi convidado pra ir pra lá e começaram a transportar outros produtos. Com o passar dos anos, foram desenvolvendo, o pessoal de laboratório, foi desenvolvendo novos produtos. E assim foram também aumentando a gama de clientes e a demanda de caminhões e foi crescendo junto com a própria White. A White ia crescendo o número de clientes, número de produtos, e as transportadoras, outras também, eles não eram únicos. Aliás, tinha várias. E foram crescendo junto. Tinha, quando começou a inseminação artificial de gado, uma particularidade interessante nos anos 1970, houve um incentivo muito grande da agropecuária, desenvolvimento do rebanho nacional com novas técnicas de inseminação,
tal. E a White tinha um caminhão com nitrogênio que mantinha o sêmen em baixa temperatura pra poder fazer a inseminação no Mato Grosso, e tal, tal. E nós tínhamos um caminhão que fazia esse tipo de trabalho, que era o transporte em líquido pra esse tipo de produto, que era novidade no Brasil, no mundo, que era inseminação artificial, e não natural. Tinha uma outra característica também, que com o passar dos anos, o oxigênio era só em forma gasosa e com a tecnologia e com a pressurização, em condições especiais, esse oxigênio começou a se transformar em líquido, ou seja, conseguia-se transportar maior quantidade num formato líquido. Então, demandava menos cilindro, menos transporte e, num cilindro menor, uma capacidade maior de transporte, porque lá, depois que chegava no hospital - como é hoje, né? - chega no hospital líquido, e lá se transforma em milhões de metros cúbicos de ar. Mas um pequeno litro, né? Então, transforma em centenas de metros cúbicos de oxigênio. Um litro de líquido, então, foi uma forma de aumentar o transporte do produto, envasado em condições físicas diferentes, e aí, foi desenvolvido, na época, precisava de equipamentos especiais, porque esses cilindros, como eu comentei também, por estar em forma líquida, são cilindros maiores, eles tinham um peso maior, então foi desenvolvida uma plataforma, que era uma novidade na época, que aquilo era uma coisa interessante, até. Me lembro que eu era criança, e meu pai chegou a ir conhecer esses caminhões em casa. E o caminhão, por ser um produto criogênico, em baixíssima temperatura, tanto oxigênio quanto nitrogênio - que era o que mais vendia na época, nessa situação de criogenia - ele tem uma válvula de segurança. Fica sempre saindo um pouco do produto quando excede a pressão. Então, as pessoas sempre chamavam em casa, era uma curiosidade, batia a noite, lá: “Olha, tá vazando.” “Não, moça, enquanto estiver vazando fica tranquila. O problema é quando parar de vazar. Porque aí a pressão aumenta, ele pode explodir.” Então, sempre tinha uma coisa meio fantasiosa daquilo, parecia uma coisa meia projeto espacial, porque saía aquelas fumacinhas, nos projetos lá da Apollo, não sei o quê, e o pessoal achava, foi aí que as primeiras levantadoras vieram pro Brasil. Foi desenvolvida lá mesmo, junto com a Gatão, uma empresa, a Impar – eu lembro bem o nome – Piracicaba, acho que nem existe mais, coisa bem arcaica, a ideia era européia mas não tinha projeto. Aí, foi-se desenvolvido o que era o que: colocar o cilindro em cima desse equipamento e elevar até a altura do caminhão. Que hoje, é o que todo caminhão hoje tem: processos mais modernos, levantadores de equipamentos mais modernos, mas é o que tem, hoje no mercado. Mas isso era uma atração. Você parar, fazer o negócio. As crianças pediam. Eu mesmo pedia, várias vezes. Meu pai, meus amigos, subiam nas levantadoras e ficavam subindo e descendo aquele negócio, como se fosse uma..., porque não existia aquilo, aquilo realmente era uma coisa de tecnologia, pra época, no ramo de transporte, ninguém tinha aquilo. E era uma coisa diferente, você colocar uma carga de mil quilos ali, apertar uma alavanca, puxar uma alavanca e aquela coisa subir lá em cima e você só empurrar. Porque não tinha condições de subir 100 quilos na mão. E toda a estiva dos caminhões, o carregamento, era tudo manual. Não existia equipamentos: guindastes, essas coisas não existiam no Brasil, no nível de transportes. Talvez tem em grandes indústrias, assim, mas era muito limitada, talvez, muito cara, e sempre dentro de indústria. Coisa móvel, em transportes, não existia, então era uma curiosidade, essa levantadora. Era uma curiosidade na rua e também uma curiosidade, assim, novidade no transporte na época. Pra época, nossa, era uma coisa louca.
P/1 – Bom, hoje, as plataformas são comuns.
R – Sim.
P/1 – E os guindastes? Guindaste de remoção, como é que funciona hoje?
R – A parte de remoção de guindaste, a gente entrou um pouco mais pra frente. Nós temos também guindaste que faz a remoção de equipamentos desses que são mais pesados. Necessitam desse tipo de manuseio com equipamentos. Mas nós entramos numa era dos anos 1980 pra cá, nesse segmento. Então, já tinha algumas... a indústria, a Munck, por exemplo, que era pioneira nesse setor de guindaste, ela já tinha - que veio da Europa - já tinha a concepção do equipamento lá. Não foi desenvolvido, praticamente, aqui. Ela veio importada e adaptou à algumas necessidades do Brasil, algumas necessidades de especificações de equipamentos. Mas não foi uma coisa que nem a plataforma de carga, que foi praticamente desenvolvida aqui. Foi: “Qual é a necessidade? Vamos medir, vamos lá.” Foi feita em parceria mesmo. Era bem interessante. A parte de guindaste, não. Ela já veio importada, uma concepção européia. Que lá, muitos projetos italianos, suecos, e veio. Talvez a Munck, tal. E aí, já foi instituído, veio meio um produto já meio importado, mesmo. Acho que foi nessa... Não temos muita... Nos anos 1980 a gente começou a comprar. Comprou alguns equipamentos, uns três ou quatro equipamentos, e começamos a fazer essas remoções de engradados, de cilindros, ou cilindros que eram mais pesados, que necessitavam desse tipo de transporte com guindaste, com guindauto, que a gente apelidou que nem Bombril, né, mas que nem Munck. Na verdade, Munck é uma marca e não o nome do equipamento. Mas é igual Bombril: ao invés de falar palha de aço, fala Bombril. É por aí, a linha foi essa.
[Troca de fita]
P/1 – Nivaldo, a gente estava comentando desse suporte técnico. Comenta um pouco pra gente: quais áreas da White Martins que vocês atendem, quais são as especificidades técnicas para cada uma delas?
R – Tá. Eu acredito, obviamente eu não tenho conhecimento de todas as transportadoras que trabalham para White. Mas por trabalhar em Osasco, que é a maior fábrica de gás, que é onde tem a maior diversidade, que é onde tem a maior gama de produtos e onde são desenvolvidos - não digo a totalidade, porque seria, eu não tenho - mas que tudo passa por lá, que é - que eu conheço quase todas as unidades - que é a mais complexa de se trabalhar, por estar dentro da grande São Paulo, em Osasco. E por todas essas outras características, que dão a ela essa magnitude, e é Osasco, essa complexidade de se trabalhar lá, a filial, acho que, talvez a mais difícil de se trabalhar. Por estar inserida dentro de uma grande cidade, até pelo espaço, as restrições etc., os perigos que tem numa cidade dessa, a transportadora, ela trabalha com, não digo únicos, mas seriam poucas transportadoras que trabalham com a gama de produtos que a gente trabalha. Então, nós somos, assim, a transportadora da White, eu acredito que seja a mais, a que detém o maior know-how, que trabalha com a gama completa de produtos que a White tem. Alguns produtos só nós trabalhamos. Até pela complexidade, até pela logística, até pelo tamanho da empresa, pelo tipo de produto, pelos riscos que esses produtos de repente tenham no transporte, tal. Isso foi passado pra nós, por ser um produto diferenciado, tem que ter um tratamento diferenciado, uma responsabilidade maior, esse tipo de coisa.
P/1 – Que produtos são esses?
R – Então, por exemplo, assim: um produto que - até porque ele acaba sendo gerenciado por Osasco - por exemplo o produto hélio líquido. Um produto de uma tecnologia recente, nova, praticamente nova, que é o da ressonância magnética. Nós somos a única transportadora que transporta pro Brasil inteiro esse produto. Então, assim, ontem tínhamos um caminhão em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. Então, estava lá fazendo atendimento numa clínica que tem uma ressonância magnética, uma clínica de exames, lá no Rio Grande do Sul. Eu tinha outro, ontem, em Belém, quase em Barcarena, ali tem outro em Belém, também fazendo ressonância. Tem outro em Recife, temos um em Salvador, tinha outro no Rio. Quer dizer, o Brasil inteiro, a transportadora Gatão sai de Osasco e atende lá com esse produto. Somente nós transportamos. Então, é um produto que requer... Os funcionários, eles são treinados para não só transportar como se fosse uma carga comum. Eles são treinados também como se fosse um técnico. Como se fosse, não. Eles fazem a transferência do produto pra máquina. Então, eles tem o conhecimento técnico de como é a máquina, como é as condições dessa transferência, que pressão que pode ser. Então, eles tem todo esse conhecimento técnico pra fazer com que esse produto não... Se você mudar qualquer dessas características do produto, ele pode mudar a temperatura meio grau e esse meio grau faz com que esse produto entre em ebulição e se perca. E são produtos caros, então esse é o tipo de produto que a gente faz pro Brasil inteiro.
P/1 – E esses treinamentos são vocês ou a White que dá?
R – A White dá.
P/1 – Para os seus caminhoneiros?
R – Exatamente. A White ministra esse transporte. Na verdade, essa tarefa é uma função praticamente deles. Eles deveriam fazer, só que pra ter um técnico em cada cidade, ou em cada localização dessas, tal, tal, tal, os funcionários passaram a entender mais do que os próprios técnicos da White. Então, a White às vezes manda o técnico, mas o técnico diz assim: “Fica comigo, porque você sabe e eu faço isso uma vez a cada três meses.” então, ele é um técnico, mas naquele produto, o meu funcionário, ele é mais técnico que esse esporádico. Obviamente tem engenheiros, outros, que tem um nível de conhecimento, que ministram os cursos, superior a eles. Mas eles são, nesse tipo de produto, vou falar assim: não tem pra ninguém, não. Eles fazem acontecer o negócio, eles vão, e desenvolvem mesmo.
P/1 – E vocês atendem mais hospitais? O que vocês...
R – Então, a transportadora, ela trabalha, é assim, como é uma transportadora, eu acredito, que foi a mais antiga da White Martins. Eu acredito, não sei. Em número de caminhões, ou a maior ou uma das maiores, em número de caminhões e funcionários assim, deles, mais ou menos isso e nós trabalhamos em todos os segmentos. Tanto que eu falei: desde leves à pesados. Então nós trabalhamos toda a linha hospitalar, na linha de atendimento à prefeitura de São Paulo como se fosse atendimento em casa, em home care. Tem pessoas de classe D e E que são pacientes do Hospital das Clínicas, que tem problemas de respiração, precisam de oxigênio, no atendimento em casa, que o
Hospital das Clínicas, ao invés de manter essa pessoa de idade, ou essa pessoa em fase terminal de alguma doença no hospital, mantém em casa e a prefeitura de São Paulo, através da White Martins, com o paciente na casa dele, fazendo atendimento de oxigênio em mais de três mil residências em São Paulo, assim, duas mil e poucas, atendimentos. Trabalhamos na parte de carretas pra Pirelli, CSN, Vale, levando esses produtos em carretas maiores para esses clientes em potencial, que são maiores, grandes clientes. Trabalhamos, na área médica, ou de grande porte também, mas pra indústrias menores: metalúrgicas, siderúrgicas, não mega-indústrias, assim, mas de grande porte, médio porte. Trabalhamos... Então, toda a gama de produtos que a White trabalha, nós temos veículos e funcionários a disposição praticamente para todo o ramo de trabalho que a White tem. Eu só não trabalho na área de líquidos, em atendimento hospitalar, de líquidos em caminhões carretas. Em outro tipo, hélio líquido, por exemplo, a gente trabalha com caminhão. Mas, na parte de atendimento hospitalar de líquidos, como eles estão sediados em outras cidades, eu tenho que ter uma estrutura em outra cidade. Então, isso já foi cotado a colocar. Mas isso geraria um outro tipo de abrangência, de investimento muito mais alto. Eu teria que aumentar a empresa bastante pra ter estrutura nesses lugares. Isso teria que ser bem feito, pra não dar o passo maior que a perna. Então, apesar de ser cotado pra colocar, a gente segura até se estruturar bem no que a gente já faz. E aí, sim, de repente, um outro mercado. Que eu conheço, não tem o menor segredo, eu já fiz, só que a gente abriu mão quando eles resolveram contratar empresas maiores, com maior quantidade de caminhões, que conseguiam, tal. Só que essas empresas, a gente volta a falar do mesmo: preço. Elas entram, jogam o preço que elas acham que vale o serviço, ficam dois anos, vê que o preço não atende a necessidade, porque a dificuldade é maior do que elas pensam. Aí, troca. Ela sai. Aí, entra outro. E assim vai. E aí, a gente lá. Continuamos lá. Então, a gama de produtos é realmente bem abrangente.
P/1 – Você falou das grandes empresas, da CSN [Companhia Siderúrgica Nacional]. Como que é o abastecimento delas? Quanto que eles precisam? Qual que é a logística? Vocês atendem a Petrobrás também?
R – Atendemos com alguns produtos, sim, atendemos.
P/1 – E como que é o abastecimento dessas grandes empresas?
R – Então, a White, por ter uma gama, centenas, lá, de produtos, então, assim, existe, pra cada produto, cada empresa, ela tem uma gama de produtos que ela consome da White. Dezenas, às vezes um tipo só, às vezes vários, então. Petrobras, por exemplo. Petrobras, ela tem, por ser uma indústria petroquímica, trabalha na área química, tal, ela necessita de muitos produtos. Alguns produtos são entregues a granel pela demanda ser maior. Então, leva-se em carretas. Outros produtos, de laboratório, de teste, tal, levo em frascos pequenos, que tem um carro menor. Fez assim. Então, de acordo com o produto, de acordo com a necessidade, com a demanda daquela empresa, se arruma uma logística pra fazer a entrega. Uma coisa menor, em Macaé, como é que se faz? Manda-se através de uma transferência, que vai pra uma filial lá próximo, que essa filial tem um carrinho, que leva lá. Uma necessidade um pouco maior, um produto, por exemplo, um silano – o silano é um produto extremamente perigoso. Se ele vazar no ar, o atrito que ele tem com qualquer partícula de outro produto, ela já incendeia, explode, é altamente perigoso. Então, esse produto, ele não é misturado com nada. Seja onde for, a gente pega um caminhão exclusivo, e levo ele lá. Sozinho. Seja uma garrafinha desse tamanho, seja um cilindro maior.
P/1 – Pra que ele é usado, o silano?
R – Então, ele é usado em misturas. Ele é um produto que tem uma característica de flamabilidade alta, então, eles fazem misturas. Indústria química. Sinceramente, a finalidade eu não sei. De repente, por exemplo, a gente entrega certos produtos na Philips. Então, de repente, numa lâmpada, um milionésimo de não sei o que, junto com o vapor de sódio, faz com que tenha uma estabilidade, e se faça uma lâmpada de vapor de mercúrio. Então, tem frasco que você, o preço, o valor do que tem dentro daquele negócio, dá pra comprar a frota. Mas é um negocinho desse tamanho. E usa muito pouquinho, mas é um detalhezinho, é uma partícula, que coloca misturada com tal coisa, que melhora o processo. Ou da lâmpada, ou de uma parte de uma indústria eletrônica, né? O produto-fim a gente não, eu não conheço toda. A gente conhece muita, né, mas não conhece todas. A área comercial a gente conhece mais, né? Que são gases da solda, o oxigênio, o nitrogênio, para congelamento, até na indústria alimentícia. Ou no rebarbamento de borracha: você faz um molde de cadeira, por exemplo, e prensa. Aí, fica, naquela prensa, sempre sobra uma..., joga-se o nitrogênio. Na época, a gente fazia isso. Não sei se esse processo é industrial. Mas aí, o que acontece? Congela. Bateu um vapor, bateu um jato de ar, ele quebra. Então, não precisa ficar... tendo máquina pra ficar rebarbando aquilo. Então, tem um monte de técnicas. Congelamento de alimentos: tem empresa que usa nitrogênio para que congele rápido pra poder já ir saindo, sem ter que colocar em uma geladeira, esperar 12 horas para congelar. Congelamento através do nitrogênio é muito mais rápido, então, entra no processo de industrialização. Então, a gama de produtos e de utilizações, é infinita. Cada dia eles desenvolvem novas técnicas, novas coisas. E nós trabalhamos em todos esses tipos de produtos.
P/1 – Então, estamos falando muito agora da parte industrial. A estrutura do caminhão, então, dependendo do tipo do produto, fica a mesma.
R – É assim: pra carros pequenos, você tem uma estrutura.
P/1 – Sim.
R – Pra atendimento hospitalar em casa, que a gente chama o tal de home care, que é atendimento tal, você tem um motorista, um ajudante, um caminhão menor pra poder entrar no centro, com uma levantadora menor. Para uma carreta, ou pra um transporte portuário, importação, exportação de contêineres etc. que a gente faz, você precisa de uma carreta, de um equipamento maior. Um outro tipo de equipamento, outro tipo de descarregamento, outro tipo de logística, outro tipo de transporte. Para entrega nas indústrias menores, você leva um caminhão com guindaste, que ele tira aquele produto, que a pessoa não tem uma ponte rolante. Uma CSN, você pode ir com caminhão sem isso aí, porque lá ele tem uma ponte rolante que ele tira. Então, é bem uma salada de fruta. Para cada... entendeu? Então, você vai atender o Sírio Libanês com um produto de ressonância, você tem que levar um caminhão grande, porque eles usam muito. Em compensação, lá não entra um caminhão grande, então você manda vários pequenos. Então, vai... É muito colcha de retalho. É muito uma salada de fruta. Conforme a necessidade, você tem que adequar a ferramenta, porque às vezes a empresa cresceu num lugar que não pode... ela tava lá... o Sírio-Libanês, quando foi colocado lá, podia levar de carreta. Só que aí vai crescendo em volta, e as restrições, fazem você mudar o tipo de atendimento. Junto com a White, a White começa a fazer cilindros menores, ou mais leves, e você usando ferramentas menores e mais leves ou que possa atender aquele cliente, já que ele não vai sair de lá por enquanto. O desenvolvimento das ferramentas, das carrocerias, dos equipamentos, em si, no caso de carroceria, vai muito da necessidade. A gente desenvolve. Inventa. Muita coisa a gente inventou. As metálicas, eu fui pra fábrica em 86, eu, fomos com engenheiro, nós desenvolvemos as carrocerias metálicas. Falei do jeito que tinha que ser, do jeito que eu queria, e aí, foi desenvolvido. Hoje, todo mundo usa. Concorrente, todo mundo usa. Mas em 86, nós fomos pra fábrica, e desenhamos junto com o engenheiro, falei do jeito que eu queria, que achava que era o certo, com o pessoal da White, mas o pessoal da White, como eu era transportadora: “Não, é assim que funciona.” E até hoje, ela é assim. Até no concorrente, até no mercado, as empresas que revendem White Martins hoje, elas usam a carroceria que a gente desenvolveu. Mas é porque o projeto era mais ou menos aquele, e adaptado à realidade brasileira, a gente desenvolveu junto e tocou.
P/1 – E essa carroceria é usada pra todos os tipos, então?
R – É, ela é, praticamente, sim. Porque como o cilindro de gás da White, ele é um cilindro meio padrão tipo oxigênio, a grande maioria é assim, então as carrocerias foram feitas pra esse tipo de cilindro. Então, elas acabavam tendo uma característica básica assim. Conforme a necessidade, ela passa a ter uma porta ali, uma porta aqui, uma porta maior. Esse cilindro de ressonância, por exemplo, são cilindros grandes. Um metro e dez, por um metro e dez. Tem um diâmetro de um e tanto, assim, de um e pouco. Então, são cilindros pesados, pesam quase quinhentos quilos, porque ele tem uma camada de um monte... Característica que faz com que esse produto tenha um tamanho de dimensionamento maior. E a carroceria é
voltada pra ele, tem uma porta traseira maior, uma levantadora maior. Mas em suma, assim, todos eles tem uma característica muito parecida. Mas vai da particularidade, da região. Às vezes, você tem que fazer um produto desse grande, mas tem que levar num carro pequeno, porque lá não entra. E assim, os equipamentos acabam sendo desenvolvidos conforme essas necessidades que surgem no dia a dia, com as restrições de circulação, que agora tem cada dia uma diferente.
P/1 – Você me falou carro pequeno. Carro pequeno, o que seria?
R – Quando a gente fala, assim, carro pequeno, por exemplo, alguns tipos de cilindro a gente leva em Fiorinos, ou em HRs, essas que são pequenas. Carros de passeio, utilitários, um Corsa, uma Montana. Esses carros menores. O que é um pouquinho maior, você já leva numa Sprinter, numa HR, que são esses que são caminhãzinho, utilitários pequenos. Aí, passa pra um outro, que são os caminhões 3/4. Que são esses caminhõezinhos que são esses que fazem hoje a maioria dos transportes. Rodagem dupla, que são caminhões pequenos. Depois tem o caminhão que a gente chama de toco, que é um caminhão médio. Um caminhão um pouco maior, mas com dois pneus, só. Depois vem o truck, que já é um caminhão mais de transferência. Caminhões para consumidores finais que tem potencial de ter algo grande. Aí, vem carreta. Aí, vem carreta maior. Aí, carreta big train. Aí.. e vai assim, vai aumentando realmente em altura, em comprimento e em número de pneu. Então, assim, de toda, só não entrega em moto. Mas do pequenininho, que é a Fiorino, à picapezinha, até o extra-pesado. Tem todos esses tipos de caminhões. Cada um, quase, com uma característica que atende um tipo de produto. De cliente e produto, né, a junção dos dois.
P/1 – Nessa diversidade toda, como fica as preocupações pela segurança?
R – Então, existe duas preocupações que a gente tem. Primeiro: você tem uma limitação de investimento e uma limitação de equipamentos que se dá, até, pela própria... Quando você tem muitos tipos de serviços, e uma variedade muito de produtos e uma variedade muito grande de locais de entrega, cada cliente com a sua particularidade, cada cliente com a sua particularidade, é a palavra que mais se adequa mesmo, você cria equipamentos muito particulares para aquele cliente ou para uma gama muito restrita de clientes. Isso faz com que sua frota fique muito dividida. Você não é assim: “Eu tenho caminhão-baú, tudo é igual. Não foi o um, vai o caminhão-baú 32. Não foi o 32, vai o 65.” Lá, não. Então, tem uma Fiorino, se essa Fiorino der algum problema de manutenção, ou ela tiver algum tipo de problema, ou ela estiver fazendo algum tipo de entrega, não tem outro carro que faça isso. Isso gera um problema de administração bastante complexo. Tem que se pensar muito. Porque você não pode ter um carro e ter um reserva só por causa daquele carro. Aí, não tem gestão que suporte isso. Obviamente, se eu tivesse 50 caminhões iguais, ter dois de reserva... né? Então, isso gera um problema grande de administração de equipamentos. Essa foi a linha da sua pergunta. Então, a gestão disso, ela é complexa, porque existe muitos tipos de
equipamentos, e se aquele equipamento não estiver à disposição, outro equipamento que você tem não atende, porque aquele cliente precisa daquele guindaste. E o guindaste está sendo usado pra outra coisa. Então, dá muito trabalho e o dia a dia é que faz com que a gente não deixe a peteca cair.
P/1 – E na parte de gases, para ter a segurança?
R – Ah, em relação à segurança, exatamente. Como você tem essa gama muito grande de caminhão, tal, você tem o que? Você tem que conseguir fazer um treinamento desse motorista até a captação dessa mão de obra... A gente costuma fazer o motorista em casa. Por isso, eu acredito, tem poucos problemas de segurança e acidentes. A gente faz em casa. O que é fazer em casa? Você pega o ajudante, que é muito interessado, ou o motorista,
que é muito interessado, que transporta internamente, ali, que está sob a sua gestão, você está de olho nele, você acredita nele, que é um bom funcionário, tem tantos anos, que cumpre as regras, que não é atirado, que ele realmente cumpre o que foi determinado. Você dá uma oportunidade para ele passar a ganhar mais, numa função um pouco mais de responsabilidade, num caminhão que vai sair pra rua. Esse caminhão que sai pra rua, você coloca algum ajudante com experiência junto com ele. E que seja parceiro seu, que vá falar: “Meu, ele não dirige. Ele vai bater.” né? Aquela coisa assim: apesar dele estar habilitado, apesar dele fazer direitinho na frente do motorista-instrutor, faz o teste com gerente, ele faz tudo direitinho. Mas na hora que você solta ele sozinho, ele tá sozinho. Então, como é que você confia? Você coloca alguém junto que faça esse approach com você. Ele fala pra você: “Ele dirige bem.” “E aí, como ele é?” “Não..” “Ele anda muito colado?” Sabe, aquela coisa, de você... Você vai monitorando essa informação em off. Ninguém vai mandar ele embora. A gente coloca isso pro ajudante, ou pra quem está vistoriando: não vai mandar ele embora. Mas nós temos que não correr riscos e aí, vai treinando. Dá curso. Aí, ele faz um curso disso, faz um curso de cá, ele faz um curso, recicla, dois em dois, três meses a gente faz uma palestra com eles. Eles explicam as necessidades, a gente chega lá. Abre o jogo, abre o coração, fala: “Ó, não tá nada agradando…” Reclama mesmo, mete a boca. O que a gente puder fazer, a gente vai fazer. E aí, a gente vai... E como é uma área muito específica, e o acidente pode ser fatal, e muitas das vezes vai ser, se não tomar cuidado, então, a gente preza por esse tipo de não-incidente. Até pra que a gente, com que, faça com isso o que? Primeiro que não tenha problema de passivos. Que temos que responder processos etc. Segundo, pelo respeito que a gente tem à pessoa, porque perder um amigo, lá, é complicado. Você perder uma pessoa que trabalha com você há dez anos. Eu nunca tive essa experiência, graças a Deus, na empresa nunca tivemos. Mas deve ser muito difícil. Essa família vir, como é que você passa essa notícia? Esse dissabor eu não quero ter. E terceiro, que a gente quer ter o reconhecimento da empresa para a qual prestamos serviço, de que nós prezamos pela segurança. Que nós queremos ser dos melhores. Ou o melhor. Pra que isso... que a gente tá junto, que eles podem investir. E fazer com que a gente, que eles cresçam e que nós cresçamos juntos. E que não ficamos limitados a uma parte do mercado: “Ah, não, pra eles tá bom isso aí.” A gente quer realmente conquistar em cima de tudo isso, nesses pilares. Primeiro, o medo de você sofrer uma ação. Isso é um medo no bolso. Isso dói muito, você ter que pagar uma coisa pra alguém que você prejudicou. Isso é fato. Dói muito. Segundo, ou também no mesmo nível, o funcionário, perder o funcionário, ou ele se machucar, e você ter que indenizar, isso é muito complicado, isso é o principal, manter essas duas coisas, ser responsável de não vazar, de não matar ninguém, não machucar ninguém, isso dá muito medo e responsabilidade. Medo é uma coisa que vem junto. E o terceiro, que já é o segundo, porque os dois estão no mesmo nível, o segundo seria essa coisa de ter o reconhecimento comercial, de ser bom, de ser reconhecido, de crescer, de a pessoa achar que tá junto, eu acho que isso a gente tem conseguido, a gente acha que poderia conseguir mais, a gente sempre acha que a gente poderia ser, poderia apostar. Mas tem pessoas do outro lado de lá que podem pensar iguais, outras pessoas podem pensar diferente.
P/1 – Você falou da questão dos ajudantes. Quais viagens eles acompanham?
R – Quase todas. Existe alguns tipos de serviço que às vezes nem necessitam que tenha uma mão de obra junto, mas por uma questão de segurança, até da pessoa estar junto vendo se o motorista está em condição, às vezes a pessoa tem um mal súbito, não tá legal, indo bem, sobe pressão, tendo alguém sempre junto, é sempre mais seguro. Você vai largar um produto desse perigoso, uma criança sobe no caminhão. A gente atende regiões de periferia, imagina uma criança sobe lá, porque hoje a educação tá complicada, então, as pessoas não respeitam área, caminhão é propriedade de alguém, ali é uma área que não é pública, ninguém pode subir no caminhão. É um patrimônio seu, um bem seu, só que as crianças sobem e o pai não fala nada. Então, você está numa favela, está na periferia, se você mandar descer de modo abrupto, meio, você pode sofrer as sanções dentro daquele lugar, daquela comunidade, como eles falam. Então, ajudante é uma pessoa que fica ali, ajuda a tomar conta desse negócio, quando o ajudante vai fazer a entrega do cliente, vai adentrar lá para pedir autorização para entrar numa empresa, ou vai levar o cilindro de oxigênio pro paciente, para aquela senhora, centenária, que precisa de dióxido terapia, daquele produto, o motorista vai no caminhão, tomando conta do patrimônio, mas tomando conta, também, que ninguém suba lá, e abra aquele negócio, que vaze aquilo pro ambiente, que vai gerar o maior confusão, criminal, civil etc. Os ajudantes trabalham nesse intuito também. Ajudar mas tem equipe. Duas pessoas pra maior segurança. Tanto patrimonial quanto da carga, do produto. Alguns tipos de produtos, alguns tipos de... só pode transportar em duas pessoas, assim, por causa disso, um olhando pro outro, se está passando mal. Porque as vezes pode passar mal sozinho e, o que acontece? Você não tá bem? O cara encosta. Ele não tá bem, leva ele pro hospital. Então, tem alguém pra socorrer. A chance de duas pessoas passarem mal juntas, a não ser que tenham comido, é muito mais remota.
P/1 – Só uma última pergunta, mais uma curiosidade, onde vem o nome, Transportadora Gatão.
R – Essa pergunta é uma pergunta muito interessante porque nem meu pai, meu tio perguntei uma vez mas ele não me respondeu, não me lembro da resposta. Eu perguntei várias vezes pro meu pai, essa pergunta: da onde vem esse nome? Ela tem duas vertentes, mas que se confundem. Acho que vem das duas, porque eles falavam assim: gatão vem do apelido, era o apelido do meu tio. Meu tio tinha um apelido chamado Gatão, meu pai é o único dos irmãos que não tem apelido de gato, meu tio Vagatinho, Gato Velho. Mini gato. E aí ia, a felinada toda. Então, tinha todo assim. Era toda essa fase. Meu pai diz que o meu avô por parte de pai tinha um barco próximo da onde eles moravam, ali na Vila Palmeiras, que ele tinha uma aguardente que chamava gatão. Então, ele ia lá e vê uma gatão. E aí ficou. Ele era fiel à marca. Não era uma pessoa de beber, nada. Não tinha esse passado. Mas ele tomava aquele aperitivo. Ele tomava a tal da gatão. Então essa é uma dá. O dono do bar chamava ele: “Aê, gatão. Vai uma hoje?” “Vai.” E servia. Então esse é uma das coisas. Meu pai, meu tio, pessoal italiano, sangue meio quente, muito bravo, meio nervoso, meu tio era alto, forte, trabalhavam com caminhão, então eles eram homens muito avantajados fisicamente, braço forte. Meu pai também jogava futebol, perna, muito fortes. Pessoa italiana forte alta de estatura grande gosta de arrumar bastante confusão. Então, o pessoal dizia que eles brigavam igual gato. Os gatos, aê. Brigavam muito. Na época, existia muito bairrismo, que eles falam, então o pessoal daqui não podia namorar menina da outra vila, lá, porque tinham muito ciúmes, os homens da época. Então, era muito bairrista, mesmo. Bairro, vilas. Então, era meio reduto. Você não podia invadir aquela e eram brigas bobagens. Porque ele falou assim: nunca ninguém saiu morto, mas eram aquelas brigas meio de ciúme. Uma coisa bem, acho que, da época, mesmo. Então, eles falavam assim: eu acho que a vertente que mais tem a ver com essa coisa era o apelido. Esse meu avô ficou com esse apelido que é “Ô, gatão. Vai uma, gatão?” Briga mas não era essa coisa. Porque era um apelido de infância. Ficou gatão, gatinho, gato velho, eu também fiquei, quando eu comecei a trabalhar, fiquei como gatinho. Eu falo que só trabalha gente bonita lá, eu falo o seguinte: “Primeiro a gente faz uma requisição, se o motorista for bonito, ele pode trabalhar”. A pessoa sempre pergunta, porque é um nome que acaba marcando, você liga, assim, a pessoa dá risada. “Gatão!” então, acaba marcando. Um nome que acaba ficando marcante. Mais é uma curiosidade que eu acredito que seja mais pelos apelidos. Não consegui ir lá atrás e ainda perguntei várias vezes pro meu pai, mas ele sempre falava. O meu tio comentou: “Ah, meu, o pessoal brigava que nem gato. Eles não podiam se ver, que os bichos se atracavam, lá. Entre os irmãos, entre os vizinhos.” Eles sempre foram muito queridos. Interessante, se brigavam, como é que todo mundo. Era aquela coisa, assim. Sabe o bom-moço? Eles defendiam, mas brigavam. Eu falei: eu nunca vi alguém briguento ser bom-moço. Mas na época a coisa se valia um pouco pela força. Como eles eram altos e eles eram realmente muito bonitos. Todos eles tinham olho azul eles eram muito bonitos, mesmo, assim. Altos, olhões, padrão italiano, olhos azuis, fortes. Então, eles eram bem requisitados pela mulherada, assim. Tem umas famas boas de gatões, mesmo. Mas acho que na época não existia esse lance bonito-gatão. Não existia, mas eles eram bonitos. As fotos deles, eu vejo do meu tio, mesmo depois de idade, eles eram bem bonitos, todos eles, assim, mas..., não sei. É o que eu estou falando, é meio confuso, tem todo esse lado. Depois, o gatão ficou mesmo. Por serem bonitos, lá. É, mas é um gatão mesmo. Meu próprio tio era bem bonito também. Mas não sei, sinceramente frisar no ponto qual que é.
P/1 – Nivaldo, a gente tá indo pro final. Bom, primeiro, você falou muito do trabalho, falou que viaja pouco, mas como é seu dia a dia fora do serviço? Você tem algum lazer, você curte família?
R – Tá. É, então. Como é meu dia a dia? Eu tenho o horário muito aberto. Eu não me policio em relação muito a horários. Eu tenho esse grande defeito. Até pra não estressar, pra aguentar todo esse pique, de tantos anos sem sentir vontade de parar. Exatamente por eu não me policiar por horários. A não ser da escola, eu nunca tive nada que tivesse horário, entendeu? Então, eu acho que eu como advogado que sou formado não seria capaz de chegar muito atrasado, porque eu sempre gosto de fazer alguma coisa a mais. Então, não seria um inglês com todas as letras. Então, meu horário é muito aberto. Então, eu não tenho muito horário pra chegar, muito menos pra sair. Nunca fui controlado, não sou controlado pelos horários. Se eu estiver na empresa, posso sair meia-noite, posso sair uma hora, muito tarde. Minha família não cobra horário. Ligar eu tô no escritório. Desconfiança a minha pessoa, nunca tive problema, porque eu tô lá. é só ir lá. Quer ir lá? Vamos lá. Eu não dou ponto sem nó e não deixo o rabo pra alguém achar que estou fazendo errado. Particular, de família, esposa e tal e chego duas horas em casa, três, meia-noite, ninguém nem me pergunta onde eu tava, que hora é essa. Até porque já sabe: eu tô lá. É só ligar. Você vai vir, você vai demorar? Vou demorar ainda aqui. Nós estamos aqui, ele tá aqui, espera que eu vou chamar ele. Então, assim. Agora, em relação a isso... Isso gera um problema, porque a família tem que se moldar, as pessoas não são obrigadas a serem iguais a mim, mas acabam se moldando a essa falta de viagem, eu moro em casa, que eu comentei até lá antes, uma casa que tem uma estrutura legal, uma casa de bairro, uma casa que não é uma casa que ostenta nada. Por eu gostar de arquitetura, e sempre tive um sonho na minha vida de ter uma casa legal, uma casa bonita, bonita não no sentido de luxo, mas no sentido de ter coisas diferentes, como eu sou uma pessoa que gosta muito de fazer coisas, de inventar coisas, de construir coisas, fazer um pedestal, de construir o móvel, fazer o lustre, exatamente, o lustre foi eu que fiz, o caramanchão de planta foi eu que fiz, o tripé da orquídea, eu que fiz. Eu fiz a minha cara mesmo. A gente entra lá, a casa praticamente de campo, que tem todo um verde, tem cachorro grande, tem rottweiler, tem carpa, tem um lago. É pequenininho, tal, três mil litros, cascata, é bonito de se ver. Então, me dá prazer de alguém chega na minha casa: “Nossa, igual o Big Brother”. Parece mesmo. Porque modéstia a parte, é muito bonitinho, mas nada que seja caro e o meu final de semana é isso, hoje eu não corto mais a grama, mas eu gosto. Semana passada eu limpei todas as orquídeas, todos os kalanchoes eu tirei, semeei de novo. Eu que rego. Não tem uma empregada doméstica em casa. Minha esposa também não gosta dessa interferência de terceiros em casa, pela privacidade que você tem lá. Você acorda, almoço, ela vai fazer. Você fica meio cerceado. Então, lá, é muito à vontade. Então, é bem isso, à vontade. Então, eu vou pra lá. Passo o final de semana, tem estrutura, bonito, convido um amigo no final de semana pra comer alguma coisa. Estou tentando pegar o gosto pela culinária, agora. Comecei a cozinhar umas coisas. Tenho saído bem. Então, vou tentar pegar esse gosto. Mas é uma coisa bem caseira, bem família, mesmo. Mais ali. Visita a mãe, lá, no final de semana. Mora muito perto, também. Chama amigos, também. Jogo futebol ainda, toda quinta-feira. Tem um grupo de amigos também num nível legal, que vai pra jogar competitivamente mas não sai pancadaria, não é aquela coisa que você joga contra alguém. Você joga pra ganhar o jogo. Acabou, acabou. Às vezes tem uns treveiras ali, mas nada... E é bem legal, também. E acho que é esse lance. O que eu acho que me desestressa é essa coisa do fazer em casa. Até o meu gerente, ele fala: “Pô, eu nunca vi. Larga mão, cimenta tudo, joga as plantas fora. Vai pescar, viajar.” Mas cara, aquilo é uma delícia. Eu nunca vi alguém gostar de cortar grama, ele fala. Mas é um hobby. E pegar coisas e fazer. O escritório da minha esposa, a gente que fez. Uma escultura, pegar uma mola, fazer um porta-revista. Desenvolver essas coisas, assim, de pintar. Não pinto quadro, mas sabe, de pegar um banco velho que eu peguei na rua na caçamba. Eu não posso andar de pick-up porque ver uma caçamba na Vila Madalena, em Pinheiros, carrega a caçamba. Passei na MTV uma vez tinha um protótipo de estúdio, uma coisa assim, uma mesa, eu trouxe pra casa, fiz um banco: “Nossa, isso aqui dá uma coisa legal.” Já tá pronto, não tem que desenvolver. Meu avô, sempre foi de fuçar muito. Então, manjo de elétrica, manjo de hidráulica, manjo de eletrônica. Tudo é automatizado em casa. Eu que desenvolvo os negócios. Tenho esse hobby, mas em casa. Acho que é mais ou menos isso, a parte de... Assim, a vida pessoal é bem essa mesma. Falou assim fica calcado naquela coisa da família, mesmo. Eu fui criado assim. Eu fui criado exatamente assim. Sem viajar. Não é que a gente não sente falta, porque praticamente não conhece. Tem pessoas que viajam muito, são do mundo. É tão legal eu vejo as pessoas destemidas. Vão e ficam e trocam de cidade. Não é o perfil. Tanto que eu sempre morei no mesmo bairro. Nem do bairro quis sair. Abri mão de um emprego que de repente poderia ser um bom emprego. Ia estar até bem. Ou mal. Sei lá, você vai saber. Na polícia, mais pra não ter que ficar mudando. E tem pessoas que adoram esse tipo de coisa. Mas a coisa é essa mesmo: sempre família, algum amigo mais chegado, adoro festa, gosto muito de dar festa. Gostaria de ser dessa área de eventos, assim. Eventos, salão de baile. Eu sempre queria ter um salão de baile. Um salão de dança. Sabe, essas coisas, assim? Boate, dançante. Eu gosto de dançar. Esse lado de música eu sempre gostei. E acho que seria uma coisa legal de se fazer. Então, eu gosto de festas alegres. Gente, bastante gente. Não gosto de recepçãozinha de dez, 20 pessoas, não. Eu gosto sempre de mais. Que vire uma festa, entendeu? Porque tudo que eu penso em relação à minha casa, eu penso grande. Salão tem que ser um salão grande. Se é uma festa, tem que ser uma festa... Pessoa por parte de custos, sempre pra economizar. Então, eu faço coisas muito boas sem gastar muito. Mas é aquele detalhe. E as festas na minha casa, também, característica sempre faz com alguma coisa sempre pessoal. Alguma coisa sempre diferente. Não tem padrão. Um dia contrata um músico pra tocar um violão. Super baratinho, cobra trezentos reais. Traz baixo, percussão. Dá impressão de ser uma coisa chique. Mas se você garimpar a pessoa certa, como você tem estrutura que dá pra atender, a pessoa curte porque está num lugar legal, legal, se embebeda, nível bom. A gente contrata a pessoa pra cantar, às vezes, a pessoa fica seis horas, não quer ir embora. Eu falei, moço, para de tocar, porque já é duas de manhã. Mas é muito legal o seu pessoal. Tá, mas . Ele foi o último a sair. Eu tive que pôr ele pra fora. Me convida da próxima vez. Vou pensar. Então, era assim, meio, eu gosto de festas assim. Gosto bastante. E essa, juntar as pessoas, eu gosto.
P/1 – Nivaldo, a gente falou muito da trajetória. O que você achou dessa ideia da White Martins de estar contando os cem anos dela a partir das pessoas que tiveram relação, seja os colaboradores, que a gente entrevistou. Sejam os fornecedores, como você. O que você achou dessa ideia?
R – Eu gosto muito da ideia. Tanto que te comentei que parece que eu sou uma pessoa, eu não gosto muito de me expor, parece totalmente ao contrário de quanto eu falo, quanto eu me exponho. Mas é uma questão de confiança. Eu não falo isso pra maioria. As pessoas que jogam futebol comigo mal sabem onde eu trabalho, mas as pessoas com a qual eu confio aberta aqui, você me convenceu, do nível de idoneidade do material, até por ser da empresa, da White, tal, eu sei, confio. Então, a gente abre até mais as coisas do que costumeiramente eu faria. Mas, até fugiu, agora, meu deus, me perdi.
P/1 – A tua opinião sobre o projeto.
R – Eu gosto muito dessa ideia, mas eu gostaria de ter essa história da transportadora. Por isso eu aprovo essa ideia, porque eu gostaria de ter esse projeto pra
transportadora. Meu pai, meu tio, por exemplo, devido às posses, eu não tenho nada que eles tivessem guardado. Fotos. Meu pai sempre foi de poucas posses. No caso da
transportadora porque eu aprovo? Eu tenho umas coisas que eu guardo, essa pergunta por que Gatão? A gente tem 70 e poucos anos. A empresa foi fundada em 1968. mas eu considero que trabalha pra White desde 1954 porque é desde 1954. eles tinham, lá, oito, dez, caminhões e eram todos no particular. Aí, um dia falou não, nós temos que fazer uma empresa. Não podemos mais trabalhar como particulares. Meu pai é Osvaldo. Ah, o Osvaldo tem dez caminhões. Não posso contratar o Osvaldo, dez caminhões. Então, ela foi constituída, contrato social, em 28 de Outubro de 1968. mas eu desconsidero essa história. Eu penso assim: não adianta registrar seu filho em 1970 se ele nasceu em 1969. tudo bem que é um registro. Mas efetivamente ele nasceu em 1969. voltando, por isso eu acho muito legal. Porque eu gostaria muito, eu prezo muito pela história. Eu prezo pela fotografia. Então, assim, eu revelo fotografia. Eu gosto de fotografia. Tenho máquina legal. Eu sou da era digital, sim, mas tá tudo gravado em alta resolução, guardadinho. Mas eu revelo a foto. Minha sala de estar tem onze álbuns de 400 fotos. Que fica lá desde o tempo que eu tinha 18 anos, tá lá. Que o cabelo ficou mais comprido, depois o cabelo ficou mais curto, ficou mais careca, tá lá. Amigos. Se você for ler um álbum de 400 fotos, você tem 3 anos ali, às vezes. E é muito rápido, diferente do vídeo, que você tem que parar pra assistir. Você passa uma vida toda ali, em uma hora você consegue. Eu adoro. Eu gosto muito do projeto, da WM, eu acho que tem uma trajetória super... começou junto com a industrialização nesse país aqui. Alavancou momentos de gases, essa parte de indústria, ela é co-responsável por muito sucesso, de muita empresa, que tem aí, parceira. Mas o projeto, em si, de memória, na minha vida particular eu tenho. Quando minha filha nasceu, tenho uma filha de sete anos, ela nasceu, eu troquei a minha filmadora, comprei uma máquina profissional, pra não deixar passar nada. Então, ela deve ter milhares de fotos. Eu tenho centenas, não, milhares que eu já revelei.e outras milhares, muito mais de milhares gravados em CD, com HD, com DVD, pra não perder nunca, entendeu. Tem três cópias de segurança. Se um dia ela quiser fazer. Eu não tenho. Eu tenho de infância, mas muito poucos. Recursos antigamente, muito caros, falta de posse. E eles nunca prestaram muita atenção pra história. E eu acho muito legal, saber de onde começou tudo. E eu particularmente prezo por isso na minha vida particular. Desde que eu tive condições de guardar minhas fotos, e tirar fotos, auto-retratos, assim, eu guardo todos. Passeios, cachorro, segundo
cachorro, terceiro
cachorro, nome. Você acha uma bobagem. Bobagem, não. Tira uma foto hoje. Dali a um tempo eu não vou lembrar o nome das pessoas do futebol. Atrás da foto tem o nome de todos. Porque daqui dez anos os mais íntimo, que viraram amigos, esses não vai ser difícil de esquecer. Os colegas, conhecidos, esses vai ser difícil de lembrar. Então, todas as minhas fotos tem datas, as milhares, e nomes atrás. Que foram no evento, que foram ex-funcionário. Com o passar do tempo vai ficando mais velhinho eu aprovo e dou a maior força. Quem sabe, quando a empresa fizer uma idade a gente não venha a ser um cliente em potencial do Museu?
P/1 – Nivaldo, eu quero agradecer muito, sua disposição de vir aqui.
R – longo, prazer de falar. E orgulho de ter tido uma família, um pai que realmente orgulho dele, ter construído toda essa empresa.
P/1 – Foi longa essa história, muito bonita, parabéns pela história.
R – Obrigado.
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa e da White Martins a gente agradece.
R – Muito obrigado.
[Fim da entrevista]Recolher