Programa Conte Sua História
Depoimento de Lucas Gabriel Barbosa dos Santos
Entrevistada por Carol Margiotte, Luiza Gallo e Viviane Aguiar
São Paulo, 22/10/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV704
Transcrito por Viviane Aguiar
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Oi, Lucas. Obrig...Continuar leitura
Programa Conte Sua História
Depoimento de Lucas Gabriel Barbosa dos Santos
Entrevistada por Carol Margiotte, Luiza Gallo e Viviane Aguiar
São Paulo, 22/10/2018
Realização: Museu da Pessoa
PCSH_HV704
Transcrito por Viviane Aguiar
Revisado e editado por Viviane Aguiar
P/1 – Oi, Lucas. Obrigada por receber a gente aqui hoje.
R – De nada. Um prazer.
P/1 – E, pra começar, eu queria que você falasse o seu nome completo.
R – Meu nome completo é Lucas Gabriel Barbosa dos Santos.
P/1 – E em que dia você nasceu?
R – Eu nasci dia 5 de dezembro de 1998.
P/1 – Que cidade?
R – Itaquaquecetuba.
P/1 – E você sabe por que seus pais te deram esse nome, Lucas?
R – Boa pergunta. Eu também queria saber. Eu também gostaria muito de saber, mas eu não sei. Eu só sei que é um nome muito bonito.
P/1 – Qual dos dois você gosta mais?
R – De Lucas.
P/1 – Então, vou te chamar de Lucas.
R – Tá bom.
P/1 – E seus pais contam pra você sobre o dia do seu nascimento, como foi?
R – Do meu nascimento não. Mas eu sei um pouco de quando eu comecei a ficar internado em alguns hospitais, até vir pra Santa Casa. Já me internei em vários hospitais. Eu já internei... São Paulo foi basicamente em todos. No hospital... Eu não lembro. Só lembro que fui encaminhado para o Sírio-Libanês, eu fui pra lá e, aí, eu fazia acompanhamento aqui porque eu já comecei a desenvolver uma doença. Porque eu era uma criança normal, só que a única coisa que meus pais notaram foi que eu não conseguia ficar em pé. Só engatinhava. E eu também tinha doença respiratória direto. E, aí, eles começaram a me trazer várias vezes, vários hospitais. Aí, me encaminharam para o Sírio. Aí, do Sírio, me encaminharam pra Santa Casa. E eu me internei aqui eu tinha uns dois anos, dois anos e meio, por aí. Eu não lembro. Eu já era maiorzinho já quando vim pra cá.
P/1 – A gente vai fazendo umas pausas, tá, Lucas? Se você achar que precisa também, você chama.
R – Tá. E, aí, eu vim pra cá. Eu vim quando tinha uns dois anos. E, antigamente, a UTI [Unidade de Terapia Intensiva] era lá em cima, no quarto andar, porque aqui estava em reforma. Aí, eu fiquei um tempo na UTI, fiquei muito ruim. E, aí, os médicos só me deram dois anos de vida. Davam até os dois anos de vida... Pra eu ficar vivo. E, aí, eu tô aqui, com 19 anos, firme e forte, e, se Deus quiser, eu vou viver muitos e muitos anos, fazendo bagunça que é o que eu gosto de fazer, jogar videogame... E é isso, se divertir muito.
P/1 – E você tem uma primeira lembrança de quando você veio para o hospital? Qual é a lembrança mais antiga que você tem aqui do hospital?
R – Porque é assim: uma lembrança que eu tinha, que meus pais contavam, quando eu era criança, uma coisa que eu gosto muito de contar... Eu estava em casa e eu quebrei o fogão do meu pai e da minha mãe. Não sei como, mas eu consegui quebrar. E eu gostava de andar numa motoca, que eu tinha, de brinquedo, que eu adorava, eu adorava. E meu pai me levou uma vez para Aparecida do Norte, e eu montei num pônei pequenininho, de brinquedo. Essas lembranças são fora do hospital. Agora, no hospital, quando eu era criança, quando eu vim pra UTI, eu melhorei e, aí, eu fiquei um pouco mais em observação. E quem estava lá era o Serginho. Foi aí que a gente começou nossa amizade, desde aí. E, depois, todas as áreas que o Serginho ia, eu ia também. Todos os setores, quartos, e tudo. Quando foi reformado aqui, a gente veio, só que aqui era realmente diferente. Tinha eu, o Serginho e a... É que a outra criança não vou lembrar agora. Mas tinha outro menino, que era muito nosso amigo também. Só que, naquela época, muita gente falecia. E, aí, o Doutor Marquinho, o Doutor Marco, que é meu amigo de muitos, muitos anos, ele já era médico aqui da Santa Casa – se aposentou e ainda vem toda terça-feira só para brincar comigo, ele vem brincar, jogar comigo, um monte de coisa. Como isso acontecia muitas vezes, ele pediu pra tirar a gente de lá, pra vir para o outro quarto que está lá fora, que era onde eu ficava antigamente, pra depois eu vir pra cá. Até nas fotos que você vê aí no meu mural, eu ficava em outro quarto, não ficava neste. Quando a Vivi começou a vir, eu estava no outro quarto, quando comecei a conhecer a Vivi. Até a primeira festa de aniversário que a Vivi veio, eu estava lá nesse quarto ainda, no meu aniversário. Mas vamos voltar um pouco de novo pra trás. Quando eu conheci o Serginho, ele era um paciente que ia embora e voltava, várias vezes, de alta. Eu não, quando eu internei aqui, eu não saí mais, de ir embora, de alta. Quando a gente veio pra cá... Lá, na UTI, a gente não brincava muito. Tem uma foto minha com ele na cadeira lá na UTI, “tava” eu e ele na mesma cadeira, na poltrona, porque os dois eram pequenininhos ainda, dava pra caber na cadeira. Aí, quando a gente veio pra cá, quando foi reformado, aqui era diferente. A gente, uma das brincadeiras que a gente adorava fazer era assustar as pessoas. A gente fingia que a gente estava passando mal. Coisa de menino. Fingia que a gente estava passando mal pra todo mundo vir aqui correndo, e as pessoas pensavam que a gente estava morrendo, e a gente dava um monte de risada na cara de todo mundo.
P/1 – Como vocês faziam, como era essa encenação?
R – Como a gente fazia? A gente fingia que estava convulsionando, aí todo mundo vinha correndo pensando que a gente estava passando mal. E a gente falava: “É brincadeira, gente! É brincadeira! A gente está bem”. É uma das brincadeiras que eu gostava de fazer: assustar as pessoas... O que mais?
P/1 – E as pessoas, quando viam que era brincadeira, o que elas falavam pra vocês?
R – Ficavam muito putas da vida com a gente. Mas depois...
P/1 – Você estava falando das brincadeiras que você fazia com o Serginho. Você ia falar de mais uma também?
R – A outra, quando a gente foi crescendo, a gente gostava de jogar videogame. Aí, eu já estava aqui. Não neste quarto, não. A gente estava no outro quarto. Porque eu e o Serginho, a gente mudou de vários quartos. A gente gostava de jogar videogame, gostava de assistir jogo, que o que a gente mais gostava era assistir futebol. E o Serginho era são-paulino roxo, roxo, roxo, fanático. A gente já torceu pra vários times. A gente já foi palmeirense, já foi são-paulino, já foi santista e corintiano. Só agora eu sou santista e não mudo mais de time. Não mudo mais. Agora sou santista até morrer.
P/1 – E o que te fez virar santista?
R – Primeiro, meu pai é santista. Segundo, eu gosto da história do Santos. Eu acho legal. Eu acho a história do Pelé muito bonita. E eu comecei a torcer por causa disso, comecei a gostar muito do Santos e agora eu sou torcedor fanático do Santos. Fanático mesmo, de passar mal, de ficar vermelho de nervoso e até capaz de ter ataque cardíaco, do coração.
P/1 – Como é que é quando tem jogo do Santos?
R – Agora eu sou um pouco mais tranquilo. Antigamente, eu ficava muito bravo, mas tão bravo, que eu ficava uma semana emburrado, uma semana emburrado, não falava com ninguém. Eu falava, mas eu ficava uma semana triste. Agora não, agora já estou amadurecendo mais, estou ficando mais tranquilo. Então, perdeu, eu fico muito bravo, mas eu não fico... Eu só fico bravo na hora do jogo, depois passa.
P/1 – Vamos voltar, Lucas. A gente estava falando de você ser torcedor do Santos.
R – Ah, eu tenho até uma carteirinha de sócio-torcedor, que eu fiz, mas eu nem sei se eu tenho essa carteirinha mais. Sumiu. Mas tudo bem, o que importa é o coração.
P/1 – E como foi contar para o seu pai que você tinha virado santista?
R – O meu pai já sabia que eu tinha virado. Meu pai é de Pernambuco. Quando ele morava lá, ele era flamenguista. Porque todo mundo no Nordeste é flamenguista. Porque lá só passava rádio do Rio de Janeiro, só passava jogo do Rio de Janeiro. E, naquela época, ele só escutava rádio. E todo mundo que mora no Nordeste torce pro Flamengo, a maioria. Por isso, não é à toa que é a maior torcida do Brasil. Quando meu pai veio pra cá, ele começou a gostar do Santos, ele começou a torcer pro Santos. Só que, quando eu era pequeno, eu era corintiano. Eu não sabia de futebol, entendeu? Eu não sabia torcer pro time certo. Eu era corintiano, porque minha mãe era corintiana, então, minha mãe que me influenciou. Só que eu fui crescendo. Aí, tinha um médico, o Doutor Marquinho, que eu falei, que ele é palmeirense roxo. Só que ele deixou quieto, ele não queria que a gente mexesse com a família. Só que, aí, veio outro médico palmeirense roxo, que nem o Doutor Marquinho, e ele encheu, eu e o Serginho, encheu a nossa cama, com coisa do Palmeiras, com uniforme, camiseta, shorts, meia, chuteira, cobertor. E era tudo original, tudo caro. Camiseta, lençol pra colocar na cama, tudo do Palmeiras, tudo, tudo. E a gente meio que foi obrigado a torcer para o Palmeiras.
P/1 – E aí você começou a torcer para o Palmeiras.
R – Só que não foi pelo Doutor Marquinho. Foi o Fernando. O Doutor Marquinho queria, mas ele não queria me forçar por causa que minha mãe é corintiana e meu pai era santista. Então, ele não queria fazer a nossa cabeça. Mas o outro fez. Aí, eu cedi. E eu e o Serginho, a gente sempre gostou de futebol. Quando a gente conhecia, a gente conhecia mesmo. Por mais que fizessem a nossa cabeça, a gente conhecia de verdade. Teve uma época que eu sofri muito pelo Palmeiras. Teve uma época que o Palmeiras estava quase sendo campeão do Brasileiro, e aí contrataram o Vagner Love. E, aí, o Vagner Love destruiu o Palmeiras, e o Palmeiras nessa época quase caiu para a Série B. Estava sendo campeão e quase caiu para a Série B, e eu fiquei mas tão bravo, tão bravo, que eu mudei de time. Aí, eu comecei a torcer por... Eu já torci para o Corinthians. Teve uma vez que eu torci para o Corinthians. Teve um jogo Santos e Palmeiras, e o Santos perdeu. E o Doutor Marcos ia me zoar no dia seguinte. Quando ele veio, eu falei: “Não sou mais santista, não, sou corintiano”. Aí, ele falou: “Mas só por que eu ia te zoar?” Eu falei: “Sim, não quero ser zoado, então, por isso sou corintiano!” Eu virei corintiano só para não ser zoado. Mas eu já torci pro São Paulo, pra todos os times. Quando eu era são-paulino, eu conheci o time todo do São Paulo. Eu e o Serginho. Porque tinha uma paciente que ficava aqui, e o pai dela era alguma coisa do São Paulo, e ele tinha influência, essas coisas. E ele conseguiu trazer o time todo do São Paulo. O Hernanes, o Jorge Wagner, todos eles. Só não conseguiu o principal, que era o Rogério Ceni. Veio até o Henri Castelli, que o Henri Castelli é da torcida organizada do São Paulo. E ele veio visitar essa menina e veio aqui também, ele e a mulher dele. Fora as outras pessoas que já vieram.
P/1 – Eu queria te fazer uma pergunta em relação ao Serginho: você se lembra do dia em que ele chegou no quarto? Porque você chegou antes dele, não?
R – Eu não lembro se a gente chegou junto ou não. Mas eu lembro que a gente viveu junto em vários quartos.
P/1 – Mas como começou a amizade de vocês?
R – Na UTI. Quando eu fui pra UTI, ele estava lá. E, aí, a gente começou a viver junto, na UTI. E, como a gente foi para outros lugares juntos, a gente acabou se apegando um ao outro. Porque a gente era muito irmão, muito irmão mesmo. E ele não está mais com a gente hoje. Ele está num lugar melhor do que nós, está brincando. E o sonho dele era conhecer o Rogério Ceni, e eu conheci. Eu fiz o papel dele de conhecer o Rogério Ceni. Ele tinha muita vontade, mas ele não conseguiu. Ele conseguiu metade dele, mas pessoalmente ele não conseguiu. Ele era superfã do Rogério Ceni. Desse lado, o Rogério Ceni foi bom. O lado ruim do Rogério Ceni é que ia ter uma festa lá embaixo, e a gente não podia descer. Assim, é o que dizem, não sei se é verdade. E perguntaram pro Rogério Ceni se ele podia subir aqui pra me ver. E ele falou que não, que queria que a gente descesse lá embaixo. Então, teve que montar toda a equipe médica, oxigênio, um monte de coisa, pra descer lá, pra eu poder descer. Mas eu gostei de conversar com ele, ele assinou uma bola pra mim. Eu gostei dele. E é isso.
P/1 – E o que você falou pro Rogério Ceni?
R – Acho que não deu pra conversar muito porque eu não estava no respirador. Eu estava no ambu, e no ambu, eu não consigo falar muito, eu não consigo falar direito. Então, eu não consegui falar com ele. Mas ele me cumprimentou, tudo. Meu pai estava junto nesse dia. Meu pai conversou com ele também, ele assinou a bola, que eu tinha falado, e foi isso. Foi basicamente isso.
P/1 – E, Lucas, eu queria que você falasse um pouco mais do Serginho. Como ele era, o que ele tinha?
R – O Serginho, a doença dele eu não vou saber. Depois eu pergunto pro Doutor Marquinho e falo pra Vivi, e a Vivi te fala. Mas o que eu posso falar é que o Serginho foi um menino, uma pessoa tranquila. O Serginho era muito calmo, ele não era conversador que nem eu. Era tímido. Tímido assim. Mas não era que nem eu. Era mais tranquilo, mais calmo. Ele ficava nervoso quando tinha jogo de futebol. Porque uma característica do Serginho no jogo... Quando você via ele todo vermelho, parecia um pimentão, de tanto nervoso que ele passava no jogo. Porque o Serginho era gordinho, ele era fortinho. Então, a bochecha dele ficava vermelha no horário do jogo, parecia um pimentão de tão vermelho que ficava. Mas ele não era muito que nem eu, conversador. Eu conversava com todo mundo, mas ele era mais na dele. A gente gostava de assistir jogo, videogame, gostava de jogar, gostava de ouvir história, nós gostávamos de ficar na cadeira, na poltrona, e outras tantas coisas que a gente gostava muito de fazer. O Serginho também gostava de assistir Carnaval. Naquela época, eu não era muito fã de Carnaval. Ele gostava. Ele gostava de ver as rainhas de bateria. Eu não. Naquela época, eu era mais tranquilo, certo? Era mais ou menos. Eu não gostava muito. Quando eu passava no programa do Luciano Huck, tinha um quadro que ele mostra as rainhas... Ufa! [recebendo o respirador em uma pausa]
P/2 – É que você não parava de falar!
R – Eu começo a me empolgar e aí vai. Eu sou que nem Ferrari, começo a falar e vou. Porque eu sou sagitariano, e sagitariano é assim mesmo. É comunicador, maloqueiro. Eu gosto de uma festa. Gosto mesmo.
P/1 – Eu queria te fazer uma pergunta, ainda com o Serginho. Eu queria que você me falasse qual foi o dia mais legal que vocês passaram juntos.
R – Nossa senhora! Tem tanta coisa.
P/1 – Pode contar de todos também, não tem problema.
R – Eu acho que todos. Eu acho que todo o tempo que eu passei com ele, todos os anos e meses, eu aproveitei muito. Então, eu acho que não tem nenhum pra escolher o dia preferido, porque eu aproveitei ao máximo enquanto ele estava aqui. Eu tirei tudo o que tinha bom que a gente passou, aproveitei tudo, todos os momentos, não tem nenhum preferido, não tem nenhum dia que eu fale: “Nossa, esse é o mais especial”. Também não teve nenhum dia ruim. Dia ruim todo mundo tem, mas, com ele, a gente aproveitou o máximo de tempo, todos os momentos bons que a gente teve na vida. Se Deus quiser, quando eu partir dessa pra melhor, a gente vai se ver e a gente vai continuar fazendo o que a gente sempre fez, que é brincar, que é zoar, é um monte de coisa. E agora eu vou falar um pouco de quando a gente saiu daqui. Quando a gente saiu, a gente saiu várias vezes. Realmente, a gente saiu um monte de vezes. Porque, naquela época, a gente podia ir pra festa de Natal, a gente ia pra festa do Dia das Crianças. Porque, antigamente, era tudo diferente. A equipe de enfermagem era muito mais legal. Tudo diferente. Antigamente, era assim: quando a gente precisa...
P/1 – Eu queria que você me contasse então de quando saíam...
R – Antigamente, as pessoas, quando elas tinham tempo, enfermeira, médico, eles montavam tudo e levavam a gente pra passear. Era na rua, em volta da Santa Casa, essas coisas assim. Quando eles tinham tempo, eles sempre levavam a gente. Final de semana, feriado, a gente sempre saía. E, aí, teve alguns, alguns não. Toda vez que a gente saía, a gente aproveitava ao máximo. E uma das vezes que eu saí, com o Serginho, a gente gostava muito de uma coisa: apostar corrida. Porque, antigamente, era preparado uma maca, tudo, a equipe, iam tudo colocar a gente em cima da maca, pra gente poder sair. E a gente gostava de apostar corrida. A gente ficava: “Vai, vai, vai logo! Eu quero ganhar!”. Aí, todo mundo ia rapidinho, todo mundo começava a correr. Teve uma vez, que eu lembro, que eu estava na frente. Porque a gente apostava, a gente parava um pouquinho, pra ver alguma coisa. Aí, na hora que era pra gente sair, eu falava: “Sai primeiro, sai primeiro, antes que ele saia! Porque, se ele sair primeiro, vai tomar minha frente. Vamos sair!”. Aí, nós saíamos. Aí, todo mundo saía na carreira, correndo. Teve uma vez que eu estava na frente, estava chegando aqui, estava na porta, eu estava na frente, e o Serginho estava encostando. Aí, eu fui, corri [?] [38:36], né? Aí, o Serginho também foi [?] rezou, depois de mim, alguns segundos depois de mim. Aí, na hora que eu estava chegando na porta do meu quarto, o Serginho, o pessoal que estava com o Serginho, estava encostando em mim, eu cheguei na frente. Aí, eu ganhei. Eu e o Serginho, o Serginho não era... A gente era meninos populares da Santa Casa. Todo mundo gostava de fazer bagunça com a gente, gostava de fazer entrevista com a gente, queria conhecer nossas histórias, queria passear. Fazia bagunça. Então, a equipe adorava fazer bagunça com a gente. Então, a gente apostava toda vez, apostava corrida. Teve um dia que a gente saiu, com o Doutor Marquinho. Quando a gente saía, uma coisa que eu gostava muito era ver polícia. Eu adoro polícia. Sempre gostei. Aí, uma vez, presta atenção, o Doutor Marquinho levou a gente pra passear. À noite. Não, foi à tarde. O Doutor Marquinho, ele fazia plantão durante o dia e à noite. Pouco tempo antes de ele se aposentar, ele só ia à noite. Só que agora ele se aposentou, mas ele vem toda terça-feira, ele vem aqui pra ficar comigo, pra brincar comigo. Agora ele está de férias, ele foi viajar lá pra Los Angeles. Mas ele vai voltar não sei quando, mas mês que vem. Teve uma vez que a gente saiu, e a gente foi ver o pé de jaca, ele levou a gente pro pé de jaca. Aí, a gente olhou: “Nossa, que legal”. Só que nada de animador pra gente. Quando a gente viu um caminhão-britadeira que a gente falou: “Mano, cê é louco! Que caminhão é esse?”. A gente ficou louco quando a gente viu o caminhão-britadeira. Aí ele falou: “Como assim? Eu levei vocês pra ver o pé de jaca e vocês não gostaram muito, agora o caminhão-britadeira vocês gostaram de ver?”. Falei: “Sim!” Foi muito animado ver um caminhão-britadeira, foi muito louco, foi uma das coisas que a gente gostou de ver.
P2 – Não teve uma história da chuva?
R – Também. A gente já foi embaixo da chuva, só que não estava chovendo muito. Embaixo da chuva. Eu já saí com o Tony também várias vezes. E outros momentos que a gente passou junto quando a gente saía, que eu adorava. Acabando, a gente foi proibido... Porque eu fui fazer exame e eu voltei. Quando eu voltei do exame, eu aproveitei que já estava fora e já aproveitei pra fazer uma saidinha. E eu fui no museu da Santa Casa, aqui no museu, e vi um monte de coisa legal, fiquei impressionado. Só que o provedor aqui da Santa Casa, ele apareceu lá, falou comigo, conversou comigo, tudo e tal, só que... [interrupção]
P/1 – Sua vida deve dar uns três livros.
R – Por aí.
P/1 – Três livros deste tamanho assim, ou um documentário de umas cinco horas.
R – É porque eu já vivi tanta coisa... E, aí, o provedor ligou aqui e falou assim: “O que o Lucas está fazendo aqui, fora de exame?”. Aí, a pessoa falou: “Mas como assim? Ele foi pra exame e já deve estar voltando”. A pessoa falou: “Não, porque o Lucas saiu, não podia sair. Ele só vai sair agora só se for pra exame”. Quando eu voltei, eu não sabia. Quando eu voltei, o enfermeiro e o médico tomaram punição, porque o provedor falou que eu não podia sair. Aí, eu nunca mais saí depois desse dia. Então, eu não sei mais o que é rua. Porque a última vez que eu saí faz muitos anos. Só que eu saí, mas não era assim como realmente... Eu saía, a gente ficava um tempo, a gente ia lá no pronto-socorro, porque eu adorava ver polícia. Fiz amizade com policial, até ganhei boné de polícia, ganhei boné, eu fiz amizade com um monte de policial aqui. Ganhei boné. Só que depois disso eu só saí uma vez, pra passear, mas foi bem rapidinho. Então, eu não sei o que é mais sair mesmo e dar a volta na Santa Casa, beirando o aquário que era no PS, o pronto-socorro central. Então, depois disso, eu não sei mais o que é.
P/1 – E como você se sente com isso, Lucas? Como é ficar aqui dentro?
R – Eu fiquei muito sensível. Eu só posso sair agora só para exame e olhe lá. Eu não posso mais ir pra uma festa, Dia das Crianças, quando tem, ou uma festa de Natal, eu não posso mais. Ainda bem que o pessoal vem até mim, porque, senão, não ia dar certo. As pessoas vêm até mim.
P/1 – E que vontade você tem, Lucas? O que você gostaria de fazer que você não consegue?
R – Uma das coisas que eu tenho [vontade] é assistir a um jogo de futebol. Sair daqui e ir para um estádio, qualquer estádio, assistir a um jogo. Pode ser de qualquer time, pode ser do Santos... Eu queria ver o Santos, mas, se no dia não for jogo do Santos, mas se eu for sair pra assistir algum jogo, eu vou lembrar. Assistir a um jogo. É uma das vontades que eu tenho é assistir algum jogo, sair daqui e ir até um estádio de futebol.
P/1 – Lucas, a gente vai ter que terminar, já estamos no horário.
P/2 – Acho que tem tempo ainda, uns dez minutos.
P/1 – Tem mais alguma coisa que você queira contar sobre o que você tem de conhecimento sobre a síndrome que você tem? Como as pessoas vão te passando como está seu andamento, dos exames? Como você fica sabendo o que está acontecendo com você?
R – Minha doença já desenvolveu tudo o que tinha que desenvolver, de uns tempos pra cá, e é isso. Estou aqui até hoje, já passei por várias coisas, situações, vários riscos de vida, mas até hoje eu estou aqui. Eu sou a maior prova de Deus, e eu estou vivo. Firme e forte, e é isso aí. Enquanto eu estiver aqui, é nóis!
P/1 – E o que te motiva a querer viver mais?
R – O que me motiva? Ah, meus amigos, minha família, eu também tenho muita vontade de viver, de fazer as coisas que eu gosto, que eu amo, e é isso.
P/1 – Uma última pergunta: quais são seus sonhos?
R – Meu sonho? Um deles é ser físico. O outro, que eu realizei faz pouco tempo, era conhecer a Tati [Scarletti] – eu não podia deixar de falar isso, né?
P/1 – Quem é ela?
R – É uma das bailarinas do Faustão. E eu queria muito conhecer ela, e aí eu consegui. Neymar e outras pessoas... Outras pessoas também que eu quero conhecer e, se Deus quiser, vou ter esse prazer de conhecer outras pessoas também.
P/1 – Por que físico, Lucas?
R – Porque essa coisa de presença, sistema solar, me fascina muito. Eu acredito em vida fora da Terra, eu gosto de alienígena. Eu acredito em alienígena. E a minha imaginação vai longe. Por isso, eu quero ser físico, porque a minha imaginação vai até aonde eu quiser. E, se eu for, não acaba. É como o universo, é infinito. Com a nossa imaginação, a gente vai até onde a gente quiser. E tem uma coisa que eu amo muito, eu tenho uma inspiração, que é o Stephen Hawking, que ele morreu, faz pouco tempo. Eu fiquei muito triste. E o cara é um gênio. E eu me inspiro muito nele, admiro muito ele. E eu já li alguns livros dele. E o cara é top.
P/1 – O que mais te admira na história dele, que você pega pra você?
R – Que ele é uma pessoa doente, ficou numa cadeira de rodas, especial, mas ele nunca desistiu do que ele gostava, que era ser físico. E o cara foi tirando cada teoria que... Meu! Se você for imaginar, não tem limite. Meu corpo físico não funciona, mas a minha cabeça está preservada. E a única coisa que a gente vai levar daqui é o conhecimento. E mais nada. É isso que eu tenho pra dizer.
P/1 – Muito obrigada, Lucas!Recolher