Projeto Nestlé - Ouvir o Outro Compartilhando Valores – PRONAC 128976
Depoimento de Alex Lima Sobreiro
Entrevistado por Tereza Ruiz
Rio de Janeiro, 14 de maio de 2014.
Realização Museu da Pessoa.
NCV_HV011_Alex Lima Sobreiro
Transcrito por Maiara Ariadine Leones
P/1 – Então, Alex, primeiro vou pedir pra você falar primeiro seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Alex Lima Sobreiro, eu nasci no Rio de Janeiro em sete de março de 1965.
P/1 – Agora, nome completo, data de nascimento e local de nascimento, se você se lembrar, do seu pai e da sua mãe.
R – Meu pai é Aladim Antônio Sobreiro e nasceu no Rio de Janeiro em 15 de dezembro de 1928. Minha mãe, ela é de sete de dezembro de 1932, ela nasceu no Rio de Janeiro também. Os dois são cariocas.
P/1 – E como é que eram ou são seus pais, assim, de temperamento?
R – Eles são pessoas extremamente calmas. Meu pai é uma pessoa extremamente calma. Ele já está com seus oitenta e alguma coisinha, mas é, assim, ele não se aborrece com nada. Poucas vezes na vida eu vi meu pai se aborrecer. A minha mãe, mãe quatro filhos, né? Hoje é uma pessoa calma, uma pessoa bem calma. São bem tranquilos, os dois.
P/1 – E que que eles faziam da vida? Do que eles trabalhavam?
R – Meu pai é médico, né? E minha mãe é do lar. Minha mãe cuidou dos quatro filhos e meu pai trabalhava. Meu pai era militar e também trabalhava como médico, fora.
P/1 – Você tem três irmãos, é isso?
R – Somos quatro irmãos. No total são três irmãos que eu tenho.
P/1 – E qual que é nome dos seus irmãos e o que que eles fazem?
R – Alberto, Taise, Ali e eu. Os quatro são médicos. Meu pai conseguiu formar os quatro médicos. Era um sonho dele. Dois ortopedistas e minha irmã é pediatra.
P/1 – Uma família de médicos...
R – Uma família de médicos, todos casados com médicos. É uma situação atípica.
P/1 – E aí, conta um pouco pra gente, como é que...
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Depoimento de Alex Lima Sobreiro
Entrevistado por Tereza Ruiz
Rio de Janeiro, 14 de maio de 2014.
Realização Museu da Pessoa.
NCV_HV011_Alex Lima Sobreiro
Transcrito por Maiara Ariadine Leones
P/1 – Então, Alex, primeiro vou pedir pra você falar primeiro seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Meu nome é Alex Lima Sobreiro, eu nasci no Rio de Janeiro em sete de março de 1965.
P/1 – Agora, nome completo, data de nascimento e local de nascimento, se você se lembrar, do seu pai e da sua mãe.
R – Meu pai é Aladim Antônio Sobreiro e nasceu no Rio de Janeiro em 15 de dezembro de 1928. Minha mãe, ela é de sete de dezembro de 1932, ela nasceu no Rio de Janeiro também. Os dois são cariocas.
P/1 – E como é que eram ou são seus pais, assim, de temperamento?
R – Eles são pessoas extremamente calmas. Meu pai é uma pessoa extremamente calma. Ele já está com seus oitenta e alguma coisinha, mas é, assim, ele não se aborrece com nada. Poucas vezes na vida eu vi meu pai se aborrecer. A minha mãe, mãe quatro filhos, né? Hoje é uma pessoa calma, uma pessoa bem calma. São bem tranquilos, os dois.
P/1 – E que que eles faziam da vida? Do que eles trabalhavam?
R – Meu pai é médico, né? E minha mãe é do lar. Minha mãe cuidou dos quatro filhos e meu pai trabalhava. Meu pai era militar e também trabalhava como médico, fora.
P/1 – Você tem três irmãos, é isso?
R – Somos quatro irmãos. No total são três irmãos que eu tenho.
P/1 – E qual que é nome dos seus irmãos e o que que eles fazem?
R – Alberto, Taise, Ali e eu. Os quatro são médicos. Meu pai conseguiu formar os quatro médicos. Era um sonho dele. Dois ortopedistas e minha irmã é pediatra.
P/1 – Uma família de médicos...
R – Uma família de médicos, todos casados com médicos. É uma situação atípica.
P/1 – E aí, conta um pouco pra gente, como é que era a casa que você passou a sua infância? A casa, o bairro, a vizinhança. Pode descrever mesmo...
R – Minha infância foi, eu sou de classe média baixa, né? Minha infância foi na Zona Norte do Rio de Janeiro. Foi na Penha, que é um bairro um pouco mais distante do Centro. É um bairro de casas, bem residencial. Era de criança de rua, brincando, jogando bola. Tinha uma rua que tinha muita criança do mesmo grupo, da mesma faixa etária, mesmo grupo. Então, realmente foi uma infância bem divertida. A gente passava o tempo todo na rua, o tempo todo conversando ou jogando bola.
P/1 – A sua casa e o bairro, assim, a rua era bem asfaltada? A iluminação, assim, conta um pouco pra gente ou era uma área, na época, mais rural?
R – Era mais rural. Eu me lembro, da minha infância, eu me lembro do dia que asfaltaram a rua. Mas, na época era rua de terra, de chão batido, depois veio o asfaltamento, ai veio a Avenida Brasil e as coisas foram melhorando.
P/1 – E as casas como é que eram...
R – Todas, casas de classe média, também, classe média baixa, muito simples.
P/1 – E você falou das brincadeiras, falou de jogar bola. Do que vocês brincavam?
R – De tudo: garrafão, taco, pique-esconde. Tudo que tinha de brincadeira que a gente podia fazer.
P/1 – Na rua?
R – Na rua. Sempre na rua, porque não passava carro, era muito tranquilo. Hoje já não é, mas na época era muito tranquilo e a gente podia ficar brincando, andando de bicicleta e brincando o tempo todo.
P/1 – E tinha uma brincadeira favorita?
R – Tinha. Eu sempre gostei de jogar bola. Nunca fui bom, mas eu sempre gostei de jogar bola.
P/1 – Então era futebol, né?
R – Futebol, futebol.
P/1 – E as refeições na sua casa na época de infância? Assim, você se lembra como é que eram? Qual que era a base da alimentação? Quem é que cozinhava?
R – Era minha mãe sempre que cozinhava, ela cuidava dos quatro filhos. Ela sempre cozinhava. E a gente tinha sempre, mais ou menos, uma refeição regrada. Além da batata frita, que era o ganho desvio nutricional que a gente tinha, mas a gente sempre tinha carne, sempre tinha uma porção de verdura e legumes e uma porção de carboidrato. Sempre foi muito balanceada, a exceção era a batata frita que os quatro adoravam e ela fazia a vontade dos quatro.
P/1 – E tinha um prato favorito? Vocês tinham um prato favorito?
R – Não tinha um prato favorito, não. Eu me lembro que meu irmão mais velho adorava nhoque. Eu gostava, mas eu sei, assim, o que me marcou muito era meu irmão mais velho com nhoque. Quando tinha nhoque, ele ficava numa felicidade incrível.
P/1 – E sua mãe que fazia também?
R – Minha mãe que fazia, tudo a mão. Ela que fazia.
P/1 – E o momento da refeição? Vocês costumavam a fazer em família? Se reunia todo mundo? Como é que era na dinâmica familiar?
R – Era sempre em família. Almoço, janta e o café à noite que a gente tinha que tomar antes de dormir, era sempre em família. Era na mesa grande que a gente abria no meio, então nunca cabia todo mundo porque tinha vó, tinha vô, tinha mais gente na casa. Então, ela abria a mesa no meio, a mesa tinha uma extensão. Ela estendia e sentava todo mundo na mesa. Todo mundo jantava, almoçava e jantava junto.
P/1 – E como é que era, assim, vocês conversavam? Você se lembra dos assuntos? Tinha algum contador de causo?
R – Esse meu irmão mais velho sempre foi contador de causo. Ele é uma pessoa muito divertida. Embora, talvez, seja o mais sério de todos, mas quando ele começa a contar uma história ele é muito divertido. Ele sabe contar uma história. Então, normalmente as coisas rodavam em volta dele. Quando ele começava a contar, ele dava uma floreada na história de maneira que qualquer história que era simples se transformava num conto interessante. Então todo mundo parava para ouvir ele contando história.
P/1 – E você se lembra assim dessa fase de infância, começo da adolescência, de alguma história marcante? Eu pergunto marcante, pode ser, de qualquer natureza, pode ser uma coisa sei lá, essas coisas que a gente lembra pra vida toda. Uma coisa que talvez você tenha contado para amigos, para a família.
R – Eu me lembro muito da gente pegar fruta, lá próximo tinha uma fazenda que não era uma fazenda, era uma área pública, mas que tinha muita fruta. Então a gente ia pegar fruta em grupos, essas coisas. A gente tinha muita coisa de infância, de brincadeiras de infância, de pique-esconde, isso era mais ou menos universal ali a gente já sabia que ia ser aquilo. A gente escolhia um e quando aquele um estava lá contando todo mundo ia embora pra casa e deixava ele lá a noite toda procurando pela gente. Então, as brincadeiras eram assim, as diversões eram assim.
P/1 – Brinquedo, você se lembra de ter brinquedo?
R – Muito bonequinho. Eu tinha pouco brinquedo, porque eram quatro filhos, não dava pro brinquedo pra todo mundo, né? Mas, eu me lembro da gente ter muito bonecos, bonecos plásticos, sem muita articulação que na época não tinha mas, eram bonecos plásticos, a gente tinha alguns.
P/1 – Mas, era de que, assim, boneco, não sei, soldadinho, como era?
R – Soldados e heróis, Thor, esses brinquedos da época.
P/1 – Tinha rádio e TV na sua casa?
R – Tinha. Tinha TV, uma TV preto e branco e pegava quatro canais.
P/1 – Você se lembra quais que eram os canais?
R – Globo, Tupi. Mas as outras eu não lembro.
P/1 – Vocês assistiam bastante? Era um hábito na sua casa?
R – Era, né? A gente assistia, era TV preto e branco. Às onze horas da noite, meia-noite acabava, não tinha mais televisão, mas eu me lembro bem disso.
P/1 – E reunia a família pra ver?
R – Se reunia. A gente sentava e era a diversão da família. Naquela época, né, quando a gente não tava na rua, tava vendo televisão. E tinha que subir no telhado e acertar a antena, porque como era mais distante, às vezes a televisão não pegava, tinha que subir no telhado, acertar a antena pra conseguir pegar alguma coisa.
P/1 – E que programas, você se lembra o que vocês assistiam?
R – Tinha um Thunderbirds no espaço, era um de bonecos que eles eram tipo marionetes. Me lembro desses, eu até comprei o box outro dia e vi como era ruim o desenho (risos). Mas tinha Nacional Kid também que era muito antigo, era preto e branco, um filme japonês preto e branco. Também comprei o box e a mesma coisa, muito antigo. Tentei botar meu filho pra ver e ele: “Pai, não dá pra ver isso”. Mas na época era muito bom e eu gostava muito, a gente sentava os quatro pra ver. Era muito bom.
P/1 – Mudou muito, né...
R – Mudou muito. E ficou muito fácil de você descartar as coisas. Eu me lembro que quando tinha o capítulo, você tinha que assistir. Você não tinha a oportunidade, você não ia ver de novo aquele capitulo. Então você sabia que naquela hora você tinha que parar pra ver, porque senão não vai passar de novo, né? Não vai ter repeteco, né? Você não vai ter como comprar a fita ou baixar no computador, então tem que parar e assistir.
P/1 – E quando você começou a frequentar a escola? Com que idade você entrou na escola?
R – A escola era bem na esquina da minha casa. Entrei com seis, sete anos, já estava na escola.
P/1 – Qual que era o nome, você lembra?
R – Ariosto Espinheira, uma escola pequena. Até hoje ali é o, eu voto ali. Eu nunca troquei o meu local de votação. Eu vou lá, entro nas salas que eu estudei, né? Hoje eu tenho a sensação que as salas são bem menores do que eu imaginava na época, mas eu entro e rodo o colégio, olho o colégio todo. Geralmente eu levo o meu filho pra ele ver. Agora não, já com catorze anos, já não quer mais ver, já viu várias vezes.
P/1 – É um colégio pequeno? Assim, descreve um pouco...
R – É um colégio pequeno, deve ter em torno de oito salas, são dois andares, tem um pátio grande, poucos brinquedos. Me lembro que tinha dois banheiros grandes, um refeitório com duas mesas compridas, grandes. Sempre tinha macarrão na refeição. A parte interessante é que era muito próximo, da minha casa eu vejo o colégio. Então era muito próximo, então eu nunca tive medo de ir pra escola. A escola era ali pertinho.
P/1 – E era só primário. Na época era só primário, né?
R – Era só primário.
P/1 – Só primário.
R – Só primário.
P/1 – E você lembra quais são as primeiras recordações que você tem da escola?
R – Lembro. Eu lembro a primeira e a mais forte de todas foi quando eu esqueci o dinheiro da merenda, tinha que comprar uma merenda. Não ia ter merenda na escola e eu ia ter que comprar, e eu esqueci o dinheiro da merenda. E eu olhava do portão e via minha mãe na porta, minha mãe não me via e eu desesperado com isso, né? Não passei fome, mas eu me lembro. Essa foi uma cena que ficou marcante na minha vida.
P/1 – Que idade você tinha?
R – Ah! Eu devia ter sete anos. Sete, oito anos.
P/1 – E você se deu conta quando chegou na entrada da escola? É isso, que tinha esquecido o dinheiro?
R – Não, na hora de descer pro recreio. Então foi assim. Pior é que depois eu achei o dinheiro em casa. Estava no outro canto e eu achei o dinheiro.
P/1 – Mas, ficou sem merenda...
R – Fiquei sem merenda.
P/1 – Você tinha uma professora mais marcante, um professor?
R – Não.
P/1 – Não? E uma matéria favorita?
R – Sempre gostei de números, sempre gostei de matemática. Eu odiava Português. Odeio até hoje Português, mas eu sempre gostei de Matemática, tudo ligado à Matemática, Física, até Química. Química eu sempre gostei muito, sempre fui bom aluno. Desenvolver problemas, resolver problemas.
P/1 – E não teve nenhum professor marcante, assim, nem de matemática?
R – Não
P/1 – Nada?
R – Não
P/1 – Nem que você tenha gostado, que tenha te influenciado especialmente?
R – Não.
P/1 – Não gostava muito dos professores?
R – Não, assim, marcante eu não tive.
P/1 – Não tinha nenhuma relação especial, assim.
R – Não.
P/1 – Depois que você saiu dessa escola, você vai pra qual escola?
R – Aí eu fui pro Luso Carioca, que era em Bom sucesso, já era quatro bairros distantes. Eu ia de ônibus escolar, que ia buscar e levar. E como eu estudava em um colégio pequeno e perto de casa, ir pra um colégio longe e que era muito grande me causou muito medo. Eu me lembro de chorar constantemente. Todos os dias eu chorava. Depois eu aprendi o caminho. “Malandramente”, eu aprendi o caminho, que tinha uma paciente do meu pai que trabalhava no colégio: então eu chorava, ela me trazia pra casa. Até o dia que minha mãe proibiu ela de trazer e me mandou deixar chorando lá, e eu parei de chorar.
P/1 – Onde que era esse colégio?
R – Era em Bom Sucesso. Olaria, Bom Sucesso, são três bairros depois. Até lá dava uma distância boa.
P/1 – E lá você ficou até quando lá? Tinha até colegial ou não?
R – Tinha, mas aí meu pai era militar e a gente foi pra Brasília. Ai eu fui morar em Brasília, morei três anos em Brasília.
P/1 – Que idade você tinha quando vocês foram pra Brasília?
R – Foi... eu já devia ter em torno nove, dez anos, mais ou menos.
P/1 – Dez anos?
R – Isso, dez anos.
P/1 – E você se lembra como foi essa mudança pra Brasília?
R – Me lembro. Eu me lembro de algumas coisas, por exemplo, meu pai tinha uma Variant antiga e me lembro de malas serem colocadas lá e um colega levar o carro pra ele. E a gente foi num avião da FAB, foi o primeiro voo da minha vida e foi um pânico que entrei, porque eu achava que o avião ia cair o tempo todo. Em Brasília talvez tenha sido a melhor parte da minha infância, ali também foi uma infância muito proveitosa.
P/1 – E a impressão que você teve da cidade foi muito diferente né?
R – Muito diferente.
P/1 – Rio de Janeiro – Brasília.
R – Muito diferente, mas eu cheguei logo já fazendo amizade. O meu irmão acima de mim que não é o mais velho, é o terceiro, né? Eu sou o quarto, eu sou o mais novo dos quatro. Esse meu irmão acima de mim, ele tem uma facilidade incrível de fazer amizades. Ele, rapidamente, consegue fazer amizades. Todo mundo simpatiza com ele, então quando nós chegamos na quadra a gente já se enturmou, já tinha um grupo de amigos. A gente passou uns três anos lá muito tranquilo lá dentro, brincando e estudando e trabalhando, fazendo o que tinha que fazer. Foi muito bom.
P/1 – Onde vocês foram morar lá?
R – Na 310-Sul.
P/1 – Então você se enturmou rápido...
R – Muito rápido.
P/1 – Então você entrou na adolescência lá, né? Porque chegou com dez e saiu com treze.
R – Isso, saí com 13.
P/1 – E você lembra como foi essa mudança, se teve alguma mudança em termos de lazer, do tipo de coisas que você fazia aqui para se divertir, nessa fase de entrada na adolescência, de sair com os amigos.
R – Lá não. Lá a gente fazia muito pouca coisa. Lá, a gente ia ao cinema, porque próximo dali tinha um cinema, então a gente ia muito ao cinema. Festa tinha muito pouco, por incrível que pareça. Brasília é uma cidade que todo mundo fala que tem muita festa, mas na época tinha muito pouca. Era uma cidade que nos finais de semana as pessoas iam embora de lá. Então os garotos que ficavam por lá queriam jogar bola e se divertir. Então a gente não tinha muita festa para ir
P/1 – E cinema era perto? Qual era o cinema?
R – Não lembro o nome.
P/1 – Não lembra?
R – Não lembro.
P/1 – E a primeira vez que você foi ao cinema, você se lembra?
R – Lembro.
P/1. Foi aqui no Rio ainda?
R – Foi aqui no Rio.
P/1 – Qual que era o filme?
R – Um filme japonês, era (pausa) “A Morte em Minhas Mãos”. Só tinha sangue! Aquilo deveria ser proibido pra qualquer criança, mas na época deixavam entrar qualquer um.
P/1 – E que idade você tinha?
R – Eu devia ter isso, nove, dez anos. Não sei, eu fui com aquele grupo, fui com meu irmão mais velho, aquele grupo de rapazes e eu entrei no cinema era uma matança só, o filme. Acabou que a gente viu esse filme umas cinco vezes
P/1 – No cinema?
R – No cinema. Não tinha o que fazer vamos ao cinema? Vamos ver “Morte em Minhas Mãos”.
P/1 – Você lembra, comparando hoje em dia com aquela época, como é que era, se era muito diferente? Como é que as pessoas se comportavam dentro do cinema, ou até a própria sala?
R – As pessoas curtiam muito, era a única diversão que tinha. Aquilo, por pior que fosse a qualidade do filme, as pessoas... Era um achado aquilo, era um momento você ir ao cinema, tinha algumas pessoas que botavam a melhor roupa para ir ao cinema! Então, assim, não era não é ali na equina, você vai a um evento. Então você ia ao cinema era um evento. Esse filme em particular era muito ruim, o cinema era muito ruim, mas você tinha um cinema do outro lado, muito próximo onde a gente ia ver os melhores filmes lá. E aí já era, aí sim era um evento. Você ia naquele outro cinema que era melhor. Era um outro evento, aí era bom
P/1 – E comiam no cinema?
R – Não.
P/1 – Você não tem essa recordação? Não?
R – Nesses não tinham condições (risos), era muito ruim.
P/1 – Então, voltando agora pra Brasília você fica lá durante três anos. Em que colégio você estudou em Brasília?
R – Eu estudei o tempo todo no Pio XII. Era um colégio de freiras, era um pouco distante da minha casa, mas eu ia com meus irmãos e voltava com eles mas logo em seguida meus irmãos. No ano seguinte, meus irmãos foram estudar no Marista e eu continuei no Pio XII, então eu passei a ir e voltar sozinho, o que pra mim foi um momento muito interessante. Uma das coisas que me deixou marcado foi eu ir e voltar sozinho e passando pelas quadras, atravessando pelos subterrâneos das passarelas, não tinha passarelas, era subterrâneo. A gente passava pelo subterrâneo e até chegar em casa era uma aventura, eu me lembro que eu gostava muito.
P/1 – Você ia caminhando?
R – Eu ia caminhando. Ia caminhando o tempo todo.
P/1 – Era muito distante?
R – Era, era. Porque a 310 ficava muito próximo da W3, e o colégio era na Nélio Dutra. Embora fosse mais ou menos na mesma direção era um num canto da asa o outro no outro canto da asa do avião.
P/1 – E o colégio era muito diferente do que você estava habituado aqui no rio?
R – Era. Era um colégio que não era tão grande quando o Luso Carioca. Mas Era um colégio mais aberto o luso carioca era mais prédios e lá não, era mais aberto. Você tinha quadras, parques, várias quadras, você tinha ume espaço físico maior. Mas eu me lembro que nesse colégio em particular eu tive muita dificuldade de conseguir amigos. Consegui muitos poucos amigos.
P/1 – E por quê que você acha?
R – Não sei, não sei. As pessoas eram muito fechadas, eu não sei. Eu não conseguia romper a barreira nesse colégio que eu tive muitos poucos amigos.
P/1 – E quando que vocês voltaram pro rio?
R – Três anos depois, né, a gente voltou pro Rio. Voltamos a morar na Penha de novo, que a casa ficou fechada nesses três anos, e eu volto a estudar no luso carioca. Estudei lá durante um período curto, e logo em seguida eu fui estudar em outro colégio. Já estava no Científico, já era me preparando pro vestibular.
P/1 – E aí nessa volta pro Rio, esse lazer, assim ainda de juventude, mudou, que que tinha?
R – Mudou. Embora os amigos sejam os mesmos, aí a gente já saía. Já ia procurar barzinho, já ia procurar festa, fazíamos festa entre nós. Aí tinha uma coisa que ficou muito marcante, nessa época foi um galpão que tinha duas ruas do lado da minha e que a gente conseguiu, tava fechado, a gente conseguiu a liberação pra fazer festas. Então acabou que todo sábado tinha festa lá, e tinha DJ. Nós fazíamos a festa, nós fazíamos a iluminação. Então tinha tudo lá, e acabou que cobrava ingresso e aí as pessoas pagavam, entravam e a gente comprava mais coisas pra festa, só pra se divertir.
P/1 – Eram os amigos do bairro, é isso?
R – Do bairro ali, os amigos da rua.
P/1 – E essa festa eram como assim? Descreve um pouco, o que tocava? Como é que as pessoas iam vestidas, como que dançavam...
R – Era aquela época de dancin’days, então as pessoas iam vestidas meio discotheque, né? Era isso, você tinha aquele momento de dancin’days, dançando aquele embalo de discotheque. Aí tinha momentos de música lenta, depois voltava a dançar de novo
P/1 – E como é que as pessoas se vestiam, assim, você se lembra?
R – Eu me lembro. Eu me lembro que eu comprei a minha melhor roupa, que era uma roupa toda marrom que era da época, era uma bota que tinha na época, né? As pessoas usavam muita bota na época. As meninas todas com aquelas meias brilhantes, sandálias com meias brilhantes.
P/1 – E as músicas, você se lembra o que que você escutava, o que que tocava nessas festas?
R – Tocava discotheque. Tocava muito Frenéticas, que estavam no auge na época.
P/1 – Você dançava?
R – Eu dançava. Sempre dancei muito mal, sempre dancei muito mal.
P/1 – Mas dançava?
R – Dançava, tinha que dançar, tinha que dançar
P/1 – E as músicas lentas? Dançava em par?
R – Isso, em par. A gente pegava uma amiga, uma colega qualquer para dançar.
P/1 – E bebida, comida.
R – Tinha muito pouca bebida. Eu não me lembro de bebida nessa época. Algo que eu me lembro, assim, a bebida eu me lembro quando eu tinha 18 anos que a gente começou a experimentar cerveja, mas muito pouca coisa. Era uma infância bem infantil. Nós não tínhamos muita maldade, nós não ingressávamos por um lado ruim. Era uma turma que era basicamente todo mundo boas pessoas, né, a grande maioria. Então foi momentos muito bons.
P/1 – E você falou que vocês iam para bares também. Que bares vocês frequentavam?
R – Bares na região. A gente ia, sentava, comia pizza, comia alguma coisa e ficava conversando
P/1 – Tenha algum que ainda exista?
R – Não. Eu passei lá há pouco tempo e nada daquilo existe mais, tudo mudou.
P/1 – A região mudou muito?
R – A região mudou muito.
P/1 – Quais foram principais mudanças que você percebe desde a sua juventude pra hoje?
R – Bem, nessa época, assim, violência zero. Não existia violência, né? A gente podia andar da maneira que fosse na rua, mas não tinha violência, né? Não sei se você viu o Alemão, a invasão do Alemão. Não é longe dali. O crescimento daquela comunidade degradou muito a região, mas é uma região basicamente de casas onde aos poucos foram surgindo indústrias, comércios. Mas, era uma região basicamente de casas, e casa muito pacíficas. E depois começou a ficar muito deserta, porque as pessoas tinham muito medo de andar na rua, mas isso já bem mais próximo agora da década de 80.
P/1 – E essa época de juventude, você falou um pouco do que tocava nas festas, mas o que que você gostava de escutar?
R – Eu sempre gostava de escutar o rock brasileiro. Sempre gostei e até hoje eu gosto Plebe Rude. O rock de Brasília: Plebe Rude, Legião, Paralamas. Sempre gostei muito.
P/1 – Tinha uma música favorita, assim?
R – Não
P/1 – Não?
R – Não. Eu gostava muito de Bete Balanço.
P/1 – Bete Balanço?
R – É. Eu me lembro da batida de óculos da guitarra do Herbert Vianna, gostei muito daquilo.
P/1 – Você chegou a ver algum show do Legião Urbana?
R – Não, do Legião, não. Vi show dos Paralamas, show de Lulu, vi show de Plebe Rude.
P/1 – Alguns tantos? Bons, né?
R – É, muito bons, né?
P/1 – Então depois você saiu, daí você vai pro Científico é isso? Você saiu dessa fase e vai pro Colegial.
R – Isso.
P/1 – Científico, na época se chamava, né? Já tinha uma opção, você tinha Vestibulinho pro Científico?
R – Não, não tinha.
P/1 – Mas, você já tinha uma ideia de quando você vai pro Científico que você queria prestar vestibular pra Medicina?
R – Não. Na realidade eu queria fazer Física. Quando eu entrei no segundo grau, me apaixonei por Física e falei assim: “Eu quero fazer Física”. Então uma das coisas que eu fazia, ia ali pegava um ônibus até o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, que fica ali em Botafogo. Aí entrava lá, ficava rodando lá dentro e sonhava que um dia eu ia trabalhar lá. No meio do caminho eu fiz Engenharia. Passei e comecei a fazer Engenharia. Meu pai é uma pessoa muito persuasiva, então aos poucos ele foi me convencendo a prestar o vestibular para Medicina. Eu fiz, passei e ele me convenceu a só começar. Aí eu só comecei e tou até hoje (risos).
P/1 – Ele conseguiu...
R – Ele conseguiu. É, e ele consegue. Fez isso com os quatro filhos. Dois fizeram Engenharia e dois fizeram Direito.
P/1 – Deixa eu só voltar um pouquinho e te perguntar uma coisa aqui: nessa época antes da adolescência, antes de entrar na faculdade ou assim que você entrou na faculdade, como foi essa questão assim de flerte, namoro, primeiro amor?
R – Começou nessa época de segundo grau, um pouco antes.
P/1 – E como é que era? Você se lembra da sua primeira paixão?
R – Me lembro, era uma vizinha, ela morava próximo de casa. A gente ficou namorando um bom tempo, agente namorou acho que cinco anos.
P/1 – Foi sua primeira namorada?
R – Foi minha primeira namorada. A gente namorou um bom tempo.
P/1 – E você pediu em namoro? Você se lembra como foi esse momento?
R – Pedi. Pedi em namoro, tudo certinho. Não podia vacilar, não, tinha que ser tudo certinho.
P/1 – E como é que era o namoro? Quê que vocês faziam juntos?
R – Bem, a gente namorava assim: a gente ficava ou na casa dela ou em algum lugar, um cinema, alguma coisa. Eu me lembro muito de buscar ela quando voltava da escola. Eu ia buscar ela e trazia. A gente namorava muito na casa dela. Era um namoro muito inocente, muito pueril.
P/1 – Até que idade? Que idade elas tinham quando vocês terminaram?
R – Acredito que em torno, eu cheguei quase aos 20 anos.
P/1 – Então quando você entrou na faculdade ela era ainda sua namorada?
R – Isso
P/1 – E a faculdade de Engenharia, que foi a primeira que você entrou?
R – Isso.
P/1 – Qual que era a faculdade? Era aqui no Rio mesmo?
R – Nuno Lisboa, aqui no Rio mesmo.
P/1 – E você se lembra o que foi que mudou quando você entrou na faculdade, que impressão você teve da faculdade, da vida universitária?
R – Uma liberdade, né? Parece que você tem que reaprender toa a tua maneira de viver. Assim, você tinha, a responsabilidade vinha toda pro teu colo, coisa que antes estava na mão de alguém dizer pra você o que você tinha que fazer. Ele entrega a matéria, e você tinha que estudar. E muitas vezes eram coisas complexas, difíceis, coisa que eu achei que ia ser muito mais tranquilo, e eu percebi que não era.
P/1 – Quanto tempo você ficou na faculdade de Engenharia?
R – Fiquei dois anos.
P/1 – E você estava gostando?
R – Estava, eu já até trabalhava numa obra. Eram três prédios, que a gente ajudava lá. Atrapalhava mais do que ajudava. Gostava muito de ir pra obra, né, fazer as medidas, eu gostava.
P/1 – Você entrou em Engenharia Civil?
R – Era Civil. Engenharia Civil. Gostava muito da parte de cálculos, achava muito interessante.
P/1 – E esse trabalho que você está citando foi seu primeiro trabalho?
R – Foi meu primeiro trabalho.
P/1 – Onde que era? Conta um pouco assim do que era o trabalho, onde era.
R – Era uma empresa no centro da cidade e eu fui pelo CIEE, naquela época existia não sei se hoje em dia existe.
P/1 – Existe.
R – É o Centro de Integração Empresa-Escola, né? Então na realidade eu fui estagiar, mas eu recebia pra isso. Era o estagiário que recebia, e na época era uma bolsa boa, eu ficava muito feliz quando chegava o salário. E eu ia pra essa empresa, e eu fazia a parte teórica dentro dessa empresa, na parte pratica dentro do campo mesmo, trabalhando na obra. Eu achava muito interessante.
P/1 – Você se lembra onde era a obra? Onde estava construindo?
De vez em quando eu passo lá e mostro pro meu filho. Um dos prédios eu não consigo localizar mais, mas um dos prédios, com certeza eu sempre passo e mostro pra ele.
P/1 – E é um prédio residencial?
R – Residencial, residencial.
P/1 – E você se lembra o que você fez com seu primeiro salário que você ganhou na vida? Com esse primeiro salário de estagio, a bolsa?
R – Do estágio eu não lembro bem, mas eu me lembro muito bem do meu primeiro salário que foi na Marinha. Não foi nem um salário, foi um salário que veio junto com o auxílio-fardamento, que eu tinha que comprar a farda pra mim, e eu comprei uma lavadora de louça pra minha mãe. Aí eu me enrolei na Marinha por causa disso. Ainda mais eu me lembro que isso aí ficou, saiu o salário e eu comprei uma lavadora de louça e dei pra minha mãe.
P/1 – E como é que foi, você se lembra a reação dela recebendo?
R – Ela ficou muito feliz, ficou muito feliz. Foi uma surpresa pra ela.
P/1 – Foi um presente de ocasião, assim, uma ocasião especial?
R – Não, não. Foi assim: eu recebi o salário, saí, comprei pra ela e entreguei. Eu não sei porque que eu escolhi a lavadora de louça. Acho que quatro filhos, ela cozinhando e lavando, na época mais ou menos, o raciocínio foi esse. Mas, eu me lembro disso, eu chegando naquela época, caixa enorme que naquela época não era leve, hoje em dia é bem mais leve.
P/1 – Ela ficou surpresa?
R – Ela ficou surpresa, ficou muito feliz.
P/1 – Que idade você tinha isso?
R – Isso aí foi na Marinha. Eu já tinha mais de 20, 24, 25 anos.
P/1 – E foi antes da faculdade de Medicina?
R – Foi depois da faculdade de medicina. Foi meu primeiro salário oficialmente, foi esse. O outro era uma bolsa, depois eu recebi uma outra bolsa também.
P/1 – Conta então como foi essa transição da Engenharia pra Medicina. Enfim, que momento você tomou a decisão e foi? Como é que foi entrar numa outra faculdade?
R – É, eu fiz o vestibular, passei pro segundo semestre, eu não passei pro primeiro. Então eu tinha um grupo de amigos dentro da Engenharia, me lembro que eu sofria muito para dizer pra eles que eu ia sair da Engenharia pra Medicina. Eu só fui falar no final do semestre lá, quase chegando no final que fui falar pra eles, né? E, pra mim, foi muito doloroso essa ruptura com esses amigos. Eu fui fazer Medicina e de cara eu conheci logo as pessoas com quem eu convivi a faculdade inteira, que foi dois grandes amigos, o Luís Gustavo Lahar, que é oftalmologista e Luís Álvaro Abdalla, que é cirurgião em Campinas. E nós três ficamos muito amigos. Então, assim, na faculdade era muito fácil porque nós três éramos muito amigos. Então tudo que a gente fazia, a gente fazia no trio. Tudo que a gente fazia, era a gente que tomava as decisões, tocava junto, fazia junto.
P/1 – E era a mesma faculdade?
R – Era a mesma faculdade, mas éramos muito amigos, os três. Somos até hoje.
P/1 – Mas, digo, era a mesma faculdade de Engenharia?
R – Não.
P/1 – Você mudou de faculdade, então?
R – Mudei de faculdade.
P/1 – E você gostou de cara? Você lembra da sua primeira impressão do curso de Medicina, porque você vinha de um curso que você gostava, né?
R – A Medicina tem uma coisa que na Engenharia eu demorei a ver, eu só fui ver quando fui estagiar. Porque na Medicina você de cara, você já começa um pouco com a prática, né? Eles começam a te ensinar lá o bê-á-bá, né? Mas eles já começam a te trazer coisas práticas pro seu dia a dia: “ó só, o seu paciente vai ser assim”. E cada dia você sai de lá, você acha que você já é médico. Você não só aprende, você tem a sensação que você tá aprendendo. Na Engenharia você não tem muito isso, você aprendia cálculo, mas você nãos sabia muito bem onde ia usar aquilo. E na Medicina essa conexão era mais clara pra mim.
P/1 – E você gostava disso?
R – Eu gostava disso. Quando você vai aprender mesmo que fosse lá falando sobre a célula, ele fala assim “ó só, quando você tiver um paciente diabético”, e aí ele explicava aquilo que ele queria explicar, mas puxava e você começava a fazer a relação das coisas. O elo de cada corrente ia se juntando, e era interessante, né? Na Engenharia não tinha essa percepção muito clara não. Então acho que isso foi o bom da Medicina, esse é o bom da Medicina.
P/1 – E como é que você foi decidindo assim no que você queria se especializar. Como é que foi esse processo como, que áreas você tinha interesse?
R – Foi um processo mesmo. Na realidade eu sempre quis fazer, ou eu ia fazer Cardiologia ou eu ia fazer alguma coisa relacionada à Pediatria. Depois, logo em seguida você desiste, eu não tinha nada claro do que eu ia fazer. Comecei a trabalhar e Ortopedia já mais pro final da faculdade, né? Meus irmãos são ortopedistas, então, assim, era uma área muito boa e muito interessante a ortopedia, mas a minha irmã falou: “Não, mais um ortopedista na família não”. Ela era pediatra: “Não, você não vai fazer ortopedia, não”. Aí, só que nesse cainho eu encontrei um amigo meu, um colega que é o Francisco que era meu professor e agente foi ficando amigos. E assim eu comecei a ver a cirurgia e comecei a me apaixonar pela cirurgia. Eu fui virando cirurgião por aí.
P/1 – Aí foi se encaminhando?
R – Fui me encaminhando.
P/1 – E nas suas primeiras experiências, assim, de atendimento, de uma relação direta com o paciente, como é que foi isso, assim, essa ida da faculdade, isso durante a faculdade ainda, né? Residência. Mas, como que é esse contato. Você se lembra como foi essa impressão como é que você se sentiu?
R – Lembro, um pânico total! Eu me lembro do paciente me falando o que tinha e eu ouvindo, anotando, ouvindo, anotando, ouvindo, anotando. Aí, eu olhei pra cara dele e disse assim: “Eu não sei o que que ele tem”. Pô, você tá começando, normal. Aí eu saí, virei pra um colega, quando comecei a contar pro colega o que que ele tinha, o colega: “Ué, mas ele tá gripado”. Eu olhei e falei assim: “Como tá gripado?”. Era uma coisa tão boba, mas o meu pânico não deixou eu perceber. Então, o primeiro atendimento era uma coisa boba, mas, o meu pânico não deixou eu perceber nada.
P/1 – Onde foi isso?
R – Isso foi em Teresópolis. Num hospital pequeno que tinha em Teresópolis, e eu trabalhei lá durante anos. Formei e fiquei lá ainda um bom tempo, que eu adorava trabalhar á.
P/1 – E você se lembra desse paciente, assim, fisicamente, era um homem, era uma mulher?
R – Era um homem, mais ou menos da estatura mediana, não me lembro nome, esses detalhes, eu não lembro. Eu me lembro do pânico e de ser uma coisa extremamente boba! E eu não ter conseguido fazer o mínimo de raciocínio.
P/1 – E nessa história, nessa coisa de atendimento com o paciente, tem alguma história marcante, alguma coisa que você sempre lembra? Bem, essa, que foi sua primeira vez, claro, mas assim, alguma situação ou vivencia, atendendo mesmo que seja marcante, um fato marcante pra você?
R – Tem. Já é um pouco mais a frente. Algumas coisas, principalmente pra quem faz cirurgia, algumas coisas marcam muito, né? E a primeira morte que você tem é uma coisa que te marca muito. A morte do paciente clínico, aquele que entrou pela emergência e você fez todo o possível e não conseguiu ressuscitar, você consegue tolerar bem. Mas, o cirurgião que tá operando, mesmo que seja um trauma ou um caso grave, e o paciente morre ali na sala com você. Você, mesmo estando com staff, mesmo estando com pessoas mais antigas, a coisa iria acontecer, normalmente você não leva muito bem, você não aceita muito bem. E eu me lembro de ter ficado muito abatido. Eu sempre fui muito racional, muito tranquilo com tudo, aceitava tudo muito bem, mas eu me lembro que não aceitei bem, e tive que entender que isso fazia parte de um processo.
P/1 – Que idade você tinha?
R – Essa eu já tinha uns 25 anos, 26 anos. E essa parte faz parte do processo e quando chegou nesse processo, você tem que entender. Se você não aprende, se você não consegue aprender, você não é cirurgião. Cirurgião é aquele que sofre, aprende e não torna a repetir erros; pega aquele fato e acrescenta. Então foi um momento muito marcante pra mim. Eu era muito novo, embora estivesse com um cirurgião extremamente experiente do meu lado, mas eu era novo e ver o paciente morrer e eu não podendo fazer nada, assim, a vontade de desistir é muito grande, é muito grande.
P/1 – É forte, né? É uma vida. Explica pra gente qual que é o trabalho do cirurgião-geral, qual que é o seu trabalho.
R – Bem, eu sou cirurgião-geral, mas eu sou cirurgião do trauma. Eu faço cirurgia do trauma. O cirurgião-geral é aquele que opera basicamente tudo. Ele opera tórax, abdômen, cabeça e pescoço, qualquer coisa em abdômen. Ele não é tipo um cirurgião especializado em cirurgia oncológica, não. Ele faz câncer, ele faz trauma. É um cirurgião que tem uma visão mais generalista e atua em vários segmentos da parte cirúrgica. No meu caso, assim, eu procurei formação em tudo, até em cirurgia vascular, em cirurgia torácica. Tanto a cirurgia geral, como eu faço trauma, tenho que abrir tórax, tenho que fazer lesão cardíaca, tenho que fazer cabeça e pescoço. Então a gente tem que fazer um pouco de tudo. Então a gente procura toda essa formação um pouco mais abrangente.
P/1 – E como é que você se torna um cirurgião do trauma?
R – Hoje em dia, na época você fazia os dois anos de residência e o terceiro ano sendo opcional, tá? Hoje em dia você tem o quarto ano de trauma. Alguns hospitais já tem o quarto ano de trauma. Na época não existia, na época você ia procurar sua formação nos melhores centros.
P/1 – E o que te levou a essa escolha, assim, a cirurgião do trauma?
R – O estresse. É um estresse, é uma adrenalina, é um estresse muito bom. Você tem uma adrenalina em momentos curtos. Você tem poucos momentos pra decidir o que você vai fazer. Tomar decisões rápidas em momentos curtos, e rapidamente definir, e rapidamente você vê o resultado também, e salva a vida dele. Nem que você tenha que operá-lo mais tarde, mas você salva a vida dele.
P/1 – Um cirurgião do trauma trabalha então num pronto-socorro do atendimento, é isso?
R – É isso. Hoje eu sou médico de um hospital que é o Hospital Estadual Albert Schweitzer, que é um hospital de trauma do Rio de Janeiro que mais opera a parte ortopédica e que tem a parte cirúrgica forte também. Hoje eu sou o chefe da cirurgia do Hospital Albert Schweitzer, mas até hoje eu dou plantão nesse hospital. Eu gosto de dar plantão, eu gosto da emergência. É uma região de conflito, onde você tem várias favelas com várias facções diferentes, desde UPP como a do Vermelho, do Terceiro Comando, então, assim, nós temos uma experiência grande em lesão por projetil de alta velocidade, tiro de fuzil e pistola de calibre grosso, grande calibre. Então, é uma coisa que eu gosto de fazer.
P/1 – Então é uma coisa muito rápida, né? Eu imagino que seja um atendimento todo muito rápido. Mas você já teve mesmo sendo essa coisa tão rápida algum paciente que tenha sido marcante, assim?
R – Tenho. A gente no massacre daquelas crianças de Realengo. Foi no dia nosso, que eu tava lá, meu dia de plantão, mas é um dia que eu me lembro daquela sequência de eventos acontecendo. Foi uma tragédia que você pensa que não vai viver por mais que você tenha estudado o evento de múltiplas vítimas, que você vai romper sua capacidade de atendimento, né? Você sofre muito no desfecho final. E você descobre que você mesmo errou em algumas coisas, tecnicamente.
P/1 – Vocês receberam essas vítimas de Realengo, foi isso?
R – Foi. Foram 25 crianças, todas com tiro. Lesões graves, lesões menos graves. Foram três operadas na unidade. Foram, eu não tenho os números de cabeça, mas acho que foram 11 mortos logo de início. E você triar, fazer triagem desses eventos que rompem a tua capacidade de atendimento, fazer a triagem é muito difícil. Você olhar pra uma criança e dizer: “Essa não tem mais condições de viver”. E largar, e partir pra outra. É uma coisa que você, diz nos livros, que você não consegue, muitas vezes você não consegue fazer. E eu descobri na minha própria pele que eu não conseguia fazer.
P/1 – Nessa situação?
R – Nessa situação. Eu tinha o melhor cirurgião que era o Menescal, Augusto Sampaio Menescal. Ele fez a triagem. Ele é um cirurgião extremamente antigo, um cirurgião experiente e ele sofreu muito. Todo mundo sofreu, todo mundo chorou. Não tinha quem não chore (voz embargada).
P/1 – Não tem como.
R – Se eu começar a falar agora eu choro de novo e quantas vezes eu falar isso eu choro, né? Foi muito difícil.
P/1 – É diferente, você sente a diferença na sua prática como médico quando é um adulto ou quando é uma criança ou quando é um senhor, essa coisa de mais idade? É mais difícil lidar com algumas dessas faixas estarias?
R – A criança é sempre mais difícil. A criança é sempre mais difícil. Por mais que você veja que o desfecho não é bom, você acaba passando dos limites do razoável pra você tentar fazer uma coisa que você sabe que não vai ter jeito. E isso é, isso é, isso tá no livro. Você sabe que você acaba, teu psicológico não deixa você parar.
P/1 – E você contou desse fato marcante que foi a primeira vez que você perdeu um paciente, né? Mas eu queria saber se tem um marcante do outro lado, uma vez que você salvou. Alguma coisa que marcou, uma vez que você tenha salvado a vida de alguém.
R – Tenho alguns pacientes de lesão cardíaca que a gente operou no hospital, mas tem uma paciente que ficou um ano internada no hospital com uma fístula, aí que a gente foi operando, ela foi operada seis vezes. Uma garota nova, até hoje eu tenho a foto dela me abraçando. Uma coisa meio desproporcional, porque eu tenho um metro e noventa e dois e ela era pequenininha, mas até hoje ela vai no hospital e o hospital inteiro conhece ela. Então, assim, salvar a vida dela! E hoje ela retomou o dia-a-dia dela. A Poliana, nem sei se eu posso falar o nome dela. Mas, a Poliana é uma pessoa conhecida no hospital. Todo mundo conhece ela já é franqueada já entra no serviço, todo mundo adora ela.
P/1 – Que idade ela tinha, você pode dizer?
R – Ela tem vinte e três anos.
P/1 – Tá.
R – E ficou quase dois anos internada.
P/1 – Não saiu, né?
R – Saiu, saiu. Saiu bem! Depois eu te mostro a foto quando terminar.
P/1 – Tá certo. Queria saber agora, voltando um pouco mais pra história pessoal, queria saber como você conheceu sua esposa. Quando e como?
R – Nós éramos colegas de turma, a gente era da mesma turma. Na realidade a gente não se falava. A gente passou os seis anos da faculdade sem se falar. Ela tinha um namorado e eu tocava minha vida.
P/1 – Mas você era interessado? Tinha algum interesse?
R – Não. Ela não gostava de mim e eu não gostava dela.
P/1 – Não gostavam?
R – Não, assim. Não é que eu não gostasse, né? Mas, ela não gostava de mim. Era uma coisa muito clara. Mais pro final da faculdade a gente começou a conviver juntos e começamos a ver pontos convergentes. Então foi algo meio gradativo, meio, não foi de uma hora pra outra, foi gradativo.
P/1 – Aí vocês ficaram amigos antes?
R – Ficamos amigos. Ficamos amigos, fomos amigos durante algum tempo, depois da faculdade a gente continuou amigo, e mais ou menos na residência a gente começou a namorar.
P/1 – Ela trabalha em que área?
R – Ela é cirurgiã vascular.
P/1 – E você lembra desse começo de namoro? Teve um marco? Um pedido de namoro, alguma coisa assim?
R – Não, não teve um pedido de namoro.
P/1 – Não?
R – Não teve (risos). A gente começou a namorar e pronto: namoramos.
P/1 – E quanto tempo vocês namoraram?
R – Uns dois anos. Foi o tempo, mais ou menos, o tempo da residência. Então, logo depois a gente já começou a morar junto e em seguida a gente casou.
P/1 – E fizeram um casamento formal?
R – Fizemos um casamento formal. Não, tinha que ser. Tinha que ser casamento. A família dela é portuguesa, todos moram em Portugal, então a gente teve que ir até Portugal, casar na igreja de véu e grinalda, terno e gravata, correr as proclamas aqui, correr lá, mas, tudo certinho.
P/1 – Foi em Portugal, em que cidade?
R – Foi em Lisboa. Foi um pouquinho afastado de Lisboa, Oeiras, é um quase Estoril.
P/1 – E como é que foi o casamento? Conta um pouco, como é que foi a igreja, os preparativos...
R – A igreja, é uma igreja do bairro, é uma igreja simples. Deve caber cerca de 300, 400 pessoas. Foi um casamento extremamente simples. Pra você ter uma ideia, só tinha um convidado, na igreja tinha uma senhora esperando a missa. Então só tinha duas pessoas sentadinhas lá, os padrinhos, eu e ela. Eu me lembro do padre chorar, emocionado.
P/1 – Então, retomando, você tava dizendo que o casamento foi numa igreja pequenininha. Só dois convidados e família, né?
R – A igreja não era muito pequena não. Mediana.
P/1 – Igreja de bairro?
R – Igreja de bairro.
P/1 – E por quê que o padre chorou?
R – Porque ele ficou comovido. Porque eu chorava, eu choro à toa também, então eu chorei, ele também chorou, e todo mundo chorava ali. Como não tinha ninguém filmando nem fotografado, assim, era o padrinho que filmava, quando o padrinho assinava, era eu que filmava. Foi uma coisa muito pequena, né? Fizemos uma coisa muito pequena.
P/1 – Quem que eram os convidados?
R – O convidado era uma amiga desse meu cunhado. Ela trabalhava, ela era professora de Matemática da Universidade de Lisboa. E mais tarde, uns dois anos depois, a Márcia foi assaltada e roubaram a aliança dela. E nós quando voltamos a Portugal, e foi encontrar o padre, ele falou: “Não, eu abençoo a aliança na missa”, né? Aí, ele chamou a gente na missa para abençoar a aliança e contou a história, né? A missa cheia. Aí levanta uma mãozinha lá, aí levanta uma senhora: “Eu estava no casamento deles”. Era a senhora que esperava a missa (risos).
P/1 –Que barato (risos)!
R – Ela veio, abraçou a gente, tiramos foto com ela. A única pessoa (Risos). Ela levantou a mãozinha,
assim: “Ê, eu tava no casamento deles”.
P/1 – Ah! Incrível, gente. Incrível!
R – É, eu ria muito. Essa história é muito gozada, eu gosto.
P/1 – A sua família foi? Alguém da sua família foi?
R – Não. Ninguém da minha família foi.
P/1 – Tinha a família dela e vocês?
R – Exato, exato.
P/1 – E teve alguma comemoraçãozinha depois, um almoço?
R – Teve almoço num restaurante, Restaurante na orla do Estoril.
P/1 – E aí, vocês ficaram um tempo lá depois pra lua-de-mel?
R – Ficamos. Ficamos em Sesimbra? Ficamos lá uns dias em Sesimbra. Aí a gente foi a Londres. Portugueses, os parentes portugueses têm uma mania de dar dinheiro. Eles não dão presente, dão dinheiro. E de uma hora pra outra a gente não sabia disso e tinha uma porção de dinheiro pra gente, né? Aí a gente pegou e viajou e foi pra Londres, né? E aí ficamos em Londres, lá, passeando.
P/1 – E como foi essa viagem pra Londres? Vocês já conheciam? Foi a primeira vez?
R – Primeira vez, essa viagem pra Londres foi muito interessante. Eu tive vontade de ir a Londres. Eu sempre tive vontade de conhecer Londres e então foi muito, muito interessante pra mim. Foi maravilhoso, tudo, porque o Palácio da Rainha tava aberto para visitações, coisa que não era comum, então a gente pode entrar no Palácio, foi muito interessante.
P/1 – Você se lembra, assim, do que você mais gostou, um momento marcante assim dessa viagem?
R – Teve algumas coisas. Tem o cofre onde guardam as joias da Rainha. Eu lembro – tudo se paga lá, óbvio – de eu pagar e quando eu entrei eu quis projetar umas joias no telão e você saía pra uma outra sala e eles projetavam as joias no telão. Aí na quarta sala projetando, e eu já tava assim: “Eu não acredito que eu paguei pra isso”. Aí quando eu entrei era uma porta de cofre gigantesca, aí você entra pra ver as coroas, né, aquelas coisas todas de ouro, e você fica boquiaberto. Mas o que mais me chamou atenção continua sendo o Big Ben. Você vai ver um relógio, entra pra ver um relógio, entra num metrô, uma estação velha e feia, você acha que vai ver o relógio, vai perder teu tempo vendo um relógio, e quando você vê aquele relógio gigantesco, lindo, é muito, foi muito marcante, muito legal.
P/1 – Ficou impressionado?
R – Fiquei, muito impressionado.
P/1 – Quanto tempo vocês ficaram lá?
R – Em Londres, a gente ficou cinco dias.
P/1 – Depois, voltaram, né?
R – Depois, voltamos.
P/1 – E aí vocês foram morar onde? Bem, vocês já moravam juntos, você disse, né?
R – A gente foi morar no Flamengo, mais tarde a gente morou no Rio Comprido. Mas a gente morava no Flamengo.
P/1 – E ai você mencionou que você tem um filho, né?
R – Isso!
P/1 – Queria saber como é que foi, assim, a gravidez, como vocês ficaram sabendo da gravidez?
R – O Luís hoje tem 14 anos, ele nasceu em 2000. A gente ficou sabendo da gravidez por um teste muito interessante: foi a carne estragada. A gente almoçando num restaurante onde a gente sempre ia, que serve, né? O prato principal é carne e ela cismou que a carne tava estragada. Aí começou aquela confusão, e não tá, e a gente prova e a carne tá estragada, e não tá e a minha mãe falou assim: “Ela tá grávida”. E ela “não tô”, porque ela já tinha tentado de tudo e não tinha conseguido e já tinham falado que ela não ia conseguir engravidar. Ela: “Não tou, não tou”. Aí saímos, no dia seguinte comecei a perturbar pra ela pra fazer o teste, e deu positivo.
P/1 – Quanto tempo de casados vocês estavam?
R – Quase seis anos.
P/1 – E diziam que ela não podia ter filhos? Vocês já tinham tentado antes?
R – É, já tinha tentado antes e não tinha conseguido.
P/1 – E aí, como é que foi essa notícia?
R – Foi bom, uma alegria! Sabendo que era menino, então, foi maravilhoso. Eu queria menina, ela queria menino, mas aí foi muito bom, muito bom.
P/1 – A gravidez, assim, você se lembra como é que foi, todo o tempo de gravidez?
R – A gravidez foi relativamente tranquila. O segundo, na metade pra frente foi que começou a enrolar mais. Ele tinha uma circular de cordão, que é o cordão enrolado no pescoço. Então, a gente foi fazendo acompanhamento semanal, né? E ela não deixou de trabalhar em nenhum momento. Na última semana, ela sentiu que ele deu uma parada de mexer e a gente foi fazer o exame, tinha diminuído a quantidade de líquido e ele resolveu tirar, né? Ele: “Tem que tirar, o neném vai entrar em sofrimento, então vamos ter que tirar ele fora”. Mas o que é que aconteceu para tirarem o líquido? Aí ela conta, né: “Não, é que eu tava com um paciente lá, aí o paciente parou, eu arrastei ele da maca, massageei, entubei, não sei que, depois empurrei ele até a emergência, não tinha ninguém pra ajudar”. E em cima da maca, aquela coisa toda, ela com aquele barrigão. Aí nisso perdeu líquido e deve ter tido uma perda bem sensível lá qualquer, que ela não percebeu, né, e daí pra frente tirou o neném.
P/1 – Você acompanhou o parto?
R – Acompanhei, acompanhei.
P/1 – E aí, como é que foi?
R – Foi horrível! Né? Eu nunca gostei de obstetrícia e, assim, eu não fiquei, porque eu não queria pressionar ninguém. Porque todo mundo sabe, é assim: médico é médico, cirurgião é cirurgião. Fiquei no meu canto lá com ela. Me lembro de eu olhar, assim, e ter saído muito pouca água. Aí, ela: “Ai, meu Deus! Está tudo bem?”. Eu disse: “Tá tudo tranquilo, fica calma”. Aí, tira ele e leva, pensei “Ai, meu Deus! Vai sair aquele ratinho, né?”. Sempre você acha que vai sair um garoto parrudo, e sai um ratinho, né? E a gravação da filmagem do parto, né? E um silencio, né? E só tá a mulher do obstetra, a mulher do Filipe falando assim: “Não tem o nariz do Dino”. O Dino era nosso cachorro, né? Imagina se fala assim: “Tem o nariz do Dino”. Aí ela fala assim: “Não, tem o nariz do Dino”. E foi a única coisa que se falou nesse tempo. Todo mundo nervoso e “não tem o nariz do Dino” (Risos).
P/1 – Muito bom. (Risos)
R – Aí, ele fez um monte de coisa. Chorou, aquelas coisas todas, tudo tranquilo, deu tudo certinho.
P/1 – Foi uma Cesária?
R – Foi cesárea, foi cesárea.
P/1 – E você lembra qual foi a primeira vez que você segurou? Qual é a sensação de ser pai?
R – É muito boa, é muito boa. Eu me lembro levando para as pessoas verem. Eu sem jeito nenhum, com medo de deixar cair. Até porque no dia botaram ele do lado de um bebê. Ele nasceu com dois quilos e pouquinho, mas o bebê devia ter uns quatro quilos e meio, né? Aí eu olhei pra um, olhei pro outro e falei assim: “Não vai sobreviver, esse ratinho aqui não vai sobreviver”. Sobreviveu.
P/1 – De quanto tempo ele nasceu?
R – Não, ele nasceu com trinta e oito semanas. Tava bem, saiu bem, era magrinho, mas bem. Rapidinho, estava esperto já.
P/1 – E que que muda, assim, que que a paternidade mudou na vida? Pensando em...
R – Você muda e passa a viver em torno dele, né? Todo mundo passa a viver em torno dele. Você, antes você se aborrecia no trabalho, chutava tudo e ia embora. Hoje em dia, você engole sapo porque você tem que botar leite em casa, tem teu filho, tem que estudar, você tem que dar uma coisa melhor pra ele. Então você passa a ser um cara mais tranquilo, mais calmo. Passa a ouvir mais, paternidade me deu muito disso, saber dividir, antes eu não dividia, hoje eu divido, tem que dividir.
P/1 – Claro.
R – Ele tá sempre no meio. Mesmo estando um galalau grande, ele vem, pula no meio. Tem que saber dividir!
P/1 – Tá certo. Eu vou redirecionar agora pra questão dos “Jovens Nutricionistas”. A gente vai entrar um pouquinho nisso. Eu queria perguntar primeiro como é que você conheceu o programa “Jovens Nutricionistas”
R – Eu trabalho com terapia nutricional. Além de cirurgião, eu faço a parte de Nutrologia, a parte de terapia nutricional, então eu conheço as pessoas da Nestlé. Na época, eles tinham uma estagiária e eles estavam com problema aonde colocar a estagiaria, né. Eu sou o chefe do serviço do Albert de cirurgia, e eu pedi pra colocar a estagiária no meu serviço, o que foi um reboliço, porque a estagiária de nutrição fica na nutrição e não fica no serviço de cirurgia. Aí eu consegui: ela foi pra lá. A estagiária, a Ludmila, foi pra lá. E eu só tive gratas notícias com essas meninas, todas que passaram lá foram maravilhosas, né? E um projeto que entrou pra coletar dados antropométricos (medir paciente, ver qual o estado nutricional desse paciente), ficou uma coisa um pouco maior dentro do serviço. As pessoas começaram a olhar pra elas como membro da equipe. Então elas rapidamente deixaram de ser uma estagiária da Nutrição pra alguém que vai dizer pra gente como é que nutricionalmente, como aquele paciente está, e isso deu um susto nelas.
P/1 – Explica um pouco essa primeira parte. Essa estagiaria de nutrição entra na equipe de cirurgia, é isso? Na equipe, no setor que cuidado do paciente?
R – Equipe que cuida do paciente
P/1 – Equipe que cuida do paciente. Qual que é a função dela? Qual que é o papel dela?
R – Primeiro avaliar o paciente, avaliar nutricionalmente o paciente. Uma das maiores fontes de complicação cirúrgica é a desnutrição. Então, um paciente desnutrido, um paciente malnutrido é um paciente que complica. Se você não dá proteína pra um paciente, ele não tem proteína pra cicatrizar. Então tua anastomose, a ressecção que você fez, anastomosou, ela não vai ter a cola pra colar. Então você vai ter que estar em um bom estado nutricional. Hoje em Nutrição uma das coisas que mais se escreve é nutrição em paciente cirúrgico. Porque é onde tem o melhor resultado. É onde você vê o resultado muito claramente. Então elas vieram para colher dados, elas acabaram passando pra gente como os pacientes estavam, mas começaram a participar do round cirúrgico.
P/1 – Quê que significa isso? Round cirúrgico?
R – Round cirúrgico é quando a gente se reúne, todos os cirurgiões se reúnem e discutem todos os pacientes, a gente discute caso a caso todos os pacientes. Normalmente isso é diário. Eventualmente não tem, mas normalmente é diário. E nós começamos a fazer o round multidisciplinar. Então, além dos cirurgiões, veio a enfermagem, veio a fisioterapia e veio a estagiária de Nutrição. Com isso, a estagiaria de Nutrição fez um link com a nutrição do hospital e começaram a vir as nutricionistas. Hoje no round, a gente discute plano nutricional, elas falam, tiram dúvidas, comentam. A enfermagem comenta sobre o curativo. Todos falam sobre o paciente, então você consegue enxergar o paciente de uma maneira mais ampla.
P/1 – E qual que é a diferença ou a melhoria que sente quando a Nutrição entra na questão, entra por exemplo nesse round cirúrgico, entra nessa discussão do paciente?
R – Primeiro, evitar o jejum desnecessário. É muito comum o paciente operar, e as pessoas acharem que o paciente tem que ficar em jejum. Hoje em dia sabe-se que não precisa. Na maioria das vezes você pode nutrir, e deve nutrir precocemente o paciente. Não deixar que o paciente passe um bom tempo sem a nutrição, mas, fundamentalmente, que o paciente que interne você ter a noção se você tem que nutrir ele antes da cirurgia ou depois. Isso aí você tem como saber hoje em dia.
P/1 – E a equipe de nutrição entra nessa questão? Essa aproximação então da nutrição com a cirurgia começou a partir do programa “Jovens Nutricionistas” em parceria com o Hospital? É nesse momento que começou?
R – Exatamente, foi nesse momento.
P/1 – E você mencionou que teve uma certa resistência quando você pediu que a estagiária Ludmila viesse pra sua equipe, né? Por que isso era incomum, é isso?
R – Era incomum. Tanto é incomum que assim, no início ninguém entendia muito bem o que estava acontecendo, até a equipe de cirurgia não consegue entender que tem uma nutricionista que está dentro do corpo do hospital, dentro ali do corpo da cirurgia. Isso aí rapidamente isso fez ver que era necessário, porque o cirurgião entende que o estado nutricional é fundamental. Então rapidamente, era muito interessante no início, discutia-se os pacientes. No final do primeiro mês, todo mudo falava do paciente e olhava pra ela pra saber se ela ia falar alguma coisa do estado nutricional do paciente. No terceiro mês já tinha, numa parte do quadro, onde tinha o paciente, já tinha uma parte só pra nutrição. Então ali ela já diz pra gente como é que está o paciente. Quer dizer, de uma maneira clara, com letras. Mais ou menos, você bate o olho, você percebe de cara como está o estado nutricional do paciente. Então, isso a gente conseguiu muito rapidamente.
P/1 – Aí, pensando assim no dia-a-dia do trabalho, como é que foi introduzir essa pessoa nova na
equipe? Como é que vocês ajustaram como trabalhar juntos? O que teve que mudar na dinâmica de trabalho?
R – Basicamente, a gente não mudou nada, a gente acrescentou. Elas não mudaram nada, né? Quando elas surgiram, quando a Ludmila surgiu depois veio a Rebeca, elas já vieram com um projeto pronto. Elas já sabiam o que elas tinham que fazer.
P/1 – E o quê era?
R – Era fazer a avaliação do paciente, então você tem todo um protocolo pra seguir. Então o paciente internou, ela vai lá e faz aquele protocolo. A grande questão foi: que que ela vai fazer com isso pra gente quando ela tem uma informação? Porque ela colheu os dados, e o que é que ela vai fazer com aqueles dados? Então foi nisso que a gente teve que trabalhar. Foi um trabalho muito simples, muito fácil, e que colou muito rapidamente. O paciente tá desnutrido você coloca no quadro que o paciente tá desnutrido, e você olha pro cirurgião que tá passando na visita e consta aqui “abordar esse paciente”: “Vamos ter que suplementar ele, vamos ter que fazer modulo de proteína, vamos ter que fazer isso”. E isso se discute no round assim, todos, abertamente.
P/1 – E que ano que foi isso? Quando a Ludmila veio que foi a primeira.
R – Foi em 2012. Final de 2011, início de 2012.
P/1 – E hoje vocês têm alguma estagiária?
R – Tem.
P/1 – É a Rebeca?
R – Não. A Rebeca passou duas vezes. Hoje tem uma estagiaria, esqueci o nome dela. Eu não sei, mas vou lembrar (risos).
P/1 –Mas, vocês têm, assim, o mais importante, eu quero saber é se continua, se esse programa continua.
R – Continua.
P/1 – Em parceria. O “Jovens Nutricionistas” continua, vem pro hospital...
R – Vai. A gente continua. E acabou que nós começamos a receber agora os internos, que são os estudantes do último ano de Medicina. Já rodam em cirurgia, lá no Albert, da Universidade Estácio de Sá. Então o que é que acontece? Esses internos, a gente tem grupos de aulas que eles dão. Então na cirurgia não adianta ficar dando aula de ressecção, de anastomose, porque isso não vai interessar pra maioria deles. Vão interessar pra poucos que fazem cirurgia, mas pro resto, a maioria, não vai interessar. Então a gente trabalha muito a parte clínica do paciente. Então os pacientes dessa parte clínica, sempre tem uma parte nutricional, sim senhora. Então, quando a gente dá aula, faz o estudo de caso, faz a discussão de artigo, né? A gente deixa a parte nutricional associada, e elas já entram fazendo o link com essa parte nutricional. Algumas vezes elas dão aula, outras vezes elas só se preparam e comentam o que eles vão falar.
P/1 – As estagiárias?
R – As estagiárias. E fazem isso, todas elas, as três que passaram são, foram muito bem sucedidas
nesse ponto.
P/1 – Elas vêm de qual faculdade?
R – Ih! Não sei.
P/1 – Não tudo bem, não sabe, não tem problema.
R – Não sei, de cabeça, não sei.
P/1 – Depois que a Ludmila entrou e tem toda essa reestruturação, qual a diferença na recuperação do paciente? O que isso ajudou no seu trabalho? O que isso ajudou na recuperação do paciente com a participação da Nutrição, das estagiárias e depois da equipe de Nutrição do Hospital?
R – Bem, a primeira coisa é uma coisa impalpável. Você tem que ter números, e eu não consegui gerar esses números. São números que são números que são difíceis de eu afirmar pra você. Eu não tenho esses números, mas a impressão que dá e é uma impressão que fica muito clara: é a diminuição das complicações. A partir do momento, e isso está no livro, essa percepção que a gente tem, mas eu ainda não tenho números pra fechar isso. Imagina, tá palmilhando isso tudo!
P/1 – Mas, é sensível? Você percebe?
R – É sensível a melhora do paciente quando você tem um bom estado nutricional. Isso aí nos artigos, nos trabalhos, é claro, tá? Eu tô falando dentro do meu serviço, que eu ainda não conseguiu gerar os números pra fechar isso, pra afirmar lá dentro, mas a percepção que eu tenho é essa, foi a melhora com a diminuição das complicações. E elas tão totalmente, fatalmente, engajadas nisso.
P/1 – Tem um caso de um paciente especifico assim, que você se lembra? Só por curiosidade, que tenha passado, né? Por esse...
R – Tem, tem um paciente que ele foi uma sequência de complicações. Até que a gente conseguiu fechar o diagnostico dele, que era uma tuberculose intestinal. É um paciente que passou por diversos momentos da Nutrição, inclusive Nutrição Parenteral, que é uma nutrição que vai na veia, é? E no final a gente conseguiu fechar que era uma tuberculose. E era uma tuberculose intestinal. E um paciente que complicou, porque ele veio de uma cirurgia e foi fazendo uma sequência de complicações. E é um paciente que mais tarde a gente encontrou com ele, e é outro paciente. Igual a Poliana, quando eu olhei e ele veio me cumprimentar, eu fiquei olhando pra ele. Ele falou assim: “O senhor não se lembra de mim? “Você me desculpa, mas não lembro”. Aí ele falou o nome, eu falei assim: “Não acredito!”. Ele tava grande e forte! E a gente vê o paciente quase morrendo, mas a Nutrição teve um papel fundamental. Porque nós levamos quase 30 dias pra fechar um diagnóstico desse paciente.
P/1 – Em termos de sua opinião pessoal e também profissional, o que você acha que essa experiência ajuda essas estagiárias? Em termos de carreira mesmo, de profissão, essa passagem pelo hospital pelas estagiarias, as que você teve contato, pensando assim, o que se ensina, o que elas aprendem, o que isso abre de caminhos, em termo de carreira?
R – Bem, a primeira coisa importante é a relação com o médico. Normalmente, a nutricionista já tem uma distância da equipe medica. Então a gente consegue aproximar a equipe de nutrição da equipe médica. E começa a quebrar muros, né? Os muros que dividem o serviço começam a ser quebrado. Que o maior entrave é o paciente evoluir bem é a barreira entre cada serviço. Então você começa a quebrar esses muros, elas começam a comunicar, começam a falar, elas aprenderam a fazer isso. Elas começaram a falar com a equipe médica, a se portar e a se posicionar. Ter a posição delas e a afirmativa delas em relação a equipe medica. Também ouvir e aprender a parte técnica, a parte cirúrgica que é uma parte que não é dada na faculdade delas. Uma coisa que nós fizemos e que deu muito certo desde o início, foi levar a nutricionista pro centro cirúrgico, tá? Então tem algumas fotos delas no centro cirúrgico, felizes da vida, porque na faculdade elas não tem essa oportunidade. E provavelmente na carreira delas nunca vão ter. Então a gente leva pro centro cirúrgico e mostra como faz uma gastrostomia, que ela vai lidar com a gastrostomia, vai alimentar um paciente com gastrostomia. Mostra as alças intestinais como são, como fica distribuído dentro da cavidade abdominal, a estrutura atômica toda. Mostra pra elas e mostra o que eu é que nós estamos fazendo. Então elas começam a ter uma percepção e não é mais aquela percepção de desenho de faculdade, assim, é pratica. Então isso foi, acho que o grande ponto do programa, pra mim foi a aproximação da equipe de Nutrição e poder dar essa oportunidade pra elas dentro do centro cirúrgico.
P/1 – E pra você como medico cirurgião você sente que teve algum aprendizado, mudou alguma coisa na sua visão sobre a Nutrição? Claro, que você já considerava muito importante se trabalhar, você trabalhava, né? Com nutrição.
R – Eu trabalho com isso, né?
P/1 – Mas, você sente que teve alguma mudança de se aproximar desse profissional de nutrição ou de acompanhar a prática dele de trabalhar junto com ele?
R – Tem. E você vê, eu já trabalho com isso, então, isso pra mim é uma coisa que está muito clara. Mas as pessoas da equipe que não lidam com nutrição no dia-a-dia, elas começaram a ver de maneira diferente. Até porque a gente botava, começou a botar muita discussão acerca de nutrição, e as pessoas começaram a participar e se interessar. E era curioso, quando acabava o round e a gente saía, você via um ou dois cirurgiões cercando ela, e querendo tirar dúvidas com ela e querendo que ela vá ver, “dá uma olhada nesse paciente, vê se a gente tem que fazer alguma coisa por ele”. Eles começam a perceber essa importância. Embriologicamente, o cirurgião sabe; ele tá lá, mas ele prefere operar do que começar a tratar nutricionalmente o doente. E quando você reforça isso, aquilo reaviva dentro dele. Então começa a olhar com um olhar muito próprio pra o estado nutricional do paciente. E elas ajudaram, foram fundamentais. Sem elas talvez não tivesse andado um terço do que andou o serviço.
P/1 – Muito bacana, né?
R – É, se você ver, que são garotas, é? Estão com 20 anos.
P/1 – Universitárias.
R – E a última aula que ela deu, eu saí, tava eu e uma colega e falei assim: “Ó, tá parecendo uma professora dando aula”, “tá mesmo, né? Tá dando orgulho”. Assim, muito bem, muito bem.
P/1 – Onde que essas aulas acontecem que você mencionou...
R – Dentro do hospital. A gente faz tudo dentro do hospital.
P/1 – E aí é com alguma universidade especifica ou vocês recebem médicos...
R – Estácio de Sá. Os alunos vêm todos da Estácio de Sá.
P/1 – E essas aulas acontecem dentro do hospital?
R – Isso.
P/1 – Eu não sei se é uma coisa com a qual você tem contato, mas você sabe se esses dados, se essa experiência delas da prática no hospital gerou alguma coisa de produção acadêmica? Artigos, se tem trabalhos vinculados a isso, se você acompanhou alguma coisa nesse sentido.
R – Não, eu não acompanhei. Pra elas, isso vai para um banco de dados que a empresa computa, que vai gerar um relatório no final. Pra nós, já gerou artigo de publicação, já gerou em banner de Congresso de Cirurgia: “Avaliação dos Pacientes Cirúrgicos”.
P/1 – Pra vocês médicos?
R – Pros nós médicos.
P/1 – Então já teve uma produção?
R – Já. Ainda é incipiente, ainda é pequena, a gente tá ainda começando.
P/1 – Que bacana!
R – O serviço tem três anos, então a gente tá começando.
P/1 – Você sabe onde elas estão? Essas nutricionistas que passaram por aqui e já saíram?
R – Tenho. Tenho contato com elas, sempre.
P/1 – Com o que que elas tão trabalhando? Tão bem?
R – Já recebi convite de casamento.
P/1 – E elas continuam em hospital, você sabe isso ou não?
R – Uma delas tá em hospital e a outra eu ainda não sei, eu não. Não conseguiu se enquadrar. Não conseguiu entrar num emprego. Ela casou há pouco tempo também, ainda vai correr atrás de emprego.
P/1 – A gente vai encaminhando pro final, mas antes de fazer, tem uma sequência de perguntas finais, queria saber se tem alguma coisa que a gente não perguntou e que você gostaria de falar, pode ser da vida pessoal, pode ser da vida profissional, pode ser do programa “Jovens Nutricionistas”. Nada?
R – Não! Vamos terminar isso (risos).
P/1 – Você tá se saindo tão bem. Nada que você queira destacar, algum fato?
R – Nada que me vem à cabeça agora.
P/1 – Não?
R – Vocês têm que mandar essas coisas por e-mail, pra eu me preparar (risos).
P/1 – Você se saiu super bem. Algum fato, alguma coisa assim, agora que te venha mais marcante do “Jovens Nutricionistas”? Dessa relação?
R – Acho que só a relação mesmo que a gente forma, que foi um pouco além da relação profissional. A gente acabou ficando amigos. E não é aquele amigo de Facebook que só curte, né? A gente é amigo mesmo de, às vezes, convidar pro casamento, às vezes ligar pra saber como é que tá, se tá tudo bem.
P/1 – Criou um vínculo?
R – Cria, né? Às vezes, ela entra no serviço, vão lá visitar, matar saudade. É muito legal!
P/1 – Tá certo! Vou encaminhar as perguntas finais, então. A primeira é: qual que você considera, fazendo um balanço hoje no momento em que você tá, que foi o maior desafio da sua vida e como você superou?
R – Eu acho que o maior desafio foi realmente foi lidar com aquelas mortes do massacre e conseguir parar, voltar, e continuar fazendo o que eu tinha que fazer. Eu acho que aquilo ali foi um ponto importante.
P/1 – E como é que você lidou com isso, assim, como é que você encontrou um caminho pra continuar?
R – Aprendendo. Considerei um aprendizado e vamos embora (voz embargada). Não pode parar. Não dá pra parar não.
P/1 – A próxima é: quais são seus sonhos hoje em qualquer esfera? Quais são seus desejos? Quais são seus sonhos?
R – Bem, eu quero ter minha residência médica no meu hospital, que eu tou trabalhando. Quero continuar sendo chefe lá do serviço, eu quero ter a residência médica lá. Quero viajar muito e aproveitar muito a vida.
P/1 – Não tem um destino, assim, que já tá em mente?
R – Sim, tenho um destino. Gostaria de ir à Praga, conhecer Praga. Não sei se vai ser agora, mas acho que nos próximos dois anos eu vou.
P/1 – Tá certo! E por fim, como foi contar sua história, dar esse depoimento?
R – É, a gente tem que recordar muita coisa, né? Recordar muita coisa. Tem muita coisa boa, que, assim, que passa na cabeça da época de Brasília, da época da infância, né? Recordar é muito interessante. Foi uma lição aqui de aprendizado, né? Ficar lembrando da onde eu vim, aonde eu tou, né? Foi interessante. Foi muito bom.
P/1 – Tá certo!
R – Não pode esquecer da onde a gente vem não.
P/1 – Não, não pode.
R – Não pode.
P/1 – Muito obrigada, Alex. Foi muito boa, foi ótimo!
R – Obrigado a você.
P/1 – Muito obrigada!
R – Eu que agradeço.
P/1 – Por tudo, assim.
FINAL DA ENTREVISTA
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