Projeto A Gente na Copa – História de Gente que Faz o País do Futebol
Depoimento de Orlando Bruno
Entrevistado por Rosali Henriques
São Paulo, 19/12/2013
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV_444_Orlando Bruno
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Seu Orlando, eu queria começar a entrevista pe...Continuar leitura
Projeto A Gente na Copa – História de Gente que Faz o País do Futebol
Depoimento de Orlando Bruno
Entrevistado por Rosali Henriques
São Paulo, 19/12/2013
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV_444_Orlando Bruno
Transcrito por Mariana Wolff
P/1 – Seu Orlando, eu queria começar a entrevista perguntando seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Eu nasci dia 17 de setembro de 1927, estou hoje com quase 87 anos.
P/1 – O senhor nasceu na cidade de São Paulo?
R – Nasci na Rua Clélia, Lapa. Que mais? São Paulo.
P/1 – E o nome dos seus pais?
R – O nome do meu pai é Salvador Arturo Bruno, era o meu pai e minha mãe Tomazina Nicoletti Bruno.
P/1 – O senhor sabe como os seus pais se conheceram?
R – Não. O meu pai, eu ouvi ele falar que ele gostou muito da minha mãe e acabou casando com ela, mas era em Guariba, estado de São Paulo, interior de São Paulo. Depois eles vieram morar para São Paulo e foram morar na Rua Clélia, cuja rua era barro em cima de barro, tinha muito barro. (risos) Então, o meu pai conseguiu um emprego na Companhia Vidraria Santa Marina, que é o fabricante de pirex, colorex, é o que eles fazem hoje. Hoje essa companhia abriu falência, fechou! Então, como o meu pai era funcionário dessa companhia, ele ganhou uma casa para morar, meu pai ganhou uma casa para morar, não só o meu pai, como todos os funcionários da Santa Marina só começavam a trabalhar lá quando era registrado como funcionário e eu vivi lá. Quando o meu pai veio para São Paulo, que eu nasci na Rua Clélia, eu com seis anos, eu fui morar na Avenida Santa Marina, cuja moradia era da fábrica, era propriedade da fábrica. Depois fomos crescendo, eu fui estudar, estudei até o primário, fiz o primário completo, depois mesmo estudando, com nove anos eu comecei a trabalhar para ajudar o meu pai. Eu pesava arroz e feijão no armazém, era o meu trabalho, era um trabalho leve e assim foi até os 14 anos. Quando eu completei 14 anos, minha mãe me inscreveu numa firma, cuja firma chamava Zevozari. Zevozari era uma firma mecânica, produzia coisas mecânicas e eu aprendi o meu ofício graças ao dono dessa firma, não tinha chefe, era o dono que era o responsável. Então, eu fui trabalhando, trabalhei nove anos nessa firma, trabalhei nove anos, depois arrumei uma outra firma para trabalhar aqui no Matarazzo.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. Vamos voltar lá na sua infância, para gente ir devagarzinho. O senhor falou que nasceu na Rua Clélia, mas que foi morar nessa Avenida Santa Marina, quais são as lembranças dessa vila operária onde vocês moraram?
R – Nossa! Tem muito o que contar.
P/1 – Pode contar.
R – Eu passei na Avenida Santa Marina a minha juventude até casar, passei minha vida na Santa Marina até casar e eu tive uma vida boa, só que tinha que trabalhar para poder ajudar na casa e assim foi a minha vida. Eu comecei a jogar futebol com sete anos no Juvenil Santa Marina, que a senhora tem a fotografia aí. E eu aprendi a jogar futebol e eu tinha queda para coisa, tinha queda, eu era bom de bola (risos), um menino bom de bola, e foi passando o tempo, passando, até que o SPR era da estrada de ferro Santos–Jundiaí, era SPR Atlético Clube e eu me engajei no SPR e comecei a minha infância no SPR, jogava no Santa Marina, porque eu jogava quatro vezes por semana, jogava sábado de manhã, sábado à tarde, domingo de manhã e domingo à tarde, eu vivia para o futebol. Tive a minha infância vivendo para o futebol, onde eu cresci, por isso que eu quero ser modesto, mas eu era bom de bola. Então, eu fui convidado para jogar, para treinar no SPR, mas eu tinha só 16 anos quando eu fui convidado para treinar no SPR, eu fui com 16 anos, o SPR contratou um treinador chamado Caetano de Domenico, era um italiano, ele veio da Itália para o Brasil contratado pelo SPR e justamente, calhou de eu estar dentro do clube SPR, quando o Caetano foi apresentado para os jogadores e ele perguntou para mim: “Quantos anos você tem?” Eu era molecote, ele perguntou em italiano, eu respondi em italiano a minha idade, ele falava: “Você ainda é menino”, eu falei para ele: “Eu sou menino, mas eu sou bom de bola” “É bom mesmo? De que é que você joga?” “Eu jogo de back central” “Back central, então eu não preciso de você, eu preciso de um zagueiro lateral esquerdo”, que até hoje o Brasil ainda não tem lateral esquerdo (risos). Então, eu fui treinar de alf (lateral) esquerdo, quando ele me viu jogar, ele falou: “Você é bom de bola mesmo”, ele falou: “Você é bom de bola” “Eu não falei para o senhor que eu era bom de bola? Olha, eu sou disputado aí na várzea” “Que time você joga?” “Eu jogo no Santa Marina todo sábado, jogo num clube da Lapa todo domingo de manhã e jogo também no sábado à tarde e domingo à tarde” “Mas não é muito futebol para você?” “Não, mas eu tenho bom físico”, eu tinha bom físico mesmo e assim foi, ele falou: ‘Bom, eu vou te escrever aqui”, primeira coisa que eu perguntei para ele: “Quanto eu vou ganhar?” “Como que você quer ganhar, você nem começou a jogar, já quer ganhar?” “Não, eu não posso trabalhar, eu preciso ajudar o meu pai”, ele falou: “Então, nós vamos ter um problema”, eu falei: “Olha, eu jogo futebol por amor, tenho muito amor em futebol, mas eu não posso deixar de trabalhar, meu pai precisa do meu dinheiro” ele falou: “Manda teu pai vim aqui” “Olha, meu pai é italiano que nem o senhor, ele é teimoso que nem o senhor” “Como é que você me chama de teimoso?” “Não, a gente está conversando, não estou discutindo se o senhor é teimoso ou não. Eu estou falando para o senhor que o meu pai é difícil de ser dobrado” falou assim: “Manda ele vim aqui” “Ele não vem” “Mas como é que você sabe que ele não vem?” “Eu conheço o meu pai, ele é meu pai. Se eu não conhecesse o meu pai, eu não falava” “Não, mas eu quero que você jogue futebol só” “Mas eu não posso, eu preciso ganhar dinheiro, quanto você vai me pagar?” ‘Não vou te pagar nada, porque eu estou chegando hoje aqui no clube, eu estou formando”, ele falou tudo em italiano, ele não falava português, tudo em italiano. E assim, ele falou: “Então, nada feito. Não vai dar para você jogar”. Eu fui em casa, quando eu voltei, esperei o meu pai e falei: “Olha pai, o técnico disse que eu tenho muita chance de ser um bom jogador”, mas no meu tempo não existia nada desse negócio de ganhar dinheiro, a gente jogava por amor ao clube, por amor ao futebol, coisa que estava dentro da gente. Ele falou: “Então, você precisa me ajudar” “Então eu quero te ajudar, eu não vou jogar futebol no SPR, eu vou jogar só nos clubes que eu estou jogando agora” “Você pode jogar, mas você tem que trabalhar”, então eu fazia assim, eu jogava nesses clubes, eu andava com a chuteira embaixo do braço. Sábado de manhã eu acordava já tinha a minha chuteira embaixo do braço, para ir jogar. Eu jogava de manhã e de tarde, e no Santa Marina eu jogava de manhã e de tarde também. E assim foi a minha vida, uma vida de futebol, eu vivi para o futebol amador e infelizmente, eu não consegui ser mais do que eu era. E foi uma vida maravilhosa que eu passei que eu só agradeço a Deus, poxa, foi uma vida muito feliz, muito boa.
P/1 – O senhor chegou a ir a algum clube mais profissional?
R – Não.
P/1 – Esses grandes clubes?
R – Não, o meu clube de coração era o SPR, era Santos-Jundiaí, era a Estrada de Ferro Santos–Jundiaí, era o SPR, clube do meu coração que é até hoje é! Então, foi-se passando os anos e o SPR caiu para segunda divisão. Então, eu tive que escolher um clube da primeira divisão para torcer, porque eu não torcia para ninguém, eu torcia para o SPR. Então, como o SPR acabou, eu gostaria de falar a escalação do SPR.
P/1 – Pode falar.
R – Cetali, Escobar e Passerini, Damasceno, Sabiá e Silva, Corrêa, Passarinho – o Passarinho dois anos foi artilheiro do SPR, no campeonato paulista – Passarinho, Carlos Leite, que era o melhor centroavante que tinha aqui, Eduardinho e Tim, Tim, ponta esquerda, era um menino o Tim, tinha 17 anos, jogava um futebol bonito, maravilhoso! Essa foi o SPR que eu abracei. Aí, o tempo foi se passando e um dia, eu fui ver o Corinthians, fui no Pacaembu ver o Corinthians, que o Corinthians tinha: a linha era Cláudio, Luizinho, Baltazar, Joane e Carlinhos, era a linha do Corinthians, falavam mil e uma do Corinthians. Então, fui lá ver, fui com a minha marmita do almoço, almocei dentro do Pacaembu, primeiro almoço meu foi dentro do Pacaembu. Eu fui ver o Cláudio, Luizinho, Baltazar, Joane e Carlinhos como eles faziam gol, cinco, seis gols, todos os jogos, era o maior time do mundo. E foi assim que eu me transferi a ser torcedor do Corinthians. Então, o meu irmão, que já era o mais velho falou: “Mas como que você vai torcer para o Corinthians? Você é filho de italiano, nós somos tudo italiano, você não pode torcer para outro time, a não ser o Palestra Itália”. Eu falei: “Olha, você vai me desculpar, mas está em mim, você não pode modificar o meu pensamento, eu sou corintiano doente, eu não posso ficar sem ver Claudio, Luizinho, Baltazar, Joane e Carlinhos, eu não posso, eu vou ficar com o meu Corinthians. Você fica com o Palestra, que era o Palestra Itália e eu fico com o Corinthians” e até hoje. Eu estou tão enfronhado no Corinthians, que o estádio novo do Corinthians, eu ganhei uma coisa de um sobrinho meu que é técnico em construção, eles construíram o estádio novo do Corinthians e ele me deu de presente um estádio do Corinthians, ontem ele me deu de presente, ontem eu ganhei do meu sobrinho, o estádio novo do Corinthians. Então, a minha vida era aí. Mas o futebol, eu não parei, eu continuei jogando na várzea e na várzea, eu era muito escolhido, eu estou falando isso, hoje eu estou com 86, eu tenho quase 87 anos, é muito ano vivido, mas foi uma vida boa, foi uma vida boa e eu só tenho coisa boa para contar. Eu, quando completei 17 anos, eu entrei de sócio num clube na Lapa, na Água Branca, Clube Atlético Água Branca. Era Clube Atlético Água Branca, era ex-Roma, que era do tempo do Roma, que era da Itália. Era uma sociedade italiana e depois, teve que mudar o nome e mudou para Água Branca. E aí, eu fui conhecer o meu outro meio de vida, que eu comecei já ficar adulto. Eu conheci uma mocinha que tinha 13 anos e eu tinha 15, nesse ponto eu tinha 15, estava com 15. Eu gostei dela, comecei a namorar com ela e começamos a namorar assim, não tinha como hoje, o lugar para namorar era em frente à igreja da Água Branca, Igreja São João Vianney, é uma igreja que está lá até hoje e a gente ia namorar lá, dar uma fugidinha e tal e foi a mulher dos meus sonhos, a mulher que eu tenho até hoje, está comigo, estamos juntos até hoje, temos uma família feliz, eu tenho duas filhas, três netos, o que eu não pude estudar, os meus netos estudaram. Estão formados em três categorias, a minha filha menor fala alemão, inglês e português, a minha outra filha fala alemão, inglês, português e uma língua lá que eu não sei nem dizer o nome. E eu tive a felicidade de ter um irmão bom, o meu irmão era um bom tio e um bom pai, para mim foi o meu pai, ele me ajudou muito e ele que começou a dar as minhas filhas para o estudo, ele sustentava as minhas filhas no estudo. E assim foi.
P/1 – Vamos voltar um pouquinho. O senhor falou que conheceu a sua esposa nesse clube e aí, o namoro, quando foi o casamento?
R – Não entendi.
P/1 – O casamento, o senhor se casou na década de 50.
R – Casei dez anos depois de namorar, namorei até 25 e ela estava com 23, foi quando nós resolvemos casar.
P/1 – O senhor já trabalhava lá como mecânico?
R – Não, trabalhava como mecânico na Santa Marina.
P/1 – Já estava na Santa Marina?
R – Já estava na Santa Marina. Trabalhei dez anos na Santa Marina, antes eu trabalhei oito anos no Matarazzo, aqui na Água Branca, oito anos, trabalhei dez anos na Santa Marina e trabalhei nove anos na Atma Paulista. Atma Paulista é uma indústria que fechou agora, fabricava bonecas para criança. A primeira boneca, primeiro que ganhava eram as minhas filhas (risos), porque eu estava no meio de onde fabricava as bonecas, eu era mecânico de máquina e eu ia fazer o conserto nas máquinas, a primeira boneca que saía eu já levava (risos).
P/1 – E o senhor quando casou, foi morar onde?
R – Quando eu casei, eu fui morar na Rua Bica de Pedra, 244. É onde eu estou morando hoje. São 50 anos que eu moro lá, mas com um ano de casado, minha mulher não estava boa de saúde, então eu falei com a minha sogra e a minha sogra arrumou uma casa na Rua Caio Graco, na Lapa. E nós saímos da Bica de Pedra e fomos morar na Caio Graco. Morei na Caio Graco dez anos. Dez anos, depois, eu saí da Caio Graco, fui morar com uma tia na Rua Duílio. Morei três anos com a minha tia. Mas começou as encrenquinhas de família, minha mulher falou: “Olha, vamos voltar para nossa casa. eu quero voltar” “Está bom”, falei com a minha tia que eu ia sair e eu falei com o inquilino que estava na minha casa, ele concordou, saiu e me deixou a casa outra vez, eu reformei toda a casa, hoje eu tenho uma casa maravilhosa, toda reformada, bonita a casa, é o meu sonho, uma casa maravilhosa, a senhora está convidada para ir na minha casa (risos), o senhor também, estão convidados para ir na minha casa, é Rua Bica de Pedra, 244, que serão bem recebidos.
P/1 – Tá ok, obrigada. E nesse meio tempo, nesse tempo que o senhor casou, teve filhos, continuava a paixão pelo Corinthians?
R – Nossa!
P/1 – O senhor frequentava os jogos, como é que era?
R – Não perdia um jogo do Corinthians, não perdia um jogo, não jogava quarta, jogava de sábado e domingo, quando o Corinthians jogava, eu estava no Pacaembu, frequentei o Pacaembu, até que eu tive um certo problema, eu fiquei todo paralítico. Posso contar?
P/1 – Pode.
R – Eu tive um enfarte e não mexia nada, não mexia nada. Eu, hoje, eu fiz sete anos de exercício numa escola e tenho todos os meus movimentos, nem falar eu não falava. Eu estou falando, estou enxergando a senhora, estou bem de saúde e a minha vida até aí, é isso.
P/1 – Então, nesse período só que o senhor deixou de frequentar os jogos do Corinthians?
R – Bom, não deixei, até hoje eu vou no jogo do Corinthians até hoje, eu tenho um netinho que casou com a minha netinha, ele é corintiano doente, ele me leva junto com ele, me leva no meio daquela torcida maravilhosa, o Corinthians é uma maravilha. Depois, eu vou contar do clube, o clube que eu entrei de sócio e comecei a dançar no clube e a gente, a minha mulher morava dois quarteirões longe do clube e nós de sábado, todo sábado tinha baile, das dez da noite às quatro da manhã, e eu ia buscar ela e levar, buscar e levar, e assim foi uma vida, foi dez anos que nós vivemos juntos, ali num namoro, até que um dia nós resolvemos vamos casar e casamos, mas foi tudo direitinho, uma vida direitinha, vida que os meus pais me ensinaram e os meus sogros me ensinaram o que era a vida e foi assim. Aí, eu fui trabalhar na Santa Marina, depois, eu fui trabalhar na Atma Paulista e depois fui trabalhar na Goiana, na Goiana na Rua Tito. Na Goiana, eu trabalhei oito anos. Tudo a minha vida foi de futebol e trabalho, a minha vida toda foi de futebol e trabalho, hoje eu estou aqui.
P/1 – E deixa eu te perguntar uma coisa, além dessa paixão pelo Corinthians, o senhor tinha paixão também pela seleção brasileira, acompanhava as Copas do Mundo?
R – Nossa! Nossa! Eu sou doente pela seleção brasileira, eu falo uma coisa para senhora, estou falando hoje, a senhora marca aí, o Brasil vai ficar campeão, tem gente que duvida, eu não duvido não, eu conheço futebol, nós temos os maiores jogadores do mundo, é o maior, não digo que o português não seja bom, que o Messi não seja bom, são ótimos jogador, mas o Neymar é o melhor jogador do mundo, ele é completo e a seleção está bem encaminhada, vai ser campeão.
P/1 – O senhor lembra da primeira Copa?
R – Nossa!
P/1 – Conta para gente, a gente quer um pouco de cada Copa que o senhor lembra.
R – Eu tenho tudo gravado na minha casa desde a primeira Copa até a última, tudo gravado em DVD, todas as Copas do Mundo. Olha, a primeira foi Brasil e Itália, a Itália desclassificou o Brasil, eles diziam quando eu era criança, que o Brasil foi roubado, não foi roubado não, foi pena, o gol da Itália, o gol da vitória da Itália foi de pênalti e foi pena. Hoje, eu estou vendo que foi pênalti, eu não acreditava, eu acreditava o que os conhecedores de futebol aplicavam que o Brasil foi roubado, não foi roubado, a Itália ganhou certo. Depois, veio os outros campeonatos e a Fifa produziu todas as Copas, eu só não tenho a última, porque eu não sei onde eu vou comprar essa última. Eu tenho gravado dentro da minha casa, todas as Copas até hoje, nós somos o maior ganhador da Copa, cinco vezes. O alemão ganhou três, a Inglaterra ganhou uma, a Argentina ganhou duas, que eu tenho tudo gravado em casa.
P/1 – O senhor lembra da Copa de 50? O senhor chegou a ver os jogos aqui em São Paulo?
R – Nossa! Eu estava no Rio, eu estava no Rio quando o Brasil perdeu a Copa de 50, perdeu para o Uruguai. Eu estava lá assistindo o jogo.
P/1 – Conta para gente.
R – Olha, eu gostaria de não poder, gostaria de não te contar, mas eu vou te contar, foi a maior tristeza da minha vida, inclusive, em futebol, foi a maior tristeza que eu vi. Nunca vi tanta gente chorar como em 1950, foi uma coisa, mas depois vem a recompensa, nós ficamos depois daquilo, cinco vezes, perdemos aquela em casa, mas ganhamos cinco vezes.
P/1 – Conta para gente, o senhor foi de ônibus para o Rio? Foi assistir o jogo, foi sozinho?
R – Fomos em nove. Em nove aqui do bairro, a maioria palestra, Palmeiras, tudo palestra. Eles tinham em mente que eu era palestrino, eu gosto, gostei, sempre gostei e gosto do Palmeiras, eu vou falar porquê que eu gosto do Palmeiras: o Palmeiras é a única sociedade que tinha piscina para nadar, o palestra, o Palmeiras tinha piscina e um cunhado meu veio: “Por quê que você não entra sócio do Palmeiras?” Eu falei: “É, é um bom pensamento”, eu já tinha as duas crianças, então, eu entrei sócio do Palmeiras e sou sócio até hoje, sócio do Palmeiras, corintiano sócio do Palmeiras (risos), contando assim, mas eu sou um bom corintiano, eu gosto muito do Palmeiras pelo o que o Palmeiras ofereceu as minhas filhas, deu saúde para elas, porque a saúde das minhas filhas dependia muito dos esportes que o Palmeiras oferecia.
P/1 – Vamos voltar lá em 1950, o senhor falou que foi com esse grupo de nove pessoas lá para o Rio, foram de ônibus?
R – Fomos de carro.
P/1 – Ah! De carro!
R – Fomos em dois carros de aluguel, cinco foi num carro e quatro no outro, o único corintiano era eu e fomos para o Rio e eu tenho tudo gravado em fotografias, a minha estada no Rio, lá, deve está aí nesse meio a nossa estada no Rio de Janeiro, nós ficamos lá quatro dias, quatro dias, nós chegamos na véspera do Brasil e Uruguai, quando Brasil perdeu.
P/1 – Vocês ficaram em hotel, como é que é?
R – Não. Um dos rapazes tinha um conhecido no Rio que cedeu o apartamento dele, nós ficamos no apartamento deles e foi maravilhoso, uma coisa que eu nunca mais esqueço, eu tenho gravado tudo em fotografia a minha estada no Rio. E não me esqueço, nossa!
P/1 – O senhor já tinha ido ao Rio?
R – Não, não conhecia o Rio, não conhecia. Fui conhecer essa vez. Fui por obra de um italiano, que falou para mim: “Você vai, nós vamos torcer para o Brasil, você vai com nós”, eu falei: “Mas eu nunca fui no Rio” “Mas você está comigo”, ele era o mais velho da casa e eu acompanhei ele, foi de ruim só ter perdido a Copa.
P/1 – O senhor lembra do jogo?
R – Nossa!
P/1 – Conta para gente um pouco sobre o jogo.
R – Nossa, o Brasil saiu ganhando de um a zero. O Friaça era o ponta direita do Brasil, Friaça, foi o que fez o gol do Brasil, nós jogávamos pelo empate, ganhando de um a zero, nós jogávamos pelo empate e o Uruguai fez um e fez dois, foi o Ghiggia, o Ghiggia, eu não esqueço mais, ele faleceu por esses dias, faleceu no Uruguai. Eu sigo futebol pela Bandeirantes, hoje eu sigo pela Bandeirantes e a Bandeirantes deu que o Ghiggia faleceu.
P/1 – O jogo, como é que foi?
R – O jogo foi maravilhoso, Brasil jogou muito bem. Eles culpam o Barbosa, o Barbosa não foi, o goleiro Barbosa não foi culpado, porque deram a bola para o cara, ele veio na cara do goleiro, ele não foi culpado de nada e os que entendem de futebol alegam que ele foi culpado, não foi culpado não, foi um bonito gol e eles mereceram.
P/1 – E aí, vocês voltaram para cá, como é que foi?
R – Voltamos para cá, tudo dormindo no carro. Foi uma tristeza que demorou para calar.
P/1 – E as outras copas, o senhor acompanhava pelo rádio, como que é o senhor fazia?
R – Eu não perdi uma Copa, não perdi uma Copa, tenho tudo gravado na minha casa. Eu deixo à disposição da senhora as gravações se a senhora quiser, eu cedo para senhora todas as gravações de todas as copas, menos a última, porque eu não sei onde eu vou procurar, eu tenho que procurar com o dono da Fifa, que é ele que produziu toda, mas eu tenho tudo gravado dentro da minha casa. E eu cedo para senhora, para senhora vê que eu estou falando uma verdade, que eu sou do futebol, eu nasci para jogar futebol, e muito me orgulho disso, eu sou um brasileiro que muito me orgulho do futebol brasileiro, do Brasil, olha, o Brasil vai ser campeão, vai ser campeão.
P/1 – E da de 54, o senhor lembra alguma coisa especifica da Copa de 54?
R – Eu posso te contar a minha estada no Rio, quando nós chegamos no Maracanã, não tinha lugar nem para uma formiga, estava tudo fechado, não tinha mais, ninguém poderia entrar, mas esse italiano, Atílio Negrizolli, Atílio Negrizolli é o nome dele, ele é falecido, ele conseguiu um meio e
encaixou tudo nós na frente do jogo, nós estávamos assistindo o jogo na frente e foi uma beleza, só que a tristeza empanou toda a nossa alegria.
P/1 – Dessa Copa de 50, teve jogo em São Paulo, o senhor chegou a assistir algum jogo em São Paulo, de outras seleções?
R – Nossa! Eu não perdi um jogo, olha, eu vou te falar dessa última Copa, que o Brasil ficou campeão. Você viu que o Brasil ganhou de três da Espanha? E a Espanha veio aqui para ganhar essa, o Brasil ganhou de três, o Neymar fez dois gols, o nosso centroavante, o Fred fez um, não, o Fred fez dois e o Neymar fez um, foi o jogo que o Brasil ganhou da Espanha e a Espanha estava bem armada, eles estavam certos de que iam ganhar. E foi assim.
P/1 – E da Copa de 54, o senhor lembra alguma coisa? O senhor ouvia pelo rádio em 54?
R – Em 54? Não, eu tenho as gravações. Eu tenho todas as gravações. Eu ouvi pelo rádio, foi radiado, mas eu tenho todas as gravações.
P/1 – Mas o senhor lembra de algum jogo especifico?
R – Olha, eu vou para torcer para o Brasil, eu sou um brasileiro nato. Ninguém vai me oferecer outra equipe, eu sou brasileiro, vou torcer para o Brasil, o Brasil vai ser campeão.
P/1 – E assim, o primeiro título que o Brasil ganhou, que foi em 58, o senhor se lembra desse título da Copa do Mundo?
R – Nossa!
P/1 – Como é que foi?
R – Quer que eu te conte?
P/1 – Conta para gente.
R – Olha, o Brasil foi meio desfigurado, porque tinha muito carioca e o Brasil, ele tinha na seleção brasileira, tinha o goleiro, que era esse que morreu há poucos dias…
P/1 – Nilton Santos…
R – Não. O Nilton Santos era lateral direita. Nilton Santos…
P/1 – Gilmar!
R – Gilmar? Não…
P/1 – Gilmar é 62.
R – Espera aí, esse que jogou no Corinthians, depois foi jogar no Santos, esse goleiro aí…
P/1 – É o Gilmar!
R – O Gilmar? O Gilmar, De Sordi, e o que levantou a taça lá, como é que…
P/1 – É o Bellini.
R – Bellini. Alf direito era esse que morreu…
P/1 – Nilton Santos.
R – Nilton Santos, center alf... você me desculpa que…
P/1 – Não, mas não precisa lembrar todos os nomes não! Eu queria mais que o senhor lembrasse um pouco das lembranças que o senhor dos jogos…
R – Do jogo, desse jogo…
P/1 – De ter escutado no rádio…
R – Desse jogo, a maior lembrança foi que nós mostramos para o mundo o maior jogador de futebol até hoje. Até hoje, é ainda o maior jogador de futebol do mundo, Pelé! Pelé, nossa, foi uma alegria para nós brasileiros e para eles lá, foi maravilhoso, Pelé até hoje está gravado, não sei se eu vou... eu sou anti-santista, mas gosto do Pelé, pelo o que ele fez.
P/1 – E a Copa de 62? O senhor lembra também?
R – Lembro de todas…
P/1 – De algum jogo em especial? Da final?
R – Olha, o Brasil ganhou quase tudo, perdeu da Inglaterra, perdeu duas da Argentina e perdeu da Itália, que a Itália já ganhou três vezes. A Alemanha também já ganhou três vezes, o Brasil já ganhou cinco. Argentina ganhou duas. Eu gostaria de te fazer entender de todos os jogos, mas é muito jogo.
P/1 – Não, mas tudo bem. Eu queria mais que o senhor conseguisse lembrar mais quando o Brasil ganhou, que foi 58, 62, 70. Setenta, o senhor tem alguma recordação?
R – Tenho. Nossa! Maravilhoso!
P/1 – Em 70, o senhor já tinha televisão?
R – Assisto na televisão agora.
P/1 – A Copa de 70, o senhor já tinha televisão em casa?
R – Foi a primeira casa a ter televisão na Lapa, primeira casa, a Sears lançou e eu tinha ganho uma geladeira, tinha ganho não, estou falando mentira, minha mulher ganhou uma geladeira e na troca, eu tinha geladeira, ela falou comigo, eu falei: “Olha, eu vou lá, vou ver se eu troco essa geladeira por uma televisão”, assim, a Sears já tinha televisão, mas era coisa de rico, ninguém comprava televisão, não tinha dinheiro para comprar e eu fui lá, eu falei: “Eu quero” “Como que você quer essa televisão?” “Eu vou fazer uma troca, te dou a diferença e você me dá a televisão, eu te dou a geladeira de volta”, ele era americano o dono da Sears, era um americano, ele falou para mim: “Olha, é uma boa ideia, você me dá um dia só”, ele era responsável pela Sears aqui no Brasil, “Um dia só, eu vou saber se eu posso trocar, você me dá a diferença”, e a diferença não era brincadeira, porque eu era mecânico de primeiro mundo, eu ganhava muito bem, eu recebia quatro vezes por mês, toda sexta-feira, eu ia recebendo, eu andava sempre cheio de dinheiro, andava nas melhores casas que se come bem por aí, eu andava, eu, minha mulher e minhas filhas, minhas duas filhas e foi assim que eu consegui a televisão, mas a minha casa ficou pequena, porque enchia tudo, a vizinhança vinha toda lá, a minha mulher é uma mulher fantástica, ela nunca disse “não” para ninguém. Todo mundo que vinha lá: “Entra, pode entrar”, eu tinha a casa grande, era de aluguel, mas era uma casa grande, uma boa casa. Quando começava cinco e meia, quinze para as seis, já começava encher de gente, mas eu gostava porque nós fomos muito felizes lá e somos feliz, eu sou muito feliz até hoje com a minha mulher, com as minhas filhas, com meu futebol, continuo assistindo futebol, tenho a minha televisão, ela tem a dela, ela assiste o que ela quer e
eu assisto o que eu quero, então é uma vida boa.
P/1 – O senhor lembra qual a primeira Copa que o senhor viu na televisão?
R – Eu tenho tudo gravado, eu tenho tudo gravado, desde a Itália que ganhou o primeiro título, eu quero ceder para senhora o meu jogo de gravações das Copas. A senhora vai ver que eu estou por dentro do futebol, eu estou por dentro de tudo. Às vezes, o meu pensamento foge, mas volta rapidamente, porque eu segui, eu fiquei muito doente e eu segui uma escola de primeiro mundo, que é a Escola São Paulo de Medicina, sete anos eu fiquei, não mexia nada, hoje eu tenho todos os meus movimentos e enxergo muito bem e tenho boa voz que é o principal, mas eu sofri muito, mas graças a Deus, Deus me ouviu, hoje eu estou aqui, prestando um trabalho para senhora e para mim. Muito mais para mim, porque eu estou falando os meus sentimentos.
P/1 – E deixa eu perguntar uma coisa, seu Orlando, o Brasil ganhou em 70 e depois ganhou só 24 anos depois, em 94. O senhor lembra desse título, em 94?
R – Foi contra o Chile, foi no Chile. Não, não, foi 94, foi Japão e Coreia que se reuniram, fizeram, não sei se foi essa data que o Japão se reuniu com um outro inimigo dele, e eles formaram um clube para disputar essa Copa e o Brasil ganhou, ganhou essa Copa, foi o Brasil que ganhou. Eu não sei se eu estou fazendo alguma…
P/1 – Não, tudo bem. O senhor segue as Olimpíadas? Vê as Olimpíadas ou só se interessa por futebol?
R – Olha, eu sou amante do futebol, para mim só existe o futebol (risos), eu não me agarro muito, é maravilhoso, é bonito pelo o que eu vejo, mas eu sou agarrado no futebol mesmo (risos).
P/1 – E deixa eu te perguntar uma coisa, se o senhor pudesse mudar alguma coisa na sua vida, o senhor mudaria?
R – Não. Não mudaria, principalmente, agora que eu já vivi quase 87 anos, eu dou graças à Deus todo dia pela minha vida e continuo dando graças à Deus. Eu tenho uma vida feliz, uma vida boa, sou feliz, muito feliz e é isso que a senhora está vendo.
P/1 – E o que é que o senhor achou de ter dado o depoimento aqui para o Museu da Pessoa?
R – Nossa, eu vim correndo, só não vim correndo, porque eu tenho que andar muito, e é muito longo para mim andar da minha casa aqui, é perto, podia chamar um táxi, eu entro bem no táxi e podia vir, mas eu não sabia que é essa maravilha que é aqui. Nossa! Eu moro na Bica de Pedra há 50 anos, eu soube disso pela Tati, a Tati é que me esclareceu: “Poxa, nós temos uma coisa perto da sua casa, você não quer ir lá?”, eu falei: “Fala de futebol?” “Só futebol” ‘Então, eu quero ir lá”, ela é que promoveu a minha andança para cá, mas foi maravilhoso, é maravilhoso, continuo gostando, adorei aqui, foi uma boa pedida e é isso.
P/1 – Está joia então, seu Orlando. Muito obrigada, viu?
R – Está bom.Recolher