P/1 – Sr. João, a gente costuma usar o princípio para abrir nossa conversa, então eu queria que o senhor dissesse seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Ok. Eu sou João Bosco Maggioli. Nasci em São Paulo, em 25 de abril de 1935.
P/1 – Em que lugar o senhor nasceu? Que bairro?
R – Eu nasci no bairro de Pinheiros e sempre morei na Zona Sul de São Paulo.
P/1 – E a família do senhor sempre morou em Pinheiros?
R – É, toda a minha família mora na Zona Sul. Quando era jovem, todos os irmãos de meus pais moraram em Pinheiros. E depois de algum tempo, no final da vida do meu pai, minha mãe e eu vivemos no Jardim Paulista.
P/1 – E como é que foi a sua infância no bairro de Pinheiros? Perto do rio?
R – Bom, eu tive uma infância muito pobre. Você pode imaginar, minha mãe teve dez filhos numa época em que não existiam as oportunidades que de hoje. E fomos todos muito pobres. Começamos a trabalhar muito cedo e eu acho que isso foi difícil. Mas, por outro lado foi bastante bom, porque nos trouxe a independência e a coragem de enfrentar a vida muito cedo. Eu, com 13 ou 14 anos, já trabalhava. Com 44 anos, me aposentei oficialmente, mas trabalho até hoje por razões que podem ser explicadas durante a entrevista.
P/1 – Quando o senhor começou a trabalhar com 13, 14 anos o senhor foi fazer exatamente o que?
R – Bom, eu comecei como todo garoto pobre. Eu comecei como Office Boy, trabalhei em agência de publicidade fazendo entrega de jornais entre elas no centro da cidade. Eu acho que não fui diferente dos outros garotos com 13, 14 anos como acontece hoje também, né?
P/1 – E o senhor foi para esse universo da venda direta em função dessa experiência de Office Boy? Como é que foi isso?
R – Olha, eu tenho uma coisa a dizer que pode retratar toda a minha carreira profissional, de como eu tive o meu primeiro emprego. Existia um jornal que só...
Continuar leituraP/1 – Sr. João, a gente costuma usar o princípio para abrir nossa conversa, então eu queria que o senhor dissesse seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Ok. Eu sou João Bosco Maggioli. Nasci em São Paulo, em 25 de abril de 1935.
P/1 – Em que lugar o senhor nasceu? Que bairro?
R – Eu nasci no bairro de Pinheiros e sempre morei na Zona Sul de São Paulo.
P/1 – E a família do senhor sempre morou em Pinheiros?
R – É, toda a minha família mora na Zona Sul. Quando era jovem, todos os irmãos de meus pais moraram em Pinheiros. E depois de algum tempo, no final da vida do meu pai, minha mãe e eu vivemos no Jardim Paulista.
P/1 – E como é que foi a sua infância no bairro de Pinheiros? Perto do rio?
R – Bom, eu tive uma infância muito pobre. Você pode imaginar, minha mãe teve dez filhos numa época em que não existiam as oportunidades que de hoje. E fomos todos muito pobres. Começamos a trabalhar muito cedo e eu acho que isso foi difícil. Mas, por outro lado foi bastante bom, porque nos trouxe a independência e a coragem de enfrentar a vida muito cedo. Eu, com 13 ou 14 anos, já trabalhava. Com 44 anos, me aposentei oficialmente, mas trabalho até hoje por razões que podem ser explicadas durante a entrevista.
P/1 – Quando o senhor começou a trabalhar com 13, 14 anos o senhor foi fazer exatamente o que?
R – Bom, eu comecei como todo garoto pobre. Eu comecei como Office Boy, trabalhei em agência de publicidade fazendo entrega de jornais entre elas no centro da cidade. Eu acho que não fui diferente dos outros garotos com 13, 14 anos como acontece hoje também, né?
P/1 – E o senhor foi para esse universo da venda direta em função dessa experiência de Office Boy? Como é que foi isso?
R – Olha, eu tenho uma coisa a dizer que pode retratar toda a minha carreira profissional, de como eu tive o meu primeiro emprego. Existia um jornal que só oferecia oportunidades em São Paulo, o Diário Popular. E eu, desesperado por um trabalho, não esperei o jornal aparecer nas bancas. Fui à agência do Popular, que era na Rua 3 de Dezembro, no Centro, esperar o jornal sair para correr atrás das poucas oportunidades que existiam naquela época. E não sei se é porque sou uma pessoa que cuida de si, naquela época eu acho que eu tinha uma aparência não melhor do que os outros, mas boa. Uma pessoa se aproximou de mim na agência e disse: “O quê que você está fazendo aqui?”. Eu disse: “Estou esperando o jornal sair porque eu quero arrumar um trabalho”. E esse senhor disse: “Você quer trabalhar comigo?”. Eu respondi: “Bom, eu quero trabalhar, não sei se é com o senhor”. Ele disse: “Eu tenho uma oportunidade para você”. Se isso acontecesse hoje talvez ninguém aceitasse esse convite para sair com esse homem na Rua 3 de Dezembro, acompanhá-lo até o bairro Santa Ifigênia, que era pesadíssimo na época. E lá estava a agência dele. E simplesmente por me ver na porta do Diário Popular ele deve ter me analisado e achou que eu poderia ser a pessoa boa que ele estava procurando. No dia seguinte, comecei a trabalhar e dali as coisas foram acontecendo. Eu tive outros trabalhos, até chegar numa empresa que era da Klabin, uma empresa de fósforos e publicidade, que eu também não sei se você conheceu, os fósforos de papelão. E ali conheci um rapaz que era um Diretor de Arte, trabalhava junto comigo e chamava-se Leônidas Simões. E, como naquela época os diretores de arte de empresa de publicidade estavam muito em moda, na década de 1950, eles eram muito requisitados por várias empresas. Em 1959 surgia a primeira empresa de vendas diretas no Brasil, que era a Avon Cosméticos, que foi inaugurada em maio de 1959. E esse rapaz, como era um dos bons diretores de arte do Brasil, foi convidado pela Avon para participar da abertura da empresa, e ele foi e nós nos separamos. Eu fiquei na Universal. Passados alguns meses eu encontrei esse rapaz e eu disse: “Olá, como vai?”. Ele disse: “Eu vou muito bem, é uma empresa muito americana, bonita...” e não sei o que. “Porque que você não vai lá?”. Eu disse: “Como eu vou lá? Você foi porque foi chamado”. Ele: “Não, vai lá que você vai ter uma oportunidade”. Um dia eu fui, preenchi uma proposta, fui entrevistado na Avon e acabei sendo admitido para o nível de Assistente de Contabilidade na área de Formação de Custo Industrial. Isso foi em setembro de 1959, a Avon estava nascendo no Brasil. Quando você dizia, naquela época, que você ia trabalhar numa companhia de venda direta as pessoas achavam um absurdo: “Você está louco”. Meu pai me disse: “Você vai trocar um Klabin por uma empresa que vai vender de porta em porta? Isso não vai dar certo”. E não foi só o meu pai. Todas as pessoas diziam: “Que loucura, vender de porta em porta”. O Brasil não tinha a mínima ideia do que era isso, e a Avon começou em maio de 1959. Eu cheguei lá em setembro, e o entusiasmo na empresa era incrível pelos resultados das primeiras revendedoras que apareceram em São Paulo e Rio de Janeiro, que foram os dois estados onde essa empresa iniciou. E era um barulho incrível na empresa, e só tinha ela. Quer dizer, foi desde a primeira vez em que as pessoas passaram a ter contato com a venda direta que o sucesso realmente começou a se delinear. E depois do sucesso de São Paulo e Rio, a empresa começou a abrir novos mercados, começou a ir para Minas Gerais, para os estados mais próximos, para o Paraná. E eu nunca vou esquecer que em 1964 eu fui o primeiro Gerente de Vendas da empresa. Depois de passar pela área financeira, na área de contabilidade, eu fui ter oportunidade na área de vendas. Vale a pena também contar sobre como eu fui parar na área de vendas, porque diz um ditado que você sempre vai ter a sua oportunidade, depende de você saber aproveitar. Ela aparece, mas você não pode deixar escapar. E o que aconteceu comigo? Eu era um homem de contabilidade e, modéstia à parte, bastante bom, pois sempre na minha carreira eu queria ser o melhor naquilo que fiz. E eu estava trabalhando num sábado, de hora extra, na área de contabilidade, e o presidente da companhia era um americano vivido no Brasil, que falava bem português. Mas eu nunca tinha falado com esse homem em 1966, a não ser “bom dia”, “boa tarde”, porque ele era Presidente e eu era quase um Office Boy na empresa. E ele estava preparando uma apresentação para fazer nos Estados Unidos. Ele podia ser muito bom na área de Marketing, mas era muito ruim na área de cálculos. Então ele tinha o escritório dele na parte superior do prédio, e desceu pra me pedir um favor, se eu podia fazer uns cálculos para ele. E a minha rapidez em cálculo era tamanha que o homem se espantou. Terminado, eu perguntei para ele: “O senhor precisa de mais alguma coisa?”. Ele disse: “Não, muito obrigado”. Isso era um sábado. Na segunda feira às nove horas da manhã esse homem me chama na sala dele. Eu falei: “O homem vai me mandar embora porque eu devo ter feito os cálculos todos errados”. E ele diz: “Olha, eu nunca havia conversado com você. Você me ajudou no trabalho no sábado e eu gostei muito de você, e eu gostaria que você aceitasse uma proposta que eu vou fazer. Nós estamos procurando uma pessoa pra ser um Gerente de Vendas da companhia e eu estou oferecendo a vaga a você. Só que esse trabalho vai requerer muita dedicação, muita viagem. Você vai ter que se ausentar da família”. Eu era casado, a minha primeira filha tinha nascido naquele ano. Eu disse: “Eu não posso dar uma resposta porque não vou só sair de uma sala para outra. Eu vou ter que começar a sair de São Paulo, a minha família está acostumada comigo aqui, a minha mulher depende do meu suporte”. Fui almoçar em casa pra conversar com a minha senhora, para ver o que ela achava de eu mudar de vida. Era uma mudança muito grande, e realmente foi. E ela, como uma mulher inteligente, que está comigo todos esses anos, disse: “Bom, se eu disser não, eu vou frustrar a carreira dele e um dia ele pode me culpar porque ele não cresceu na vida porque eu não apoiei a oportunidade que ele teve. Se eu disser sim, eu vou sentir a ausência dele pelo que ele está me dizendo. Mas é preferível sofrer essa parte do que sofrer a primeira”. Ela acabou concordando e eu voltei depois do almoço e disse a ele que eu tinha conversado com a minha senhora, e que estávamos de acordo em começar a enfrentar esse desafio. E foi, de verdade, a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Porque eu não tinha coragem de mudar a minha vida, com a família, e viajar. Porque hoje é fácil falar: “Eu vou viajar”, mas estamos falando de 50 anos atrás. Então eu aceitei e realmente comecei um trabalho muito difícil, um trabalho que eu não conhecia, porque eu vinha só desse tipo de trabalho de Auxiliar de Escritório e Contabilidade, e me tornei um homem de vendas e comecei a viajar o Brasil. E a primeira viagem, depois de um treinamento de uns três ou quatro meses, foi abrir o estado do Rio Grande do Sul, que era o novo mercado que a Avon queria chegar. Eu teria que mudar de São Paulo. Então fomos eu, minha mulher e as duas filhas morar em Porto Alegre. Foi, à princípio, um choque para quem vinha de uma origem humilde como eu vim, se mudar de São Paulo para dirigir um pedaço da empresa no Rio Grande do Sul. E o trabalho foi muito interessante. No início, foi muito bom em Porto Alegre. Eu só trabalhava com Porto Alegre. Depois, começamos a abrir o interior do Rio Grande do Sul e aí teve outra coisa interessante para venda direta conhecer. A oportunidade que a Avon oferecia às mulheres, na época, era a melhor oportunidade que existia. Nem uma outra empresa poderia oferecer o que a Avon oferecia. Ela oferecia automóvel, salário fixo, benefícios. Imagina oferecer automóvel naquela época.
P/1 – Para as vendedoras?
R – Não, para uma Promotora, que era uma gerente de setor. Mas com tudo isso foi muito difícil, no estado do Rio Grande do Sul, encontrar mulheres que se dispusessem a isso. Até que as mulheres se dispunham, mas os maridos não concordavam com esse tipo de trabalho. Então eu fazia entrevistas, por exemplo, em Pelotas, Rio Grande, Santa Maria, que eram as cidades grandes do Rio Grande do Sul. E havia candidatas ótimas pra começar o trabalho, mas quando chegava na hora de entrevistar o marido, que era um dos requisitos para fechar o contrato, eles não concordavam. A mulher perdia a oportunidade de ser uma Gerente de Setor de Vendas porque o marido não concordava com a liberdade que ela teria que passar a ter.
P/1 – Vocês entrevistavam os maridos?
R – Naquela época nós entrevistávamos os maridos porque fazia parte do procedimento da empresa. O marido precisava concordar para ela trabalhar. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais era fácil, mas o Rio Grande do Sul demonstrou uma resistência muito grande, e eu não conseguia admitir gente lá. Para começar o mercado do Rio Grande do Sul, nós tínhamos que levar as pessoas de São Paulo, promotoras de São Paulo para morar nas cidades. Aí então, aquelas pessoas que haviam sido entrevistadas começaram a acompanhar o trabalho e a dizer para o marido: “Essa moça veio de São Paulo. É isso que você não me deixou fazer”. Você ainda não sabe o lado dos maridos, do porquê eles não concordarem: era porque os gerentes da Avon eram todos homens - eu, por exemplo. E tínhamos que trabalhar com as senhoras na rua, nos carros delas. Então eles diziam: “Mas como? Vem um homem de São Paulo, de Porto Alegre, trabalhar com a minha mulher?”.
P/1 – Ainda mais gaúcho, né?
R – É. “E vai sair no carro dela? Não. Não mesmo, tchê”. Isso foi uma passagem bastante interessante. Levou mais de um ano para o Rio Grande do Sul entender o sistema de trabalho das senhoras que iam dirigir a área de vendas. Depois, se tornou tudo mais fácil. Todas as companhias que chegaram no Brasil, ou que abriram no Brasil, tiveram facilidade em começar o seu trabalho, porque o difícil já tinha sido feito. Por exemplo: uma mudança brutal é que naquele tempo, até 1970, a venda direta era extremamente organizada e trazia um custo muito alto para as empresas que se interessavam em entrar no sistema. A Avon tinha o Brasil inteirinho, contado casa por casa. E cada vendedora, naquela época, tinha um mapa delineado para revender. Ela não podia revender em um outro bairro, numa outra parte da cidade, num outro estado, porque cada gerente de setor tinha todos os mapas delineados com 200 casas para cada revendedora do Brasil. Era um custo brutal para contar essas casas e para dividir em territórios. Depois, com a entrada de outras empresas, foi impossível manter esse controle, porque mesmo que você desse um mapa para uma vendedora, uma outra empresa dava um outro setor ou deixava a venda livre, e aquilo virava realmente uma total desorganização. Então, à partir de 1970, 1972, a Avon acabou abandonando por duas razões. Uma é porque a desorganização passou a ser total no mercado brasileiro com a entrada de novas empresas. E a outra é que passou a ser um problema legal você determinar uma área de ação ou de trabalho para uma vendedora. Quer dizer, os dois pontos levaram a empresa a abandonar o sistema. Mas foi um negócio perfeito, pelo menos, por uns 12 ou 15 anos.
P/1 – Mas não seria perfeito também porque a Avon não tinha concorrentes?
R – Não, não tinha ninguém.
P/1 – Não tinha ninguém, né?
R – Só ela. Ela foi sozinha até quase 1970. Em 1970 começaram a surgir algumas companhias brasileiras. A própria Natura eu acho que apareceu em 1970, 1972, 1979. Até 1972, 1975, a Avon dominava o mercado e fazia bem ao estilo americano. Isso tudo é o sistema americano. E durante esse tempo todo, eu vivi em Porto Alegre por uns dois ou três anos. Depois, voltei a São Paulo e continuei abrindo o Nordeste em 1972, e fui até 1975. Aí, comecei a me entusiasmar muito pela Bahia e gostei. Imagina a Bahia naquela época. Se hoje já é bonita, imagina naquela época. E eu e minha família estávamos decididos a morar em Salvador. Achávamos que nós íamos viver bem lá, que eu encerraria minha carreira como Gerente de Vendas da Avon. Eu disse ao meu diretor: “Olha, eu estou com vontade de fazer uma casa aqui em Salvador e trazer a família pra morar aqui”. Ele disse: “Olha, não faça isso porque a companhia vai precisar de você em São Paulo. Não compre nada aqui, não fixe residência aqui porque a companhia quer você em São Paulo”. E eu acabei perdendo esse sonho de morar na Bahia e vim para São Paulo. Eles tinham um problema muito sério em São Paulo, não conseguíamos crescer em São Paulo. E eles me deram como desafio fazer o trabalho em São Paulo, o mesmo trabalho que eu já fazia. Eu passei a me fixar em São Paulo, e foi realmente um trabalho belíssimo. Tudo que deveria ter sido feito de 1959 a 1970 eu acabei fazendo em dois ou três anos e isso me resultou numa oportunidade de me tornar um Gerente Regional ________ parte do Brasil. Isso foi mais ou menos em 1972 ou 1973, eu não me lembro a data exata. E daí, em 1974 eles me ofereceram a oportunidade de ser um Diretor de Vendas Nacional no Brasil. E eu achei que a minha carreira já tinha chegado ao topo e eu poderia pensar, dali pra frente, em me aposentar porque eu tinha realizado uma coisa que jamais eu sonhei: ser Diretor de uma multinacional do porte da Avon no Brasil. Mas, em 1979, eu fui surpreendido por uma reunião do board committee da empresa que foi feita no Brasil. Como o Brasil estava indo muito bem, a matriz decidiu fazer uma reunião do board committee aqui. Eu era o Diretor de Vendas na época e tive que acompanhar o board committee nos trabalhos. Queriam conhecer grupo de Direito _______ Setor, queriam conhecer revendedoras, queriam conhecer o mercado. Então nós fizemos reuniões em São Paulo, reuniões grandes, com muita gente. Fizemos reuniões no Rio de Janeiro, depois fomos a Foz do Iguaçu. As reuniões deles eram de trabalho mas ao, mesmo tempo, faziam turismo. E fizemos essas reuniões todas e estes homens lotaram (?) em 1979, nos Estados Unidos. E uma semana depois eles marcam uma reunião em Nova York e me convidaram. Eu nunca havia visto uma reunião deste porte de board committee. Eu cheguei lá, o chairman me diz: “Você aqui, uma semana depois de nos virmos lá em São Paulo. Eu gostaria de dizer que você é o novo presidente da companhia. Então, em 1979 - eu entrei na empresa em 1959 - me tornei presidente da empresa e fiquei por 13 anos como presidente da empresa. Me aposentei em 1993. E a Avon se tornou esse colosso que é hoje o que vocês todos conhecem. Foi e é uma grande empresa, uma grande organização. Quase todas as pessoas que hoje trabalham na venda direta passaram pela Avon e passaram pelas minhas mãos. Todos os diretores, os vice-presidentes da empresa que saíram ou por aposentadoria ou por terem uma outra oportunidade trabalharam comigo e devem ter estado aqui, ou vão estar aqui. Então eu levo comigo uma alegria muito grande de poder ter feito uma carreira de quase 40 anos na mesma empresa, mas em grande crescimento. Hoje, toda a boa vida que eu posso dizer que eu tenho, e que a minha família tem, veio, obviamente, de um trabalho forte que eu fiz, mas que a companhia reconheceu e soube avaliar. E eu fui o Presidente que mais tempo ficou na empresa. A média de tempo é quatro anos e eu fiquei 13 anos. Tem histórias que não valem a pena contar numa entrevista como essa, mas que só quem viveu como eu realmente guarda, e têm um valor extraordinário. Uma delas é que quando eu estava preparando a minha aposentadoria, o Vice-Presidente, que era muito amigo meu, ainda é hoje e não está mais na Avon, disse: “João, nós temos que começar a pensar na mudança da empresa, e você vai nos ajudar. Esta empresa, no Brasil, ela não parece a Avon. Na nossa visão, a empresa é o João Maggioli, e está na hora de nós começarmos a pensar em alguém que vá dar continuidade a isso, como a Avon”. Não foi bom eu escutar mas, ao mesmo tempo, foi uma satisfação, um orgulho enorme, porque a empresa concluiu que ela existia no Brasil muito mais em função da minha pessoa do que da própria marca. Eles não gostavam disso, mas para mim foi extremamente valioso porque mostrou a mim que quando uma pessoa se dispõe a fazer um trabalho, como eu disse pra você no início, de que não quero ser simplesmente um empregado, um profissional, mas eu quero ser o melhor naquilo que eu faço. Realmente aconteceu comigo e hoje é meu discurso em todas as empresas que eu passo: que independente da posição que você ocupa, você deve querer sempre ser o melhor naquilo que você faz. Não queira ser igual ao seu colega, especialmente quando eles são medíocres. As pessoas querem se unir aos medíocres para justificar o insucesso. Queira ser o melhor naquilo que você faz. E isso aconteceu comigo e eu nunca pedi promoção em lugar nenhum, eu sempre achei que eu já tinha chegado ao topo, e cheguei a ser presidente da empresa por 13 anos. E eu pensava que minha carreira já tinha encerrado. Quer dizer, com 58 anos eu deixei a Avon, aposentado, e tendo feito um trabalho com eles de preparar uma pessoa por dois ou três anos antes que eu saísse, que eles tinham muito receio de que pudesse haver um choque com a minha saída e nós fomos preparando a mudança. Eu fui diminuindo o meu ritmo de trabalho, eu fui me afastando e, em 1993, saí. Mas aí eu achei que ia cuidar da minha vida porque, enquanto eu preparava a empresa para eles nesses três anos, eu também fui preparando a minha vida. Eu comecei a cuidar da minha vida para a minha aposentadoria, comecei a entrar em outras coisas, preparar a minha possível receita de futuro. E saí em abril e comecei a cuidar de fazenda, eu entrei no mercado imobiliário. E achei que aí ia ser o meu futuro quando, em setembro do mesmo ano, ficando quatro ou cinco anos afastado e aposentado - porque eu dizia: “Com 58 anos, primeiro que eu não quero mais voltar a trabalhar, segundo que no mercado brasileiro um homem de 50 anos é velho. Eu com 58, então, sou avô. Não vou nem pensar nisso.” Mas, em setembro de 1998, um amigo que trabalhou comigo na Avon nos Estados Unidos estava aqui no Brasil pesquisando o mercado brasileiro e me procurou. Aí nós nos encontramos, ele perguntou coisas sobre o Brasil, sobre o mercado. Eu dei informações a eles e eles foram embora. Eu os levei para o aeroporto e eles voltaram aos Estados Unidos. E dois dias depois eles me ligaram perguntando sobre aquela conversa que nós tivemos, se nós não podíamos continuar lá, em uma reunião com eles, em Salt Lake City. Eu fui. Cheguei lá, e o Chairman da empresa tinha sido uma pessoa da Avon também, nos Estados Unidos, e me disse: “Olha, eles estiveram conversando com você e nós gostaríamos de te oferecer a oportunidade de abrir essa empresa no Brasil”. Eu disse: “Ah, mas eu estou aposentado, eu não pensava mais em voltar a trabalhar”. Ele disse: “Não, mas é uma companhia muito interessante”. Realmente é uma companhia bastante interessante, muito menor do que essas empresas que nós falamos, mas eu vi o sucesso que eles estavam tendo em todo o mundo. Fiquei três dias lá e eles acabaram me convencendo a trazer a empresa para o Brasil. Eu vim para cá em setembro de 1998, e em maio de 1999 eu estava abrindo esta empresa no Brasil, que foi realmente um sucesso.
P/1 – Que empresa que é?
R – Nature’s Sunshine. Eu vou contar uma história que pouca gente sabe porque não houve oportunidade de contar. Eu fui presidente da Avon por 13 anos. A Avon é uma companhia de um bilhão de dólares. Mas eu não tinha, no mercado brasileiro, a expressão que eu passei a ter depois de abrir essa companhia. E eu pensei que a minha carreira tinha terminado. Quer dizer, eu de verdade passei a despertar interesse no mercado quando eu fixei essa companhia no Brasil, a Nature’s Sunshine. Foi um espetáculo de companhia. Outras empresas começaram a me procurar e eu fiquei realmente surpreso. Com a minha idade, já tendo me aposentado, porque que com esta empresa eu passei a despertar interesse de outras. Eu tive, em 1998, quatro convites de empresas fabulosas, sendo que uma delas que eu não aceitei pelo tamanho, que foi a Coca-Cola. Eu disse: “Eu não quero nem saber.” Só perguntei: “Porque que vocês vieram me procurar, se eu sou de uma área de venda direta e de cosméticos, e a Coca-Cola não tem nada a ver com isso?”. E eles me disseram: “Olha, nós pesquisamos o mercado. Nós temos um problema no Brasil de distribuição, e você foi apontado como um especialista em distribuição”. E eu disse: “Muito obrigado mas eu não vou aceitar”. Eles disseram: “Mas você não quer nem conhecer o pacote?”. Era na Geórgia. Eu disse: “Não, eu não quero ir porque se eu conhecer o pacote eu vou aceitar e eu não quero aceitar”. E eu tive, na mesma semana, um convite da Tupperware, um da Nu Skin e de uma outra companhia pequena. E eu optei pela Nu Skin em setembro de 1998. Quando tudo estava acertado, eu devia conhecer essa empresa no Japão, que é onde ela tem muito sucesso. Então convidei a minha senhora pra ir comigo passar dez dias no Japão. Quando eu cheguei no aeroporto pra pegar a minha passagem, tinha um e-mail pra mim: “João, não embarque e entre em contato conosco”. E eu entrei em contato e eles me disseram: “Você não pode ir porque a Nature’s Sunshine moveu uma ação contra a Nu Skin pela sua contratação”. Foi capa da Gazeta Mercantil em 1998, de “executivo proibido de trabalhar no Brasil”. E por causa dessas coisas que aconteceram é que eu digo que o sistema é realmente muito forte porque, veja, eu não fui para lá, e aceitei o convite da Tupperware. Fiquei três anos. Deixei a Tupperware e disse: “Agora me aposentei. Me aposentei na Avon, me aposentei na Nature’s Sunshine, me aposentei na Tupperware. Agora não vou trabalhar mais”. Quando, uma noite, esse grupo da Nu Skin me telefonou e perguntou se eu podia estar com eles aqui em São Paulo. Eu fui jantar com eles e eles voltaram a me convidar para fazer um trabalho pra eles no Brasil, que é o que eu estou fazendo hoje. Então o que eu quis dizer, no início, é que quando eu estive na Avon, ou por eu estar lá, que é uma companhia muito grande, e por ter ficado por muito tempo, isso talvez intimidava outras empresas a fazer qualquer tipo de proposta. Estando numa empresa menor, e tendo também os resultados que eu obtive na época, era mais fácil para eles falarem com uma empresa menor. Mas eu passei a imaginar que eu me projetei muito mais nos últimos dez anos na venda direta do que durante todo o tempo que eu estive na Avon, que a Avon sempre foi uma companhia muito fechada, você aparecia muito pouco. E como eu também nunca gostei de holofotes, hoje eu estou aqui, né? Eu acho que quando você tem a oportunidade de criar uma empresa, isso te valoriza muito mais do que quando você dá continuidade a uma empresa. Continuar um trabalho é mais fácil do que criar um trabalho. Então essa criação daquela empresa me levou ao mercado de uma maneira muito mais forte do que o período que eu estive com a Avon.
P/1 – E durante sua trajetória, como é que foi a participação do senhor com as instituições de venda direta?
(Pausa)
P/1 – A gente está fazendo a entrevista com o senhor só sobre a Avon.
R – Ah, eu fui fundador da Avon. Eu vi sair as primeiras caixas para os revendedores em 1959.
P/1 – Eu gostaria, mas infelizmente hoje a gente não vai conseguir fazer ________
R – Não, eu pensei que eu ia dar um pronunciamento de três minutos.
P/1 – O senhor não gosta de falar, é?
R – Não, eu sou um falador.
P/1 – A Avon deve ter coisas fantásticas, né?
R – E o Ademar foi primeiro meu Gerente de Vendas, depois foi tão bom quanto eu e se tornou Diretor de Vendas, Diretor de Marketing, foi ser Gerente Geral na Argentina e voltou para me substituir.
P/1 – Foi a empresa que formou todo o pessoal...
R – Você conhece o pessoal lá?
P/1 – Conheço alguns que nós entrevistamos e que estão vinculados aqui à ABEVD [Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta].
R – O Modesto foi meu Diretor Financeiro.
P/1 – Vamos retomar?
R – Você fez a pergunta...
P/1 – Então, Sr. João, o senhor contou para a gente um pouco sobre essa trajetória super de sucesso na área. E como é que foi? Quer dizer, a ABEVD está completando 20 anos agora, mas provavelmente alguma articulação devia existir antes.
R – Então eu vou dizer.
P/1 – Como era?
R – Acontece o seguinte, em 1979 as companhias multinacionais que já faziam parte da Associação de Venda Direta de cada país - nos Estados Unidos, Japão e Europa essas companhias já eram fortes - começaram a estimular o Brasil a ter a sua associação em 1979. Mas tinha muito poucas empresas por aqui. Fora a Avon, existia mais duas companhias brasileiras, pequenas. Mas não sentíamos ainda, naquela época, que tínhamos porte para ter uma associação. E em 1980 criamos a coragem de, com as quatro ou cinco empresas que existiam, fazer uma proposta de fundar a Associação Brasileira de Venda Direta, que na época chamava-se Domus [Associação Brasileira das Empresas Vendedores de Mercadorias a Revendedoras a Domicílio]. Era a Avon, a Natura, Christian Gray, a Pierre Alexander, acho que ...
P/1 – Hermes também, não?
R – Hermes não era dessa época não. Então, com quatro ou cinco empresas nós iniciamos a Associação Brasileira de Vendas Diretas denominada Domus [Associação Brasileira das Empresas Vendedores de Mercadorias a Revendedoras a Domicílio]. Na época, eu fui o primeiro presidente e fiquei por oito anos discutindo em volta de uma mesa com cinco ou seis empresas, e sem muita coisa pra se fazer porque era tudo muita novidade, as empresas eram muito fechadas porque, como a Avon era a líder de mercado já naquela época, ela era uma das mais fechadas. Não gostava muito de se abrir com receio de que as que estavam iniciando pudessem ser ajudadas pela experiência da Avon. E as muito pequenas se interessavam muito pouco por isso. Então realmente as ações eram muito pequenas, e quase que não se discutia muito grandes ações naquela época porque existia muito receio de se abrir, de se mostrar não só para os competidores mas se mostrar para a área de governo. E ela caminhou durante oito, dez, doze anos como uma associação de bons amigos, ou seja, alguma coisa boa ela trouxe, a oportunidade de bom relacionamento entre as empresas. Quer dizer, se não houvesse a associação, com certeza o sistema estaria ainda mais fechado porque cada um estaria com a sua empresa, não conheceria nem os grandes idealizadores das empresas que vieram. Mas eu acho que depois da década de 1980 a gente começou a ter muito mais liberdade de diálogo, o número de empresas participantes da associação aumentou, embora umas entrassem e outras saíssem porque o sistema de venda direta é forte desde o primeiro dia em que nasceu no Brasil, em 1959. Mas todo mundo pensava - e ainda pensa - que venda direta é uma coisa muito fácil. Por isso muitas empresas desapareceram rápido porque não é bem como as pessoas pensam: não é só você ter um produto e colocar na mão de uma vendedora que você vai vender, vai receber o dinheiro e vai continuar a crescer. Não é bem assim. Existem muitos cuidados a serem tomados e muita vontade de querer acertar para você manter uma companhia como a Natura, por exemplo, que eu vi nascer e hoje é essa potência que é. Os donos da Natura realmente fizeram, desde o primeiro dia o que os grandes empresários devem fazer. Eles se preocuparam com os mínimos detalhes, trabalharam muito, buscaram as pessoas certas para poder fazer a companhia crescer. Mas muitas outras companhias brasileiras e multinacionais entraram no mercado e não tiveram sucesso. Quantas multinacionais vieram ao Brasil nesses 30 anos? Não dá nem pra contar. E não tiveram sucesso. No caso das multinacionais, porque não tiveram sucesso? Porque as companhias de fora acham que elas podem vir ao Brasil e fazer aquilo que elas fazem lá fora, e não funciona porque o mercado brasileiro é outro, a cultura brasileira é outra. Se você não adaptar a sua empresa ao mercado, não vai acontecer nada. As brasileiras acabam seguindo os passos das companhias bem sucedidas. Quer dizer, a Natura é uma companhia muito bem sucedida mas ela teve a inteligência de pegar as coisas boas que a Avon fazia na época, por mais outras coisas boas, que vieram da cabeça dos proprietários, e se tornou uma grande empresa. Mas as companhias estrangeiras pecam por isso. Mais de uma dezena delas já esteve aqui no Brasil e já foi embora, porque elas não querem entender e se adaptar. Esta companhia que eu estou agora, por exemplo, quando eles me convidaram em 2002 para estruturar a empresa, a proposta que eu fiz foi essa: “Eu não vou voltar para dar continuidade ao que vocês têm lá. Ou vocês se adaptam à cultura do Brasil, jogam fora o que vocês fazem lá e põem exatamente o que o brasileiro quer fazer, ou eu não posso ir com vocês. Para dar continuidade ao que vocês têm a cinco anos sem sucesso, eu não vou me juntar a vocês”. E, felizmente, eles entenderam. A companhia está num caminho que está surpreendendo a todos eles. Mas é muito fácil: é só fazer o que o brasileiro quer comprar, ao preço que ele quer comprar, a revendedora ganhando o que quer ganhar, e você faz uma companhia. E esse é o problema da venda direta, é muito suscetível a coisas que são mal colocadas, tanto pro consumidor como pro vendedor. Você tem que fazer o que eles gostam. E como eu estou a pouco tempo nisso, eu acho que são duas coisas que eu sei como fazer, quer dizer, eu sei o que o consumidor brasileiro gosta e quanto ele quer pagar, porque também não adianta você trazer o que ele gosta a um preço que ele não pode pagar. Você fica com a mercadoria na prateleira. Então esse tempo todo do mercado de venda direta acabou mostrando ao Brasil que grande negócio é, que grande oportunidade é, a ponto de o Brasil ter hoje mais de um milhão e meio de pessoas envolvidas no negócio e se tornar o terceiro mercado mundial, perdendo só para o Japão e os Estados Unidos. Não vai nem querer competir com eles que é coisa grande demais, mas só de se tornar o terceiro mercado é a mostra de quanto foi o sucesso da venda direta aqui no Brasil, e isso faz com que todas as empresas de venda direta do mundo passem a se interessar em fazer parte do mercado brasileiro. Quando eles vêem a estatística, de que o Brasil é o terceiro ou quarto ou quinto, que já fomos quinto em razão da moeda, eles passam a se interessar pelo mercado. E todos querem vir para o Brasil. Mas, por outro lado, eles vão tomar conhecimento das empresas multinacionais que estiveram no Brasil e não tiveram sucesso. Então eles ficam se perguntando: “Bom, é o terceiro mercado, o brasileiro. Mas em contrapartida a maioria das multinacionais que vão para lá foram não tiveram sucesso, deixaram. O que vamos fazer? Vamos encarar? Vamos ao Brasil, mesmo sabendo disso? Ou o que devemos fazer?”. Outras empresas ainda têm interesse de vir para o Brasil.
P/1 – Ao que o senhor atribui esse sucesso da venda direta no Brasil? Culturalmente...
R – O sucesso vem do seu nascimento. A facilidade de comunicação que o brasileiro tem deu esse bom início. As mulheres, por exemplo, têm uma facilidade incrível de se comunicar com as vizinhas, com parentes, no trabalho, o que não é tão fácil em outros países. Embora a venda direta tenha muito sucesso no Japão e nos Estados Unidos, eu imagino que o início deles deve ter sido mais difícil, porque a comunicação não é tão forte como é no Brasil. Então essa abertura que o brasileiro tem, e o mexicano também tem, facilita. Hoje, quando se discute venda direta no mundo: “porque o sucesso do Brasil ou da América Latina?”. É porque a abertura que o brasileiro tem, como a comunicação, facilita o negócio no país. É muito fácil hoje uma mulher se comunicar com quem ela quiser.
P/1 – Então não seria só uma questão de suprir as necessidades de consumo, mas sim de relacionamento?
R – Eu considero que começa com o relacionamento. Depois, se você não tem como suprir necessidade obviamente você não vai ter o sucesso. Mas se não fosse essa abertura que a sociedade brasileira ou latina tem, a venda direta não teria tido um sucesso tão rápido como teve. O difícil foi o começo, em 1959. Ter as primeiras pessoas a aceitarem a estar vendendo de porta em porta, pois naquela época era de porta em porta mesmo. Eu vou contar a você um corrido que hoje jamais seria possível fazer, primeiro pela quantidade de pessoas que estão no sistema, segundo pelo problema da segurança que nós vivemos. Em 1972, quando eu vim para São Paulo, era impossível vender Avon aqui, na quantidade desejada. Tinha sucesso, mas não tinha o mesmo sucesso do Rio de Janeiro, por exemplo. O Rio de Janeiro vendia mais do que São Paulo, mesmo tendo um terço da população. Então eu comecei a buscar gerentes de setor em mulheres de personalidade forte. Porque a Avon tinha, naquele período, pessoas que queriam trabalhar mas não tinham uma postura profissional de realização. Então comecei a selecionar pessoas muito fortes, mulheres que criavam até problema para dirigir, que tem muito dirigente que não gosta de ter pessoas que criam problemas para dirigir. E foi um sucesso porque, por exemplo, vender um produto Avon em 1970 no Jardim América, Jardim Paulista, não existia. Ninguém conhecia porque você não tinha como penetrar. Pois eu me dispus, naquela época, a vender de porta em porta no Jardim Paulista e no Jardim América. Fui buscar uma mulher que ainda hoje é minha amiga, não trabalha mais, e disse a ela: “Você foi um colosso em todos os mercados que você passou em São Paulo. Agora você vai provar realmente o seu valor fazendo venda direta nesse mercado: Jardim América, Jardim Paulista, Jardim Europa e um pedaço de Pinheiros”. Você imagina que essa mulher teve revendedora de alta classe social participando de reuniões de venda e vendendo, e se tornou terceiro setor de vendas de São Paulo, depois de um ano e meio. Foi um sucesso. Porquê? Encontrei a pessoa certa, que sabia falar com esse nível de gente. Não podia pôr no Jardim Paulista uma senhora que não tivesse condições de dialogar com esse nível de gente, né? E ela foi um sucesso. Então a venda direta em São Paulo foi o que fez a minha carreira. Quer dizer, todos os desafios que a Avon encontrou no Brasil eu sempre, com a característica de querer me tornar o homem fazendo o melhor dentro daquilo que está fazendo, eu não tinha medo de nenhum desafio. E esse de construir São Paulo foi muito difícil. Isso me deu um grande passo na minha carreira. Agora, se você vai e diz: “Ah, é muito difícil fazer porque foi difícil pro outro”, você nunca vai crescer porque você não enfrenta as dificuldades que o trabalho te apresenta. Mas a venda direta hoje é muito diferente do que foi. Hoje você não sabe, mas algumas pessoas vendem, mesmo porque, levado pela própria legislação, é interessante não saber. Desde que ela venda e te pague, ela é uma boa revendedora. Mas naquela época não sabíamos aonde vendia, que rua vendia, que tipo de casa comprava, que tipo de cliente comprava. Hoje ninguém tem mais isso.
P/1 – Tinha um diagnóstico mais claro do setor...
R – Tinha, hoje não. Hoje todo mundo sabe que vende, mas não sabe da onde vem a venda. Ela te conta um pouco, as grandes revendedoras, mas você não vai conhecer bem qual é o perfil do seu consumidor.
P/1 – E a fidelidade?
R – A fidelidade você consegue através da própria revendedora. Nós sabemos que se ela se mantém revendedora, de 70% a 80% do que ela compra é mais ou menos para as mesmas consumidoras. Então, esse é o tipo de fidelidade que você tem. E também não é mais a venda porta a porta. Todo mundo diz: “A venda porta a porta não existe mais, hoje a venda é casa a casa. Quer dizer, o pessoal que vem na sua casa ou casa de conhecidos ou parentes que você visita, o escritório ou a fábrica que você trabalha. Hoje funciona assim, por duas razões. Primeiro porque as pessoas não atendem, não é só porque tem muita empresa no sistema mas também pela segurança. Se você tocar uma campainha ou bater numa porta as pessoas não vão te atender. Você tem que ser realmente conhecido de alguém, ou dos seus familiares ou de vizinhos ou de alguém que te convidou pra fazer uma reunião em algum lugar. Mas o fato é que o volume de vendas é incrível, é impressionante. Quer dizer, o que se faz de negócio hoje no Brasil mostra o quanto o consumidor brasileiro gosta dessa facilidade de comprar aonde ele está. Não se pode falar que é na própria casa. É uma facilidade porque ele pode se planejar. Ele compra e vai pagar só quando a mercadoria chegar. Ele sabe o dia que chega e já reserva o dinheiro para pagar. É sempre uma pessoa conhecida, uma amiga, uma “parenta” que está trazendo uma mercadoria. Tanto é que essa fidelidade muda de acordo com a revendedora ou com o vendedor. Quer dizer, se ela mudar de empresa ela leva os clientes para aquela empresa. Quer dizer, as consumidoras são muito mais fiéis a quem vende do que à empresa que vende. Então, se você tem bons vendedores você tem que trabalhar para cativar, para segurar, para motivar os bons vendedores, que eles te trazem o negócio, não é só o seu produto. Obviamente você tem que ter o produto de qualidade e preço. Mas o consumidor muda muito mais em função de quem está atendendo do que a empresa. Quem está atendendo é muito forte no negócio. Ou seja, a venda direta funciona em razão de quem está na rua oferecendo os seus produtos.
P/1 – É incrível isso, o impacto na vida dessas pessoas. Elas...
R – E o que essa gente ganha, é uma oportunidade que eles não teriam em outro lugar. Se fala em ganhar muito pouco, mas também tem como ganhar muito. As pessoas que se tornam realmente empreendedores ou empreendedoras, essas pessoas ganham dinheiro, e bom dinheiro. Tiveram, como se diz, uma ambição maior. E isso acontece em todas as atividades. Quem tem mais ambição consegue mais, quem tem menos consegue menos, e quem não tem não vai ganhar nada.
P/1 – E como que a Domus virou ABEVD? O senhor está nesse processo de mudança?
R – Não, eu não estive nesse processo que era a época que eu estive meio afastado. Ela virou ABEVD porque na época já muitos associados não gostavam dessa terminologia Domus. Achavam ela meio pobre, antiquada. E como existiam outras associações já falando em ABEVD, ABEVD, ABEVD, então acharam por bem mudar, então eu acho que ficou bem melhor. Mas na época se discutiu muito, quando fizemos a Domus, nós tínhamos o Ex-Presidente da Avon a quem eu substituí, que era um homem muito forte na época, e ele gostava muito de falar em Domus e acabou convencendo a maioria, que a maioria ainda não estava muito bem entrosada e forte pra tentar mudar, mas também aceitaram. E eu acho que a mudança foi boa, eu gostei, acho melhor hoje do que falar em Domus. Apesar que hoje se você fala em ABEVD para algumas pessoas da venda direta eles não sabem bem, quando você fala em Domus eles sabem o que é.
P/1 – Já sabe porque foi durante muito tempo.
R – É, foi durante muito tempo.
P/1 – E o senhor, além desse período na Domus, o senhor participou de outras gestões da ABEVD?
R – Não. Eu vou dizer porque. Porque isso vai acontecer com todas as pessoas, eu acho que com todas as pessoas. À medida que o tempo passa, e que as pessoas vão atingindo a idade que eu estou atingindo, a gente não tem mais paciência pra ficar em volta de uma mesa quase sempre ouvindo as mesmas coisas. Se eu vier à ABEVD meio ano, 90% do que vai rolar lá vão ser repetitivas, e eu já não tenho mais paciência pra isso. E também trago uma experiência, posso dar palpites e as pessoas mais jovens podem não entender. Então, para mim, é mais fácil eu não fazer parte. Eu contribuo, como agora, eu respondi positivamente esta entrevista. Eles pediram essa contribuição pro Museu. Eu estou com eles porque a nossa companhia está com eles no mundo inteiro. E todas as companhias multinacionais são muito fortes nas associações de vendas diretas. E eles apóiam qualquer ação da associação dos países. E eu sou amigo de todos eles mas acho que eu não me sinto, não é que não me sinto bem, não gosto. Mas não é só na ABEVD, eu não gosto de participar de qualquer reunião.
P/1 – Com a visão toda que o senhor tem, quer dizer, o senhor tem uma trajetória que é pelo menos o dobro da existência dessa instituição ABEVD. Quais os desafios que o senhor acha que esta instituição tem para os próximos 20 anos, para continuar podendo intermediar ou não a relação das empresas de venda direta?
R – Eu acho que, com relação às empresas, não têm desafio nenhum porque todas as empresas que estão ou que estarão no futuro, elas são muito mais beneficiadas fazendo parte da ABEVD do que não fazendo parte. E se posso falar em desafio, pode ser que ocorra, como sempre nós tivemos, alguns desafios com a área de governo, com a legislação brasileira, que sempre existe curioso em querer saber: “Se a coisa é tão grande, se vocês vendem tanto, se vocês têm um milhão e meio de pessoas, como é que o governo tem que encarar isso?”. Então os desafios com a área de governo eu acho que vão aumentar em razão da grandeza da ABEVD. Quando nós éramos pequenininhos ninguém queria saber o que era venda direta. Quando nos tornamos médios, fortes, começaram as pessoas a querer se interessar ao que era venda direta. Hoje são muito fortes, e ainda mais com a abertura que se faz de comunicação, de que somos o terceiro mercado do mundo e que é tantos milhões de dólares, isso abre o olho de todas as áreas de governo. Quer dizer, hoje a própria ABEVD vem encarando um questionamento de governo, por exemplo, na área de aposentadoria, do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], que quer saber se essas mulheres pagam INSS ou não, e quem é que vai pagar. Quer dizer, quanto mais você faz propagandas do seu negócio, que deve ser feito, mais exposto você fica. Quanto mais bonita você é, maior o seu risco para andar na rua. É isso.
P/1 – Mas o senhor não concorda com essa...
R – Eu concordo porque isso só trouxe benefício. Eu concordo, isso só traz benefício. Mas quando nós começamos a fazer uma abertura, quando o Guilherme Leal era o Presidente da associação, ele foi sempre o maior interessado em fazer isso na associação. Eu dizia: “Olha, isso aí um dia pode ter um preço porque até hoje nós temos essa associação fechada. Nós começamos a abrir, alguém vai se interessar por essa abertura”. E realmente acabou acontecendo esse ano ou o ano passado com essa área de governo e futuramente pode acontecer mais.
P/1 – Mas isso também é uma forma de... tem os dois lados, né?
R – Não, mas _________________ fraqueza, ele tem fraqueza.
P/1 – Estamos acompanhando várias, né?
R – É. Não, não, a nossa. A venda direta tem uma fraqueza. Você tem um exército de pessoas onde eles não são seus empregados, não pagam nem um tributo. Pagam o tributo da industrialização, mas não pessoal. Então isso é um risco que você vai correr. Se hoje o benefício maior é continuar como nós estamos fazendo, vamos fazer. Eu não ________ faz. Poderia chegar na mesa, com 50 anos de trabalho que eu tenho, e questionar. Então, não questiono. O pessoal acha que deve fazer, eu vou fazer. Faz, e a minha companhia está junto.
P/1 – O senhor nunca pensou em organizar as suas memórias, escrever um livro?
R – Você sabe que várias pessoas têm interesse em fazer um livro comigo, porque realmente o que eu te contei é 1% da minha história de venda direta. E tem pessoas interessadas em querer escrever um livro comigo para dar à opinião pública ou aos interessados no mundo da venda direta as experiências que eu posso contar, as coisas boas e as coisas ruins. Não só falar da minha carreira, mas falar do sistema. Porque eu trago comigo uma coisa que nem todos os profissionais trazem, e é por isso é que eu sou sempre procurado pelas empresas, que todo mundo fala. Existem três ou quatro sistemas de venda direta, não são todos iguais a Avon e Natura. Eu, por exemplo, hoje estou numa empresa que é de um sucesso monstruoso num sistema chamado de multinível, que não tem nada a ver com a venda direta. Quer dizer, hoje é um sistema no qual as pessoas têm a possibilidade de ganhar bem mais dinheiro do que na venda direta convencional. Então precisa conhecer isso. Quando eu abri aquela empresa, a Nature’s Sunshine, eles eram uma companhia de multinível, eu tive que implantar no Brasil e tive que aprender. E aprendi bastante, conheço bastante, e essa empresa que eu estou agora é também de multinível e a maioria das empresas no mundo são de multinível. Quer dizer, o futuro é as empresas de venda direta caminharem pro multinível, que é um sistema no qual você não tem as gerentes de venda, os próprios distribuidores que se tornam grandes ________ e eles formam a força de venda e ganham sobre o que essa força de venda produz. E essa é a tendência de agora e para o futuro.
P/1 – E quais são os próximos desafios que o senhor tem pela frente?
R – Bom, eu não tenho muitos porque eu estou com grande expectativa de realmente parar a minha atividade, porque afinal de contas, eu não quero parar num cemitério, né? E como dizia um amigo meu: “Você está querendo ser o homem mais rico do cemitério”. Não é isso. Eu tenho muita vontade de terminar porque todas as empresas que eu vou, eu vou sob contrato, e eu tenho um contrato de três anos com essa empresa, que termina agora em maio próximo. Mas eles já estão antecipando uma renovação de contrato, o que eu não gostaria que acontecesse. Mas pelo estágio que a empresa está, e as mudanças que eu fiz no Brasil, eu tenho até, eu pessoalmente, uma preocupação de deixar a empresa para dar continuidade de um trabalho que vai ficar mais ou menos no meio, e eu não sei como seria uma outra pessoa dando continuidade a isso. Mas eles não podem nem ouvir falar que em maio do ano que vem termina o meu contrato. E eu e a minha mulher estamos contando que junho do ano que vem nós estamos livres para viajar e fazer o que nós gostaríamos de fazer.
P/1 – Bom, pelo visto Bahia só a férias, né?
R – E nem férias eu vou mais porque a Bahia agora ficou muito cheia, tem muito barulho. Tem outros passeios que nós gostamos mais de fazer. Mas o futuro realmente, se depender de mim, é esquecer a venda direta a partir de junho do ano que vem.
P/1 – Podemos fazer uma aposta.
R – Bom, se você está associada aos americanos, eles vão ganhar essa aposta, né? Porque eles já não conversam comigo mais como empresários, eles tentam me comover, me envolver no lado emocional: “Olha, João, você com essa idade fazendo o que você está fazendo. As pessoas da companhia não podem nem imaginar que você vai parar. Você já imaginou se você disser que vai parar?”. Realmente será um grande problema para eles, mais para eles do que pra mim. E por esse lado eu nunca digo que vai ser em junho. Eu quero que seja em junho, já que maio termina o meu contrato. Mas eles já estão me conversando a um ano, quer dizer, um ano e meio antes de terminar eles querem saber como vai ser. Eu digo: “Por mim vai terminar em maio”.
P/1 – João, muito obrigada pela entrevista que o senhor nos deu. Eu agradeço em nome da ABEVD e do Instituto Museu da Pessoa. E eu espero um dia poder ouvir só as suas histórias de Avon.
R – Ah, de Avon é longa…
------------------- Fim da entrevista -----------
P/1 – Sr. João, a gente costuma usar o princípio para abrir nossa conversa, então eu queria que o senhor dissesse seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Ok. Eu sou João Bosco Maggioli. Nasci em São Paulo, em 25 de abril de 1935.
P/1 – Em que lugar o senhor nasceu? Que bairro?
R – Eu nasci no bairro de Pinheiros e sempre morei na Zona Sul de São Paulo.
P/1 – E a família do senhor sempre morou em Pinheiros?
R – É, toda a minha família mora na Zona Sul. Quando era jovem, todos os irmãos de meus pais moraram em Pinheiros. E depois de algum tempo, no final da vida do meu pai, minha mãe e eu vivemos no Jardim Paulista.
P/1 – E como é que foi a sua infância no bairro de Pinheiros? Perto do rio?
R – Bom, eu tive uma infância muito pobre. Você pode imaginar, minha mãe teve dez filhos numa época em que não existiam as oportunidades que de hoje. E fomos todos muito pobres. Começamos a trabalhar muito cedo e eu acho que isso foi difícil. Mas, por outro lado foi bastante bom, porque nos trouxe a independência e a coragem de enfrentar a vida muito cedo. Eu, com 13 ou 14 anos, já trabalhava. Com 44 anos, me aposentei oficialmente, mas trabalho até hoje por razões que podem ser explicadas durante a entrevista.
P/1 – Quando o senhor começou a trabalhar com 13, 14 anos o senhor foi fazer exatamente o que?
R – Bom, eu comecei como todo garoto pobre. Eu comecei como Office Boy, trabalhei em agência de publicidade fazendo entrega de jornais entre elas no centro da cidade. Eu acho que não fui diferente dos outros garotos com 13, 14 anos como acontece hoje também, né?
P/1 – E o senhor foi para esse universo da venda direta em função dessa experiência de Office Boy? Como é que foi isso?
R – Olha, eu tenho uma coisa a dizer que pode retratar toda a minha carreira profissional, de como eu tive o meu primeiro emprego. Existia um jornal que só oferecia oportunidades em São Paulo, o Diário Popular. E eu, desesperado por um trabalho, não esperei o jornal aparecer nas bancas. Fui à agência do Popular, que era na Rua 3 de Dezembro, no Centro, esperar o jornal sair para correr atrás das poucas oportunidades que existiam naquela época. E não sei se é porque sou uma pessoa que cuida de si, naquela época eu acho que eu tinha uma aparência não melhor do que os outros, mas boa. Uma pessoa se aproximou de mim na agência e disse: “O quê que você está fazendo aqui?”. Eu disse: “Estou esperando o jornal sair porque eu quero arrumar um trabalho”. E esse senhor disse: “Você quer trabalhar comigo?”. Eu respondi: “Bom, eu quero trabalhar, não sei se é com o senhor”. Ele disse: “Eu tenho uma oportunidade para você”. Se isso acontecesse hoje talvez ninguém aceitasse esse convite para sair com esse homem na Rua 3 de Dezembro, acompanhá-lo até o bairro Santa Ifigênia, que era pesadíssimo na época. E lá estava a agência dele. E simplesmente por me ver na porta do Diário Popular ele deve ter me analisado e achou que eu poderia ser a pessoa boa que ele estava procurando. No dia seguinte, comecei a trabalhar e dali as coisas foram acontecendo. Eu tive outros trabalhos, até chegar numa empresa que era da Klabin, uma empresa de fósforos e publicidade, que eu também não sei se você conheceu, os fósforos de papelão. E ali conheci um rapaz que era um Diretor de Arte, trabalhava junto comigo e chamava-se Leônidas Simões. E, como naquela época os diretores de arte de empresa de publicidade estavam muito em moda, na década de 1950, eles eram muito requisitados por várias empresas. Em 1959 surgia a primeira empresa de vendas diretas no Brasil, que era a Avon Cosméticos, que foi inaugurada em maio de 1959. E esse rapaz, como era um dos bons diretores de arte do Brasil, foi convidado pela Avon para participar da abertura da empresa, e ele foi e nós nos separamos. Eu fiquei na Universal. Passados alguns meses eu encontrei esse rapaz e eu disse: “Olá, como vai?”. Ele disse: “Eu vou muito bem, é uma empresa muito americana, bonita...” e não sei o que. “Porque que você não vai lá?”. Eu disse: “Como eu vou lá? Você foi porque foi chamado”. Ele: “Não, vai lá que você vai ter uma oportunidade”. Um dia eu fui, preenchi uma proposta, fui entrevistado na Avon e acabei sendo admitido para o nível de Assistente de Contabilidade na área de Formação de Custo Industrial. Isso foi em setembro de 1959, a Avon estava nascendo no Brasil. Quando você dizia, naquela época, que você ia trabalhar numa companhia de venda direta as pessoas achavam um absurdo: “Você está louco”. Meu pai me disse: “Você vai trocar um Klabin por uma empresa que vai vender de porta em porta? Isso não vai dar certo”. E não foi só o meu pai. Todas as pessoas diziam: “Que loucura, vender de porta em porta”. O Brasil não tinha a mínima ideia do que era isso, e a Avon começou em maio de 1959. Eu cheguei lá em setembro, e o entusiasmo na empresa era incrível pelos resultados das primeiras revendedoras que apareceram em São Paulo e Rio de Janeiro, que foram os dois estados onde essa empresa iniciou. E era um barulho incrível na empresa, e só tinha ela. Quer dizer, foi desde a primeira vez em que as pessoas passaram a ter contato com a venda direta que o sucesso realmente começou a se delinear. E depois do sucesso de São Paulo e Rio, a empresa começou a abrir novos mercados, começou a ir para Minas Gerais, para os estados mais próximos, para o Paraná. E eu nunca vou esquecer que em 1964 eu fui o primeiro Gerente de Vendas da empresa. Depois de passar pela área financeira, na área de contabilidade, eu fui ter oportunidade na área de vendas. Vale a pena também contar sobre como eu fui parar na área de vendas, porque diz um ditado que você sempre vai ter a sua oportunidade, depende de você saber aproveitar. Ela aparece, mas você não pode deixar escapar. E o que aconteceu comigo? Eu era um homem de contabilidade e, modéstia à parte, bastante bom, pois sempre na minha carreira eu queria ser o melhor naquilo que fiz. E eu estava trabalhando num sábado, de hora extra, na área de contabilidade, e o presidente da companhia era um americano vivido no Brasil, que falava bem português. Mas eu nunca tinha falado com esse homem em 1966, a não ser “bom dia”, “boa tarde”, porque ele era Presidente e eu era quase um Office Boy na empresa. E ele estava preparando uma apresentação para fazer nos Estados Unidos. Ele podia ser muito bom na área de Marketing, mas era muito ruim na área de cálculos. Então ele tinha o escritório dele na parte superior do prédio, e desceu pra me pedir um favor, se eu podia fazer uns cálculos para ele. E a minha rapidez em cálculo era tamanha que o homem se espantou. Terminado, eu perguntei para ele: “O senhor precisa de mais alguma coisa?”. Ele disse: “Não, muito obrigado”. Isso era um sábado. Na segunda feira às nove horas da manhã esse homem me chama na sala dele. Eu falei: “O homem vai me mandar embora porque eu devo ter feito os cálculos todos errados”. E ele diz: “Olha, eu nunca havia conversado com você. Você me ajudou no trabalho no sábado e eu gostei muito de você, e eu gostaria que você aceitasse uma proposta que eu vou fazer. Nós estamos procurando uma pessoa pra ser um Gerente de Vendas da companhia e eu estou oferecendo a vaga a você. Só que esse trabalho vai requerer muita dedicação, muita viagem. Você vai ter que se ausentar da família”. Eu era casado, a minha primeira filha tinha nascido naquele ano. Eu disse: “Eu não posso dar uma resposta porque não vou só sair de uma sala para outra. Eu vou ter que começar a sair de São Paulo, a minha família está acostumada comigo aqui, a minha mulher depende do meu suporte”. Fui almoçar em casa pra conversar com a minha senhora, para ver o que ela achava de eu mudar de vida. Era uma mudança muito grande, e realmente foi. E ela, como uma mulher inteligente, que está comigo todos esses anos, disse: “Bom, se eu disser não, eu vou frustrar a carreira dele e um dia ele pode me culpar porque ele não cresceu na vida porque eu não apoiei a oportunidade que ele teve. Se eu disser sim, eu vou sentir a ausência dele pelo que ele está me dizendo. Mas é preferível sofrer essa parte do que sofrer a primeira”. Ela acabou concordando e eu voltei depois do almoço e disse a ele que eu tinha conversado com a minha senhora, e que estávamos de acordo em começar a enfrentar esse desafio. E foi, de verdade, a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Porque eu não tinha coragem de mudar a minha vida, com a família, e viajar. Porque hoje é fácil falar: “Eu vou viajar”, mas estamos falando de 50 anos atrás. Então eu aceitei e realmente comecei um trabalho muito difícil, um trabalho que eu não conhecia, porque eu vinha só desse tipo de trabalho de Auxiliar de Escritório e Contabilidade, e me tornei um homem de vendas e comecei a viajar o Brasil. E a primeira viagem, depois de um treinamento de uns três ou quatro meses, foi abrir o estado do Rio Grande do Sul, que era o novo mercado que a Avon queria chegar. Eu teria que mudar de São Paulo. Então fomos eu, minha mulher e as duas filhas morar em Porto Alegre. Foi, à princípio, um choque para quem vinha de uma origem humilde como eu vim, se mudar de São Paulo para dirigir um pedaço da empresa no Rio Grande do Sul. E o trabalho foi muito interessante. No início, foi muito bom em Porto Alegre. Eu só trabalhava com Porto Alegre. Depois, começamos a abrir o interior do Rio Grande do Sul e aí teve outra coisa interessante para venda direta conhecer. A oportunidade que a Avon oferecia às mulheres, na época, era a melhor oportunidade que existia. Nem uma outra empresa poderia oferecer o que a Avon oferecia. Ela oferecia automóvel, salário fixo, benefícios. Imagina oferecer automóvel naquela época.
P/1 – Para as vendedoras?
R – Não, para uma Promotora, que era uma gerente de setor. Mas com tudo isso foi muito difícil, no estado do Rio Grande do Sul, encontrar mulheres que se dispusessem a isso. Até que as mulheres se dispunham, mas os maridos não concordavam com esse tipo de trabalho. Então eu fazia entrevistas, por exemplo, em Pelotas, Rio Grande, Santa Maria, que eram as cidades grandes do Rio Grande do Sul. E havia candidatas ótimas pra começar o trabalho, mas quando chegava na hora de entrevistar o marido, que era um dos requisitos para fechar o contrato, eles não concordavam. A mulher perdia a oportunidade de ser uma Gerente de Setor de Vendas porque o marido não concordava com a liberdade que ela teria que passar a ter.
P/1 – Vocês entrevistavam os maridos?
R – Naquela época nós entrevistávamos os maridos porque fazia parte do procedimento da empresa. O marido precisava concordar para ela trabalhar. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais era fácil, mas o Rio Grande do Sul demonstrou uma resistência muito grande, e eu não conseguia admitir gente lá. Para começar o mercado do Rio Grande do Sul, nós tínhamos que levar as pessoas de São Paulo, promotoras de São Paulo para morar nas cidades. Aí então, aquelas pessoas que haviam sido entrevistadas começaram a acompanhar o trabalho e a dizer para o marido: “Essa moça veio de São Paulo. É isso que você não me deixou fazer”. Você ainda não sabe o lado dos maridos, do porquê eles não concordarem: era porque os gerentes da Avon eram todos homens - eu, por exemplo. E tínhamos que trabalhar com as senhoras na rua, nos carros delas. Então eles diziam: “Mas como? Vem um homem de São Paulo, de Porto Alegre, trabalhar com a minha mulher?”.
P/1 – Ainda mais gaúcho, né?
R – É. “E vai sair no carro dela? Não. Não mesmo, tchê”. Isso foi uma passagem bastante interessante. Levou mais de um ano para o Rio Grande do Sul entender o sistema de trabalho das senhoras que iam dirigir a área de vendas. Depois, se tornou tudo mais fácil. Todas as companhias que chegaram no Brasil, ou que abriram no Brasil, tiveram facilidade em começar o seu trabalho, porque o difícil já tinha sido feito. Por exemplo: uma mudança brutal é que naquele tempo, até 1970, a venda direta era extremamente organizada e trazia um custo muito alto para as empresas que se interessavam em entrar no sistema. A Avon tinha o Brasil inteirinho, contado casa por casa. E cada vendedora, naquela época, tinha um mapa delineado para revender. Ela não podia revender em um outro bairro, numa outra parte da cidade, num outro estado, porque cada gerente de setor tinha todos os mapas delineados com 200 casas para cada revendedora do Brasil. Era um custo brutal para contar essas casas e para dividir em territórios. Depois, com a entrada de outras empresas, foi impossível manter esse controle, porque mesmo que você desse um mapa para uma vendedora, uma outra empresa dava um outro setor ou deixava a venda livre, e aquilo virava realmente uma total desorganização. Então, à partir de 1970, 1972, a Avon acabou abandonando por duas razões. Uma é porque a desorganização passou a ser total no mercado brasileiro com a entrada de novas empresas. E a outra é que passou a ser um problema legal você determinar uma área de ação ou de trabalho para uma vendedora. Quer dizer, os dois pontos levaram a empresa a abandonar o sistema. Mas foi um negócio perfeito, pelo menos, por uns 12 ou 15 anos.
P/1 – Mas não seria perfeito também porque a Avon não tinha concorrentes?
R – Não, não tinha ninguém.
P/1 – Não tinha ninguém, né?
R – Só ela. Ela foi sozinha até quase 1970. Em 1970 começaram a surgir algumas companhias brasileiras. A própria Natura eu acho que apareceu em 1970, 1972, 1979. Até 1972, 1975, a Avon dominava o mercado e fazia bem ao estilo americano. Isso tudo é o sistema americano. E durante esse tempo todo, eu vivi em Porto Alegre por uns dois ou três anos. Depois, voltei a São Paulo e continuei abrindo o Nordeste em 1972, e fui até 1975. Aí, comecei a me entusiasmar muito pela Bahia e gostei. Imagina a Bahia naquela época. Se hoje já é bonita, imagina naquela época. E eu e minha família estávamos decididos a morar em Salvador. Achávamos que nós íamos viver bem lá, que eu encerraria minha carreira como Gerente de Vendas da Avon. Eu disse ao meu diretor: “Olha, eu estou com vontade de fazer uma casa aqui em Salvador e trazer a família pra morar aqui”. Ele disse: “Olha, não faça isso porque a companhia vai precisar de você em São Paulo. Não compre nada aqui, não fixe residência aqui porque a companhia quer você em São Paulo”. E eu acabei perdendo esse sonho de morar na Bahia e vim para São Paulo. Eles tinham um problema muito sério em São Paulo, não conseguíamos crescer em São Paulo. E eles me deram como desafio fazer o trabalho em São Paulo, o mesmo trabalho que eu já fazia. Eu passei a me fixar em São Paulo, e foi realmente um trabalho belíssimo. Tudo que deveria ter sido feito de 1959 a 1970 eu acabei fazendo em dois ou três anos e isso me resultou numa oportunidade de me tornar um Gerente Regional ________ parte do Brasil. Isso foi mais ou menos em 1972 ou 1973, eu não me lembro a data exata. E daí, em 1974 eles me ofereceram a oportunidade de ser um Diretor de Vendas Nacional no Brasil. E eu achei que a minha carreira já tinha chegado ao topo e eu poderia pensar, dali pra frente, em me aposentar porque eu tinha realizado uma coisa que jamais eu sonhei: ser Diretor de uma multinacional do porte da Avon no Brasil. Mas, em 1979, eu fui surpreendido por uma reunião do board committee da empresa que foi feita no Brasil. Como o Brasil estava indo muito bem, a matriz decidiu fazer uma reunião do board committee aqui. Eu era o Diretor de Vendas na época e tive que acompanhar o board committee nos trabalhos. Queriam conhecer grupo de Direito _______ Setor, queriam conhecer revendedoras, queriam conhecer o mercado. Então nós fizemos reuniões em São Paulo, reuniões grandes, com muita gente. Fizemos reuniões no Rio de Janeiro, depois fomos a Foz do Iguaçu. As reuniões deles eram de trabalho mas ao, mesmo tempo, faziam turismo. E fizemos essas reuniões todas e estes homens lotaram (?) em 1979, nos Estados Unidos. E uma semana depois eles marcam uma reunião em Nova York e me convidaram. Eu nunca havia visto uma reunião deste porte de board committee. Eu cheguei lá, o chairman me diz: “Você aqui, uma semana depois de nos virmos lá em São Paulo. Eu gostaria de dizer que você é o novo presidente da companhia. Então, em 1979 - eu entrei na empresa em 1959 - me tornei presidente da empresa e fiquei por 13 anos como presidente da empresa. Me aposentei em 1993. E a Avon se tornou esse colosso que é hoje o que vocês todos conhecem. Foi e é uma grande empresa, uma grande organização. Quase todas as pessoas que hoje trabalham na venda direta passaram pela Avon e passaram pelas minhas mãos. Todos os diretores, os vice-presidentes da empresa que saíram ou por aposentadoria ou por terem uma outra oportunidade trabalharam comigo e devem ter estado aqui, ou vão estar aqui. Então eu levo comigo uma alegria muito grande de poder ter feito uma carreira de quase 40 anos na mesma empresa, mas em grande crescimento. Hoje, toda a boa vida que eu posso dizer que eu tenho, e que a minha família tem, veio, obviamente, de um trabalho forte que eu fiz, mas que a companhia reconheceu e soube avaliar. E eu fui o Presidente que mais tempo ficou na empresa. A média de tempo é quatro anos e eu fiquei 13 anos. Tem histórias que não valem a pena contar numa entrevista como essa, mas que só quem viveu como eu realmente guarda, e têm um valor extraordinário. Uma delas é que quando eu estava preparando a minha aposentadoria, o Vice-Presidente, que era muito amigo meu, ainda é hoje e não está mais na Avon, disse: “João, nós temos que começar a pensar na mudança da empresa, e você vai nos ajudar. Esta empresa, no Brasil, ela não parece a Avon. Na nossa visão, a empresa é o João Maggioli, e está na hora de nós começarmos a pensar em alguém que vá dar continuidade a isso, como a Avon”. Não foi bom eu escutar mas, ao mesmo tempo, foi uma satisfação, um orgulho enorme, porque a empresa concluiu que ela existia no Brasil muito mais em função da minha pessoa do que da própria marca. Eles não gostavam disso, mas para mim foi extremamente valioso porque mostrou a mim que quando uma pessoa se dispõe a fazer um trabalho, como eu disse pra você no início, de que não quero ser simplesmente um empregado, um profissional, mas eu quero ser o melhor naquilo que eu faço. Realmente aconteceu comigo e hoje é meu discurso em todas as empresas que eu passo: que independente da posição que você ocupa, você deve querer sempre ser o melhor naquilo que você faz. Não queira ser igual ao seu colega, especialmente quando eles são medíocres. As pessoas querem se unir aos medíocres para justificar o insucesso. Queira ser o melhor naquilo que você faz. E isso aconteceu comigo e eu nunca pedi promoção em lugar nenhum, eu sempre achei que eu já tinha chegado ao topo, e cheguei a ser presidente da empresa por 13 anos. E eu pensava que minha carreira já tinha encerrado. Quer dizer, com 58 anos eu deixei a Avon, aposentado, e tendo feito um trabalho com eles de preparar uma pessoa por dois ou três anos antes que eu saísse, que eles tinham muito receio de que pudesse haver um choque com a minha saída e nós fomos preparando a mudança. Eu fui diminuindo o meu ritmo de trabalho, eu fui me afastando e, em 1993, saí. Mas aí eu achei que ia cuidar da minha vida porque, enquanto eu preparava a empresa para eles nesses três anos, eu também fui preparando a minha vida. Eu comecei a cuidar da minha vida para a minha aposentadoria, comecei a entrar em outras coisas, preparar a minha possível receita de futuro. E saí em abril e comecei a cuidar de fazenda, eu entrei no mercado imobiliário. E achei que aí ia ser o meu futuro quando, em setembro do mesmo ano, ficando quatro ou cinco anos afastado e aposentado - porque eu dizia: “Com 58 anos, primeiro que eu não quero mais voltar a trabalhar, segundo que no mercado brasileiro um homem de 50 anos é velho. Eu com 58, então, sou avô. Não vou nem pensar nisso.” Mas, em setembro de 1998, um amigo que trabalhou comigo na Avon nos Estados Unidos estava aqui no Brasil pesquisando o mercado brasileiro e me procurou. Aí nós nos encontramos, ele perguntou coisas sobre o Brasil, sobre o mercado. Eu dei informações a eles e eles foram embora. Eu os levei para o aeroporto e eles voltaram aos Estados Unidos. E dois dias depois eles me ligaram perguntando sobre aquela conversa que nós tivemos, se nós não podíamos continuar lá, em uma reunião com eles, em Salt Lake City. Eu fui. Cheguei lá, e o Chairman da empresa tinha sido uma pessoa da Avon também, nos Estados Unidos, e me disse: “Olha, eles estiveram conversando com você e nós gostaríamos de te oferecer a oportunidade de abrir essa empresa no Brasil”. Eu disse: “Ah, mas eu estou aposentado, eu não pensava mais em voltar a trabalhar”. Ele disse: “Não, mas é uma companhia muito interessante”. Realmente é uma companhia bastante interessante, muito menor do que essas empresas que nós falamos, mas eu vi o sucesso que eles estavam tendo em todo o mundo. Fiquei três dias lá e eles acabaram me convencendo a trazer a empresa para o Brasil. Eu vim para cá em setembro de 1998, e em maio de 1999 eu estava abrindo esta empresa no Brasil, que foi realmente um sucesso.
P/1 – Que empresa que é?
R – Nature’s Sunshine. Eu vou contar uma história que pouca gente sabe porque não houve oportunidade de contar. Eu fui presidente da Avon por 13 anos. A Avon é uma companhia de um bilhão de dólares. Mas eu não tinha, no mercado brasileiro, a expressão que eu passei a ter depois de abrir essa companhia. E eu pensei que a minha carreira tinha terminado. Quer dizer, eu de verdade passei a despertar interesse no mercado quando eu fixei essa companhia no Brasil, a Nature’s Sunshine. Foi um espetáculo de companhia. Outras empresas começaram a me procurar e eu fiquei realmente surpreso. Com a minha idade, já tendo me aposentado, porque que com esta empresa eu passei a despertar interesse de outras. Eu tive, em 1998, quatro convites de empresas fabulosas, sendo que uma delas que eu não aceitei pelo tamanho, que foi a Coca-Cola. Eu disse: “Eu não quero nem saber.” Só perguntei: “Porque que vocês vieram me procurar, se eu sou de uma área de venda direta e de cosméticos, e a Coca-Cola não tem nada a ver com isso?”. E eles me disseram: “Olha, nós pesquisamos o mercado. Nós temos um problema no Brasil de distribuição, e você foi apontado como um especialista em distribuição”. E eu disse: “Muito obrigado mas eu não vou aceitar”. Eles disseram: “Mas você não quer nem conhecer o pacote?”. Era na Geórgia. Eu disse: “Não, eu não quero ir porque se eu conhecer o pacote eu vou aceitar e eu não quero aceitar”. E eu tive, na mesma semana, um convite da Tupperware, um da Nu Skin e de uma outra companhia pequena. E eu optei pela Nu Skin em setembro de 1998. Quando tudo estava acertado, eu devia conhecer essa empresa no Japão, que é onde ela tem muito sucesso. Então convidei a minha senhora pra ir comigo passar dez dias no Japão. Quando eu cheguei no aeroporto pra pegar a minha passagem, tinha um e-mail pra mim: “João, não embarque e entre em contato conosco”. E eu entrei em contato e eles me disseram: “Você não pode ir porque a Nature’s Sunshine moveu uma ação contra a Nu Skin pela sua contratação”. Foi capa da Gazeta Mercantil em 1998, de “executivo proibido de trabalhar no Brasil”. E por causa dessas coisas que aconteceram é que eu digo que o sistema é realmente muito forte porque, veja, eu não fui para lá, e aceitei o convite da Tupperware. Fiquei três anos. Deixei a Tupperware e disse: “Agora me aposentei. Me aposentei na Avon, me aposentei na Nature’s Sunshine, me aposentei na Tupperware. Agora não vou trabalhar mais”. Quando, uma noite, esse grupo da Nu Skin me telefonou e perguntou se eu podia estar com eles aqui em São Paulo. Eu fui jantar com eles e eles voltaram a me convidar para fazer um trabalho pra eles no Brasil, que é o que eu estou fazendo hoje. Então o que eu quis dizer, no início, é que quando eu estive na Avon, ou por eu estar lá, que é uma companhia muito grande, e por ter ficado por muito tempo, isso talvez intimidava outras empresas a fazer qualquer tipo de proposta. Estando numa empresa menor, e tendo também os resultados que eu obtive na época, era mais fácil para eles falarem com uma empresa menor. Mas eu passei a imaginar que eu me projetei muito mais nos últimos dez anos na venda direta do que durante todo o tempo que eu estive na Avon, que a Avon sempre foi uma companhia muito fechada, você aparecia muito pouco. E como eu também nunca gostei de holofotes, hoje eu estou aqui, né? Eu acho que quando você tem a oportunidade de criar uma empresa, isso te valoriza muito mais do que quando você dá continuidade a uma empresa. Continuar um trabalho é mais fácil do que criar um trabalho. Então essa criação daquela empresa me levou ao mercado de uma maneira muito mais forte do que o período que eu estive com a Avon.
P/1 – E durante sua trajetória, como é que foi a participação do senhor com as instituições de venda direta?
(Pausa)
P/1 – A gente está fazendo a entrevista com o senhor só sobre a Avon.
R – Ah, eu fui fundador da Avon. Eu vi sair as primeiras caixas para os revendedores em 1959.
P/1 – Eu gostaria, mas infelizmente hoje a gente não vai conseguir fazer ________
R – Não, eu pensei que eu ia dar um pronunciamento de três minutos.
P/1 – O senhor não gosta de falar, é?
R – Não, eu sou um falador.
P/1 – A Avon deve ter coisas fantásticas, né?
R – E o Ademar foi primeiro meu Gerente de Vendas, depois foi tão bom quanto eu e se tornou Diretor de Vendas, Diretor de Marketing, foi ser Gerente Geral na Argentina e voltou para me substituir.
P/1 – Foi a empresa que formou todo o pessoal...
R – Você conhece o pessoal lá?
P/1 – Conheço alguns que nós entrevistamos e que estão vinculados aqui à ABEVD [Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta].
R – O Modesto foi meu Diretor Financeiro.
P/1 – Vamos retomar?
R – Você fez a pergunta...
P/1 – Então, Sr. João, o senhor contou para a gente um pouco sobre essa trajetória super de sucesso na área. E como é que foi? Quer dizer, a ABEVD está completando 20 anos agora, mas provavelmente alguma articulação devia existir antes.
R – Então eu vou dizer.
P/1 – Como era?
R – Acontece o seguinte, em 1979 as companhias multinacionais que já faziam parte da Associação de Venda Direta de cada país - nos Estados Unidos, Japão e Europa essas companhias já eram fortes - começaram a estimular o Brasil a ter a sua associação em 1979. Mas tinha muito poucas empresas por aqui. Fora a Avon, existia mais duas companhias brasileiras, pequenas. Mas não sentíamos ainda, naquela época, que tínhamos porte para ter uma associação. E em 1980 criamos a coragem de, com as quatro ou cinco empresas que existiam, fazer uma proposta de fundar a Associação Brasileira de Venda Direta, que na época chamava-se Domus [Associação Brasileira das Empresas Vendedores de Mercadorias a Revendedoras a Domicílio]. Era a Avon, a Natura, Christian Gray, a Pierre Alexander, acho que ...
P/1 – Hermes também, não?
R – Hermes não era dessa época não. Então, com quatro ou cinco empresas nós iniciamos a Associação Brasileira de Vendas Diretas denominada Domus [Associação Brasileira das Empresas Vendedores de Mercadorias a Revendedoras a Domicílio]. Na época, eu fui o primeiro presidente e fiquei por oito anos discutindo em volta de uma mesa com cinco ou seis empresas, e sem muita coisa pra se fazer porque era tudo muita novidade, as empresas eram muito fechadas porque, como a Avon era a líder de mercado já naquela época, ela era uma das mais fechadas. Não gostava muito de se abrir com receio de que as que estavam iniciando pudessem ser ajudadas pela experiência da Avon. E as muito pequenas se interessavam muito pouco por isso. Então realmente as ações eram muito pequenas, e quase que não se discutia muito grandes ações naquela época porque existia muito receio de se abrir, de se mostrar não só para os competidores mas se mostrar para a área de governo. E ela caminhou durante oito, dez, doze anos como uma associação de bons amigos, ou seja, alguma coisa boa ela trouxe, a oportunidade de bom relacionamento entre as empresas. Quer dizer, se não houvesse a associação, com certeza o sistema estaria ainda mais fechado porque cada um estaria com a sua empresa, não conheceria nem os grandes idealizadores das empresas que vieram. Mas eu acho que depois da década de 1980 a gente começou a ter muito mais liberdade de diálogo, o número de empresas participantes da associação aumentou, embora umas entrassem e outras saíssem porque o sistema de venda direta é forte desde o primeiro dia em que nasceu no Brasil, em 1959. Mas todo mundo pensava - e ainda pensa - que venda direta é uma coisa muito fácil. Por isso muitas empresas desapareceram rápido porque não é bem como as pessoas pensam: não é só você ter um produto e colocar na mão de uma vendedora que você vai vender, vai receber o dinheiro e vai continuar a crescer. Não é bem assim. Existem muitos cuidados a serem tomados e muita vontade de querer acertar para você manter uma companhia como a Natura, por exemplo, que eu vi nascer e hoje é essa potência que é. Os donos da Natura realmente fizeram, desde o primeiro dia o que os grandes empresários devem fazer. Eles se preocuparam com os mínimos detalhes, trabalharam muito, buscaram as pessoas certas para poder fazer a companhia crescer. Mas muitas outras companhias brasileiras e multinacionais entraram no mercado e não tiveram sucesso. Quantas multinacionais vieram ao Brasil nesses 30 anos? Não dá nem pra contar. E não tiveram sucesso. No caso das multinacionais, porque não tiveram sucesso? Porque as companhias de fora acham que elas podem vir ao Brasil e fazer aquilo que elas fazem lá fora, e não funciona porque o mercado brasileiro é outro, a cultura brasileira é outra. Se você não adaptar a sua empresa ao mercado, não vai acontecer nada. As brasileiras acabam seguindo os passos das companhias bem sucedidas. Quer dizer, a Natura é uma companhia muito bem sucedida mas ela teve a inteligência de pegar as coisas boas que a Avon fazia na época, por mais outras coisas boas, que vieram da cabeça dos proprietários, e se tornou uma grande empresa. Mas as companhias estrangeiras pecam por isso. Mais de uma dezena delas já esteve aqui no Brasil e já foi embora, porque elas não querem entender e se adaptar. Esta companhia que eu estou agora, por exemplo, quando eles me convidaram em 2002 para estruturar a empresa, a proposta que eu fiz foi essa: “Eu não vou voltar para dar continuidade ao que vocês têm lá. Ou vocês se adaptam à cultura do Brasil, jogam fora o que vocês fazem lá e põem exatamente o que o brasileiro quer fazer, ou eu não posso ir com vocês. Para dar continuidade ao que vocês têm a cinco anos sem sucesso, eu não vou me juntar a vocês”. E, felizmente, eles entenderam. A companhia está num caminho que está surpreendendo a todos eles. Mas é muito fácil: é só fazer o que o brasileiro quer comprar, ao preço que ele quer comprar, a revendedora ganhando o que quer ganhar, e você faz uma companhia. E esse é o problema da venda direta, é muito suscetível a coisas que são mal colocadas, tanto pro consumidor como pro vendedor. Você tem que fazer o que eles gostam. E como eu estou a pouco tempo nisso, eu acho que são duas coisas que eu sei como fazer, quer dizer, eu sei o que o consumidor brasileiro gosta e quanto ele quer pagar, porque também não adianta você trazer o que ele gosta a um preço que ele não pode pagar. Você fica com a mercadoria na prateleira. Então esse tempo todo do mercado de venda direta acabou mostrando ao Brasil que grande negócio é, que grande oportunidade é, a ponto de o Brasil ter hoje mais de um milhão e meio de pessoas envolvidas no negócio e se tornar o terceiro mercado mundial, perdendo só para o Japão e os Estados Unidos. Não vai nem querer competir com eles que é coisa grande demais, mas só de se tornar o terceiro mercado é a mostra de quanto foi o sucesso da venda direta aqui no Brasil, e isso faz com que todas as empresas de venda direta do mundo passem a se interessar em fazer parte do mercado brasileiro. Quando eles vêem a estatística, de que o Brasil é o terceiro ou quarto ou quinto, que já fomos quinto em razão da moeda, eles passam a se interessar pelo mercado. E todos querem vir para o Brasil. Mas, por outro lado, eles vão tomar conhecimento das empresas multinacionais que estiveram no Brasil e não tiveram sucesso. Então eles ficam se perguntando: “Bom, é o terceiro mercado, o brasileiro. Mas em contrapartida a maioria das multinacionais que vão para lá foram não tiveram sucesso, deixaram. O que vamos fazer? Vamos encarar? Vamos ao Brasil, mesmo sabendo disso? Ou o que devemos fazer?”. Outras empresas ainda têm interesse de vir para o Brasil.
P/1 – Ao que o senhor atribui esse sucesso da venda direta no Brasil? Culturalmente...
R – O sucesso vem do seu nascimento. A facilidade de comunicação que o brasileiro tem deu esse bom início. As mulheres, por exemplo, têm uma facilidade incrível de se comunicar com as vizinhas, com parentes, no trabalho, o que não é tão fácil em outros países. Embora a venda direta tenha muito sucesso no Japão e nos Estados Unidos, eu imagino que o início deles deve ter sido mais difícil, porque a comunicação não é tão forte como é no Brasil. Então essa abertura que o brasileiro tem, e o mexicano também tem, facilita. Hoje, quando se discute venda direta no mundo: “porque o sucesso do Brasil ou da América Latina?”. É porque a abertura que o brasileiro tem, como a comunicação, facilita o negócio no país. É muito fácil hoje uma mulher se comunicar com quem ela quiser.
P/1 – Então não seria só uma questão de suprir as necessidades de consumo, mas sim de relacionamento?
R – Eu considero que começa com o relacionamento. Depois, se você não tem como suprir necessidade obviamente você não vai ter o sucesso. Mas se não fosse essa abertura que a sociedade brasileira ou latina tem, a venda direta não teria tido um sucesso tão rápido como teve. O difícil foi o começo, em 1959. Ter as primeiras pessoas a aceitarem a estar vendendo de porta em porta, pois naquela época era de porta em porta mesmo. Eu vou contar a você um corrido que hoje jamais seria possível fazer, primeiro pela quantidade de pessoas que estão no sistema, segundo pelo problema da segurança que nós vivemos. Em 1972, quando eu vim para São Paulo, era impossível vender Avon aqui, na quantidade desejada. Tinha sucesso, mas não tinha o mesmo sucesso do Rio de Janeiro, por exemplo. O Rio de Janeiro vendia mais do que São Paulo, mesmo tendo um terço da população. Então eu comecei a buscar gerentes de setor em mulheres de personalidade forte. Porque a Avon tinha, naquele período, pessoas que queriam trabalhar mas não tinham uma postura profissional de realização. Então comecei a selecionar pessoas muito fortes, mulheres que criavam até problema para dirigir, que tem muito dirigente que não gosta de ter pessoas que criam problemas para dirigir. E foi um sucesso porque, por exemplo, vender um produto Avon em 1970 no Jardim América, Jardim Paulista, não existia. Ninguém conhecia porque você não tinha como penetrar. Pois eu me dispus, naquela época, a vender de porta em porta no Jardim Paulista e no Jardim América. Fui buscar uma mulher que ainda hoje é minha amiga, não trabalha mais, e disse a ela: “Você foi um colosso em todos os mercados que você passou em São Paulo. Agora você vai provar realmente o seu valor fazendo venda direta nesse mercado: Jardim América, Jardim Paulista, Jardim Europa e um pedaço de Pinheiros”. Você imagina que essa mulher teve revendedora de alta classe social participando de reuniões de venda e vendendo, e se tornou terceiro setor de vendas de São Paulo, depois de um ano e meio. Foi um sucesso. Porquê? Encontrei a pessoa certa, que sabia falar com esse nível de gente. Não podia pôr no Jardim Paulista uma senhora que não tivesse condições de dialogar com esse nível de gente, né? E ela foi um sucesso. Então a venda direta em São Paulo foi o que fez a minha carreira. Quer dizer, todos os desafios que a Avon encontrou no Brasil eu sempre, com a característica de querer me tornar o homem fazendo o melhor dentro daquilo que está fazendo, eu não tinha medo de nenhum desafio. E esse de construir São Paulo foi muito difícil. Isso me deu um grande passo na minha carreira. Agora, se você vai e diz: “Ah, é muito difícil fazer porque foi difícil pro outro”, você nunca vai crescer porque você não enfrenta as dificuldades que o trabalho te apresenta. Mas a venda direta hoje é muito diferente do que foi. Hoje você não sabe, mas algumas pessoas vendem, mesmo porque, levado pela própria legislação, é interessante não saber. Desde que ela venda e te pague, ela é uma boa revendedora. Mas naquela época não sabíamos aonde vendia, que rua vendia, que tipo de casa comprava, que tipo de cliente comprava. Hoje ninguém tem mais isso.
P/1 – Tinha um diagnóstico mais claro do setor...
R – Tinha, hoje não. Hoje todo mundo sabe que vende, mas não sabe da onde vem a venda. Ela te conta um pouco, as grandes revendedoras, mas você não vai conhecer bem qual é o perfil do seu consumidor.
P/1 – E a fidelidade?
R – A fidelidade você consegue através da própria revendedora. Nós sabemos que se ela se mantém revendedora, de 70% a 80% do que ela compra é mais ou menos para as mesmas consumidoras. Então, esse é o tipo de fidelidade que você tem. E também não é mais a venda porta a porta. Todo mundo diz: “A venda porta a porta não existe mais, hoje a venda é casa a casa. Quer dizer, o pessoal que vem na sua casa ou casa de conhecidos ou parentes que você visita, o escritório ou a fábrica que você trabalha. Hoje funciona assim, por duas razões. Primeiro porque as pessoas não atendem, não é só porque tem muita empresa no sistema mas também pela segurança. Se você tocar uma campainha ou bater numa porta as pessoas não vão te atender. Você tem que ser realmente conhecido de alguém, ou dos seus familiares ou de vizinhos ou de alguém que te convidou pra fazer uma reunião em algum lugar. Mas o fato é que o volume de vendas é incrível, é impressionante. Quer dizer, o que se faz de negócio hoje no Brasil mostra o quanto o consumidor brasileiro gosta dessa facilidade de comprar aonde ele está. Não se pode falar que é na própria casa. É uma facilidade porque ele pode se planejar. Ele compra e vai pagar só quando a mercadoria chegar. Ele sabe o dia que chega e já reserva o dinheiro para pagar. É sempre uma pessoa conhecida, uma amiga, uma “parenta” que está trazendo uma mercadoria. Tanto é que essa fidelidade muda de acordo com a revendedora ou com o vendedor. Quer dizer, se ela mudar de empresa ela leva os clientes para aquela empresa. Quer dizer, as consumidoras são muito mais fiéis a quem vende do que à empresa que vende. Então, se você tem bons vendedores você tem que trabalhar para cativar, para segurar, para motivar os bons vendedores, que eles te trazem o negócio, não é só o seu produto. Obviamente você tem que ter o produto de qualidade e preço. Mas o consumidor muda muito mais em função de quem está atendendo do que a empresa. Quem está atendendo é muito forte no negócio. Ou seja, a venda direta funciona em razão de quem está na rua oferecendo os seus produtos.
P/1 – É incrível isso, o impacto na vida dessas pessoas. Elas...
R – E o que essa gente ganha, é uma oportunidade que eles não teriam em outro lugar. Se fala em ganhar muito pouco, mas também tem como ganhar muito. As pessoas que se tornam realmente empreendedores ou empreendedoras, essas pessoas ganham dinheiro, e bom dinheiro. Tiveram, como se diz, uma ambição maior. E isso acontece em todas as atividades. Quem tem mais ambição consegue mais, quem tem menos consegue menos, e quem não tem não vai ganhar nada.
P/1 – E como que a Domus virou ABEVD? O senhor está nesse processo de mudança?
R – Não, eu não estive nesse processo que era a época que eu estive meio afastado. Ela virou ABEVD porque na época já muitos associados não gostavam dessa terminologia Domus. Achavam ela meio pobre, antiquada. E como existiam outras associações já falando em ABEVD, ABEVD, ABEVD, então acharam por bem mudar, então eu acho que ficou bem melhor. Mas na época se discutiu muito, quando fizemos a Domus, nós tínhamos o Ex-Presidente da Avon a quem eu substituí, que era um homem muito forte na época, e ele gostava muito de falar em Domus e acabou convencendo a maioria, que a maioria ainda não estava muito bem entrosada e forte pra tentar mudar, mas também aceitaram. E eu acho que a mudança foi boa, eu gostei, acho melhor hoje do que falar em Domus. Apesar que hoje se você fala em ABEVD para algumas pessoas da venda direta eles não sabem bem, quando você fala em Domus eles sabem o que é.
P/1 – Já sabe porque foi durante muito tempo.
R – É, foi durante muito tempo.
P/1 – E o senhor, além desse período na Domus, o senhor participou de outras gestões da ABEVD?
R – Não. Eu vou dizer porque. Porque isso vai acontecer com todas as pessoas, eu acho que com todas as pessoas. À medida que o tempo passa, e que as pessoas vão atingindo a idade que eu estou atingindo, a gente não tem mais paciência pra ficar em volta de uma mesa quase sempre ouvindo as mesmas coisas. Se eu vier à ABEVD meio ano, 90% do que vai rolar lá vão ser repetitivas, e eu já não tenho mais paciência pra isso. E também trago uma experiência, posso dar palpites e as pessoas mais jovens podem não entender. Então, para mim, é mais fácil eu não fazer parte. Eu contribuo, como agora, eu respondi positivamente esta entrevista. Eles pediram essa contribuição pro Museu. Eu estou com eles porque a nossa companhia está com eles no mundo inteiro. E todas as companhias multinacionais são muito fortes nas associações de vendas diretas. E eles apóiam qualquer ação da associação dos países. E eu sou amigo de todos eles mas acho que eu não me sinto, não é que não me sinto bem, não gosto. Mas não é só na ABEVD, eu não gosto de participar de qualquer reunião.
P/1 – Com a visão toda que o senhor tem, quer dizer, o senhor tem uma trajetória que é pelo menos o dobro da existência dessa instituição ABEVD. Quais os desafios que o senhor acha que esta instituição tem para os próximos 20 anos, para continuar podendo intermediar ou não a relação das empresas de venda direta?
R – Eu acho que, com relação às empresas, não têm desafio nenhum porque todas as empresas que estão ou que estarão no futuro, elas são muito mais beneficiadas fazendo parte da ABEVD do que não fazendo parte. E se posso falar em desafio, pode ser que ocorra, como sempre nós tivemos, alguns desafios com a área de governo, com a legislação brasileira, que sempre existe curioso em querer saber: “Se a coisa é tão grande, se vocês vendem tanto, se vocês têm um milhão e meio de pessoas, como é que o governo tem que encarar isso?”. Então os desafios com a área de governo eu acho que vão aumentar em razão da grandeza da ABEVD. Quando nós éramos pequenininhos ninguém queria saber o que era venda direta. Quando nos tornamos médios, fortes, começaram as pessoas a querer se interessar ao que era venda direta. Hoje são muito fortes, e ainda mais com a abertura que se faz de comunicação, de que somos o terceiro mercado do mundo e que é tantos milhões de dólares, isso abre o olho de todas as áreas de governo. Quer dizer, hoje a própria ABEVD vem encarando um questionamento de governo, por exemplo, na área de aposentadoria, do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], que quer saber se essas mulheres pagam INSS ou não, e quem é que vai pagar. Quer dizer, quanto mais você faz propagandas do seu negócio, que deve ser feito, mais exposto você fica. Quanto mais bonita você é, maior o seu risco para andar na rua. É isso.
P/1 – Mas o senhor não concorda com essa...
R – Eu concordo porque isso só trouxe benefício. Eu concordo, isso só traz benefício. Mas quando nós começamos a fazer uma abertura, quando o Guilherme Leal era o Presidente da associação, ele foi sempre o maior interessado em fazer isso na associação. Eu dizia: “Olha, isso aí um dia pode ter um preço porque até hoje nós temos essa associação fechada. Nós começamos a abrir, alguém vai se interessar por essa abertura”. E realmente acabou acontecendo esse ano ou o ano passado com essa área de governo e futuramente pode acontecer mais.
P/1 – Mas isso também é uma forma de... tem os dois lados, né?
R – Não, mas _________________ fraqueza, ele tem fraqueza.
P/1 – Estamos acompanhando várias, né?
R – É. Não, não, a nossa. A venda direta tem uma fraqueza. Você tem um exército de pessoas onde eles não são seus empregados, não pagam nem um tributo. Pagam o tributo da industrialização, mas não pessoal. Então isso é um risco que você vai correr. Se hoje o benefício maior é continuar como nós estamos fazendo, vamos fazer. Eu não ________ faz. Poderia chegar na mesa, com 50 anos de trabalho que eu tenho, e questionar. Então, não questiono. O pessoal acha que deve fazer, eu vou fazer. Faz, e a minha companhia está junto.
P/1 – O senhor nunca pensou em organizar as suas memórias, escrever um livro?
R – Você sabe que várias pessoas têm interesse em fazer um livro comigo, porque realmente o que eu te contei é 1% da minha história de venda direta. E tem pessoas interessadas em querer escrever um livro comigo para dar à opinião pública ou aos interessados no mundo da venda direta as experiências que eu posso contar, as coisas boas e as coisas ruins. Não só falar da minha carreira, mas falar do sistema. Porque eu trago comigo uma coisa que nem todos os profissionais trazem, e é por isso é que eu sou sempre procurado pelas empresas, que todo mundo fala. Existem três ou quatro sistemas de venda direta, não são todos iguais a Avon e Natura. Eu, por exemplo, hoje estou numa empresa que é de um sucesso monstruoso num sistema chamado de multinível, que não tem nada a ver com a venda direta. Quer dizer, hoje é um sistema no qual as pessoas têm a possibilidade de ganhar bem mais dinheiro do que na venda direta convencional. Então precisa conhecer isso. Quando eu abri aquela empresa, a Nature’s Sunshine, eles eram uma companhia de multinível, eu tive que implantar no Brasil e tive que aprender. E aprendi bastante, conheço bastante, e essa empresa que eu estou agora é também de multinível e a maioria das empresas no mundo são de multinível. Quer dizer, o futuro é as empresas de venda direta caminharem pro multinível, que é um sistema no qual você não tem as gerentes de venda, os próprios distribuidores que se tornam grandes ________ e eles formam a força de venda e ganham sobre o que essa força de venda produz. E essa é a tendência de agora e para o futuro.
P/1 – E quais são os próximos desafios que o senhor tem pela frente?
R – Bom, eu não tenho muitos porque eu estou com grande expectativa de realmente parar a minha atividade, porque afinal de contas, eu não quero parar num cemitério, né? E como dizia um amigo meu: “Você está querendo ser o homem mais rico do cemitério”. Não é isso. Eu tenho muita vontade de terminar porque todas as empresas que eu vou, eu vou sob contrato, e eu tenho um contrato de três anos com essa empresa, que termina agora em maio próximo. Mas eles já estão antecipando uma renovação de contrato, o que eu não gostaria que acontecesse. Mas pelo estágio que a empresa está, e as mudanças que eu fiz no Brasil, eu tenho até, eu pessoalmente, uma preocupação de deixar a empresa para dar continuidade de um trabalho que vai ficar mais ou menos no meio, e eu não sei como seria uma outra pessoa dando continuidade a isso. Mas eles não podem nem ouvir falar que em maio do ano que vem termina o meu contrato. E eu e a minha mulher estamos contando que junho do ano que vem nós estamos livres para viajar e fazer o que nós gostaríamos de fazer.
P/1 – Bom, pelo visto Bahia só a férias, né?
R – E nem férias eu vou mais porque a Bahia agora ficou muito cheia, tem muito barulho. Tem outros passeios que nós gostamos mais de fazer. Mas o futuro realmente, se depender de mim, é esquecer a venda direta a partir de junho do ano que vem.
P/1 – Podemos fazer uma aposta.
R – Bom, se você está associada aos americanos, eles vão ganhar essa aposta, né? Porque eles já não conversam comigo mais como empresários, eles tentam me comover, me envolver no lado emocional: “Olha, João, você com essa idade fazendo o que você está fazendo. As pessoas da companhia não podem nem imaginar que você vai parar. Você já imaginou se você disser que vai parar?”. Realmente será um grande problema para eles, mais para eles do que pra mim. E por esse lado eu nunca digo que vai ser em junho. Eu quero que seja em junho, já que maio termina o meu contrato. Mas eles já estão me conversando a um ano, quer dizer, um ano e meio antes de terminar eles querem saber como vai ser. Eu digo: “Por mim vai terminar em maio”.
P/1 – João, muito obrigada pela entrevista que o senhor nos deu. Eu agradeço em nome da ABEVD e do Instituto Museu da Pessoa. E eu espero um dia poder ouvir só as suas histórias de Avon.
R – Ah, de Avon é longa…
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