CPFL - Impacto Social
Depoimento de Tiffani Beatriz Domingos Silva do Nascimento Marinho
Entrevistada por Genivaldo Cavalcanti Filho e Grazielle Pellicel
São Paulo/Campinas, 17/06/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº CPFL_PCSH_HV1055
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Genivaldo C...Continuar leitura
CPFL - Impacto Social
Depoimento de Tiffani Beatriz Domingos Silva do Nascimento Marinho
Entrevistada por Genivaldo Cavalcanti Filho e Grazielle Pellicel
São Paulo/Campinas, 17/06/2021
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista nº CPFL_PCSH_HV1055
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Genivaldo Cavalcanti Filho
P/1 – Qual o seu nome completo, o seu local e data de nascimento?
R – Meu nome é Tiffani Beatriz Domingos Silva do Nascimento Marinho. Eu sou natural do Rio de Janeiro, mas atualmente eu moro em Campinas e faço aniversário no dia seis de maio de 1999.
P/1 – Certo. Qual é o nome completo dos seus pais?
R – Da minha mãe é Bianca Domingos Silva Marinho e do meu pai é Fabiano do Nascimento Silva Marinho.
P/1 – Qual é a atividade de seus pais?
R – A minha mãe é autônoma, ela tem uma pizzaria. O meu pai é petroleiro.
P/1 – Vamos começar, então, pela sua infância. Você tem irmãos?
R – Eu tenho uma irmã de onze anos. Tenho um irmão mais velho também, mas não foi criado comigo, não.
P/1 – Você sabe a origem da sua família? Se eles são do Rio de Janeiro mesmo ou vêm de outra cidade?
R – A família por parte de pai é de Recife e por parte de mãe é do Rio de Janeiro - bem do interior, mas é do Rio de Janeiro.
P/1 – Você nasceu no Rio de Janeiro, então, né?
R – Sim.
P/1 – Você se lembra da primeira casa onde você morou? Como ela era? Em que bairro?
R – Sim, lembro. Não sei se foi a primeira casa que eu morei, mas eu acho que foi a primeira. (risos) Lembro, foi no bairro que a gente mora hoje em dia, no quintal da minha avó, numa casa de fundos. Morava minha avó por parte de pai na frente, do lado morava minha avó por parte de mãe e no fundo morávamos eu, minha mãe e meu pai.
P/1 – E você se lembra como era a casa? Ela era pequena, era grande? Era espaçosa, tinha quintal?
R – Era bem pequena. Eu lembro da casa nitidamente. Se eu for no quintal, ainda a casa está lá. [Quando se] entra… Era uma cozinha, aí vinha o quarto já e um banheiro; subia um degrauzinho, aí tinha um quarto bem pequenininho, que era o meu, e o quintal era bem grande. Tinha galinha, vários pés de frutas, um monte de coisa. Eu me divertia no quintal.
A casa era bem pequena e continua lá. (risos)
P/1 – E o que você gostava de fazer quando era criança? Quais eram as suas brincadeiras?
R – Ah, eu sempre fui aquela tal da menina moleca mesmo, sempre brinquei de tudo, sempre... Nunca tive frescura com nada, brincava com as galinhas no quintal. Eu sempre fui filha única, até meus onze anos eu fui filha única. Eu não conhecia meu irmão por parte de pai, então cresci sozinha até os onze anos, até minha mãe resolver ter a pequeninha, que agora tem onze anos. Eu brincava sozinha, fazia tudo sozinha, mas eu adorava.
(03:42) P/1 – E você tinha... Em que bairro era, você se lembra?
R – Sim, é em Duque de Caxias, na Taquara. Hoje, atualmente, meus pais moram nesse mesmo bairro. Depois de lá a gente se mudou. Eu tinha de cinco para seis anos [quando] a gente foi para o Centro, que é mais perto de tudo - no caso, no Centro de Duque de Caxias. Cresci praticamente lá, dos meus seis anos até os meus quinze anos eu morei no Centro. Quando eu fiz quinze anos, minha mãe e meu pai resolveram voltar para o bairro que a gente morava quando eu era mais pequena, mais nova.
P/1 – E quando você foi morar no Centro, mudou muito a sua vida? Era uma região mais agitada? Você já tinha amigos? Você brincava na rua ou não?
R – Mudou um pouco, mas eu era bem nova, então para mim não fazia muita diferença. Eu lembro que na época a gente estava passando por uma situação difícil e foi morar na casa dos meus... Do meu tio, do irmão do meu pai. A gente ficou um tempo morando na casa do meu tio, então eu tinha a minha prima, que é mais velha que eu, mas querendo ou não eu tinha alguém. Era minha mãe, meu pai, tinha minha tia, meu tio; a casa era bem grande.
Depois de um tempo meus pais melhoraram de situação, aí a gente alugou uma casa; a gente saiu, mas continuou morando por ali. Eu fui mudando de escola, então fui conhecendo um monte de gente, fui criando amizade. Eu sempre brinquei na rua, depois que eu fui morar... Quando eu morava mais no interior, que é na Taquara, não brincava muito na rua - até porque eu tinha um quintal muito grande, então não tinha necessidade de ir para a rua - mas quando eu... A gente foi morar no Centro, aí eu brincava bastante na rua. A gente chegou a morar em rua sem saída, então eu ficava até tarde brincando na rua.
P/1 – Você se lembra do primeiro dia que foi para a escola? Como você se sentiu?
R – Não, não lembro do primeiro dia que fui para a escola, porque sempre estudei desde novinha, desde um aninho e pouquinho eu sempre estudei. Minha mãe já me colocou novinha na escola, então não lembro do meu primeiro dia. Mas a minha mãe fala que eu chorei bastante, que parecia que ela estava escutando meu choro de casa. (risos)
P/1 – É sempre assim, né? (risos) Eu também chorei. (risos)
R – Não lembro. Eu lembro da escola, lembro das professoras, de como era. Lembro do uniforme, mas não do primeiro dia.
P/1 – Qual era o nome da escola?
R – Nossa, não lembro o nome. Eu sei que era um uniforme amarelo. Era um colégio particular que tinha perto de casa. Tinha uma menina também que morava embaixo, eu era bem amiga dela; ela era parente da diretora, alguma coisa assim. A escola era em cima da casa da diretora, era como se fosse uma creche, bem para iniciação. Não lembro o nome da escola, mas eu lembro onde é, é perto... É perto de onde a gente mora. Agora, essa escola nem existe mais.
P/1 – Avançando um pouquinho, já passando para o seu ensino fundamental, [no] primeiro ano, você se lembra de quando saiu desse período anterior? Já que você começou bem novinha a frequentar a escola, você se lembra do seu ensino fundamental? Em que escola foi? Alguma lembrança que você tenha do período?
R – Eu lembro que um pouco antes da gente se mudar para o Centro eu estudei numa outra escola, que já não era mais aquela iniciação de pré, meio que creche, que era lá no bairro. Mas lembro que eu não fiquei muito tempo nessa escola, porque logo a gente teve que se mudar para o Centro. Lá no Centro eu estudei no Ômega - eu lembro das escolas todas - depois estudei no Corrêa Dantas, depois no Gaspari Topini e assim foi indo.
P/1 – E você tinha alguma matéria, algum professor que te marcou nesse período?
R – No ensino fundamental? Eu acho que não, porque eu estudei durante... Desde os meus... Na primeira escola estudei até acho que ir para a primeira ou segunda série. Depois eu fui para outra escola, que também era no bairro, mas foi bem rápido. Eu lembro que a gente teve que se mudar, nem lembro [de] ter ficado muito tempo nessa escola. A gente foi para o Gaspari Topini... Não, eu fui para o Centro de Caxias e estudava no Ômega.
Eu lembro que pelo fato de ter entrado no meio do ano e tudo mais, não ter conseguido me adaptar, eu até repeti; acho que foi a primeira série, eu estava na primeira série ainda. Eu saí dessa primeira escola, entrei nessa outra e logo meus pais tiveram que se mudar; a gente se mudou para o Centro e lá eu entrei em outra escola, no meio do ano, aí não consegui acompanhar, fiquei reprovada na primeira série. No próximo ano a minha mãe já me mudou de escola e aí foi fluindo tudo normalmente.
P/1 – Está certo. Você tinha algum sonho de infância? Alguma coisa, por exemplo: “Ah, eu quero ser tal coisa quando crescer”?
R – Eu queria ser... Eu sempre falei que eu queria ser veterinária, desde pequenininha sempre falei que queria ser veterinária. Chegou uma época da minha vida que eu não queria mais ser veterinária, eu queria ser engenheira química - de onde eu tirei isso não sei. Eu odeio, hoje eu odeio Química com todas as minhas forças, mas eu cheguei a fazer técnico de Química no ensino médio. No último período, eu já estava fazendo atletismo, aí falei que não queria mais, que não era isso que eu queria.
Mas o meu sonho era ser veterinária; acho que até hoje, se eu tivesse tempo, acho que seria veterinária. Eu cheguei a fazer o curso de auxiliar de veterinária, mas hoje em dia não é mais o meu objetivo. Acho que se eu não tivesse outra profissão, com outros objetivos, ainda apostaria na Medicina Veterinária.
P/1 – Você tem ideia do porquê? É porque você gosta muito de animais?
R – Eu gosto muito de animais, de todos os animais que você imaginar. Não tem um que eu olhe e fale assim: “Nossa, não gosto”. Eu gosto de todos e eu já tive rato, desde pequenininha eu sempre tive aquele monte de hamster. Na casa da minha mãe tem tartaruga, tem cachorro; eu tenho cachorro aqui na minha casa, passarinho, peixe, tartaruga da água, tem de tudo. Eu, quando fazia auxiliar de veterinária, tomava conta de uma cobra no meu estágio. Eu amo animais, amo de verdade.
P/1 – E chegando na sua adolescência, na sua juventude, o que você fazia para se divertir?
R – Eu brincava muito na rua, brincava na rua da minha mãe ter que ir [me chamar]: “Vamos, está na hora. Tem que entrar, vai dormir, que amanhã tem aula.” Eu brincava muito na rua e, como a gente morava numa rua sem saída, juntava as crianças todas da rua e a gente ficava brincando até tarde. Brincava de queimada, de pique-esconde… Nisso eu brincava até tarde. Fazia fogueira na rua… Sempre fui muito solta, brincava muito na rua.
P/1 – E a sua entrada no ensino médio? Você finalizou o ensino fundamental e chegou a mudar de escola?
R – (risos) A minha vida foi uma mudança de escola contínua, estudei dois anos em cada escola. Acho que a escola que eu estudei mais tempo foi quando eu saí do... Não, todas as escolas foram dois anos. Eu estudei um ano no Ômega, que foi na primeira série, depois eu estudei...
A escola que eu estudei mais tempo foi o... Eu fiz a primeira, depois reprovei na primeira, aí eu voltei, fiz a primeira, a segunda e a terceira no Colégio Corrêa Dantas. Fiz a quarta e quinta no Colégio Gaspari Topini, aí fiz a sexta e a sétima... É, o colégio que eu estudei mais tempo foi o Colégio Duque de Caxias. Estudava no centrão, onde tinha tudo, onde os adolescentes estavam... Eu amava estudar no Centro, eu ia para a escola de van, estava me achando! Estudei do sexto ao oitavo ano - que hoje é o nono ano, né? Estudei da sexta série até o nono ano no Setembro, aí fiz o primeiro e, segundo no Flama.
Depois do Flama, [no] meu último ano, fui para um colégio público, mas por opção minha, porque eu não estava conseguindo conciliar técnico de Química com querer ser atleta, eu não estava... Não era uma coisa que eu queria, não queria ser técnica de Química. Eu fazia porque, na verdade, os meus pais... Como meu pai é petroleiro, meu pai queria que eu fosse engenheira química, porque onde ele trabalha só tinha uma mulher e ela era química e muito bem sucedida. O sonho dele era que eu fosse engenheira química, para ter essas regalias que, talvez, essa moça que ele via no trabalho dele tinha, mas era sonho dele, não o meu.
P/1 – E o ensino médio você já fez em Campinas ou você ainda estava no Rio?
R – Não, estava no Rio, vim para cá [quando] já tinha terminado. Eu terminei o ensino médio com dezesseis, estava prestes a fazer dezessete. Com dezessete? É, com dezessete anos.
P/1 – Você fez o ensino médio e o ensino técnico ao mesmo tempo ou era um ensino integrado?
R – Era médio e técnico, mas para concluir o técnico eu tinha que terminar o terceiro ano lá naquela escola. Como eu saí no último ano, concluí o ensino médio e não concluí o técnico; faltaram dois períodos para concluir o técnico.
P/1 – Entendi. E seu primeiro contato com o atletismo, como ele aconteceu?
R – Nossa, esqueci de uma escola: o Setembro, foi no Setembro que surgiu a ideia do atletismo. Tinha um professor de Educação Física… Eu sempre fui muito “entrona”, sempre participei de todas as gincanas, sempre participei de tudo na escola. Eu sempre fui muito bagunceira também, sempre fui muito bagunceira, eu aprontava muito.
O professor de Educação Física falou: “Vamos lá na Vila Olímpica. Vou levar vocês tal dia.” Pediu autorização para minha mãe e para o meu pai, aí ele levou. Eu fui, no início não gostei muito porque ia ficar muito tempo; o tempo que era de brincar na rua eu ia ter que ficar lá. Teria que sair da minha casa, deixar meus amigos lá, todo mundo na hora de brincar de tarde e eu teria que estar no trem, não queria muito. Aí tá bom, passou.
Meus pais também nunca foram de me obrigar a nada ou de: “Ah, você tem que fazer”. Eu sempre fiz tudo o que quis fazer e eles sempre me apoiaram no que eu queria e não no que talvez eles queriam para mim, sabe? Acho que depois que tive autonomia de fazer o que eu quero, de ter a responsabilidade daquilo, sempre fiz o que queria e minha mãe e meu pai sempre me apoiaram. Eles poderiam falar: “Tiffani, talvez isso não seja bom, mas já que você quer fazer, então faça.”
Eu não queria muito, porque eu viajava também no final de ano com a minha avó. Todo final de ano eu viajava com a minha avó. Eu era a neta mais nova, então sempre ia com a minha avó quando ela viajava; adorava viajar com a minha avó. Se eu estivesse treinando, não teria como viajar com a minha avó, aí eu não quis, fiquei um tempo sem.
Foi época de política, se não me engano; estavam passando aqueles políticos lá, oferecendo tudo para ganhar voto, aí ele ofereceu uma bolsa de estudos. Nisso, meu pai falou que eu já tinha feito atletismo e tudo mais. Ele falou: “Tá bom, você vai na escola tal dia” - eu achei que era mentira, foi muito assim, do nada - “Você vai em tal colégio, tal dia, tal hora que tem uma bolsa 100%”. Eu olhei assim... E eu não estava treinando ainda, não tinha... Só tinha ido lá, tinha feito dois, três treinos. Falei: “Ah, não quero.” Tá bom.
Nisso eu mudei de escola. Fui para essa escola [em] que eu ganhei a bolsa, mas não voltei a treinar; só ganhei a bolsa mesmo, não voltei a treinar. Quando chegou um período de competições… Na Baixada Fluminense tem uma competição que é só dos colégios particulares da Baixada, eles competem um contra o outro. Chegou esse período de competição, foi um treinador de atletismo na sala de aula, perguntando se alguém se interessava, que ia ter um treino tal hora. Aí eu falei: “Ah, eu não estou fazendo nada. Vou pedir para minha mãe para ir.” A minha mãe falou: “Tem certeza?” Falei: “Eu quero ir.” Fui e daí eu peguei gosto; fiquei e estou até hoje.
P/1 – Você tinha mais ou menos quantos anos?
R – Eu tinha quatorze para quinze anos.
P/1 – Você tinha falado de viagens com a sua avó. Eu queria que você me contasse um pouquinho a relação com seus avós. Você falou que quando era criança morava... Ao lado tinha sua avó materna e na casa à frente da sua tinha a sua avó paterna.
R – Sim.
P/1 – Qual era o nome dos seus avós paternos?
R – A minha avó, mãe do meu pai, se chama Eurides e a mãe da minha mãe se chama Helena. A,mãe do mau pai é falecida, mas a mãe da minha mãe é ainda viva.
P/1 – E seus avôs estavam vivos, você chegou a conhecê-los?
R – O meu avô por parte de mãe nunca vi na vida, eu não sei nem... Não faço a menor ideia. O meu avô por parte de pai, eu o conheci depois... Se não me engano, eu já devia ter uns dezessete, dezesseis anos quando conheci meu avô por parte de pai. Ele morava em Recife. Aconteceu… Acho que ele começou a ficar doente lá, aí eles o trouxeram para o Rio e cuidaram dele, mas logo em seguida… Acho que ele ficou uns dois ou três anos assim, mas logo em seguida ele faleceu e logo depois, minha avó faleceu também.
P/1 – Então, sua proximidade foi mais com as avós mesmo, com as mulheres?
R – Isso.
P/1 – Eu queria que você me contasse um pouquinho, então, sobre a sua relação com suas duas avós.
R – Quando eu era menorzinha, a minha relação com a minha avó por parte de pai… Eu sempre fui muito próxima, ela sempre me defendia muito. Eu gostava de um ovo que ela fazia da gema mole, então eu almoçava nas três casas; quando chegava na minha casa já tinha comido na casa da minha avó por parte de mãe, já tinha comido na casa da minha avó por parte de pai. Quando chegava na minha casa para comer, eu já tinha comido.
Minha avó por parte de pai sempre esteve muito ali, junto comigo, até a gente se mudar - até eu me mudar, né? E a minha avó por parte de mãe também sempre foi muito presente. As duas foram muito presentes, até porque as duas moravam uma do lado da outra e eu morava no meio, então eu sempre tive proximidade com as duas.
Um tempo depois, quando fiquei mais velha, tive mais proximidade com a minha avó por parte de mãe do que [com] a minha avó por parte de pai, até porque a minha avó por parte de pai começou a ficar doente e aí precisava de cuidados e tudo mais. Eu viajava com ela no final do ano.
Minha avó nasceu no interior. Hoje ela mora nesse interior [em] que ela nasceu, em São Fidélis, perto de Campos de Goytacazes. E quando ela não morava lá, morava no Centro do Rio com a gente, todo final do ano a gente ia para lá. Lá é roça, é rio e eu amo essas coisas, então eu sempre ia com ela, porque sempre fui a neta mais, assim, para frente. Eu tinha uma outra prima, mas ela, talvez… Não gostava muito dessas coisas, então eu sempre ia com a minha avó. Eu não ligava em ficar longe da minha mãe, do meu pai; quando ela me chamava, eu sempre ia.
P/1 – E a sua relação com o restante da família? Você tem proximidade com tios, primos? Durante a infância, você teve muito...
R – Sim, eu fui criada com a minha prima, que é filha da minha tia, porque minha mãe só tem uma irmã. Só tem minha mãe e minha tia e a gente foi criado... Todo final de semana eu ia para a casa de minha avó, nas férias na casa da minha avó. Quando a gente era bem pequenininha, a gente foi criada junta ali, mas mais com os parentes da parte da minha mãe, que eram minha tia e minha prima, do que por parte de pai. Mas eu também sempre tive contato com todo mundo, sempre tive todo mundo por perto.
P/2 – Tiffani, eu fiquei com uma dúvida: você falou que viajava com a sua avó. Para onde vocês viajavam?
R – Para São Fidélis, perto de Campo de Goytacazes, é no interior do Rio de Janeiro.
P/2 – Outra coisa que eu queria saber também: você falou da comida, que você comia em vários lugares. Tem alguma comida da sua infância que você se lembra que amava ou que você ainda ama até hoje?
R – Quando eu era novinha eu bebia muito leite puro. Eu lembro que tirava o leite da geladeira, colocava no copo e bebia, sem açúcar, sem nada, gelado. Gostava muito. Hoje eu não bebo leite, mas eu lembro que naquela época eu bebia muito leite; ao invés de tomar água, tomava leite e tomava leite puro - tirou da caixinha, eu bebia. E eu também gostava muito de ovo com a gema mole. É muito difícil de eu comer hoje também, mas gostava muito. Era isso que eu comia na casa da minha avó: ovo com farinha. Quando chegava em casa minha mãe perguntava: “O que você quer?” “Eu quero ovo.” Eu sempre comia as mesmas coisas.
P/1 – Então vamos passar um pouquinho, voltar para a sua questão do atletismo. [Quando] você começou você estava quase indo para o ensino médio, não é?
R – Sim.
P/1 – E depois dessa competição, como você foi prosseguindo? Você começou a treinar onde? Como isso aconteceu?
R – Teve essa competição entre os colégios, aí eu comecei a treinar. Eu treinava na Vila Olímpica de Caxias, treinava com os treinadores Jorge e o Wilton; cada dia era com um. Depois eu comecei treinar só com o Wilton, mas no início eu treinava com o Jorge e depois eu comecei a treinar com os dois. Os dois faziam treinos. Cada dia treinava com um e chegou um momento que eu treinava só com o Wilton.
Eu treinei dois meses, se eu não me engano, um mês e pouquinho para essa competição e foi tudo muito rápido. Se não me engano, foi em março ou no meado de 2014; teve competição da escola, teve competição da Baixada.
Lá em Caxias também tem uma competição da Baixada, que se chama... Acho que se chama Baixada mesmo, é competição da Baixada Fluminense; iam Nova Iguaçu, Duque de Caxias e aí vai indo, se juntam os municípios e fazem uma competição. Depois dessa competição, o Wilton conseguiu me federar para eu competir um Brasileiro - era o Brasileiro Mirim. Corri o estadual também, antes disso. Ele queria que eu corresse porque, se eu conseguisse ficar entre as três melhores, eu teria uma Bolsa Atleta no outro ano; querendo ou não, eu teria uma ajuda de passagem, de alimentação e tudo mais e Caxias não conseguia me oferecer isso.
Foi tudo muito rápido. Em três, quatro meses eu fui para esse Brasileiro; fiquei em terceiro no Brasileiro. Logo depois que eu voltei, recebi uma proposta para fazer parte de um projeto na Marinha que se chamava Odebrecht. Nesse projeto eles me ofereciam plano de saúde, vale transporte, lugar para treinar; eu teria uma ajuda, uma bolsa. Meu treinador falou: “Aqui não tem como te oferecer nada e você merece ganhar o mundo. Vai e se não der certo você volta, mas tem que tentar”.
P/1 – E como você se sentiu ficando nesse terceiro lugar nessa competição? Quando foi que estalou a ideia na sua cabeça, do tipo: isso já está acontecendo, está dando certo?
R – Nesse momento não estalou nada, para mim era tudo uma brincadeira ainda - minha avó foi comigo, para você ver. Como eu viajava, a minha avó veio comigo para São Paulo, para minha primeira competição. Ela falou: “Não, não vai sozinha, eu vou junto”. E aí minha avó veio com o meu treinador. Veio eu, meu treinador, se não me engano mais dois atletas da mesma categoria; a gente era mirim e a minha avó veio junto. A gente ficou na casa desse meu treinador, minha avó fazia comida para as crianças todas. A gente foi na pizzaria e a minha avó estava sempre junto comigo.
Para mim não tinha estalado ainda que... Como as pessoas falam, tipo: “Ai, sou atleta”. Não tinha isso na minha cabeça ainda, não naquela época.
P/1 – E quando foi que essa “ficha caiu”, digamos assim?
R – Nossa! Eu acho que a minha ficha só caiu assim, de atleta profissional mesmo, de que era isso que eu queria para a minha vida, quando eu vim embora para São Paulo. Eu sempre fui muito objetiva e muito séria nas coisas que eu faço, mas mesmo assim... Não sei, depois que eu vim embora para São Paulo parece que ficou tudo mais sério, sabe? Parece que ficou tudo mais real na minha mente, tudo mais concreto.
P/1 – E quando foi que você se mudou, em qual ano você se mudou para São Paulo?
R – Eu vim para cá no final de 2017, literalmente no final. Faltava um mês para o Natal, Ano Novo e eu falei: “Ah, eu vou. Se não der certo, no Natal eu volto e já não volto mais, fico aqui no Rio direto.” Eu tinha feito dezoito anos no ano de 2017. Faço aniversário em maio e eu vim para cá no final do ano de 2017.
P/1 – E foi outra bolsa ou foi essa bolsa que você disse que você ia ter plano, você iria ter uma ajuda? Foi outra bolsa, uma bolsa seguinte? O que aconteceu?
R – Foi assim: quando eu entrei no projeto - o nome do projeto era Odebrecht - ele era vinculado com a Marinha. Era projeto para atletas iniciantes mesmo e eu tinha essa bolsa. Entrei no projeto em 2015; em 2016 acabou o projeto, aí eu já não recebia mais nada. Eu só tinha o local para treinar e meus pais arcavam com minha passagem e tudo mais. Eles pegaram essa responsabilidade para eles.
O projeto os chamou para uma reunião, falou que não teria mais como obter ajuda nenhuma e que eu poderia morar no quartel, se eu quisesse, mas eu sempre fui muito ligada com a minha mãe e minha mãe não me deixou morar no quartel. Ela falou: “Não. Eu arco com a responsabilidade de pagar a passagem dela todos os dias, mas eu prefiro que ela fique em casa.” Meus pais pagavam minha passagem e eu continuei treinando lá. Treinei 2015, 2016... Entrei no projeto no meio de 2015, aí treinei 2016; acabou o projeto, aí treinei 2017... No final de 2017 eu resolvi vir embora.
P/1 – E tinha alguma proposta em São Paulo, para você ter vindo para cá? Nada?
R – Não. (risos) Eu só vim mesmo, não sabia nem onde eu ia morar.
P/1 – E você veio com a sua família?
R – Sozinha. Eu e eu!
P/1 – E para onde você foi, quando você chegou aqui? Foi difícil? Você veio para São Paulo ou para Campinas, direto?
R – Eu vim para Campinas direto. Foi assim: eu fui fazer faculdade, fazia Nutrição. Tinha ganhado uma bolsa lá no Rio, eu estudava. Eu estudava de manhã e ia para a pista à tarde, sendo que meu treinador não estava conseguindo mais conciliar o treino à tarde porque ele tinha outras tarefas, ele era tenente no quartel. Quando eu chegava à tarde para treinar era muito cansativo, porque não sei se você já foi ao Rio de Janeiro, se vocês conhecem o Rio de Janeiro, mas eu morava na Baixada Fluminense e estudava na zona norte, estudava no Méier. É muito longe! Eu saía de casa de madrugada e não tinha como estudar à noite, porque a estação [em] que eu pegava o trem era muito deserta; tinha que passar por um beco embaixo e o Rio de Janeiro nem é perigoso, né? Então optei estudar de manhã, para ter mais movimentação na rua - os alunos estariam saindo, todo mundo estaria pegando condução. À noite, a maioria dos alunos iriam de carro ou alguma coisa do tipo, então ficava mais deserto, aí eu optei [por] estudar de manhã.
Eu ia para a faculdade de manhã, almoçava na rua. A minha mãe que bancava tudo. Ela só não bancava a faculdade, porque era bolsa, mas passagem, alimentação na rua, [ela pagava] tudo.
Eu pegava um ônibus da minha casa até a estação de trem; chegava na estação de trem, pegava um trem até Maracanã, do Maracanã pegava outro trem, voltando para o Méier; descia no Méier, ia para faculdade. Na hora de voltar, eu pegava um trem do Méier até o Maracanã, do Maracanã eu pegava outro trem para a Penha; descia na Penha, almoçava em qualquer lugar que eu achava a comida barata e dali eu pegava um ônibus para ir para o treino.
Quando eu chegava no treino, muitas vezes eu não sabia o treino ou o treinador estava ocupado, fazendo outras coisas e isso foi me desanimando. Cheguei a parar de treinar por alguns meses. Eu só estudava, porque não tinha como ficar gastando aquele dinheiro de passagem indo para o treino, chegar lá e acabar não tendo nada. Então, ao invés de eu ir para o treino, depois da faculdade eu ia para casa.
[Quando] chegou o final do ano eu tinha uma competição da faculdade. Eu precisava competir bem para manter a bolsa e já não estava mais conseguindo conciliar [pra] ir treinar naquele local. Conversei com esse meu primeiro treinador lá do início, Wilton, e ele me treinou um mês, para eu conseguir competir a competição da faculdade, para não perder a bolsa.
Ele falou para mim: “Você não pode parar de treinar, procura um treinador.” Eu falei: “Não está dando mais. Eu vou estudar, terminar minha faculdade.” Ele falou assim: “Não. Procura um treinador, vai para São Paulo, você é boa. Treina com o Evandro, ele é um ótimo treinador de quatrocentos [metros]”.
Mandei mensagem para o Evandro, mas meio que desacreditada já, talvez nem fosse mais esse o meu objetivo. Esse meu treinador que não estava conseguindo conciliar falava para mim: “Você que escolheu estudar de manhã”. Mas eu não tinha outra opção, eu tinha que estudar e ele poderia mandar a planilha [de treino], que eu faria sozinha. Mas foram muitas coisas que aconteceram naquela época também. A gente chegou a brigar; ele não aceitou que eu não queria mais treinar, falou que eu estava jogando oportunidade fora.
Foi na época que eu voltei lá para o início. Eu falei: “Não, alguma coisa vai ter que dar certo aqui”. Fui lá no meu primeiro treinador, conversei com ele; ele falou: “Treino você para competir a competição da faculdade”. Ele me treinou [por] um mês, aí eu fui para a competição da faculdade. Quando eu voltei, ele falou: “Você tem que... Vamos crescer, procura outro treinador, tem treinadores ótimos. Tem o Evandro.” Eu falei: “Quem é Evandro?” Não fazia a menor ideia de quem era Evandro, aí ele falou: “Ah, é o treinador de fulano de tal.” Falei: “Ah, tá bom.”
Consegui o número do Evandro e mandei uma mensagem. Falei assim: “Eu sou a Tiffani, não sei se você me conhece, mas eu queria saber se poderia treinar com você.” Ele falou: “Eu tenho tanto para te oferecer. Aqui tem alojamento, tem a pista. Vem!” Falei: “Vem? Assim do nada?” Aí ele: “É. Quando você resolver vir, me avisa. O treino começa às oito e meia.”
Eu falei: “Meu Deus, eu nunca nem tinha vindo para São...”. A única vez que eu tinha vindo para São Paulo foi na competição mirim lá em 2015. Falei: “O que eu vou fazer da minha vida?”
Conversei com a minha mãe, com meu pai. Eles não me apoiaram, não aceitaram, mas eu já tinha dezoito anos, então já respondia por mim. Esse meu antigo treinador, que era tenente também, falou para os meus pais: “Ah, ela está jogando uma oportunidade dela fora. Ela pode continuar aqui e tudo mais. Está jogando a oportunidade dela, financeira, fora.” Eu tinha a oportunidade de entrar como terceiro sargento, como atleta, naquela época e eu falei que não; eu também queria entrar como terceiro sargento, só que eu tinha outros sonhos além desse. Se eu ficasse lá, eu só entraria como terceiro sargento e talvez não conquistaria tudo o que eu conquistei até agora.
Meus pais ficaram contra. Na época eu não tinha dinheiro, não tinha nada e falei para minha mãe assim: “Mãe, me empresta...” Acho que era 120, cem reais, para comprar a passagem para São Paulo, para vir para Campinas. Ela falou: “Não. Já que você quer, então se vira.” Eu falei: “Tá bom.”
Conversei com esse meu primeiro treinador; ele pagou minha passagem. Minha mãe ficou sem falar comigo um tempo, me odiando porque eu fui a rebelde, porque eu quis vir embora. Cheguei aqui, eles ainda [estavam] bravos com a decisão que eu tinha tomado, mas depois de um tempo eles viram que a minha decisão foi... Não foi uma decisão ruim, foi uma decisão certa e eu só venho conquistando tudo que... Todos os meus objetivos que eu venho traçando, a gente vem conquistando e eles são super orgulhosos de mim, da mulher que eu tenho me tornado, com as atitudes que eu tenho, com os princípios que eu tomei. Então, acho que as coisas... Acho que eu fiz a escolha certa.
P/1 – E me conta um pouco dessa questão da faculdade de Nutrição. Como surgiu? Você teve essa ideia, era uma coisa que você queria mesmo fazer ou você fez para não parar de estudar? Como foi?
R - Eu sempre quis fazer Medicina Veterinária. Quando o coordenador da faculdade mandou mensagem falando que eu tinha a possibilidade de eu ter uma bolsa, a primeira coisa que eu pensei [foi]: “Nossa, eu tenho uma bolsa. Vou fazer Medicina Veterinária.” Mas não tinha Medicina Veterinária. Pensei em fazer Educação Física, ficava dentro do que eu gostava de fazer, mas falei: “Educação Física, acho que não é isso que eu quero.” Aí falei: “Vou fazer Nutrição.”
Comecei, fiz dois períodos de Nutrição no Rio [de Janeiro]. Tranquei a faculdade e vim para cá, fiquei um ano aqui sem estudar. Quando voltei a estudar, voltei a estudar Nutrição, voltei no mesmo curso que eu estava. Eu estudei dois períodos aqui, de novo. Comecei a viajar muito e faltar muito na faculdade, não estava conseguindo conciliar a viagem e fazer prova. Eu chegava na sala e ficava assim, ó: “Meu Deus...” E do nada falavam: “Hoje tem prova de História da Nutrição.” Eu falava: “Meu Deus, o que eu vou fazer da minha vida?”
Tranquei a faculdade de novo e acho que, se eu voltar a estudar… Vou voltar a estudar no ano que vem e acho que não faço Nutrição, porque eu descobri na Nutrição uma coisa que eu não... E sabia, mas não sabia que ia ter tanto. Como eu falei, eu fiz técnico de Química e eu nunca gostei de Química; na Nutrição tem muita Química. Falei: “Meu Deus, parece que quanto mais eu fujo de Química, mais tem Química.” Tinha algumas coisas que eu já sabia, mas não é uma coisa que eu gosto, que eu faça com prazer, sabe? Então, eu acho que vou fazer outra coisa.
P/1 – Quando você chegou em São Paulo, como aconteceu, como começaram as coisas? O que foi acontecendo, a partir do momento que você veio para cá sozinha?
R – [Quando] eu cheguei aqui eu tinha acabado de fazer dezoito anos. Cheguei aqui no final do ano e com todas as negatividades do mundo, porque minha mãe... Minha mãe não, mas meu pai [dizia]: “Vai dar tudo errado, você está fazendo a escolha errada.” Eu falei: “Tá bom, mas eu preciso saber.”
Eu sempre fui muito decidida. Para mim é aquilo que vou até o final, até o meu último dia de vida eu vou tentar aquilo ali. Eu queria, era uma coisa que eu queria tentar. Se não desse certo, beleza, tudo bem, eu voltava para casa: “Gente, não deu certo, voltei, estou aqui, vou fazer outra coisa”, mas eu precisava tentar.
Eu não conhecia o Evandro, não sabia onde ia dormir, o que ia comer, o que ia fazer; não sabia de nada, só peguei o ônibus e vim. Quando chegou aqui eu tinha o alojamento, um auxílio de alimentação, tinha a pista para treinar, tinha um grupo de treinamento - eu nunca tive um grupo de treinamento, sempre treinei muito mais eu e o treinador do que um grupo de atletas. Isso é muito importante. [Quando] cheguei aqui eu tinha um grupo de treinamento, eu tinha fisioterapia, psicóloga, massoterapia. Eu tinha, querendo ou não, uma ajuda de custo, um plano de saúde. Falei: “Eu acho que eu não fiz a escolha tão errada assim.”
A gente foi conquistando, a gente traçava os objetivos e a gente foi conquistando, alcançando as nossas metas, eu e meu treinador juntos. Hoje a gente... Ele é meu pai, um paizão real. A nossa relação é ótima e eu acho que a gente vai conquistar o mundo ainda com toda essa cumplicidade, simplicidade e com todos esses objetivos.
P/1 – E você tinha algum tempo para se divertir, com tanta rotina, com treinamento? Quando sobrava um tempinho, o que você fazia?
R – Eu sou muito família e amigos, sabe? Eu gosto de ter as pessoas por perto de mim. Prefiro estar junto com os amigos, com a minha família, do que ir para uma balada, fazer alguma coisa do tipo. Então, para mim não é... Hoje eu tenho muito menos tempo do que eu tinha antes, mas a minha... O que eu faço no meu tempo vago é namorar, curtir minha irmã, ir para a casa da minha mãe, para a praia - eu gosto muito de praia, praia é vida para mim. Se eu estiver de férias e não for à praia um dia, pra mim parece que eu não tive férias. Praia, para mim, é revigorante; eu preciso tomar um banho de mar, eu necessito de praia.
Eu namoro, curto o meu relacionamento, fico muito em casa. Nas férias da minha irmã, ela - no ano passado e ano retrasado - veio para cá, ficou aqui comigo nas férias. No início da pandemia ela estava estudando on-line; ela ficou aqui comigo e aí eu estava em casa, eu e minha namorada, então é bem... No tempo que eu tenho de folguinha, o máximo que consigo, eu fico perto das pessoas que eu gosto.
P/1 – Falando em pandemia, como a pandemia afetou a sua rotina, o seu dia a dia?
R – No início da pandemia foi bem louco, porque eu não saía para lugar nenhum. Eu não fazia nada, eu só treinava. Não sei se vocês sabem que aqui a gente mora praticamente num centro olímpico: só tem a pista, a piscina e o alojamento, não tem mais nada. A gente treinava na grama, fazia as coisas que tinha que fazer e depois a gente não fazia mais nada. A gente ia ao mercado uma vez no mês, porque a gente fazia compra do mês inteiro e não fazia mais nada, nada. Não tinha como fazer nada.
Foi um período que a minha irmã veio para cá e estava todo mundo em casa por conta da pandemia. Minha mãe e meu pai continuaram lá, mas a minha irmã ficou aqui. Ela estudava on-line, à tarde eu ficava com ela na aula; de manhã eu treinava e... Foi isso.
Eu curti bastante meu relacionamento e minha irmã na pandemia, porque foram... no início da pandemia foram cinco, seis meses, que eu fiquei muito com a minha namorada e fiquei um mês e pouco, dois meses, com a minha irmã direto - acho que ela ficou uns dois meses aqui em São Paulo comigo.
P/1 – E depois ela voltou e você teve alguma normalidade, digamos assim, depois desses cinco, seis meses? Houve alguma abertura, alguma competição, algo que fez você voltar ou vocês continuam ainda bastante restritos?
R – Agora já está quase tudo normalizado, né? Graças a Deus, a gente está conseguindo ter competições frequentemente. A gente consegue treinar normalmente na pista, consegue viajar normalmente, então está bem normalizada. Eu já tomei a vacina também, graças a Deus! (choro)
P/1 – Que bom, né? Que alívio! (risos)
R – Sim.
P/1 – E com essa falta de tempo todo que você diz que tem, como sobrou tempo para você conhecer sua namorada e vocês começarem a namorar? Como foi?
R – Ih, nossa! A gente namora tem cinco anos. Eu a conheci no projeto, lá em 2016, quando eu treinava na Marinha. Ela é jogadora de futebol, ela também é atleta; ela jogava no Flamengo e o Flamengo Feminino até hoje tem um vínculo com a Marinha. Ela jogava no Flamengo, eu fazia parte do projeto da Odebrecht e a gente se conheceu lá. Como as duas são atletas… Hoje em dia, ela joga no São José, que é uma hora daqui de Campinas, mas a gente sempre soube conciliar o nosso trabalho com... A gente dá um jeito. (risos)
P/1 – E a rotina de vocês é bem corrida, já que as duas são atletas.
R – Sim.
P/1 – Então, mesmo não estando próximas, vocês mantêm contato virtual?
R – Sim. A rotina dela chega a ser mais corrida do que a minha, porque como ela viaja o Brasil inteiro… No Campeonato Brasileiro ela joga a série A1; ela viaja duas vezes na semana, a cada duas vezes na semana ela está em um lugar diferente, então ela tem uma rotina de temporada muito regrada. Ainda mais agora, com a pandemia, para ela fazer esporte coletivo, ela não pode vir em casa, não pode dormir fora do alojamento, não pode sair, não pode fazer um monte de coisa. Antes, se não tivesse a pandemia, talvez, no final de semana que não tivesse jogo, ela poderia vir me ver ou poderia... A gente poderia fazer alguma coisa, mas com a pandemia fica bem difícil, porque elas fazem testes duas vezes na semana e se der positivo, querendo ou não, desfalca. Para eles é um prejuízo danado, porque eles fazem esporte coletivo. No meu caso, é só eu por mim mesma. No caso dela, ela tem que pensar nela e nas quinze meninas que jogam junto com ela, onze meninas.
P/1 – E como... De onde veio, como surgiu essa questão das olimpíadas?
R – Acho que o sonho de todo atleta é uma olimpíada. Eu acho que [pra] qualquer atleta que você perguntar “qual o seu maior sonho?” [a resposta será] “ser atleta olímpico”. Todo atleta tem o sonho de ser atleta olímpico.
Quando a gente viu que tinha a possibilidade de estar nas Olimpíadas… Querendo ou não, é um sonho fora da caixinha, para todo mundo. É uma realidade próxima, mas ao mesmo tempo, você acredita desacreditando. Você quer muito aquilo, mas: “Meu Deus, é uma Olimpíada!” Aí você fica: “Nossa, mas, caraca, será que eu vou conseguir ir?” É muito, muito surreal, um sentimento que a gente transborda, sabe? É uma alegria contínua, é uma ansiedade contínua de querer conquistar aquilo, de você querer obter o resultado que tem que obter.
Quando veio a possibilidade de ranking de pontuação, a gente não tinha só uma chance, a gente tinha duas chances. A gente tinha o plano A e o plano B e o meu treinador falava para mim: “Tiffani, você só tem que correr. Você faz o que a gente treina. Eu te coloco nas competições certas e você corre na hora certa, porque daí a gente soma os pontos corretos, para você estar dentro das Olimpíadas na data correta”. A gente foi obtendo, conquistando os objetivos e buscando cada vez mais.
Eu lembro que, no início de 2019, as Olimpíadas ainda não tinham sido canceladas. No início de 2019 eu cheguei a ir para o Sul-americano - tudo normal, sem pandemia, sem nada. Quando eu cheguei aqui no Brasil, em fevereiro, já estava um inferno, uma loucura, um negócio louco, eu não consegui entender. [Quando] fui, estava tudo normal. Quando eu voltei, tudo fechado, ninguém na rua. Eu falei: “Meu Deus, o que está acontecendo?”
No início do ano de 2019 o nosso objetivo já era as Olimpíadas. Nosso objetivo era fazer o índice, claro, mas com o plano B sempre ali, sendo movimentado para que, no final, tudo encaixasse conforme a gente planejou. Nada, nada do que está acontecendo foi por acaso; foi tudo um planejamento que a gente vem fazendo, de dois anos atrás, para que desse tudo certo agora. Pode ser que não dê certo, mas que a gente está fazendo as coisas para que dê…
P/1 – Certo. Então já era... já foi uma ação bem planejada, sua com seu treinador, com a equipe que você treina?
R – Sim.
P/1 – E você já está um tempinho nessa ansiedade (risos), né?
R – Sim, eu falo...
P/1 – Agora que está chegando...
R – Eu falei no Sul-americano, teve um Sul-americano há duas semanas e aí todo mundo [dizia]: “Quem ganhar o sul-americano, já está no mundial de Oregon.” Eu ganhei o Sul-americano, mas sabe quando você nem está pensando…Encerra o ranking olímpico no dia 29 agora e eu queria que dia 29 fosse no início do mês. Falei: “Meu Deus, podia já acabar com isso, essa agonia acabar; dia 29, hoje, acabou! Pronto, fechou. Quem está, está, quem não está não está e é isso.” Mas a gente tem até o dia 29 para conquistar, para fazer o índice, dar o nosso melhor em todas as competições. A gente vai buscar sempre uma evolução, em todas as competições.
P/1 – Falando em ganhar, quando você ganhou seu primeiro prêmio, a sua primeira competição, o que você sentiu?
R – Eu ganhei um estadual mirim. Eu lembro que tinha a Gabriela Mourão, ela tinha acabado de vir da África, se não me engano, tinha corrido “mó” bem lá, a menina “mó top” e eu ganhei dela. Nossa, eu fiquei muito feliz! Falei: “Nossa, eu ganhei dela”. A minha ficha não caía nunca. Falei: “Ela deve ter errado alguma coisa e eu ganhei”. Mas eu era novinha também, tinha quatorze anos, quinze anos e para mim era tudo muito novo, para mim era tudo muito... Qualquer coisa que eu fizesse, para mim, era espetacular. Eu fiquei bem feliz, ainda mais com aquela medalha, nossa!
P/1 – Como está a sua expectativa, agora? As Olimpíadas estão chegando.
R – Está chegando!
P/1 – Ainda tem toda essa tensão sobre cancelar, não cancelar. A gente acha que não vai mais cancelar porque está muito perto, mas como está a sua expectativa de receber finalmente o ‘ok, vai acontecer, eu estou indo’? Como você está se sentindo?
R – Eu acho que a minha ficha só vai cair quando eu estiver lá. No dia 29 [de junho] fecha o ranking e com certeza eles vão fazer um suspense todo para ver quem vai, para sair a convocação e tudo mais. Até isso aí a gente vai sofrendo por dentro. Ai, não sei nem explicar. Nossa! Tem que aguardar em Deus e que dê tudo certo, que a gente consiga fazer esse índice nessa competição, nessas competições que estão vindo, até o dia 29. E é isso.
P/1 – Tem alguma que você vai fazer ainda, até o final do mês?
R – Tem. Tem mais três competições em quinze dias. Eu tenho uma agora [no] domingo, tem uma quarta-feira que vem e eu tenho o estadual [no] dia 28, 29.
P/1 – E só a partir disso que você vai... Vai sair um ranking e aí...
R – Isso.
P/1 – ... Acabou. (risos)
R – É, acabou.
P/1 – Só a olimpíada.
R – É.
P/1 - Você tem uma previsão, a partir do dia 29, de quando você vai?
R – Ainda não temos. Quando sair [no] dia 29, se meu nome estiver lá e, em nome de Jesus que vai estar, aí eles passam as coordenadas. Vai ter camping e tudo mais, mas até então, não sei de nada. Eu tenho que correr e fazer o índice.
P/1 – Entendi. Bom, então, a gente já está indo para um bloco final da entrevista. Eu queria te perguntar duas coisas. A primeira: quais são as coisas mais importantes para você, hoje?
R – Profissional? Pessoal?
P/1 – Geral. O que for mais importante para você como pessoa.
R – Minha família, meu relacionamento e o meu trabalho. Deus acima de tudo, com certeza.
P/1 – E quais os seus sonhos para o futuro?
R – Ser bem rica! Mentira, estou brincando. (risos) Eu espero conseguir proporcionar para minha irmã tudo que meus pais conseguiram proporcionar para mim e muito mais.
O meu sonho é ter a minha casa própria, meu carro, ter minha vida, sabe? Ter uma vida, uma profissão. Eu não penso em ter muito, mas ter o suficiente. Ser feliz! Meu objetivo é ser feliz. Dentro do meu relacionamento, dentro do meu trabalho, fazendo o que eu gosto, com a relação com os meus pais, com a minha família, com os meus amigos, é estar bem.
P/1 – E a última pergunta, então: como foi você contar a sua história para a gente? Como você se sentiu falando sobre a sua vida?
R – Ah, tinha muito tempo que eu não parava para pensar sobre a minha vida. Quando a gente reflete em tudo o que a gente já passou, a gente tem um sentimento de gratidão, o sentimento de: “Nossa, talvez, se fosse diferente, não seria bom”.
Acho que eu faria tudo de novo, igualzinho. [Estou] muito grata por ter recebido esse convite, por vocês terem feito eu ter essa reflexão da minha vida - reflexão de tudo que eu vivi, de ter gratidão por tudo que eu passei, de ter gratidão pela minha família, de onde eu vim, o meu relacionamento, da minha irmã, ter gratidão do treinador que eu tenho, da estrutura que eu tenho. Acho que isso foi muito importante para mim.
P/1 – Tem alguma coisa que eu não perguntei, que você gostaria de falar, algum detalhe, alguma coisa que foi marcante para você?
R – Não, acho que tudo que é marcante eu falei: meu relacionamento, minha família e eu ter vindo para São Paulo.
P/1 – Está certo. Bom, então, obrigada pelo seu depoimento!
R – De nada.Recolher