Entrevista de Antônio Carlos Salmito
Entrevistada por Danilo / Daniela
27/04/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número FUNAS_HV003
0:00
P/1 – Para iniciar eu queria que você falasse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento?
R - Meu nome é Antônio Carlos Salmito, eu nasci em Teresina, capital do Piauí, em 17 de setembro de 1945. Meia hora depois da guerra.
0:57
P/1 – Te contaram isso?
R – Exatamente.
1:02
P/1 – Antão você é de agosto?
R – Sou de setembro. Foi logo depois da guerra.
1:15
P/1 – Salmito, você conheceu a história dos seus avós maternos, paternos? Você conhece?
R – Olha, muito pouco. Porque tanto maternos, quanto paternos, eram cearenses, e eles ficaram nas cidades deles, principalmente o avô paterno. Fez família lá, chegou a ser Coronel do interior. Viveu lá, em São Benedito no Ceará. E o avô materno, viveu muito tempo e Ubajara, bem pertinho de São Benedito, e em cima da serra. Esse foi embora para o Maranhão, nunca mais voltou.
2:34
P/1 - Eu não conheço São Benedito, são regiões de sertão, é mais para o interior?
R - É em cima da Serra.
2:46
P/1 - Os dois são de São Benedito, é isso?
R – Não! O meu avô por parte de mãe, é de Ubajara, um pouquinho antes de São Benedito, mas é em cima da serra também. Mas é uma região muito boa, não tem falta de chuva, tem bastante água, é muito prospera, é muito legal.
3:31
P/1 – O seu avô paterno trabalha em fazenda. Você falou que ele chegou a ser Coronel, estou imaginando com propriedades de terra, é isso?
R – Tinha lá umas terrinhas.
3:42
P/1 - Uma pessoa com questões políticas, envolvido com a política?
R – Não, ele não se metia com isso não. Ele ajudava a administrar as coisas e tal. Ele era empresário, pequeno empresário. E viveu lá a vida inteira.
4:04
P/1 - Você os conheceu?
R - Eu conheci! Mas vi pouco o meu avô paterno, vi por cerca de 20 minutos. E o materno eu ainda vi um pouquinho mais. Mas não convive com nenhum dos dois.
4:23
P/1 – E tem história deles? Seus pais contavam?
R – Eu fiquei longe a vida inteira, porque também eu saí de lá, do Piauí. Porque os meus pais eram cearenses, mas eu nasci em Teresina, capital do Piauí. E eu sai muito novo.
4:54
P/1 – Do Ceara migraram para o Piauí, é isso?
R – Não, o meu pai foi empresário do setor de transporte. Primeiro transporte de carga na década de 40, depois transporte. O meu pai foi proprietário de uma linha de transporte de passageiros, entre Teresina e Fortaleza. Eram uns ônibus, que aqui no Rio, até hoje chamam de jardineira, aquele modelo. Que ia de um lado ao outro, e saída nas laterais.
5:48
P/1 – E aí seu pai trabalhava na área de transportes, conheceu sua mãe?
R – Foi! Mas isso aí é outra história. Porque meu pai gostava de família e tinha várias.
6:02
P/1 - Você chegou a conhecer?
R – Cheguei! Mas eu vim conhecer, por exemplo, quando eu já tinha 31 anos. E eles eram mais velhos do que eu. Eu tenho um irmão, que agora no dia 2 desse mês, fez 90 anos. Mas esse eu já vim conhecer bem depois.
6:29
P/1 - Isso foi uma iniciativa sua, de conhecer?
R - Eu sempre tomei, mas a gente nunca se encontrou, porque como eu sai bem novinho de Teresina. Eu nem sabia que eu tinha esses irmãos. E nós somos muitos irmãos, já morreram muitos.
6:52
P/1 – O seu núcleo familiar, ele foi mais recente digamos?
R – Não, a família primeira do meu pai, e depois a gente veio, eu sou o mais velho, da família. D segunda família.
7:17
P/1 - No caso da sua mãe, conta um pouco sobre ela?
R – Mamãe era sertaneja, trabalhadora, empreendedora. E era uma pessoa muito ativa, muito ativa. Teve 17, e criou todo mundo, conseguiu criar 11, e agora já morreram dois. E ainda criaram filho dos outros, ainda pegava filhos dos outros para criar. De pessoas pobres.
8:05
P/1 – Ela era empreendedora, ele tinha o que?
R – Comércio, fazia tudo. E a minha mãe tem um valor extraordinário, porque naquela época não tinha escola, e ela conseguiu fazer até a quinta série primária, e criou esses filhos todos. Dos 17 que ela teve, ela criou 11, e formou 11. Sabe lá o que é isso? É danada! E por exemplo, a primeira família do meu pai, os homens foram muito para seminários, foram seminaristas. E teve um que ficou 27 anos no seminário, entre entrar e sair. Esse que fez agora 90 anos.
9:25
P/1 - A sua infância foi em Teresina?
R – Foi! Até os 15 anos.
9:36
P/1 – Teresina é uma cidade grande, mas na sua infância como é que era?
R – Não, ela até hoje, é talvez a capital menor, mas é uma cidade moderna, porque é a mais nova capital, fora Tocantins, que veio outro dia. Então ela é toda traçada, toda bem traçada, porque é moderna. Me parece que esse ano ela está fazendo 170 anos.
10:10
P/1 - Mas você morava em qual bairro? Conta um pouco aí?
R - A gente morava perto do centro, porque naquela época era menor ainda a cidade né.
10:30
P/1 - Qual bairro, era rua de chão, era asfaltado?
R - Ainda não tinha nem asfalto não. E estavam começando a fazer os calçamentos, daquelas pedras antigas, que depois foram cobertas com asfalto, essa coisa toda. Mas isso aí meu amigo, já vai muito tempo.
10:59
P/1 – Foi uma infância na rua?
R - Um pouquinho na rua, porque a gente tinha que trabalhar, porque o meu pai tinha uma casa de comércio e minha mãe também. Porque depois meu pai vendeu a empresa de transporte, que existe até hoje. Ele vendeu, e abriu uma casa de comércio. E o comércio lá, vendia que você imaginasse. A gente tinha xícara, prato, sinto, pasta de dente, cinto, tudo que você imaginar. Aparelhos de louça, tudo, tudo, tudo. Naquela época. A gente nascia, aí quando começava a caminhar, a gente já ia tomar conta da loja para evitar roubo, que roubo é uma coisa antiga. Então a gente ia trabalhar lá. E trabalhava com os poucos, de domingo a domingo. E aí meu caro amigo, eu tinha 4 anos de idade, eu me lembro até hoje. Porque lá a gente é obrigado a amadurecer mais cedo. Eu falei para mim mesmo, eu vou me embora daqui, com 4 anos. E evidentemente que já era melhor cidade do Brasil, o Rio de Janeiro, porque era capital da República. Aí eu pensei comigo mesmo, eu vou me embora daqui. Com 4 anos meu amigo.
13:02
P/1 – Você pensava no Rio de Janeiro já, ou só queria sair?
R – Não, eu pensei em sair. Eu não podia ir a lugar nenhum.
13:10
P/1 - Você tinha uma influência? De onde que vinha essa ideia?
R - Porque até hoje, você no nordeste, você vê falar mais no Rio de Janeiro do que em São Paulo, porque São Paulo é outro tratamento de gente e, por exemplo, para mim que vim trabalhar no planejamento, essas coisas todas. Depois de muitos anos a gente descobriu que a maior capital do Nordeste, é São Paulo, entendeu.
13:50
P/1 – Porque a migração para São Paulo foi enorme.
R – Por exemplo, você é carioca?
14:28
P/1 – Não, eu sou paulista, eu estou aqui em São Paulo.
R - Porque eu já moro aqui no Rio, desde 1962, eu nunca vi um gaúcho trabalhar na construção civil, no Rio de Janeiro, pode até ter, mas eu nunca vi. O que tem mesmo é nordestino. E principalmente cearense. Cearense é uma doença, tem em todo lugar.
15:14
P/1 - Mas você frequentou a escola? Então frequentado a escola e voltava da escola e ia para o trabalho? E da escola você lembra?
R – Eu e todos os meus irmãos. Tenho, a gente ia pequeninho, tenho uma irmã que é mais nova do que eu um ano. A gente frequentou o jardim da infância, que a mamãe sempre primou por isso, pouca gente fazia isso, mas a mamãe fez, conosco. Mamãe teve o maior cuidado.
16:05
P/1 - E como que era a sua mãe e seu pai no trato? Eles eram acessíveis, carinhosos, eram mais distantes? Como que funcionava essa relação?
R – Olha meu amigo, até hoje, nordestino é a mesma coisa. Lá o papai nunca olhou uma fralda, nunca tomou conta para o menino ir brincar ali, não. Até hoje, até hoje, mas meu pai, não queria pai melhor do que aquele. De uma correção, e de uma história de vida, meu amigo, sensacional. Era uma pessoa muito boa.
16:55
P/1 - E me conta, você disse que ficou até os 15 né, em Teresina. Você chegou a terminar? Você não terminou o colegial, não era colegial, né?
R – Quando eu sai, eu sai no 4º ano do ginásio. Terminei aqui no Rio de Janeiro.
17:20
P/1 - Você terminou o quarto ano aqui?
R – É!
17:24
P/1 - Então me fala, como foi esse momento de saída, de ir embora, deixar a família, conta um pouco esse processo?
R - Meu amigo, isso aí é um negócio terrível. Porque o meu pai, não admitia isso, entendeu. E nós éramos, nessa época, já 11. E eu armei, naquela época do governo João Goulart, eu tinha um amigo que era mais velho, e era da Aeronáutica, e eu falei com ele que queria vir embora para o Rio. Aí ele disse que ia arrumar uma passagem pela Fabe, que tem até hoje, essas coisas tem, e eu acho justo que tenha. Porque alguém, até deles mesmo, que precisam, e às vezes já tem de alguma e tal. Mas naquela época, toda hora tinha uma confusão política, estado de sítio, estado de não sei o que. Aí parava tudo. E eu nem tinha documentos ainda. Que agora você já sai com o documento na hora que nasce. Eu já estava com essa idade e não tinha documentos. Aí olha, eu vou embora agora, desde outubro, isso época de viajar, acabando o ano, como é que você ia arrumar escola. Mas aí eu vim né. Aí como é que eu fiz, eu trabalhava e guardava o dinheirinho, e quando eu falei com meu pai, rapaz, na hora do jantar, aquela filharada toda. E eu era o mais velho, sentava a direita e era o primeiro ali da mesa. Eu levantei para falar com meu pai, evidentemente, e disse: papai, eu queria lhe pedir uma coisa. E a minha mãe, e meus irmãos todos, tremiam de medo. Porque eu avisei a eles, que eu ia falar naquele dia com o papai. Porque o papai não ficava aqui em casa o dia todo, o tempo todo, ele viajava e voltava. Ai eu digo, hoje eu vou falar com o papai que eu vou embora. Rapaz, eu me levantei e fiquei empezinho assim, moleque novo, ai eu disse: papai eu queria lhe falar uma coisa. “Pode falar”. Mas eu acho que ele não sabia, não sabia não. Aí o que acontece, disse: papai, eu vou embora para o Rio de Janeiro. Aí ele falou: o que? Eu disso: é isso que o senhor ouviu, eu vou embora para o Rio de Janeiro. Aí ele disse assim: mas eu não tenho dinheiro para lhe dar. E eu folgadamente, porque podia ter ficado sem a cabeça. Eu disse assim: papai, mas eu não lhe pedi dinheiro, eu estou pedindo permissão do senhor para ir embora para o Rio de Janeiro. “Para onde você vai”? Eu digo: não sei! E eu não sabia para onde eu vinha. Mas eu tinha decidido que viria. Rapaz, aí ele pensou, muito, “não, não vai, não vai”. E eu disse: não papai, eu vou! “Está acabando o ano”. “Sim senhor, mas eu vou agora mesmo.” Aí dei sorte, porque como é interior, pelo menos no meu tempo, se conversava mais. E tinha um professor, do Colégio Estadual, que tinha ganho, uma passagem aérea, para vir para o Rio de Janeiro, para uma conferência, no Ministério da Educação, que na época era no Rio de Janeiro. E ele não pode vir. E eu me lembro do nome do professor. Professor João Antônio. E aí meu amigo, ele me vendeu a passagem mais barata, porque já ia perder, e eu viajei com o nome de João Antônio. Naquela época não tinha a fiscalização que tem hoje, porque hoje nem por centro espírita tu viaja. Então foi assim que eu viajei para cá. E foi difícil arrumar um colégio aqui, que me aceitou, porque já estava em outubro. Mas foi muito interessante o seguinte, que padrinho lá no Nordeste, é um pouco diferente daqui, por exemplo, o meu padrinho soube que eu... Através dos filhos dele, que eu tinha dito que ia embora do Piauí, aí ele me chamou, e perguntou, “para onde você vai”? “Eu vou para o Rio de Janeiro”. “Pra onde”? “Eu não tenho pra onde ir, mas eu vou, nem que seja para dormir na praia”. “Não, não, me dê 15 dias”. Eu falei: mas por que 15 dias? “Não, porque eu tenho um irmão e uma madrasta que moram lá, e se eles deixaram você se encostar lá um pouquinho, eles vão deixar e você fica lá, tem aonde ir”. E assim que funcionou, meu amigo. Na outra semana chegou que eu podia ir. Aí eu vim, e fiquei com esse pessoal, me trataram muitíssimo bem. E eu era de uma classe média, nunca tinha lavado uma xícara de cafezinho, mas eu cheguei na casa alheia, e deixaram eu dormir lá num cantinho, direitinho e tal. No final de uma semana eu sabia lavar tudo, banheiro, panela, o que aparecesse. E na minha época ainda tinha muito, Rio de Janeiro, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz. Isso ai, ainda se cantava muito. E ai meu caro, eu me virava que eu ia buscar água, para botar nos vasos, para fazer tudo, não tinha esse negócio não, aí eu fiz isso. E não me arrependo, fui muitíssimo bem tratado, mas muito, muito, muito. Aí com uns quatro, para cinco anos, eu fui morar fora. Aluguei um quarto lá, porque veio um irmão meu morar aqui no Rio também, tentar a vida. Aí eu disse, não, dois aqui já e demais, não dá. Aí a gente foi trabalhar, e eu só tive um sofrimento, porque eu não tinha dinheiro. A minha mãe mandava um pouquinho de dinheiro, e evidentemente que eu dividia com a senhora dona da casa, porque eu comia, dormia lá. Aí eu fazia isso, e foi assim uma coisa de Deus, eu acredito em Deus. Aí eu fui morar com esse meu irmão e tal, aí isso apressou, porque eu casei muito novinho, eu casei em 69, 1969, casei. Aí veio outro irmão morar comigo.
26:31
P/1 – Me conta um pouco do começo? Você foi atrás de trabalho? Só estudou? Como foi chegar no Rio de Janeiro, você lembra? Descreve como foi essa sensação? O que te chamou a atenção?
R – Tudo me chamava a atenção, até porque eu sou uma pessoa normal. Lá no Piauí, no meio da década de 50, eu me tornei flamenguista. Por essas coisas que não tem explicação. Então eu vim, e fiquei morando com esse pessoal, e o irmão do meu padrinho, trabalhava na época, no Conselho Nacional de águas e energia elétrica, entendeu. Que era kenai, que era o órgão da energia elétrica, ligado à presidência da república. E ele trabalhava lá. E eu nunca soube o que era preguiça, eu só vi lá no zoológico depois o que era preguiça. Que eu não podia ter preguiça. Então o que acontece, eu perguntei a ele, se eu podia ir lá para o trabalho dele, para não ficar em casa, aquele rapaz, porra. A senhora era uma costureira maravilhosa, ela trabalhava muito para as esposas de ministros, que naquela época era tudo aqui. E ela era uma fada trabalhando com costura, como é que eu soube disso? Porque eu morava lá, e eu ia entregar as costuras, eu passei a entregar as costuras. Tinha que fazer alguma coisa, não ia ficar lá feito um bibelozinho sentado. Então eu fui. Ele disse: vamos comigo e tal. Aí eu ia de manhã com ele, era ali na Graça Aranha, a repartição. Aí eu fui ali, e o pessoal brincava muito comigo, que eu morava ali na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, bem pertinho da Cezedeiro Correia, aquela praça que tem até hoje lá. Então os caras diziam: porra, você esta a 100 metros da praia, invés de tu ir para a praia, tu vem para cá. Eles achavam aquilo um absurdo. Mas eu digo, não rapaz, eu tenho que aprender a fazer as coisas e tal. E aí eu fiquei nessa brincadeira aí 2 anos, 2 anos. E aprendi muito! E eu tive que servir o exército.
30:02
P/1 – Poxa, você pegou o exército? E como foi isso? Na época já estávamos numa ditadura militar?
R – Não!
30:16
P/1 - Você foi para lá um pouco antes né, você estava com 18? Um pouquinho antes, 63.
R – Não, 64, porque eu era de setembro.
30:35
P/1 – Como foi esse período do exército?
R – A gente era soldado, não tinha muita coisa não. Tirava serviço. E eu sempre fui muito chato com comida, por exemplo, eu nunca comi no exército durante o tempo que eu servi. Eu servi três meses, no Forte Duque de Caxias, lá no Leme. Aí no final de 64, aquilo foi transformado numa escola, que é até hoje, do exército. Aí nós fomos para o Forte Copacabana. E meu amigo, teve uma época que eu fiquei no exército, que eu estava no exército, e eu fiquei lá, para tirar um serviço, eu fiquei três dias sem comer. Eu não botei nada na boca, porque eu achava comida ruim, não comi. No final de três dias meu amigo, eu não enxergava mais nada, mas não comi lá. Na semana seguinte, foi um Capitão médico, com alguns saldados, para colher sangue, doação de sangue que tem até hoje, essas campanhas. E quando falou que quem doasse sangue tinha direito a folga de um dia, meu amigo, eu fui o primeiro a pular, na frente. Rapaz, aí o médico mandou eu deitar, furou todos os dedos da mão direita, furou todos os dedos da mão esquerda. “Fica deitado aqui do lado”. Aí eu fiquei deitado lá, porra, doido para ir embora e ele não me liberava. Aí quando colheu tudo que tinha que colher. Aí ele veio conversar comigo, disse: como é que você está vindo? “Ué, eu estou vivo, o senhor está vendo”. “Não cara, tu não tem sangue”. “Como não tem sangue”? “Não, teu sangue tá água, você não come?” Eu digo: não! “E você faz todos os exercícios?” “Faço!” “Mas você não come de jeito nenhum?” “Aqui não!” “Você é louco?” Eu digo: não! Mas aqui eu não como. Porque eles não deixavam a gente sair, por causa desse movimento, podia estar ali, e nego querer agredir, qualquer tipo de problema. Então não podia sair, só saia no final da tarde para ir embora. E eu meu caro amigo, eu não tinha dinheiro nem para ir no botequim tomar um copo de leite. Aí eu consegui escapar, porque aí a gente foi para o Forte Copacabana, e ficamos lá até final de maio, até o dia 30 de maio, que era a primeira baixa. Aí como eu era bom comportamento, eu sai na primeira baixa. E uma pessoa que serviu comigo, e me ajudou muito, me ajudou como? Me dando comida. Sabe quem? É da minha idade, Cesar Maia, é da minha idade. E naquela época ele já morava mal, que o pai dele era Senador da República, portanto tinha que morar no Rio, e era Militar de alta patente, eu acho que General. E o César, era da minha idade, uma pessoa extremamente inteligente, muito inteligente. Aí o que acontece, ele morava muito mal, e naquela época ele já morava na Avenida Atlântica. Aí a gente conversando, ele ficou meu amigo. Aí ele levava comida para ele e para mim, entendeu. Então, todo esse período do Forte de Copacabana, que foram 5 meses, a gente ficou amigo e tal. E ele me ajudou muito, o César.
36:00
P/1 - Você pegou lá, estando no exército, o dia 31 de abril de 64, que foi o dia que derrubaram o governo?
R – Não, eu entrei logo depois.
36:19
P/1 - E que você falou dá baixa em maio.
R – Não, foi maio do ano seguinte. Porque eu sou de setembro, e quem é a partir de julho, entra em Julho, e quem vai de janeiro a dezembro, de janeiro a junho, entra no começo do ano.
36:47
P/1 - Então sua experiência no exercito foi em 65?
R - 64 e sai em 65.
36:55
P/1 – Você entrou em 64, correto?
R – Entrei 1º de julho de 64.
37:01
P/1 – E ficou até 1 de julho de 65?
R – Fiquei até 30 de maio de 65.
37:08
P/1 – Entendi! Você teve que ir para Rua Acompanhar manifestação, teve algum envolvimento político?
R – Não, não, porque o quartel aqui, aonde a gente serviu, Copacabana, Leme, São João, é elite, não tinha briga não. Era o pessoal da vila militar, da periferia, de Niterói, entendeu. A gente era tido assim como elite, e que não sabia brigar. Mas tinha serviço, tinha plantão. Rapaz, e eu tinha um medo danado de... Porque eu não podia ficar por motivo nenhum no quartel, porque eu não comia, aí ia ficar difícil. Mas aí eu dei baixa, nós demos baixa, porque também, ele deu baixa, e eu nunca mais voltei lá.
38:26
P/1 - O senhor não quis continuar a carreira?
R – Eu? Essa pergunta me foi feita, pelo comandante da bateria, que eles chamam de bateria, do grupamento ali. Então, quando está perto de dar baixa, você tem uma entrevista com os comandantes da bateria. E rapaz, eu fui entrevistado, e eu nunca fui anotado, por motivo nenhum, e eu era obrigado a lavar minha farda, passar minha farda, coisa que jamais imaginei, que isso ia acontecer na minha vida. Mas eu não podia estar sujo, eu não podia ser diferente, se não ia ficar preso. Aí preso e ia morrer de fome. Aí o comandante, me lembro bem que eu estava em pé, em frente à TV Rio antiga, não sei se é do teu tempo, lá no posto 6. Tem até hoje o quartel-general ali aonde foi tombado. E aí estava assim em pé, rapaz. Aí o cara me entrevistando, “você é um cara bom, não sei o que”. E eu calado. “Você vai fazer carreira, não sei o que”. Aí o outro “vai fazer carreira com a gente, não sei o que”. E eu ali, nem piscava o olho. Meu amigo, quando eles acabaram de falar. Eu perguntei a eles: eu posso responder aos senhores? Aí eles: claro que pode! Me viu assim “paraibinha”, nordestino, porra, esse aqui vai ficar com a gente, já tinham até me feito umas propostas particulares. Aí eu ali em pé, cara, nem pestanejava. O cara falou, disse assim: vai fazer carreira? “Vou sim senhor”. “Então tudo bem”? E digo: tudo bem, vou sair daqui a 140, nunca mais o senhor me vê. Puta, ele passou por cima da mesa, e pegou aqui na farda, e me puxou por cima da mesa, assim, cara. Vai me matar! Mas não me matou não, e nem me bateu. Mas ficou indignado. Porque dos quatros que comandavam, eram 3 Tenente e um Capitão. O Capitão era o Comandante ali, da tal da bateria. Um já tinha me feito uma proposta, para mim trabalhar no jornal do Brasil. O outro queria... Ele disse: olha, eu vou montar um depósito de bebida, para você ser o gerente. E o outro queria que eu fosse não sei o que. Eu falei, não rapaz, tá bom. Aí fui embora e nunca mais voltei.
42:07
P/1 - Tem algum caso que você tenha visto ou vivido lá no exército, que você se lembra, que foi marcante, que você queira contar, uma curiosidade?
R – Sim meu amigo, mas não podia se falar nada. Por exemplo, lá no Forte Duque de Caxias, que é lá no Leme, na época, o governador ainda era o Lacerda, e o vice-governador, porra, agora me fugiu o nome dele. Mas era o cara que acompanhava o Carlos Lacerda. Aí o Carlos Lacerda viajou para o exterior, e ele foi fazer uma visita lá no quartel, lá no Duque de Caxias. Tem uma escola até hoje ali, então o cara veio, e eu estava como soldado da guarda, avançado. Porque tem lá na porta do quartel, e tem um pessoal na frente. Eu estava lá né, com fuzil aqui e tudo. Aí vem o governador do momento, o cara era famoso para caramba, não sei se vai vir o nome dele aqui. Aí o que acontece. Veio aquele cara, e eu: porra, como é que o cara entrou? Ele tinha entrado lá pela praia, passou na porta do quartel, e vinha até aqui para ver. Aí eu pá, armei. Ai o segurança dele, começou a gritar comigo e tal. Eu disse: meu amigo, volte, eu não quero saber quem é, não foi anunciado, volta se não eu vou atirar. Até porque o comandante nessa época, não era para mim muito normal. Uma vez ele me pegou eu coçando a cabeça aqui assim, me mandou eu me apresentar lá na guarda. Porra, ele vai mandar me matar, porque o cara entrou de carro e ninguém disse nada. Aí o cara voltou, passou umas 2 horas, veio esse camarada lá, o chatão lá. “Teve um carro preto aqui”? “Aqui não passou ninguém”. Vai para porra, ia dizer nada! Foi embora. Mas depois ele disse que falaram lá, não deu nada para mim não. Tá doido, rapaz! Porra, recebi a ordem, a ordem vai ser cumprida.
45:09
P/1 - E a parte de lazer sua? Você pegou uma parte MPB?
R – Sim meu amigo, mas eu só via pele televisão. Eu não tinha.
45:24
P/1 – Viu Roberto Carlos? Pô, você estava no Rio de Janeiro na década de 60, lugar legal, hein?
R – Sim, sempre foi. É a melhor cidade do Brasil até hoje. Mas eu nunca comprei um disco do Roberto Carlos. Eu tinha da Elis Regina, daqueles caras todos. Gilberto Gil, Caetano, Gilberto Gil.
45:48
P/1 – Você assistia os festivais de música? Você acompanhava?
R – Nunca fui a nenhum. Acompanhava na televisão, mas eu não tinha dinheiro para ir lá, rapaz! Como é que eu ia?
46:05
P/1 – Qual que era o seu lazer? Praia? O que você fazia?
R – Eu nunca gostei muito de praia. Se eu gostasse do sol eu estava lá no Piauí, o sol lá não perdoa. Tem mais de 10 anos que eu não vou a praia, não me faz falta.
46:30
P/1 – Você tinha alguns momentos de lazer?
R – Muito pouco! O meu lazer eu guardava, para pegar um ônibus de Copacabana até o Maracanã, o 433, que eu nem sei se ainda tem esse número. Assistir o jogo na geral e voltava, era só isso.
46:55
P/1 – Conta ai um dos jogos do Flamengo que foram marcantes? Mas quero descrição?
R – Não, nunca botei camisa, eu ia normalmente assistir. Mas assistia a maioria dos jogos, porque era a coisa mais barata que tinha. A passagem não era tão cara, como é hoje. E com R$ 5,00, 5 mirreis, sei lá o que era, dava pra ir e voltar e ainda sobrava troco. E assistia todos os jogos do Flamengo. Do tempo do Dida, do tempo do Silva, aqueles caras bons todos, eu ia ver. Assisti o lançamento do Zico, e eu assistia era na geral, assistia na geral.
47:55
P/1 – Maravilha! Jogos que não tinha ninguém!
R - Agora tem uma parte importante aí, meu amigo. Porque eu sou um cara meio cismado com as coisas. E foi como é que eu fui trabalhar. Como eu te disse, eu vivia na casa desse rapaz, que era lá do Conselho Nacional de Água e Energia Elétrica. E eu ia com ele, mas às vezes ele ia para as coisas dele, e não dormia em casa. E eu não tinha dinheiro para pegar o ônibus, e eu ia lá trabalhar de graça, hein doutor. Sabe o que é que eu vou fazia, acordava mais cedo, para ir caminhando até o centro da cidade, trabalhar de graça. Várias vezes eu fiz isso. Não me arrependo, foi bom. Teve uma vez que eu até desmaiei, porque eu vivia na casa alheia, não podia comer muito. Então tinha que fazer determinadas coisas. Eu estava tão fraco, e tinha caminhado ali da Siqueira Campos, até a Graça Aranha, com Nilo Peçanha. Aí eu estava meio fraco, aí bati lá, a turma me pegou, “o que foi e tal”? Aí me deram uma comidinha, então eu revivi.
49:45
P/1 - Você estava falando da trajetória que você fazia, que eu acho que era da casa onde você ficava, até a companhia, para trabalhar de graça. Eu queria que você falasse que trabalho era esse?
R – Era Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica.
50:10
P/1 – O que você fazia lá?
R – Sim, eu fui trabalhar lá. Fui mexer com as estatísticas. O que é estatística? Era os números, o consumo de energia elétrica, por classe de consumo e por município, por estado. Aí a gente fazia estatística de geração, recebia das empresas e ia alocando, cada município, cada estado. Porque ao final disso, tinha uma coisa que existe até hoje, em poço único sobre a energia elétrica, que você arrecada. E esses valores na época, eram distribuídos por estados e municípios. E como eu tenho a cabeça grande, eu guardei esse negócio. Eram levados por lei, em consideração, cinco variáveis, para distribuir esse dinheiro pelo Brasil todo. Era geração de energia, consumo de energia, população, eram 5. Área inundada, eram 5 variáveis que era feita essa distribuição.
51:50
P/1 – Salmito, só para eu entender. Isso você já tinha terminado o equivalente ao ensino médio, é isso? Ai você foi para ensino superior?
R – Não, eu fui para lá ainda no ensino médio.
52:08
P/1 – Ainda no ensino médio. Depois do exercito, é isso?
R – Depois do exercito. Mas só, que eu já tinha passado 2 anos lá, trabalhando de graça, para aprender mexer nas coisas.
52:24
P/1 – Entendi! E depois você continuou, é isso? Isso que vai abrir portas para você para Furnas? O que foi?
R – Sim! Porque Furnas era uma empresa de que? De energia elétrica. E tinha um presidente, chamado John Cotrim, que era um homem de visão. Então ele não se confirmava só com informações do Brasil. E ele foi indicado pelo Presidente Juscelino Kubitschek, lá atrás. Quando o governador de Minas, para ser o representante da Cemig, recém-criada, no comitê brasileiro do Conselho Mundial da Energia. E isso era uma coisa Internacional, e que mexia com essas estatísticas. E uma pessoa que tinha se preparado sem saber a mexer com tudo isso, nacional e internacionalmente, fui eu.
53:42
P/1 - Me fala como que você ficou conhecendo a empresa? Como que chegou esse nome para você?
R - Porque um amigo nosso, que era Engenheiro do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, foi convidado para ir trabalhar em Furnas, na diretoria de planejamento. E ele precisava de auxiliares. E eu estava trabalhando lá. Pelo menos o que me passaram foi isso. “A gente está precisando de um cara que trabalhe, para levar para Furnas, para fazer tais e tais...” E a gente tinha uma fase experimental, para vê se gostava, se não, como é que ser dava. Aí me levaram. Porque já tinham ido pessoas com mais idade do que eu, para a Eletrobras, trabalhar na Eletrobras, entendeu. Lá do Conselho mesmo, porque era o pessoal que mexia com energia. Entendeu. E por exemplo, no futuro, a Eletrobras foi mexer com o planejamento do setor elétrico. Então ia precisar de pessoas que entendem isso, entendeu.
55:16
P/1 – Entendi! Então você foi indicado, e daí conta aí, como é que foi o primeiro dia em Furnas? Como foi isso aí? Você foi indicado então, para ir para Furnas... Eu queria que você me contasse como foi então?
R – Sim, era o escritório central, que era na Rua São José, 90. Aí a gente ficava disposição da diretoria. Tinha umas tarefas diárias e a coisa extra, que era assessorar a diretoria também. Isso com o tempo gerou um pouquinho de ciúme, que natural. Um moleque novo desse chega aqui, e toda hora é chamado lá no 3ª andar. Que é onde ficava a diretoria. Aí eu disse assim, o nome do moço, do chefe, era Afrânio, “até hoje ninguém me chamou para tomar um guaraná, é só para me dar trabalho”. “Porque eu estou aqui a não sei quantos anos, nunca me chamaram”. “Eu não tenho nada com isso, lamentavelmente”.
56:53
P/1 – O senhor trabalhou direto com o John Cotrim?
R – Trabalhei, trabalhei!
57:02
P/1 – Conta como ele era? Conta um caso que você tenha vivido com o Cotrim?
R – Meu amigo, eu vivi vários, até porque no final da vida, quem tomou conta dele foi eu. Era uma pessoa inteligentíssima, eu nunca vi nada parecido com ela, nada. E a primeira coisa que me surpreendeu, é que eu trabalhava no 9º andar, da Rua São José, 90. E a diretoria era no terceiro andar, tá lá até hoje, lá sediou Itaipu, uma certa época. E logo depois que eu fui admitido, o meu número é 3000, redondo, 3.000. E talvez o que, parece que uns 20 dias depois, foi admitido um engenheiro alemão, brasileiro, formado no Brasil, para ser assistente do Dr. Cotrim. Porque alemão? Olha como que o cara era o diabo. O cara era alemão, engenheiro, entendia de nuclear. E estava iniciando o Brasil pensar em nuclear. Porra, ele saiu aí, no mínimo 20 anos na frente do primeiro, impressionante. E o camarada como eu, éramos novos. E o camarada me chamou, ele tinha uns 2 metros de altura. Aí nós estávamos conversando, assim, e o Dr. Cotrim entrou pelo fundo da sala, que tinha a entrada aqui, e lá no fundo tinha uma porta também. Aí o Dr. Cotrim entrou, aí deu uns 3 passinhos na nossa direção. Mas só quem estava vendo era eu, porque o homem estava aqui, e eu do lado de cá. Ele disse: boa tarde! O homem virou, bicho de 2 metros, “boa tarde”. Aí, “quero dar um aviso a vocês”. “Pois não”. “Escrevam o que tiver que escrever na primeira folha, eu não leio a segunda”. Sabe lá o que é isso, meu caro? Porra! Agora meu amigo, o que você perguntasse a ele, ele sabia te responder.
1:00:31
P/1 – Então quando você entrou, você já entrou nesse lugar que prestava assessoria para a diretoria, e você trabalhava ainda com estatísticas? Já foi para um auxiliar administrativo?
R – Não, fui como auxiliar de escritório. Eu me formei ajudado por Furnas, que naquela época, Furnas ajudava quem queria estudar. Aí eu me formei já com a ajuda de Furnas.
1:01:11
P/1 - Você fez o que?
R – Administração de empresas.
1:01:18
P/1 – Isso já estava casado?
R – Não, eu casei em 69.
1:01:31
P/1 – E em Furnas você entrou em?
R – 64.
1:01:37
P/1 – Em 64. Então você ficou um tempo...
R – Não, eu entrei em 69 em Furnas.
1:01:44
P/1 – Entrou em 69 em Furnas.
R – Dia 19 de agosto de 69.
1:01:49
P/1 – Mesmo ano que você casou?
R – Foi! Eu casei em julho e entrei lá em agosto.
1:02:00
P/1 – Tem algum projeto que lhe marcou?
R - Não meu amigo, eu fazia parte da equipe, que preparava as coisas para a diretoria. Por exemplo, o presidente fazia conferência, a gente era que preparar as coisas todas, entendeu. E era muita coisa. E ainda ajudava nas tarefas da assessoria que tinha.
1:02:37
P/1 - Mas descreve um pouco para mim, porque eu sou leigo. O que é preparar as coisas, que tinha que fazer?
R – Escrever, rascunhar, mostrar qual era a melhor alternativa, “olha isso aqui”, chamar atenção para as coisas. Porque não podia ser um cara muito acomodado não, porque ele atropelava, entendeu. E por exemplo, para você tem uma ideia, mesmo depois que ele saiu de Furnas, eu continue trabalhando para ele. Porque? Porque ele foi para Itaipu, Itaipu é quem? Eletrobrás. Ele foi o diretor executivo de Itaipu. Não sei se tu tem alguma coisa com isso. Mas eu soube, por fonte fidedigna, que o Presidente Geisel, chamou ele para ser o presidente, ser o diretor de engenharia de Itaipu, porque o presidente Stroessner, que era Presidente da República do Paraguai, não aceitava ter um civil, como diretor de Itaipu, entendeu. Ser o cara responsável pela obra de Itaipu. Então ele escolheu o Costa Cavalcanti, José Costa Cavalcanti, que era Deputado e Coronel da turma do Figueiredo, da turma do Geisel, e engenheiro. E o Stroessner, disse: bote lá um Coronel, um General. Que o Coronel quando se apresenta vira General, até hoje. Porque eu não falo com civil, mas com o Dr. Cotrim ele falou. Mas foi uma exigência do Stroessner, para Itaipu. E ele fazia muitas palestras, fazia muita coisa. Ele era uma pessoa que trabalhava para a diretoria da Eletrobrás. Eu não sei se pode nem publicar isso, cara. Mas aí vocês fazem a censura. Por exemplo, o presidente da Eletrobrás queria fazer uma... Dá uma opinião... “Pera aí que daqui a pouco tu vem buscar”. Eles passavam para o Dr. Cotrim, aí o Dr. Cotrim dava a opinião, e saia com o nome do presidente da Eletrobrás, entendeu. Ele era terrível.
1:05:55
P/1 - Mas pensando um pouco na sua experiência, no seu trabalho, teve alguma situação, projeto, ou algum evento, algo que você teve que se dedicar. Alguma coisa que te marcou? Que aconteceu alguma situação?
R – Não cara, essas coisas, é assim de imediato, tu não programa não. O cara pergunta um troço, tu têm que responder, entendeu. Isso aí cara, é assessoria, você deve saber mais do que eu, que toda vez que tem essas conferências, essas reuniões, tem um cara ali de cócoras, atrás, que o cara faz o bilhetinho, “e olha aqui”, toda hora. Porque o Presidente, o diretor, não é obrigado a saber tudo. “Então, o que é o assunto”? Aí vai. Então a gente está sempre fazendo isso. Por exemplo, o Dr. Cotrim escrevia noite e dia, um dia, um sábado à noite, em casa. Ele me telefone às 11:40 da noite, de um sábado, “Salmilto”. Eu digo: pois não Dr. Cotrim? “Qual é a potencia instalada no Brasil hoje?” Porra, as 23:40 do sábado. E ele sabia a quem estava pedindo. Aí 20 minutos depois, ele telefonava e eu dava o número a ele. E o número certo né. Porque se tu errasse com ele, tu só errava uma vez, não errava a segunda. Ele era... Mas o que você perguntasse, ele sabia, eu nunca vi nada igual. Por exemplo, eu frequentei muito a casa dele, tanto com a minha família, eu e minha mulher, com os amigos e tudo. Um dia, ele era solteiro. Eu estou ali sentando, e todos os engenheiros, naquela idade, hoje eu não sei, porque eu não sei se ainda tem isso. Tinha uma bancada, você já deve ter visto, bancada, um banca grande. Aí eu olhei assim, no quarto, ali na sala, na sala dele. Aí eu olhei rapaz, tinha 8 livros. Aí eu falei: Dr. Cotrim, 8 livros aqui? Ele disse: é! “Porque”? Eu digo: mais não é muito? “Não, para mim não”! “O senhor lê isso”? “Leio”! “Como”? Ele disse: olha, é muito fácil, eu começo lendo um aqui, aí eu canso vou passando, vou passando, no final eu li todos. Cara era impressionante. E também uma pessoa, assim, que procurava ser muito justo, entendeu, muito justo. Por exemplo, uma vez eu fui com ele e a minha mulher, em Itaipu, inclusive ele já não era mais diretor de Itaipu, ele já tinha se aposentado. Aí quando a gente chegava lá, já tinha um carro esperando ele no aeroporto. Ele: entra aqui! Aí nós entramos, eu, minha mulher e ele. Ele mostrou tudo de Itaipu, que ele conhecia como a palma da mão dele. Mas era uma coisa, assim, fora de série.
1:10:30
P/1 – Salmito, você lembra qual foi a primeira vez que você foi ver uma usina? Foi emocionante?
R – É uma obra fantástica, muito grande, e que te chama atenção né. Mas já estava em operação quando eu fui, foi na usina de Furnas, que foi a primeira. Primeiro do que a usina de Furnas, foi a usina da Cemig. Mas da Cemig, era uma empresa Estadual. E mineiro é mais recolhido, os mineirinhos são mais recolhidos. Mas é uma coisa que deslumbra qualquer um. Deve ser um deslumbro comum para vocês, eu não sei, mas para mim é, por exemplo, o volume de água. O volume de água do reservatório de Furnas é 15 vezes maior do que o volume da água da Baía de Guanabara, é muito ou é pouco?
1:11:56
P/1 – Foi ai que caiu a ficha do tamanho da empresa?
R – Não, não, aí já é bem depois. E ele não te dava tempo de pensar em qualquer coisa não, porque ele absorvia as pessoas que trabalhavam com ele, terrivelmente. Estou de dizendo cara, ele me telefonou um dia as 11h30 da noite, para perguntar a potência. Aí de prêmio cara, o que eu ganhei, foi quando ele estava perto de morrer, o presidente da Eletrobras, que era o Jose Luiz Alquéres, me chamou e disse: Salmito, tu toma de conta do Dr. Cotrim para mim. “Como? Ele tá ruim”. “Você é uma das poucas pessoas que dialoga com ele e tal, ele gosta de você.” Aí eu fiquei com ele, e aprendi muito. Quando ele ia tomar aquelas bolsas de sangue, ficava lá 7 horas com ele, conversando e tal, ele passando as coisas. Então aprendi muito, ele passava para você conhecimentos. Porra, como é que ele manjava aquilo tudo? Ele era uma máquina, ele não tinha sossego. Uma das curiosidades, ele gostava, de todo domingo... Ele era inglês né. Dr. Cotrim era inglês. Então, todo domingo às 9 horas da manhã, o motorista dele, pegava o carro, ele sentava atrás, e ele dava umas voltas pelo Rio de Janeiro, lendo o jornal. Mas dando uma volta, para não ficar parado.
1:14:10
P/1 - Vocês chegaram a se tornar amigos pessoais? Ao longo do trabalho?
R – Sim, ao longo da vida.
1:14:26
P/1 – Porque depois de aposentados eu percebi que mantiveram a relação né?
R – Sim, e não era muito comum isso não, viu!
1:14:35
P/1 – Eu imagino!
R – Ele era uma pessoa estranhíssima. Mas direito.
1:14:43
P/1 – Eu imagino muito resguardado também.
R – Sim!
1:14:48
P/1 – Mas eu queria entender um pouco assim... Você ficou quantos anos em Furnas?
R - Fiquei 50 anos. Eu me aposentei em 97. Isso aí agora, em 2019, pago para trabalhar, vim de Furnas para Furnas, mas sem registro nenhum.
1:15:17
P/1 - Entrou em 69, como auxiliar administrativo, e ficou até?
R – Agora, 19.
1:15:35
P/1 - E a sua a sua função, cargo? Você foi crescendo? Você alcançou uma gerência?
R – Não, nunca alcancei gerência ali. Eu avisa logo, desde que eu fui para lá, “não quero ser gerente”. Engole muito sapo, e não dá para mim.
1:16:05
P/1 – Como foi a sua trajetória profissional dentro da empresa nesses 50 anos que o senhor ficou?
R – Eu fui para área de planejamento, e a gente planejava. O que é? A nossa função principal era, por exemplo, o Antônio Ermírio de Moraes, ou do mesmo porte dele, dissesse assim: eu estou pensando em abrir uma fábrica de cimento, lá no Mato Grosso, num município qualquer. A gente saía correndo, para ir lá, para ver as condições do suprimento de energia elétrica, porque não era permitido que ele amanhã voltasse para imprensa, entendeu. “Deixei de botar um negócio lá no Mato Grosso, porque não tinha energia elétrica, entendeu. Então Furnas foi a base de estudo, depois que Furnas passou tudo para a Eletrobras. A Eletrobras foi absorvendo as coisas de Furnas. Por que? Porque Furnas veio antes da Eletrobras, entendeu. Tem uma coisa aqui que eu vou falar, não sei, era bom vocês julgarem depois. Porque gera uma ciumeira filha da mãe. Quando o Dr. Cotrim fez Furnas. Pela primeira vez no Brasil, pagou-se 16 salários por ano. Ainda não tinha décimo terceiro. Aí ele foi questionado. E ele disse, eu pago, mas na minha empresa ninguém tem hora extra, e nem pode reclamar de nada. E quem ganha direito fica alegre, trabalha alegre. Aí veio a Eletrobras, sabe o que a Eletrobras fez? Ao invés de pagar 16, como a Eletrobras era dona de Furnas, então a gente tem 17, tá bom. Tem até hoje, tá bom! Eu não sei se vale a pena botar isso não. Aí tu pergunta aos caras.
1:19:01
P/1 - Não se preocupa com isso! Você foi para a área de planejamento, e ficou os seus anos de empresa na área de planejamento? E daí me conta, da área de planejamento, me fala qual foi o seu maior desafio profissional lá dentro, uma situação que você tenha vivido na área de planejamento?
R - Olha rapaz, isso ninguém lá pode impunha alguma coisa assim. Porque o nosso trabalho era sempre em equipe, sempre, não tinha esse negócio não. A gente tinha uma assessoria econômica, a gente tinha uma assessoria para calcular custos. Tudo tinha as divisões, que depois viraram departamentos. Departamento de geração, de transmissão, tudo isso, são coisas que vão acontecendo, entendeu. E tiveram algumas coisas assim, que não sei se também é bom contar, porque (1:20:14....) a EDF. Hoje é a maior empresa de energia elétrica do mundo, do mundo. E lá atrás, uns 20 anos atrás, ou mais. Não, já tem 25 que o Dr. Cotrim morreu, então foi muito antes. Tem uns 35 anos, eles faziam um folder pequenininho, mostrando a estrutura energética da da França, entendeu. Que é isso, é você dá uma posição de petróleo, de gás, de hidro, de térmica, e assim sucessivamente, nuclear, entendeu. Então o chefe de departamento viu aquilo, aí chegou para mim, com aquele folderzinho, disse: Salmito, faz alguma coisa aí para o Brasil. E eu bolei o negocio que teve um pouco de fama. E até acabaram. Mas eu tenho uma satisfação. Eu fiz tudo isso, dando os principais vetores, nos últimos 10 anos. O que era hoje, e 10 anos atrás. Porque isso, o cara que é uma águia, ele olha e vê como é que foi o comportamento naquele espaço de tempo, entendeu. E a gente distribuía. Mas aí rapaz, como tudo na vida, gera umas ciumeiras bobas, e teve até um colega nosso, que também nem bota aí não, que esse cara é importante hoje aí. Ele viu eu fazer aquele trabalho, aí me chamou na sala dele. Porque eu pedia as informações, porque eu não era dono da informação, mas eu sabia trabalhar a informação. Rapaz, aí ele me chamou, assim, disse: Salmito, quanto é que tu ganha nisso? “Como ganha nisso”? “Alguém não te dá dinheiro por isso não”? “Não, nunca me deram nenhum tostão, coisa nenhuma”. Ele achava, como eu dava aquelas coisas, eu levava algum dinheiro, meu Deus do céu. Mas eu nem fiquei chateado com ele não, porque isso deve ser um mutreteiro. Um dia eu soube que a gente tinha um diretor de engenharia e planejamento, que o Antônio Ermínio de Moraes, telefonou para ele. Porque umas bobagens dessas ai, não deixara mais fazer. Digo: ótimo! Diminuíram o meu trabalho. Vocês é que sabem. E eu fiquei satisfeito que me chamaram para dizer isso. E tem uns 3 exemplos desses. O nome do diretor de planejamento da época era Anielo, de São Paulo ele. A filha dele casou com aquele primeiro judoca que ganhou a medalha de ouro. “Quem é esse Salmito aí?” O Antônio Ermínio de Moraes, porra, cadê o meu folder? Todo anos vocês fazem, dando a posição do Brasil, como está tudo direitinho, mostrando a posição do Brasil, num pedacinho de papel assim. Eu deixei lá em Furnas, tá lá guardado. “Como é que pode, não sei o que”. Ai o diretor depois: que é esse cara que fez isso? Aquilo camarada, você com um papel daquele no bolso, aonde você for do mundo. Por quê? Porque era bilíngue, português e inglês. Eu não sei dizer nem yes, mas a gente tinha um cuidado, do nosso trabalho, a gente pegar pessoas do primeiro time. Por exemplo, quando a gente tinha conferências internacionais, aqui no Brasil, por exemplo, quem eram as pessoas que faziam as versões e traduções. Aquelas duas moças que faziam até bem pouco tempo, que já morreram as duas, a tradução daquele negócio do cinema americano, para a Rede Globo. Festival de cinema mais famosos do mundo. Tinha uma coisa que Furnas foi mantenedora, que é um capitulo a parte. Furnas, desde que o Dr. Cotrim entrou. Furnas bancou uma coisa chamada Comitê Brasileiro do Conselho Mundial da Energia.
1:27:50
P/1 – Comitê Brasileiro do Conselho Mundial da Energia? O que é isso?
R – Isso, o Conselho Mundial da Energia, tem a sede em Londres, e foi criado em 1923. E o Comitê Brasileiro do Conselho Mundial da Energia, foi criado em 1928, 5 anos depois. E Dr. Cotrim se filiou nisso, porque ele era o único cara do Brasil que falava inglês, nomeado pelo Juscelino Kubitschek, governador de Minas Gerais, no primeiro congresso realizado no Brasil, no Quitandinha. Acho que em 1954. E o Dr. Cotrim ficou como Presidente desse comitê, até se aposentar em Itaipu, que para onde ele foi, ele levou isso. Mas como ela era Presidente de Furnas quando ele veio, Furnas patrocinou não só o Comitê Brasileiro Mundial da Energia, como Banco Mundial, já teve sede em Furnas, Banco Mundial. E outros organismos internacionais. Sedio por muito tempo, mas ai por interferência de outro diretor, o Comitê de Grandes Barragens, esse aí era patrocinado pelo vice-presidente de Furnas, Dr. Flávio Vieira. Então isso foi muito importante para o Brasil. E que agora os gênios acabaram. Os acertos desse comitê brasileiro, que fez 50 anos agora, estão lá guardados, armazenados como um lixo, lá em Furnas, no segundo andar do bloco A. Quando eu sai de lá, eles fecharam aquilo lá. E tem lá, dois documentos da maior importância, da maior importância. Que tem umas pessoas aí que se souberem, vão lá pegar. Lá tem dois mapas de 1956, ou seja, antes de antes da criação de Furnas, que e de 1957. Que o Dr. Cotrim comprou nos Estados Unidos, antes de existir Furnas, antes de pensar em Furnas. E tá lá 2 mapas, 1 mapa mundi, em alto relevo. Um cara olhou lá, me disse assim: Salmito, isso ai é coisa para uns 7 milhões. Eu digo: você está é doido. Os cara souberem disso vem rouba ele daqui. E tem também, um mapa da América do Sul, em alto relevo, tudo em inglês. Imagina a maravilha que é isso hoje, diante da retalhada que foi dada, principalmente lá na Europa, concorda?
1:31:58
P/1 – Esse é o acervo do Comitê Brasileiro do Conselho Mundial de Energia?
R – Sim! Mas que é uma coisa que é de Furnas. Porque o Dr. Cotrim deixou isso para Furnas. Não é de Furnas.
1:32:20
P/1 – Esse acervo não foi lá para a Eletrobras?
R – Não! Até aonde eu sei, não! Até quando eu sai de lá, estava no 2º andar do Bloco A.
1:32:36
P/1 – A gente vai atrás, porque a gente fez um levantamento do acervo de Furnas. E é legal a gente ver esse acervo.
R – Meu amigo, são coisas valiosíssimas.
1:32:56
P/1 – Uma coisa que eu percebi, que eu acho que vem do Cotrim. Ele é uma pessoa que investiu em comprar acervo de arte, móveis, quadro, escultura.
R – Sim! Ele era um Europeu. E de um gosto... Tem lá na entrada de Furnas, ele pegou um cara famosíssimo para fazer um cavalo de força lá. Eu vi ele falar mais de uma vez, quando estava fazendo Furnas, o prédio de Furnas que estão acabando lá em Botafogo. Ele disse assim: eu quero o auditório de Furnas, como o melhor auditório da América do Sul. Ele era enjoado, viu. Ele não aceitava pouca coisa não.
1:34:00
P/1 - Eu queria que você me contasse melhor, como era a área de planejamento na sua época? Como que funcionava? As pessoas que trabalhavam? Cada um fazia qual função?
R – Tinham um pessoal ultra bem preparado. Que os homens são fáceis aí, por exemplo, um cara que era ótimo, e que o doutor Cotrim trouxe para Furnas, foi Sérgio de Salvo Brito, que morreu 1992. Isso foi uma das pessoas mais inteligentes do setor, ele tinha já vivido pelo Imo. Veja primeiro, ele tinha sido primeiro aluno, do Instituto Militar de Engenharia, e o que eu sei é particular. Porque ninguém escreveu isso não, ele tirou o primeiro lugar, e como era que um civil podia tirar o primeiro lugar? Deu uma confusão lá, filha da mãe. Aí um dia, numa conferência, Dr. Cotrim, viu o Sérgio falando, Sérgio de Salvo Brito, ai levou ele para Furnas. Aí o planejamento energético, era chefiado por ele. E com o Sérgio, tiveram várias pessoas fabulosas, teve Camozzato, Izaltino Camozzato. Teve uma gama muito grande. Paulo Pereira Gonçalves, tudo pessoal dele. E mais novos, que são da minha idade, tem um ai, que causa problema até hoje, que é um cara inteligentíssimo, que está metido até nesses estudos aí. Tinha a parte nuclear também, no planejamento.
1:37:10
P/1 – O planejamento ele é responsável para a implementação para um projeto de construção?
R – Sim! Ele determina isso. O pessoal que vai construir é outra história, é obra. A gente fazia o planejamento, estudava tudo e tal. O quanto deveria gerar. Levasse em consideração a área, a população, a área física. Tudo isso é levado em consideração. O que tem no local, o que pode ser melhorado, o que não pode.
1:37:55
P/1 – O Senhor participou de alguma projeto de usina?
R – Não, porque eu não era engenheiro. Isso era uma coisa da engenharia. A gente participava, dizendo: olha, vai precisar de tanto para atender a população. É outra área, entendeu. Mas o pessoal do planejamento. Planejava a transmissão, a geração, tudo isso. São coisas separadas. O mercado, que é a parte do consumo. Isso tudo era standard. Furnas é uma empresa regional e que estava responsável pela área mais importante do Brasil, entendeu. Então meu irmão, era tudo standard direitinho, mas cada um tinha suas divisões, seus departamentos e tal. Cada uma formava um conjunto.
1:39:06
P/1 – Você comentou que no fim da vida do Cotrim, o Senhor acabou cuidando dele. O que significa isso? Como foi isso, esse convívio final?
R – Era o seguinte cara, desde que ele se aposentou, ele se aposentou quando fez 70 anos de vida. Aí ficou uns 10 anos, no 11º ano ele morreu. Então o seguinte, ele ia, logo depois de aposentado, ele não aguentava ficar em casa. Então ele ia todo dia para Furnas, para onde estava instalado esse Comitê Brasileiro do Conselho Mundial da Energia, entendeu. Então ali ele escrevia, ali ele fazia as coisas e tal. E eu ainda não estava aposentado. Então eu ficava a disposição dele, de trabalho. E meu irmão, tinha trabalha todo dia, todo dia, não tinha acordo. Ele não tinha esse negócio não. O Zé Luiz, você já deve ter ouvido falar, que o Zé Luiz está vivo, ele está por ai. O Zé Luiz chegou para mim, “Salmito, eu queria que você tomasse conta do Dr. Cotrim para mim”. “Tá bom! O que é?” “Ele vai vim para Furnas todo dia, tem vaga cativa para o carro dele”. Ele não dirigia, assim, para essas coisas. Ele sabia dirigir, tinha carteira e tudo, mas tinha um motorista que ia pegar ele, levar e tudo. “E tem uma parte mais dolorosa ai”. “O que é”? “Ele vai ter que fazer transfusão de sangue”. Porra meu caro, aquilo leva 6, 7h, um pingo por hora. E ele não queria dar trabalho a ninguém. Ele estava doido que eu fosse, porra! Mas ele dizia assim: não, não venha não, é muito trabalho, muito chato, não sei o que. Mas ai eu ia, e evidentemente ele não engrossava comigo, porque não podia. Ele era uma pessoa extremamente educada. E ai a gente ficava conversando, muitas coisas. E ele passava muita coisa para mim. Também não sei se é bom botar isso não, vocês vejam ai. Por exemplo, ele me falou que ele participou do projeto da bomba atômica. Não é pouca coisa não, não é. Então ele se formou em 1937, e nessas coisas todas ele não era um aluno muito bom não, ele era só primeiro lugar, em tudo né. E ele foi chamado para trabalhar nos Estados Unidos, ai parece que quando foi em 43. Ele trabalhou lá 4 anos, nesse projeto. Aí liberaram ele. Ele e outros crânios do mundo, porque eles não botam só os deles lá não. Aí o que acontece, liberaram ele, para volta ao Brasil. Aí ele me disse: Salmito eu perguntei aos caras do FBI, “posso ir embora, estou liberado”? “Pode ir embora, o senhor está liberado”. Trabalhou lá 4 anos seguidos. Aí o que acontece, os caras liberaram ele. Despachou as malas. Aí quando chegou, ele disse: cadê as minhas malas? Quando o cara trouxe o ticket. Só tinha uma malinha pequenininha. “Posso levar esses rascunhos, essas coisas todas”? “Pode”! Tiraram tudo dele! Aí ele pediu para ir lá. Ai os caras: isso aqui é segredo e tal. Ele também era obediente, ele não era burro. Só recebeu 4 ou 5 anos depois aquilo, depois que tudo já estava superado. Aí foi quando ele veio aqui para o Rio. Terminou sendo levado pelo Lucas Lopes para Minas Gerais, ajudou a fundar a Cemig, entendeu. E tem uma coisa ai, que eu não sei como vocês vão usar, mas vale a pena. Porque se tiver isso gravado tem em poucos lugares. Ele sempre chegou cedo, aonde ele ia, ele sempre chegou cedo. E ele foi levado pelo Lucas Lopes, para construir a Cemig, ajudar a construir a Cemig. Ele disse que estava um dia sentado lá, para falar com o governador, e estava aquele cara que acompanhou o Juscelino a vida toda. Foi governador de Brasília, agora eu não vou me lembrar. Aí saiu um desses tubarões, entre eles né. Um era secretário de alguma coisa e outro tal. Aí disse que um chegou na porta, assim, e gritou para o outro lá. Rapaz, ele foi governador de Brasília um tempão, agora como eu também estou ficando velho, esqueci. Aí, aqueles gritos que você da na intimidade as vezes, que era tão cedo que não tinha ninguém de fora. Mas o Dr. Cotrim já estava lá. Desses caras desses grupos ai, de notáveis de Minas Gerais. “Fulano, como que é o nome daquele negócio que o Cotrim pede, quando ele não quer dar emprego para o cara”. Aí ele disse que quando ele ouviu aquilo, ele levantou, mas não apareceu, ficou na sala, mas bem na porta, para ouvir o que os caras tinham a dizer. “Porra rapaz, curriculum vite”. Naquela época meu irmão, 1953, ninguém sabia o que era. Porra, hoje não sabe. Se perguntar para o Bolsonaro ele não sabe.
1:47:34
P/1 – Você ficou na área de planejamento, se aposentou. E eu tenho informação, que depois você trabalhou um pouco no Comitê Brasileiro de Grandes Barragens.
R – Não, Grandes Barragens não. Eu trabalhei a vida inteira no Comitê do Conselho Mundial da Energia.
1:48:01
P/1 – Isso após estar aposentado de Furnas?
R – Não meu amigo, eu trabalhava para Furnas e para o Comitê Brasileiro. Eu era obrigado a fazer as duas coisas.
1:48:15
P/1 – Entendi! E você tem algum caso, alguma situação desse trabalho que você gostaria de deixar registrado?
R - A gente fez alguns trabalhos interessantes, mas tá tudo isso, lá nas coisas do comitê.
1:48:34
P/1 - Uma situação pessoal sua, que você tenha vivenciado, ou que tinha sido interessante, desafiadora?
R – E prefiro não dizer, porque eu fazia algumas coisas, mas é melhor não falar não. Porque tem coisas que você fica sabendo, mas é melhor...
1:49:03
P/1 – Quando você pensa em Furnas o que lhe vem à cabeça?
R – Que era a segunda empresa do Brasil, e o que estão fazendo com ela é uma canalhice, só isso, só isso, só isso. Tem aí, você mexendo por aí, tu vai achar o discurso que o Dr. Cotrim fez, para os funcionários.
1:49:48
P/1 - Eu vi esse discurso!
R – Dá para você ver ai?
1:49:55
P/1 – Consigo ver. O que é?
R – Isso aqui é o discurso de despedia da inauguração daquele prédio lá.
1:50:13
P/1 – Eu já tive acesso ao discurso.
R – Tá aqui! A gente trabalhou também ó
1:50:24
P/1 – Eu tive acesso também a esses aí.
R – Primeiro e segundo.
1:50:30
P/1 - Mas esses livrinhos, já era Eletrobras né?
R – Não, não! Isso aqui foi Dr. Cotrim que fez. Eu trabalhei com ele nesses negócios aqui.
1:50:47
P/1 – Entendi! Inclusive...
R - A memória não participou disso daqui não.
1:50:52
P/1 – Você trabalhou, inclusive pesquisando?
R – Sim! Pesquisa, revisão, tudo, tudo. Não tinha esse negocio não. Ia na gráfica, com ele não tinha esse negócio não. Não tinha dia nem hora. Quando você começava a trabalhar com ele. Ele dizia isso: olha, comigo não tem dia nem hora. Fica se quiser.
1:51:26
P/1 – Quando você conta para as pessoas de fora de Furnas, sobre o seu trabalho, as pessoas conhecem Furnas?
R - Muito pouco! Sempre foi fechada, Furnas sempre foi fechada. Esse defeito tinha, ele trabalhava na moita, quando coisava, estourava, já estava feito. Por exemplo, isso está escrito em alguns lugares, mas ele me dizia sempre, a gente em conversa, disse centenas de vezes. Que quando ele era presidente de Furnas, que foi inaugurar a primeira unidade geradora da Usina de Furnas, já tinha se instalado o golpe de 64 e ele avisou para o professor Antônio Dias Leite Junior, que era Ministro de Minas e Energia, vamos inaugurar, mas eu vou citar que o projeto foi de Juscelino Kubitschek. E o ministro tem que aceitar e engolir. E ele citou com todos os Castelos Brancos e pretos que estavam lá. Ele não perdoava não. Porque ele não era político, ele não era politico. Para tu ter uma ideia, ele passou de Juscelino até ir para Itaipu, não era para qualquer um, tinha que ser muito respeitado.
1:53:20
P/1 - Você conheceu várias autoridades, eu imagino né. Trabalhando na sua posição.
R – Sim! Acompanhando o Dr. Cotrim eu cheguei a viajar para Portugal, para a Espanha, para a Inglaterra, viagem rápida, de trabalho. Por exemplo, eu fui a Portugal em 2000, para comemorar 500 anos do descobrimento do Brasil. E aí a gente ia através do Comitê Brasileiro do Conselho Mundial da Energia, porque era um organismo internacional, convidava as pessoas internacionalmente. Entendeu. E nunca ninguém ganhou dinheiro para falar. E daqui 2 anos, o Conselho Mundial da Energia, vai fazer 100 anos. E o Brasil sai numa hora dessas. Mas tem um cidadão ai, isso ai não é bom falar não. Tem um camarada ai, que descobriu que isso era bom, que tá pendurado lá. Foi presidente da Eletrobras, o antes do seu Pinto ai.
1:54:57
P/1 – O que você mais sente falta do passado de Furnas, da empresa, algo que não existe mais?
R – Olha cara, eu não sei, mas na época do Dr. Cotrim, incentivava a estudar, fazer curso, ajudava. Porque tudo isso era descontado no Imposto de Renda, cara. Eu não sei se isso acabou e quando acabou.
1:55:30
P/1 - Você inclusive fez o ensino superior em Furnas né. Chegou a fazer pós-graduação, essas coisas também?
R – Sim, mas ai eu quis fazer por minha conta, não pedi. Eu fiz engenharia Econômica, que era um curso de 2 anos. Mas aí eu nem pedi a Furnas não. A Politica era outra
1:56:00
P/1 – Uma politica mais preocupada com o funcionário.
R – Exatamente! Social.
1:56:07
P/1 – Você participou de algum projeto da área cultural, da responsabilidade social da empresa?
R – Não, eu nunca fui chegado a isso não. Eu tinha muito o que fazer, porra!
1:56:22
P/1 – Mas conhece, chegava no seu ouvido os projetos?
R – Sim, sim! E todos eles eu achava que estava correto. Mas é que a gente corria muito, não tinha tempo. Porque um diretor precisa de uma coisa e tal, te chama, tem que resolver, entendeu. A gente leva uns coices também, é natural. As vezes o cara está chateado lá com alguma coisa, te da um coice, você deixa passar.
1:57:01
P/1 – Qual é a característica do funcionário de Furnas? Se você tivesse que completar a frase. O funcionário de Furnas é... Você colocaria o que?
R – É orgulhoso de pertencer a empresa, era, hoje não tem mais, mais era. Tá ai no discurso do homem.
1:57:27
P/1 – O que te chama atenção nesse discurso? O que te pega nele?
R – Tudo! Porque foi o pia do negócio. Ele tá aqui dizendo aqui, o seguinte: que ele criou Furnas, para quando o cara perguntar, da onde você é? Você dizer com orgulho, eu sou de Furnas, com orgulho, entendeu.
1:57:56
P/1 – O senhor pode falar que foi um funcionário de Furnas com orgulho, né?
R – Sim! Não tenha duvida. Por essas coisas que eu estou te dizendo.
1:58:11
P/1 – Como você imagina Furnas daqui a 20 anos?
R – Eles vão acabar com ela, não vai existir daqui 20 anos, ele vão acabar. Moço, (...) Toda energia hidráulica Americana, quem toma conta é o exercito Americano, vai alguém lá fazer essas propostas que estão fazendo aqui, vai! E lá tudo é privatizado. Vai lá fazer alguma proposta. Ninguém vai! Só isso!
1:58:50
P/1 – E como legado, o que você acha que Furnas vai deixar para as próximas gerações?
R – O patrimônio que ela construiu, a quantidade de usinas, sem pagar nada lá fora, com tudo aqui. Você vê o seguinte, num piscar de olhos o cara vem aqui e compra. Se não fosse bom, ninguém vinha. Vê se alguém vai comprar na Bolívia, nessas merdas ai. Não vão, não vão.
1:59:28
P/1 – Tem alguma história que eu não lhe perguntei e que você gostaria de deixar registrado na história? Alguma coisa do seu passado, pessoal ou da empresa?
R – Não, eu já estou meio congestionado aqui. Mas tem muita coisa interessante. E tem muita coisa interessante, quem tiver interessado em pesquisa, ir lá em Furnas, no bloco A, 2º andar. Tem muito documento importante, muito. Tem inclusive esses 2 mapas, que são coisas assim, que um cara avaliou de longe, cada qual quadro desses, 6 milhões de reais, 2 mapas. Que a maioria não da um centavo, por aqui. 1956 está lá, e o cara não pode nem dizer que é de Furnas, da Eletrobras, porque foi o Dr. Cotrim que comprou, porque foi ele que me disse, e ainda mostrou tá lá, 1956, Furnas não existia. Então nem pode dizer que é de Furnas. Mas vai aparecer, porque outro dia, antes de eu sair, chegou um cara lá, “não, isso aqui é meu. Eu digo: opá, perai, Dr. Cotrim que comprou, olha aqui a data. Ai o bicho teve que se recolher.
2:01:17
P/1 - Salmito você gostou? O que você achou de dar sua entrevista?
R – Achei legal, achei que poderia ter outras pessoas consultadas. Tem muita coisa guardada em casa.
2:01:39
P/1 – Isso é uma questão, tem alguém que você gostaria de indicar?
R – Olha rapaz, já até morreram, tinham uns caras que tinham uns documentos ai. Porque agora esta me falando o nome. Mas tinham uns caras que foram diretores, o Dinai, Paulo Romano, morreu. Esse tinha um histórico, do setor de energia elétrica, fabuloso. Vocês podiam tentar a família dele.
2:02:24
P/1 – Salmito, em nome de Furnas, do Museu da Pessoa gostaria de agradece-lo pela entrevista, muito obrigada.
R – De nada rapaz! A gente tá ai legal então a gente vai terminar nossa entrevista tá então em nome de Furnas nome do Museu da pessoa gostaria de agradecê-lo por essa entrevista muito obrigado viu
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