P/1 – Então primeiro Milani, fala pra gente o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Eu sou Antônio Sérgio Milani Gomes, conhecido como Antônio Milani, nome artístico. Eu nasci no dia 3 de julho de 1966 na cidade de São Paulo, no Hospital das Clínicas, em Pinheiros.
P/1 – Agora o nome completo da sua mãe e do seu pai e, se você souber, data e local de nascimento também, só se souber.
R – Minha mãe, Iracema Milani Gomes. A data dela de nascimento é 31 de março de 1932 e ela nasceu na cidade de Cedral, interior de São Paulo, fica próximo a São José do Rio Preto. E meu pai, Osvaldo de Oliveira Gomes, ele nasceu no dia 18 de fevereiro de 1936, na cidade de Mirassol, também no interior de São Paulo. Isso é noroeste paulista.
P/1 – E o que seus pais faziam profissionalmente?
R – Minha mãe era filha de lavrador e morava nessas cidadezinhas no interior de São Paulo. Ela acabou casando com meu pai que fazia, enfim, de tudo um pouco, serviços gerais e começaram a construir a vida. Não tinham profissões específicas, então, meu pai serviços gerais, pintura, depois ele virou motorista de táxi. Aí casados vieram pra São Paulo. Minha mãe era do lar, mas aí o que aconteceu? Ela começou a trabalhar no Hospital das Clínicas e foi fazer o curso de Enfermagem, e como enfermeira trabalhou muitos anos no Hospital das Clínicas e lá foi que eu nasci (risos). Depois ela continuou estudando, minha mãe se formou em Magistério já tardiamente, aos 40 e poucos anos, virou professora de ensino infantil, creche, depois ensino fundamental. Meu pai se especializou em ser motorista de táxi; não estudava mais, também ele sabe ler e escrever, teve pouco estudo, mas lutaram em São Paulo, os dois juntos. E uma frase que ele falava muito que era: “Eu quero que as crianças estudem, que tenham diploma”. E minha mãe, né? “E que você estude, tenha seu diploma, eu não preciso disso não”. Então pessoas que vieram simples do interior e foram construindo toda uma história aqui em São Paulo. Depois minha mãe, muitos anos de trabalho no hospital, vai pro ensino, magistério, e ela constrói uma nova carreira. E outro dado interessante, aos 50 anos ela termina a faculdade, já com os quatro filhos. Sou eu Antônio, Mário César, meu irmão mais velho. Ricardo, mais novo e a Cássia Regina minha irmão do meio, junto comigo. Então somos quatro filhos.
P/1 – No que sua mãe se formou?
R – Minha mãe se formou, primeiro ela fez aquele curso de magistério, que antigamente era pra professora, depois ela fez especialização em educação infantil. E depois ela se formou na faculdade Ciências Sociais, que foi aí também que eu comecei a estudar os livros dela da faculdade, comecei a me interessar por discussões históricas, sociológicas, sociais. A minha irmã também virou professora, eu virei professor e virei artista.
P/1 – E como é que seus pais eram de temperamento e personalidade?
R – Olha, interessante. Meu pai extremamente nervoso, irritado, provavelmente em função da profissão de taxista em São Paulo, trabalhava dia, noite. O meu pai é descendente de baiano, né, minha avó era baiana, a mãe do meu pai. E meu pai tem o temperamento bem forte, mas super amoroso e, ao mesmo tempo, artístico. Gostava de cantar, de dançar e tal, esse é o temperamento bem do meu pai. E minha mãe já razão, né? Ela tinha aquela coisa de cuidar da casa, da família, das crianças, do trabalho. E por ser professora tinha um temperamento bem organizado. Então acho que se equilibrou, esses temperamentos se equilibraram, entre mãe e pai. Super amorosos também. Era mais ou menos isso.
P/1 – Você falou que seu pai gostava de dançar e de cantar. Queria saber um pouco, nessa época de infância, o que vocês escutavam, se vocês escutavam música em casa, o que vocês escutavam?
R – Sim! Isso é muito bacana. A gente tinha as vitrolas da época, os vinis, né? Meu pai ouvia muito Nelson Gonçalves, músicas daquela época dele. Os boleros, alguns sambas, Martinho da Vila. Minha mãe já não era tão ligada a essa parte de arte. Então meu pai punha na sala pra gente ouvir, brincava com a gente, dançava nos finais de semana. Nas festas de família ele era o que cantava, dançava, às vezes também dava os shows à parte, né? (risos) E crescemos mais ou menos nessa ideia do meu pai de expressão corporal, cantar. Minha mãe já não, mais comedida, mais centrada, nos influenciou muito no estudo, né? Então teve dois perfis interessantes. Até eu tenho um livro de poesia que eu escrevi que eu faço uma referenciazinha sobre eles nessa história, entre a razão e a emoção que nós fomos criados.
P/1 – Dessas situações com o seu pai que envolviam música e dança, tem algum episódio, alguma cena que você se lembre? De criança?
R – A que eu lembro é muito interessante, da gente pisar nos pés. Quando criança pisava no pé, segurava na mão e ele brincava de dançar com a gente na sala, né? Esse foi um episódio bem marcante. Depois de comprar os discos, nós fomos crescendo e nós começamos a comprar os discos de nossas preferências, né? Eu, minha irmã, a Cássia, e o Mário, os mais velhos, começamos a ter mais discos. Então ele começava a brincar e ouvir as músicas: “Não, essa música não é boa”, aí ele começava a fazer meio DJ antigo, de escolher os discos pra tocar na sala, né? Então esses episódios são marcantes na nossa vida.
P/1 – Tem alguma canção dessa época que tenha te marcado?
R – Na época do meu pai? Eu vou me lembrar mas, Nelson Gonçalves: (cantando) “Só pretendo morrer, depois de 2001. E se Deus quiser, sem inimigos nenhum” (risos) Era uma letra do Nelson Gonçalves. Agnaldo Rayol. Pouca coisa eu lembro nesse sentido. Mas foi marcante porque hoje como artista também, né, eu acho que eu fui inspirado por esse espírito artístico do meu pai, né?
P/1 – Você sabe qual é a história do seu nome, Milani? Quem que escolheu, por que você tem esse nome?
R – Olha, eu já ouvi alguns comentários em família de criança, mas de verdade eu não lembro. Não lembro. O Milani é descendente da minha mãe, de italiano, o meu avô, Mario Milani. E o meu pai, Gomes, descendente de portugueses, meu pai era filho de português, Álvaro Oliveira Gomes, e a minha avó Maria Matos Gomes, que foi mãe do meu pai. Então Gomes tem origem portuguesa e Milani, da minha mãe, origem italiana. O Antônio Sérgio porque eles gostavam de nomes compostos. Eu, Antônio Sérgio. Mário César. Cássia Regina. E o Ricardo, como é o mais novo, é uma história bem engraçada porque minha mãe falou: “Vai lá e coloca o nome do seu filho de Alexandre”. Ah, bacana. E meu pai quando voltou falou: “Ó, eu pus Ricardo”, e só um nome, não pôs composto, né? Então essa é a história dos nomes que eu me lembro.
P/1 – E os seus antepassados portugueses e italianos, você sabe por que eles vieram pro Brasil? Você teve contato, eram avós, bisavós? Você sabe qual é essa história?
R – Então, eu tenho algumas histórias. Minha avó, mãe do meu pai, Maria Matos Gomes, descendente de escravos, baiana. O meu avô Álvaro de Oliveira Gomes, descendente de portugueses, mas não sei antes disso quem era, não conheci meu avô. Perdão, não conheci minha avó materna, conheci meu avô. Confusão, espera. Minha avó paterna, mãe do meu pai, eu não conheci, conheci meu avô paterno. Minha avó materna eu não conheci, conheci, só o meu avô materno. Então os dois homens eu conheci, os avós. O da minha mãe, Mario Milani, descendente de italianos, veio na migração italiana. Chegou no Brasil com três irmãos e no porto eles se perderam entre eles, essa é uma história interessante, e nunca mais se encontraram. Então às vezes a gente ouve os Milanis perdidos pelo interior de São Paulo e acabam perguntando se têm uma ligação. E nós acabamos encontrando alguns primos descendentes dos irmãos dos avós que nunca se encontraram. Mas eles acabaram indo pra regiões semelhantes no interior de São Paulo em função provavelmente da lavoura, né, das plantações. Então essa é a história que eu tenho da minha família italiana.
P/1 – E esses primos, como é que vocês foram se localizando?
R – Então, olha que interessante. No interior de São Paulo, sim, meu avô teve 12 ou 13 filhos, incluindo minha mãe, então lá tem toda essa família por parte do meu avô. Alguns primos eu acabei encontrando no Facebook atualmente. Porque põe Milani, quem é o avô, quem é avó, conversa aqui, conversa lá, até com nomes semelhantes, que o Rosaboni era o da minha avó materna, né? Carolina Rosaboni. Então esse Rosaboni é um nome forte que existe aí, então a gente pergunta. Eu encontrei alguns primos bem distantes: “Olha, meu avô era primo do seu avô, irmão”, e aí começou essa conversa. Mas também fica uma conversa distante, a gente não consegue se aproximar em função da localidade.
P/1 – E você sabe por que seus pais saíram do interior e vieram pra São Paulo?
R – Uau, isso é uma literatura, né? “Vamos tentar a vida na cidade grande”. Então eles vieram, construíram uma pequena casa, moravam de aluguel. Aí quando não dava muito certo financeiramente voltava pro interior pra poder ter uma ajuda da família. Então houve uma saga entre vir, construir um pedaço da vida, voltar num momento com problemas financeiros, retornam novamente. Aí foi e voltou, acho que eu lembro de criança, eles foram e voltaram umas duas ou três vezes. E aí com o tempo se consolidaram bem em São Paulo, aí se estruturaram, tudo. E aí sim, ficou até a aposentadoria da minha mãe e do meu pai, por volta de 95, 96, aí eles retornam pra São José do Rio Preto, perto dessa cidadezinha Cedral, onde eles moraram muitos anos. E foi esse caminho.
P/1 – Você falou que você se lembra dessas idas e vindas porque você já era nascido?
R – É, então, em alguns momentos eu já, algumas viagens a gente vinha no caminhão, ou ia de trem, família toda, aquelas malas grandes de, como chama? Fórmica, uma mala dura, interessante. Então eu me lembro de algumas vezes, sim. Algumas vezes meu pai, por exemplo, vinha trabalhar sozinho em São Paulo, a família ficava lá. E esse eu lembro alguns momentos da gente chorando, as crianças querendo o pai, tal, e eles se separando em função disso, o pai veio trabalhar, tentar juntar dinheiro pra poder depois trazer a família. Isso eu lembro de alguns momentos.
P/1 – Quando eles vieram pra São Paulo eles vieram se estabelecer em que região?
R – Bom, acho que Jardim Vila Formosa, que é a região da Zona Leste de São Paulo. Acho que foi por ali a maior parte do tempo. Que é interessante porque tinha um bairro entre o Jardim Vila Formosa e Vila Antonieta, que é um bairro ao lado do outro, e eles foram devagarinho construindo. Nesses locais de uma das moradias, antigamente chamava cortiço, ou casas que ficavam na mesma vila, né? Fizeram amigos e pessoas ali que também um acaba ajudando o outro, essa questão coletiva. Hoje é muito forte discutir isso, as parcerias, redes. Olha que interessante, naquela época já existiam se nós pensarmos por esse ponto de vista. Então começaram um a ajudar o outro, cuidar dos filhos, encontrar trabalhos em comum. Então esse bairro, hoje lá na Zona Leste, Vila Antonieta, Jardim Vila Formosa e depois nós ficamos muitos anos lá.
P/1 – E nessa infância de idas e vindas pro interior, eu queria te perguntar como era a casa da tua infância, mas imagino que você teve mais de uma casa na infância. Então, quais são suas primeiras lembranças da casa de infância, onde era essa casa? Descreve um pouco pra gente.
R – Casa da infância. Eu lembro dessa moradia, que eram várias casas no mesmo corredor, por exemplo. Lembro, interessante. Rua A, era um nome assim, era Rua A nessa região da Zona Leste de São Paulo. O bairro ali tinha uma avenida famosa que chamava Rio das Pedras, que chama até hoje se não me engano. Eu lembro dessa fase. Depois eu já me lembro da casa, acho que a primeira casa que eles construíram, que era cômodo e cozinha. E essa casa eu lembro bem, fachada verde, Rua Mestre João, número 43, isso eu lembro bem. E que aos pouquinhos do quarto e cozinha meu pai foi fazendo reformas e construindo. Então nós participamos desse processo de ajudar a construção, carregar areia, água, cimento. Os pedreiros fazendo e as crianças brincando e ajudando ao mesmo tempo. Lembro dessa Rua Mestre João 43, nós ficamos muitos anos lá. Lembro de brincar de pular na areia quando tinha construção. Lembro de primos que vinham pra São Paulo e se hospedavam na nossa casa e aí era beliche, colchão, era a família toda se ajudando, que vinham buscar novas experiências também, profissionais. Primos do interior pra cá. Lembro da rua de terra ainda dessa rua, onde nós brincávamos na rua de terra, rodava pião, bolinha de gude, fazia os buraquinhos da bolinha de gude pra jogar, isso eu lembro bem. Vi o bairro crescendo, isso é uma coisa bacana, o Jardim Vila Formosa melhorou bastante.
P/1 – Como é que era o bairro na época? Você falou de rua de terra...
R – Ruas de terra, a maioria. Nós estudávamos num colégio chamado Colégio do Jardim Vila Formosa, que depois se tornou João Naoki Sumita, escola municipal. Vimos a rua de terra virar rua de asfalto. Vimos o encanamento, era esgoto ao ar livre, na rua, e fossas antigas. Vimos isso se transformar no asfalto, nas guias. A questão da água sendo canalizada, o sistema de esgoto. Olha que interessante, isso eu lembro bem que nós brincávamos na rua, nas pedras que eles estavam deixando lá pra fazer a avenida. Nas construções, cresciam várias construções, tinha muitos terrenos vazios e matos, o bairro inclusive foi um bairro perigoso em função disso. Mas como criança a gente foi explorando e brincando com isso. Brincava de esconde-esconde nas construções, brincávamos até tarde da noite na rua, tinha muita criança, então era uma coisa livre assim. Nosso quintal era a rua. Casa sem portão. Umas coisas bem interessantes que eu lembro.
P/1 – Você se lembra dessas brincadeiras de infância, de algum episódio mais forte, ou uma coisa que tenha ficado na memória?
R – Olha, como eu falei, eu lembro da brincadeira de pião, eu lembro da brincadeira de bolinha de gude, de esconde-esconde. Pula cela, mãe da mula. As pipas, como era muito livre, tinha muito terreno, então empinar pipa, não tinha muito, não tinha fio, a eletricidade era precária, então um poste, não tinha aqueles fios que passavam e tudo o mais. Então a gente empinava muito pipa, brincava muito assim em turmas mesmo. Depois com asfalto, é engraçado, a gente já passou a brincar de bicicleta, carrinho de rolimã. Eu tenho até uma cicatriz na minha mão de carrinho de rolimã, que eu prendi na roda, isso eu lembro. Aí os fios começaram a ser desenvolvidos, o sistema elétrico, aí o pipa já começou a ser mais chato porque prendia no fio, era perigoso. Lembro do balão, tinha os grupos que faziam balão nessa época. Eu morava perto de um cemitério ali, Jardim Vila Formosa tem um cemitério grande, acho que um dos maiores da América Latina. E nós íamos muito pular o muro do cemitério pra catar pipa. A gente fazia escadinha assim, subia, aí o outro subia, tinha todo um trabalho de equipe, às vezes, pra essas coisas. Jogar bola na rua, a gente jogava bastante. Nós jogávamos muito queimada na rua, e aí era bacana, era bem menino, masculino, feminino. Os carrinhos de rolimã era mais masculino. Com o asfalto também depois veio o skate, veio, enfim, vários brinquedos que foram sendo desenvolvidos aí.
P/1 – Essa casa da Vila Formosa existe ainda?
R – Jardim Vila Formosa. Sim, ela existe.
P/1 – A casa, eu digo.
R – A casa sim, existe. Depois com o tempo nós mudamos para a rua de cima, que chama Visconde de Jerumim, era número 151. Também lembro bem. Essa nós também ficamos já mais adultos, passamos um período bem bacana nessa casa. Foi meio um upgrade assim, da casa mais simplesinha sendo construída pela família, depois a gente comprou uma casa pronta. Foi mais ou menos nessa época que meu irmão mais velho casou, não vou precisar o ano aqui...
P/1 – Nessa fase de infância ainda, você se lembra o que você queria ser quando crescesse? A primeira vez que te veio uma ideia, assim, qual que foi a ideia?
R – Olha, uma profissão que eu sempre quis ser foi piloto de avião. Isso eu me lembro bastante que eu gostaria de viajar o mundo, era o meu sonho.
P/1 – E você sabe por que? Você lembra quando é que te veio essa ideia, se tinha alguma referência? Você viu alguma coisa?
R – Eu tinha um tio que era profissional da Aeronáutica, o tio Evandro. E a gente ia às vezes ao Campo de Marte e lá eu via os aviões. Não tinha dimensão ainda de aeroportos, essas coisas. Mas depois esse sonho ficou por terra. Estudando na escola primária eu gostava muito de esporte, e aí depois com o tempo eu virei jogador de vôlei. Desde criança, na escola pública, virei jogador de vôlei do ensino primário. Que eu me lembro bem da escola do Jardim Vila Formosa, depois virou Doutor João Naoki Sumita, que também era um espaço de terra pra jogar, fazer a prática de atividades físicas. Depois virou uma quadra cimentada e aí eu lembro desse projeto também, de virar um atleta. Então tem esses dois projetos, era ser atleta e ser piloto de avião.
P/1 – Essa escola foi a primeira escola que você frequentou na vida?
R – Não. Eu morei em São José do Rio Preto, em Cedral, perdão, a cidade pequenininha de Cedral, lá eu lembro do jardim. Eu lembro do uniforme xadrezinho, azul e branco, isso eu lembro bem. Minha irmã estudava lá também, a Cássia. Uma outra prima, chamada Cássia também, estudava nessa colégio. Um colégio antigo, aqueles padrões bem bonitos de construção nessa cidade. Depois eu me lembro do jardim, onde eu fui estudar em São José do Rio Preto, a gente já morava em São José do Rio Preto nessa época. E aí a escola era Branca de Neve, se eu não me engano, jardim da infância. Branca de Neve (risos). Tem uns episódios interessantes de balança, das primeiras paqueras daquela época, isso eu lembro.
P/1 – Conta pra gente.
R – Então, era um colégio, era tipo um parque de diversões só que com um caráter de educação infantil. Pública, se não me engano, e tinha um lugar de balança, a gente adorava balançar. E eu me lembro uma vez que eu estava balançando assim, aí fui olhar pra garota que eu paquerava, não sei paquerava, era uma coisa, um flerte, criança, seis anos, né? E aí a hora que eu fui, eu fui me exibir assim, soltar a mão. Isso eu não vou esquecer (risos), já viu o que aconteceu, né? Opa! Caí da balança e aí foi aquela loucura, um episódio inesquecível nessa escola. E daí depois de vir pra São Paulo a gente foi pra essa escola do jardim Vila Formosa, começou primeiro ano, segundo ano. Nessa escola estudei até o oitavo ano, que antigamente eram oito anos, né, ensino fundamental.
P/1 – E você teve algum professor marcante nessa fase assim desse parque?
R – Nossa, a escola infantil é a que eu mais me recordo. Primeiro ano, dona Terezinha, que me ensinou a escrever, a ler, apaixonado por ela, dona Terezinha. No segundo ano outra dona Terezinha, também maravilhosa, adorava ela, muito forte na ideia do Português, da Matemática, Ciências, muito forte. Terceiro ano, dona Maria Inês de Ciências, dona Lúcia de Estudos Sociais. Matemática na quarta série eu lembro bem da dona Conceição. Dona Maria Inês também de Matemática. Professora de Artes, dona Márcia, eu lembro bem dela. Dona Maria Antônia, era também uma outra professora de Estudos Sociais que era bravona, durona assim. Eu tive um flerte com a filha dela também, que ela era nissei assim, Patrícia. Lembro bem. Ela brincava comigo que eu era o Dom Pedro I. Como eu jogava vôlei na escola, então eu tinha muitas paqueras e ela falava que eu era o Dom Pedro I, da área de História, né? Ela brincava muito com isso.
P/1 – Tem algum episódio com alguma dessas professoras? Você se lembra muito, né, dos nomes, tudo, algum episódio assim, marcante?
R – Muitos. Nossa. Primeiro a dona Terezinha que é a minha primeira aula, no primeiro ano de escola. Na minha formatura de oitava série ela me deu um conjunto de caneta e lapiseira azul e prata, coisa que não vou esquecer nunca, né? Então a gente tem muito carinho por ela. Eram amorosas, carinhosas. Minha mãe era professora já nessa época, então elas tinham amizade, todo mundo tinha uma integração forte lá na escola. A escola era uma coisa maravilhosa. Hastear a bandeira, cantar o hino, aquela coisa tradicional, isso me recordo bem. Com a dona Terezinha do segundo ano eu era um menino muito agitado, talvez em função da minha família, meu pai era muito bravo, também era um cara meio estressado assim, acho que até hoje eu sou um pouco. E ela me deu um cartãozinho uma vez, escreveu, aqueles cartõezinhos de final de ano, né, que a gente usava de marcador de livro. Antiga Edições Paulínias ainda, ó (estala os dedos). “Só pacificaremos o mundo se tivermos paz no coração”. Olha, inesquecível, inesquecível. Dona Conceição de Matemática era amorosa, maravilhosa também. Uma vez teve um problema de prova, que alguém colou na prova. E puxa, eu tirei uma nota ótima, tinha tirado dez na prova. Ela: “Não, na semana que vem tem uma prova nova porque teve gente que colou e eu vou ter que fazer uma prova”. Nossa, eu tremia de cima embaixo: “Mas como!? Que injusto”, parara, parara. E veio a prova na semana seguinte, acho que eu tirei seis na prova, assim, de nervoso, enfim. Aí eu fui: “Injusto, como pode, dez e seis, uma coisa assim”, eu estava super chateado, nervoso, ela pediu pra estudar tudo de novo, uma coisa. E aí depois de ter o episódio, passar, eu falei: “Não, eu não concordo, eu acho”. E no final das contas ela me deu uma boa nota porque realmente eu era um menino muito aplicado em Matemática. Então esse episódio é também inesquecível. Eu sempre fui um menino muito medroso pra injeção (risos). Tem uns episódios interessantes nessa escola, todos nessa escola, oito anos ali. Tinha aquelas vacinas públicas, era bem interessante, e eu morria de medo. E aí numa dessas eu estava num lugar pra tomar vacina, eu ia começar ficar chorando. Entra dona Conceição, que eu amava. E eu me segurei naquele dia, eu não chorei (risos) porque a dona Conceição estava ali, então um episódio marcante também. Meus professores de Educação Física dessa escola, primeiro foi o Carlos, ele trabalhava muito a linha de ginástica olímpica, criou uma vez uma aula de judô junto com uns alunos que já sabiam fazer judô. O Carlos também foi professor de referência. Depois do Carlos veio o professor Vladimir, que trabalhou muito voleibol com a gente, que foi aí que eu comecei a aprender, a ser um atleta de voleibol. Depois veio o Alfredo, na sequência, também trabalhou voleibol na escola. Então eu virei praticamente um atleta na escola pública.
P/1 – Conta um pouco como que é essa sua história com o voleibol, como você começou a jogar?
R – Então, a princípio mais ligado a parte de ginásticas gerais na escola, não tinha um espaço específico. A gente estudava Educação Física num pátio e num gramado que tinha na escola, depois que construíram esse concreto, na verdade um chão de concreto. Eu lembro até hoje dos professores fazendo a marcação das linhas de vôlei, a quadra não tinha um tamanho oficial. E ali eles começaram a ensinar voleibol pra gente. Vladimir, principalmente começou o vôlei e depois o Alfredo continuou. Então eram professores muito dedicados, que ensinavam. A gente aprendeu até a costurar bola porque escola pública, a condição era pouca do material – é incrível que a gente ouve isso até hoje. Mas que nos deram uma formação de atleta mesmo, de regras, de trabalho bem profissional mesmo, de jogar. E aí nós fazíamos campeonatos interclasses e depois entre escolas, e o Sumita começou a se destacar. Nós fomos uma vez, eu lembro até hoje, num campeonato de escolas públicas numa escola chamada Pandiá Calogeras, que é na Mooca e o time deles era muito forte. E nós conseguimos ganhar do time deles, então a torcida, aquela coisa que eu lembro até hoje, inesquecível. Teve um outro torneio que nós fomos também numa outra escola na Vila Formosa, que era um bairro perto do Jardim Vila Formosa, mesma história, time era muito forte, nos desafiou pra jogar e aí ia toda a escola. E isso foi dando um trabalho corporal e profissional muito bom pra gente como crianças, né? E a gente ganhava. Aí teve um torneio uma vez no Colégio São Paulo, que já é no Parque Dom Pedro. E esse Colégio São Paulo já foi um colégio de referência do Estado de São Paulo. Quadra coberta, teatro, uma coisa assim. E a gente foi lá no campeonato. Então nesse campeonato aconteceu. A São Judas, que era uma escola particular. Então era um torneio entre várias escolas da região, então era entre públicas e particulares. Primeiro time a entrar em quadra com a gente? São Judas, o mais forte de todos (risos). E aí eu fui o capitão do time muitos anos, talvez por um livre espírito de liderança, assim, e foi bem bacana. E aí o primeiro time foi o São Judas. Gente do céu, e agora? E aí era quadra coberta, naquela época foi um evento escolar. Um ônibus levou as pessoas pra torcerem, então. E a gente conseguiu ganhar desse time, quer dizer, fatos históricos, o Sumita tinha uma força de trabalho de voleibol dos professores muito grande.
P/1 – Quanto tempo você jogou?
R – Eu joguei da escola pública até eu entrar na faculdade, praticamente. Colegial todo eu joguei. Aí eu fui fazer o colegial no Colégio São Paulo. Coincidência, acabei fazendo parte do time do Colégio São Paulo. Eu passei por um colégio chamado Liceu de Artes e Ofícios também na Avenida Tiradentes ali, Pari. Fiquei um ano lá fazendo Desenho Mecânico, mas não era minha praia. Nesse período, engraçado, comecei a trabalhar no banco. E no banco eu fui pra área administrativa, que eu fui pro Colégio São Paulo, que era o Técnico em Administração ali. Então eu saía do Colégio São Paulo e eu tinha arrumado um emprego no antigo Banco Real na Praça da Sé. Então eu saía do colégio e ia caminhando até o banco.
P/1 – Nessa mudança da infância pra adolescência, antes de chegar no que é... era colegial já na época? Colegial ou Científico e...?
R – É, chamava colegial.
P/1 – Colegial mesmo, né?
R – É, ensino médio.
P/1 – É. Antes dessas mudanças de escola e de começar a trabalhar, queria saber um pouco o que mudou na sua vida na transição da infância pra adolescência. Em termos assim, de tudo, grupo de amigos, práticas, lazer, o que você fazia pra se divertir, se você saía.
R – O nosso lazer nesse período, eu estou então até o Colégio Naoki Sumita, que até 81 mais ou menos, 80, 81, nós tínhamos esse time de vôlei. Então nós jogávamos finais de semana, era uma forma da gente também ter como lazer. Nós íamos aos parques, lá na Zona Leste tinha Vila Manchester, que era um clube da Prefeitura, então nós íamos, além de jogar acabamos ficando sócios, então ia usar a piscina lá. O lazer era praticamente esse clube. Nossa (risos)! Nós tínhamos grupos de baile no bairro, foi uma fase do Grease, John Travolta, tarara. Então nós tínhamos uma equipe de dança, tinha o pessoal que fazia equipe de iluminação, equipe de música. O lazer nosso, no bairro, tinha os bailes nos finais de semana nas casas das pessoas, então era um lazer fantástico.
P/1 – E como é que eram esses bailes? Descreve um pouco.
R – Nossa, gente! Imagina, você tem um salão na sua casa, uma garagem, os bailes de garagem, as bandas de garagem. Então nós íamos reunir as pessoas, desenhava camiseta, todo mundo de camiseta branca, fazia os desenhos, quem tinha habilidade de desenho desenhava, quem tinha habilidade de fazer pequenos passinhos de dança, fazia as sequências coreográficas. Aí equipamentos de som, quem tinha vitrola ainda, eu lembro de bailes que a gente fazia com vitrola, era impressionante e era maravilhoso, né? Então essas equipes nós saíamos, ou outras equipes já mais bem consolidadas, pessoas mais velhas que tinham já os equipamentos de som, de luz, as luzes estroboscópicas naquela época, era uma febre. Então reunia em tal lugar. Aí ou pagava pequenos ingressos ou realmente era casa de amigos e ia todo mundo lá pra dançar. E os namorinhos, né, que hoje é o ficar, na época os namoros eram muito comuns nesses bailes.
P/1 – O que tocava nesses bailes, o que vocês escutavam?
R – Nossa, difícil, hein? Difícil. Mas essa época, se a gente pensar no Grease era uma referência dessa época, Earth, Wind and Fire é uma referência. O soul music já era forte nessa época. Tanto que você já tinha as discotecas, que aí quando eu fiquei mais velho eu comecei a ir pelas discotecas, quando criança a gente não tinha esse acesso, questão financeira inclusive. As músicas lentas, que era muito comum, não vou lembrar os nomes mas, das americanas, música lenta, de dançar juntinho. Era maravilhoso aquilo, maravilhoso. As namoradinhas. As equipes brigando entre si porque uma equipe queria ser melhor do que a outra e, como as gangues de Nova York, só que uma intensidade menos agressiva. Algumas briguinhas ou outras, mas nada realmente de loucuras, salvo os mais velhos, que aí entravam em brigas entre bairros, umas coisas bem interessantes. Mas nossos grupos não, eram pessoas que queriam sair pra se divertir. E eu estava no grupo da dança, por sinal, tinha jaqueta de couro, aquela coisa, foi bem interessante essa fase. A época do Dancin’ Days! A época do Dancin’ Days (cantarola tema de abertura). Era maravilhoso aquilo.
P/1 – Você já gostava de dançar?
R – Eu já gostava de dançar nessa época. Interessante, eu tinha um grupo de... engraçado, eu não me recordo muito das pessoas da dança. Eu recordo bem do grupo de vôlei: o Wagner, Hilário, Wagner Pereira, o Paulinho, o Donizete... outros amigos da escola. Eu recordo de algumas pessoas da equipe de vôlei, porque nós ficamos também mais tempo amigos. A equipe de baile era todo mundo misturado, engraçado, né? Não lembro muito da equipe do baile, não.
P/1 – Quando você fala de equipe de baile, de equipe de dança é porque era um grupo de pessoas que ia pra dançar no baile ou que promovia o baile, como que é isso?
R – Isso, ou que promovia o baile. “Ó, semana que vem na minha casa”, então reunia o grupo, tal, todo mundo se organizava. Faziam as instalações, precárias. “Não, tem baile em tal lugar, vamos montar a equipe de dança”. Aí a gente fazia camiseta igual e todo mundo fazia pequenas coreografias. Que isso depois, com o tempo, migra para as danceterias. Na Zona Leste você tinha forte a Toco, que foi uma referência da Black Music lá na época, a Toco. Você tinha depois a Ponta, que era na Vila Formosa. A Toco era na Vila Matilde. Ponta na Vila Formosa. Depois você teve a Contramão, na Silvio Romero, que aí era um bairro nobre, assim. A Contramão teve até um programa de televisão na época, dentro da discoteca, da Contramão. Mais pra frente você vai ter a Overnight na Mooca, também. Então aí a gente acabou migrando depois, aí trabalhar, poder aquisitivo melhor e você vai poder sair, no sentido de lugares privados, né? Mas essa fase de dançar pelo bairro era maravilhoso. Então algumas madrugadas a gente atravessava de um bairro pro outro pra ir dançar: “Não, tem festa em tal lugar”. Não tinha telefone, celular. Como a gente sabia, né? (risos) Era de boca a boca, entendeu? “Meu, eu sei que vai ter um baile em tal casa” e vinha de boca em boca e de repente reunia e ia. Cansei de ver a gente indo às nove da noite, oito da noite de um lugar pra outro. Levava uma hora pra chegar. E em grupo, por isso os grupos, era uma forma de se proteger, uma coisa assim, bacana também.
P/1 – Você falou um pouquinho de... Desculpa.
R – Estúpido cupido! Lembrei agora. Você vai me falando e eu estou lembrando, né? Estúpido cupido, a novela lá. O Mederiquis, ó o nome que eu lembro, das lambretas, né? Nós não tínhamos esses equipamentos todos, mas nós vivíamos a parte de expressão, de dançar, de cantar Celly Campello, eu lembro disso. Banho de Lua, eu lembro disso. Eu tinha os vinis nessa época. Então isso é marcante, é uma coisa apaixonante. Eu lembro do nome de algumas namoradas, mas acho que não vem ao caso aqui.
P/1 – É, eu ia te perguntar isso agora (risos). Ia perguntar se teve alguém nesse lado amoroso assim, dessa fase, uma primeira paixão, alguém marcante, alguma história marcante.
R – Marcante? Marcante. Aquela que eu caí da balança foi marcante, mas eu não lembro o nome. Ela está lá guardada em algum canto. Depois vim pra São Paulo, a Luciana foi marcante. Cláudia foi marcante.
P/1 – Você tem alguma história com alguma delas?
R – Patrícia. A Patrícia foi a nisseisinha que era filha da dona Maria Antônia. Diz que ela era apaixonada por mim, mas foi só uma paquera, não teve nada mais. Luciana foi minha namorada. Mas também eu fiquei flertando a Luciana por muitos anos e ela não queria nada comigo, é uma coisa muito interessante. Mil histórias. Na época do vôlei, por exemplo, a gente jogava, eu era o capitão da equipe, então era bem popular e as meninas ficavam: “Ai Antônio, Antônio, Antônio”. Antônio Sérgio. “Antônio Sérgio, Antônio Sérgio”. Isso era muito bacana, divertido. Uma passagem a gente estava num colégio jogando e estava assim, um jogo disputadíssimo, não vou lembrar o nome desse colégio, mas da Vila Formosa. E aí começou a garoar, chover e a gente não queria parar o jogo. O pessoal: “Vamos interromper” “Não, nós vamos terminar”. E aí torcidas assim também, super vibrantes: “Não vamos parar”. Jogamos na chuva, foi uma coisa maravilhosa, aí terminou o jogo, ganhamos o jogo. Uma menina também, não vou falar o nome agora, mas me agarrou, me deu um beijo assim no meio de todo mundo. Eu falei: “Nossa!”. E aí ficou aquele clima de suspense, aí no dia seguinte, na escola, todo mundo falou que a Luciana estava brava comigo (risos). E aí: “Não, mas por quê?” “Você ganhou um beijo de tal pessoa, foi horrível! Eu estava lá, nem fui te ver” “Mas eu não estou sabendo de nada, você não é minha namorada nem nada minha”. E aí algumas semanas depois ela resolveu namorar comigo (risos) foi assim, então essa é uma passagem bem bacana. Mas um clima muito legal nesse sentido, das pessoas serem amigas, parceiras, uma ajudar a outra, então esses momentos de escola são marcantes na minha vida, marcantes. O que mais que eu ia falar da Zona Leste? A equipe. No colégio eu já comecei a ser empreendedor. Eu e meu irmão mais velho, a gente inventou de fazer geleia em casa pra vender no colégio, isso foi uma coisa bem interessante de empreendedorismo já naquela época. Eu digo isso porque hoje eu estou estudando sobre empreendedorismo.
P/1 – Vocês decidiram, vocês mesmo faziam? Como é que surgiu essa ideia?
R – É, então. Meu irmão, teve uma época que ele fazia carreto na feira. Carrinhos de madeira com rolimã e aí a gente fazia, levava as compras das pessoas na feira. Eu não cheguei a fazer isso, mas meu irmão mais velho fazia, então eu acompanhava. E aí depois de outras coisas fizemos isso de vender geleia na feira. Preparávamos geleia em casa, gelatina, aí se você pusesse um tipo de maisena ela ficaria geleia, se você não põe vira gelatina, então, minha mãe ajudando, muito legal. A gente cortava tudo em pequenos quadrados, fizemos a caixinha, fomos vender na feira. Isso é uma coisa bem marcante.
P/1 – Você se lembra se isso deu algum dinheirinho, o que vocês faziam com esse dinheiro?
R – Não lembrava disso, não, foi uma coisa meio, uma passagem, na verdade. Uma coisa de dinheiro, no interior de São Paulo a gente ia muito tirar férias pra lá, né? Nas férias escolares os avós ficavam com as crianças lá, né? Lá em Cedral, interior. E numa dessas passagens a gente pedia dinheiro pro meu avô e ele falava: “Não, eu vou arrumar trabalho pra vocês”, isso eu não vou esquecer. Meu avô colocou a gente numa plantação de tomate, que era amigo do dono: “Então vocês vão trabalhar aqui com plantação de tomate”. A gente trabalhou lá, acho que foi metade de um dia, ou um dia todo. No final do dia acho que meu irmão ganhou cinco reais, uma coisa assim na época, não era real ainda, era cruzeiro. E eu acho que ganhei também uma coisa parecida. No dia seguinte a gente não quis ir mais porque não dava, era muito trabalho. Uma coisa que eu lembro, eu e Mário, meu irmão, é férias, a gente saía da escola julho, férias no interior; dezembro, janeiro, férias no sítio. Então isso foi uma coisa marcante na nossa saga, essa coisa de ir e voltar do interior foi uma saga muito interessante. Tanto que depois de crescidos a gente pegava o carro nas férias e sempre ia pro interior. Hoje meu pai mora lá, minha mãe já é falecida, também pega as férias e leva as crianças pra passar lá, ficou uma coisa meio que parte da vida da gente.
P/1 – E essa mudança de escola, desse colégio que você passou oito anos, você falou que você foi pro Liceu de Artes e Ofícios.
R – Isso. Fiquei um ano no Liceu, ali no Pari. Participei do grupo de vôlei, criamos um grupo de vôlei lá também, um time. Ali teve um, ali eu encontrei várias pessoas de outros lugares e tudo. Teve uma pessoa que foi especial. Especial, ele foi uma pessoa que estudava na escola, chamado Varan, um rapaz também, jogava vôlei também. O que chama atenção no Varan? É que depois que eu fui virar bailarino, anos depois, eu encontrei o Varan que virou bailarino também. A gente estudou no mesmo colégio, porque eu fiquei no Liceu um ano. E eu saí do Liceu porque eu arrumei emprego no banco, precisava ajudar minha família e eu fui pra esse colégio, que é o Colégio São Paulo, no Parque Dom Pedro, e ali eu comecei a fazer o curso técnico em Administração. Então eu entrei pra área de Administração e fiquei no banco quatro anos, 82, três, quatro, cinco e seis, mais ou menos.
P/1 – E essa experiência no banco, como é que foi?
R – Outra experiência marcante, maravilhosa. Não sei, eu sou suspeito porque eu sou apaixonado pelas experiências que eu vivi. Então eu comecei lá como office boy, depois de um ano eu participei de um programa que era trainee, a gente andava por todas as sequências do banco, todos os departamentos do banco. Aí eu virei caixa e esse caixa depois eu estava próximo pra ser trainee de gerente já, de criança, 15, 16, 17, 18 anos, mais ou menos. E isso o colegial no São Paulo.
P/1 – Que era um técnico de Administração.
R – Técnico de Administração. Aí no banco eu conheci uma outra pessoa chamada Maurício, que nas festas do banco a gente promovia as festas. Você vê, aquela coisa da festa lá de criança, eu promovia a festa do banco, eu promovia excursão no banco. Eu já tinha uma identidade interessante com RH, com pessoas. Maurício, a Nívea, o Wilson, pessoas que marcaram aquela época. Antonieta. Por que o Maurício foi marcante? Porque depois eu reencontrei ele também como bailarino. O Maurício já era bailarino naquela época e eu me lembro que eu brincava com ele: “Ah, bailarino, hein?”, zoava, aquela coisa de menino preconceituoso, né? E aí no colégio São Paulo, nos últimos anos, eu comecei a namorar uma garota chamada Valéria, e aí tinha uma outra amiga nossa que era a Elaine. E elas dançavam. E eu ia na academia buscá-las. Daí eu comecei a ver ensaio e elas: “Por que você não vem fazer dança?” Então fazer dança foi um processo bacana, já tinha a experiência artística lá do meu pai, de gostar de música, gostar de dança. Aquela experiência da equipe de dança no bairro. Aí fui namorar a Valéria que dançava. E eu ia nas academias vê-las dançar. E é interessante porque eu comecei naturalmente discutir questões de preconceito, voleibol já existia o preconceito, eu não gostava de futebol, gostava de voleibol, que joga com a mão. Futebol era coisa de menino, voleibol era meio que preconceituoso em relação a masculinidade. E é claro que eu fui me consolidando a minha personalidade, de 15 a 18, mais ou menos. Falei: “Vou fazer voleibol”. Aí eu gostava também de coisa zen, sempre gostei muito de passeios, mata. Eu lembro bastante que eu ia pra Paranapiacaba de trem. Fui meio bicho grilo, fui pro Bexiga escutar as músicas, as bancas. Então nesse período de banco eu fui vivendo toda essa questão aí da mudança. Virando artista, que eu acabei virando bailarino mesmo, entrei em 85, isso eu lembro bem. Fui fazer um ano de dança no Teatro Municipal de São Paulo. Fui pra essa academia que a Valéria e a Elaine praticavam dança. E aí foi o outro lado, aí fui pro lado de quebra de preconceito.
P/1 – Mas como é que foi essa entrada na dança? Detalha um pouquinho mais pra gente. Como é que você se lembra, assim, começou a surgir um interesse nesse sentido, você já gostava de dançar, tudo isso, mas de pensar: “Hum, eu poderia fazer dança, eu poderia ser bailarino”, ou uma primeira vez, a primeira aula, essa experiência com o Municipal. Só pra gente entender como é que foi essa entrada.
R – Ótimo. Eu começo a olhar, por exemplo, época das discotecas que também a gente ia dançar e lá tinha os grupos de dança, então eles faziam aquelas coreografias que aí eu comecei, naturalmente, a fazer isso. Uma época, eu fui pouco a Toco, mas a Toco foi uma referência muito forte porque era uma coisa incrível, era um show de música, luz e de pessoas dançando, né? A black music era muito forte. Então a partir daí isso ficou em mim. Aí fui pra Administração, aí fui pro São Paulo que eu comecei a namorar a Valéria, que eu ia pra academia com ela. Um belo dia cheguei na academia, um professor lá: “Meu, vem fazer aula”. Eu fiquei meio assim. “Vem, te dou uma bolsa” “Como assim uma bolsa?” “É, você não vai nem pagar”. Quando eu fui pra aula, eu cheguei lá tinha um monte de bailarinos do Municipal de São Paulo, bailarinos já quase profissionais, e eu começando. E nessa academia então eu falei: “Opa”, virou uma oportunidade, né? E o banco eu falei: “Não, acho que já está diminuindo a questão do banco”. Então praticamente eu comecei a migrar pra dança quando eu percebi esse movimento de mercado de trabalho.
P/1 – Era Clássico mesmo? Essa academia?
R – Não, era academia de jazz; tinha clássico, tinha jazz. Até a professora de jazz chamava Ana, uma pessoa bacana que eu conheci lá. O Alex foi meu primeiro professor de balé, por exemplo. E a Valéria, que foi minha namorada, e eu ia pra lá com ela. E o que chamou a atenção foi que nós fizemos aquele espetáculo de fim de ano. E aí ele fez uma música da Tina Tuner, (cantando): “We don’t need another hero”, que era um jazzão muito lindo. E eu ainda estava no banco, estava terminando o colegial, 85, e aí o pessoal do banco foi assistir. Lá no banco tinha um outro amigo que chamava Ivo, que era da Educação Física e era bailarino também. Então foram muitas pessoas que foram se, nós fomos nos aproximando em função de... E desse espetáculo o pessoal falou: “Meu, você vai virar profissional e tal”. Ficou muito bacana. E nessa academia, era na Mooca, na Rua da Mooca. Ó o nome da academia: Sport Lady. Eu nunca vou esquecer, então eu fui brigando com o preconceito o tempo todo, né? Até que eu lembro uma coisa bacana numa revista Planeta que eu lia, eu gostava muito de ler coisas esotéricas assim, sempre pratiquei yoga, fiz um monte de coisa. E nessa revista eu vi, devia ter trazido a revista, é incrível. Eu vi uma foto de vários artistas que discutia a questão da bioenergética. E numa das entrevistas da revista eu vi a bioenergética do bailarino, que era uma energia ligada diretamente ao cosmos, assim, de equilíbrio, de domínio corporal. Então isso eu me lembro, foi mais uma forma, opa, fazer dança é uma coisa interessante. Aí teve a discussão do pessoal do banco: “Meu, você é bom, você é profissional, segue!” Aí eu desisti do banco, eu falei: “Bom, estou pedindo demissão do banco”. Minha família ficou brava, aquela carreira, aquele negócio. Vou fazer Educação Física, porque eu já tinha o esporte, já tinha a dança, então foi essa a transição. E nessa academia tinha uma menina lá, não vou lembrar o nome dela agora, uma chamava Mara e a outra acho que era Vânia, não tenho certeza se é Vânia. Elas tinham um grupo de country e aos finais de semana fazia show. E eles me convidaram pra entrar nesse show. Poxa, eu ia pro show, eu me divertia e ganhava uma grana (risos). Garoto, 18, 19 anos. Falei: “Cara, acho que essa profissão é boa”. Você se diverte, porque dançar para mim era uma diversão, né? Você vai pra balada, porque eu estava em shows assim, a gente dançava em cidades de country. Eu tenho uma ascendência do interior, eu também gosto. O country mesmo, americano, não gosto muito do sertanejo. Mas o country na época foi muito forte. E aí virou o mercado de trabalho. Eu falei: “Opa”. Olha a coincidência, veio a lambada, 86, 87. “Opa, pera aí, está dando certo o negócio”. Então eu me divertia, ganhava dinheiro, passeava, porque nós fizemos algumas viagens no interior de São Paulo. Eu lembro, a primeira viagem que eu fiz foi pro Rio de avião com eles. Eu falei: “Opa, negócio está ficando profissional”, então foi associando, entendeu? Aí eu me aprofundei. Aí esse Alex falou: “Você quer ser profissional você tem que fazer balé, pra ser uma pessoa profissional”. Aí eu fui fazer balé com o Alex, fiz balé na Escola Municipal de São Paulo, isso aí já era em 86. E aí começou a aparecer muito trabalho freelance de bailarino nas academias. Porque tinha pouco homem nas academias, ó o mercado. Então, da reflexão sobre o pré-conceito eu falei: “Pô, bobagem”. Ainda eu brinco: “E aí se tivesse alguma relação? Tudo bem, eu teria que assumir isso”. Então eu fui amadurecendo tudo junto, a profissão dança. Aí eu fui fazer balé, jazz, sapateado, flamenco. Fiz a dança de salão muito tempo, dancei lambada espontaneamente nas baladas, né? Aí das discotecas às lambaterias. E várias, Lambar, famoso. A Mel, famosa na Pamplona, o Lambor era na Joaquim Floriano. Então lambaterias mil, os bares, bailes. É engraçado essas questões de época, sazonais. Então eu fui, por isso que eu falo que é apaixonante, que eu vivi tudo isso nesse sentido da dança. E aí outros lazeres, que até você perguntou. Eu lembro muito de parque, eu sempre gostei de parques. Correr, jogar, de andar de bicicleta. Eu fiz muito a questão da escalada, caminhada, eu falo de Paranapiacaba que era uma referência. Depois eu participei de uma, não era empresa, mas na época chamava Freeway. Era um grupo de escalada, de passeios, mochila, então eu me vejo muito nessa linha como lazer.
P/1 – E essa coisa da Educação Física, da faculdade? Você saiu do banco, decidiu que ia fazer, né? E como é que foi a experiência da faculdade de Educação Física?
R – Nossa, outra experiência apaixonante, né? Eu me apaixono por tudo o que eu faço, modéstia à parte, eu venho do esporte, eu vim da dança. E aí entrei na Educação Física. Quando eu chego lá eu percebo que o mercado profissional de voleibol já não estava mais pra mim. Por quê? Já tinha atletas muito mais profissionais na faculdade. A faculdade é um agregador de atletas, né? A Fefisa onde eu estudei, Santo André, Faculdade de Educação Física de Santo André, muito forte de agregar atletas, atletas profissionais. E quando eu me vi no meio de atletas profissionais eu falei: “Opa”. No entanto a dança não tinha muito bailarino. Eu falei: “Opa, aqui eu tenho destaque”. Então na faculdade de Educação Física eu comecei a me especializar em dança. Ou seja, eu migrei de mercado naturalmente porque eu percebi esse gap, famoso gap, o espaço. E de novo eu comecei a ser o bailarino da faculdade. Aí muita tiração de sarro, pessoal quicava, jogava a sapatilha na aula, era uma farra, né? Mas bacana porque manteve a minha personalidade. Eu já tinha vinte e poucos anos aí, 21. E aí faculdade foi desenvolver muito forte a ginástica artística na época, porque era uma prática mais de expressão corporal que eu gostava muito, e dança. E passei tranquilo pelo vôlei, tive um problema com a natação porque eu era muito, eu dançava, o balé me deixava com o corpo muito rígido e a natação eu não conseguia fazer, relaxar na água, eu lembro disso. Então a gente brincava que era o nado parafuso, você pula e afunda, né? Então tive problema de natação, mas que também passei, bacana, tal. A outra faculdade também os professores maravilhosos. O José Carlos que foi o meu professor de ginástica masculina; Sueu o meu professor de natação; Luizinho de natação. Quais os professores que eu vou lembrar? De Atletismo, Piaza. A Maria Rodrigues que é uma professora já velhinha hoje, foi dar ginástica infantil, que trabalhava muito com dança, folclore, então a gente se dava super bem. Quem mais? Basquetebol, Vladimir Marques, famosão, foi campeão do mundo no basquete, era professor lá também. Ginástica olímpica, dois professores que eu não vou recordar o nome agora, mas eu acabei fazendo estágio com uma professora de ginástica artística, ginástica olímpica, né, que foi, nossa, olha, esqueci o nome! Uma japonesa, ela tem uma academia chamada Yashi, muito famosa. Ela é arbitra internacional, é muito boa também nisso. A Marilene, que era uma das professoras de ginástica artística. E o nome da japonesa eu esqueci, gente! Mulher famosa. Como é o nome dela?
P/1 – Perdeu.
R – Perdi o nome dela, mas vai vir o nome.
P/1 – Quando você se formou você foi trabalhar com o que, ou estava trabalhando com o quê?
R – Ali foi bacana. Eu fui procurar trabalho, eu fiquei sem trabalhar um período no primeiro ano de faculdade, essa coisa do banco. Eu cheguei a fazer trabalho de telemarketing, foi bem maluco. Eu cheguei a trabalhar da meia-noite às seis pra ir pra faculdade. O grupo de dança do country começou realmente a aparecer vários shows aos finais de semana. Depois teve uma fase que eu fui fazer um trabalho ali no Eldorado. O Eldorado tinha uma casa de espetáculos que chamava, era uma casa country. Uau, como chama essa casa country no Eldorado? Show Day Saloon. Nós entrávamos com a quadrilha country, então ganhava uma grana ali. Aí eu acabei achando um trabalho num colégio, Colégio São Luiz, que também foi uma fase muito bacana. Eu estava sem emprego e eu fui pagar uma conta pra minha mãe lá na cidade e fui andar pelo centro, tal. Eu subi até a Paulista, fui andar, procurar emprego. Aí eu vi aquele colégio enorme assim, eu era estudante de Educação Física e falei: “Cara, será que tem algum trabalho pra mim aí?” Entrei. Isso é uma fase bacana, é uma experiência interessante. Eu tinha ouvido de um primo meu, umas semanas atrás, falou assim: “Olha, quando alguém quer trabalho, você pega o primeiro que aparece. Você está precisando”, isso é uma coisa interessante. “O primeiro que aparece, não pode escolher”. Isso eu fiquei guardado, meu primo Marcos, um amigão meu. E foi assim que eu entrei no São Luiz. Entrei pela porta: “Por favor, eu queria saber sobre trabalho? Com quem eu falo?” Aí ligou pra uma pessoa, veio a pessoa. “Pois não”, Edson o nome dele. Eu falei: “Olha, eu sou estudante de Educação Física, vi um colégio desse, não conheço. Gostaria de saber se o senhor tem algum trabalho pra me oferecer”. O Edson falou: “Como assim?” Eu falei: “Olha, é assim. Eu vim pagar uma conta pra minha mãe aqui nessa rua”, que era na Haddock Lobo, acho que tinha uma Telesp ali, não me lembro bem o que era. Ele falou: “Olha, vamos entrar pra conversar”. E aí o Edson sentou. Ele já começou a fazer uma entrevista comigo, sem eu saber. Ele falou: “Explica”, como aqui, né? “Explica” “Olha, eu estudo Educação Física, não estou conseguindo pagar faculdade, minha família precisa de ajuda e eu entrei aqui e preciso de um trabalho”. Ele falou: “Qual o trabalho?” Eu falei: “Qualquer um. O que você puder me oferecer, eu posso entrar meio-dia ou da uma até a noite, porque eu faço faculdade de manhã lá em Santo André”, que era longe pra caramba. O Edson falou: “Nossa, eu nunca vi isso. Então eu vou te arrumar emprego por causa disso”. E ele já tinha pensado que tinha um emprego de bedel. Aí vem a música (cantando): “Agora eu era heroi”, lembra disso? Chico Buarque, né? Fui o bedel, fui também juiz (cantando): “E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz”. Essa música do Chico era marcante na minha vida também, João e Maria. E eu fui virar bedel de um quinto ano, quinta série, ele me deu essa oportunidade. Isso que me segurou na faculdade. Naturalmente eu achei uma academia ali na Paulista de balé clássico profissional, método russo, era o Victor Austin, foi meu segundo professor de balé. Eu tive outros professores de balé lá no Municipal de São Paulo, o Wilson foi meu professor de balé lá, um senhorzinho na época. Lá eu conheci outras professoras de balé, Toshi Kobayashi. Tinha uma professora que chamava Manuela, tinha uma professora que era a Célia Gouvêa, que é famosa também, da dança moderna. Aí eu já tinha saído daquela academia lá da Mooca, fiquei amigo do Alex tal, mas eu saí, eu já vim pra academia do Victor, eu já vim trabalhar no São Luiz e eu estava fazendo a faculdade de Educação Física e ó, mandando ver na dança. Estudava dança à noite, trabalhava à tarde, faculdade de manhã. Fim de semana fazia uns freelances ainda. Em academias, viajava, então, aí veio a trajetória na dança. Até que, eu fiquei no colégio São Luiz em 86, sete, oito, mais ou menos 88, 89, eu estava saindo da faculdade, me formei em 89, apareceu uma oportunidade para eu ir pro Japão. Aquele grupo de country, às vezes eles faziam bailes junto com meninas da Can Can. Olha que, né? Nesse grupo de Can Can tinha uma coreógrafa, era amiga do meu primeiro professor de balé que era o Alex. E ele me apresentou pra ela, a Zezé. E aí viramos amigos também. Dançamos juntos. Tudo o que ela precisava eu ajudava também. E aí um dia a Zezé chegou: “Antônio, eu estou precisando de um bailarino pra ir pro Japão comigo. Quer fazer o teste?” Olhe, 89 isso. Eu falei: “Nossa, demorou”. Já estava trabalhando no São Luiz, só que aí eu peço a conta do São Luiz. Minha família enlouquecida: “Como!?” São Luiz tinha muito trabalho de educação física lá, mas eu estava forte na dança. E aí eu falei: “Mãe, apareceu uma chance aí de eu fazer um teste, mas não fala pra ninguém”. E eu fui fazer o teste com a Zezé. Na verdade era um show brasileiro que ia pro Japão. Então dançava-se tudo, jazz, dança de salão, samba, capoeira, dançava tudo. Aí fui fazer o teste. Já viu, né? Eu passei no teste. Bom, aí antes de eu ir pro Japão, que foi o ano de 89, eu fiz aula também no Conservatório lá na Cubatão, aqui na Alameda Santos, Jane Blauth, uma referência na dança também. Então eu fiz aula na Jane Blauth, eu fiz aula aqui no Victor Austin, então fui conhecendo grandes personalidades da dança. E lá na Jane, um cara que fazia aula lá era o Marco, Marco Antônio, que foi um bailarino do Cisne Negro, essa foi uma fase bacana. E o Marco gostou: “Não, você é um bailarino alto, eu vou precisar de bailarinos assim, vai lá fazer um teste no Cisne Negro”. Em 89 eu passei num teste no Cisne Negro pra dançar clássico, O Quebra Nozes, que o Cisne Negro faz espetáculo anual, até hoje. E foi um outro mundo, foi aqui que eu comecei a dançar no Cisne Negro, em 89. Terminando o trabalho de 89 do Cisne Negro eu emendei o trabalho pro Japão em 90. Aí a carreira já estava direcionada, né?
P/1 – E como é que foi essa viagem pro Japão e essa experiência lá?
R – Nossa. Imagina, eu não tinha dinheiro nem pra comprar mala, era um garoto de 20 anos, 21 anos, duro (risos), trabalhava pra sobreviver e pagar as contas, ajudava a família, de origem pobre. De repente eu me vejo num voo da JAL, viajar do outro lado do mundo (risos). Tem uma passagem desse grupo que eu dançava country que eu falei pra moça: “Olha, eu vou também sair do grupo”, a gente teve uns desentendimentos e tal, lá no show Day Saloon no Eldorado. Aí um dia ela virou pra mim: “Ah, só porque agora você faz balé, você dança em outros lugares famosos você está se achando, né? Você acha que você vai longe assim?” Um papo assim, de discussão, chata, mas virou uma passagem interessante porque esse ir longe ficou marcado. Eu falei: “Olha, eu fechei um contrato e ano que vem estou indo pro Japão, isto está bom pra você?” E aí terminei a conversa e o que aconteceu? Esse ir longe foi atravessar o mundo, literalmente. Eu não conhecia nem a Bahia. Então eu me vi indo pro Japão com um grupo de dez bailarinas, dois bailarinos e oito músicos. O pessoal do Cisne Negro falou: “Meu, Milani, para com isso, vai fazer show!?” Eles desvalorizavam o show porque a Companhia Cisne Negro é balé profissional contemporâneo, tem uma estética específica, que eu também adoro. Eu falei: “Não, eu vou conhecer essa experiência. Imagina, viajar pro Japão seis meses”. E a minha família, minha mãe chorou muito, minha família desencanou: “Você está sonhando, onde você achou um trabalho desses? Caiu do céu?” Pior que caiu do céu. Eu fiz o teste, a pessoa já tinha 50% de chance porque eu já conhecia a coreógrafa. Ela falou: “Eu preciso disso, disso e disso. Você tem que saber dançar todo tipo de dança”, então eu já tinha essa prática. Não foi só o balé que me levou, ao contrário, só bailarino não consegue porque precisa ter samba, ele precisa jogar capoeira, ele precisa fazer jazz, ele precisa fazer de tudo. Então no Japão a gente fazia, exatamente, coreografias diversas, shows brasileiros. Era um intercâmbio cultural com um hotel japonês lá. Então foi assim, tinha palco de show. Então eles se inspiraram, inclusive falando do Eldorado, aqui do shopping, tinha o Paladium, que era uma casa de show brasileiro. Na Avenida Paulista tinha uma casa de show, que eu não vou lembrar o nome, já foi desativada há muitos anos. Então o que era? Era realmente levar esses shows brasileiros pro Japão. Então lá a gente fez shows durante seis meses, toda noite, tinha uma folga por mês, nós trabalhamos todas as noites, shows de duas horas. Teve dias que o show tinha que ser feito duas vezes, eram três horas de show. Porque a casa enchia de clientes, aí os clientes iam embora depois do show e entrava os outros clientes, então, coisa assim. O show era maravilhoso. Música ao vivo, aí eu fiz amizade com muitos músicos, novas pessoas, bailarinos, bailarinas, tal. E lá na época, o primeiro show foi em 90 que eu fui, tinha um evento no Japão muito interessante que chamava Hanako, a Feira das Flores. É um lugar enorme, com vários estandes sobre flores do mundo inteiro. E o nosso estava sendo representado o Brasil, que era parceria cultural com esse grupo que nos levou pra lá. Então nós fazíamos, eles chamavam de paredo, no Japão, de parade inglês, né, as paradas ou desfiles. Então nós fazíamos desfiles com roupa de carnaval, roupa de escola de samba, né? Por isso que o pessoal tinha preconceito com esses shows, aí eu comecei a entender. Mas eu sempre fui uma pessoa tranquila em relação à cultura, pra mim fazer show de samba, balé clássico, dança contemporânea, pra mim o valor é o mesmo, é cultura. Então nós ficamos no Japão seis meses. Nossa, eu voltei de lá parecendo um palito. Calor enorme, foi o período do verão. Verão no Japão é muito quente. Eu aprendi a tocar surdo com os músicos e eu adoro porque, você vai desenvolvendo novas competências. Frequentei escolas de balé no Japão, frequentei escolas de jazz no Japão, enfim, vivi a cultura japonesa em seis meses.
P/1 – Pra onde você foi no Japão?
R – Eu morei em Osaka, sul do Japão. Osaka.
P/1 – E o cotidiano, o contato com a cultura? Quais são as lembranças que você tem?
R – Maravilhoso! Nós morávamos num bairro, chamava Ishikiri-chō, o nome do bairro, que é zona sul de Osaka. Morávamos no alojamento, apartamentos eu estou sendo bonzinho, dois lugares pra dormir por pessoa, eu e o Ricardo que foi meu grande amigo no Japão, que me ensinou muitas coisas, ele já tinha ido no ano retrasado. Nós pegávamos um trem expresso, em 20 minutos nós estávamos no centro da cidade. Trem expresso com ar condicionado, toda essa tecnologia que a gente fala já existia naquela época lá. Eu me lembro que antes de eu sair do Brasil eu fiz um trabalho freelance de pesquisa pra pesquisador, e eu fui num evento do Hollywood Rock, lembra disso? E era maravilhoso que fui fazendo pesquisa, fui levando uma grana. Nessa pesquisa eu perguntava: “Alguém tem CD?” (risos) Era raro quem tinha CD. Quando eu fui pro Japão no mês seguinte o CD lá já estava sendo ultrapassado. Essa questão da tecnologia, né? Isso me marcou muito. Quando eu voltei de lá eu trouxe um equipamento de CD (risos). Então nós tínhamos esse alojamento, cozinha coletiva pro grupo todo. Tinha um ônibus que levava a gente, microônibus que levava a gente pra trabalhar. Era meio requintado, mas eu falei o menino de 21 anos sai do Brasil, duro pra caramba, conseguiu batalhar faculdade, conseguir, mas era, pagando, tudo difícil. Quando eu volto do Japão, com aquela experiência cultural maravilhosa, já aprendi a falar um pouco japonês, aprendi a falar um pouco de inglês porque tinha muitos contatos com americanos, enfim, lá, gente do mundo inteiro no Japão. Aí eu foquei, falei: “Opa, vou estudar inglês”. Os shows aconteciam, eu me aperfeiçoei em fazer show, ou seja, todo dia no palco, uma experiência profissional fantástica. Cheguei no Brasil depois de seis meses, guardei uma grana razoável, voltei rico (risos). No sentido, você sai daqui duro, você volta com uma quantia X de dinheiro, né? Voltei rico. Minha família não acreditava, né? Voltei magro porque nossa, lá era complicado, a comida estranha. Mas a gente se virou, se adaptou bem. Pra você ter ideia de comida, não que era estranha. Um dia a gente saiu pra comer, eu e o Ricardo, e no primeiro mês a gente não tinha salário, então eles davam dinheiro de comida, assim, contado, pra almoço. Janta eles ofereciam. Eu e o Ricardo, essa passagem é maravilhosa. Nós lá achamos uma moeda de 500 ienes, go-hyaku ien. E dava pra almoçar aqueles pratos populares. Como hoje você sai de um prato popular hoje. Não aquele de um real não, aquele lá se bobear era melhor, era uma porção de arroz, um lamen, uma coisa popular mesmo. E aí eu e o Ricardo fomos almoçar perto do nosso trabalho. Bom, vamos lá, o macarrão, a sopa, bacana, né? E aí tinha várias verduras em cima da bancada do lugar pra comer. E a gente com fome, os dois altos, né? “Vamos pegar essas verduras pra incrementar o almoço”. Gente, a hora que a gente colocou as verduras (risos), o lamen começou a ficar vermelho. Era tudo pimenta dentro daquilo (risos). Essa passagem foi incrível, mas era o nosso almoço, a gente tinha que almoçar e voltar pro trabalho, que o show era à noite, isso já era onze e meia. Não, era período entre meio-dia e duas horas da tarde, depois a gente voltava pro hotel onde era o show, a gente tinha que se preparar, se arrumar.
P/1 – E vocês comeram?
R – E a gente comeu. O Ricardo era também negrão, altão assim e falou: “Meu é o seguinte, pra quem trabalhou em construção, meu amigo”. Ele foi. Ele é muito simples, mas ele virou bailarino também. “A gente precisa se alimentar, depois a gente espanta”. A gente comeu. Eu ficava vermelho assim, não queria jogar comida fora aqueles valores que a gente traz de criança, acho que isso é uma coisa bacana. Comeu aquele lamen, vermelho só. Aí a gente está descendo pra ir trabalhar, uma senhora lavando a calçada, no Japão. A gente já tinha ouvido falar que lá toda água é pura, né? “Moça, a gente vai precisar da água” e a gente tomou água na mangueira (risos), umas coisas inesquecíveis. E aí foi ótimo porque a gente ganhava dinheiro por mês, salário, a gente tinha. Lógico, depois do primeiro mês veio dinheiro, aí, opa, agora a gente vai começar a se divertir. No topo do alojamento onde nós morávamos era uma montanha maravilhosa, arborizada, tudo, e lá no alto tinha um parque de diversões. Aqueles parques, tipo americano mesmo, então a gente ia lá vira e mexe, se divertia. Pegava trem e conhecia várias cidadezinhas próximas da onde nós morávamos. Eu fui conhecer Nara, fui conhecer Kioto. Naquele ano não, mas depois que eu fui em outras viagens eu fui conhecer Tóquio. E tudo em trem expresso, uma coisa fantástica, a gente chegou a ir à praia de trem expresso assim. Então infraestrutura maravilhosa. E adoro cultura, então, hoje eu trabalho com Gestão Cultural. Então viver no Japão, se você olhar minhas fotos assim, a gente tirava foto de tudo. De criança, de árvore, de planta, de senhores, dos monges, dos templos, a gente tirava foto de tudo, até uma nuvem que era bonita a gente tirava foto. Tecnologia, a câmera fotográfica, nossa, era muito barato. Então nós realmente demos um upgrade assim, a companhia se deu super bem, tanto que nós saímos de lá com proposta de voltar já, renovação de contrato. Então nós voltamos pro Brasil, aí nós passávamos seis meses aqui já preparando o próximo espetáculo, que era um show de duas horas.
P/1 – Qual era a companhia?
R – Então, não tinha um nome. O nome do grupo que levava a gente, aqui no Brasil tem um buffet, chamava Buffet Colonial, lá na Maracatins, ali em Moema, Maracatins com República do Líbano. República do Líbano? Acho que é. Buffet Colonial. Só que lá no Japão eles tinham um hotel chamado Hotel Oseiro. Até nessa época tinha muitos grupos que levavam meninas pro Japão com aqueles problemas lá de programa, dançarinas de casas de show suspeitas, também existia isso. Mas o Buffet não, foi uma empresa super tranquila, coerente, nós tivemos nosso salário todo certinho, tínhamos um contrato de trabalho por período determinado, um contrato provisório. E nós voltávamos pro Brasil, voltamos pro Brasil aí passou um mês de folga e já começavam os ensaios pra próxima temporada.
P/1 – Você voltou outras vezes então, pro Japão?
R – Nossa, olha que maravilhoso! Eu fui a primeira vez de bailarino, a segunda eu fui com um outro grupo porque o nosso grupo fazia um revezamento, verão e inverno. Um grupo vai no verão e depois vai no inverno. Aí eu fui no inverno, são novos bailarinos, então são várias equipes, né? Passei o inverno lá depois, a segunda experiência, também adoro, apaixonado. Depois eu voltei com o mesmo grupo que eu fui a primeira vez, com a Zezé, tal. Aí esses grupos foram renovados e o chefe lá do Buffet me convidou pra ser coreógrafo, aí eu fui como coreógrafo dois anos, então fui cinco vezes. Aí aprendi inglês nesse meio tempo, aprendi a falar japonês nesse meio tempo. Então foram cinco temporadas, dois anos e meio no Japão. Eu brinco né, é interessante falar isso no Brasil, você ser rico. O pessoal: “Ó!” Não, você vê um menino pobre, em cinco anos eu consegui comprar um apartamento, consegui comprar um carro, consegui guardar dinheiro no banco. Então, eu virei um homem rico em cinco anos. Aos 26 anos, 27, daí já era um cara quase rico (risos).
P/1 – E aí quando você, você ficou esses cinco anos trabalhando com esse grupo e aí quando você volta a ficar no Brasil como é que se encaminha a sua vida profissional?
R – Olha, é interessante. Durante esses cinco anos que eu fiquei indo e voltando pro Japão, quando eu chegava no Brasil, interessante, se eu estivesse entre julho e dezembro. Por exemplo, eu cheguei aqui em julho de viagem. Gente, eu passava uma semana, duas de folga, eu começava a ligar pra todas as pessoas que eu conhecia e contatos de academia, gente, em dias eu já estava agendado em vários espetáculos de academia. O mercado de trabalho da dança era, pra mim na época era maravilhoso. Porque é isso, você é predisposto, você faz de tudo, você ajuda a coreografar, entendeu? Você é versátil, você dança de tudo. Então as academias precisavam desde o bailarino técnico, clássico, até o dançarino de dança de salão. E como eu tinha essa experiência eu fazia de tudo. Então eu lembro que eu dançava, eu dancei em mais de 20 academias em São Paulo. Dancei em academias de Arujá, que até hoje somos amigos lá em Arujá. Santa Isabel, Mogi das Cruzes. Então eu fazia isso, eu começava a dançar nas academias enquanto eu estava no Brasil, ensaiava o show, aí eu ia embora de novo. Aí eu voltava. Então era muito interessante isso. Estudava paralelamente. Aí em 95 eu lembro que eu voltei do Japão, eu falei: “Bom, agora não vou voltar mais, já cinco anos, vou querer outras coisas”. Aí eu fui ao Cisne Negro. Cheguei aqui e falei: “Olha, voltei dona Hulda, quero trabalhar no Brasil, quero trabalhar com espetáculos, numa outra perspectiva artística, estética. A senhora me aceita aqui?” Ela falou: “Milani, você é um cara”, eu lembro que ela falou isso bem pra mim, a dona Hulda é uma pessoa muito querida, muito séria, muito enérgica, mas muito querida. “Cansou de bater bunda no Japão?” (risos) Eu falei: “Olha querida, eu não pensei, mas me deu muito dinheiro. Agora eu gostaria de passar pela experiência de novo com o Cisne”. Porque a primeira temporada que eu fiz foi mais na linha do balé clássico e mais escola ainda, eu era ainda iniciante. Então fiz papéis assim, não papéis de primeira linha porque realmente eu era iniciante, mas hoje eu acho que eu tenho uma experiência interessante, eu posso estar no primeiro grupo. E ela falou: “Nossa. Então vamos fazer um teste”, eu falei: “Estou pronto”. Ou seja, entrei numa temporada do Cisne Negro em 95. Parei de ir pro Japão em 95 e fiz uma temporada no Cisne Negro que foi maravilhosa. Aí eu dancei no grupo profissional. Que tem uma relação muito legal no Cisne, que me chama a atenção, a primeira vez que eu fui pra lá a Beth Risoléu, a Claudia Palma, o Aurich, Armando Aurich, Armando Duarte, o Marco Antônio que me levou, o Carlos, o Mário, essas pessoas, muitos desses meninos, vieram da Educação Física. Claudinei. Vieram da Educação Física. Então a história do Cisne é muito interessante. Vieram da Educação Física e viraram bailarinos. A minha foi bem parecida, né? Eu já vim da dança meio que popular, que eu chamo danças populares de salão e fui pra dança profissional, mas como professor de Educação Física também. Aí nessa temporada do Cisne eu fiz Mozartíssimo, que é uma coreografia do Gigi Caciuleanu, um europeu, e foi um outro sonho que eu realizei, eu fui dançar no Teatro Municipal de São Paulo, fiz temporada lá. E aí fechou a temporada, e agora? Eu falei: “Bom, aventura”. Fiz uma mochila: “Vou pra Europa” (risos). “Meu sonho é dançar na Europa agora”. Comprei uma passagem só de ida. Minha família: “Meu, chega, né? Você é louco mesmo, vai com Deus”. Eles já estavam nessa época pensando em voltar pro interior, minha família, mãe, pai, meus dois irmãos. A minha irmã já foi pra Europa um tempo antes, acho que em 95 ela foi pra Europa, casou, foi pra lá e eu fui lá visitá-la na Itália. Ela mora no sul da Itália, na Sicília. Bom, planejamento interessante. Peguei uma revista no Brasil que chamava Magazine e ela fala todas as audições que tem na Europa. Falei: “Opa, é aqui que eu vou”. Fiz contato com várias pessoas, onde eu posso ir, onde eu posso ficar, quem pode me ajudar, aquela conversa sempre de planejamento. Isso é bacana, planejamento.
P/1 – Mas além da sua irmã você tinha outros conhecidos que estavam na Europa na época, da sua área?
R – Não, nada, só ela. E ela não é da minha área por sinal, né? Mas eu expliquei, eu falei: “Cássia, eu fico aí com você uma semana, te vejo, só que eu vou programar uma sequência de audições”. Eu tinha acho que umas dez audições planejadas. Eu tenho anotado até hoje esse caderninho, foi 96. Ah, ela ia casar, por isso que eu também ia. Bom, antes de eu viajar, eu estava lá no Lambar dançando lá com a galera, tal, conheci uma garota, Conceição. Garota bacana. Aí a gente dançou muito, tãrãrã tãrãrã. Antes de rolar qualquer coisa eu falei: “Con, eu vou viajar, não posso me envolver, tãrãrã tãrãrã”. E falo isso por quê? A gente depois namorou um tempo antes de eu viajar, mas foi uma parceira, uma amiga. E quando eu fui viajar a gente ficou se correspondendo. Então eu fiquei praticamente uns 40 dias na Europa, talvez uns 50, fiquei prestando audições. Eu tenho o roteirinho lá. Eu saí da casa da minha irmã, eu subi pra Milão. Em Milão eu tinha umas horas de folga e eu fui andar, adoro cultura, você perguntou do Japão, onde eu caí eu adoro. Eu fui andar e papo vai, papo vem com as pessoas, coisas informais, uma pessoa me convidou pra fazer um teste. “Você é bailarino? Quer fazer um teste?” Não estava programado. Aí eu entrei lá numa academia, sou meio curioso, eu vou, eu olho as coisas. “Faz um teste”, eram tipo shows de performance que eles faziam. Aí papo vai, papo vem, ela falou: “Olha, mas eu tenho só uma semana de temporada, eu não posso te segurar aqui muito tempo”. Eu olhei meu roteiro. Não, eu tenho audição aqui, aqui e aqui, não dá. Se fosse fechar um trabalho para eu garantir aqui seis meses, aí eu estou aqui. Aí foi bacana, a pessoa falou: “Não, não vai dar”. Falei: “Então tá bom, vou seguir viagem”. Saí de Milão. Rápido assim. Fui parar em Paris. Aí em Paris eu tinha um contato, ó como o mundo é maravilhoso. No Japão eu fiz uma amiga chamada Marília, que também era dançarina de outros grupos no Japão. Aí no Japão a Marília me indicou em Paris a Rebeca, que é prima dela. A Rebeca foi bailarina do Kaoma (estala os dedos). Era uma das loirinhas que dançavam no Kaoma. Então fui conhecer a Rebeca. Cheguei lá, putz, a Rebeca me recebeu de braços abertos. “Não, você é amigo da Marília, minha prima, você é meu amigo, meu irmão”. Sabe essa coisa? Que isso que é bacana na Arte, né? As pessoas se ajudam, pelo menos eu sinto isso. As pessoas sabem como certas coisas são difíceis e se ajudam. Me deu a chave do apartamento dela. Falou: “Antônio, confio em você, não me decepcione e o que você precisar eu te ajudo”. Eu mostrei pra ela que eu tinha todo um roteiro, tãrãrã. Aí chegou na época ela era casada com o Didi, também um negão que dançava no Kaoma. Didi maravilhoso, amigo: “Não, vamos sair com ele, passear!” Isso é maravilhoso. Me levou na motinho, né, cada um tinha uma motinho lá, aquelas Vespa, a gente foi passear por Paris, imagina. Passeamos Paris toda aquela noite, paramos num bar que eles conheciam lá que tinha caipirinha, fomos tomar caipirinha, tãrãrã tãrãrã. E aí eu falei, aí sentamos depois a madrugada conversando. “E conta do Brasil, como é que está”, aí eu fui contando, falei da lambada, do Japão, não sei o que lá. Falei do zouk, que no Brasil estava começando uma febre de zouk, 95, parãrã. Aí a Rebeca falou: “Não, senta aqui que eu vou te dar uma aula” “Como assim?” “O zouk é um ritmo das Antilhas”, lá em Paris eu estava, “e se dança não é igual a lambada do Brasil. O que eles estão dançando no Brasil, que chama zouk é lambada com a música zouk”. E eu: “Uau!”. Olha onde eu fui aprender. Por que eu falo isso? Porque eu vou colocar isso nos meus livros, tem conhecimento que você aprende conversando, né? Ela falou: “Vou te provar”. No dia seguinte, cada um foi fazer suas coisas, eu fiquei descansando aquele dia, fiz uma viagem longa. Aí à noite fomos pra balada e ela me levou num bar de zouk. Meu, os africanos, gigantes, negrões assim, mulheres negras lindas e tal, e todo mundo dançando um zouk bem juntinho, calminho, tranquilo. Sendo que aqui no Brasil se dança como a lambada. Ou seja, essas trajetórias foram me ensinando. E nesse sentido eu comecei a guardar essas histórias. Eu falei: “Olha que interessante, né?” Aí fiquei em Paris com a Rebeca uns 30 dias, mais ou menos, na casa dela. Dali eu fui fazer audição na Suíça, fui pra, acho que não vou lembrar algumas cidades, não era Zurique, uma cidade da Suíça ali, fiz uma audição lá, fiz audição na Holanda, fiz audição em Londres, fiz audição na Alemanha, em várias cidades da Alemanha. Alemanha Oriental lá, fui pra Weimar, fui pra Dessau, fui pra terra do Goethe. Grenoble, não, Grenoble foi França. Acho que é Halle a terra do Goethe, se não me engano. Foi bacana porque eu vi a Alemanha Oriental como era, ninguém quase falava inglês, já tinha levado dicionário de alemão porque eu já estava me preparando. Conheci muito brasileiro. Gente, tem brasileiro igual pardal, no mundo inteiro, eu brinco sempre com isso. E aí essa questão da amizade. Se você demonstra uma personalidade bacana, uma confiança bacana, as pessoas te recebem.
P/1 – E dessas audições, teve alguma situação marcante também?
R – Todas. Todas, imagina. Quando eu saí da Itália pra subir de trem eu tinha comprado um passe que chama Eurorail Pass, que é um passe livre de 15 viagens que você tem direito. Quando eu saí da Sicília o cara esqueceu de carimbar no lugar certo, aí eu parei em Milão e o cara falou: “Ô, passe errado!” “Cara, perdi meu passe!” Eu tinha pagado, sei lá, era mil dólares o passe, era uma grana. Então fiz um investimento pra isso. Aí eu: “Moço, pelo amor de Deus!”, aí ele foi lá: “Ó, como eu estou vendo que está errado e você acabou de começar a viagem eu vou arrumar, mas se fosse outro cara você ia perder o passe”. Então já começou aí, né? Ele arrumou o passe, deu justificativa, beleza, aí eu fui embora. Paris, tá tá tá. Peguei lá o passe, fui parar em algumas cidades da Alemanha. Aí lá na Alemanha eu conheci o Ismael Ivo, na Alemanha, chiquéssimo, que é um bailarino brasileiro famoso, negrão, fez a vida na Alemanha. Foi uma audição lá, acho que foi na cidade de Dessau, se não me engano. E aí chegando lá encontrei vários brasileiros. E aí papo vai, papo vem conta história, nanana. Nessa cidade eu conheci um bailarino que chama Robert, super amigo, tal. Falou: “Ó Milani, meu endereço, meu telefone, qualquer coisa que você precisar você grita”. Bacana. Aí saí de Dessau e fui prum outro lugar fazer acho que uma outra audição. Então a gente fazia isso, mochila e preciso procurar emprego, tinha que arranjar um emprego. Eu tinha um valor x de dinheiro pra aguentar o mês, programado. Aí quando eu voltei dessa cidade, acho que era tarde da noite já, não tinha trem. Aí cheguei: “Ô moço, trem tal” “Não tem mais” “Pra onde tem trem?”, eu estava em uma outra cidade, era tudo pertinho ali, é bacana lá, né, nessa região da Alemanha. “Ah, tem trem pra Dessau”. Bom, não precisava gastar nada porque meu passe dava direito, era um passe livre, acho que por 15 dias. Dessau, legal. Vim correndo. Cheguei em Dessau, fui lá no orelhão, papapa, tentei ligar pro Robert, nada. Ai meu Deus. Nada, nada. Acho que era inverno já, eu estava de jaquetão, tudo, protegido. E espera, espera, acho que era nove e pouco da noite. O trem parou cedo. “Meu, oito horas da noite não tem trem?”, uma cidade lá. Olha, o Robert foi chegar em casa acho que era umas dez horas da noite. Uma hora eu liguei, atendeu o telefone. “Alô” “Robert, pelo amor de Deus” “Pô meu, mas te dei o telefone de manhã e já está agora precisando de ajuda?” “Estava cara, eu estou por aqui, não tinha trem pra voltar”. Ele falou: “Ô meu, para com isso, vem pra cá. Onde você está?” “Estou na estação” “Não, fica aí quieto que eu vou te buscar”. Super gente boa. Aí foi lá, me encontrou, ahhh, um abração (risos). Imagina, estava do outro lado do planeta, sem conhecer nada, naquela região eu não conheci nada. Eu estava ali há dois, três dias. Então o Robert me salvou, essa foi a primeira passagem interessante. Outras passagens. Fui pra uma outra cidade, papo vai, papo vem, estou numa audição. “Milani?” Não. “Antônio?” “Quem me conhece aqui?” Cheguei lá, quem que eu encontrei? O Varan. Lembra do Varan lá do colegial? (risos) Do Liceu de Artes e Ofícios? Pois é, o Varan tinha se transformado em profissional, muito bem por sinal, já morava na Europa há muito tempo. “Meu, te conheço lá”, encontrei o Varan, pra você ver como é. “Ô, vamos lá”. Eu estava assim sem conhecer nada. “Vamos comigo”. Aí fomos almoçar numa universidade, almoçamos no bandejão lá, tal. “E aí, o que você está fazendo?” “Ah, estou procurando audição”. Então reencontrei o Varan lá na Europa. Aí, volto pra Paris, Rebeca, tal, porque a Rebeca era meu polo central, a passagem de trem era livre, então eu ia rapidinho e voltava. Algumas cidades eu conseguia dormir, com amigos assim, outras eu não conseguia. Quando eu conseguia eu ficava. Teve uma outra também, ah, essa foi bacana. Eu saí de Paris e fui parar em Leipzig. Leipzig que foi a cidade do Hitler, né? Então o trem foi chegando assim. Inverno. Frio pra caramba. Cara, você entrava na cidade assim, uma sensação estranha. Que aí eu já tinha lido sobre Leipzig, a guerra, tarãtarã, a hora que eu desço na estação, tipo uma estação da Luz nossa aqui só que o dobro de tamanho. Aí chego em Leipzig, fiz o contato também por telefone com o colega de um colegal, aí o cara me encontrou. “Oi Milani, tudo bom? Vamos lá. Vamos na minha casa” (risos). Aí chegou na casa dele, meio que o cara começou a querer me paquerar. Eu falei: “Opa, já entendi o movimento, rapidinho, tãrãrã”. Eu falei: “Olha, eu sou bailarino, tal, mas não é por aí”, o cara ficou todo sem graça. “Ai desculpa, não, nada a ver”. Que eu ia ter uma audição lá, né? Então ele me recebeu na casa dele. Aí fui pra audição, teve essas passagens, né? Fui pra audição, foi lá na, não vou lembrar o nome, uma companhia pequena, aí fui fazer a audição, terminou a audição. Aí liguei pra ele e falei: “Ó, conheci um galera aqui, tal, estou indo pra outro lugar, beleza? Obrigado”, nem. Mentira, fui pra outro canto, não estava a fim de dissabores. Essa passagem também aconteceu. Isso acontece muito. Pra mim, na área da dança, onde eu chego, eu sou um cara super brincalhão, alegre, tãrãrã, as pessoas já perguntam. “E aí?”, eu falei: “E aí o quê?” (risos) Ingênuo, né? Mas eu acho que normal. Eu falo: “Não, eu tenho minha opção sexual, tal. Nada contra, respeito todo mundo”. E isso aconteceu várias vezes em alguns lugares que eu passei, né? E aí de Paris eu fiquei. Então eu fui... Ah! Fiz uma audição muito legal, foi em Amsterdã, na Holanda. Cheguei lá também muito bacana, tal, fui de trem. Ou desse eu peguei o voo? Não lembro se eu fui de avião ou se eu fui de trem. Enfim, acho que eu fui de avião. E aí fui pra lá. Cheguei lá na audição, Christine Dechaté o nome da companhia lá. Fiz audição, tal tal tal, tal tal tal. Eu ouvi alguém falando português ou espanhol. Eu: “Opa, quem é que está falando espanhol, português”. Parecido, né? Porque lá é engraçado, você acaba ouvindo coisa que você não ouve, porque você só ouve francês, inglês, alemão. Quando você ouve um idioma próximo. Aí quando eu olhei assim eram dois caras conversando em espanhol mesmo. Um rapaz e uma moça. Eu falei: “De onde vocês são? Alguém fala português?”, eu já pergunto. “Opa, eu falo”. Aí esse cara era o Sérgio. Morava em Roterdã e foi fazer audição em Amsterdã. E aí papo vai, papo vem. “E aí, como está?” “Ih cara, putz, estou há um ano já”. Encontrei muitas pessoas, mas esse Sérgio foi peculiar. O Robert foi peculiar porque teve essas coisas. “Por que você está assim meio desanimado?” “Cara, eu estou aqui há mais de um ano já procurando trabalho nas companhias”. E o meu sonho era esse, chegar numa companhia. “Meu, mas está difícil, só estou fazendo freelance, projeto, tal” “Poxa, sério, cara? Não desanima não, faz 15 dias que eu estou aqui” “Ah, vamos andando, vamos passeando até a estação e a gente vai conversando”. Papo vai, papo vem, tãnãnã. Aí o Sérgio falou assim: “Onde você está?” “Ah, estou hospedado lá em Paris” “Nossa, que legal. Eu tenho um conhecido lá” “Olha, quem é?” “Gigi Caciuleanu”. Gigi Caciuleanu foi coreógrafo aqui no Cisne Negro, que foi a coreografia que eu dancei. Olha como que é a vida, hein! Um ano depois eu estava lá na Europa e. “Pô, pega o telefone dele, chega em Paris, procura ele”. Eu falei: “Por que você não procurou?” “Ah, porque eu nunca passei por Paris”. Ele veio de Portugal, aí ele achou outros trabalhos e foi indo, parecido com aquele que eu vi na Itália, um trabalho de uma semana e a pessoa vai pegando o dinheiro e vai. Eu falei: “Bacana, vou entrar em contato com o Gigi”. “Meu, se cuida, me deixa seu telefone, se eu souber de alguma coisa”, essa network, aliás, a gente sempre viveu isso, né? Então tá bom, aí eu fui embora. Cheguei em Paris. Eu tive várias passagens, essa de Paris é peculiar por quê? É dali que vai sair a ponte para ir pra Israel. Mas antes de eu ir procurar o Gigi, eu fui fazer uma audição em Londres e lá eu conheci uma bailarina, Sandra, eu conheci uma bailarina que morava em Paris também. A gente fez audição lá, ficamos amigos também e viemos pra Paris. Aí a Sandra morava bem pertinho de onde eu estava, então fiz uma amizade. A gente saía junto, ia pesquisar, ia fazer aula. Aí em Paris eu fui conhecer o Paris Santer, que é um lugar de aulas de dança muito agitado, muito badalado assim. Famoso. Lá nesse Paris Santer, quem que eu encontro? Marcos Versani. Marcos Versani é um bailarino que foi forte aqui em São Paulo, famoso, que dançou no Victor Austin e já era um mestre quando eu cheguei no Victor. E o Marcos foi pra Paris, cansou do Brasil e foi embora. Ele e a mulher dele. E lá no Paris Santer eu encontrei ele. Ou seja, fui encontrando pessoas que, imagina, né? E aí um dia eu peguei o endereço do Gigi e fui procurar. E anda pra cá, sobe prédio, vai pra prédio, até achar o apartamento do Gigi. Achei. Aí papo vai, papo vem com o Gigi, eu falei do Sérgio: “Nossa, o Sérgio”. O Sérgio era um ótimo bailarino. Interessante, eu não era um bailarino espetacular, eu tenho essa consciência, mas eu era um bom bailarino, ou seja, um cara que onde eu entrava dava certo, graças a Deus. E o Gigi falou: “Eu tenho uma vaga pra você”. Eu falei: “Ah, você tá brincando!”, aí ele ficou. “Ontem, eu precisava de um bailarino pra agora, para uma temporada de seis meses comigo”. Imaginou o sonho. Tudo bem. “Mas eu tenho uma vaga pra você em Israel” “Como assim Israel?” “Espera um pouco”. Ele pegou o telefone, ó que show. O apartamento do cara todo branco, cobertura, Paris, chiquéssima, a coisa mais linda. Aí ele ligou e falou pra mim: “Antônio, Tel Aviv, Israel, ok?”, eu falei: “Trabalho? Work? Yes. How long?” Quanto tempo? “Maybe six months, one year”, depende do que rolar lá. “Você vai fazer um teste lá?” Eu falei: “Eu vou” “Ok, Tony is coming. He is tall”, é alto, forte, tal, parece ser um cara bom. Porque eu falei pra ele que eu tinha dançado aqui no Cisne, então é uma referência. Bom, cheguei na Rebeca, minha amiga lá que me hospedeu. “Consegui um emprego!!!”, ela falou: “Ah, você está brincando, meu? Não deu nem um mês que você está aqui”. Mas meu dinheiro estava acabando, eu já estava fazendo contato freelance já em restaurante, já estava procurando alguma coisa pra ficar, eu falei: “Eu quero ficar na Europa um ano, é a minha meta”. Ela falou: “Olha hein Antônio, será que você vai conseguir?” eu falei: “Cruza os dedos. Minha família me ensinou uma coisa: nunca conte antes de acontecer”. Então cruzei os dedos, me preparei. Antes disso acho que eu já tinha feito mais algumas viagens. Ela falou: “Meu, você já não conseguiu um contato? Fica procurando outro trabalho?”, eu falei: “Eu nunca sei, o que vier primeiro melhor, né?”. Engraçado, aí a moça ligou de Israel. Ela disse: “Antônio, você fala inglês? Ok. Assim, assim, assim, o procedimento é esse. A gente vai mandar passagem, hotel”, eu falei: “Opa” (risos). Não estou acreditando. Ia fazer um teste lá. Bom, depois que eu fui lembrar (risos), verdade, isso é uma coisa que eu guardo, um segredo. Eu ia pro Oriente Médio, da Europa. Hoje a gente lembra de Israel, mas na época, todo feliz: “Eu quero trabalhar”. Fui pro Oriente Médio. Naquele ano estava tendo um acordo de paz. Vocês viram há pouco tempo o que aconteceu lá, né?
P/1 – Sim.
R – Mas eu, feliz. “Ah, vou pra Israel”. Quando a Rebeca falou: “Sabe onde é Israel?”, eu falei: “Olha, eu lembro vagamente”, porque eu não fiquei pensando em geografia. Confesso que eu estava em outra, né? “Mas ó, fica bem, vai dar tudo certo”. E eu fui embora. Em Paris antes de sair, interrogatório de uma hora, uma hora ou mais. Por que você vai, pra que você vai, como você vai. Telefone de onde você vai ficar. Ligaram pra pessoa. Meu, eles fazem uma varredura na sua vida. Isso porque eu já estava direitinho. Ah, eu também tenho dois passaportes, eu tenho passaporte italiano e tenho passaporte brasileiro. E na Europa eu estava com o passaporte europeu, teoricamente lá eu sou italiano. Então essa foi uma entrada interessante, da passagem. Por quê? Por causa disso, de segurança. Em Israel foi, eu cheguei em Israel, mas aí é um ano a parte, eu fiquei quase um ano em Israel dançando. Aí fui pra companhia, que é a Bat-Dor de Israel. Fiquei lá um ano. Minto, fiquei seis meses na Bat-Dor. Ah, olha que passagem legal: cheguei na Bat-Dor, liguei pro Gigi agradecendo: “Gigi, muito obrigado. Agora vou te fazer um pedido, lembra do Sérgio? O Sérgio está aqui há um ano e falou que não conseguiu um trabalho, cara. Eu sou menos competente do que ele, eu confesso, ele é um ótimo bailarino também. Tenta achar um lugar pra ele aqui, uma vaga” “Ah, ok, vou ver”. Passou um mês o Sérgio estava lá (risos). Olha o que é o network, né? Aí eu falo isso por quê? Porque é essa discussão mesmo, de trajetória de vida, como você amarra as coisas, né? E aí em Israel eu fiquei lá, a gente morou num hotel acho que dois meses, na Bat-Dor. Então a gente dançou lá, tal. Tinha gente do mundo todo, tinha inglês, tinha uma menina da Argentina, tinha russo dançando lá. Muito russo dança em Israel por causa dessa invasão mesmo da Rússia. Foi maravilhoso também, aprendi muita coisa lá. Aí tive um desentendimento na companhia. Durante as audições que eu fiz pela Europa eu sofri uma lesão, uma hérnia, e depois de seis meses começou a apertar, a pegar. Aí eu falei: “Bom, agora, o que eu vou fazer?” Não tinha jeito, tinha que sair da companhia. O Sérgio ficou. Mas aí como eu tive muitos amigos na companhia, olha que gostoso. Eu estava na companhia do Bat-Dor só que eu ia dançar nas baladas à noite. E lá em Israel tem balada brasileira, tipo bar mesmo brasileiro, tem bar latino, e eu ia nesses lugares. Então no bar latino eu comecei a aprender a dançar salsa, ritmos latinos, fiz amizade com uma galera lá. No bar brasileiro, ia lá e encontrava gente de todo tipo e aprendi a dançar outras coisas lá de Israel e tal. Aí quando eu saio da companhia, um bailarino da companhia, que a gente vivia junto, tal, ele falou: “Ô Milani, tem outras companhias, vai fazer audição em outros lugares”. Aí eu fui fazer audição em outras companhias em Israel. Israel é uma cidade pequenininha, mas maravilhosa. A praia maravilhosa. E a gente andava de bicicleta toda a cidade, delícia assim. E aí eu fui fazer teste em uma outra companhia, que era uma companhia contemporânea também, como o Bat-Dor, só que ela tinha um vínculo muito ligado à questão cultural de Israel. Então eles tinham algumas montagens, até de peças religiosas, com dança contemporânea. Nossa, foi um aprendizado fantástico. Eu cheguei a fazer laboratório no deserto.
P/1 – Como é que foi essa experiência?
R – Meu Deus do céu! A gente foi pro deserto mesmo, então: “Pessoal, vocês têm que sentir o que é o deserto”. Toda a estrutura, tenda, água, tãrãrã, tãrãrã. “Mas vocês têm que dançar sentindo as tribos do deserto”. Gente, um laboratório pirado assim. E aí a gente fez esse laboratório pra criar a coreografia. Eu tinha um cavanhaque na época lá, o pessoal: “Deixa o cavanhaque que a gente acha bacana nessa companhia”, ó que interessante. Aí eu fiz várias peças lá que misturavam a questão religiosa, questões contemporâneas da dança. Nessa companhia tinha, era um complexo cultural que chamava Batsheva. Batsheva foi uma referência também, é uma referência artística lá em Israel, que tem a Companhia Batsheva Profissional de Dança Contemporânea, tem essa companhia que era a Inbal que era uma companhia que misturava folclore com contemporâneo e depois aquela que eu saí, que era a Bat-Dor. Depois eu fui descobrir, gente, que todas elas tinham de uma certa forma subsídio do governo. O governo tinha companhia clássica, o governo tinha companhia de pessoas especiais, então Israel investe na cultura assim, gigantemente. E aí eu acabei dançando em duas companhias diferentes, fiz amizade com pessoas de vários lugares diferentes, então, eu estava sempre em festa, balada. “Antônio, brasileiro, vamos lá!”, e chamavam pra tudo porque eu faço essa brincadeira da dança, extra-técnica de dança artística, dança estética, então eu consigo criar, brincar, eu sempre estava... Então eu passei lá um ano, namorei uma menina russa da companhia, depois namorei uma outra garota que era de dança de salão, mas uma dança de salão esportiva, chama Ballroom Dance. Lá eu fui fazer curso de dança de salão esportiva lá, fiz dança circular judaica. Eu gosto de pesquisa, eu gosto de estudar. Então Israel também foi um ano assim, excepcional. Ah, lembra daquela minha amiga Con que eu conheci aqui no Brasil, no Lambar? Quando eu estreei na Bat-Dor, mandou um buquê de flores pra mim (risos). Mandou por essas empresas de entrega. Aí chego no meu camarim, um buquê enorme de rosas assim. Aí a galera queria matar: “Como!? Você chegou aqui não tem um mês, já vai estrear, já buquê de flor?” Foi muito engraçada essa passagem, que a gente ficou com comunicação de carta por várias vezes.
P/1 – E aí quando é que acabou esse momento de Israel?
R – Então, Israel, aí eu comecei a namorar essa garota que fazia dança de salão, né? Aí eu já estava há mais de um ano fora, eu saí no começo de 96, já estava terminando o ano. Falei: “Bom, é hora de voltar pra minha família um pouco”. Começou a dar aquele saudosismo. Eu falei: “Acho que vou voltar pra ver minha família, tudo. Já realizei meu sonho que era morar fora do país, na Europa, um ano. Viajei bastante”. Aí essa namorada falou assim: “Ah, eu vou com você” “Como assim?” “Ah, eu queria conhecer o Brasil”. Aí eu sentei e conversei: “Olha, eu acho que eu vou ficar no Brasil, falei com a companhia”, eu tinha aquela cirurgia que era pra ter sido feita, eu não fiz, então a minha hérnia começou a aumentar, que é uma ruptura muscular. Aí eu tinha um plano de saúde lá em Israel muito bom, aí eu já, tudo você tem que planejar. Bom, Israel é uma referência na medicina, né? Achei um bom médico, um médico de esporte, tal e eu pensei em calcular isso: “Vou fazer minha cirurgia no último mês, aí eu tiro mais um mês de folga e vou embora pro Brasil”. Acho que é a pior coisa do mundo quando você volta ruim, né? Na minha visão. Quando você volta bem todo mundo fica feliz, agora quando você vai bem e volta ruim o pessoal fala: “Ê, se ferrou, ne?” Eu não penso assim, mas eu calculei e falei: “Bom, então vou fazer isso”. Planejei a cirurgia. Conversei com a Edith, que era minha namorada lá e falei: “Então eu vou voltar”. Ela falou: “Mas mesmo assim eu quero ir com você pra conhecer, você me leva?” “Claro, com prazer”. Aí é um ritual bem gostoso, né? Fui à casa dos pais, me receberam super bem, tudo, expliquei, tãrãrã tãrãrã. Aí ele falou: “Olha, estou confiando a minha filha, a gente não conhece a sua história”. Mas é interessante, quando você tem uma trajetória de vida tão legal, eu falei: “Pode confiar, ela vai voltar, vou deixar ela no avião e ela vai voltar em segurança. E acho que ela vai se divertir muito no Brasil”. Aí viemos embora. Aí foi isso, eu vim. Aquela minha amiga Con, né? E é engraçado, de namorados viramos amigos realmente. Aí eu preparei um programa de carnaval, vim e trouxe ela pra ver o carnaval de 97. Passeamos, a gente saiu de São Paulo, interior de São Paulo onde a minha família morava, minha família já estava morando no interior nessa época. Aí fui subindo com ela pelo Rio, fui até quase o Espírito Santo, de carro, passeando. Ficamos quase um mês viajando. Ai depois voltamos, que era bem legal essa coisa da foto, ela tirava foto até de nuvem porque lá em Israel, falar em nuvem, é desértico lá, não tem quase nuvem, raramente você vê nuvem lá, super seco. E aí ela veio, a gente se divertiu muito, fomos pro carnaval, fomos pro Espírito Santo, Rio de Janeiro, Ipanema, Leblon, curtimos bem o Rio, tal. Curtimos o interior de São Paulo onde minha família mora. Pus ela no avião depois de quase 30 dias e aí a gente se separou. Ficamos com cartas alguns meses, mas depois realmente a coisa, né? Enfim. Aí fiquei no Brasil em 97, apareceu um trabalho em Diadema. Que aí é aquela história, fui lá ver o projeto de Diadema. Minha cara, eles precisavam de professores, artistas e educadores. Dança contemporânea, eu falei: “Opa”. Fui lá fazer o teste, já tinha Educação Física, fui fazer uma pós-graduação no mesmo ano. Aí a diretora de lá, Ivonice Satie, falou: “Nossa Milani, é a tua cara, vou precisar de você”. Aí passei na audição, começo em Diadema. Você vê, 96. Terminei 96 e já engatei 97 na Companhia de Diadema.
P/1 – Qual que é a companhia de Diadema?
R – Companhia de Diadema. Companhia contemporânea, inaugurada em 95 pela Ivonice Satie e pelo Sandro Borelli. E quando eu cheguei lá tinha uma equipe de bailarinos. Pedro Costa, quem estava lá a Suzana Gomes, que hoje a Suzana Gomes está na Holanda. Que por sinal eu ajudei, indiquei ela pra Holanda, que ela foi pra lá. Chegou o Vinícius estava lá também, Ferreira, a Satie, a Ivonice Satie que faleceu há pouco tempo, um ícone da dança no Brasil e no mundo. Rosemaria estava lá, quem mais que eu lembro? A Luciana Carvalho estava lá, depois chegou a Fabiana também, uma outra bailarina. Então tem uma equipe boa, trabalho maravilhoso lá em Diadema. Fiquei lá de 97 até 2001. Aí nesse período eu comecei a fazer pós-graduação. Eu comecei a entender essa relação educação e dança. Ficou muito forte. Escultura e dança. Não ficar só fechado no universo da dança, né?
P/1 – Porque na companhia você dava aula também.
R – É, a gente dava aula pras crianças na cidade. E lá tinha vários projetos. A gente fez umas experiências na Apae, aula pra pessoas com necessidades especiais. Tem uma escola lá de pessoas com deficiência auditiva, a gente foi lá também fazer alguns trabalhos com dança. Nós fizemos umas pesquisas com pessoas com necessidades especiais, até veio pro Brasil nessa época um projeto chamado DanceAbility, acho que é de um canadense. Então Diadema foi também mais um, além de trabalho profissional nós fizemos lá também muitas práticas de outras atividades artistico-culturais. E eu como fui professor de Educação Física também, então sempre gostei disso.
P/1 – E essa experiência como professor de dança, queria saber também se tem alguma situação que tenha te marcado. Porque é diferente, né, de você trabalhar como bailarino, a coisa de dar aula, tal. Você teve alguma experiência com aluno ou uma situação, uma história que tenha sido marcante?
R – Muitas histórias. Eu vou lembrar poucas, mas como eu falei, como bailarino eu dancei em muitas academias em São Paulo. Muitas. Zona norte, zona sul, zona leste, zona oeste. Depois eu volto nesse período de Diadema como bailarino, aqui é interessante, profissional, de uma companhia. É outro status. Então essa trajetória de bailarino que pinga pra cá e pra lá, pra bailarino internacional, independente do que você vai fazer você ganha uma experiência internacional. Aí você chega como bailarino profissional em Diadema, nossa, aparece muito trabalho. As pessoas te ligam, querem te contratar. Aí eu comecei a fazer coreografia pra evento, eu comecei dar aula pras academias de novo, só que aí com outras perspectivas, né? Histórias do tipo... como hoje, eu pegar um carro lá de Arujá e vir a 150 por hora porque eu tinha uma apresentação em Diadema, por exemplo. Tem uma história não muito boa, mas. Eu fiz um trabalho da Globo, Os Amigos, primeira temporada dos Amigos na Globo. Então ensaíamos, ensaíamos, produzimos, pãrãrã, mas no dia da apresentação eu tinha um outro evento de dança, então, eu trabalhava em muitos lugares. Cheguei correndo, fui lá em São Caetano, evento da Globo, Os Amigos, cheguei lá atrasado, a coordenadora falou assim: “Não, não vai entrar, está atrasado”. Aí, quer dizer, muitos trabalhos que infelizmente, lógico, gestão de horários, mas alguns, realmente, é meia horinha que atrasa um atrasa o outro. E isso vira e mexe acontecia, foi onde eu comecei a parar pra pensar, eu falei: “Opa”. Dar aula numa academia tal, em outra, depois na hora do espetáculo é o mesmo dia, então não dá. Aí você tem que planejar tudo isso, então teve incidentes desse tipo, aconteceram comigo. As alunas começarem a te paquerar e é você tem uma calça curta que é meio delicada, isso é uma coisa que eu sempre prezei assim, não me envolver com alunas em academia, isso é uma coisa que eu acho importante.
P/1 – E algum aluno ou aluna marcante? Ou uma experiência, uma situação como professor?
R – Gente, milhares de experiências, é difícil lembrar de todas, eu confesso. Dancei na Marly Zavar muito tempo. Marly Zavar é uma academia na zona norte. Aí fui muito amigo da Mônica, que era professora lá, até hoje a gente é amigo. A filha da Marly, Vanessa, foram minhas alunas de pas des deux, crianças, hoje são profissionais da dança. Lá na Marli eu lembro disso. O trabalho de Arujá foi muito marcante, eu trabalhei dez anos nessa academia, sempre que eu ia voltava do Japão eles me contratavam. A Sabrina, a Patrícia, irmã, Ana Deje, mãe das duas. Lá, até pouco tempo eles iam fazer encontro. Agora o Face é uma coisa que eu estou encontrando todo mundo dessa época, é maravilhoso. Então de ir dormir lá em Arujá na casa das meninas, a gente viajar pra praia junto. De dormir na academia porque tem ensaio, de ajudar a fazer figurino, aprendi a costurar, aprendi a cuidar das minhas roupas. Lá em Arujá a Alessandra foi uma parte muito legal, marcante. Muitas crianças que foram crescendo. Simone, uma japonesinha também. Outras que eu encontrei como professor depois, na faculdade de Educação Física ou na pós-graduação, por exemplo. Que em Diadema eu comecei a fazer isso, além de dar aula de dança eu comecei a entrar no mercado de dança educação pra Educação Física. De verdade, foi uma transição muito interessante, eu fui fazer pós-graduação e aí eu comecei a fazer um trabalho mais próximo da realidade de cada pessoa dentro da Educação Física. “Ah não sei dançar” “Mas eu tento te ensinar”. E aí a forma tradicional de academia não dava e aí eu já fui começar a criar experiências de explorar o corpo e o movimento de forma espontânea. E aí foi virando uma metodologia de dança que hoje eu misturo dança contemporânea, dança educação e as pessoas conseguem aprender a dançar. Quando eu trabalhava com as técnicas de balé, eu trabalhei muito com pas des deux pra meninas, principalmente, porque a gente vira o bailarino. Então aí eu tenho assim, nossa, gente cair, por exemplo, de você segurar a menina pelo pé pra não cair. Olha, bailarina chorando porque não queria entrar na cena e aí você vai lá, ajuda: “Não, vamos lá”, então você era meio professor, psicólogo, amigo, pai. Porque eram meninas menores, mais novas mesmo, a maioria.
P/1 – O seu mestrado era em que área?
R – Então, como eu percebi essa ideia da dança pra ser mais acessível pras pessoas, eu pesquisei a dança na abordagem da fenomenologia. O que é isso? É entender o corpo humano das pessoas. As emoções, suas razões, percepções. Por que as pessoas falam que não sabem dançar? Porque elas ficam presas às técnicas, ao padrão da dança. Ah, dançar é balé, dançar é jazz, dançar é dança de salão. Mas não é só isso. Dançar é uma expressão livre também. “Ah, mas livre como?” Olha que interessante, as pessoas não sabem ser livres. Quer dizer, elas brincam muito, os meninos brincam muito. Se você toma uma cerveja, aí você fica solto. Então, logo, é um problema de medo, é vergonha. E aí fiz a minha pesquisa em cima disso. O que é dançar pras pessoas? Eu perguntava pros alunos: “O que é dançar pra você?” E agora como aqui, eles vão me relatando e eu vou identificando as palavras-chave. Quando essas palavras se repetem muito, elas se tornam unidades de significados. Então a minha pesquisa foi nessa linha, análise de fenômeno. E eu fui entendendo que o medo deles era por vergonha, pela falta de ritmo, preconceito. Aquilo que eu vivi lááá no comecinho, que pra mim foi muito importante, que mexeu muito com a minha personalidade, eu fui descobrir no meu mestrado. As pessoas falavam: “Eu gosto, mas eu tenho medo” “Eu gosto, mas eu tenho vergonha” “Eu gosto, mas não vou pagar mico”. Porque o padrão de dança já está muito estipulado no meio social, desde as danças mais simples, folclóricas, até as danças mais específicas, as danças artísticas. E aí, olha que interessante, eu estava numa pós de Educação Física, em personal trainer, daí o professor na aula da metodologia falou o seguinte: “Vamos fazer as apresentações e aí a gente começa a aula”. Aí papo vai, papo vem. “E você?” “Bom, meu nome é Antônio Milani, eu sou bailarino”, quando eu falei isso o pessoal: “Nossa, uuuuu”, que é muito comum, eu já maduro, 30 e poucos anos, eu falei: “Bom, professor, o senhor me dá um minuto? Alguém tem um preconceito aí?”, aí o pessoal, ficou aquele clima. Aí o professor: “Não, foi brincadeira”. Eu falei: “Não professor, se a gente pensar nós estamos numa pós-graduação com pessoas adultas, pessoas profissionais que vão cuidar de crianças e adolescentes, o preconceito acaba hoje aqui, nessa aula”. Aí eu fui meio rude, né? “Então, gente, com todo respeito, mesmo se eu fosse gay, problema meu, qual o problema?” Olha gente, hoje eu estou discutindo isso normal na cultura, isso tem, foi em 98, 97. Terminada a aula o professor me chamou e falou: “Meu, gostei da tua forma de atuar lá. Como você trabalha com dança?” Aí eu expliquei essa relação de dança, a dança partindo da expressão natural das pessoas, a dança misturada com a cultura, tudo o que você sabe fazer com o seu corpo é uma dança, né? A gente está até aqui, eu posso fazer disso aqui uma dança, né? E aí você pode dançar. Eu estou meio preso aqui, eu quero dançar. Uma simplicidade assim. Então, se eu parar pra dançar eu posso dançar com os olhos. Daí ele: “Nossa, nunca tinha ouvido isso” “Pois é”. O cara era doutor lá da USP já. “Pois é, professor”. E aí que eu comecei a entender, eu falei: “Opa, então eu posso ajudar”. Ele me ofereceu uma aula experimental. Ah, aí não deu outra, montei as transparências naquela época ainda; até um grande amigo meu da faculdade me ajudou, o Eduardo Carmelo que hoje é consultor, trabalha em outra área, também um grande amigo até hoje. E eu fui dar a aula e aí começou essa carreira acadêmica, de simplesmente fazer as pessoas reverem conceitos, preconceitos, crenças, uma bobagem. E aí todo mundo saía dançando na minha aula. Mas ainda assim, o meu mestrado foi por isso, porque apesar da pessoa em uma aula de um dia, um final de semana, elas mudam. Mas quando elas vão pra sociedade, a sociedade é mais forte do que essa mudança, e elas voltam a ter o seu conceito corporal ainda fechado. Olha que louco isso! E aí ele me chamou pra dar aula na faculdade. Do bailarino, que foi minha trajetória, fiquei lá em Diadema até 2001. De 2001 em diante eu virei professor universitário. Aí fui fazendo as transições.
P/1 – Você dá aula hoje ainda?
R – Então, eu fui professor universitário até o ano passado. Outras transições, de dois ou três anos pra cá eu comecei a pesquisar Gestão Cultural. Quando eu saí de Diadema em 2001, junto com essa ideia de dar aula, um amigo me levou lá pra Mauá, Osvaldo Terra, um amigão também, que tinha essa visão de ter um bailarino, mas que tinha uma visão geral sobre dança e ele me levou lá pra Mauá, prefeitura de Mauá. Na prefeitura de Mauá eu comecei a fazer uma coordenação lá na área cultural. E bacana entender não só o lado artístico, mas o lado da gestão. E lá três anos nós fizemos um trabalho nessa linha mesmo, de trabalhar com os artistas, de discutir conceitos, não só a técnica das danças, reflexão sobre questões da história. O bailarino ser mais informado conceitualmente, teoricamente também. Então lá em Mauá eu também fiz um pequeno estágio de Gestão Cultural. Então eu já vim desde 2002, 2003 pensando nessa ideia, opa, dá pra gente dialogar não só na prática, dá para nós dialogarmos enquanto área de conhecimento, interligar as áreas, teatro, dança, música, né? Então quando eu virei profissional da parte pedagógica aí... eu me formei na Fefisa, eles me chamaram pra dar aula lá em 2003. Então comecei a dar aula lá, dar aula na pós-graduação, então, a minha carreira começou a ir pro lado acadêmico. De 2003 na Fefisa, 2001 na FMU. Aí depois eu vim pra Uninove. Ó que bacana, lembra daquele meu professor José Carlos lá da Fefisa, que foi de ginástica masculina? Então, ele me convida pra ir pra Uninove como professor de dança, que era ele o professor, só que ele estava indo pra coordenação, e ele me convida pra entrar no lugar dele como profissional lá. E aí eu fiquei na Uninove até o ano passado, foram vários anos. Aí o meu mestrado se transforma numa metodologia de dança, aí eu discuto essa coisa do preconceito, discuto a questão do corpo das pessoas, esses medos, paradigmas que a gente tem. E aí eu fui colhendo toda essa minha trajetória, na verdade, né? Então hoje vai virar um livro, que a ideia é fazer essa metodologia pra outras pessoas também.
P/1 – E essa mudança de deixar de dar aula e se aproximar da gestão veio com o quê? Com uma oportunidade de trabalho, alguma proposta? Que é o momento que você está vivendo agora, né? Como é esse momento?
R – É, então. A mudança, essa passagem tem que contar, né, senão minha mulher vai ficar brava. Estou um dia, trabalhava em Diadema, 98, estava fazendo uma pós na FMU. E aí eu fui pesquisar a dança lá em Nova York. Viajei pra Nova York, fui fazer um TCC e fui conhecer a história da dança lá em Nova York. Antes de eu ir pra Nova York eu estava num baile, numa academia de dança de salão, no baile, conheci a Mariana (risos), minha futura esposa. E aí eu falei pra Mariana: “Estou indo pra Nova York estudar, mas se você me esperar eu acho que eu caso com você” (risos), brincando, essas coisas de balada. E aí eu fui pra Nova York e lá eu conheci o Cunnigham, que foi um dos papas da dança pós-moderna, eu conheci a academia do Alvin Ailey, eu conheci a academia, deixa eu lembrar as academias... Essa academia é importante que eu fiz curso. O José Limón. Fiz vários cursos lá durante 40 dias e fui conhecendo a história da dança lá. Aí eu começo a perceber, lá eu começo a entender, a gestão de dança nos Estados Unidos é uma coisa bárbara, fantástica, eles investem em cultura, muitas companhias têm subsídios do governo, tal. Então comecei já em 98, 99 entender essa ideia. Que quando eu venho pro Brasil e eu vejo essa oportunidade de lecionar, eu falei: “Opa”, então eu saio da Companhia de Dança de Diadema, comecei a lecionar. E aí as pessoas começam a me chamar pra dar cursos de dança, pra fazer formação de professores, pra fazer desenvolvimento corporal de pessoas. Ou seja, ó a gestão de pessoas aparecendo aí a partir de um conhecimento que é sensação, percepção, emoção, motricidade, o seu corpo, você ser explorado na área de expressão, comunicação, arte. Então isso cabe aos professores, cabe às pessoas na área de Gestão Pública, enfim, não só ao artista, que é esse grande estereótipo do corpo do artista. “Ah, ele é brincalhão, alegre, se mexe”. O gestor tem que ser quieto, parado, gravatinha, arrumado, né? E aí eu entrei, fui tentando na gestão aí. Virei profissional, comecei a aprofundar na área de estudo, não só de gestão, mas essa questão das pessoas. Até eu olho hoje como gestão de carreira, ó como eu construí minha carreira. Por oportunidades? Sim, mas por planejamento, sim. E por olhar novas possibilidades daquele conhecimento. Como eu posso agregar esse conhecimento a uma outra área? E aí em 2001 eu caso com a Mariana (risos).
P/1 – Quando você voltou, deixa só eu entender um pouquinho melhor a história da Mariana. Ela é bailarina também?
R – É, Mariana é bailarina. A gente estava num baile, ela estudava numa academia de dança de salão e a gente se conheceu num baile. E depois que eu voltei de Nova York eu fui procurá-la, a gente bateu um papo, tal, começamos a namorar. Então a minha carreira de professor universitário já estava se estruturando, fiquei em Mauá um tempo na área de gestão cultural e aí fui pra área acadêmica também. E a Mariana veio junto comigo como minha esposa e parceira, né?
P/1 – Vocês se casaram em 2001, você falou?
R – 2001.
P/1 – E como é que foi a decisão de se casar, teve um pedido, assim? E como é que foi o casamento?
R – Noooosssa! Eu falo, é tudo maravilhoso. Eu tive uma educação muito, não falo rígida, mas tive uma educação muito ética. E tive muitas namoradas, muitas coisas, aventuras, tãrãrã, mas com muito respeito, sempre tive isso. O dia que a gente pensou, eu falei pra ela: “Olha, vamos namorar”, já tinha 30 e poucos anos, né? Não era um garoto. “Só que eu quero fazer a coisa assim, eu vou pedir a sua mão pro seu pai, eu vou pedir permissão pra namorar porque eu quero frequentar a sua casa”. Aí ela assustou: “Nossa, você é desse mundo ou você é de outro planeta?” (risos) Então eu fiz direitinho, eu falei: “Não”, aí fui lá, conheci o pai dela, eu falei: “Ó, eu gostaria de namorar sua filha e tenho planos de casamento. Já tenho 30 e poucos anos, não sou mais uma criança”. E ela gostou dessa seriedade, lógico. Quer dizer lógico, às vezes tem mulher que não gosta de seriedade também, senão ela falaria. E aí a gente planejou o quê? Na verdade a gente começou a fazer algumas atividades de dança juntos, ela trabalhava em academias, eu ajudava ela também nos espetáculos, então foi uma parceria arte e vida, né? E quando a gente casou eu já pensei em sair da carreira artística, que era, eu exatamente estava saindo de Diadema, estava nessa transição, porque pra casar e você viajar, dançar, parara, parara, não achava muito coerente, não, então foi esse um ponto. A gente começou a namorar, aí depois de um ano e pouco eu conversei com o pai dela, eu falei: “Ó, estou vindo pedir a mão da sua filha em casamento”.
P/1 – E vocês tiveram uma cerimônia de casamento, como é que foi?
R – Opa, formalíssima, formalíssima. Porque assim, é aquela história, eu brinquei, brinco muito, acho que casamento é uma coisa única (risos). Única mesmo, uma vez só (risos). Estou brincando, mas eu realmente pensei nisso, todo o ritual, ela de família tradicional também, falou: “Quero uma cerimônia tradicional” “Não tenho problema com isso”. Pra mim é um grande espetáculo, tem o casamento, igreja, buffet, bonitinho. No final do casamento eu declamei o Soneto de Fidelidade do Vinícius pra ela, aí o pessoal chora, aquela coisa toda. Dançamos, todas essas coisas. Fizemos bem o ritual, bem legal também. Eu acho que é bacana a experiência. Eu sempre fui, como artista, uma pessoa assim muito, no sentido um pouco tradicional, um pouco pirado, eu tenho um pouco de tudo assim. E eu acho que isso pra mim, eu gosto muito. Então tem horas que eu posso pirar e eu mereço, tem hora que eu posso ficar ali certinho, organizadinho, eu também acho que é bacana. E aí vem a discussão da gestão hoje. Eu acho, eu sinto que ajudar as pessoas de forma organizada, tal, é bacana, é fundamental. Até pros novos artistas que estão vindo, as crianças, adolescentes, né? Então eu estou casado com a Mariana há 14 anos já, 2001, vai fazer 14 no ano que vem.
P/1 – Vocês têm filhos?
R – Temos duas meninas.
P/1 – É? Me conta então como é que veio a notícia da primeira gravidez.
R – É, então, a gente estava planejando, ficamos quatro anos casados, passeando, curtindo, como todo casal. Aí: “Vamos ter filho ou não?” “Vamos” “Então vamos”. Foi bem no ano que eu comecei meu mestrado (risos). Aí eu falei: “Eu preciso fazer o mestrado porque eu estou já na carreira acadêmica, então eles vão me cobrar futuramente”. E eu gosto de estudar, então ao mesmo tempo em que a gente planejou a Bia, 2005. A Bia nasceu em agosto de 2005 a Bia nasceu eu estava defendendo meu mestrado. Eu estava começando o mestrado, perdão, eu entrei no mestrado quando a Bia nasceu. Aí foi aquele período, né, cuida da criança, tem que estudar, tal, foi uma coisa assim meio estressantesinha.
P/1 – Você acompanhou o parto?
R – Opa!
P/1 – E como é que foi?
R – Maravilhoso, tudo. Acompanhei. Eu ia ao médico com ela, acompanhava os ultrassons. Fiz a foto, dei o primeiro banho, eu vi ela nascer, foi cesárea, eu vi cortar. Essa área de saúde também, então eu gosto disso também. De vestir de médico, achei o maior barato. Ah, eu tive o sonho de ser médico quando eu era criança. Você perguntou lá atrás, né? Aí quando eu pus a roupa eu falei: “Ó, estou realizando meu sonho aqui”.
P/1 – E a sensação de ver a Bia pela primeira vez?
R – Então, eu confesso, lembra que eu falei lá de injeção na escola, que eu era medroso? Então. Nossa, eu comecei a ficar meio assim: “Ooooo, acho que eu vou desmaiar”. Mas aí é um bocado importante, não podia desmaiar ali, né? Aí me controlei bacana, firmei corporal ali. Ah. E aí fiquei, aí vi a Bia chorando ali. Fizemos as fotos, tudo. Foi bem engraçado porque a máquina que a gente tinha, ela não estava numa configuração legal, putz, as fotos ficaram tudo pequenininhas assim, ó. Até depois eu vou conversar com o Caio e ver se ele consegue ampliar essas fotos, fazer uma coisa legal (risos). Mas assim, o parto foi maravilhoso, deu tudo certo. A gente se hospedou no hospital, não teve loucura, correria, a gente foi acho que um dia antes pra dormi no hospital. Não, de manhã, a gente foi de manhã, ficamos hospedados no hospital até a noite, quando a Bia nasceu, 21 e 22 horas da noite. Ah, sensação de ser pai eu sempre gostei, sempre achei bacana. Sou de família grande, tenho quatro irmãos, tenho 13 tios, tenho primos pra tudo quanto é lado, né? Então foi uma sensação muito, muito gostosa também.
P/1 – É Bia e o nome da outra?
R – A Beatriz e a outra é Manuela. A Beatriz veio em 2005, a Manuela veio em 2008. E nesse período todo eu como professor universitário, eu lecionei muito em várias cidades do Brasil também como pós-graduação. Aí eu comecei a perceber essa trajetória, eu falei: “Bom, agora eu quero cuidar de pessoas”. Eu cuido dos alunos, é uma coisa, agora quero cuidar de equipe, eu quero cuidar de setores. Então eu comecei a projetar isso já de uns quatro anos pra cá, aquela experiência de Mauá que eu tive e achei bem legal também. E como eu dou muito curso de capacitação pra professores e prefeituras, foi aí, um ano atrás, que a prefeitura de Diadema apareceu assim uma oportunidade. “Ó, talvez a gente precise de gestores na área de Cultura”. Eu falei: “Opa, opa, opa, opa”. E aí a hora que eu fui lá um dia numa reunião, foi o final do ano passado, fui dar uma palestra lá – eu dou muita palestra também. Hoje eu faço palestra nessa área, tanto de educação, como na área de gestão, porque eu falo que tem pessoas ali, né? Meu foco é discutir conhecimento e pessoas. Eu cheguei a fazer uma pós na área de Qualidade de Vida também. E lá em Diadema: “Milani, você tem o perfil que a gente quer aqui pra ajudar as pessoas a pensarem a gestão: trabalhar com a equipe, organizar processos, métodos”. A parte burocrática que depende do ambiente, as pessoas não gostam muito. Burocracia, né? A gente fala da Arte, né? A parte artística, o mais gostoso é fazer, né? Mas aí tem que ter gente pra planejar. E eu agora comecei na área de Gestão Cultural. É uma nova experiência, mas estou bem feliz também. Muitas histórias, né?
P/1 – Certo, está ótimo, foi incrível!
R – Vixi, tem mais um monte aí! (risos) É que a gente vai esquecendo muita coisa, mas agora estou aqui.
P/1 – Eu estou encaminhando pro final assim. Mas eu tenho três perguntas pra te fazer pra finalizar. A primeira é se tem alguma coisa que eu não perguntei e que você quer. Não, antes de eu fazer isso deixa eu perguntar se o Lucas que perguntar alguma coisa, que eu sempre esqueço.
P/2 – Não.
P/1 – Você quer, Lucas, perguntar alguma coisa?
P/2 – Queria perguntar pra você, Milani, da história dos seus irmãos também, que rumo eles tomaram na vida, se vocês são ligados ainda?
R – Somos. Nossa, total. É assim, quando eu comecei a viajar muito a minha família falou: “O Antônio já debandou, vai pro mundo”. Eles voltaram pra São José do Rio Preto. Foi meu pai e minha mãe na época, o mais velho casado, dois filhos, Mário César, e o Ricardo voltaram para Rio Preto. O Ricardo virou jornalista, depois ele seguiu a carreira de fotógrafo, hoje ele tem um estúdio lá em São José do Rio Preto, um estúdio famoso, está bem forte lá. Casado, tem dois filhos. O Mário trabalhava muito com comércio aqui em São Paulo, foi para o interior, trabalhou com vários comércios também, hoje ele trabalha com comércio de veículos. Casado, também tem dois filhos, moram lá. Minha mãe faleceu em 2010, e foi uma história que a gente pode pular porque foi realmente muito traumatizante na minha vida assim.
P/1 – Se você quiser falar tem espaço pra isso.
R – É então, na verdade, minha mãe teve câncer desde 2003. E foi marcante porque 2003 eu fui num congresso no Rio com a Mariana, de dança de salão, e a gente do Rio voltou direto pra Rio Preto. Foi marcante por isso. Ela ficou sete anos lutando com isso. Ia, voltava, melhorava, piorava. E sobreviveu bem até. E aí depois, em 2010, foi uma recaída forte, tal e isso foi a minha, foi a minha tatuagem na verdade, é a marca da minha mãe, eu quis colocar aqui, foi a primeira tatuagem que eu fiz. O nome dela, tal, e é um símbolo. Foi bem marcante na minha vida e eu quase não me levantei nessa época. Hoje eu estudo resiliência na gestão. Entendendo toda essa trajetória que eu vivi de sobe e desce, tal, a Mariana tinha uma academia, a Mariana teve duas academias de dança. Em 2010, 2011 a gente faliu, foi uma fase assim. Essa é uma história que a gente pula, mas a ideia é virar livro de resiliência. A minha mãe partiu assim, foi uma fase que eu realmente queria morrer junto. Eu tinha uma ligação muito forte. Na época eu quase joguei tudo pra cima, sabe aquelas coisas que a gente vê em filme? Pescador de Ilusões, lembra disso? A mulher morre e o cara vira um mendigo? Eu quase entrei ali. Então, aí foi uma recuperação mesmo, passei dois, três anos me recuperando de tudo, foi uma loucura. Mas graças a Deus a gente recupera. Mas eu confesso que tem uma cicatriz, literalmente. Então meus irmãos estão em Rio Preto hoje, meu pai também mora com uma outra senhora lá hoje, estão bem. Minha família em São José do Rio Preto é muito grande, tipo, café da tarde lá reúne 20 pessoas. Você falar que vai ter uma festa são cem pessoas. Ano novo, Natal. Eu fiquei em São Paulo porque eu acabei casando com a Mariana, a família dela é daqui. Já cogitei várias vezes de voltar, falo sempre com meus irmãos, ligo, a gente se fala toda semana. Sempre dou uma escapada pra lá, passo o fim de semana pra lá, ou eles vêm pra cá, a gente passa um dia, dois juntos. Então tem um amor assim, graças a Deus muito bem, muito bom. Minha irmã mora na Itália até hoje, está vindo agora em janeiro, vai passar um mês aqui com a gente. Então vira e mexe a gente tem essas coisas de se encontrar. Liga, “Onde você está?” “Estou”. Meu irmão mais novo, que é o Ricardo, a gente já se encontrou em outras cidades assim, porque ou ele que vai trabalhar, ou eu estava, então a gente acabava se encontrando também. Então assim, uma família de luta, a gente veio de uma classe baixa da população, meu pai e mãe trabalharam muito, conseguiram conquistar um pequeno patrimônio na cidade, depois foram embora de volta. Então, graças a Deus se consolidou bem. Por isso que eu falo, é uma saga familiar e eu acho maravilhoso isso, então hoje eu estou nessa, estou bem aqui, graças a Deus com a minha família também, minhas duas filhas. O que mais? Ah, tem N histórias pequenas, mas eu sei que o tempo já vai se encurtando, né?
P/1 – O que é essa tatuagem? Desculpa, Milani, você mostrou rápido. É o nome da sua mãe, é isso?
R – É, na verdade eu fiz o M da minha mãe, que ela chama Iracema Milani Gomes, o Milani é dela, é Iracema Milani, né? Então eu fiz o I aqui com o símbolo do ponto, o M, o I e o G que vem no final. O M é forte porque é o Milani, é a minha. E em cima, interessante, eu fiz, ela gostava muito de signo (risos), eu fiz o símbolo do... como chama a cabrinha lá? Áries. É o símbolo dela. E aí, falando com o tatuador ele pegou e disse: “E se fizer assim?” e ele juntou. Ou seja, foi um co-work ali, né, meu e do tatuador. Então é uma obra de arte mesmo. E doeu pra caramba! Então, foi bem isso mesmo, é um símbolo que me marca assim. É até chato porque a pessoa fala assim: “Ah, que legal, bonito!” “É, foi quando a minha mãe morreu”, a pessoa fica até sem graça, né? Que lembra a discussão primitiva dos seres humanos, que tatuavam o corpo, são símbolos e significados. Então como eu sou pesquisador na área de dança, cultura, então hoje eu sempre faço essas ligações. Então meus irmãos estão bem, eu amo muito meus irmãos (risos). Meu pai eu amo muito também, está lá na vidinha dele, aposentado, já terminou a trajetória dele de profissional, tudo. E hoje estou aqui projetando bastante coisa. Estou escrevendo um livro, estou trabalhando com Gestão Cultural, estou fazendo o curso de Gestão Cultural do Sesc que eu acho muito legal. Ah, tenho projetos, eu gosto muito de novos projetos, mas sempre buscando um link de uma coisa pra outra, né? Agora sou palestrante, tal. Alguém quer que eu faço um tema eu paro, analiso, estudo, tal e vou fazer alguma palestra também.
P/1 – É, você falando dá pra ver uma linha mesmo de sentido, assim. É muito bacana.
R – E no fundo, se a gente pensar, é aquela discussão simples também, tudo está interligado. As Ciências se fragmentaram, os conhecimentos, a Arte se fragmentou, mas a tendência é ser essa rede novamente. Estou encontrando muita gente no Facebook. Encontrei a minha ex-namorada de Israel, encontrei a Luciana lá de quando eu era criança, encontrei várias pessoas, é bem bacana esse Facebook aí, está. Enfim, estou revendo muitas coisas, continuando a trajetória, né? Obrigado pela tua entrevista.
P/1 – Eu tenho duas perguntinhas finais.
R – Pode fazer, pode ficar à vontade.
P/1 – Deixa eu perguntar uma coisa, você quer pegar a tatuagem, Caio?
Caio – Eu peguei.
R – Ele pegou, é rápido.
P/1 – Então tá bom, só pra saber porque tem toda uma explicação e é legal ter a imagem.
R – É, não, essa tatuagem. Tem marcas também, ó, de dança (risos), tem a cirurgia de Israel, mas não pode mostrar (risos).
P/1 – Aí não, já é censurado. Então vou pras duas perguntas finais. A primeira eu acho que você até falou um pouco, mas se você quiser desenvolver um pouco mais, é: Quais são seus sonhos hoje?
R – Nossa, todos! (risos) Meu sonho. Eu tenho muita vontade de ser milionário (risos). É brincadeira, mas é sério, eu quero ter uma instituição, eu quero ter uma fundação de cuidar de pessoas, cuidar de crianças, ajudar essas populações aí. Hoje eu faço isso na Gestão Cultural, eu procuro pensar nos artistas, melhorar a vida deles. Eu acho que eu tive muita sorte, planejamento na minha vida e resiliência, eu sempre estava, muitas barreiras eu fui vencendo, vencendo. E se a gente conseguir ajudar os artistas talvez, eu penso em artista hoje porque eu estou em Gestão Cultural, as pessoas a trabalharem qualidades e capacidades, eu acho que isso vai ser um diferencial pra todo mundo. Hoje eu tenho quase 50, eu comecei nessa loucura eu tinha 20, então acho que isso é maravilhoso. Se esses garotos de 20 começarem a entender que eles têm que se fortalecer, não pode ter uma visão muito fechada, não pode ser limitado e buscar esses conhecimentos eles vão ganhar um processo muito ótimo, que é a área de empreendedorismo hoje, né? A molecadinha aí está vindo no empreendedorismo. Então eu penso: “Por que não empreendedorismo cultural? Por que não valorizar essas veias artísticas que surgem lá tão cedo?” Então esse é um sonho, ter uma fundação. Tanto que eu tenho uma empresa que chama Milanium, gostaria muito que isso virasse Fundação Milanium porque o Milanium significa prosperidade, o milênio vem desse futuro, então a minha empresa, eu construí ela em 2001, exatamente na virada do milênio. Então meu sonho é ter essa fundação, trabalhar com essa gestão de pessoas, gestão da cultura, gestão de cidades, gestão de escola, gestão de arte, né? E misturar, fazer esse link até com setor público e privado, porque é uma forma, né? Hoje a gente vê muitas empresas privadas aí com grandes fundações. Itaú Cultural, Sesc, dentre outras que eu não vou lembrar agora. Então esse é um sonho. Tenho um monte de sonho. Conhecer o mundo. Eu já conheço uma partinha dele, só uns seis, sete países aí, talvez uns dez. Eu quero conhecer todos eles. Enfim. E sonhos, Martin Luther King, “I have a dream”, essa coisa de um mundo melhor, eu penso muito nisso, eu rezo todos os dias, sem uma religião específica, mas pra que o mundo seja melhor, que as religiões se respeitem, que a discussão de gêneros também seja respeitada, que essa política brasileira seja limpa definitivamente. Eu sou assim, sempre fui muito crítico. Esse sonho mesmo de uma vida boa, acho o Brasil um país tão maravilhoso e poderia ser melhor nesse sentido, né? Político, leis. Então são sonhos bem ligados à Gestão, né? (risos) E como pessoa, tenho minhas filhas que eu amo muito, queria vê-las nos seus sonhos, felizes também, enfim. Quero ser escritor. Eu fiz um livrinho de poesia muito tempo atrás, agora estou fazendo um livro de dança, metodologia de dança, e quero continuar escrevendo outras coisas no futuro, eu gosto muito disso, isso é um outro sonho. Tem um monte, mas esses são os principais.
P/1 – Tá certo. E por fim, então, pra encerrar, como é que foi contar a sua história?
R – Nossa, apaixonado, né? Eu estou aqui olhando horário, tenho compromisso, tenho reunião, tudo, mas eu ficaria aqui o dia inteiro. É o que eu te falei, eu quero fazer disso um livro porque tem muitos detalhes, tem muitos detalhes bacanas assim. Eu ficaria aqui o dia inteiro falando da minha história. Adorei, obrigado mesmo pra vocês também. É maravilhoso se contar, eu acho que é uma sensação que eu falo, é uma metodologia que pode levar isso pra todos os lugares. Se a pessoa tem duas horinhas pra contar um pouco da sua vida, depois relatar a sua história, tem a ver, né, com a literatura, tem a ver com a memória, tem a ver com a história. E tem a ver com o conhecimento, né? Acho que foi juntado isso. Então eu sou suspeito, estou aqui por fazer e queria fazer mais. Dá pra fazer mais uma depois, outro dia?
P/2 – Dá
R – (risos) Puxar alguma coisa específica? Ou contar dessa fase aqui, né?
P/1 – Dá. Dá pra você voltar daqui algum tempo se quiser também dar um, né?
R – Você sabe que alguns anos atrás, eu devo ter em algum lugar no meu computador, eu fiz vários roteirinhos assim por ano, onde eu estava e tal. Então você vê, eu naturalmente já tenho essa, já tinha essa vontade. E quero fazer disso um livro, sim. Vou conseguir depois escrever tudo isso. Tem um programinha que sai?
P/1 – A gente transcreve. Você pode pegar no site. Vai ficar disponível pra download, tudo transcrito.
R – Maravilhoso, maravilhoso. Então aí, quanta coisa a gente pode discutir.
P/2 – E o DVD você vai ganhar.
R – Nossa que lindo! Eu vou dar um beijo pra minha esposa, pras minhas filhas, pra minha mãe que está no céu (risos). Meus amigos que partiram. Isso é bom, né? Todas as pessoas da Arte, da Cultura, pessoas da iniciativa privada pra tentar melhorar esse país, né? Essa força, precisa, eu sinto muito isso no país. Eu já tive vontade de ir embora várias vezes daqui. Porque quando você mora no Japão, quando você mora na Alemanha, quando você vai pra França, quando você vai pros Estados Unidos. Não é desmerecer, mas gente, poxa, o nosso país é maravilhoso, porque esse é um sonho. Se eu fosse político... podia ser morto pelo problema da corrupção, mas se fosse um político eu acho que era um sonho, de ver o país melhor. Eu acho que é possível.
P/1 – Tá bom, a gente está encerrando.
R – Desculpa pelo atraso.
P/1 – Imagina. Obrigada viu, Milani.
R – Eu estou muito feliz, viu? Obrigado vocês, beijo grande pra todos nós, obrigado querida.
P/1 – A gente que agradece.
FINAL DA ENTREVISTA
Recolher