Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Alessandro Nepomuceno
Parte 1
Entrevistado por Márcia Ruiz e Luís Gustavo Lima
Paracatu, 30/06/2017
Parte 2
Entrevistada por Marcia Ruiz
Belo Horizonte, 3/07/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV31_Alessandro Nepomuceno
Transcrito por Karina Medici Barrella
MW Transcrições
P/1 – Bom dia, Alessandro. Eu queria agradecer aqui o seu tempo, que eu sei que é muito escasso, em nome do Museu da Pessoa e da Kinross. E pra começar, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, local e data de nascimento.
R – Meu nome é Alessandro Lucioli Nepomuceno. Eu sou nascido em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais. Minha idade?
P/1 – A data de nascimento.
R – Sou nascido em 19 de agosto de 1965.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – Meus pais, Divaldo Antoniazzi Nepomuceno e Dalva Lucioli Nepomuceno.
P/1 – E qual era a atividade deles?
R – Os meus pais, o meu pai é comerciante, sempre foi comerciante e a minha mãe, professora e depois diretora de escola.
P/1 – E os seus avós por parte de pai e por parte de mãe? O nome deles e qual era a atividade deles.
R – A maior parte dos meus avós trabalhava com comércio, de modo geral pequenos negócios, comércio. Por parte dos meus pais, Pedro Celestino Nepomuceno e Erundina Antoniazzi Nepomuceno. Por parte da minha mãe, Sebastiana Barros Lucioli e o meu avô chamava de Pio, mas é Remo Lucioli.
P/1 – Você falou que eles tinham comércio, onde era esse comércio e era comércio do quê?
R – Na realidade é o seguinte, por parte da minha mãe todos os meus bisavôs e, depois, principalmente, meu avô por parte da minha mãe, eram comerciantes e eram imigrantes italianos, então eles vieram na leva de imigrantes para o Brasil, chegaram em São Paulo, depois eles foram transferidos para uma pequena cidade perto de Juiz de Fora (MG) e depois pra Conselheiro Lafaiete. Em Conselheiro Lafaiete, o meu avô começou alguns negócios, ele teve pequenos armazéns, açougue, mexia com pequenos negócios, isso foi o que ele fez praticamente a vida toda. A minha avó por parte da minha mãe não tinha atividade relacionada, era mais dona de casa mesmo, cuidava das filhas. E por parte do meu pai, o meu avô era um comerciante, mas depois, ele era o responsável por essa parte de transporte, ele era um caixeiro viajante e também era responsável pela Casa da Moeda. Na época, tinha alguns representantes da Casa da Moeda e ele era essa pessoa responsável naquela região, em Lafaiete. O problema com o meu avô é que ele viajava muito e, às vezes, esquecia que a minha avó existia (risos), então ela tinha que se virar por conta própria, a Erundina, tinha uma série de filhos e naquela época essas coisas eram muito assim, sem muita convenção, né? Então, a Erundina, minha avó, sempre foi um modelo pra gente muito forte de vida porque ela criou praticamente os oito filhos, todos sozinhos assim. E, de tempos em tempos, ele vinha, lembrava que a família estava ali e tal, deixava algum dinheiro, mas sempre que ele ia, às vezes, o dinheiro acabava e minha avó acabava se virando. Em função disso também a minha avó sempre teve, vamos dizer, uma veia empreendedora muito grande, ela foi até meio obrigada. Ela vendia doces, ela colocava os meninos pra vender as coisas e tal. Essa é a história deles, uma história que é de muita luta no início, numa época em que mesmo o país não tinha muita oportunidade, não tinha muita infraestrutura, as estradas, tudo era muito complicado; uma pessoa viajava e levava mais tempo pra voltar, não era como é hoje, com toda a facilidade que tem. E depois o meu pai incorporou essa veia, talvez da minha avó e dos parentes que eram comerciantes. Meu pai teve um armazém em Lafaiete, que chamava Armazém Brasil, que era um armazém muito conhecido, mas um armazém relativamente pequeno. Depois, meu pai desenvolveu, os negócios cresceram, ele saiu desse negócio de armazém, entrou em restaurante, criou um restaurante à época que é o Rhuds, o Rhuds se tornou um restaurante muito conhecido em Conselheiro Lafaiete e é um restaurante que ficou mais de 25 anos na cidade e era muito conhecido. Era um restaurante que meu pai foi agregando valor ao restaurante com alguns serviços, então tinha serviços fotográficos, tinha venda de fumo, era aqueles restaurantes que acabavam sendo um pouco de tudo ali, né? E isso deu a ele uma oportunidade grande de desenvolver o negócio dele, de adquirir alguns imóveis na cidade e posteriormente inclusive construiu um hotel, que é o negócio que hoje ele praticamente está afastado, está sendo tocado por dois irmãos meus, mas que ele ainda tem a referência de lá e ainda dá algum apoio. Meu pai sempre foi do comércio. Pelo lado da minha mãe, a minha mãe infelizmente teve uma história curta, a minha mãe faleceu com 30 e poucos anos, eu tinha cinco anos à época. Ela era diretora de escola, pelo que me contam ela era uma pessoa muito querida na escola e todo lado e a relação dela com meu pai era muito forte, os dois eram muito conhecidos na cidade, participavam de muitos eventos, de muita coisa que as pessoas patrocinavam na cidade, eles eram muito envolvidos na cidade, na sociedade da Lafaiete de modo geral. E aí, com esse corte de alguma forma, com o falecimento da minha mãe, o meu pai se viu ali obrigado a criar os filhos todos, os quatro filhos, e foi no parto da minha irmã mais nova. Aí o meu pai ficou bastante abalado à época e tudo, mas manteve a nossa estrutura familiar durante uns seis anos e depois desses seis anos ele decidiu casar de novo e casou com uma pessoa até bacana que acabou ajudando a terminar a criação nossa, uma pessoa a quem, inclusive, a gente é muito grato pela forma como ela teve paciência com a gente e mesmo sem ser a nossa mãe acabou de criar e colocou também o meu pai pra frente. Meu pai sempre foi uma pessoa que precisa sempre de uma pessoa, é o jeito dele. O meu pai é uma pessoa extremamente carinhosa, extremamente dedicada, ele gosta muito de ajudar as pessoas, tem casos dele muito engraçados, da época dele do restaurante. Tem um caso que é interessante contar, que eu acho que é muito interessante, tinham pessoas que passam no restaurante e meu pai vê aquela simplicidade das pessoas e ele gostava muito de ajudar. Ele ficava, o que é essa pessoa, de onde ela vem, então meu pai conversava muito com essas pessoas que eram andarilhos, que entravam no restaurante às vezes sem nada. Ele dava um café, dava um pão e tal e ficava ali conversando. E aparecia coisas assim, uma pessoa que era muito preocupada com a chuva: “Ah, porque pode chover, eu vou ficar todo molhado e tal”, e aí meu pai começou a dar guarda-chuva pra ele. Mas só que ele sumia com os guarda-chuvas todo dia, então toda semana meu pai tinha que levar um guarda-chuva diferente pra ele. E aí, meu pai foi descobrir que ele tinha essa, era uma mania, ele guardava esses guarda-chuvas na casa dele, então tinha vários guarda-chuvas, meu pai descobriu depois que não era só ele que doava os guarda-chuvas (risos). E tinha a casa cheia de guarda-chuva! (risos). Aí meu pai falou: “Agora não vou te dar mais guarda-chuva não” e tal. E aí esse senhor continuou indo lá e algumas vezes eu até ria com meu pai. Então meu pai tinha uns casos muito engraçados. E meu pai tem um problema que ele cochila muito fácil. Ele é tão tranquilo, que tem hora que ele cochila, então tem uns casos muito engraçados, de pessoas que entram no comércio, às vezes, ele ficou ali meio parado e tal e ele cochila. E uma vez ele estava no caixa, ele estava atendendo uma pessoa e ele ficou distraído e cochilou e a pessoa tinha dado dinheiro a ele. Ele falou: “Valdinho, acorda, que eu preciso ir embora” (risos). Então meu pai é aquele cara tranquilo, aquela pessoa passiva demais e aí era muito bom que tivesse por trás uma mulher mais forte, como a minha mãe era, minha mãe sempre empurrou ele muito, colocou ele pra frente. E depois a minha madrasta que fez o mesmo papel e faz até hoje. Até hoje ela é bem assim, não deixa ele ficar muito parado senão ele cochila (risos), empurra ele. Então é muito bacana essa história deles e de relação com a cidade. Meu pai é muito conhecido na cidade, todo mundo conhece ele, já foi chamado várias vezes pra entrar na política, mas infelizmente ele acha que não é um ambiente em que ele se daria bem, ou que podia dar uma contribuição, mas ele acaba fazendo a contribuição que ele pode. Então, na cidade, ele tem uma série de coisas que ele participa em doações, ele acha sempre um tempo para ir num asilo de velho, ele sempre acha um lugar pra ele se dedicar, então esses lugares todos têm gente que conhece ele. É impressionante como ele é integrado na cidade e na comunidade. Então assim, talvez até pela forma dele, ele acha que o tempo dele nessa vida não é só pra trabalho, não é só pra família, mas é pra ser distribuído de alguma forma, então isso é bacana. Mas aí tem a história do meu pai. A minha mãe sempre foi uma pessoa que todo mundo fala extremamente decidida em termos das coisas que ela quer fazer, que ela quis fazer, então ela que praticamente era responsável pelo planejamento. “Ah, tem um imóvel, vamos comprar esse imóvel”, era minha mãe que colocava o gás pra comprar: “Vamos lá, vamos resolver isso”. Era desse jeito. E eu acho que Lafaiete depois também, como qualquer cidade do interior, infelizmente foi sendo descaracterizado, as pessoas que eram mais conhecidas, isso era uma sociedade, né, a década de 1960, 1970 principalmente as pessoas todas se conheciam nessas cidades menores e depois isso foi meio que desintegrando, infelizmente. Hoje as pessoas, em função até da própria vida mesmo, as cidades crescem, vêm pessoas de fora, são pessoas que às vezes não são as mesmas, não dá pra você conhecer todo mundo também, então essa estrutura acabou um pouco. Mas mesmo assim até hoje você vai na cidade você vê muita gente que conhece meu pai, conhece a minha família. Então a minha família se estabeleceu lá. Meu avô tinha esse comércio, como eu comentei, relacionado com produtos, ele viajava muito, trazia muitos produtos de fora, do Rio de Janeiro, que eram novidades na cidade, antes tinha muito isso, as pessoas viajavam pras cidades maiores e traziam produtos que não tinham nas cidades menores pra vender tecidos, o próprio café, açúcar, às vezes coisas simples hoje, mas que naquela época não eram tão acessíveis. E eu me lembrei, tem uma coisa engraçada que uma vez meu pai cochilou e ele estava no carro, ele estava voltando com mercadoria de São Paulo. E aí o carro saiu, era um daqueles Ford antigos, e esse carro desceu rápido e ele estava com um tio meu, o Sinclair, e esse tio trabalhava na rede. E o meu pai sai com o carro da estrada e cai em cima de um trilho de trem. E o meu tio ficou preocupado porque ele sabia que tinha um trem que passava ali naquela hora e começou a falar com ele: “Olha, vamos tirar esse carro daqui, tudo”. E ele apavorado pra tirar. E aí por fim, praticamente faltando coisa de 15, 20 minutos pro trem passar, eles conseguiram, os dois, três pessoas para empurrar o carro e tirar de lá. Então, essa história do meu pai de cochilar a gente sempre lembra na família e é sempre motivo de muito riso, de muita brincadeira na família. Mas é isso, em termos de família é um pouco isso. Meu avô, como eu te falei, fez esse comércio em Lafaiete, ficou muito conhecido também. Meu avô tinha uma dificuldade em falar português, ele falava italiano dentro de casa e minha avó brigava muito com ele porque as meninas não estavam aprendendo português, estavam aprendendo italiano, então teve esse processo que era muito engraçado porque ele ia muito bem, mas quando ele estava nervoso ele passava pro italiano e aí não tinha jeito. Minha avó falava: “Ah, ninguém tá entendendo nada mesmo, pode xingar” (risos).
P1 – Alessandro, você falou que vocês são em quatro irmãos, né?
R – Sim.
P/1 – Nessa escadinha onde você está?
R – Eu sou o segundo. Eu tenho um irmão mais velho, um ano mais velho do que eu, o Divaldo, que na verdade tem o nome do meu pai. Eu não falei o nome do meu pai, né? O Valdim, na realidade é o Divaldo Antoniazzi Nepomuceno, e a Dalva Lucioli Nepomuceno, são os meus pais. O meu pai teve quatro filhos desse primeiro casamento e dois do segundo casamento dele, depois de seis anos que ele estava viúvo ele casou e teve os dois outros filhos. Hoje todos já estão maiores.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho do que você lembra da sua infância mais remota, como era a casa que você vivia, se você lembra da sua convivência com a sua mãe, porque como você a perdeu muito novo.
R – Tenho, claro. Por incrível que pareça, apesar de quando a minha mãe faleceu eu tinha só cinco anos, eu lembro de coisas muito bacanas da minha mãe. Primeiro, eu me lembro de pequeno como a casa era organizada, tudo tinha um lugar na casa; ela era muito organizada, inclusive é uma coisa que eu peguei dela, até hoje lá em casa me incomoda extremamente ter coisas desorganizadas. Minha mãe era uma pessoa extremamente organizada, eu lembro muito bem de às vezes abrir uma geladeira e as mamadeiras ficavam todas ali, aquelas coisas todas arrumadas. Eu lembro disso de criança, eram imagens que vêm. A gente não teve muito convívio, mas eu me lembro também de algumas coisas como ela gostava de nos jantares, almoço era mais difícil, mas nos jantares ela sempre gostava de ter a família toda nessa questão de estar todo mundo almoçando e jantando junto. Nos finais de semana, principalmente, ela fazia questão de fazer comida pessoalmente, ter os filhos juntos, ter os irmãos que ela convidava, as pessoas que ela convidava. Isso são lembranças que eu tenho. E ela era excessivamente cuidadosa com a gente também, tem fotos inclusive que demonstram isso, ela gostava muito de costurar, colocar as coisas na gente. Nem sempre a gente gostava muito das roupas (risos), tinha sempre uma roupa diferente, uma coisa que ela gostava de pôr, aquela coisa toda. E ela era uma pessoa extremamente de personalidade, ela tinha uma personalidade muito forte. Ela gostava de pintar, eu lembro dela pintando em casa, ela tocava piano, ela cantava. Ela era uma pessoa de extrema personalidade e isso, inclusive, ficou com a gente também, as coisas que a gente admirava nela que acho que ficou muito em mim, nos meus irmãos, eu vejo em alguns deles também. A minha mãe tinha algumas coisas que ela fazia com a gente de brincadeiras, de coisas. Nos domingos, por exemplo, ela gostava muito, logo depois do almoço, a gente ia para uma varanda que tinha numa casa onde a gente morava e sentava, todo mundo contava história, contava as coisas e ela tinha um hábito, que eu não esqueço nunca, de levar nozes e quebrar nozes na porta da casa. Isso era muito bacana porque quebrava, quem é que quebrava mais, tinha hora que a gente quebrava era o dedo porque punha lá na porta: “Não, não é assim! Cuidado!”, mas era muito bacana. São coisas bacanas que ficam na memória da gente, coisas positivas. Aí depois teve a fase onde ela faleceu e aí foi muito turbulento porque àquela época tinha uma coisa que eu acho que é um pouco errada, as pessoas não falavam com as crianças o que tinha acontecido, meu pai dizia que minha mãe estava viajando, então nós passamos uns dois, três, quatro anos acreditando que minha mãe estava viajando, foi uma fase muito difícil, acho que pra todos nós e principalmente pra minha irmã. Eu tinha uma irmã mais nova, de três anos, e tinha uma bebê que na realidade com a morte da minha mãe, que ela morreu de parto, então tinha uma filha que acabou sendo criada por um tio meu que morava junto com meu pai, meu pai gostava muito dele e a esposa, essa minha tia, se ofereceu pra criar a minha irmã. Foi uma fase muito conturbada pra gente, na realidade a gente não sabia muito bem o que estava acontecendo e tal. Meu pai contava as histórias mas eu acho que foi muito bacana dele porque ele foi muito pai presente porque ele começou a viajar mais com a gente, ele ficava mais junto, ele não perdeu o foco da vida dele, das coisas e deixou a coisa passar. E fluiu bacana e tudo. E depois quando ele casou de novo acho que a vida dele, e até a nossa, se reestruturou bastante com isso. Trouxe uma pessoa bacana, ela também fazia as coisas em casa, cuidava da gente e acabou esse processo da criação, né? E aí é uma coisa interessante que eu aprendi uma coisa, porque meu pai teve essa experiência que a gente vê hoje, a gente vê hoje os pais tratando as crianças com muito mimo e com um zelo até excessivo, muito permissivos. E eu vi muito isso porque a minha mãe era uma pessoa que tinha realmente aquele apelo emocional, aquela coisa toda, e talvez ela seria até um pouco excessiva com a gente, eu não sei, difícil saber. A minha madrasta foi uma pessoa que acolheu a gente, mas ela criou a gente com o que ela conhecia dentro do contexto dela. Ela também tinha sido uma pessoa que veio de uma família que também era muito simples, mas que tinha um pai muito duro, muito durão com eles, criou muito bem os filhos e tal. Então ela tinha uma criação com a gente que era muito mais pela razão e menos pela emoção. E isso eu acho que foi algo importante pra gente também porque o que eu vejo às vezes as pessoas têm uma dificuldade de identificar contexto. Eu tenho uma capacidade muito grande de avaliar passado e antes de você falar: “Eu não tive isso, ninguém fez isso por mim, eu não fiz aquilo, não fiz isso, tal”, as pessoas têm uma tendência a julgar os seus problemas dos outros. Eu acho que as pessoas têm que passar a avaliar um pouco os contextos. Qual era o contexto? Como que meu pai ficou, por que essa pessoa foi importante pra ele na vida dele, como é que isso transitou e tudo. E foi bem sucedido, quer dizer, conseguiu criar todo mundo, ele conseguiu fazer todo mundo, ele estabelecer a vida dele de novo, reorganizar a vida dele. Isso foi bacana, eu acho que eu guardo isso, inclusive, pra criação dos meus filhos hoje. Eu vejo que as coisas não são fáceis. E o problema é quando você tem condição de dar, né? Porque quando a gente não tem condição de dar você fala: “Não tenho condição” e acabou. Agora quando você tem condição é um aspecto complicado porque você lembra de muita coisa que foi na infância ou que você não teve, tal e você tem uma tendência a facilitar pro filho, né? E aí hoje eu tenho isso comigo, como eu vi que não é pela facilidade que você forma as pessoas, e eu tive esse exemplo que veio depois com meu pai, com a minha madrasta, de que às vezes pela razão – e naturalmente, claro, pela emoção também que é importante, a gente não pode perder a ternura – mas a gente tendo mais foco, sendo mais objetivo na criação dos filhos, então isso ficou um pouco assim pra mim como um exemplo. Então foi um período turbulento, mas eu tive muita oportunidade de infância também. Eu e meu irmão, a gente não era fácil, a gente aprontou bastante (risos) mesmo, imagina sem a minha mãe, aí que era mais fácil de aprontar, né? Então a gente fazia muita bagunça. Eu lembro muita coisa de infância, soltando pipa. Naquelas épocas em que os pais soltavam nas ruas porque não tinha preocupação nenhuma, né? A gente ficava na rua o dia inteiro. Os vizinhos cuidavam, um outro lá: “Ah, passou por aqui! Foi ali, tá lá no campo jogando bola”. Essa coisa da infância que eu até sinto um pouco de pesar pelas crianças de hoje, que infelizmente não podem ter essa infância mais tranquila, mais livre, como a gente teve. Ali perto eu tinha os conhecidos, as pessoas com quem éramos vizinhos, todo mundo se conhecia e tal. Às vezes: “Ah não, pode deixar que almoça aqui” “Pode deixar que lancha aqui” tal. Acabava ficando naquelas casas ali próximas. Eu convivi muito com a vizinhança, com as pessoas, muita bagunça junto, tem coisas muito engraçadas também que aconteceram. Meu pai um dia chegou com um Volks dele, parou, aí os meninos já estavam tudo de olho, entrou todo mundo dentro do Volks e aí meu pai saiu e abaixaram o freio de mão do Volks, ele desceu uma rua toda de ré com as crianças todas dentro do carro. E ele desceu a rua toda, uma rampa enorme. Daquele dia em diante eu realmente acreditei que anjo de guarda das crianças existe, porque o que aconteceu foi um negócio muito inédito, o carro desceu, uma rampa grande a rua onde eu morava, e as crianças todas lá dentro, desesperadas, querendo sair, porque na hora que viu que o carro desceu. Assim, pra dar uma ideia de como a gente era, ninguém era fácil, não, os meninos eram uma turminha brava.
P/1 – E quais eram as brincadeiras favoritas? Conta um pouquinho como era isso, do que vocês brincavam – você falou um pouquinho de futebol, mas do que vocês brincavam?
R – Bem, tinha na rua antes umas brincadeiras que hoje as pessoas não conhecem. Tinha queimada, tinha pique-esconde. Os pique-esconde eram famosos porque as ruas às vezes não tinham todos os lugares construídos, então as pessoas se escondiam em lugares que às vezes até o pegador tinha medo de entrar (risos) e o pessoal brincava muito. Eu me lembro de uma casa que depois meu pai mudou pra ela e que é muito interessante, que foi a segunda casa que meu pai teve, que ele construiu depois pra sair dessa casa onde a gente passou a infância. Nessa segunda casa, antes do meu pai construir, a gente morou na casa ao lado de aluguel. Quando a gente estava morando nessa casa, nesse lado da casa ao lado, tinha uma propriedade que era da mesma dona da casa, mas que era um lote que era antigo e todo fechado e tinha umas garagens, uns lugares todos fechados, onde eles guardavam algumas coisas. Eles guardavam um jipe, que é um jipe maravilhoso, lindo, que era antigo, todo fechado, todo coberto e tal. E a criançada gostava de entrar ali pra esconder, eram lugares perfeitos ali, tudo. E essa área era de uma senhora que tinha sido uma pessoa que foi uma parceira de uma pessoa que eu não sei se vocês já ouviram falar, que é o Zé Arigó. O Zé Arigó era um médico, como é que se chama, um médico espírita, que na época da década de 60 e 70 ele era muito conhecido, inclusive personalidades vinham do Brasil e do exterior e tal. Ele corresponderia muito hoje a esse médium que existe aí acho que em Goiás hoje, que também é muito conhecido, então o Zé Arigó era mais ou menos essa figura mítica lá na região. E ele era de Congonhas (MG). E essa casa era dele, esse carro tinha sido dele e tal. Então quando os meninos se escondiam lá a gente também falava: “Ó o Zé Arigó!”, aí todo mundo saía correndo (risos), todo mundo morria de medo, criançada e tal. A gente brincava muito de pique-esconde. A gente fazia muitas cabanas, fazia cabana com galhos de árvores, essas coisas, tinham muitas brincadeiras relacionadas com natureza, com árvore. A gente tinha espaço, o interior sempre foi..., os lotes eram muito grandes, as áreas eram muito grandes. E isso assim, foi uma infância bacana por isso, acho que era de muita liberdade. A gente jogava bola também, eu nunca fui bom de bola, eu sempre ficava no gol e mesmo assim todo mundo fazia o gol que queria em mim, eu nunca fui muito (risos). Mas eu sempre brincava com todo mundo, com a turma e a gente tinha umas amizades que ficaram de tempos, desse tempo de infância que foram muito bacanas. É uma pena que a vida, às vezes, leva a gente em lugares, depois você nunca mais vê, quando você escuta falar a pessoa, algumas já até faleceram e tudo, mas é parte. Mas a infância foi muito bacana, a gente brincava dessas coisas, eram brincadeiras muito mais simples. Não existiam jogos eletrônicos, não existia nada, eram brincadeiras muito mais simples. Eu adorava empinar pipa, gostava muito. Fazia pipas diferentes, ficava tentando descobrir por que uma não subia, por que a outra subia. Ah, porque eu pus uma cola que eu acho que era muito pesada (risos), os grampos, aquelas taquaras que a gente fazia de formatos diferentes. Eu era muito encantado com pipa, achava muito bonito no ar. E aquelas disputas que tinham de cerol depois, de a gente passar cerol, que depois acabou ficando até proibido porque começou a ficar perigoso. Mas assim, a gente brincava muito dessas coisas. Tinham umas brincadeiras que também hoje os meninos não conhecem mais, bolinha de gude, finco, jogar finco e puxar o finco, tal. Essas coisas quando chovia a gente adorava fazer isso. Em síntese, eram brincadeiras muito simples, mas muito bacanas, que a gente guarda na memória.
P/1 – Você falou dos seus amigos que você falou que te marcaram. Tem algum que te marcou muito especialmente e por quê?
R – De amigos. Bem, eu tive um amigo, tenho na realidade esse amigo, e hoje eu considero meu amigo ainda, mas em função dessa correria a gente acaba cada um correndo com a sua vida e tudo. Tem um amigo meu Paulo, Paulo Balero, que era uma pessoa muito curiosa porque ele foi meu amigo, mas a gente começou a ter muito mais amizade na adolescência, mas a gente fazia muita coisa junto, namoramos as meninas, eram mais ou menos as meninas que a gente saía que namorava junto, aquela coisa toda. E o Paulo era muito curioso porque ele era uma pessoa extremamente, crítico demais, e eu falava com ele assim: “Paulo, desse jeito você não vai arrumar namorada nenhuma” porque a gente saía, namorava: “Ah não, mas essa não sei o quê” “Paulo, desse jeito você não vai arrumar namorada nenhuma, cara, você vai ficar pra tia”. Mas a gente era muito próximo e era muito bacana. Ele é arquiteto hoje muito bem sucedido em Lafaiete. E eu gostava muito porque era uma pessoa muito reservada, ele não era uma pessoa que ficava falando com muita gente, nem ficava gostando de ficar atravessando conversa, nem nada. Mas era uma pessoa bacana pra farra, então uma pessoa que me marcou, pra te dizer a verdade. E a gente teve a felicidade de fazer uma festa uma vez em Lafaiete juntos, a gente quis fazer uma festa dos anos 60, então a gente fez bacana, a gente vendeu convite, colocamos pai pra trabalhar, todo mundo, as famílias até se juntaram muito pra ajudar a fazer essa festa e foi uma festa muito bem sucedida, foi muito bacana, na época tiramos muita foto e tudo. A gente tinha essas ideias de fazer de promoção, juntar a turma e fazer festas e tudo, foi muito bacana. O Paulo foi uma pessoa que eu tenho de referência bacana de amizade.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho agora das escolas. Quais são as primeiras lembranças de escola, onde você estudou, conta um pouquinho desse processo seu de formação escolar.
R – Formação escolar. Bem, eu comecei numa escola muito pequena. No interior, as escolas eram muito nas casas das professoras, isso é uma coisa que até hoje tem uma ou outra, mas isso tem ficado menos comum, as escolas agora têm um lugar definido, geralmente são maiores, as pessoas trazem pras escolas maiores. Mas, naquela época, eu me lembro com três anos, mais ou menos, indo pra dona Elba. Dona Elba tinha uma casinha, pequenininha e tudo, e no fundo ela fez uma espécie de uma área onde, sei lá, ela colocava umas 30 crianças, recebia e tal, pra fazer atividade simples de desenhar e tudo. A verdade é que cada um tinha um travesseirinho e dormia a maior parte do tempo (risos) do que realmente fazia alguma coisa. Mas a dona Elba era muito carinhosa, cuidadosa, até hoje essa senhora é viva e todo mundo tem muito carinho por ela. E ela tinha uma casa, que é até próxima do grupo onde eu estudei depois, mas a dona Elba era uma pessoa que era muito dedicada, tudo ela chamava a família, informava as mães e tal dos problemas, se tinha algum problema ela era sempre dedicada. Mas tinha uma coisa interessante que a dona Elba, para conseguir os alunos, ela tinha que atrair os alunos muito pela simpatia dela na casa dela, mas sempre que ela recebia um aluno, eu me lembro que atrás, na garagem onde a gente entrava, ela teve uma ideia que não foi muito feliz, ela colocou uma aranha de todo tamanho, tinha uma aranha, um aramado assim grande. Mas era uma aranha muito bem feita, o arame da forma, uma aranha preta, grandona assim, então acho que os meninos chegavam ali e ficavam com medo, né? Ela não sabia que era por causa daquilo, os meninos ficavam chorando (risos), aí depois mais tarde pensando eu falei: “Nossa, dona Elba não era muito inteligente pra isso, pro negócio dela. Ela não devia ter posto aquela aranha preta lá, todo mundo que chegava”. E eu lembro dessa aranha como se fosse hoje. A gente chegava, a gente ficava meio: “Gente, será que essa aranha anda?” (risos). Mas era bacana. Ela colocava a gente lá e recebia a criançada. E foi uma pessoa espetacular, ela é uma referência de carinho lá na cidade até hoje. Depois eu fui para uma escola que também era caseira, era mais pequenininha, tipo nesse esquema que estou te falando, era menos comercial, era uma coisa mais familiar mesmo. Dona Didi, a dona Didi tinha duas outras ajudantes, a dona Lisete e tinha também a Maria Lúcia, que na realidade foi a pessoa com quem meu pai casou pela segunda vez. A minha madrasta na realidade já cuidava de crianças, ela tinha muita experiência com criança, tinha muita psicologia com criança e eu fui aluno dela durante um tempo também; ela não era a única professora nessa escolinha, mas ela também foi minha professora nessa escola. Era uma casa e eu achei que eles faziam ali um milagre, manter naquele espaço, um menino ia pro recreio, o outro voltava pra dentro da sala, que o espaço era pequeno e tal. Mas a gente fez muita coisa bacana, eles ensinavam muito corte, muita colagem, muita coisa bacana. Era uma fase muito, muito bacana mesmo. Dona Lisete era uma pessoa extremamente carinhosa, dona Didi também, foram pessoas extremamente cuidadosas com as crianças naquele período e também se tornaram referência na cidade. E depois eu fui pro grupo, pra Escola Estadual. É uma pena que as escolas estaduais, a escola pública tenha caído tanto a qualidade porque era uma época que realmente era admirável o nível dos professores, a dedicação deles, dos alunos, a organização, tudo era muito bacana. Eu estudei na Escola Estadual Pacífico Vieira, que era praticamente um quarteirão, dois quarteirões da minha rua, a gente ia a pé pra escola, voltava. Mas era uma outra época, a gente entende. A escola formou muitas das pessoas que eu conheço até hoje, os quais eu tenho vários nomes de cabeça, pessoas que estudaram com a gente. E acho que essas fases da vida da gente marcam a gente tanto que a gente guarda muito mais os nomes do que daquelas pessoas que foram colegas, por exemplo, de universidade. Quando eu comparo grupo, por exemplo, eu lembro de quase todos os que foram meus colegas com nomes das famílias, tudo, eu consigo lembrar. Lembro até dos pais como que eram, quem que ia lá buscar e tal. Estudei nessa escola estadual, depois fui para um colégio, que é a Escola Estadual Narciso de Queirós, que era um outro colégio estadual também, é onde eu fiz da quinta à oitava série e aí depois que eu me mudei pra Belo Horizonte (MG) pra complementar meus estudos. Mas a minha educação básica foi toda feita em escola pública e eu admiro a escola pública que a gente tinha, sou muito grato à escola, aos professores, a todo esse grupo que tinha porque acho que era um pessoal muito compromissado, era um pessoal que gostava muito do que fazia. Era uma outra vida, outro tipo de vida, talvez mais tranquilo, mas era muito bacana. Então foi o que eu fiz na escola.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho, você falou que você foi fazer o primário no grupo escolar. Como é que era, tinha uniforme?
R – Isso é bacana. Tinha uniforme, né? Regime militar, o modelo era dos uniformes, aquela coisa do uniforme branquinho com bolso, com o símbolo do colégio, aquelas calças de tergal azul, os sapatos pretos, não podia estar sujo, de jeito nenhum, você tinha que ter uma escovinha perto porque o sapato tinha que estar sempre limpo. E as pessoas que iam desarrumadas ou sujas no grupo, todo mundo falava: “Ah, aquele menino da camisa suja”, ficava famoso pela roupa suja, então não podia, todo mundo caprichava, os pais caprichavam. No final de semana, a gente tinha que ajudar também a limpar os sapatos e tal, mas era muito interessante isso porque a organização era muito grande. A gente chegava todo dia tinha que alinhar no pátio, tinha aquela questão do alinhamento que fazia igual o regime militar mesmo e tal, cantava o hino nacional, hasteava a bandeira uma vez por semana, tinha toda essa tradição, que inclusive eu admiro muito, eu acho que era um período que a gente tinha uma afeição, desenvolvia uma afeição muito grande pelo país, pelas coisas que é de cidadania, talvez. A gente era muito mais encorajado de alguma forma, incentivado, a ter ações de cidadania e de, vamos dizer assim, ter o país com respeito, que eu acho que falta muito hoje. Tinha todo esse procedimento que era muito regimentar, que era muito formal e tudo, mas era muito bacana. E davam chances também pra muita bagunça e muita brincadeira entre os alunos. Os meninos em sala, por exemplo, o professor saía, aquelas guerras de giz, aquelas coisas todas que fazia e depois voltava, todo mundo quieto de novo. Mas as calças de tergal entregavam porque ficava tudo branco, aquilo parecia um imã pra atrair a cal, o giz, aquele giz branco da lousa, mas era muito bacana. Era uma fase muito bacana. Tanto lá na escola no Pacífico Vieira, quanto no estadual teve esse regime, inclusive a gente participava dos desfiles, o 7 de Setembro tinha que ensaiar, ir pra escola e tinha os pontos, alguns dos alunos eram selecionados pra fazer parte de bateria, eu fui selecionado umas duas vezes, aí fazia parte da bateria da escola e fazia parte das demonstrações das paradas de 7 de Setembro. Era muito bacana e as famílias participavam muito, todo mundo queria ver os alunos que passavam, as escolas eram muito bonitas, as evoluções que tinham. E assim, era uma demonstração de organização muito grande, né? Então era muito bacana, era uma fase bacana.
P/1 – E você teve algum professor que te marcou nessa fase do primeiro ao quarto ano e depois da quinta até a oitava?
R – Um professor que tenha me marcado? Tem dois professores que me marcaram, e até porque eles são, eu diria talvez, um era uma antítese do outro. Eu tive uma professora de Ciências na quinta série, no estadual, que ela estava praticamente aposentando e as pessoas não entendiam por que ela não tinha aposentado ainda porque ela era uma senhora mais velhinha, mas é uma pessoa que eu sempre tive de referência, extremamente esperta. Ela tinha mais de 70 anos, dava aula, era extremamente dedicada, chamava dona Maria de Lourdes, ela tinha sido professora do meu pai e dos meus familiares e era professora nossa também. E ela extremamente conhecedora das Ciências, de Ciências de modo geral, Ecologia e tal. Ela inclusive foi a primeira pessoa que falou dessa parte Ecologia com a gente, isso lá, quantos anos atrás, mais de 30 anos atrás. Eu achava incrível a dona Maria de Lourdes. E tem uma coisa que me guardou porque eu senti que foi um orgulho que eu tive, meu pai tinha um restaurante e ela conhecia também meus pais e tudo e ela gostava muito de passar às vezes no restaurante do meu pai e tomar cafezinho. E o meu pai tinha aquelas máquinas que esquentavam as xícaras e você tinha inclusive uma argola que você tinha que saber pegar e tudo. Eu trabalhava muito em balcão, às vezes, com o meu pai porque um funcionário faltava, às vezes, eu substituía. Então a gente tinha aquela prática de pegar as xícaras dentro daquela máquina quente, fervendo. E um dia, ela estava falando sobre a parte de higiene, ela estava falando de uma série de coisas, falando de microrganismos e da importância de ferver a água e tal. E aí ela deu como exemplo o restaurante do meu pai e eu fiquei todo orgulhoso (risos). Ela estava dentro da sala e falando: “Aqui em Lafaiete eu conheço o Rhud’s Restaurante porque lá tem e eu vou lá tomar meu café, só tomo lá por causa disso e tal”. Aí eu fiquei todo orgulhoso, eu estava lá na sala, era o restaurante do meu pai. Mas não era só por isso, ela era uma pessoa espetacular. Era um exemplo de como uma professora deve realmente manter a atividade na terceira idade e que pode ser realmente muito produtiva na terceira idade. Então eu vi ela como esse exemplo. Ela levava coisas novas. Uma vez ela levou um, não sei como ela conseguiu isso, mas eu acho que era um cérebro mesmo, pra dentro da sala. A gente estava estudando o corpo humano, então todo mundo ficou curioso. Menino de quinta série nunca tinha visto um cérebro, aquele esqueleto ali e mostrando pra todo mundo. Ela ficava com o esqueleto e ela passava a mão na cabeça do esqueleto e todo mundo ficava meio que olhando aquilo (risos), achava estranho. Bem, mas são pessoas que a gente guarda e guarda com muito carinho. E depois teve um outro professor, que eu nunca entendi qual era o nome dele, mas ele era chamado de Vica na escola, que era aquele professor novinho de Matemática infiltrado num monte de professores mais velhos. Imagina as pessoas mais idosas ali, tal, não vou chamar de velho, vou chamar ele de idoso que é mais respeitoso, mas assim, ele inserido naquele meio de um colégio estadual super tradicional e ele era o cara mais largado de todos, ele ia pras gandaias de noite, chegava de manhã com o cabelo todo molhado. E era um colégio quase militar, porque o regime era muito... Então, ele era muito criticado, muito falado e tudo, mas foi um professor que teve uma significância pra mim muito grande porque eu tinha pavor de Matemática, eu tinha um problema com Matemática, eu acho que foi do meu básico, no grupo, que eu não aprendi direito talvez, não foi muito sólido. Quando eu cheguei na quinta pra sexta série, começou a aparecer essa falha que teve lá atrás, talvez, em relação às operações básicas, equações, aquelas coisas todas e funções que a gente aprendia. E por incrível que pareça, a paciência e mesmo a determinação pra me ajudar veio da pessoa que eu menos esperava, que era uma pessoa jovem como ele e ao mesmo tempo completamente avesso a esses valores mais tradicionais, não valores, mas a essa rigidez do comportamento e tal. Então ele entrava dentro da sala com a camisa desabotoada, às vezes o cabelo estava molhado ainda porque ele tinha acabado de tomar banho, sempre atrasado, aquela coisa, ele era um cara meio largado, parecia que o colégio deixava ele ali porque não tinha outro pra pôr (risos). Mas ele era uma pessoa extraordinária, o Vica, e ele me ajudou muito numa fase que eu tive esse problema com Matemática e foi uma espécie de uma barreira que eu coloquei na minha cabeça, eu achava que eu não aprendia Matemática. Então chegava nas provas e me dava branco, eu não conseguia fazer. E aí um dia ele pegou uma prova, colocou na minha frente e ele me pediu os exercícios durante a aula e aí ele falou assim: “Não, você sabe fazer”. Ele virou pra mim e falou assim: “Bem, então”... colocou a prova, eu não conseguia fazer, ele pegou e falou assim comigo: “Então faz o seguinte: leva a prova pra casa e me traz ela amanhã”. Aí eu trouxe pra ele no dia seguinte. Quando chegou mais no final, nas próximas provas, ele colocava a prova e eu comecei a fazer a prova já na sala e aí eu comecei. Ou seja, de uma forma ou de outra, ele quebrou um pouco uma espécie daquele trauma que eu tinha com a Matemática e que estava me fazendo uma barreira ao meu crescimento. E uma pessoa tão assim, que parecia tão simples, tão jovem, tão sem experiência, e que pra mim foi importante porque ele quebrou essa barreira que eu tinha e começou a falar: “Pode fazer”. E como eu ficava meio assim, aí tinha um exercício no quadro. “Não, vem cá, você que vai fazer pra mim”. Aí fazia o exercício no quadro, então eu comecei a quebrar um pouco essa questão com a Matemática e eu vi que eu sabia também, que eu podia fazer e tal. Então foi uma pessoa que me marcou por causa disso. E que veio de uma pessoa inesperada, inusitada, que era uma pessoa mais largada, mais na dele. Então foi isso, esses dois professores pra mim me marcaram essa fase.
P/1 – E como é que era se divertir na juventude? Porque você está trazendo exatamente uma fase da pré-adolescência, você trouxe muita coisa da infância, de brincar na rua, de ter amigos. E como se deu a juventude, como foi essa coisa da pré-juventude, o que vocês faziam pra se divertirem, como era?
R – Bem, já na juventude já tinha as questões dos clubes, aí vem os clubes de interior que tinha muita atividade em clube, né? Essas atividades foram acabando com o tempo, as pessoas começaram a ficar mais nos condomínios. Mas a minha juventude, praticamente toda, foi muito de clube. Lafaiete tinha um clube, o Dom Pedro II, que a gente frequentava bastante. Tinha a parte toda de esporte, principalmente natação que eu gostava muito. Eu passei a juventude frequentando muito esse clube, tanto eu quanto meus irmãos. E tinha dois tipos de baile que eram muito importantes pra gente na juventude, eram os bailes que tinham as datas nos clubes, que eram os bailes, e tinha um nome engraçado que era Baile Dançante e Jantar Dançante, eu nunca entendi muito bem esses nomes porque não tinha jantar que ficava dançando (risos), mas tinha esse nome. E todo mundo ia pros clubes e tinha esses eventos que eu achava muito bacana porque era onde encontrava a sociedade toda, os amigos, as famílias, né? E ali também onde a gente inicia os namoros, as coisas. Por exemplo, eu conheci a minha esposa num desses bailes e ela era muito mais nova do que eu. Num primeiro momento, a gente não podia chegar muito perto, não podia falar muito, aquela coisa toda, tinha que ter um processo de aceitação da família dela primeiro, era umas coisas bem de 20, 30 anos atrás (risos). Mas era isso, a nossa juventude era muito ligada aos clubes e aos outros bailes que tinham. Esses bailes eram muito bacanas porque vinham conjuntos que a gente gostava, às vezes, tinha bailes de orquestras que eu gostava também, era muito bacana. E tinha os bailes de carnaval, que eram muito famosos em Lafaiete, era praticamente a semana inteira, começava no sábado de carnaval e as pessoas ficavam até quarta-feira e alguns até estendiam o resto da semana, mas eram muito conhecidos, tinha os blocos de rua, tinha dentro dos clubes, tinha muita participação dentro dos clubes. Tinha às vezes o dia que todo mundo ia de fantasia, tinha o dia que ia normal, mas assim, todo mundo participava, principalmente as marchinhas, as bandas de carnaval, era muito bacana. O clube era muito conhecido por isso e todo mundo aproveitou muito a juventude nesses clubes por causa disso. Depois essa tradição foi reduzindo, acabando bastante, hoje praticamente não existe mais, mas foi muito bacana na juventude esse tipo de coisa. E naturalmente esportes, tinha esporte, às vezes tinha excursões de escola, outras coisas que a gente fazia também.
P/1 – Alessandro, você falou um pouquinho de entrar na escola, nos grupos, você fez da primeira à quarta, depois da quinta à oitava e foi na época que seu pai se casou, que você falou que foi depois de mais ou menos seis anos e tal. Como foi o casamento do pai pra vocês, que pelo que eu entendi era você e seus irmãos. E como se deu isso nessa fase de 11 pra 12 anos.
R – Essa relação, né? Naturalmente, foi uma fase de dúvida, como vai ser esse negócio, meu pai casando de novo e tal, realmente houve essa dúvida. Particularmente, eu sempre fui muito questionador, eu fui a pessoa que na realidade levou mais tempo pra acomodar esse casamento do meu pai, de aceitar. Não é aceitar, mas por exemplo, ela tinha uma família e a família naturalmente quis nos receber e tudo, queria que nós participássemos até dos eventos na casa dela e na casa da mãe dela. O meu irmão, principalmente o mais velho, e a minha outra irmã foram muito receptivos e tudo. Eu no primeiro momento fui um pouco resistente, eu não gostava muito de frequentar a casa, mas, aos poucos, com o tempo, eu fui vendo que isso não tinha fundamento, que era uma coisa bacana mesmo, que ia ser receptivo, que ia ser uma coisa acolhedora, bacana, como foi. Eu acho que a minha madrasta, Maria Lúcia, foi muito mãe também porque ela teve esse bom senso de receber a gente, tratamento que ela deu, ela nunca deixou meu pai ser nenhum tipo muito violento, mesmo quando a gente fazia coisas erradas e tal, ela era muito mais de adotar assim: “Põe um castigo, põe uma coisa que realmente é mais efetivo”. Então ela já tinha uma psicologia muito grande, ela lidava com crianças também há mais tempo, nem tanto adolescente, mas mais criança. Então foi uma fase que podia ter sido muito conturbada, mas eu não acredito que foi tanto, não, eu acho que foi muito positivo porque teve o lado dela de trazer organização pra dentro da casa, trazer tranquilidade pro meu pai, organizar a nossa vida, colocar a gente mais focado pra estudo, a gente tinha horas pra estudo, pra tudo. Então acho que teve muito benefício nesse processo.
P/1 – E você estava contando um pouquinho dessa coisa de juventude, de passear, de ir a bailes e tal. Como se deu a escolha da sua profissão? Foi nessa fase ou foi quando você foi para o segundo grau, que aí você foi pra Belo Horizonte? Conta um pouquinho como é que se deu esse processo, escolha do que você queria fazer e tal.
R – Na realidade, eu sempre gostei muito de rochas. Rochas, minerais, muita curiosidade com pedra de modo geral, pedra preciosa, toda essa área que mexe com minerais de modo geral, né? Desde a infância, eu me lembro que eu gostava muito disso, às vezes colecionava pedras, ficava aquele monte de pedra em casa que não valia nada, ninguém sabia o que era aquilo, quem é esse doido que juntou essas pedras aqui? Aí jogavam fora aquilo e depois eu ficava juntando outras pedras que eu achava bonitas, de outros lugares. Eu sempre gostei. Então, tinha um interesse, mas a cidade também era um pouco propensa, Lafaiete é uma cidade mineral, não sei se vocês sabem, mas lá foi um grande fornecedor de manganês. O manganês hoje é um metal que não é muito utilizado mais, mas que teve um período áureo nas décadas passadas e Lafaiete foi o grande fornecedor de manganês pra vários países do mundo, inclusive para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Pouca gente sabe que muitos dos navios e os aviões e tudo americanos das fábricas americanas vieram do manganês que saiu da minha cidade. Na época, na minha cidade, existia uma empresa que chamava United States Steel, essa empresa que inclusive depois foi a empresa que mantinha os direitos de lavra lá de Carajás, que depois também abandonou o pais, saiu do país. Mas nessa época ela tinha os direitos de lavra lá em Lafaiete e Lafaiete era muito conhecido pelo manganês, inclusive tinha uma mina grande lá, muitas pessoas viviam dessa mina. A mina chamava Morro da Mina, existe ainda, mas a mina hoje é menor, hoje gerenciada pela Vale do Rio Doce. Então, eu tive esse contato, eu cresci numa cidade que a gente via pedras, que a gente via rochas, eu sentia interesse, eu via o pessoal da mineração chegar com os carros, vinha os tratores, então, a gente tinha aquela curiosidade. Acho que veio um pouco daí, desse contato das Ciências Naturais também na escola e tal, com a mineração, com a formação das rochas, muita curiosidade. Depois na escola cresceu um pouco esse interesse porque eu pensei em fazer Geologia primeiro, que era esse estudo específico, né? Mas eu senti que na Geologia talvez ficasse muito restrito o campo de trabalho, eu via que a parte de Engenharia dava mais oportunidades. E aí eu entrei na área de Engenharia, fiz Engenharia de Minas, mas numa época talvez porque não tivesse nenhuma ciência relacionada com o meio ambiente ainda, específica. A Engenharia Ambiental, por exemplo, foi criada muito mais tarde, na minha época não existia. Mas o meu interesse, depois eu vim a descobrir, era realmente pela questão ambiental, era muito mais relacionado com meio ambiente. Quando eu estava terminando a universidade, eu estava praticamente no oitavo pro nono período, são dez na escola, na Universidade Federal, isso em 1989, eu me dei conta assim: “Foi bacana a universidade, mas não é Engenharia de Minas que eu quero fazer o resto da minha vida, tem alguma coisa aqui a mais que é relacionado com Ciências Naturais, Meio Ambiente e tal”. E nessa ocasião apareceu um estágio numa empresa de consultoria pra área ambiental, isso em 1989, eu estava quase formando. E eu resolvi pegar esse estágio. Naquela época todo mundo, até quem era aluno de Engenharia de Minas mesmo, até achava isso meio estranho, mexer com negócio de meio ambiente, em 1989, aquilo era considerado uma coisa meio estranha, a gente mexer com controle ambiental e tudo. E aí eu entrei nessa empresa, comecei a gostar muito, trabalhei com monitoramento de água, monitoramento de ruído, entendia aqueles problemas das pedreiras ali próximo de Belo Horizonte, como é que trazia, o problema de vibração, problema de ruído. Então aí comecei a trabalhar com isso, virei um assistente ambiental nessa empresa de consultoria, depois engenheiro júnior. Quando eu formei, em julho de 90, eles me contrataram pra continuar fazendo esses monitoramentos. Aí eu fiz esse trabalho por um ou dois anos e depois de dois anos nessa empresa eu vi que não tinha muito espaço pra mim ali e aí apareceu um curso, na realidade apareceu um francês lá em Belo Horizonte e ele estava procurando alunos, pessoas que tivessem interesse em trabalhar com meio ambiente, e que tivessem formação na área de Mineração. Por que isso? Porque na França, como as mineradoras estavam todas praticamente fechadas, eles tinham gerado um conhecimento técnico muito grande nessa área, então tinha uma universidade no sul da França, em Alès, que era uma universidade que concentrava muito conhecimento na área de Mineração, muitos professores ainda com especialidade na área de Mineração, de reabilitação, toda essa área e eles ficaram um pouco sem saber o que fazer e criaram um curso internacional pra passar essa tecnologia para outros países de alguma forma e ao mesmo tempo usar os professores delas, daquela geração, até que eles pudessem estar aposentados. Então, houve um convênio do Cesmat [Centro de Estudos Superiores de Matérias-Primas], que é o Centro das Escolas Superiores da França com o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] no Brasil e esse professor, que na realidade era responsável pelo Cesmat nessa escola de Alès, ele veio ao Brasil e fez uma prospecção, um levantamento pra levar alunos. Ele levava quatro, cinco, às vezes, eram cinco alunos no máximo brasileiros e de outros países também, então tinham alunos da Rússia, da Polônia, do México, tal. E nessa ocasião foi interessante porque eu não tinha ainda os três anos que ele pediu, isso foi em 91. Ele falou: “Olha, mas estuda francês porque em 92 a gente vai voltar e esse curso vai existir, esse curso vai continuar”. Aí eu falei: “Bem, então tudo bem”. E aí estudei um pouco de francês, estudei uns seis meses, depois deu quase um ano. Quando ele voltou, tem um professor na escola, na UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] onde eu tinha estudado, o Antônio Peres, Toninho Peres, que me indicou também pra uma vaga com ele, porque ele precisava do pessoal do CNPq e o Toninho era ligado ao CNPq, falou: “Esses alunos aqui têm conhecimento dessa área de meio ambiente, então, entrevista eles e tal”. Eu fui entrevistado, ele falou: “Olha, seu caso não tem três anos ainda mas não tem muita gente que tem esses três anos de experiência e que tem Engenharia de Minas no Brasil”, então me selecionou junto com um grupo de cinco. Aí em novembro de 92 eu fui pra França e comecei um curso. Na realidade, eu fui até um pouco antes, eu fui em agosto, mais ou menos julho e agosto, e fiquei fazendo francês intensivo até novembro e em novembro eu entrei nessa escola, com esse curso, um curso pra estrangeiro, era um curso de um ano, um curso que tem um nível de mestrado. Era uma especialização na época e que depois ganhou reconhecimento de mestrado. Então, a gente fez todas aquelas disciplinas básicas de novo de Matemática, de Física, de Mecânica e tal, os franceses são muito matemáticos, tudo deles é tudo muito modelado. E aí depois vieram as disciplinas específicas, reabilitação de mina e tal, foi onde eu tive contato, inclusive, de ver os passivos de mineração. O Brasil ainda era relativamente jovem com mineração e esses países já tinham passado por muitas experiências, né? A França, essa cidade de Alès, por exemplo, é uma coisa impressionante as minas de carvão, lá tinha minas de carvão. Nessa região é uma cidade perto de Nìmes, a cidade mais conhecida que é um balneário romano antigo, ali naquela região. Nessa cidade eu aprendi muito, eu aprendi, inclusive, que mineração pode ser algo muito motivo de orgulho para uma comunidade. Aquela comunidade tinha um extremo orgulho de mineração. E depois eu entendi por que. Muitas pessoas viveram no carvão da França, inclusive durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, a questão toda que envolveu a história da expulsão dos nazistas da França, a contribuição que essas mineradoras de carvão tiveram pra fornecer a energia pras pessoas, pra esconder, inclusive, pessoas dos grupos aliados que estiveram no sul da França. Assim como eles eram muito ligados, os trabalhadores tinham uma ligação quase de família. Então tudo isso ficou muito marcado pra mim. E o orgulho que eles passaram a ter dos mineradores e, portanto, quem trabalhava numa mineração e quem tinha um parente ligado à mineração, naquela cidade era motivo de orgulho. E aí eu vim a entender por que quando eu cheguei na cidade eu vi um monte de pilhas de carvão, que na realidade eram utilizadas até com outros propósitos lá, tinha alguns acessos pras pessoas visitarem e tal, tinha uma mina de carvão que inclusive tem um acesso pra visita também. Aí eu fui entender por que as pessoas tinham orgulho da mineração lá. Eu falei, quando eu cheguei na cidade: “Pô, por que esse pessoal deixou essas pilhas enormes de carvão, até reabilitadas e tudo, mas por que deixaram tão visível?”. Aí eu vim a entender que eles que optaram por deixar, isso foi uma consulta que foi feita e eles optaram por deixar porque eles queriam mostrar que o orgulho deles era a mineração naquela cidade. Eu passei a entender que tudo depende de contexto, depende de percepções diferentes, depende do que as pessoas passaram. E isso também foi uma experiência que já foi muito bacana pra minha formação. Nessa cidade Alès, além do curso que era muito pesado e muito bacana, eu comecei a ver esses passivos, como é que eles tratavam, como é que isso podia se tornar algo menos, vamos dizer assim, prejudicial ao meio ambiente, como as pessoas poderiam ter uma percepção mais positiva de mineração. E os cuidados que tinham que ter porque a gente viu também casos, por exemplo, de minas, principalmente material sulfetado, que é o que a gente tem aqui, e que foram deixados de uma forma sem cuidado ambiental e no que aquilo resultou. Rios lá com geração de drenagem ácido, com metais dentro dos cursos d´água, minas que inclusive existem desde a época dos romanos, pra você ter uma ideia, minas que estão lá gerando problemas até hoje e que como não existia legislação ambiental anteriormente, o Estado também tem que bancar, então o Estado é que na realidade faz o processo de reabilitação e de tratamento dessas águas e tudo. Então eu vi muito esses exemplos e quando eu chego no Brasil, em 93, eu tive duas propostas e tinha uma terceira que estava aparecendo, e isso foi uma coisa muito interessante pra mim, eu fui surpreendido com o evento da ECO-92 como ele realmente abriu aquele espaço pras pessoas que tinham essa formação ambiental. Então assim, eu estava com a faca e o queijo na mão, eu tinha voltado de um curso no exterior, eu tinha formação de Engenharia de Minas, as empresas de mineração todas abrindo departamentos de meio ambiente e eu voltando praticamente com um mestrado nessa área, com conhecimento e já com experiência, não é uma experiência pequena de campo. Então eu tive duas propostas, uma de uma empresa que chamava Samitri, que era ligada à Belgo Mineira, pra trabalhar na região de uma mina que eles têm lá próximo de Ouro Preto e tive essa proposta da Rio Tinto, esse grupo inglês, pra trabalhar aqui. Quando eu avaliei, a proposta desse grupo inglês aqui, da Rio Tinto era muito pra vir pra cá e fazer pesquisa aplicada nessa área de drenagem ácida de mina, e foi inclusive o motivo da minha seleção da vir pra cá porque era um assunto que me interessava muito. Eu tinha visto os passivos que tinham ficado na França e eu queria fazer de uma forma diferente aqui. Eu fui buscar entender, conhecer e foi um negócio assim, que eu tive a impressão que era um negócio pra mim mesmo porque eu tinha acabado de chegar e aí eu falava francês e o grupo falava: “Ah infelizmente não é francês, aqui o negócio é inglês, você tem que falar inglês, você tem que passar por um teste em inglês. Eu tenho que fazer o teste com você, senão eu não posso te aprovar pra entrar aqui”. Eu falei: “Bem, com o inglês que eu tenho hoje eu não acredito que atenda ao que vocês estão querendo”. Eu tinha um inglês de um nível intermediário e tal. Aí eles falaram: “Então, vai estudando aí inglês que a gente vai ver”. E nisso, como tinha sido final do ano e eles demoraram muito, passaram uns dois, três meses, eu fiquei estudando inglês porque eu estava realmente muito interessado nesse cargo. Então estudava inglês direto, o dia inteiro, fiz aulas particulares e tal. E como eles não deram resposta eu resolvi aceitar a proposta da Samitri. Quando eu entrei no processo da Samitri, que eles me aprovaram, aí eles me ligam aqui da Rio Tinto fala: “Não, desculpa, nós estamos atrasados, mas você que é o candidato, a gente precisa fazer uma prova só de inglês com você”. Aí fizeram a prova, eu fui aprovado e aí eles me ofereceram vir aqui para Paracatu pra trabalhar com esse projeto. E que é um projeto pioneiro, um projeto muito bacana o que a gente fez aqui porque no Brasil, nessa época, quase ninguém conhecia do assunto, drenagem ácida de mina, os controles e tudo, pra mim foi muito bacana trabalhar, foi uma oportunidade muito boa de conhecimento e de dedicar o que eu já havia visto também no meu curso lá fora. Aí eu me tornei um especialista nessa área, eu fui montar o laboratório aqui, fui fazer a parte da pesquisa toda, a gente começou a ver. E isso foi muito interessante porque esse grupo, a Rio Tinto, foi de uma responsabilidade eu acho muito grande, eles fizeram um planejamento, isso foi em 1993 e o minério sulfetado aqui que eles queriam minerar e que eles não sabiam como ia fazer o controle, eles na realidade começaram a explorar esse minério no início de 1998. Em 1993, quando eu fui contratado, eu fui contratado pra estudar, fazer uma pesquisa sobre esse minério e entregar as respostas, os controles ambientais, a rota ambiental pra que esse minério pudesse ser lavrado de uma forma a não impactar o meio ambiente, não impactar de uma forma irreversível. Então foi isso que foi o meu trabalho. Eu tenho orgulho de dizer isso porque foi desse trabalho e dessa pesquisa que saiu a rota de processo que hoje é utilizada aqui pela empresa. Então, por exemplo, quando você vê os tanques específicos aqui que recolhem concentrado, o agregado, o sulfetado e separa ele do rejeito, quando a gente faz a adição do calcário pra não gerar drenagem ácida de mina na barragem. Em síntese, todos esses controles, a questão da água, a recirculação da água, o tratamento, saiu dessa pesquisa de laboratório que a gente conduziu durante dois anos aqui, dois a três anos, e quando foi em 1996 nós preparamos um relatório dizendo quando que teria que ser feito. Em 1997, já estava sendo lavrado e toda essa pesquisa foi incorporada ao processo da empresa e por isso que a gente é muito bem-sucedido hoje em minerar, em ter uma mina dessa que vocês conhecem aqui da dimensão que a gente tem, com minério sulfetado e conseguindo manter uma qualidade, por exemplo, da água dentro dos padrões legais e tudo de uma forma muito bem-sucedida. Porque a questão do meio ambiente é assim: o meio ambiente tem uma resiliência que existe, tem um limite essa resiliência do meio ambiente, então o mais importante nessas pesquisas é você entender como isso se comporta, não só esses processos químicos como eu falei, a questão da drenagem ácida de mina passa basicamente por uma exposição do minério sulfetado ao oxigênio da atmosfera, então, se esse minério estava lá tampadinho, a gente tirou ele, ele fica exposto ao oxigênio e com isso ele oxida, quando vem a água, ela vai levar essa acidez, esses sais vão ser diluídos e vão formar uma acidez e essa acidez vai de alguma forma remover esses metais do minério e vai ficar na água, por isso que você tem que cuidar, por isso que você tem que ter o controle. E foi isso que a gente fez, a gente fez a pesquisa aplicada pra entender o que acontecia com essa água pra fazer a neutralização dela e também no processo pra que a gente não jogasse o material sulfetado numa determinada concentração que pudesse depois gerar problemas futuros. Então, o que a gente fez foi de uma forma preventiva remover esse material sulfetado e depositar ele em uma forma separada. E muito curioso, essa pesquisa também que a gente fez, você vê como ela é importante, nós descobrimos alguns materiais que eram selantes e que podiam envelopar de alguma forma esse material concentrado de uma forma muito efetiva. Porque como era parte, na realidade, de um material, se você for parar pra pensar o solo aqui dessa região e essas argilas principalmente, essas argilas vermelhas, que você vê aqui no entorno e solos vermelhos, são produtos de um intemperismo, vamos dizer assim, desse desgaste do solo, das águas, das chuvas, tudo ao longo de milhões de anos, mas ele vem da mesma rocha que gerou o sulfeto na região aqui, é um processo de desgaste que aconteceu. Quando a gente pegou esse material que já não tem mais o sulfeto e você envelopa ele de novo no sulfeto, ele é supereficiente pra conter qualquer tipo de contaminação que sai desse sulfeto. Ele ajuda porque primeiro ele sela fisicamente, ou seja, permeabilidade é muito baixa, a passagem da água, que permeabilidade nada mais é que a facilidade à passagem da água. Como é baixa a permeabilidade, ou seja, passa pouca água, você consegue selar bem. E quimicamente a gente descobriu que esse material, a água mesmo quando ela está contendo metais, quando ela passa por esses solos, particularmente esses solos argilosos que nós estudamos, a gente notava que praticamente isso funcionava como uma barreira química, era uma esponja química desses metais e tudo. Pronto, então descobrimos ao lado um material maravilhoso que hoje a gente usa pra fazer a selagem dos tanques onde a gente dispõe o nosso concentrado sulfetado. E até pra dar uma garantia maior, a gente também instalou uma membrana plástica, pra dar uma segurança inclusive dupla. Então assim, eu tenho muito orgulho desse trabalho, eu tenho muito orgulho porque esse trabalho vem de pesquisa aplicada, ele vem de uma coisa planejada. A nossa mina teve um privilégio muito grande de ter nascido numa época em que os grupos de mineração já tinham essa preocupação e já disponibilizavam dinheiro pra pesquisa e pra aplicação de controles efetivos. Isso foi bacana nesse processo. Eu tenho orgulho desse trabalho porque a gente vê o que a gente pesquisou e como é efeito hoje, inclusive medido, quer dizer, hoje a gente mede a qualidade da água e a gente tem essa certeza pra dizer isso. Até um elemento como o arsênio, que gera às vezes algumas polêmicas, aqui na cidade algumas pessoas se preocupam, mas por exemplo, a gente tem o trabalho todo cientificamente embasado em relação a esse elemento dentro desse trabalho que foi feito, porque não feito um trabalho que não tivesse levado em conta alguma coisa, tudo isso foi levado em conta durante esse processo. A recuperação desse material sulfetado, onde o arsênio também está junto, a forma de selagem dele, esse material que eu falei, dessas argilas férricas que a gente usa pra fazer as selagens, os controles que são adotados, o conhecimento de como é, quais são os ambientes, porque tudo depende do ambiente e depende da concentração e depende da forma, por exemplo: “Ah, eu tenho um receio da questão do arsênio porque ele é um elemento tóxico”. Tem muitos elementos tóxicos na natureza, tem chumbo, cádmio, vários outros, por que os outros não seriam danosos da mesma forma se eles estão distribuídos em todos os lugares da crosta da terra, né? Em alguns lugares com concentrações maiores, naturalmente. Mas por quê? Porque tudo depende da forma. Você pega uma panela de alumínio, o alumínio é extremamente prejudicial pra saúde, mas por que uma panela de alumínio não seria tão prejudicial? Uma panela de alumínio bem-feita, de uma firma boa, não estou falando dessas panelas que são feitas de qualquer jeito, mas uma panela bem-feita, a princípio, pela estabilidade do alumínio naquela panela, ele não deveria passar pra água ou pra qualquer coisa que você cozinhe naquela panela, então, não tem problema. Só pra dar um exemplo simples, do dia a dia da gente, que a mesma coisa com o arsênio. Então, a forma é muito importante e é isso que nós monitoramos, nós monitoramos a forma desse elemento pra evitar que tenha qualquer tipo de problema. E inclusive na forma que está e a concentração, porque aí vem a questão também da quantidade. A gente estava falando aqui da questão ambiental como é importante essa questão da quantidade. O meio ambiente tem uma resiliência e um limite que você tem que conhecer e respeitar, é isso. Por exemplo, a água eu posso jogar uma certa concentração, isso daqui o meio ambiente consegue absorver, acima disso não consegue, então se transforma em poluição, né? É isso que a gente faz, o trabalho é todo focado em uma base científica, sólida, pra fazer isso. Infelizmente, às vezes, traduzir isso pra uma linguagem mais simples não é tão fácil e a empresa também acaba sendo atacada por outras pessoas que, às vezes, têm outros tipos de visão e de ideologismos, que a gente também tem que respeitar, é difícil a gente agradar a todo mundo, né?
P/1 – Você colocou um pouquinho desse processo que foi experimental, que foi uma pesquisa, ou seja, você trabalhou dentro de um universo pequeno, vamos dizer assim, pra estruturar todo o processo. E quando vocês estavam trabalhando, quais foram as dificuldades que você encontrou? E até em termos de tecnologia de época, como era trabalhar com essas limitações também.
R – Isso é muito interessante porque o que acontece? Nessa época, como eu te falei, eu estava recém-chegado, praticamente era o meu primeiro emprego formal, então praticamente experiência anterior eu não tinha quase nenhuma. O que eu tinha de apoio era na realidade os livros e a literatura que dizia sobre aquele assunto e também um apoio de um consultor internacional que a empresa contratou. À época, a empresa contratou um consultor, doutor Gordon Ritcey, que é vivo até hoje e é uma pessoa que eu admiro extremamente porque também era uma pessoa que tem uma atividade extrema. Ele hoje deve estar com mais de 80 anos e até hoje está ativo e recebe, parou de viajar do jeito que ele viajava, que ele viajava o mundo todo, mas o Ritcey nos apoiou muito aqui. Mas existia uma dificuldade muito grande porque não existia um formato pra esse tipo de teste, não existia um formato único, o que existiam eram pesquisas de universidades, então, nós tivemos que buscar o nosso modelo, qual era o modelo apropriado pra cá, qual é o tipo de laboratório que a gente ia montar. Por exemplo, que tipo de teste que eu ia fazer. E o tamanho das caixas de teste, o que é representativo, o que não é? O que é uma amostra de um tamanho bacana ou não? Como esse material ia ser disposto, como eu ia simular, por exemplo, que foram os testes que eu fiz na realidade são chamados testes cinéticos. Pra quem conhece da literatura de drenagem ácida de mina, basicamente, o que a gente tenta fazer é acelerar aqueles processos que naturalmente aconteceriam ao longo de vários anos, a gente tenta acelerar nesses testes qual seria a reação daquele rejeito. Por exemplo, eu peguei um rejeito, tratei ele de um jeito e joguei na barragem. Então tá, ao longo de anos como ele vai reagir? E se eu fechar ele depois, o que acontece? É isso, basicamente, o que a gente simulou também. E como não existia muita metodologia, o Ritcey, o Gordon, ele trouxe a experiência dele em um centro de pesquisas no Canadá, o CANMET, que era um centro onde ele trabalhou, além das experiências dele de estudos em universidades. Então ele trouxe uma série de experiências pra gente de como montar os testes, de como instalar os lisímetros e tudo. E aí, baseado nas instruções dele, nós montamos o laboratório aqui. Mas foi muito difícil, até as próprias caixas de teste, eram umas caixas grandes assim, de um metro por um metro e de um metro e meio de altura, elas eram enormes, e aí elas tinham que ficar de acrílico porque você tinha que ver o que estava acontecendo nos processos de oxidação dentro, se estava realmente o material ficando preservado, tudo isso era importante pra pegar como informação do processo de oxidação desse material. Você punha uma cobertura, ela estava sendo efetiva em evitar que o oxigênio passasse ou não? Então tudo isso era importante. E aí nós tivemos que bolar, e com pessoas locais aqui, a gente tentando achar uma pessoa que pudesse montar essas caixas, eu me lembro muito que tem um serralheiro aqui na cidade que ele é muito conhecido, Zé Barba, não sei se vocês conhecem, o Zé Barba é muito conhecido aqui, né? Aí o Zé chegava aqui, ele olhava. E ele tem uma barba enorme, né? A empresa chegou uma época até proibiu ele de entrar numas áreas aqui porque a barba dele: “Ou você tira essa barba ou você não entra mais na empresa” “Não, eu prefiro não entrar na empresa” (risos). E aí o Zé olhava e ficava com aquela barba dele virando a barba: “Nossa, esse negócio vai ser complicado de montar e tal, tal”. Mas aí por fim ele achou uma solução, montou as caixas de teste em acrílico, com uma estrutura armada de ferro pelo lado de fora, só nas bordas, de uma forma que não atrapalhava a visão das caixas, montou os drenos embaixo, aí a gente fez as caixas. Tem fotos desse laboratório. O laboratório ficou muito bonito. A gente colocou ventiladores, colocamos simulação de chuva, de tudo. Fizemos uma simulação, uma aceleração desse processo, dos rejeitos, pra saber o que se poderia esperar deles. A gente começou a identificar todo esse processo que eu falei com você, por que era importante segregar o sulfeto, por que era importante colocar em tanque específico, por que era importante cobrir, adicionar o calcário pra fazer a neutralização do material residual. Tudo isso veio de dentro desses testes. Essa tecnologia foi desenvolvida dessa pesquisa aplicada, mas naturalmente com muita dificuldade porque a gente tinha só referências. Eu tinha um livro dele que tinha algumas referências, tinha alguns outros artigos, aí eu tive que fazer essa coletânea pra montar esse laboratório e a gente fazer os testes. E aí ele vinha praticamente todo ano no Brasil, às vezes até duas vezes, e revisava os dados de tudo o que estava saindo desses dados, ele nos ajudava a tratar: “Ó, isso aqui está acontecendo uma oxidação, aqui já parou, aqui já não tem mais oxidação. Olha, tá vendo, vocês removeram o sulfeto, olha como é que ficou positivo, não tem mais sulfato, que é o produto de oxidação e tal”. Síntese, ele era uma pessoa especializada na área. E nisso eu fui estudando muito também, eu praticamente fiquei quatro, cinco anos estudando só esse assunto, me tornei muito especialista nessa área também. E isso foi fundamental, eu acho, pro sucesso que a gente tem aqui, numa operação tão grande, tão próxima da comunidade, aonde a gente tem que ter um controle desse tipo. Se você for buscar outras empresas, você vai ver que não é todo mundo que faz essa segregação do sulfeto. E por quê? Porque esses tanques são extremamente caros, são caríssimos, porque você tem que escavar, você tem que fazer selagem, você tem que fazer transporte, compactação, você tem que instalar essa manta, você tem que cobrir com esse material. E é isso que garante que o nosso rejeito vai ficar numa situação ambientalmente adequada. Mas quando você olha, eu já recebi especialistas aqui de vários lugares do mundo, eles ficam de queixo caído com o que a gente fez aqui, eles falam: “Poxa, mas como é que vocês conseguiram montar isso tudo, tudo isso, essa estrutura enorme e viabilizar isso”, porque isso tinha que fazer parte, vamos dizer assim, da contabilidade da empresa, dos custos da empresa. Então a gente conseguiu porque isso saiu também de um processo cultural, a empresa começou certa, ela começou fazendo a coisa certa, planejada e tal, então isso foi incorporado dentro do planejamento.
P/1 – Você está falando uma coisa, Alessandro, que eu acho muito interessante, que pelo que eu estou entendendo, foi um processo que foi estruturado durante quatro, cinco anos, que não existiria em uma outra mina de ouro no mundo, pelo que eu estou entendendo.
R – É, não que eu tenha conhecimento. Da forma, eu já ouvi falar de minas que fizeram pesquisas desse tipo contratando laboratórios em universidades e tudo, isso eu já vi no Canadá, algumas minas fizeram. Mas muitas dessas minas fizeram quando o problema já estava acontecendo, essa que é a diferença. Nós fizemos aqui antes do problema acontecer. E aí eu acho que as pessoas que estavam aqui à época, e eu respeito muito, eu me lembro aqui particularmente de um gerente que nós tivemos aqui, o Ludovico, e um outro também, o meu chefe que ficava em Brasília, o Adelino Taboada, todos eles que trabalhavam pra Rio Tinto com essa responsabilidade muito grande, com esse conhecimento, e cobrando isso, quer dizer: “Olha, isso é o fundamental”, e o grupo mandou como uma diretriz: “Se a rota ambiental não for definida a gente não vai aprovar o projeto”. Então não era aquela coisa assim...
PAUSA
P/3 – Posso pedir pra você voltar um pouquinho só na sua fala? Desde a parte que você falou que o grupo colocou como uma diretriz, por favor.
R – Na realidade, o Grupo Rio Tinto colocou isso como uma diretriz e isso foi bacana porque como veio uma diretriz do alto, não adiantava a lavra desse minério ser algo que simplesmente por motivos de produção ou de custo, vamos dizer, é viável economicamente, não era só essa viabilidade que importava. A mais importante era a viabilidade ambiental. Então o grupo, até pelas experiências que eles já tinham passado em outras minas e tudo, eles diziam: “Isso é imprescindível”, pra que não gerasse um passivo ambiental futuro. Esso foi muito importante, foi essa a tomada de decisão da importância de colocar, vamos dizer assim, a variável ambiental, como a direcionadora da tomada de decisão. E foi feito dessa forma. E por isso que preventivamente, de uma forma até, vamos dizer assim, proativa, a gente conseguiu fazer todo esse trabalho, toda essa pesquisa, que embasou depois o processo, o processo de tratamento e a planta e a forma como essa planta foi implementada e tudo o mais. Então eu acho que isso foi muito importante. Como eu tinha essa intenção também e a gente queria fazer o melhor, eu acho que é um privilégio, você estar numa situação dessa, que é um assunto que você quer trabalhar, que é um assunto que você já traz uma experiência, que você pode aprofundar, e você tem uma empresa que oferece essa oportunidade de fazer uma pesquisa aplicada dessa forma, eu acho que é um grande privilégio. Eu vejo dessa forma.
PAUSA – Retomada abrupta
R – Tem todo tipo de gente e todo tipo de coisa, você não pode ser, tudo o que você vê de um assunto, por isso que é muito importante você ter a educação pra ouvir as diversas partes, antes até de você formar a sua opinião e ela também é importante. Mas assim, nunca cair simplesmente na primeira história que você escuta, né? Acho que tudo tem os vieses, tem os lados, os interesses, uma série de coisas, né? Então eu falo o seguinte, tem vez que eu falo com o meu pessoal lá: “Gente, até político tem político bom e honesto”. Aí todo mundo: “Você é maluco!”. Gente, tem, entendeu? Mas tem, por incrível que pareça, em todo lugar tem gente de um jeito e de outro, né? Por mais que às vezes os estereótipos se formem, né, e claro, às vezes tem muito motivo até pra formar e tudo o mais, mas assim, a realidade do mundo é assim, né?
P/1 – E você trouxe a coisa das minas de carvão, que é engraçado, porque a gente como historiador, a gente estudou o impacto, que tem muito a ver com o processo da Revolução Industrial e tal, e a gente sabe do mal que aquelas minas fizeram e tal.
R – Inclusive com muitas doenças, que era uma época que as pessoas ficavam nessas minas subterrâneas sem proteção, né? Não tinha EPI, não tinha nada.
P/1 – É. E não tem outro jeito, eu acho que é um processo que é o próprio processo da história do homem.
R – E também assim, se as pessoas quisessem ser muito coerentes, eu brinco muito com isso. Por exemplo, eu tenho um cunhado que é muito anti-mina, aí eu falo com ele assim: “Então, por que você está usando aliança de ouro? Pode tirar. Por que você está andando no seu carro? Pode parar de andar de carro”. Porque tudo vem...
P/1 – Computador.
R – Computador.
P/1 – Celular.
R – Não é isso? Você não gosta de mina, não é? Então por que você está usando? Você está sendo uma pessoa inconsistente com você, não é? Com a sua ideologia, não é isso? Então é isso, os vieses.
P/3 – Isso que você falou agora, você falou, a mineração a gente sabe que tem um impacto, mas precisa porque está nas coisas, a gente extrai tudo, não só o ouro, você falou mais ou menos isso, né? Você pode fazer uma fala?
R – Sim, claro. Vamos lá, tentar repetir aqui. A gente estava falando que a mineração ela tem impactos e ela é uma atividade que traz consigo alguns impactos que são inerentes: a remoção da vegetação, os impactos às vezes sobre algumas nascentes, a parte da fauna e da flora, tudo isso, é inerente da mineração mesmo. Mas a mineração é necessária. E ela não só é necessária, mas é imprescindível. As pessoas que criticam a mineração, se elas quiserem realmente ser consistentes, elas não deveriam usar carro, elas não deveriam usar anéis ou as alianças, tudo isso, porque estão sendo inconsistentes. Porque na medida que você critica ou que você não gosta de alguma coisa, você não deveria então estar tendo acesso ao benefício que está vindo de uma mineração. Tudo o que está no entorno da gente vem de mineração. Então é questão de viés. Agora, a mineração tem que ser feita, naturalmente, de forma correta, como qualquer atividade. Tem que ser feita correta, com controle e é isso. Se a gente comparar com outras atividades, é tudo uma questão muito de percepção, o problema da mineração é que minerar, todo mundo que olha para uma mineração é algo bem feio de olhar mesmo, a parte visual é muito feia. Mas, por trás da mineração tem muito benefício agregado na cadeia e que hoje se tornou imprescindível, né? Questão dos computadores, uso de computador, óculos, os celulares. Eu desafio as pessoas que criticam muito mineração a viver sem os produtos da mineração, né? Acho que é isso. Beleza?
FINAL DA PRIMEIRA PARTE
INÍCIO DA SEGUNDA PARTE
P/1 – Alessandro, eu queria que você falasse um pouquinho, a gente retomando a sua entrevista, o que é a drenagem ácida? Porque na verdade você contou pra gente das experiências que você teve na Europa, na França, que você viu algumas minas que existiam e como se deu lá o processo de fechamento de minas e quais tinham sido os problemas, os resíduos que tinham ficado. E aí você conta um pouco como a Rio Tinto investiu durante quase cinco anos numa questão de pesquisa mesmo da rota do processo, que inclusive a rota que vocês pensaram na época existe até hoje na mina. Mas o que eu queria que você falasse um pouquinho pra gente, o que é drenagem ácida? Quando a gente fala em drenagem ácida, o que a gente está falando? Eu sei que é muito técnico e para um leigo, tá?
CORTE NO ÁUDIO
R – Vamos lá. Eu vou tentar explicar de uma forma simplificada. O processo de drenagem ácida de mina ocorre quando você tem uma exposição de materiais sulfetados, os sulfetos, não sei se a gente entra muito em detalhe, vou tentar... É um mineral, basicamente a base do enxofre associado a metais e a outros elementos minerais, de modo geral, para falar numa linguagem mais simples. Uma vez esse enxofre ou esse mineral, o sulfeto, expostos ao oxigênio da atmosfera vai oxidar, esse é um processo químico, natural, que inclusive pode ser acelerado pela presença de algumas bactérias que estão nesse determinado local ou no próprio minério, ou no ambiente onde esse minério se encontra. E pra gerar o processo de drenagem ácida de mina, num primeiro momento, você vai ter uma formação desse material oxidado na forma de sais oxidados e, quando vem a água da chuva, ao passar por esse material oxidado, vai gerar a drenagem que vai estar ácida, ou acidificada, ou seja, com o pH baixo. Basicamente, é isso que acontece. Naturalmente é um processo associado com impactos ambientais à qualidade da água e, portanto, deve ser controlado. Não sei se está claro assim, tentei colocar de uma forma mais simples.
P/1 – Não, ficou claro. Na verdade, toda preocupação que a Rio Tinto passava naquele momento era que vocês tinham que criar um processo que mitigasse, ou que sanasse esse processo que você acabou de descrever, e que permitiu que vocês olhassem praquela mina e montassem uma rota do processo que realmente acabaria com esse risco.
R – É que na realidade iria controlar esse risco, acho que a palavra até mais adequada é esse controle e a gestão, fazer a gestão e controle desse risco. E foi basicamente o que foi feito. Então, os estudos indicaram a rota de processo, indicaram a necessidade da segregação, ou seja, da remoção desse sulfeto, e da disposição final desse sulfeto de uma forma controlada, como vem sendo feito agora, de uma forma que o rejeito final, ou seja, aquilo que você não mais utiliza no processo pudesse ser descartado nas barragens de uma forma segura, ou seja, sem impacto à qualidade de águas.
P/1 – Talvez eu vá te fazer uma pergunta estúpida mas, enfim, é de um leigo mesmo (risos). Então, Alessandro, a questão da necessidade de se criar uma barragem é pelo volume de material manipulado, ou, vamos dizer assim... é manipulado mesmo o nome?
R – Sim. As barragens, na realidade, têm um papel fundamental na mineração porque além delas servirem como depósito desses minerais que se tornaram inservíveis porque o mineral que tinha valor já foi removido dali, então aquilo se torna a parte mineral que não tem um aproveitamento econômico naquele momento. E eu falo naquele momento porque muitas barragens aí têm demonstrado que depois, em função de mercado, podem se tornar viáveis e o material que está ali e pode ser reminerado. Então, as barragens têm essa finalidade, mas não só isso, elas têm uma outra finalidade importante que é o acúmulo da água que vai possibilitar, quer dizer, os rejeitos são descartados ali, esse material inservível, ela vai servir como um repositório pra fazer a decantação desse material, a clarificação da água, ou seja, o clareamento, eu diria, da água. E além do mais, a possibilidade de você fazer o reaproveitamento dessa água também, porque como a mineração de modo geral é uma atividade de uso intensivo da água, ao estocar essa água nas barragens, possibilita que as mineradoras possam resgatar o mínimo possível, precisem resgatar o mínimo possível de água nova, de cursos d’água. Então a barragem tem vários usos, várias utilidades no processo da mineração, ainda que a gente entenda que também existem outras formas de disposição e a mineração tem que buscar estar sempre melhorando essas formas de disposição.
P/1 – Alessandro, todo esse processo foi desenvolvido pra Planta 1. Eu queria que você falasse um pouquinho, como se deu o processo do laboratório e o startup da própria, da primeira produção na Planta 2. Eu queria que você falasse um pouquinho como é que se deu, o que você fazia nesse momento? Você trouxe muito na sua narrativa uma preocupação demasiadamente ética da própria Rio Tinto no sentido de como se minerar e até em função do próprio contexto histórico de 1992, da ECO-92, tal. Eu queria que você falasse um pouquinho como é que se deu o seu desenvolvimento profissional dentro da Rio Tinto até o advento da compra da Kinross, quando ela disponibilizou as ações dela e a Kinross acabou comprando o resto, na verdade, porque ela era sócia na ocasião.
R – Bem, eu sempre fui muito motivado dentro da minha área e estando em Paracatu e depois logo que concluído esse trabalho da pesquisa aplicada, eu fui convidado pela empresa a permanecer pra começar a fazer a gestão, desculpa, participar de um cargo mais de gestão, vamos chamar assim. O meu cargo ali era um cargo mais técnico, focado em pesquisa, e pesquisa aplicada, no caso ao controle de drenagem ácida de mina e depois eu passei para um cargo que foi um cargo mais de gestão, que foi a chefia de departamento. Aí eu fui pra essa chefia de departamento da área de Meio Ambiente, à época também essa chefia congregava a área de Saúde e de Segurança do Trabalho, então foram áreas que me deram experiências novas também, me mostraram, inclusive, como que essas áreas estão interligadas; é difícil você falar da saúde, segurança e de meio ambiente de forma individualizada, eu acho que essas áreas estão muito interligadas entre si. Então foi uma experiência muito boa nesse sentido de crescimento profissional. E depois mais tarde isso foi mais ou menos em 2008, 2009. Quando foi em 2011 eu fui convidado pela empresa... desculpe, desculpe, deixa eu voltar só um pouquinho, eu estou avançando aqui. 98, isso foi em 98. Eu pulei dez anos, né?
P/1 – É (risos).
R – Eu estou muito adiantado, estou passando o carro na frente dos bois como diz. Em 1998 foi esse processo do meu retorno, com meu mestrado da Inglaterra e tal, onde eu fui convidado pra essa chefia de departamento, já com a experiência anterior na parte de pesquisa e também com a experiência que eu tinha adquirido no mestrado na parte de gestão, da parte pelo menos teórica da gestão. E aí fui vivenciar essa chefia de departamento em Paracatu com a área de Saúde e Segurança unificada, integrada, até o ano de 2001. Em 2001, eu sou convidado pelo grupo pra assumir um cargo de uma gerência corporativa com base em Brasília pra dar suporte pras outras operações do grupo. Naquela época, a empresa ainda possuía operações no sul do Estado de Minas [Gerais], possuía uma operação no Paraguai, de onde descia o minério via o rio Paraguai pra Argentina, pra atender o mercado da Argentina e tinha uma unidade em Corumbá (MS) também, de minério de ferro. Então eu comecei a cobrir essas unidades, além da unidade de Paracatu. E nessa posição, em 2001 pra 2002 eu fico até 2004 quando a Kinross assume o controle acionário de Paracatu e numa época em que a própria Rio Tinto tinha iniciado um processo de venda dos seus ativos no Brasil, então ela praticamente vendeu a Serra de Fortaleza, que era outra operação de níquel no sul do estado de Minas. Ela vendeu a operação, um pouco mais tarde, 2008, com a crise mundial, de Corumbá. Então, esse processo me leva, mas isso naturalmente assim, foi um processo assim, 2008 naturalmente eu não tinha saído ainda do grupo. Em 2004, eu vendo que esse processo estava acontecendo, de venda dos ativos e o encerramento, particularmente, do escritório da Rio Tinto em Brasília, eu fui convidado pra ir pro escritório da Rio Tinto no Rio de Janeiro ou trabalhar, alternativamente, em Corumbá. E nenhum dos dois lugares eu consegui de alguma forma me adaptar, até porque minha esposa não tinha conseguido transferência pra nenhum desses dois lugares. E foi onde surge a oportunidade na Kinross, mais ou menos em abril de 2005, quando eles me convidam pra vir para a Kinross assumir um cargo também no corporativo, já nesse caso pra cobrir não só as operações do Brasil, mas as operações da América Latina, naquela época a empresa tinha algumas operações no Chile, ainda tem algumas até hoje. E aí eu passo a cobrir essas operações no Chile também. E no início pra mim também foi um desafio muito grande porque primeiro eu não conhecia a cultura de mineração no Chile, eu não conhecia as operações e particularmente os ambientes onde essas operações se encontravam. No Chile é muito comum as operações se encontrarem em ambientes muito diferentes do Brasil, são ambientes relativamente inóspitos, mais altos, nas cordilheiras, em locais que usualmente você encontra desafios grandes, como por exemplo a falta do oxigênio, como manter a motivação de pessoas que trabalham em locais mais isolados, então, os ritmos de operação e de trabalho muito mais duros do que aqueles que a gente via aqui no Brasil. Então isso pra mim também serviu de muita experiência, no período de 2005 a 2007. Em 2007, eu fui convidado pra ir pros Estados Unidos pra trabalhar com meu chefe lá, que era o vice-presidente da área de meio ambiente, da parte ambiental de Saúde e Segurança pra dar suporte também a algumas operações nos Estados Unidos com alguns programas específicos. Aí eu vou para os Estados Unidos nesse ano de 2005, onde eu fico praticamente 2005 e 2006 e volto num momento. Desculpe, pera aí, eu estou confundindo as datas aqui o tempo todo. Eu vou para os Estados Unidos em 2007, no final de 2007, e volto ao final de 2008, isso, em novembro de 2008 eu volto para o Brasil a convite, na realidade, do Frei, do novo presidente do Brasil que tinha assumido em julho de 2007 a operação, e que aí me faz um convite ao final de 2008 pra retornar ao Brasil pra assumir uma diretoria, a Diretoria de Meio Ambiente e Licenciamento. E aí eu aceito, volto em dezembro de 2008 e aí nós enfrentamos em 2009 a maior parte do processo de licenciamento de expansão da mina, que eu já comentei com vocês que a mina passou por uma expansão muito grande, ela tinha até mais ou menos 20 milhões de toneladas de minério processado por ano e ela foi a 61.
P/1 – Então vamos voltar um pouquinho. Eu só quero retomar uma questão. Você acaba fazendo doutorado na Inglaterra, eu queria que você contasse um pouquinho desse momento profissional, como se deu também essa sua ida pra Inglaterra e que doutorado foi esse porque hoje o homem é o expert e eu quero entender um pouquinho.
R – Foi um momento muito especial na minha vida porque o que acontece? A Rio Tinto era uma empresa que a motivação das pessoas que se juntavam à empresa era muito por causa das oportunidades que a empresa oferecia pra profissionais no exterior, seja a trabalho, seja por questões de bolsa de estudo, a empresa possuía muito essa visão de motivar os funcionários aqui no Brasil através desses programas. O que acontece é que esses programas foram acabando, de 2005, mais ou menos, 2006, esses programas começaram a acabar. Quando foi mais ou menos. Desculpe, eu estou falando de 97, 98, esses programas começaram a acabar. E eu comecei a ver, um dos últimos programas que estavam ali, restantes, o que apareceu, apareceu de uma forma até repentina porque esses programas já tinham me dito que eles já tinham até acabado dentro do grupo e que eles estavam fazendo um recrutamento interno pra profissionais pra conceder duas bolsas via Conselho Britânico com universidades na Inglaterra para algumas áreas de interesse, entre elas a área ambiental e também áreas de Geologia e outras áreas afins. E eu me interessei muito, eu falei: “Poxa, ta aqui uma oportunidade, eu vou pegar essa oportunidade e tudo o mais”. Só que à época existiam alguns entraves naturalmente porque como é que eu saía e deixava o país durante praticamente um ano pra fazer um mestrado, realmente tinha que ter uma pessoa que cumprisse minhas funções aqui e tudo o mais. Então eu passei por um processo de negociação com a empresa, como que isso ia se dar e tudo o mais. Mas eu estava muito motivado e num dado momento apareceram muitas barreiras, muitas dificuldades nesse processo. A principal delas foi que por uma questão de falta de comunicação dentro da própria Rio Tinto, acabou-se tendo uma espécie de uma decisão sem que, na realidade essa decisão foi tomada e acabou se dando o foco pra vagas na área de Geologia e essas áreas de Meio Ambiente, naquele momento específico, não foram consideradas como prioridade. Só que nesse momento eu já havia feito o meu teste no Conselho Britânico e eu tinha conseguido passar na prova do Conselho Britânico, na entrevista e o Conselho Britânico já havia me concedido a bolsa. O que eu precisava, na realidade, era de uma aprovação na empresa simplesmente para me ausentar e também, se possível, que a empresa me desse uma contribuição adicional, uma complementação dessa bolsa, porque não era uma bolsa que eu conseguiria sobreviver na Inglaterra com a minha família, no caso com a minha esposa àquela época. Então, quando eu conversei novamente dentro do grupo e que aí trouxe essa situação, foi uma coisa que eu achei muito bacana porque os meus gestores à época, o meu gerente geral lá ficou até preocupado, falou: “Poxa, mas que coisa, você consegue uma bolsa e esse processo acaba. E agora, como que a gente faz?”. E aí ele leva isso pra diretoria e a diretoria acha por melhor realmente continuar com meus processo porque eles tinham visto o esforço todo que eu tinha feito, inclusive com uma carta do Conselho Britânico na mão dizendo que eu já tinha sido aceito, que os estudos estavam pagos numa universidade lá na Inglaterra, que era o mais caro, os estudos eram bem caros à época, a números de hoje, sei lá, um curso desse custa em média mais de 100 mil reais, 120 mil reais pra você fazer um curso desses lá. Então, em função disso o grupo resolve tomar essa decisão de me apoiar, com uma complementação do meu salário e aí sim, numa época em que tudo conspirou positivamente. Era uma época em que eu me recordo, 91, 92, houve aquela questão do plano Real, então também teve aí o Real, paridade com o dólar e até com o pound, a libra esterlina inglesa, ainda era algo assim, 1 pra 2, ou algo assim (risos) que na realidade me permitiu, com um salário meu, viver muito bem lá. E com a bolsa que eu tinha e tudo o mais. As coisas conspiraram pra isso acontecer, momento, contexto, uma série de coisas. E eu fui aproveitando essas oportunidades. Eu falo muito isso com a minha esposa, eu não acredito muito em sorte, sorte pra mim é algo que tem muito a ver com a sua preparação e a oportunidade. Inclusive algumas pessoas têm até essa definição de sorte, como a sua preparação e a oportunidade. Quando casa essas duas coisas, isso é sorte. Quer dizer, você fica ali, às vezes você pode prepara a vida toda e às vezes não aparece oportunidade, ou às vezes aparece a oportunidade e você não está preparado. Como eu havia me preparado e a oportunidade apareceu, as coisas aconteceram dessa forma positiva. Eu me sinto muito privilegiado porque foi a segunda vez aonde uma instituição, no caso aí a empresa, me deu oportunidade de estudar no exterior. A primeira oportunidade me foi dada pelo CNPq em 93 quando eu fui estudar na França, então eu me sinto realmente muito privilegiado num país onde as pessoas têm muita dificuldade de estudar, de ter acesso a alguma oportunidade de estudo. Então, eu tenho comigo que o trabalho que eu faço, eu tenho que ter um retorno por país, eu tenho que ter um retorno pra sociedade porque de alguma forma essa sociedade acreditou em mim, num dado momento, nos dois momentos que eu fui pro exterior estudar.
P/1 – Seu doutorado foi feito em quê?
R – Na realidade um mestrado. O meu mestrado na Inglaterra foi feito em Gestão de Ambiental e Estratégia de Negócios. Basicamente é como você combina essas duas coisas, ou seja, o econômico com o ambiental e o social. Como você pondera essas coisas, como o controle ambiental e a gestão ambiental podem se tornar realmente algo importante e até essencial na estratégia de negócio das empresas. Então um pouco isso, as matérias se fundiam, se misturavam, a gente estudava desde sistemas de gestão ambiental até estratégia de negócios puramente e questões relacionadas com green market, coisas que são bem mais entendíveis. Como você pode valorar, os modelos todos de valoração ambiental e de valores naturais que estão disponíveis na natureza. Então tudo isso foi parte do meu curso na Inglaterra. E eu acho que foi muito positivo porque me abriu muito a cabeça pra entender que o desafio era muito grande, de como as questões ambientais ainda tinham que crescer, como elas ainda tinham que amadurecer. Mas também como que também tinham muitas oportunidades nesse meio. As empresas que pudessem fazer um trabalho sério, um trabalho programado, bem planejado, como que isso poderia se reverter na forma de oportunidades pra elas. Foi nessa linha que o meu mestrado me acrescentou muito, foi uma experiência muito valorosa, eu diria até preciosa em alguns aspectos, de me dar esse conhecimento pra poder aplicar depois no meu trabalho lá na empresa.
P/1 – E quando você volta qual é o ambiente que você acaba encontrando? Você volta pra Paracatu mesmo, como é que foi?
R – Do mestrado, quando eu voltei aconteceu uma coisa curiosa porque a minha chefia de departamento que estava em Paracatu, ele toma uma decisão de deixar a empresa e o que acontece é o seguinte, eu não sei se eu te contei isso, mas o que acontece? Ao voltar para o Brasil, quando eu estou lá praticamente já terminei meu mestrado, estava pra voltar ao Brasil, eu recebo uma notícia que as coisas no Brasil não estavam muito boas e aí eu converso com meu diretor de Recursos Humanos e ele fala: “Alessandro, infelizmente eu vou te antecipar” “Por que você quer conversar comigo no primeiro dia que eu vou voltar ao Brasil, não pode ser no segundo ou no terceiro?”. Ele falou: “Não. Aliás, eu vou falar com você, eu vou ter que falar até por telefone mesmo porque nós estamos num processo aqui muito rápido, as coisas estão acontecendo aqui muito rápidas. Nós estamos enxugando pessoal e nós não vamos mais, infelizmente, contar com seu serviço no Brasil”. Isso eu estava terminando o meu mestrado pra voltar ao Brasil e eu recebo essa notícia. Eu falo: “Poxa, que coisa, a empresa acabou de investir em mim, tal, como vai ser isso? Mas eu entendo perfeitamente, mercado e tal”. Mas eu aí pensei, pensei, eu falei: “Agora é voltar pro Brasil e procurar uma outra oportunidade”. E quando eu volto ao Brasil aconteceu uma coisa muito curiosa que eles me pedem pra ficar temporariamente na empresa antes de eu ser desligado porque a chefia de departamento estava saindo de férias e tudo. E quando esse chefe de departamento sai de férias, na realidade ele acaba pedindo demissão da empresa, né? E aí, com a demissão dele o que acontece? Ele fica esse tempo, ele volta e ao voltar eu já sou demitido, quer dizer, meus papéis e tudo, é considerado um processo formalizado onde eles me demitem. E logo em seguida ele pede demissão. E aí eles pegam e voltam atrás, me convidam de novo e me trazem de volta pro cargo dele, de uma chefia, porque precisava de uma pessoa, como ele sai da empresa, então realmente esse espaço se abre novamente e eles me convidam eu retorno naturalmente para um cargo na empresa. Outra coisa interessante que eu falo assim, eu falo que meu destino tinha que ser ali mesmo, tinha que ficar ali em Paracatu e trabalhar na Kinross hoje, mas na época era Mina Morro do Ouro, realmente tinha alguma coisa a ver com o meu destino de alguma forma. Então, eu volto, fico esse período e aí recomeça esse processo da ascensão de depois ter o convite pra ir pra Brasília e depois culminar com a venda dos ativos da Rio Tinto no Brasil e com a minha passagem pra Kinross em 2004, ao final de 2004, início de 2005.
P/1 – E como é que você percebeu essa passagem do processo de transformação da cultura? Porque era uma empresa inglesa, uma empresa canadense, com portes muito diferentes em termos de tamanho porque a Rio Tinto era muito grande, a Kinross era uma empresa ainda menor. Como se deu esse processo pra você em termos de transformação de cultura?
R – Essa pergunta é interessante, ela é muito importante. Por quê? Porque na área que eu trabalho a parte de Saúde, Segurança e Meio Ambiente e Sustentabilidade é muito importante qual é a cultura que as empresas têm de trabalho, né? Porque você tem alguns valores seus que de alguma forma estariam alinhados com os valores da empresa onde você trabalha. Então, eu gostando dessas áreas e tendo toda uma motivação e conhecendo, sabendo a forma correta de fazer as coisas, seria extremamente difícil sair da Rio Tinto e ir para uma empresa que não tivesse os mesmos valores. O meu grande dilema quando eu passei a trabalhar na Kinross era essa incerteza de saber se a Kinross de alguma forma iria ser uma empresa que responderia da mesma forma com os valores como eu falei, com as mesmas condições de trabalho, e particularmente com a valorização das áreas de Saúde, Segurança e Meio Ambiente, e com padrões nos mesmos níveis que eu estava acostumado na Rio Tinto. E isso foi uma preocupação natural daquele momento. Ao avaliar, o que eu percebi é que a Kinross era um grupo jovem, um grupo novo, que estava começando a operacionalizar minas, a mineirar minas, na realidade tinham mina antes, mas não operacionalizavam, mas que estavam com todos esses valores e esses princípios também no seu portfólio e querendo desenvolver, implementar e amadurecer. Então eu acho que isso foi positivo porque também eles não só trouxeram esses mesmos valores, mas também eu tive uma oportunidade, na realidade, de participar do processo de criação dos padrões, criação da base dos padrões dos sistemas de gestão da empresa, aqui da América Latina, onde eu participei ativamente. Além da experiência foi muito bom porque o que eu já sabia que era o correto ser feito foi dado recurso pra que a gente pudesse também fazer, não da mesma forma, mas de uma forma adaptada ao contexto novo da Kinross, do conhecimento das pessoas, do nível em que se encontrava a empresa, dentro do planejamento que a empresa havia colocado. Então, foi uma experiência muito bacana nesse sentido de participar do processo de implantação dos padrões e dos procedimentos, de toda a cultura, vamos chamar assim, que é algo maior isso, né? Uma cultura você na realidade não desenvolve de uma hora pra outra, ou eu não trago ela na forma de um pacote, que eu falo: “Estou trazendo pra todo mundo essa cultura, daqui pra frente é assim”. Não é bem assim, isso é uma coisa que você desenvolve. A Kinross, naturalmente, num primeiro momento, confiou muito nos profissionais que já existiam das empresas que foram sendo adquiridas por ela, inclusive o caso de Paracatu também foi assim, e depois a Kinross começou um trabalho muito grande de desenvolvimento de padrões, de implementação de procedimentos e tudo e criou sua cultura própria, que também é uma cultura muito alinhada com esses valores que eu tinha, então isso ajudou bastante.
P/1 – E você estava contando pra gente que tem um momento que você é convidado pra ir aos Estados Unidos. Qual que era na verdade a proposta feita pra você ou os desafios que você teria lá, enfim, por que e pra que você foi pros Estados Unidos?
R – Sim, claro. A proposta de trabalhar nos Estados Unidos foi muito interessante porque ela veio em cima de um programa que nós havíamos começado a desenvolver aqui no Brasil. No Brasil, a gente sempre teve um pouco de dificuldade pra trabalhar com sistemas de emergência de modo geral. Quando a gente fala trabalhar com sistemas de emergência, é como que você envolve as diversas partes interessadas em um momento de emergência qualquer, independe do que seja. Isso não é uma coisa muito desenvolvida no Brasil, isso vem sendo desenvolvido mas em alguns lugares você vê melhor do que outros, mas não tem uma cultura, por exemplo, de atendimento a emergências como você tem nos Estados Unidos, como você tem na Europa e tudo o mais. Mas esse programa que nós havíamos identificado aqui no Brasil e que nós havíamos começado a implantar em algumas operações nossas, como Paracatu, era um programa muito interessante, que é o programa do Apel, que na realidade isso é uma sigla muito longa, não vou nem dizer toda a sigla, mas é basicamente um sistema de preparo a emergências a nível local. E é um sistema que envolve todas as partes interessadas, desde a defesa civil, corpo de bombeiros, as empresas, as comunidades. E esse processo que começou aqui, essa minha chefia, especificamente, gostou muito desse programa e queria estender pras operações americanas. Eu fui pra lá com essa missão, vamos dizer assim, maior, que naturalmente eu tinha ainda uma outra missão que era de continuar de alguma forma acompanhando o processo de licenciamento aqui no Brasil que já havia começado em 2007, então eu acompanhei também de longe esse processo, mas o meu foco lá do trabalho era implementar esse sistema de emergência, vamos dizer assim, a nível local. E esse sistema foi implementado na realidade em duas operações lá nos Estados Unidos, uma das operações optou por não implementar porque já tinha um sistema de segurança disponível, eles já tinham um sistema bem-sucedido, e eu acho que essa contribuição e essa experiência foi muito bacana também porque na realidade o sistema em si era muito mais nos Estados Unidos, muito mais fácil porque era simplesmente organizar todas as peças que já existiam. Então você tinha um sistema. Então, quantos bombeiros? Estava lá o bombeiro, já estava pronto. Defesa Civil, ah Defesa Civil estava pronto. Ah, comunidade, comunidade era só ser envolvida, ela às vezes tinha um problema em conhecer, mas ela ia passar a conhecer de uma forma mais detalhada, ela ia passar a conhecer os riscos que tinham mais na sua região, ela ia passar a ser envolvida em simulados e tudo o mais. Mas assim, era basicamente juntar essas peças, então isso foi muito curioso, foi uma experiência muito diferente porque aqui no Brasil a gente vive ao inverso, a gente vive a falta do recurso pra cada uma dessas peças, vamos dizer assim, estarem prontas pra poderem ser colocadas conjuntamente. Mas a grande vantagem desse sistema é exatamente essa, porque ao juntar essas peças todas, cada uma traz um recurso diferente, traz um conhecimento diferente e com isso o atendimento à emergência se torna facilitado, ele se torna mais leve pra todo mundo, ele se torna mais dinâmico, mais interativo. E as comunidades passam a participar mais dos processos de emergência de uma forma mais sistêmica mesmo, o sistema é pra isso, pra colocar isso circulando de uma forma mais sistêmica. Então, foi muito interessante a experiência de lá mas aí ao final de 2008, o que acontece é que em função do licenciamento aqui no Brasil estar se tornando mais complexo e demandando muito mais atenção, foi aonde que eu tive o convite pra realmente voltar pra assumir a diretoria no final de 2008, na parte de licenciamento com foco no licenciamento da expansão que estava em curso.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouco porque, pra quem não está acostumado com esse universo, você passar de uma produção de 21 milhões de toneladas/mês pra 61 milhões de toneladas é um impacto que eu acredito muito grande, o impacto que eu digo é no sentido das várias ações que vocês têm que fazer pra poder colocar isso em pé.
R – Sim, claro.
P/1 – Aí eu fico imaginando a questão do licenciamento, em termos da barragem, você tem que construir muito provavelmente uma barragem muito maior do que aquela que você tem. Então queria que você falasse um pouquinho quais foram os desafios que vocês encontraram nessa questão do licenciamento e como vocês foram lidando com essas dificuldades? Eu queria que você contasse um pouquinho o processo como é que foi.
R – Claro, claro. Bem, o licenciamento realmente foi muito complexo, como todo processo de licenciamento maior de um sistema minerário. Eu acho que nós tivemos uma felicidade à época de ter gestores com uma visão bacana do processo, a forma como ele deveria acontecer e dos desafios, principalmente, que estavam à nossa frente. E quando eu falo dos principais desafios, a gente fala não só do licenciamento em si, porque licenciar uma barragem não é fácil, ela era uma barragem relativamente grande, nós temos uma barragem de mais de mil hectares sobre uma área impactada de mais de mil hectares. Um processo que envolvia, na realidade, a relocação de algumas comunidades, comunidades menores mas envolvia. Isso era um processo que envolvia uma compensação ambiental também que deveria naturalmente ser discutida. E também, ao expandir essa mina, a mina expandiu com uma nova barragem e, naturalmente, a área impactada também aumentou muito. E aumentar essa área impactada, você também tem que gerar algumas ferramentas de gestão e de controle maiores. Estamos falando de controle maior da poeira, controle maior da parte de ruídos. Em síntese, toda essa interface com a comunidade que na realidade é o mais importante de um processo de mineração, quando você tem que gerenciar de alguma forma a sua inserção de um empreendimento grande tão próximo de uma comunidade, de uma cidade, como foi o caso de Paracatu. Então tiveram desafios grandes, desafios de comunidade, comunidades tradicionais, na verdade nós tínhamos comunidades quilombolas no entorno da mina, alguns territórios. Nós tivemos essa questão que eu falei da instalação da barragem propriamente dita, que naturalmente tem um impacto por causa da remoção vegetal; a instalação da barragem propriamente dita. Só que eu acho que os programas foram sendo colocados de uma forma muito ordenada e numa determinada sequência que nos permitiu gerenciar isso. Então os programas de controle da fauna, controle da flora, as compensações, as compensações ambientais foram muito focadas de alguma forma compensar por esse impacto que estava sendo gerado, e compensar de uma forma que o legado no balanço fosse positivo, que eu acho que isso tem a ver com a sustentabilidade, isso é o mais importante. Então, por exemplo, nós tivemos lá um impacto de mil hectares nessa barragem, nós compensamos com três mil hectares criando um parque na região de Paracatu. Então, o Parque Estadual de Paracatu foi criado dessa forma, através de uma compensação da empresa e nós também tivemos o cuidado de criar esse parque exatamente numa área que estava sob ameaça, vamos dizer assim, da expansão urbana e que era uma área essencialmente, que era uma área importantíssima pra cidade do ponto de vista de suprimento de água. Esse parque foi criado na bacia do Santa Isabel, que é exatamente a bacia principal de abastecimento urbano da cidade. Então esse processo de compensação aconteceu assim, talvez se a empresa não tivesse investido nisso, talvez hoje essa área estivesse até mais ameaçada, já estivesse sido até, de alguma forma, comprada, ou impactada ou com a vegetação removida. Hoje você vê essa região toda com as nascentes mais preservadas, com a área mais preservada do ponto de vista ambiental. Eu acho que o que a gente procurou fazer no projeto é, com o impacto, como que aquilo poderia se reverter de alguma forma num balanço positivo do outro lado. Então como que essas compensações poderiam ser retornadas de uma forma positiva pra sociedade. Além disso, como existia o fato da gente estar abrindo mais áreas, é natural que existisse uma preocupação muito grande com o fechamento dessa mina. Então pra isso foi criado e foi o acordo que a empresa, inclusive, voluntariou e discutiu à época com as autoridades pra que se pudesse fazer um fundo onde a empresa deposita uma determinada quantia pra que possa ser utilizada quando do fechamento da operação. Isso já tem basicamente uns sete, oito anos mais ou menos que a gente faz esse depósito já pensando pras atividades de fechamento, uma vez que esse footprint, esse passivo aumentou com essa expansão, tanto na mina, quanto pelo fato de você ter colocado uma barragem nova. Tudo isso e outra coisa é a questão dos controles todos que nós tínhamos já como conceito, eles na realidade foram ampliados para esse projeto, o que eu acho que foi muito bacana. Então, por exemplo, pra falar da segregação dos sulfetos, naturalmente que os custos se tornavam muito mais elevados pra você fazer uma segregação de muito mais volume de material. Mas em nenhum momento a Kinross se furtou a fazer os investimentos que foram necessários pra fazer o investimento que fosse necessário pra que o controle continuasse a ser adequado como ele já era feito anteriormente com a mina menor. Mas foram muitos desafios, nós fizemos um processo de relocação de algumas famílias que estavam no vale do Machadinhos, algumas famílias que na realidade não se declararam como parte de comunidades tradicionais. Então esses processos foram feitos com livre negociação da empresa com eles, mas a gente tomou o cuidado de adotar alguns critérios, eu diria, bem corretos e bem ponderados do ponto de vista de relocação. Adotamos os padrões do Banco Mundial de relocação, acompanhamos com assistente social. As pessoas tiveram três alternativas pra escolher entre os locais pra onde elas queriam ser remanejadas e acabaram escolhendo uma área que, do ponto de vista de produção da terra, era uma área muito mais fértil de onde eles estavam. Então, por serem pessoas simples que trabalhavam com a terra, nós tomamos o cuidado de que essas áreas teriam que ter uma produtividade igual ou maior do que aquela das áreas onde eles estavam e nesse caso foi até uma área com melhor potencial. A empresa à época providenciou toda a parte de infraestrutura, seja de casas, seja de energia, de água, pra essas pessoas. Algumas delas, inclusive, não tinham nem água potável, então isso foi suprido pela empresa na forma de poços que foram disponibilizados. Então eu acho que assim, tudo o que se faz tem um impacto? Tem, a gente não pode negar, mas você tem que fazer com responsabilidade, tem que fazer sempre colocando essa ponderação de uma forma que aquilo que fica sempre é melhor do que aquilo que existia, não pode ter nunca uma situação em que esse balanço é negativo porque esse é o legado que você vai deixar, é o legado que você quer ser lembrado, então, é muito importante para os valores da empresa e até para os meus próprios valores, eu não estaria participando da empresa se ela não estivesse alinhada também com os meus valores nesse sentido, desse balanço ser positivo. Eu acho que esse balanço na realidade positivo é o que a gente pode conceituar como sustentabilidade, né? No nosso caso, por exemplo, o meu conceito de sustentabilidade passa muito por isso, esse balanço ser ao final um legado positivo, ter minerado e ter realmente feito os controles necessários, ter feito depois das reabilitações necessárias e ter deixado um patrimônio de alguma forma pra essa comunidade. No caso, por exemplo, o parque que nós falamos. Tem outras atividades. Nós temos o Projeto de Proteção de Nascentes, que nasceu um pouco também lá durante o processo do licenciamento porque algumas comunidades tinham muita preocupação já com a água, então por sugestões da comunidade nós nos envolvemos com uma comunidade em específico, a comunidade do Espalha num primeiro momento e fizemos um projeto que foi muito bem sucedido e desse projeto virou o núcleo depois pra crescer esse projeto que se transformou em um grande projeto de proteção de nascentes hoje, que é o projeto do Paracatu, pra proteção de nascentes do Paracatu, um projeto que já está aí contando com mais de 370 nascentes protegidas, quilômetros de cerca construídos pra proteger essas nascentes. Enriquecimento da mata ciliar. E a gente também já nota essas próprias vazões naturais de algumas veredas, de algumas dessas nascentes já retornando. Então a gente vê que isso é legado, eu tenho impactos sim num determinado lugar, mas eu tenho que estar gerando valor ambiental no outro. É isso que faz a diferença.
P/1 – Então, Alessandro, eu acho que o seu depoimento é extremamente importante pra gente compreender todo o processo e que realmente é uma operação muito impactante, né, a olhos nus e...
R – Sim, visualmente.
P/1 – Visualmente. E eu acho que é muito importante isso porque você traz detalhes de como foi muito responsável a ação. Então acho que isso, até por um espaço que a gente está criando que isso venha de uma forma muito explícita, apesar de você falando, digamos do próprio umbigo, vamos dizer assim, mas é importante porque traz legitimidade.
R – Sim.
P/1 – Então eu vou insistir em algumas perguntas porque é importante.
R – Claro.
P/1 – Quando você me fala do impacto, por exemplo, que é impressionante, essas aquisições eram aquisições de terra também ou vocês trabalharam, por exemplo, por arrendamentos ou o princípio é que só sejam adquiridas pra poder ter essa movimentação de terra, como é que isso é feito?
R – Olha, na realidade, no caso da barragem nova, existiu basicamente aquisições de proprietários privados. Todos eles tinham ou o título da terra ou registro ou tinham posse dessa terra através de documentos que foram demonstrados legalmente que eram de posse. Esse processo só foi longo porque eram muitos proprietários, mas não existiu um processo de conflito, vamos dizer assim, de: “Ai, eu não quero sair”. Geralmente às vezes quando você vê projetos de hidrelétricas que são projetos muito grandes, monumentais, como Belo Monte e outras, você pode esbarrar com alguma situação dessa natureza. E o caso de Paracatu, e a gente tem isso tudo documentado, o que a gente vê muito foi um processo aonde existiu uma expectativa, na realidade, dessa comunidade em se mudar pra algum lugar melhor. E eu falo que assim, como eram poucas famílias, na realidade nós estávamos falando de 14 famílias dentro do vale do Machadinhos como um todo, os demais eram proprietários que tinham a fazenda, mas não moravam naquele lugar, isso facilitou o nosso processo, nós estamos falando de uma barragem de mil hectares onde você tem lá algumas propriedades com cento e poucos hectares e as demais com 20 ou com 70 ou com 80. Quando você pega todo esse mosaico, você vai ver que tinham lá praticamente 14 famílias morando em três ou quatro dessas áreas e os demais eram proprietários de sítios, de locais que inclusive muitos deles já criavam gado ou já tinham alguma atividade rural qualquer e moravam na cidade. Então, esse processo de negociação, eu acho que ele foi facilitado por isso no caso da Kinross. Uma coisa que eu acho importante ressaltar é que todo processo de relocação, seja em barragem, ele é de alguma forma delicado. Você não pode desconsiderar o fato de que aquelas pessoas têm uma raiz com aquele lugar e com aquela terra e, de repente, elas vão se ver em um outro lugar. Às vezes são pessoas idosas, ou pessoas que de alguma forma têm que se sentir, vamos dizer assim, motivadas ou de alguma forma têm que encontrar alguma forma que as deixe feliz pra sair dali algum outro tipo de motivação. Gerenciar isso é realmente muito delicado, muito delicado. Exige pessoas especializadas, exige que você entenda primeiro. Houve um processo todo de estudo dessa comunidade, o que eles esperavam, quais eram as alternativas que eles achavam que era melhor. Então discutir família por família o que eles achavam que era o melhor, o que as faria motivar pra sair dali, o que te motivaria de alguma forma? Estar se sentindo melhor, porque a terra aqui não é muito boa, a gente está num lugar muito escarpado, a terra não é muito boa e a minha produção fica limitada por causa disso, tal. A gente foi buscar esses fatores que fariam com que a comunidade, e particularmente essas pessoas que eram os líderes dessa comunidade, se sentissem, vamos dizer assim, confiante no processo. E eu acho que a gente conseguiu fazer isso de uma forma bem sucedida. O local pra onde a gente levou particularmente essa comunidade é interessante porque a gente monitorou esse processo e monitora um pouco até ainda hoje e a gente nota que é curioso que não existe um processo de reclamação formal pra gente, pelo menos. “Ah, eu não gostei de ter saído” “Ah, eu acho que eu fiz um péssimo negócio”. A gente não vê isso como às vezes é frequente de você ver nos outros modelos. Naturalmente quando você faz uma relocação no caso de uma hidrelétrica você envolve muito mais pessoas, é muito mais complexo do que um processo como esse que você negocia com médios proprietários rurais, que na realidade nem moravam no lugar e, portanto, não tinham tanta relação com a terra. Naturalmente, nós gerenciamos alguns deles, mas foram em volume muito menor, isso facilitou o processo. Mas toda relocação é sensível, exige um processo muito sistemático, padrões muito específicos, acompanhamento de assistentes sociais, opções, discussões, paciência pra ouvir as pessoas. Eu acho que isso tudo é muito importante. Eu não sei se eu respondi a sua pergunta de alguma forma, se era especificamente isso. No caso das comunidades quilombolas, isso é muito interessante porque ainda existem algumas reclamações relativas às questões quilombolas e das comunidades em Paracatu e nós partimos do pressuposto que toda reclamação é legítima. Eles estão ali, as pessoas têm direitos, têm territórios que existiam e tudo. Mas é muito importante frisar que esses direitos vêm também com a demarcação definitiva dos territórios e com a lei, com o decreto criado sobre esses territórios. E Paracatu você não tem ainda territórios criados, vamos dizer assim, não tem territórios delimitados e formalizados na forma de decreto de lei, o que você tem são territórios alegados e de alguma forma demarcados pelo Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] como sendo territórios potenciais, mas esse processo todo até o final, e quando você pega legislação específica você vai ver que tem passos ali até chegar a esse processo final, você vai ver que não existem ainda decretos propriamente ditos. E como nós também entendemos que esse é um processo muito moroso, seria muito difícil à empresa, num momento com um projeto importante como esse pra comunidade, pra sociedade e pra região, pro Estado e pro país, você ficar aguardando também todo um processo que tivesse acontecendo. O que a empresa tentou fazer, e eu acho que fez de muita boa fé também e até eu posso dizer porque eu tentei participar desse processo em algum momento, foi tentar alguma negociação pra que, independente desses territórios já estarem reconhecidos em decreto, que a gente pudesse de alguma forma discutir com essas comunidades e pudesse dar alguma forma de compensação pra elas. Mas num dado momento esse processo também se perdeu pra duas dessas comunidades, tem uma comunidade que a gente consegue ter mais contato, e que inclusive a gente tem várias parcerias, que é a comunidade onde realmente ainda existem quilombolas morando, que é o São Domingos. No São Domingos, a gente ainda tem vários projetos e a gente continua negociando com eles e também temos vários projetos de parceria com eles. Nas demais comunidades, como não existia mais ninguém morando nesses locais, ou as pessoas que moravam não se auto declararam como descendentes, fica mais difícil porque quem são essas pessoas? E existia uma coisa que é muito importante também de ser lembrada, é que num dado momento existia uma expectativa muito grande desses descendentes de que a empresa estaria na realidade indenizando valores em dinheiro por terra, quando na realidade isso não era uma realidade. A criação do território exigia que essas pessoas voltassem praqueles territórios e reocupassem aqueles territórios pra viver do jeito que eles viviam a muitos anos atrás, a séculos atrás. E eu acho que essas pessoas não entendiam muito bem isso. Aí de tanto a gente falar e depois de outras autoridades também esclarecerem, num dado momento o que a gente viu foi um esvaziamento do processo também porque muitas pessoas perderam o interesse quando viam que não existia uma compensação na forma financeira simplesmente por ter sido um descendente, por exemplo, de quilombola. Porque isso não funciona, não é dessa forma. Pela lei, na realidade, funciona, é um direito a um território que é inalienável, que você não pode fazer nada com ele, você não pode vender essa terra, você não pode transferir essa terra. E mais, você tem que voltar a morar nesse território pra criar atividades similares pra quê? Com o intuito maior da manutenção da cultura e do processo, como existe em São Domingos ainda hoje. Então isso é muito importante porque às vezes a empresa é acusada de uma forma injusta, e eu falo injusta porque eu participei dos processos onde a empresa tentou de todas as maneiras esses processos de compensação, em alguns deles nós fomos, inclusive, até solicitados pra parar com o processo porque as autoridades já estavam avaliando isso. Mas a gente nota que tudo aquilo que a gente poderia fazer a gente fez, mas a empresa não podia também, de alguma forma, ser responsabilizada pelo próprio fato de que no país também existem muitas instituições e nem todas também fazem o seu papel de uma forma efetiva, né? De fazer, ou às vezes não detêm nem o recurso que precisam pra fazer tudo, né? Então assim, no fundo a empresa acabou um pouco prejudicada nesse aspecto, né?
P/1 – Alessandro, com a implantação da Planta 2, a rota de processos, pelo que eu entendi, se manteve mas teve uma adequação tecnológica porque até a própria expansão implicava em mudar a tecnologia ou o processo. Por exemplo, os moinhos SAG que vocês colocaram, já na Planta 1 já existia? É uma dúvida que eu tenho. Como a tecnologia de alguma forma afetou o processo e se você acompanhou essa rota de processo na Planta 2 também.
R – Eu acompanhei, naturalmente, o processo não é uma área de especialidade minha, mas eu acompanhei sim. Os moinhos foram trazidos, na realidade, exatamente porque o volume de material a ser processado era bem maior. E além disso, existe uma característica do minério que é a dureza, a dureza do minério. E ela é muito importante dentro de um processamento mineral. Quem é engenheiro de minas sabe disso porque é onde você vai ter um consumo maior ou menor de energia, aonde você vai ter uma carga de produção maior ou menor no circuito de processo. E naturalmente isso vai impactar ao final do mês na sua produção, nos seus custos. Então, acompanhei sim o processo do SAG, que era um moinho que não existiam muitos no mundo, ele foi trazido muito por causa desse processo da expansão realmente por dois motivos, essa questão dos volumes, que eram bem maiores, mas também por causa do fator de dureza. O fator de dureza do material aumentou muito e, portanto, pra manter o nível de produção esperado você teria que ter moinhos mais fortes, mais robustos pra você poder, o que a gente fala de cominuir, ou reduzir a partícula do minério até um tamanho que ela fique adequada para entrar no processo e o ouro ser recuperado dentro do processo do tratamento.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho... Quando a gente olha pra essa questão da expansão, tem alguns momentos marcantes dentro desse processo que eu acho que é 2009 que está muito ligado a essa questão da área, do licenciamento, da comunidade quilombola. Nesse momento, quando você retorna e já assume a diretoria que você está hoje, que é Meio Ambiente, Comunicação e Comunidade. Eu queria que você colocasse um pouquinho como se deu, depois desse processo do próprio, que culminou no licenciamento que vocês conduziram, da implantação da própria mina, da própria produção da Planta 2, quais foram os desafios que você começou a encontrar? Eu queria que você falasse um pouquinho como é que se deu esses desafios pra você a partir desse momento?
R – A partir do momento em que nós implantamos? Já é o depois, né?
P/1 – É.
R – O depois, o processo logo em seguida à implantação do projeto, né?
P/1 – É.
R – Bem, esse processo da expansão, o desafio do licenciamento dele foi talvez um dos maiores que eu já tenha visto na minha vida, na minha profissão, na minha vida profissional. Porque ele inicia em 2007 e acaba em 2011. Ele inicia em 2007 com o estudo de impacto ambiental e termina mais ou menos em agosto de 2011 com a emissão da licença de operação. Então você vê aí um processo que se estende por quatro anos praticamente. Então isso fez esse processo realmente muito longo, muito pesado pra todo mundo que foi envolvido nesse processo, muitas discussões, muita negociação, muito trabalho mesmo da área ambiental, da área de comunidade pra que pudesse dar a resposta das diversas partes interessadas. Depois que esse processo é implementado, em 2011, aí a questão que volta, a questão de operar uma mina grande, agora num outro patamar, num outro nível de produção e com os desafios como eu disse. Quer dizer, de operacionalizar mais próximos da comunidade, com mais áreas. Se antes você tinha uma área que às vezes as pessoas reclamavam um pouco do ruído, uma ou duas áreas, você passa a ter quatro, cinco áreas onde as pessoas reclamam, então você tem que gerenciar isso. Algumas áreas, as áreas abertas pra você gerenciar a parte de poeira, todos os nossos controles, seja mitigação, seja aplicação de polímero, tudo aquilo você triplica ou quadriplica em termos de controle. Isso faz com que a empresa tenha que responder rapidamente também. A empresa respondeu com uma reestruturação dos departamentos, o Departamento de Meio Ambiente, na realidade foi criado um outro departamento, que é o Departamento de Desenvolvimento Sustentável, depois uma gerência dentro dessa área. Hoje praticamente você tem 27, 28 pessoas trabalhando dentro dessa área, só da parte ambiental, que vão desde técnicos de nível superior com mestrado, biólogos, engenheiros de minas, engenheiros ambientais, e também descendo pra supervisores, o pessoal todo de inspeção, de supervisão e até os assistentes ambientais. Realmente, a empresa teve que se preparar, naturalmente houve uma restruturada nos departamentos pra que a gente pudesse atender a todos os monitoramentos, toda a demanda que veio, agência ambiental com várias exigências de monitoramentos, de adoção de medidas de controle, então isso exigiu realmente uma reestruturação grande da área pra responder a esse desafio. E naturalmente que você passa para um outro nível de controle também, os controles têm que ser mais efetivos, os sistemas são revisados pra que eles se tornem mais leves na forma de gerir, no dia a dia. As formas de buscar dado, vou citar só um exemplo antes, nós fazíamos com dois, três HiVols, que são aqueles amostradores de poeira, a gente ia lá e pegava as amostras no campo, aí quando ele dava um probleminha lá você dava um tapa nele e ele voltava a funcionar e tal. Agora hoje você tem estações online que são todas computadorizadas 24 horas com informações online, nós temos seis sets instaladas em vários pontos da cidade, tratando dado e jogando dentro do sistema da agência ambiental, dentro do site da agência, quem quiser pode entrar no site da agência e saber se naquele ponto o que está acontecendo com o nível de particulado naquela área em específico. Então a gente teve que realmente fazer um upgrade, uma melhoria muito grande, os nossos sistemas porque a mina se tornou muito maior e as demandas muito maiores e os monitoramentos têm que ser mais efetivos pra que a gente pudesse ter maior controle e respostas, inclusive, pra estabelecer ações preventivas de uma forma mais rápida dentro do sistema, não cabia mais fazer uma gestão como a gente fazia há dez anos ou há 15 anos, que eram as coisas mais simples. E em todas as áreas. A área de monitoramento de águas subterrâneas, por exemplo, hoje nós temos os sistemas de monitoramento, nós temos bombas de baixa vazão instaladas em todos os poços. Essas bombas são automáticas, então você chega ali com equipamento, você só liga o equipamento nele e ele marca a vazão, já tira a coleta da água e você já leva, não existe mais um processo que antes você abaixava, coletava a água, media a vazão desses piezômetros, desses instrumentos todos. Hoje, muitos desses equipamentos são automáticos, são computadorizados. Tudo isso teve que ser feito de toda forma pra que a gente pudesse ter a rede que a gente tem de monitoramento hoje. Só de qualidade de água, por exemplo, nós temos mais de cem pontos de monitoramento, pra você ter uma ideia. Você imagina você trabalhando com dois, três profissionais como que você conseguiria coletar e tratar todas essas informações, seja pra água, seja pra poeira, seja pra ruído, tudo isso de uma forma online chegando e sendo tratado e sendo descarregado por esses profissionais pra atender a relatórios e demandas de diversas partes interessadas. A mina também teve que se modernizar, se sofisticar até um certo ponto pra responder a todas essas demandas porque, como a gente falou mais de uma vez, mineração não é uma coisa bonita, as pessoas não gostam de mineração, mas mineração é essencial. Então você tem que achar uma forma de fazer mineração da forma correta, com o menor impacto ambiental possível, com controles, automatizando ao máximo, reduzindo as exposições e, naturalmente, discutindo com as comunidades pra ver até que ponto que existe uma forma de você flexibilizar e compensar pra que você possa trazer uma atividade que tem a sua relevância no contexto econômico.
P/1 –Você achou muito uma questão que eu achei interessante que é toda essa questão de controle ambiental. E como vocês adequaram ou modificaram a questão da relação com a comunidade e a comunicação? Que faz parte da sua diretoria. Como você olhou pra isso?
R – Olha, na realidade a parte Comunidade esteve comigo durante um momento, não a parte de Comunicação, mas a parte de Comunidade esteve comigo na diretoria em 2009, depois saiu um pouco porque a presidência achava que deveria ter a parte Comunidade e Comunicação ligado a ele diretamente, até por questão da relevância, e recentemente essa área tornou a voltar pra minha diretoria, a parte de Comunidade e Comunicação. E agora a de Comunicação que não estava na minha diretoria. Eu vejo isso como uma grande oportunidade porque essas áreas têm uma sinergia enorme. Se você for pegar a razão da existência do Departamento de Comunicação hoje na empresa, lá na Kinross Paracatu, eu te diria que de 80 a 85% se justificariam por causa das questões ambientais, por causa das demandas que existem internamente de preocupações, seja com saúde, seja com o meio ambiente. Essas áreas têm tudo a ver elas estarem juntas debaixo da mesma diretoria. Essa reestruturação é uma grande oportunidade de a gente aumentar a sinergia dessas áreas, que possam dar respostas mais rápidas, possam modernizar, possibilitando, principalmente, uma comunicação mais adequada pras partes interessadas porque o que falta mais é falta de informação, né? É muito difícil lutar hoje com uma mídia social que só veicula vazios, que só veicula mensagens diretas muito perdidas, às vezes, ou mensagens muitas das vezes sem fundamento, sem conhecimento científico. Tudo isso é um grande desafio hoje. A gente acredita que se a gente consegue aumentar essa sinergia e fazer uma comunicação melhor, vamos gerar essa comunicação positiva de uma forma preventiva já vamos nos posicionar, nas mídias sociais, mesmo com os diversos veículos que nós temos nas mãos, vamos usar os funcionários de uma forma melhor, que são comunicadores importantes pra empresa, talvez os mais importantes daquilo que a empresa faz, os porta vozes da empresa. Então é isso, eu vejo como uma grande oportunidade, eu acho que essa reestruturação tem um aspecto, eu vejo assim, de grande oportunidade.
P/1 – Eu queria que você falasse um pouquinho qual foi o outro grande momento. Porque você trouxe muito essa questão do licenciamento, das comunidades quilombolas, mas eu queria que você falasse de outro desafio, que está ligado a essa questão da comunicação e a própria atividade de mineirar. Por exemplo, vou pegar a questão do arsênio. Eu sei que vocês passaram por momentos delicados, eu queria que você contasse um pouco isso pra gente, como a empresa lidou com essa questão e como você acha que isso, que outras ações vocês poderiam tomar pra, inclusive, diminuir os ruídos nesse aspecto?
R – Bem, vamos lá. Eu acho que a empresa, o que ela buscou fazer foi mais uma vez buscar o conhecimento científico. Por se tratar de um assunto que eu diria tecnicamente pouco conhecido e também que tem uma percepção negativa do ponto de vista de comunicação, então cabia à gente buscar um entendimento efetivo do assunto de uma forma que nós pudéssemos, da melhor maneira possível, comunicar pra essas partes interessadas e também, naturalmente, não só melhorar mas também trazer novos controles pros nossos processos. Então, a empresa ainda que, especificamente, em relação ao arsênio nós já havíamos implantado desde o início controles, a parte de saúde ocupacional principalmente, que sempre foi muito bem cuidada dentro da empresa, quando a gente começou a ser provocado com esse assunto e desafiado e tudo o mais, o que nós fizemos foi o seguinte: “Vamos buscar pessoas de renome, pessoas que são reputadas no mercado e relativas ao assunto, não só no nível nacional, mas internacional, e vamos mostrar pra eles o que nós temos aqui, o nosso contexto, e vamos produzir dados, produzir informação científica que nos embase melhor as nossas defesas, os nossos argumentos técnicos e tudo o mais”. E foi o que a gente fez. Então nós buscamos a parceria com o INCT [Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia], que também tinha uma parceria grande com a parte do Instituto de Toxicologia, do Entox lá da Universidade de Queensland, e com esse acordo possibilitou a gente a ter acesso a profissionais de alto nível que conduziram os estudos pra empresa, que chegaram à conclusão que a exposição em Paracatu é baixa e que, na realidade, não deveria ser um motivo de preocupação pra comunidade, nem pros funcionários. Até chegar a esse aspecto eu acho que naturalmente nós aprendemos muito também nesse processo, porque foi um processo que nós tínhamos um conhecimento básico, sabíamos que naturalmente, pelos exames, eu diria que particularmente os exames de urina dos nossos funcionários que já são realizados há muito mais tempo, praticamente 20, 30 anos, então esses exames demonstravam pra gente que não existia, em momento nenhum, problema ou preocupação com contaminação. Só que era necessário ter um trabalho maior de entendimento de como que potencialmente alguma exposição poderia acontecer e, principalmente, se a comunidade poderia de alguma forma estar exposta. E foi isso que a gente fez, então foi esse o trabalho todo feito com o INCT e com a Universidade de Queensland pra conseguir demonstrar isso de uma forma mais efetiva. E depois também tiveram alguns estudos independentes que foram na mesma linha e demonstraram algo similar. Agora, por ser um assunto polêmico e por ser um assunto técnico, tem sempre um desafio, o desafio da comunicação. Como comunicar? Você tem que comunicar de uma forma que seja simples; pra gente é muito importante nós buscarmos comparações, que as pessoas conseguem enxergar e estão mais ao alcance dela no dia a dia. Então, por exemplo: “Ah, eu tenho uma panela de alumínio”, eu acho que eu já fiz até essa comparação, você tem uma panela de alumínio. O alumínio, se ele está disponível ao organismo, ele também pode causar um mal, então por isso que o processo de fabricação de uma panela de alumínio tem que ser bem-feita de uma forma que você estabiliza o alumínio, ou seja, não permita que o alumínio seja liberado dali quando você cozinha, porque senão você estaria preparando uma refeição com alumínio, só pra citar um exemplo simples, então a forma é muito importante, a quantidade e a forma. E o arsênio em particular, é importante até lembrar que ele é um elemento natural, está em todo lugar, tem aqui, tem no solo de qualquer lugar. Em algumas regiões ele se concentra um pouco mais devido à ocorrência natural que é o caso de onde tem as ocorrências de ouro, aqui no quadrilátero ferrífero, lá em Paracatu, então ele se concentra mais, agora, o importante é a forma, em que forma que ele está e em que quantidade que ele está, isso que faz do elemento, forma a toxicidade dele ou não. E é isso que nós fomos estudar com esse estudo de avaliação ambiental e de risco à saúde da comunidade. E eu acho que assim, agora com as informações que nós temos, mais uma vez, continua sendo desafiador porque são informações técnicas, então como que você veicula. O que a gente tenta fazer é desmistificar o tema ao máximo, trazer as pessoas entendem como é que nós fizemos os testes, conhecer os controles que existem dentro da empresa, então a gente tenta fazer isso da melhor maneira possível, desmistificar o tema. Eu acho que nada melhor do que falando bastante com a comunidade pra que elas entendam que esse de repente não é nem o risco que elas estão expostas, às vezes, têm outras coisas a que elas estão expostas no dia a dia que oferecem, inclusive, riscos bem maiores. É isso, eu acho que o assunto a gente tratou de uma forma, eu acho, séria, buscamos informações científicas pra embasar as nossas respostas, desenvolvemos muito material de comunicação. Eu acho que hoje a gente tem um volume de material pra comunicação, seja em mídia social, seja na forma formal, muito melhor do que naturalmente aquele que a gente tinha quatro, cinco anos atrás. É um trabalho constante, é um trabalho contínuo, tudo o que a gente consegue fazer é pra mostrar à comunidade que não deve ter essa preocupação. Paracatu tem um aspecto relativamente importante (eu estou vendo aqui, só desculpe, vendo só se ela responde aqui) tem um aspecto importante em Paracatu que é o fato de ter tido os garimpos antigos em Paracatu. Porque esses garimpos, querendo ou não, eles quebraram de alguma forma, nesses cursos d’água e nos corpos onde você tinha os sulfetos, eles expuseram, como a gente falou aqui até de drenagem ácida de mina, esses garimpos na realidade expuseram no passado algumas dessas áreas onde você tinha sulfeto. E com isso, naturalmente o processo de geração de drenagem ácida de mina, aí sim você tem um ambiente propício, por exemplo, à mobilidade de alguns metais, como o caso até do arsênio, que não é um metal, é um metaloide, mas de toda forma serve também pra mobilização desse elemento. E isso é importante que as pessoas conheçam, esses locais onde realmente esse processo pode ter acontecido, pra aí sim tomar alguns cuidados, pra não ingerir a água desses locais, pra não tomar banho continuamente nesses locais pra que não cause um acúmulo. Isso é importante, esse conhecimento é importante. A empresa é preocupada com isso, desenvolveu um estudo específico de mapeamento desses garimpos, inclusive com o passivo que foi deixado por eles nesse sentido de uma forma que a gente possa dividir com as autoridades, que é o que a gente pretende fazer em breve.
P/1 – Quer dizer, esse projeto foi feito e isso não foi disseminado ainda, não foi divulgado, vamos dizer assim?
R – Não. A gente ainda não fez uma divulgação dessa parte do projeto, da parte do efeito do impacto dos garimpos, mas nós temos mapeado isso hoje e nós temos, inclusive, como demonstrar as fontes de algumas dessas anomalias, de onde que elas estão e por que elas estão acontecendo naqueles determinados locais. Agora, naturalmente que você não tem uma coisa que é completamente catastrófica também, isso não está acontecendo na cidade inteira, não é um cenário assim. Agora, naturalmente, quando se trata de um elemento tóxico é naturalmente devido a que as pessoas que estão mais próximas desses locais tenham conhecimento e possam tomar os cuidados mais adequados. Um deles, por exemplo, não consumindo água, seja lá de cisterna ou de poços nesses lugares porque estão próximos de áreas afetadas onde, ao serem expostas, o arsênio pode estar realmente sendo mobilizado.
P/1 – Eu já estou finalizando, tá?
R – Tá bom.
PAUSA
P/1 – Alessandro, eu acho que você trouxe muito o contexto hoje, muito interessante desse processo e eu acho que você foi um privilegiado, ou a Kinross foi privilegiada em agregar uma pessoa como você que está desde o começo e estruturou, pensou muito nessa coisa da preocupação com o meio ambiente. Como você, olhando pra tudo isso, pra esses desafios que vocês têm e que você coloca que é uma coisa que na verdade, no aspecto cotidiano, não no sentido do dia a dia, mas ele está presente sempre, né? Eu queria que você falasse um pouquinho como você vê o futuro da Kinross e o futuro do meio ambiente ligado a essa questão da mineração. Como é que você vê isso em um futuro próximo de 20, 20 e poucos anos pra frente. Como é que você vê isso?
R – Você diz em termos particularmente do que vai acontecer ainda, né?
P/1 – Assim, olhando um pouco pro que vocês conseguiram evoluir em termos de meio ambiente, olhando pra ECO-92 e olhando pra agora, o que você vê como perspectiva de melhora, ou mesmo de impacto também, e o impacto positivo ou negativo?
R – Bem, eu acho que agora com a estrutura que a empresa tem e com o nível que nós chegamos, nós já temos, vamos dizer assim, o passivo em termos de área removida, ou daquilo que de alguma forma é o impacto inerente da operação específica da Kinross, ele já foi gerado e os controles foram estabelecidos e tudo o mais. Daqui pra frente o que a gente tem que pensar sempre em melhoria. A forma como eu vejo é o seguinte, a cada dia mais as partes interessadas vão estar mais e mais cobrando, fazendo o seu papel. As partes interessadas hoje têm muita informação e cabe à empresa estar preparada pra responder a esse desafio, responder às partes interessadas, com ações de otimização, com ações de melhor comunicação e com ações, inclusive, eu diria, até, como eu posso dizer? Eu penso que seria até de vanguarda, vanguarda no sentido de que por que não a mineração e as comunidades estarem um pouco mais próximas no sentido de identificar realmente, de medir conjuntamente esses impactos trazidos e, de alguma forma, discutir também as soluções. Eu vejo ainda no setor mineral um pouco dessa questão do conservadorismo. Felizmente, eu trabalho numa empresa que não é o caso, mas quando você olha o setor de modo geral, eu acho que a gente tem uma oportunidade grande de melhorar nesse sentido de buscar soluções conjuntas, ou através de comitês locais de discussão, de fóruns de discussão, trazer os problemas pra que sejam mais conhecidos também os problemas nesses comitês. E aí, pode-se pensar de várias formas, são pessoas, podem ser representantes legítimas da comunidade ou da sociedade local, que também podem envolver um número considerável de pessoas de notável saber ou de conhecimento técnico pra trazer uma contribuição. Em síntese: construir um plano que permita a sustentabilidade desses projetos de mineração daqui 20, 30 anos. Porque uma coisa é certa, as pressões sobre mineração só vão aumentar, então a nossa forma de fazer negócio vai ter que ser diferente, seja através dos processos que nós temos. Você vê as questões de barragem em função do evento da Samarco como foi questionado e agora como a indústria tem respondido, nós já escutamos falar de algumas empresas de mineração que já vêm desenvolvendo processos cada vez mais, eu diria, com menos impactos, talvez, do que simplesmente a instalação de uma barragem, seja deposição em pilhas, seja processos que você pode fazer, a reabilitação concomitante ao seu processo de lavra. Em síntese, é essa questão, eu acho que a mineração vai ter que repensar a forma do negócio, de fazer negócio. Como uma atividade muito, eu não diria que é rudimentar porque ela não é rudimentar, mas é que talvez tenha tido muito poucas oportunidades de atualizar, de se mecanizar, de se tornar mais, vamos dizer assim, menos talvez impactante. Então, esses aspectos do impacto, seja ao uso de água, seja a remoção da vegetação, seja a instalação de barragens. De uma forma geral, eu acho que o setor vai ter que repensar um pouco tudo isso. Porque vem por aí uma sociedade que vai ser muito mais preparada, muito mais, eu diria, que vai cobrar muito mais do setor mineral e eu acho que pro setor mineral estar preparado ele vai ter que começar a se posicionar desde agora, buscando ferramentas, buscando metodologias, buscando novas formas de fazer, né? Eu acho que o que não falta são instrumentos, o que não falta é tecnologia. Se hoje com o computador a gente faz tanta coisa, com um celular, imagina quanta coisa a gente pode fazer pra de repente reduzir ainda mais esses impactos, ter uma operação que seja mais eficiente do ponto de vista do uso de energia, de água, da forma como a gente faz gestão de reabilitação, que as compensações também, de alguma forma sejam melhor percebidas pela comunidade, não só os impactos negativos, mas os impactos positivos, como que isso pode ser assimilado melhor pelas comunidades. Sempre considerando o fato de que por mais que a gente consiga substituir muitos desses minerais, e tomara que a sociedade chegue num ponto em que consiga, mas hoje quando você olha no horizonte, pelo menos de 10, 20 ou 30 anos, não se consegue ver substituição para muitos desses elementos que foram criados pela natureza e pelo fato próprio fato de ter sido criado pela natureza não é algo fácil de se copiar, de se criar algo, vamos dizer assim: “Ah, eu criei uma alternativa”. Tem, existem materiais, naturalmente, alternativos, mas existem alguns minerais que tem uso tão exclusivo e tão especiais que você gostando ou não de mineração eles vão ter que estar presentes num dado momento porque o homem já se acostumou com eles (risos). Sinto muito te informar, a não ser que você não queira mais usar celular, que você não queira... Se você não quiser mais, aí de repente é o que eu falei, muda para algum lugar onde não tenha comunicação, não pegue telefone e tudo porque isso é o que está aí, então talvez a forma de fazer é que a gente vai ter que repensar, vai ter que fazer de uma forma que responda melhor as partes interessadas que nos dão a licença social. Sem essa licença social não adianta, a gente também não opera. Esse meio termo aí a gente vai ter que alcançar num dado momento. E a gente já parte, vamos dizer assim, de um princípio meio, eu diria assim, de desvantagem porque mineração é feio como a gente falou, né, ninguém quer mineração no seu quintal, a gente quer, naturalmente, usufruir de todos os benefícios da mineração mas desde que não seja perto de mim. Um dia desses a gente estava até discutindo um pouco quem que compraria, a gente tem muitos condomínios aqui que são de luxo, inclusive alguns, que são próximos de mineradoras. E aí a gente discutia quem aqui tem coragem de comprar uma casa num condomínio do lado da mineradora tal, tal tal, tal. E gera uma discussão muito interessante, as pessoas: “Não, agora você tem que morar lá pra você ver como que é o dia a dia” “Ah não, eu moro lá no condomínio mas nem por isso eu acho tão ruim, mas tem algumas pessoas que são mais radicais, elas realmente não podem ver uma poeirinha. Poxa, eu andava em fazenda, eu via poeira pra todo lado. Agora eu não posso ver uma poeira que ela vem da mineração (risos)”. Aí entra esse debate que eu acho que ele é um debate que não vai acabar, né, ele é um debate que a gente vai ter que ter. O homem é inteligente, a gente vai achar uma solução pra isso, eu acho que as pressões que estão aparecendo é exatamente pra que novas soluções, talvez otimizadas, melhoradas, possam aparecer. É tudo uma questão de colocar recurso, colocar esforço, alguma coisa melhor, uma forma de gerir melhor do que essa que a gente faz hoje, tem que aparecer.
P/1 – E pra finalizar vou fazer duas últimas perguntas. Você falou a coisa da água, que eu acho uma coisa muito interessante: quando você vai a Paracatu, a gente encontra uma questão de dicotomia, não sei se é uma dicotomia, mas enfim, é uma região de muita produção agrícola, você tem grandes extensões agrícolas, parece que são latifúndios porque são grandes extensões mesmo. E tem uma coisa da água, que você falou que eu achei muito interessante e a sensação que a gente fica é que existe um jogo de braço entre: “A mineração gasta mais água do que a agricultura extensiva”, aí a gente olhando pra isso, porque uma coisa não é excludente a outra, eu acho. E, Alessandro, você olhando até pra uma questão, que claro, isso vai depender tecnologicamente falando, porque é óbvio que a mina uma hora se exaure, mas isso não necessariamente precisa ser em 2030, porque pode ser que apareça uma tecnologia que permita que vocês continuem minerando lá, né? Então assim, eu acho que é uma questão de prazo, mas eu acho que é uma questão de oportunidades pra própria comunidade, né? De você olhar: “Você tem aqui uma coisa que gera riqueza, que são os grandes latifúndios, as grandes produções agrícolas, mas tem a mineradora que gera recursos também pra comunidade”, assim como o turismo poderia vir a ser também uma possibilidade, desde o parque que vocês construíram, aquelas grandes cachoeiras que têm lá. Então, eu queria que você falasse um pouquinho disso, como é essa relação, por exemplo, com os grandes produtores, como vocês interagem, como é a relação de vocês com eles e o quanto isso exige um esforço de realmente, é o que você falou, de montar comitês pra discutir os problemas e tal. Eu queria que você falasse um pouquinho sobre isso.
R – Sim, eu acho que a sua pergunta é muito importante porque toda associação, qualquer relação que existe, ela passa por um estabelecimento da confiança. Se você não estabelece a confiança numa relação, ela vai ser sempre uma relação superficial, não muito forte, podendo a qualquer hora se romper. Então, eu acho que é isso, a gente tem que partir pra relações que sejam realmente de confiança. Em Paracatu, a gente tem uma oportunidade muito interessante que é participar dos comitês de bacia. E os comitês de bacia, na realidade, naturalmente com uma região como aquela que é agrícola, dominada por grandes produtores agrícolas. Então o nosso papel de já participar no comitê já é um pouco a tentativa de nesse sentido de entender a lógica e o que move os produtores e os fazendeiros de um modo geral em relação ao recurso água, por exemplo, que você mencionou. A gente está no comitê já há praticamente cinco, seis anos, estamos tentando, já estabelecemos algumas pequenas parcerias, mas nós precisamos evoluir. E nesse sentido, a empresa tem tentado fazer um pouco a parte dela no sentido de que num dado momento o comitê não tinha um recurso pra funcionar, então a empresa tentou ajudar o comitê pra que ele tivesse um básico pra funcionar. Hoje, a empresa já dá uma ajuda pro comitê funcionar. Tecnicamente, a empresa sempre traz técnicos e sempre discute questões técnicas no comitê ou fornece ao comitê consultores pra que eles possam debater com eles e tentando achar soluções viáveis pra todos, e aí não só pra empresa, mas pra todos naquela região. Um grande exemplo disso foi que a empresa desenvolveu, conduziu um diagnóstico da bacia lá, do Entre Ribeiros, que é a região que cobre, inclusive, a bacia do São Pedro onde a gente faz as nossas captações, pra identificar qual que seriam as soluções. Primeiro, qual o diagnóstico e depois quais que seriam as potenciais soluções na questão de água naquela região. Então esse trabalho extenso foi preparado e esse plano, vamos dizer assim, plano diretor de água, ele foi gerado e foi, na realidade, doado pelo comitê. Então isso eu acho que já foi um grande passo, quer dizer, todo mundo meio que perdido no que fazer, todo mundo concordou que precisava identificar primeiro a situação de como é que se encontrava a bacia, aí foi feito o diagnóstico da bacia: “Aqui está mais crítico, aqui menos crítico”. E agora, entregando as ações: “Olha, pra resolver isso pra todo mundo precisamos de algumas barragenzinhas, alguns sistemas de regulação dessa água, dos fluxos e tudo o mais”. E nós paramos aí. Ao avançar um pouco mais, nós esbarramos com uma questão cultural, que é aquela questão: “Ah não, você me mostra o que você pode fazer, você me mostra seus dados, mas eu quero ficar aqui nesse limite, eu não quero ir além disso, eu não quero te mostrar meus dados, eu não quero trazer isso pra uma solução muito comum, a não ser que você vá pagar a conta toda” (risos). Então, eu acho que é uma questão cultural que no Brasil nós precisamos romper, é essa questão de que alguém tem que me ajudar. Enquanto você tiver uma cultura de que alguém tem que resolver o seu problema, eu acho que os grandes problemas não só nossos, mas do Brasil, não vão ser resolvidos. Porque a gente às vezes compara com outros países e tudo, talvez os outros países de primeiro mundo e mais desenvolvidos, eles tenham tido uma oportunidade, talvez até por causa dos conflitos por que passaram e coisas desse tipo, as guerras, eles aprenderam que um dado momento existe o bem comum, existe o conceito de cidadania, de que as pessoas podem construir as coisas juntas, né? E no Brasil eu acho que a gente precisa desenvolver isso mais, as pessoas precisam, inclusive, no Brasil fazer um pouco mais de trabalho voluntário, por exemplo. Eu morei em alguns desses países, eu via pessoas disponibilizando às vezes os finais de semana pra ensinarem um pouco sobre gestão de água, ou participar um pouco de um grupo de brigada de emergência da cidade. Essa questão do conceito de cidadania, do voluntariado e trabalhar para um bem comum, a gente precisa desenvolver um pouco mais a cultura das nossas comunidades pra isso acontecer. E é interessante que às vezes isso é mais fácil de acontecer numa comunidade mais simples, porque como as pessoas moram às vezes mais retiradas e elas dependem uns dos outros, um: “Faltou água na minha casa, comadre” “Ah não, eu levo pra você lá, compadre”, tal. Em síntese, esse tipo de relação precisa também chegar a nível setorial, que eu acho que as pessoas precisam ter uma relação mais de confiança. E aí a palavra é confiança mesmo, as pessoas precisam ter mais boa-fé e confiar um pouquinho mais... Naturalmente que, claro, ao longo do caminho, você pode encontrar um problema ou outro, um ou outro que criou um problema, ou não quis participar muito da solução. Mas as pessoas têm que acreditar que dá pra fazer coisas conjuntas. Eu acredito muito em desenvolver esses comitês nessas condições, você estimular, de alguma forma esses comitês, pra resolver esses problemas. No caso do Comitê de Águas é uma coisa que a gente tenta fazer participando, mas mostrando a eles que esse problema da água é um problema de todo mundo, não é um problema deles, é um problema meu, é um problema de todo mundo, isso está acontecendo no mundo todo. Mas é um processo de convencimento, às vezes lento, mais lento, não é tão rápido como a gente gostaria que fosse, tudo, mas as empresas têm que cada vez mais buscar isso, deixar com que as partes interessadas sintam essa confiança e busquem se engajar mais em soluções comuns. Eu acho que é isso que falta.
P/1 – E pra finalizar, eu queria que você falasse qual é a importância da Kinross promover um projeto com base na memória oral e contar a história através das pessoas. Qual é a importância de um projeto desses para a comunidade e pra própria empresa? Como é que a empresa vê isso?
R – Olha, eu acho que criar um projeto dessa natureza é extremamente importante. Eu acho que primeiro porque o Brasil de modo geral e as comunidades e as cidades de modo geral, quem melhor pode contar toda essa história é a sua gente, são suas pessoas. Então, eu acho que esse é um processo simples, versátil, muito realista, quantas e quantas coisas a gente sabe de períodos que passaram, de momentos importantes, seja da guerra, seja de eventos que aconteceram no passado, das pessoas contarem, de entrevistas das pessoas contarem qual foi o papel delas e tudo o mais. E o Brasil, infelizmente, sofre com uma falta muito grande de recursos na área cultura, na parte toda da infraestrutura pra registrar de forma adequada os seus eventos, os seus grandes acontecimentos. Então através das pessoas, através desse processo que eu acredito que vocês tragam com o Museu da Pessoa, eu acho que possibilita qualquer comunidade, qualquer instituição ou uma determinada comunidade, ou o governo, registrar e conhecer um pouco da sua história, da sequência de fatos e da sua memória. E assegurar que a sua memória não está passando em branco, não está sendo perdida de alguma forma. Porque aquilo que não é contato... Tem muita coisa que a gente sabe até hoje e, curiosamente, às vezes vem lá dos nossos avós, dos nossos bisavós? É porque eles contaram, eles contaram pra alguém, de dentro dos recursos que eles tinham e às vezes por serem coisas muito interessantes, acabaram ficando como a memória das famílias da gente, que eu inclusive acho que é uma das coisas mais importantes que existem. Quando a gente busca as memórias da família da gente, elas formam a gente como pessoa de uma forma muito impressionante, elas influenciam em muita coisa que a gente faz, até em decisões que a gente toma. E às vezes a gente não se dá nem conta disso, né? E eu acho que essa experiência de criar, de ter a oportunidade do Museu da Pessoa em Paracatu, na minha opinião faz parte de um dos grandes legados que a Kinross está deixando pra sociedade de Paracatu, está deixando pra região, está deixando pra Kinross. Nós como funcionários, a comunidade, a nossa relação como um todo, isso tudo já é uma história, né? Mas se ela não é contada, ela fica perdida no tempo. Então eu acho que é isso, eu acho que de extrema importância é esse projeto pra nós.
P/1 – E como é que foi você contar a sua história pra gente?
R – Ah, foi muito curioso, foi muito diferente! Eu nunca tinha feito isso anteriormente. É como se você fosse numa grande sessão de terapia que durasse um pouco mais do que o normal (risos), aonde você tivesse que contar com muito mais detalhes também toda a sua vida, o que você fez e tudo (risos). Mas é muito bacana, muito bacana, eu gostei muito de ter participado do projeto.
P/1 – Que bom, muito obrigada em nome da Kinross e do Museu da Pessoa pela sua participação, foi muito importante!
R – Obrigado vocês.
FINAL DA ENTREVISTA
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