P/1 – Primeiro, Valentina, fala pra gente o seu nome completo, a data de nascimento e o local de nascimento.
R – Sim. Meu nome é Valentina Silveira Soares. Nascimento é 19 de setembro, tá aí, 19 de setembro de 1924. E o que mais?
P/1 – O local que a senhora nasceu?
R – O lugar que eu ...Continuar leitura
P/1 – Primeiro, Valentina, fala pra gente o seu nome completo, a data de nascimento e o local de nascimento.
R – Sim. Meu nome é Valentina Silveira Soares. Nascimento é 19 de setembro, tá aí, 19 de setembro de 1924. E o que mais?
P/1 – O local que a senhora nasceu?
R – O lugar que eu nasci é Bacuriti. É um município, era aquele tempo um pequeno lugar que não tinha, tava começando um povoado pelos meus avós. Eu tenho que descrever isso?
P/1 – Pode contar.
R – Pelos meus avós. Onde tinha onças, essas coisas tudo. Então foi um começo de vida dos meus pais com os meus avós junto, né? Bacuriti que aquele tempo era Bacuri, depois não sei por que, o que houve lá, mudaram o nome de Bacuriti. Pertence a Cafelândia, comarca Cafelândia. Que aquele tempo nem tinha a comarca ainda, sabe? Era ainda um... Como é que fala assim? Ainda é um distrito grande que pertencia a outras cidades. Pirajuí, por exemplo.
P/1 – E o nome completo dos seus pais, Valentina? Da sua mãe e do seu pai.
R – Meu pai era José Silveira Bueno. Minha mãe era Soares... Tinha Soares Brandão, né? Porque a minha avó era alemã, mas ela trazia mais a assinatura Soares.
P/1 – Mas qual que era o primeiro nome da sua mãe?
R – Da minha mãe Sebastiana Soares, depois Silveira, que veio do meu pai.
P/1 – E a senhora mencionou que a sua avó materna era alemã. Conta um pouquinho pra gente o que a senhora sabe da origem da sua família.
R – Da minha família paterna ou materna?
P/1 – Dos dois lados. Qual que é a origem?
R – Sim. A minha família materna era Itápolis. Eles eram tudo de Itápolis. Lá que quando minha avó veio, parece que veio criança ou neném, vieram depois das guerras que tinha lá, tudo. Então vieram pro Brasil. Agora onde moraram, eu não me lembro. Eu falo muito em Pirassununga, acho que em Pirassununga depois ela se casou, tudo, com o meu avô que era daqui do Brasil. E eles fizeram vida, fazendas também, todos tinham fazendas. Itápolis. Município de Itápolis e Borborema.
P/1 – Mas ela era alemã, ela nasceu na Alemanha?
R – Ela era alemã.
P/1 – E a senhora sabe onde na Alemanha e por que eles vieram pro Brasil?
R – Não sei. Porque disse que os meus avós ficaram muito tristes, havia muita guerra e eles já tinham perdido um filho e tinha mais outro filho que ainda estava. Então foi o tempo das guerras lá na Alemanha, 14 não sei o que, né? Tudo isso a gente vê contar e se lembra de tudo isso. Então ele veio pra cá pro Brasil. Vieram de mudança, tudo, não foi nada assim porão, nada essas coisas. E ali cresceram, a minha avó, tudo, e casaram. Depois se encontraram, aí o resto eu não sei. Eu sei que o meu avô é daqui do Brasil, mas ela veio. A família toda veio pra cá.
P/1 – E a família dela veio pro Brasil pra trabalhar no campo?
R – Trabalhar no campo como trabalharam, cresceram tudo no campo. Meu avô materno parece que chamava Jacó, agora eu não tenho a origem assim, eu tenho parentes que já foram, descobriram alguma coisa, tudo, né? Enquanto isso eu não posso escrever.
P/1 – E eles trabalhavam no campo, o que eles cultivavam, a senhora sabe? Essas fazendas eram de que? O que cultivavam essas fazendas?
R – Cultivava acho que de tudo, café, criavam gado, porcos, tinham engenhos. Antigamente tinha muito engenhos, tudo. Eles tinham de tudo. Foram crescendo e adquirindo campos.
P/1 – E por parte de pai?
R – Por parte de pai também. Meus avós, o meu avô João Silvestre... Silvestre, não, que Silvestre era o pai dele. O meu bisavô era major Silvestre Correia de Moraes Bueno, né? Então ele veio de Minas e ficou em Lençóis. Ele veio e onde ele firmou a vida dele foi em Lençóis. Lá ele tem o nome dele, tem aqueles livros antigos, tudo, tem o nome deles, dos dois avós, tanto da minha avó como do meu avô. Então foi ali que eles fizeram vida. Eles eram ricos, esses avós eram ricos, tanto que deixaram herança, tudo. Quando ele morreu deixou para o meu avô que fez a vida, tudo. Tinha muitas terras. Aí depois vai acontecendo, que o meu avô teve... Como é que fala? Armazém em Pederneiras, que morou muitos anos ali. Bauru, meu pai estudou em Bauru, entendeu? Depois que vieram pra Novo Horizonte, mas Novo Horizonte era uma cidade... Não. Entre o Novo Horizonte, espera aí, eles vieram para Bacuriti que o meu bisavô tinha as terras ali. Então eles herdaram terras ali, muitas terras, e ali que ele fez o futuro onde fundou esse Bacuriti. Eles que fundaram, entendeu? Tudo que foi feito ali foi feito pelos meus avós João Batista da Silveira Bueno, que o major Silvestre morreu, ficou aquilo tudo. Aí meu avô veio pra Bacuriti, ali tinha ainda era muita mata, tinha onça, tinha tudo. Eles caçavam onça, matavam tudo. E tinha muito pouquinhas casas daqueles moradores, então ele foi abrindo o terreno. Ele foi abrindo, adquirindo coisas, tudo, e os filhos foram crescendo e o meu pai ficou em Novo Horizonte. Ele veio, ficou que ele trabalhava em farmácia, sabe? E o meu avô veio, tinha casa ali, foi morando ali, o outro filho dele se casou também. Aí meu pai então casou também e veio, trouxe a farmácia no Bacuriti onde tava começando, entendeu? Mas tudo tinha que ser feito vindo pelo Rio Tietê. Novo Horizonte ficava a cidade mais perto. Lins era muito pequenininho e as estradas muito ruins. Não tinha o conforto que tem hoje, era mais carro de boi. Isso eles contavam e eu ainda cheguei a ver mudanças. Então quando o meu pai se casou e veio embora, e veio pra cá, ele trouxe a farmacinha no Bacuri e começou. Mas como ele tava abrindo fazenda já, as terras que herdou tudo ali, ele foi abrindo tudo, ele não podia tomar conta da farmácia. Ele colocou um sobrinho, mas não dava certo aí ele trouxe a farmácia pra casa. Fez uma casa assim melhorzinha de taipa, porque antes era de sapé. Você sabe o que é casa de sapé, né? Coberta com aquele negócio. Eu não lembro mesmo se eu nasci, mas eu acho que eu nasci nessa casa, porque depois ele fez uma de tabuinha, coberta com tabuinha, sabe? Era mais alta do chão, tudo. Mas aí depois ele trouxe quando ele fez a casa melhor de taipa, ele trouxe a farmácia, mas não dava certo. Ele foi pra Novo Horizonte, que tudo ia a Novo Horizonte. Era mais fácil atravessar de canoa isso aí, entendeu? Era atravessar de canoa. Quando eles casaram que vieram pra cá pra morar na casa dos meus avós, a minha mãe veio segurando os cavalos e ele remando, ajudando. Ela disse que quase morreu de medo que ela nunca tinha visto isso. E fizeram essa viagem. Aí depois sempre ia, voltava, vai acostumando. Não tinha ainda balsa, era canoa. E aquilo era um perigo que aqui o Tietê é estreito, mas lá é largo.
P/1 – O pai da senhora era farmacêutico, é isso?
R – Não. Prático, né? Ele trabalhou na farmácia. Então quando trouxe a farmácia pra casa, montou ali tudo, aí ele foi pra Novo Horizonte contar lá como é que tava, que precisava de um farmacêutico. Tinha o seu Nino... Não. Ele chama Teófilo Bergamaschi. Ele se formou farmacêutico. Aí ele veio, conheceu Bacuri tudo e comprou uma farmácia. Então formado foi ele o primeiro farmacêutico. Ele está sabendo disso que eu ia contar toda essa história. Até o nome dele, do pai dele, desse dentista que eu estou falando, que esse dentista a minha filha trabalhou com ele. Mas então o pai dele que foi o primeiro farmacêutico formado e a mulher, esposa dele foi a primeira professora lá.
P/1 – Qual que era o nome deles de novo?
R – Dele era Teófilo Bergamaschi. Bergamaschi. Então lá ela era professora e ele tinha farmácia. O primeiro filho dele nasceu lá que é... Esqueci o nome dele, meu Deus, ainda eu contei que eu ia fazer essa entrevista, perguntei o nome do pai, ele falou. Então é Bergamaschi, foi o primeiro farmacêutico. E lá ele ficou. Nisso foi crescendo Bacuri, foi crescendo porque o meu pai trabalhou muito pela cidade, sabe? Ele trouxe a primeira escola, ele que fez força sempre... E tinha carros de boi, quando precisava levar as coisas eram com carro de boi, bem. Ia a Pirajuí, ia a Cafelândia, tudo. Vinha até o porto, quando não atravessavam até o Rio Tietê mesmo segurando como eu contei. Foi uma vida muito dura a deles, viu, e caçando onça. Ele tinha os cachorros, meu pai, tinha os cachorros, e meus tios também, outros tios que casaram, que ficaram por ali, que foram abrindo fazenda. Então foi assim, foi abrindo e meu avô com chegou abriu, deu terras pro cemitério, entendeu? Terras pra fazer uma capelinha que era de tábua e assim formou esse Bacuriti aqui tudo, pelos meus descendentes. O meu avô e meu pai que trabalhou muito, eu vou dizer. Ele trabalhou demais. Quando precisava uma coisa, quando forma fazer a igreja era de tábua, né? A escola era em casas assim, por exemplo, morava uma pessoa, tinha um salão grande, ali era a escola, até fazer uma escola, entendeu? E era essa vida. Então ajudava. O padroeiro lá é Santo Antônio, aí quando chegava assim fazia festinha. Meu pai não era católico, ele era espírita, mas ele falou: “Não, eu trabalho pelo lugar. Eu ajudo esse povo”. Ele então fazia, ajudava no leilão, minha mãe ajudava, faziam as festinhas. Todo ano tinha as quermesses... Quermesses. Aquelas reuniõeszinhas assim tudo. E chegava o dia da festa saía a procissão, aí o padre ia fazer procissão. Houve um ano, isso depois de estar mais crescido o Bacuri já, aí já era outra professora. A dona Verlinda já tinha saído, já tinha vindo pra Sabino, que Sabino é perto de Bacuriti também, é outro município, né? Mas já é uma cidade que já era maior. Então até a mudança do seu Nino quando foi embora, quem foi levar foi o carro de boi. Foi um empregado do meu pai. Era tudo carro de boi, não era automóvel como hoje, não.
P/1 – Valentina, o seu pai quando ele vendeu a farmácia ele foi trabalhar com o que?
R – Não. No que era dele, na propriedade. Aquilo crescia, entendeu? Plantar café, plantar cana, criar porcos, gadinho, foi comprando gado. Minha mãe trouxe quando casou uma égua já bem com dois e duas vacas leiteiras. Minha mãe já fazia queijinho, tudo. Isso atravessou ali pelo Tietê, viu? Tá bom?
P/1 – Sua mãe chegou a trabalhar fora de casa também?
R – Não. Nunca. Aquilo foi crescendo, foi crescendo, foi crescendo. A primeira máquina de costura que ela comprou, ela comprou de um sitiante que ia embora e queria vender, parece que meu pai não tinha, como é que foi. Ou ele que precisava, ele precisava de uma vaca leiteira, então meu pai já tinha mais, aí deu a vaca em troca da máquina que mamãe precisava costurar e aquilo era sertão. Então aquilo foi crescendo, crescendo, sabe? Crescendo mesmo que tinha mão jovem em casa. O outro tio já tinha engenho tudo. Foi crescendo que tudo são os braços, a vontade porque terra tinha, não é mesmo? Terra tinha, muita terra. E meu avô também foi crescendo e ajudando e o Bacuri foi crescendo mais. Até hoje é uma cidadezinha até boa.
P/1 – A senhora tem irmãos?
R – Eu? Irmãos? Vivo? Porque minha mãe teve dez homens e cinco mulheres.
P/1 – Qual que é o nome dos seus irmãos?
R – Você que fez aquela coisa?
P/1 – Fui, mas é que eu quero deixar registrado aqui.
R – Godofredo. Godofredo era o mais velho que eu falei que era major da força pública, naquele tempo era força pública. Ele cursou a escola, ele fez academia, ele era major, mas quando ele faleceu, ele já era aposentado. Godofredo, a Julieta, o Romeu, Valentina, Vicente... Deixa-me ir devagar porque senão eu me perco. Vicente... Roberto, Clarice, Osvaldo, Argeu, Gilberto, Neusa... Deu quanto? 12, né? 12. Agora eu te falei que o Roberto é gêmeo, né?
P/1 – Falou.
R – Então o Ranulfo morreu e o Valter, aquele, e a Celina que a minha mãe deixou com dois anos, faleceu. Aí ficamos em 12. Depois de três anos o meu pai se casou com a cunhada. Três anos e meio. Ele se casou com a cunhada porque o meu tio morreu, deixou duas filhas, aí voltamos a ser em 15 outra vez. Por quê? Ela trouxe dois depois tiveram um filho só. Tenho só um irmão por parte de pai.
P/1 – A senhora falou um pouquinho como é que era a casa quando a senhora era criança, eu queria que a senhora descrevesse pra gente como é que era a casa em que a senhora passou a infância. Primeiro era uma casinha de sapê, a senhora falou. Conta um pouco como é que era.
R – Era de sapé. Depois foi de tábua. Depois o meu pai, como as terras eram muito boas e tinha muita água na fazenda do meu pai. Minas. Como tinha água, sabe? Aí ele já podia construir uma casa boa, melhor, porque aí o café já cresceu, ele plantou muito café, muito pasto, tudo, foi formando o gado. Aí então ele foi escolher o lugar onde ele ia construir a casa. Ele ia construir mais no alto, entendeu? Mas quando ele descobriu uma mina, uma mina muito grande assim que jorrava assim das pedras. Ele falou: “Mas eu não posso deixar isso aqui e fazer casa lá em cima, abrir poço e tudo”. Aí construiu ali perto assim uma quadra assim, um pouco distante da mina. Como que eu posso dizer pra você? Meio quarteirão. Meio quarteirão. Ele construiu ali. Meio quarteirão era perto que a gente ia buscar água na mina, lavar roupa na mina, tudo era na mina, sabe? Não tinha geladeira, quando queria qualquer coisa fresca o pai comprava às vezes cerveja assim, então colocava lá dentro da... Como é que fala? De uma tina de água, que a bica tava despejando assim, ficava gelada enquanto isso. A gente dava risada. Então era perto, tudo perto. Aí ele construiu a casa ali, mas de taipa, mas uma casa com porão, tinha baldrame. Sabe o que é baldrame?
P/1 – Não.
R – Baldrame é aquelas toras grande assim, constrói a casa em cima no alto, firma, entendeu? Não faz alicerce assim. Era construído ali, depois tem os tocos, tudo, tinha porão embaixo, entendeu? Aí ele construiu aquela casa grande, tinha a sala bem grande, a cozinha, os quartos grandes, tudo, mas tudo de taipa, não era forrada. Então ali ficamos muitos anos, mas como ia crescendo e muito café, papai tinha muito café, cafezal, tudo, aí precisou ele ladrilhar terreiros de café. Tinha dois terreiros bem grandes, a gente brincava ali, jogava peteca, tudo, sabe. E aí já foi melhorando, escolas. Aí não tinha... Mudou de escola. Ninguém queria dar, como é que fala? Dar pensão pra professora, tinha medo, não queria, sabe? Porque veio muito espanhol pra cidade, pro Bacuri e havia muita briga até entre eles tudo e não queria, e as professoras tinham medo, entendeu? E meu pai ficou muito conhecido em Cafelândia, conhecia todo mundo, aqueles políticos, tudo. Ele não era político, mas a amizade, tornou-se amizade. Porque tudo pertencia a Cafelândia.
P/1 – Como é que o seu pai e a sua mãe eram, Valentina? Assim, como que era a personalidade, o jeito deles, do seu pai e da sua mãe? Descreve um pouquinho assim como é que eles eram como pessoas?
R – Como pessoas eles cantavam, eram muito animados, meu pai gostava de dançar, tanto que conheceu minha mãe quando ele foi num... Aliás, tinha uma festa, tinha bailinhos, os irmãos vieram com ela, tudo, ele a conheceu ali. Ele gostava muito de dançar, gostava muito de short. Shorts, né, que fala aquilo?
P/1 – Música a senhora diz? Xote?
R – É. Xote. Tinha uma dança que era só quatro pares. Então a gente já era grandinho assim, eu tinha irmão de dez, 12 anos, vamos dançar. E a minha mãe não sabia dançar porque os pais dela não deixavam, ela era filha de Maria, tudo, sabe? Ela frequentava a cidade, então não deixava. Aí ele ensinou a dançar e dançava, sabe? Ele comprou vitrola. Ele era animado e eles cantavam os dois, cantavam, sentavam assim, cantavam os dois pra gente ouvir aquelas músicas antigas lá do tempo deles. Gostoso, né? Ele está dormindo ou está gostando da conversa?
P/1 – Tá gostando. Tá gostando.
R – Então sentava às vezes. Antes de dormir ele ficava com a gente, tomava parte ali com a gente. Quando a gente ia até tarde às vezes com a fresca, queria brincar no terreiro de café, jogar peteca, a minha mãe jogava peteca junto com a gente. Era animado. Eles eram assim comunicativos com a gente. Muito. Os dois. Só de cantar os dois juntos, que beleza, né? A gente lembra, aquilo ficou guardado, aquelas modinhas antigas deles. Que beleza. Depois eles estavam cansados: “Vamos deitar. Vamos deitar”. Nove horas já estava na cama. Porque no sítio não tinha luz elétrica, tudo.
P/1 – O que eles cantavam? Você lembra quais que eram as músicas?
R – Lembro Conchinha de Prata, Malva... Não. Malva não. Conchinha de Prata. Ai gente, eu lembrava, até pouco tempo eu lembra.
P/1 – Mas eram modinhas, né?
R – Modinhas antigas. Cantavam. E meu pai disse que cantava quando era solteiro. Ele gostava mesmo de dançar, ele ia a bailes. Tanto que depois as irmãs tudo iam a bailes. Elas eram chiques, entendeu? Do tempo delas, mas elas iam, os colarinhos tudo engomados, sabe? Aí encanou água.
P/1 – Como é que foi? Desculpa.
R – Encanou água. Encanou água porque pra carregar água lá dentro de casa, porque casa de tábua assim tinha que lavar. Lavar e lidava muito com leite, fazia muito queijo, nessas alturas já fazia muito queijo, muito leite, muita manteiga. Então o meu pai falou: “Eu vou encanar”. Porque a água nascia assim das pedras, era uma maravilha. Ele chamou o engenheiro, o engenheiro fez o cálculo: “O senhor está feito aqui com essa mina”. Aí fez, mas gastou quase que um caminhão de cana porque primeiro precisou encanar a água, fazer descer mais e colocar uma bomba que a própria água que descia da mina tocava a bomba. Aí depois aquela bomba tocava pra subir a água lá em cima. Veja quanto de cano ele gastou. Ele gastou muito ele falava, mas valeu a pena. Porque aí tinha água, enchia a caixa lá e o pai falava: “Vai, desliga a bomba, desliga a bomba, já encheu”. Depois nem desligava a bomba mais, aí caía água pelo quintal, tudo. Tinha tudo, tudo ali fresquinho lá. Era uma beleza. Só vendo.
P/1 – Valentina, do que vocês brincavam? Do que você brincava quando você era criança?
R – A gente brincava de tudo, de roda, jogar... Como é que é aquele jogo que bate na parede: “Olhe o seu lugar, sem rir, sem falar...”? Pular corda, de roda. Hoje não tem nada dessas coisas porque não tem. Não tem nada disso. E a gente tinha uma vida... Trabalhava, porque o meu pai ensinou tudo a trabalhar, criou trabalhando, estudavam, depois precisava de escola, lá não tinha, só escola até o primário, aí era interno. Aí estudavam em Lins internos, os mais velhos, os dois mais velhos já estudaram em São Carlos.
P/1 – Mas antes disso, a senhora começou a frequentar a escola com que idade?
R – A gente começava com oito anos. Não era assim, não. Eu lembro que eu nem fui aluna da dona Verlinda, eu acho que tinha uns seis anos, eu ia porque eu via os mais velhos irem, eu ficava chorando e queria ir. A gente que não tinha idade não tinha, não era assim, não tinha idade.
P/1 – E como é que era a primeira escola que a senhora frequentou?
R – A primeira mesmo que eu fui tudo, aí a professora veio, como eu te falei, morar em casa. Morava em casa. Aí ia tudo junto. Já tinha colônia. Meu pai tinha colônia porque tinha muito café, tudo, empregados, iam os filhos dos empregados, aqueles de longe, andavam léguas pra vir a escola. Ia tudo junto.
P/1 – Mas era na sua casa a escola?
R – Não. Era tudo na vila. Era um quilômetro. Era um quilômetro. Tanto que a fazenda nossa depois separou, quando saía ali já tinha a porteira Fazenda São José. Era assim encostado. Tudo ali que saía dali já era, que meu pai foi comprando tudo. Depois quando o meu avô faleceu a última gleba era justamente essa que era assim par com a cidade, sabe?
P/1 – E essa escola que ficava a um quilômetro, como é que era? Essa escola que a senhora falou que ficava a um quilômetro, como é que era?
R – Era de tábua, bem. Lá só tinha acho que duas ou três casas de tijolos que depois foram fazendo. No meu tempo ainda eu peguei a igreja de tábua. Depois que nós saímos de lá aí era tudo tábua. Eu peguei o ruim lá, mas era gosto, porque Santo Antônio aquilo tinha que ter festa e a minha mãe trabalhava muito pra fazer as coisas pra doar pro leilão. Ela trabalhava assim, fazia pão, doce, fazia pudim, ela fazia muito pudim, frangos assados, coisas que pudessem rematar. E o leiloeiro era nosso empregado, ele trabalhava em casa, chamava José Ramos. Então ele incentivava na hora de gritar a prenda: ”Fulano, quanto me dão isto?”. Era só dar um sinal que queria, cobria um pouco mais, então fazia um dinheiro pra ajudar a igreja, entendeu? Pra crescer, pra ter uma boa festinha. Então era assim, o povo se ajudava. Mas vi muita coisa porque meu pai foi delegado lá, ele foi subprefeito e tinha muita coisa ruim, viu? Muito que eu te contei que havia muito, você sabe, era muito longe de recursos, não tinha ônibus, era jardineira, a estrada muito ruim. Estrada que quando chovia não podia ir viajar. Então tudo precisava de carro de boi, tudo precisava de cavalo, essas coisas, sabe? Depois não, aquilo foi melhorando, a estrada. Não tinha luz elétrica. Então você vê a coisa era... E tinha muita coisa ainda o lugar, briga, essas coisas. Minha mãe não queria nem ver que fosse, mas não tinha jeito porque Cafelândia pegava no papai. Porque o meu pai era um homem muito vivo, ele assinava jornal, ele assinava dois tipos de jornal, Diário de São Paulo, o outro como é que chama? O Diário... Eu esqueci o nome do outro. Assinava, ele tinha correspondência em casa, todo dia o meu irmão tinha que pegar o cavalo e pegar a correspondência, ir lá no Bacuri, né? Mas nessas alturas já tinha colônia, tinha pra cá seis casas de tábua boa, depois tinha pra cá casas de barro que a gente fala. E depois vai aparecendo planta de algodão, depois veio a queda do café, de cortar o café, não é mesmo? Cortar o café, que judiação aquilo. Cortar aquele mundo de café. Aí começa a plantar o algodão, a cana. Tudo isso plantava. Cana plantava em casa porque o papai montou um engenho. Tinha engenho tocado a água, porque tinha muita água. Essa água não era da mina, essa água vinha do rio que ele desviou o riozinho que tinha, tudo, chamou engenheiro pra fazer isso. Então aquelas rodas gigantes que a água cai, você sabe isso? Que cai ali e toca. Então ele montou moinho de fubá e um engenho. A água era tão possante que tocava os dois. Se quisesse tocar os dois, tinha hora que precisava, mas ele fazia açúcar, entendeu?
P/1 – E a senhora falou que vocês ajudavam desde pequenos?
R – Ajudava desde pequeno.
P/1 – E no que vocês ajudavam?
R – Ajudava assim, como minha mãe tinha muita criança, já ia crescendo a gente já ia aprendendo dar banho, dormia com a gente, dar papa. Criava, ajudava a criar. Por isso que os antigos tinham muitos filhos, porque os outros iam ajudando, você entendeu? Era desse jeito. E trabalhar, arrumar a cozinha, coisa que hoje ninguém faz. Ninguém quer fazer. Arrumar a cozinha, como eu contei pra você, precisa lavar assim porque embaixo tinha porão e a casa é assoalho assim. Então o assoalhinho é meio larguinho assim, suja, entendeu? Junta pulga no porão. Então lavava, a casa era lavada, ficava fresquinho, o assoalho bonito. E tinha jardim, formar jardim, minha mãe formando, a minha irmã. Nós trabalhávamos, minha filha, desde pequena eu trabalhava. Fiquei sem mãe eu não tinha quase 15 anos. Eu completo em setembro, minha mãe morreu em julho, 31 de julho. Não. 28. Ela morreu dia de São Pedro. Eu enfrentei a cozinha porque eu tinha, já aprendia, sabia, estava junto com ela. Quando eu via a coisa assim eu assumi.
P/1 – Vocês moravam na fazenda quando a sua mãe faleceu, Valentina?
R – Sim. Na fazenda.
P/1 – E o que aconteceu? Como é que ela morreu?
R – Ela morreu do parto, do último. Do parto. Depois que nasceu o neném bem, muito bonito, tudo, aí teve um problema, né? Morreu assim, ela teve o neném dez horas, cinco horas ela morreu. Morreu, um sofrimento muito duro com tudo ali, só tinha farmacêutico e tinha médico que vinha toda semana. Justamente naquele dia o médico veio, mas quando ele veio já tinha ido embora. Foi rápido, né? E aí o neném nós criamos porque tinha a minha irmã mais velha que tinha 17 anos. Ela tinha 17 anos, que ela tava estudando, tava interna. E os meus irmãos estavam tudo. Ela morreu gozando de férias, né? Os últimos dias de férias, estavam com as malas prontas pra vir embora no outro dia e naquele dia ela morreu. Então transtornou. Houve um transtorno. Mas nós vencemos, graças a Deus foi uma família muito unida, ninguém dispersou, ninguém reclamou, e ajudamos o meu pai. Só isso que foi duro. Mas um ano que vencemos, foi muito bonito, fomos muito unidos, os irmãos muito unidos, muito mesmo (emocionada). Hoje que a gente vê como foi muito unido, ajudar meu pai, dar força pra ele, foi um golpe muito grande. Mas vencemos a nossa jornada, graças a Deus. Vencemos e passaram esses três anos, quando meu pai casou ele falou: “Vocês vão casar um dia. Não sei o que, tal, tal. Eu também preciso casar e tudo, a Isaura também. Eu tenho as duas sobrinhas lá coitadinhas...”. A minha madrasta a família era pobre, pobre, sabe? Eles não tinham conforto, ela precisava até ir pra roça porque o meu tio não era muito de ter, ele jogava muito, perdia coitado, muito dinheiro e tudo. Então ele falou: “Vamos ficar e eu ajudo a criar os filhos”. E foi tão bom, foi tão unido, foi tão bonito. Foi tão bonito que quando nasceu o primeiro menino a gente parecia que nunca tinha neném em casa de tão contente que a gente ficou de ter neném e brincar. Foi muito unido, viu? Foi maravilhoso. Não atrapalhou nada aquilo.
P/1 – Nessa época a senhora já não estudava mais?
R – Não. Aí é o que eu escolhi. A minha irmã voltou, todos voltaram, tudo, depois de uns três anos. O meu irmão, o outro que ajudava muito o meu pai, que era o Romeu, ele não voltou mais, não. Ele até partiu mesmo pra agricultura, mas ele tava ainda deixando o ginásio. Mas ele era o braço do meu pai. Nossa. Ele era tudo. Pra gado, pra tudo. Ele era tão esperto que às vezes... Porque sempre ia o veterinário, tudo em casa, fazer tudo, quando era pra marcar o gado, contar, que tinha muito gado. Fazia depois muito queijo. Fazia dez, 12 queijos por dia, sabe? Mas aí deixou de fazer queijo, ele comprou desnatadeira e desnatava e ia o creme só pra cidade. E foi melhorando também, aí já não era mais jardineira, era ônibus bom. Teve um tempo que eram tão ruins as estradas e não tinha onde o chofer morar, papai trouxe o chofer pra morar em casa e o ônibus saía de casa. Só que uma vez quando choveu muito não subia e o meu pai acho que não tava muito bom aquele dia, nem levantou cedo, nada, os meus irmãos que levantaram pra tirar o leite e tudo, aí eu lembro que o meu irmão chegou: “Pai, pai, o senhor sabe que o ônibus não subia a estrada?’ “E como é que foi?”. Porque tinha uma descida perto de casa, sabe? Ali virava um quiabo. Aí o papai falou: “Nossa, e como é que foi?” “Carro de boi, papai. Nós arrumamos duas juntas”. Olha que ideia. Meu irmão tinha uns 17 anos. Veja que ideia. Colocou e puxou o ônibus, tirou. Aí então quando ele via que tava pra chover ele não descia, ele ficava na parte de lá, que tinha a colônia, ficava ali que ia embora. Vê que ideia que até isso era uma ideia que eles tinham.
P/1 – Valentina, deixa só eu entender uma coisa em relação a sua escola. Você foi pra escola de que idade até que idade e quando você largou por que você largou? Por que você parou de estudar?
R – Não. Eu depois voltei terminar o curso primário. Eu voltei, mas com dificuldade porque eu que tomava conta da casa, tudo, mas como ia abrir o curso primário pra terminar o quarto ano, aí que eu voltei e terminei o quarto ano. Voltei, fiquei em casa. Depois assim, deixa-me ver, acho que num outro ano, dois anos assim depois, a vida estava melhor, aí já tinha empregada, tudo. Então eu fui fazer o curso. Eu queria aquilo. Eu não queria continuar mais. Eu queria aquilo, eu gosto de trabalhos manuais, tanto que eu trabalho até hoje. Até hoje eu faço crochê, faço gorrinhos, faço tudo que eu posso fazer, panos de prato, essas boinas. Tudo. Eu faço tudo isso.
P/1 – Que curso você foi fazer?
R – Aperfeiçoei na costura. Eu tenho diploma, eu sou formada. Eu sou formada mesmo. Eu fui pra escola de corte, sabe? Em Araçatuba, que eu tinha uma tia lá e ela estava em casa e disse: “Por que você não vai e não sei o que?”. E o papai tinha que ir pra ele... Porque o meu pai era assim, era muito bom, tudo, mas tudo que você queria fazer você tinha que pedir, conversar com ele. Tudo. Aí eu pedi: “Você deixa?” “Eu te levo”. Aí me levou, eu fiquei um ano lá fazendo o curso.
P/1 – Quantos anos você tinha, Valentina? Que idade você tinha?
R – Nessas alturas, acho que tinha... Ah, já tinha 18 pra 19 anos, porque o meu pai já tinha casado. Agora que eu lembro, já tinha casado. Foi aí que a gente pode, sabe? Ele ficou assim, nessas alturas tudo já tava bom, a vida já tinha melhorado muito, as crianças grandes. Onde eu parei mesmo?
P/1 – Você falou que foi fazer o curso, corte e costura, foi isso?
R – É. Isso.
P/1 – Queria saber como é que foi em Araçatuba. Você foi morar lá? Como é que foi o curso? Conta pra mim.
R – Eu fiquei com a minha prima, né? Eu falei que a minha tia, a escola era dela, bastante alunos. Eu cheguei um pouquinho, por exemplo, o curso era no fim do ano, eu cheguei tinha perdido uns dois meses de aula, três. Tinha que fazer tudo, acompanhar as outras, eu cheguei lá fiquei meio perdida, achei que não dava, mas como eu era muito prática, eu já sabia mexer em máquina, fazia muita coisa, ficava sozinha, tudo, então, num instantinho, eu peguei, engatilhei, olha, eu tirei diploma em primeiro lugar, tirei com 93, eu falei, né? Você vê?
P/1 – Como é que foi o curso, assim, você tava morando fora? Como é que foi sair da casa do seu pai?
R – Eu sai, ele me levou, ele ia fazer uma viagem mais a frente, uma cidade mais adiante de Araçatuba, que era tudo… ficava longe porque naquele tempo era diferente, era tudo longe, tinha muitos lugres de terra, tudo, como eu te falei e me deixou lá na casa da… ficou um dia lá com a sobrinha, fomos passear na cidade, ver as primas, fiquei com a minha tia, depois fiquei na casa da minha prima, mesmo, que eram, as meninas que estudavam, tudo lá, né? Então, ficamos lá, fiquei lá com ela.
P/1 – E como é que foi o curso? O que a senhora aprendeu, como é que foi a experiência para você?
R – A experiência foi que eu vim que eu botei tudo em ordem, já comecei a ensinar, já comecei a estudar. Meu pai mudou para a cidade, porque aí ele viu que ele precisava mudar, que eu não podia ficar lá, outra também, tudo, a minha irmã voltou a estudar em colégio de freira e também era muito pesado ficar tudo interno, ele achou que era melhor, aí ele mudou para a cidade, mas desde mudar para cidade, ele já tinha passado, como eu te falei a… como é que fala? Delegado de ensino, muitos perigos que corria e vice-prefeito, mas eu não posso, não posso, quando a minha mãe era viva, ele que ele foi delegado, que ele foi delegado, foi o primeiro delegado de lá, não tinha jeito, tinha que ser ele, porque a comarca ali, vinham as pessoas e diziam: “Seu José, mas o senhor é um homem instruído, o senhor é um homem que tem coragem, o senhor faz a coisa direito, não vai fazer…”, então, teve que ficar, mas a minha mãe não queria não, de jeito nenhum, correu muito perigo, ela dizia: “Muito cuidado”, né? E depois, quando passou lá o município, não sei o quê, aí prefeito, vice-prefeito, né?
P/1 – Seu pai foi vice-prefeito de Bacuri, é isso?
R – Vice-prefeito. Então, mas…
P/1 – Quando a senhora voltou de Araçatuba, quando você se formou no curso, a senhora começou a trabalhar como modista em Bacuriti?
R – Não. Aí, comecei lá. você não viu o retrato da casa? Não foi você, foi outra, quem me entrevistou lá foi outra…
P/1 – Não, fui eu mesma.
R – Foi você? Você não viu aquela casa? Não mostrei a janelinha? Ali era escritório da fazenda, essas coisas. Aqui quem vai tomar conta agora sou eu e sabe que as pessoas iam a cavalo? Iam a cavalo, era um quilômetro, mas nesse quilômetro, tinha que passar no meio de gado, porque a estrada também tinha, não é uma coisa separada, né? E a cavalo, tinha duas que iam a cavalo, uma tinha nenê, tinha nenê, chegava lá, as meninas olhavam, as crianças olhavam a nenê enquanto ela trabalhava, olha que beleza! Então, ele começou a ver o movimento ali com dificuldade e tudo e outra, minha irmã e irmão, nós todos precisando, os que queriam. Aí ele falou: “Então, amanhã, vamos procurar uma casa. Eu vou comprar”, ai veio eu e a minha irmã, procurar a casa. Aí procura, vai ver uma casa, ele ia comprar, ai quando eu achei, cheguei numa casa e gostei da casa, falei: “Ah…”, essa tinha cômodo fora, dois quartos grandes assim, fora, sabe? Falei: “Ah, aqui vai ser o meu quarto de costura”, ele sentiu que eu precisava, aí, logo, nós mudamos, meu irmão que estava noivo, casou e ficou na fazenda, entendeu? Aí ficamos todos na cidade. Ele tinha caminhão, ele aprendeu a dirigir, aprendeu, levou o chofer, ficava lá, quando precisava, ia, dava aula, vinha, trazia muita laranja, muita… trazia tudo que tinha em casa, e dava ainda para o chofer…
P/1 – E a senhora ficou trabalhando como costureira?
R – Como costureira e modista mesmo, ensinando, né? Ensinando. Eu ensinava.
P/1 – E onde que a senhora ensinava?
R – Lá onde eu não falei que tinha um quartinho assim? Uma sala, mandei fazer um balcão bem grande. Ensinei muitos anos. Olha que eu fiz muito vestido de noiva, de baile, muitas formaturas lá em Lins, que tinha muito estudante, formatura, né? Tinha muito ajudante. É uma cidade boa para trabalhar, porque tinha a escola profissional, então era fácil para a gente ter contato ali com as novidades, com tudo e até para arrumar ajudante, porque as crianças estavam estudando, mas já aprendendo aquilo, então eu já pegava ajudante que sabia, porque naquele tempo, tinha máquina tocada a motor, não tinha essas máquinas modernas. Hoje, eu tenho, né? Mas naquele tempo, não, eu trabalhei muito com máquina assim.
P/1 – Como eram as máquinas naquela época?
R – Era aquela Singer, Singer tocada a pé. Depois que veio o motor, mas depois de anos que veio o motor.
P/1 – Mas nessa época, a senhora estava em Bacuriti e não em Lins, ou a senhora estava em Lins, já?
R – Ah, Lins, não, quando eu aprendi que eu vim embora para Araçatuba, nós já voltamos para cidade.
P/1 – Para Lins?
R – Para Lins. Uma boa cidade, então foi muito bom, viu? Assim que foi a minha vida.
P/1 – E o marido da senhora? Quando que a senhora… foi próximo dessa época, não é, mais ou menos?
R – É, mais ou menos.
P/1 – Vinte e poucos anos, como é que vocês se conheceram?
R – Conhecemos porque ele era do Exército, e ele foi do tempo da Guerra. Então, ele veio transferido de Lorena para cá, turmas assim, né? Eu fiquei conhecendo ele lá, mas depois, ele namorava outra moça, sabe, namorou até tempo uma moça que morava perto de casa. É interessante eu contar essa história para você. Eu tinha outro namorado, entendeu? Mas eu até já tinha desistido, porque eu vi que não ia dar certo, tudo, desisti. Mas aí, essa vizinha... A gente gostava muito da família, eram três moças, sabe? E ela começou a namorar esse moco, o meu marido (risos), que hoje é meu marido e a avó… ela morava com a avó e tinham as duas tias, tudo da mesma idade, ali, junto, de 20 e poucos anos, 21, 22, assim, sabe? Então, ela falou: “Eu não quero esse namoro com esse soldado, imagine, não conhece ele, não sei o que”, mas ela continuou namorando. Aí, veio a transferência dele para Campinas e eles namoravam, mas aí ficou de fazer correspondência e não podia vir a carta na casa dela, entendeu, porque se viesse a carta na casa dela, a avó descobria, né? Aí então, perguntava: “Pode jogar em casa?”, eu falei: “Eu não quero”, tinha uma irmã, a outra mais nova, já tinha uns 16 anos, 17: “Não, em casa não pode, porque eu já recebo muita carta, tenho muito correspondente”, e o papai falava: “Que tanta carta que você joga?”, falava mesmo, ele implicava. “Não, eu não quero”, e a outra também tinha namorado firme, a mais velha que falou: “Não, eu também não quero, de repente meu namorado descobre”, eu: “Pode pôr no meu nome aí não tenho nada mesmo, põe no meu nome”, porque ai, vinha como meu, eu estou trabalhando, não tem nada. E assim foi. E ele vinha sempre visitar a namorada, eles namoraram meio firme.
P/1 – Mas a senhora recebia as cartas e entregava para ela?
R – Não, ela morava em frente, ela via o carteiro jogar a correspondência, corria e vinha pegar. Eu nem via, às vezes, quando ela pegava, sabe, porque o carteiro jogava… ela já ficava de olho, esperando, porque correspondência do namorado vai e vem, né? Aí então, eles brigaram, brigaram feio. Ele que brigou, desistiu dela, umas coisas lá que ela. Brigaram feio. Mas quando chega fim de ano, a gente sempre tem assim, as pessoas que você manda, amigos, amigas, ele mandava também, uma lembrancinha, um cartão pra mim, assim, agradecia, mas isso eu nem via, porque fim de ano para mim era muito apertado, eu não tinha tempo para fazer um vestido para mim, de tão apertado. Então, ela que falava: “Mandou lembrança, não sei o que, não sei o que…”, então, ele foi embora, tudo. Quando eu estou lá costurando, isso já passados uns quatro ou cinco… jogam uma carta assim, com o meu nome, póf, aí, eu olhei assim e pensei: ‘meu nome’, e eu conhecia a letra dele, tudo, falei: “Mas como é que eu faço para dar essa carta para ela, tudo?” E ela vinha com o namorado, vinha na casa da vizinha. Eu falei: “Mas ela tem namorado, o que será isso?”, aí eu levei lá, peguei a carta e levei lá dentro na sala, onde estavam as minhas irmãs, tudo e tinha uma prima que morava em casa também, eu falei: ‘Olha, essa carta aqui veio no meu nome”, porque vinha no meu nome, “Eu não posso abrir”, o remetente era ele, tudo. Aí, as meninas: “Se você não abrir, eu abro, não está vendo que essa carta é para você, não está vendo que a Leninha tem namorado, tudo?”, abri a carta, ele dando as Boas Festas para mim, era minha a carta, dando Boas Festas, porque eu tinha mandado cartão para ele, como todo ano, mas já fazia, meses, já. Aí, respondendo e se abrindo, falei: “Minha nossa senhora”, ai, falei: “Eh, meu Deus, eu não tenho nada com ele, nem conheço direito”, porque eu via, mas não conhecia, eu sabia que ele era bom e achava que ele era bom, porque as minhas irmãs conheciam ele. Tinha uma irmã que ia na padaria pequenininha, ele mexia com ela, achava bonitinha e tudo, sabe? Eu falei: “Meu Deus do céu, eu não vou responder, porque ele está respondendo a minha carta”, aí eu fiquei numa situação e ele era assim, ele escrevia, dois, três dias, chegava carta pra ela, entendeu? Era desse jeito. Eu falei… eu fiquei, acho que uma semana e as meninas: “Você não vai responder? Responde a carta dele, ele é tão bom, ele é isso e aquilo, responde por educação”, aí eu respondi, falei, tudo, assim, mas não dando nada a… e nisso, uma amiga tinha ido lá em Atibaia, uma família e fui na casa dele, porque ele queria, gostava dessa família deles, foi, diz que ele falava tanto em mim, sabe, e perguntou tanto de mim, aí quando ela chegou, ela falou: “Valentina, o Orlando só falava em você, o que tem? Vocês estão namorando?”, falei: ‘Não, veio uma carta aqui, não sei”, aí que eu respondi a carta dele, falando. Ai, ele estava de licença prenda, aí cancelou, veio embora, transferido para cá, transferiu para Lins. Aí nós começamos a namorar, não tinha o que namorar muito tempo, nós namoramos, acho que oito meses só, porque ele estava pronto para casar, eu também, né? Assim que eu conheci ele. Aí, que eu fui conversar com ele, conhecer.
P/1 – Você lembra o quê que ele disse na carta? O que ele escreveu na carta?
R – Que eu sou muito boa, que eu era muito boa, que ele gostava de mim e que não sei o quê… eu falei: “Gostava como? Nunca conversamos”, diz que via muito eu. Podia ver, porque passava por ali, às vezes, a gente tava ali, mas eu nem acreditei. Mas depois, a gente foi vendo as coisas, né?
P/1 – E como é que foi o namoro de vocês? Esses oito meses de namoro, o que vocês faziam juntos?
R – Aí, logo já ele falou com o meu pai, que o meu pai era assim, não deixava a gente viver, não, viu? Meu pai era muito durão para essas coisas e a gente tinha muito respeito com tudo, nem irmão gostava.
P/1 – E como é que foi o casamento de vocês?
R – Ah, o casamento foi uma beleza, foi em casa, não, foi lá na igreja, mas demos um almoço, foram poucos convidados, demos um almoço, o coronel foi, tudo. Foi muito bonito. Depois, viajamos, fomos para Aparecida do Norte, e a minha irmã tinha casado pouco antes, uns seis meses antes, ela era casada, ele assistiu o casamento, ajudou no casamento, ficou conhecendo o meu cunhado, tudo, né?
P/1 – E como é que foi a viagem para Aparecida?
R – Foi bonita, foi tudo boa, né? Foi uma beleza. Meus irmãos que estavam em São Paulo, na volta, estavam tudo me esperando na estação, meu irmão não pode vir, o outro também. então, quando nós viajamos, na volta, telefonamos o dia que voltava, aí eles estavam todos me esperando na estação. Um me deu, meu irmão me deu um rádio grande, a gente não tinha comprado rádio (risos), mas tinha comprado casa, quando nós começamos a namorar, já ele comprou uma casinha para nós e uma casa boa, de tijolo, tudo arrumadinho, casa novinha, ele comprou uma casa novinha, três cômodos, mas todos os três cômodos grandes, com quintal e a casa no meio, sabe? Foi tão bom, minha vida foi muito boa, foi uma beleza.
P/1 – Em Lins? Vocês foram morar em Lins?
R – É, moramos em Lins. Uma casinha, uma vila, chama Vila Alta, bem longe de casa, a gente saía muito, ia no cinema. Eu levei cinco anos para ter filhos, cinco anos, aí que nasceu a Rogéria, a primeira filha.
P/1 – Como é que foi a sua primeira gravidez, Valentina?
R – Foi muito boa, eu nem esperava assim, a gravidez veio meio no improviso, eu não sabia, né? Fui muito feliz até nisso, passei muito bem, eu sempre trabalhei, não queriam que eu costurasse, mas eu gosto, as freguesas, não dava tempo, aí tinha ajudante muito boa, mas sempre estava pronta para sair, quando ele estava em casa, eu estava sempre com ele, né?
P/1 – E a primeira gravidez foi a Rogéria, né, que você falou?
R – Foi a Rogéria.
P/1 – E como é que foi o parto?
R – Fui para o hospital, foi parto normal, tudo muito bom, a gente tinha muito medo de cesariana, não podia nem falar, tinha um medo, foi parto normal, eu nunca… hoje em dia, não, é diferente, né?
P/1 – E a senhora se lembra, assim, quando a senhora viu a Rogéria pela primeira vez, qual que foi a sensação?
R – Nossa, uma alegria, né? Até podia ter trazido os retratinhos deles quando estava em casa com ela, ela nasceu no dia dos pais, dia dos pais ela nasceu. Ela nasceu. Aí, ele escreveu para o pai que ele também estava desfrutando dessa alegria, né? Foi muito bom, viu? Foi muito bom, eu tive uma vida muito boa, casamento, tudo, muito boa, mesmo. Depois, eu fiquei triste, porque a gente perde, né? Mas estamos aqui, né?
P/1 – Mas a senhora teve outros filhos também, fora a Rogéria?
R – Não, eu tive a outra, a caçulinha, que é a dentista. Ela vinha, mas ela não deu muita certeza por causa de pacientes, né?
P/1 – Qual que é o nome das suas filhas?
R – É a Rogéria, Ronice e Roseli, que é a caçula, né?
P/1 – E como é que foi ser mãe, Valentina?
R – Ah, muito feliz, a gente estava acostumada, tinha tanta prática de criar filhos, nós criamos irmãos, eu e a minha irmã, nossa, imagine, ficou com cinco horas o menino. E a outra, que ficou com dois anos que era doente! Ela foi muito doentinha, sabe, e também por causa de sofrer a falta da mãe, né? Então, você vê, tinha duas. A outra de três anos e meio era muito esperta, ela não, mas ela também sofreu muito, porque ela não podia ver, falar, chorava, tudo, né? Mas passou esses bocados tristes, mas passou bocados alegres, porque a família foi feliz, foi alegre, os irmãos… um tinha violão, acho que outro, parece que cavaquinho, a vitrola, a minha irmã, quando começou, que foi para a escola fazer o pré-primário fora, ela já pediu para o papai que queria violino, aprender violino, foi morar na casa da professora que tinha violino. Ela tocava muito bem violino. E cantava e era muito animada para festa, teatro, então ela ensinava a fazer teatro em casa, sabe? Isso no tempo da minha mãe, mesmo, já ensinava e a minha mãe cooperava com essas coisas, né? O outro irmão também, o mais velho, cooperava, fazia teatro, convidava os meninos, criançada da colônia e a minha mãe fazia um lanchinho bom ali, sabe? Para dar, distribuir para nós, para o pessoalzinho. Então, tudo isso, eles ajudavam na alegria e na alegria para dar para os outros, né? Cantar, tudo, né? Era muito bonito. Eu tinha uma infância feliz, trabalhando, alegre, meu pai muito assim, muito severo, mas alegre, feliz.
P/1 – E Valentina, deixa eu te perguntar uma coisa que ficou pra trás, quando você começou a trabalhar costurando, você lembra o que você fez com o primeiro dinheiro que você ganhou?
R – Você sabe que eu era assim, eu ajudava muito assim, as minhas irmãs, presente, a gente não sabia, então o meu pai falava: “Você precisa comprar uma coisa, minha filha, precisa comprar isso”, eu falava: “Mas eu preciso também do dinheiro aqui para movimentar”, que você sabe que tem gastos, a gente precisava ter capital para fazer uma compra, uma coisa, então eu já conhecia as lojas que podiam fornecer, eu tinha conta ali, que era a Arapuã, não sei se você já ouviu falar da Arapuã, só que ela tinha nome de Aparecida, Casa Aparecida, e a Casa Americana, não era Lojas Americanas, era Casa Americana, também tinha muita miudeza. Mas eu sempre tive dinheiro para emprestar ali para eles. Meu pai, às vezes, não dava tempo: “Meu Deus, eu não fui no banco e eu vou sair cedo. Você tem dinheiro ai, Valentina?” “Tenho” “Quanto tem? Tem?” “Tenho” “Empresta aqui”, era emprestado, nem, mas servia. Ai, quando a minha irmã ficou noiva, ela ficou noiva, ele trabalhava no banco: “Valentina, você não guarda dinheiro? Você tá sempre acertando conta ai” “Não, eu tenho dinheiro aqui”, e dar presente, às vezes, uma coisa, um cinema, eu pagava para as outras, que a minha irmã, a outra, não tinha, ela fazia muito tricô, essas coisas e a outra mais nova e aniversário de toda aquela família. Ai então, quando… meu Deus, perdi o fio da meada… então quando… o que é que eu tava…
P/1 – A senhora tava falando que quando sua irmã casou…
R – É, ela tava namorando, aí eu falava: “Não tenho nem tempo de ir lá no banco” “Você vai por o dinheiro, eu trago tudo arrumadinho para você. Você quer por?”, eu falei: ‘Mas será que não vai fazer falta?” “Não, você vai, se você receber um dinheiro hoje, você põe, depois amanha, você recebe outro…”, e ele me incentivou tanto que ele trouxe, eu assinei os papéis todos que precisava, ele disse: “Você não precisa nada de ir no banco”. Aí, fiz tudo. “E com quanto você vai abrir?”, que eu tinha 700 em casa, olha que aquele tempo, não? Tinha 700, quanto que dá hoje? Uns mil e pouco? Não sei, puxa, abri com isso. “Você quer talão de cheque?”, falei: “Não, eu não quero talão de cheque porque eu não vou fazer cheque para ninguém, porque o cheque é que sai o dinheiro”, e era mesmo, né?
P/1 – Qual que era o banco?
R – Banco Bandeirantes, era particular, era o Banco Bandeirantes, que ele trabalhava. Parece que ele quase que era contador, olha, você sabe que bom, logo ele casou e eu precisei ajudar a fazer as coisas para minha irmã, depois, logo veio o meu casamento, sabe, eu tinha… fiz tudo isso, tudo isso, vestido, não, o meu pai, essas coisas ele que deu, que como ele deu para outra, eu: “E depois tem eu, hein?”, ele fez um cheque lá, e então, quando chegou na vez minha, ele comprou a casa, aí eu tirei um pouco, falei: “Puxa, ele está gastando tanto”, ele tinha 16 mil na mão, de um irmão e o irmão pagava juros para ele, mas o irmão dele nem podia pagar, coitado, que ele tirou sem esperar, tirou porque ele comprou casa, tudo, né? Aí, ele falou: “Então, Valentina, não tire o seu dinheiro agora, só tire um pouco se você precisar, mas deixa o resto, porque depois quando a gente casar, vem logo a escritura”, aí você vê, cinco mil e fazer tudo…
P/1 – Qual que era o nome do seu marido, Valentina?
R – Francisco Orlando Granado Soares. Comprido, né?
P/1 – E com o quê que ele trabalhava? Ele era militar?
R – Militar. Ele era… esqueci de contar, ele foi convocado para Guerra, ele queria ir a Guerra, ele queria. Ele foi o número quatro, quando saiu a escala, ele era o número quatro, recebeu tudo o que tinha para Guerra, tudo! Aí, o coronel não deixou ele e outros, porque eles trabalhavam em tesouraria. Ele falou: “Não pode”, e ele sentiu muito, tanto que ele foi… aqueles que foram para Guerra, voltaram tudo com posto adiante, tudo, e ele ficou naquele posto que ele tinha. Depois de certos anos, de oito anos, ele foi promovido bem lá em cima e recebeu tudo atrasado, quando a gente foi para Cáceres.
P/1 – A senhora lembra do final da Segunda Guerra?
R – Lembro! Foi em 45.
P/1 – E como é que foi, a senhora escutou… como é que a senhora soube da noticia?
R – Sabia, porque ele estava no Exército, eu sabia, sabia tudo, acompanhava, vieram os colegas dele. Veio um que foi que era até da turma dele e que foi, chegou lá, morreu. Ele tinha tirado retrato, eram amigos, tudo, sabe? E ele tem o retrato, ele sentiu aquilo. Mas morreu não porque ele foi em combate, ele teve disenteria, era filho único, só vendo, sentiu aquilo, viu? Talvez se tivesse ido, mas ele queria ir. Porque ele foi para o Exército que ele gostava, ele queria. Ele queria ir. Ele queria fazer carreira, sabe? Porque ele era pobre, não podia ir para a escola, ele tinha que começar assim, né? Eles eram pobres, a família do meu marido era pobre, todos trabalhavam em fábrica, sabe? E ele mesmo, tanto que ele não foi trabalhar em fábrica porque ele já aventurou outra coisa, senão, tinha que ir, né?
P/1 – A senhora disse que vocês iam ao cinema juntos, né? E o quê que vocês iam assistir?
R – Ah, todos os filmes bons que tinham, a gente ia. Quando passou… uma vez, me lembro que a gente veio passear, e passou… o quê que passou? Era um filme… “Os Dez Mandamentos”, era tão falado, né? Nós fomos, ele gostava de cinema e eu também, né? Assistia, mesmo quando eu morei em Belo Horizonte, a gente ia. Eu mudei bastante, porque eu morei lá na fronteira, perto da Bolívia, morei pertinho da fronteira da Bolívia, o pessoal da Bolívia, ali, Santa Cruz, vinha fazer compras ali em Cáceres, sabe?
P/1 – Por que vocês se mudaram, Valentina?
R – Porque era transferência. Transferência. O Exército é isso, transferência. Depois, fomos transferidos para Belo Horizonte, ele foi a ultima transferência dele, ele se aposentou nessa última, pediu a aposentadoria, porque fez 25, já pode, mas ele foi ficando, ficando. Aí, ele não aguentou aos 30 anos, que ele saía major, faltavam três anos, meu pai ficou bravo: “Porque eu nunca me aposentei” (risos) “Mas o senhor é outra coisa, trabalha de outro jeito”, então, ele não quis, não quis, tanto que os meninos já estavam na escola em Piraju, tudo, ele só esperou, em outubro, ele aposentou, esperou as aulas passarem, terminar o ano e veio embora para a nossa casa, a gente tinha casa em Lins, tudo. Aí, ele fez faculdade. Ele foi estudar. As meninas começaram a fazer faculdade, ele foi fazer, também e ele era tão estudioso, gostava tanto de estudar, que ele levava colegas para ensinar em casa, de tanto que ele gostava.
P/1 – Que faculdade que ele foi fazer?
R – Ele fez Administração de Empresas, porque ele foi trabalhar na Arapuã, tinha a Fenícia, né, você conheceu a Fenícia?
P/1 – Não.
R –
A Fenícia é letras de câmbio, essas coisas. E ele foi trabalhar com isso, ele vendeu tanta… ele trabalhou dez anos com isso, que nós chegamos a fazer outra casa nova, boa. Essa casa que eu ainda estava...
P/1 – O ateliê que a senhora trabalhava, a senhora sempre costurou em casa, é isso?
R – Sempre! Sempre, mandei fazer mesa, mandei fazer tudo o que eu precisava, que eu precisava de mesa grande para ensinar, né?
P/1 – E tinha algum nome? A senhora chegou a ter um nome?
R – Não, não, homem, não. Só moças, mães de… mães em Lins, eu não tive nenhuma com filhos, então, eu só tive moças, sabe? Só moça. Agora, quando eu ensinava lá em casa mesmo, eu tive mães que iam a cavalo, contei para você, né? Com nenê, que levava, precisava ajudar a olhar, que dó, né? E essas aprenderam direitinho, mas tinham algumas, tem… até hoje tem isso, porque as minhas filhas fizeram isso, começaram, mas nenhuma deu para isso (risos), nenhuma! Então, quando a mãe precisa mesmo, mas muitas moças aprenderam mesmo, de aprender mesmo e ensinar, tudo.
P/1 – E aí, quando que a senhora foi avó? Quantos anos a senhora tinha quando foi avó a primeira vez?
R – Eu nem me lembro…
P/1 – Quem que foi a primeira filha…
R – Porque deixa eu falar, eu levei cinco anos para ter filhos, eu tive a Roceli e depois, eu não tive mais filhos, mesmo que eu quisesse, eu não tinha, parou a máquina. Então, com 42, parou, deixa eu ver… a Roceli casou com 22 anos, ela levou dois anos para ter filho, só sei fazendo as contas…
P/1 – Com 66 anos, mais ou menos? Uns 6 a senhora devia ter? Sessenta e poucos anos?
R – É, 60 e poucos anos.
P/1 – E como é que foi ser avó? Quantos netos a senhora tem e como é que foi ser avó?
R – Foi gostoso, fui lá ajudar, tudo. Ver lá as loucuras deles (risos), hoje tudo moço, não? É muito gostoso ter os filhos pequenos, que hoje não… hoje, está muito cuidado, muito! Não que as crianças, que os filhos sejam ruins, mas são muito perigoso, muito, né?
P/1 – Quantos netos a senhora tem? Como é o nome deles?
R – Tem o Daniel, que é o da Rogéria, Daniel. O da Roceli é o Andrei, às vezes, eu confundo a idade de um e de outro, o Dimitri e vem o outro, Michael. É, Andrei, Dimitri e Michael que fez 18 anos que se apresentou e tava com medo, ele tava fazendo primeiro ano de Engenharia, está com medo de ser chamado e acho que era hoje a passagem na prefeitura, com tanta gente, mas se Deus quiser, vai… e a menina que tem 16 anos. Ela tem quatro filhos e a Rogéria, um, né?
P/1 – Tá bom, Valentina. Eu vou encerrar a nossa entrevista, então, queria saber…
R – Foi boa?
P/1 – Foi boa. Eu queria saber se tem alguma coisa que eu não perguntei e que a senhora gostaria de falar?
R – Não, eu acho que perguntou tudo, a minha vida, por exemplo, o desenrolar da minha infância, assim, né? Foi tudo, que foi muito boa, foi aquilo, né? Foi aquilo, viu?
P/1 – Tá ótimo. Então, vou querer saber da senhora quais são os seus sonhos.
R – Sonhos?
P/1 – É.
R – Olha, os sonhos, eu estou com 90 anos, então, os sonhos, eu quero… não é que eu quero, quando Deus me chamar, estou pronta, mas que fique sempre com essa saúde, saúde mesmo muita ninguém tem, mas eu ainda tenho muita disposição. Mas força, eu já não tenho muito mais, eu tenho muito problema de osteoporose, dor no braço, essas coisas, mas tenho ânimo. Hoje, levantei, fiz almoço, deixei tudo arrumado para poder vir aqui e todo dia, eu tenho essa luta. Eu tomo conta da casa. Só o serviço pesado, não, elas não me deixam fazer de jeito nenhum, nem posso, mesmo, né? Mas elas estão sempre junto. Mas elas incentivam tanto: “Mãe, faz isso que é gostoso, faz aquilo”, isso. E mesmo compra, assim, supermercado, eu não vou, não saio em São Paulo e mesmo em lugar nenhum sozinha. Mas eu gosto de fazer compra, porque a gente tem prática, a gente tem prática, tudo… então, é assim. E eu estou fazendo muito pano de prato agora. Para Copa, eu fiz uns cento e tantos panos, para Copa, cada um lindo, lindo, lindo!
P/1 – A senhora vende ainda?
R – Vendo. Eu vendo, mas para Copa, não tem mais, porque a Copa, eu fui comprar o pano adequado, eles jogando bola, com aqueles tênis, as bandeiras, tem de todo jeito, as camisas deles, então, você sabe que foi difícil para eu achar? Em São Paulo, eu não achei uma casa que vendesse, só achei lá no Butantã. No Butantã tem uma loja e ela recebeu bastante, mas recebeu aqui, pronto, acabou. Acabou. Então, eu fiz uma boa compra, depois, eu quis repetir um pouco, não pude, não tinha. Eu procurei em Atibaia que tem lojas boas, não investiram, acho que sabiam que não ia dar certo (risos), mas ficaram lindos, lindos os panos, viu?
P/1 – A senhora bordava? São bordados?
R – Não, barrados e depois, um enfeite. E o pano, também bom, vendia a 15, 14. Agora, já subiu um pouco, que tudo subiu, né? E continuo fazendo, eu faço sempre guardanapo, eu faço. Eu compro os panos, eu decoro, mas para Copa, surgiu pouco. As camisas saíram bastante de todas as cores, eles jogando, tinha hora que um estava de cabeça para baixo, e um para cima, e o que mais que foi? Foram poucos modelos, sabe? As bolas, bandeira… bandeira nem comprei, porque bandeira, só aqueles que saiam no meio de outras coisas, né, mas porque não faz vista, bandeira, mas os outros, não, os outros eu comprei tudo. Agora ontem, ainda tinham uns retalhos lá que davam para pôr, ainda cortar lá, que a Rogéria me ajuda. Eu ajudo a Rogéria e ela me ajuda, porque ela faz tapete de barbante bordado, lindos, lindos! Então, eu que ajudo arrematar e ela me ajuda a cortar, marcar, é assim.
P/1 – Valentina, faz muitos anos que o seu marido faleceu?
R – Faz 16 anos. Ele morreu de câncer, de fumar. Quando descobrimos, tava assim, uma coisinha assim, já levamos, operou, tirou, ele ficou livre, fez todo o acompanhamento, cinco anos, depois teve alta, ele sarou. Daquele, sarou. Mas depois, ele… vinham outras consequências, veio outras consequências, não daquilo, daquilo, ele ficou bom, graças a Deus. Mas é uma pneumonia, é uma coisa, e aí três anos, ele ficou assim que não podia andar e ele gostava muito de andar e queria andar, precisava andar com ele assim, na rua. Eu tive três anos assim, bem assim, bem puxado, viu, que no fim, a gente não sabe o que vai passar.
P/1 – Vou fazer última pergunta então, Valentina, como é que foi contar a sua história? O quê que você achou de dar entrevista aqui? De contar a sua história?
R – Eu achei bom, porque eu gosto, porque o pessoal novo não gosta de ouvir historia, né? não gosta, né?
P/1 – Tem gente que gosta. A gente gosta.
R – Em casa, não. Não sei se eles acham que eu falo demais, os netos, né? eles: “Ah, vó, deixa pra lá, já foi” (risos), sabe? Mas eu gosto. Se eu for, eu emendo, porque eu tenho muito o que falar, porque eu não falei tudo, mas não vou falar mais também, viu, porque estou cansada.
P/1 – Tá bom, tá ótimo!
R – Mas eu gostei. Eu gostei de vocês, foi muito bom, viu?
P/1 – Obrigada.
R – E a Flavia… a Flavia que ajudou, né, nisso? (risos)
P/1 – Tá bom, Valentina, muito obrigada, viu?
R – Nada, eu que agradeço.
P/1 – A gente encerra aqui, então.
FINAL DA ENTREVISTARecolher