Projeto Vale Memória
Depoimento de: Emmanoel Mendonça Magalhães
Entrevistado por: Cláudia Resende e José Carlos Vilardaga
Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: CVRD_HV131
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Teresa de Carva...Continuar leitura
Projeto Vale Memória
Depoimento de: Emmanoel Mendonça Magalhães
Entrevistado por: Cláudia Resende e José Carlos Vilardaga
Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista: CVRD_HV131
Transcrito por: Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 – Seu Emmanoel, a primeira pergunta é para o senhor repetir seu nome
completo, data de nascimento e local de nascimento.
R – Emmanoel Mendonça Magalhães.
P/1 – Data e local de nascimento?
R – 10/12/1922. Nascimento no Rio de Janeiro.
P/1 – O nome dos seus pais?
R – Te falei, né? (Elzaman?) Magalhães e Alzira de Mendonça Magalhães.
P/1 – O senhor conhece um pouquinho a história da sua família seu Emmanoel? Um pouco a ascendência materna, paterna?
R – Conheço. Conheço todinha ela. O meu pai é nascido em Belém, mas de descendência dos holandeses. Os holandeses, né, aqueles invasores do Nordeste. E a minha mãe era do alto Tocantins. Família de fazenda e ela era professora primária. Quer dizer, formada na escola Normal lá de Belém e professora. Professora. A profissão dela era professora. Foi lá e foi no Rio de Janeiro também. E meu pai ele não se formou, mas ele acabou trabalhando em um setor, o setor de pesca do Brasil. Ele foi durante muitos anos diretor da Divisão de Caça e Pesca do Ministério de Agricultura, aqui no Rio de Janeiro. Até ele falecer.
P/1 – O senhor sabe como eles se conheceram, seu pai e sua mãe?
R – Não.
P/1 - _________
R – Não. Não sei não. Foi lá no Pará, né?
P/1 – Se conheceram no Pará e daí...
R – Aí vieram para o Rio.
P/1 – E algum dos avós, o senhor conheceu algum dos seus avós, não? O senhor conheceu?
R – Eu conheci, mas minha lembrança é muito pequena. Quando eu fui no Pará, porque naquele tempo você ia ao Pará mas pegava o navio, né, compreendeu? Navio da Costeira. Era um navio bom, mas era uma viagem. Assim uns 10 dias. Então não é assim. Hoje “xuuuuu”, uma hora e meia você está em Belém.
P/1 – Claro.
R – Então eu fui uma vez, que eu era muito pequeno. Fui outra vez também ainda era pequeno aí que apagou ________. Só fui voltar ao Pará quando eu estava começando a trabalhar na (riso) ___________.
P/1 - ___________ (riso) o senhor voltou para a terra dos pais então. O senhor nasceu em que bairro do Rio de Janeiro?
R – Eu nasci no Catete.
P/1 – Ali que o senhor se criou na região do Catete?
R - Eu me criei em São Cristóvão primeiro, e depois Botafogo.
P/1 – E que lembranças o senhor tem desses dois bairros, um pouco como é que era a sua infância nesses lugares?
R – Bom, eu só posso dizer que naquele tempo, ali na década de 1920, né, São Cristóvão ainda era um bairro bom. Porque você sabe que São Cristóvão foi no, foi o bairro do, da nobreza. Pedro II, né?
P/2 -
É, onde morava...
R – O palácio era ali, na Quinta, né? Então ali, quando eu nasci, aquilo ali ainda era um bairro. Depois ele entrou em uma decadência, né, em relação à zona sul. Acho que hoje ainda é um dos bons bairros do Rio de Janeiro. Depois vim para a zona sul aqui, não saí mais.
P/1 – Não saiu mais daqui.
P/2 -
E o senhor tem irmãos?
R – Tenho um irmão. Tinha, tinha um irmão. Faleceu. Faleceu há três anos atrás. Era médico.
P/1 – E as brincadeiras de vocês na infância? Que tipo de brincadeira se fazia nesse tempo?
R – Na minha infância, na década de 1920, garoto pequeno, era bola de gude e soltar pipa, né? Era, vamos dizer, coisa que hoje em dia quase estão acabando.
P/1 – E o senhor começou a estudar com quantos anos, seu Emmanoel?
R – Eu estudei primeiro em uma escola pública lá em, lá em São Cristóvão. Eu esqueci o nome da, está lá. Existe até hoje essa escola. Depois ______________, continuei em escola pública, né? Depois estudei no Colégio Resende, eu fiz o ginásio, né? O ginásio. Colégio Resende. Depois houve um tal curso, Colégio Universitário eu fiz o pré-engenharia. Depois a Escola Nacional de Engenharia.
P/1 – E como é que o senhor era como aluno? Como que o senhor se avalia?
R – Médio.
P/1 – Médio?
R – Médio. Médio.
P/2 -
(risos)
R – Médio.
P/2 -
E o senhor tinha predileção por alguma matéria assim?
R – Eu não fui mau aluno assim de matemática não. Mas eu não gostava muito. Depois é que eu vim a gostar. A princípio não gostava muito. Mas também depende um pouco do ensino, né?
P/1 – A disciplina, o senhor era um aluno obediente?
R – Era. Era sim. Aliás é uma coisa característica que até eu acho interessante, que mostra como são os tempos, né? No meu tempo foram cinco anos de francês e quatro de inglês. Você vê naquele tempo ainda a predominância...
P/2 -
A importância maior era o francês.
R - ...da cultura francesa.
P/2 -
Hum, hum.
R – Aqui no Rio de Janeiro, acho que no Brasil, né? Hoje eu tenho uma neta por exemplo que está estudando inglês e espanhol. Nem fala de estudar francês. Espanhol diz que é por causa do Mercosul aí, né?
P/2 -
(riso)
P/1 – E educação religiosa? O senhor teve algum tipo de educação religiosa?
R – Eu tive sim. Minha mãe era, era católica fervorosa. Fervorosa mesmo. De ir à missa todo domingo e de sempre estar lá, e todas aquelas coisas. Eu não eu sempre fui um, um, batizado e tal, né? E fiz aquela primeira comunhão e tal mas nunca fui assim muito, não tenho assim muita tendência assim para religião não.
P/1 – Mas o senhor tinha que ir na missa com a mãe? Ela levava o senhor na missa?
R – Até uma certa idade, né, depois eu comecei a fazer gazeta na missa.
P/1 – (risos) E dentro de casa, seu Emmanoel? Como é que era um pouco a relação? Quem tinha mais autoridade? Seu pai, sua mãe, como é que era isso distribuído dentro de casa?
R – Olha, pelo que eu me lembro, meu pai na atividade dele ele viajava muito sabe? Então a ligação maior era com a mãe. Era com a mãe. Inclusive como ela tinha sido professora, né?
P/2 -
Hum, hum.
R – Ela nos ajudava assim. Tinha aquela facilidade de nos ajudar, né? Ela inclusive lá no Pará, na Escola Normal – que chamava Escola Normal – a formação de professoras primárias, então tinha o tal prêmio Lauro Sodré. Ela ganhou o prêmio Lauro Sodré. Eram, eu não me lembro bem não, mas eram condições assim, parece, nunca podia tirar uma nota menor do que oito durante todo o curso. E ela ganhou.
P/2 -
Hum.
R – Outras também, né? Inclusive uma irmã mais velha dela também ganhou. Ela era uma pessoa muito instruída e dominava francês completamente. (riso)
P/2 -
(riso)
R – Acho que influenciava mais. Mais era minha mãe. Eu gostava demais do meu pai.
P/1 – Ele viajava muito?
R – Viajava.
[pausa]
P/1 – O senhor estava contando um pouquinho do seu pai, um pouco dessa, ele viajava muito? Eu queria que o senhor contasse um pouquinho disso para a gente?
R – É, isso aí. Gostava porque sendo paraense, né? Ia até lá o Pará. Tinha lá _________ relacionamento maior, né, porque era a terra dele. Ms era muito ligado ao litoral, né? Onde tinha a pesca. Aliás é uma coisa que eu vou falar para você é o seguinte, sabe? Ele dizia, inclusive ele escreveu. Ele escrevia até em vários jornais, sabe? E dizendo o seguinte: de que a quantidade de peixe que tem na costa brasileira é imensa. Dá para abastecer a população do Brasil toda. É imensa a quantidade. É uma riqueza natural assim, que ele achava fantástica. Você não tem que plantar nada, o peixe está lá, ele está ali no mar. Mas nunca houve assim uma, eu não sei se é uma questão de estímulo ou também talvez a iniciativa de industrializar, né? De instalar em várias cidades assim, empresas, né, para pescar e para tratar do peixe. Inclusive para venda, para tudo porque ele deteriora com facilidade. _________ Disse que isso não tem igual. Disse que em termos de alimento na costa do Brasil, e talvez em outros serviços semelhantes, não há, não há, não existe possibilidade de ter uma riqueza tão grande de alimentos como __________. Peixes e outros, né? Sei lá, crustáceos e...
P/1 – Ele escrevia isso, ele escrevia essas coisas?
R – Ele foi, ele foi redator, fundador e redator durante muito tempo de uma revista chamada “A Voz do Mar”.
Já, já....
P/1 – Não existe mais.
R - … já não existe mais há muitos anos. Ele era também muito prestigiado pelo Ministério da Marinha. Devido à essa função dele, né? Mas isso aí, isso aí eu me lembro às vezes e fico pensando: “Puxa vida, isso não mudou nada. Está exatamente como está.”
P/1 – Hum, hum.
R – Não mudou nada.
P/1 – Ele pescava mesmo, seu Emmanoel? De hobby, diversão?
R – Ele pescava. _________
P/1 – Levava o senhor para pescar, por exemplo?
R – Pescava sim. Nós íamos ali na Urca, nas pedras ali, sabe? Até ali no começo da Niemeyer. Uma vez ele levou até um tombo ali naquelas pedras ali.
P/2 -
E o senhor gostava de fazer essas pescarias?
R – Ah, ia. Acompanhar, acompanhei ele. Aquilo era, né? (riso)
P/2 -
Era divertido.
R – É. Difícil era achar um peixe. (risos)
P/1, P/2 -
(risos)
R – Porque pescaria você fica lá, e tal e...
P/1 – Comprava um peixe e levava para casa...
R – É.
P/2 -
Aí vocês voltavam com aquelas histórias de pescador, né?
R – (risos)
P/2 -
Trazendo um peixe enorme.
R – Passava na feira e comprava o peixe. (risos)
P/1, P/2 -
(risos)
R – Não, isso não se fazia não.
P/1 – Seu Emmanoel, dentro da sua casa, da sua família existia alguma expectativa para o senhor seguir uma profissão? Alguma coisa assim ou não?
R – Olha rapaz, eu não tinha assim uma idéia por exemplo no início de seguir engenharia não, sabe? Até o meu irmão por exemplo que foi médico, né, foi fazer medicina ele tinha, vamos dizer, uma facilidade matemática maior do que a minha, né? E engenharia é mais importante matemática do que medicina. Mas na hora não sei por que me deu assim uma idéia de dizer: “Não, medicina não.” E ele até depois falou comigo: “Puxa, você escapou de boa. O curso de anatomia...”
(riso)
P/2 -
(risos)
R – “...o curso de anatomia, eu quase desisti da medicina, rapaz. Quando começou aquele negócio de dissecar cadáver lá...” (riso) E é fato, né? Medicina isso é imprescindível, né? E o meu irmão foi. O meu irmão foi para medicina. Foi, foi, e falou isso e tal, mas foi. Fez aula seis anos, né, de... Ainda tinha isso. Medicina eram seis, acho que continua sendo assim medicina.
P/1 – _______________
R – Engenharia cinco.
P/2 -
São seis anos, é.
R – Seis anos. Mas não tinha assim... Foi um impulso. Um impulso, engenharia. E fui trabalhar lá no Paraná.
P/1 – Mas isso já depois de formado?
R – De formado. Com o famoso engenheiro brasileiro chamado Oscar Machado da Costa. Ele um grande engenheiro de ponte e ele fez um contrato com aquela estrada de ferro do Paraná, Santa Catarina de reformar todas as pontes. E reformou. Inclusive as pontes daquela, daquela estrada da Serra do Mar.
P/1 – Curitiba-Paranaguá, é isso?
R – Curitiba-Paranaguá.
P/1 – Mas o senhor conheceu ele aonde? Ele era professor do senhor na faculdade, não?
R – Quem?
P/1 – Esse, o Osvaldo Costa?
R – O Machado da Costa não. Ele não ensinava não. Ele era, ele era vamos dizer engenheiro e empresário, né?
P/2 -
Hum, hum.
R – Mas era realmente um engenheiro notável.
P/2 -
Mas aí, como que o senhor foi trabalhar com ele? Foi a convite?
R – Foi a convite. Foi a convite.
P/2 -
Hum, hum.
R – Eu e um colega, estávamos até fazendo já um estágio no Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, né, que era estar trabalhando no final assim como estagiário quando veio esse convite e nós decidimos ir para lá. E fomos para lá em 1946.
P/1 – E o curso do senhor seu Emmanoel, como é que foi? Quem eram os professores da Escola Nacional? Como é que foi um pouco esse curso e em que momento o senhor escolheu engenharia civil?
R – É o curso de, tinha outros cursos também. Mas o curso de engenharia civil era o principal, né? Era o principal. Depois tinham uma assim por exemplo que tinha a parte de, a parte elétrica, né? Que eu cheguei até pensar em fazer junto mas desisti, tinha também arquitetura, né? Mas eu preferi mesmo engenharia civil. E tinham professores ___ excelentes. Inclusive quem se destacou muito no final do curso foi o professor Antonio Noronha. Que foi até diretor da escola. Inclusive fez projeto de inúmeros edifícios aqui. Projetos estruturais. Inúmeros prédios, edifícios aqui no Rio de Janeiro, né? Um engenheiro de, Antonio Alves Noronha. Foi talvez _________________ professores que mais me impressionou. E que me levou um pouco para o negócio do, em trabalhar com o Machado da Costa, né? Que era em pontes.
P/2 -
E o curso da Escola Politécnica acho que era considerado um dos melhores, né, do Brasil?
R –É, era considerado sim. Era considerado. Aquele tempo falavam muito da nossa escola e de São Paulo.
P/2 -
Hum, hum.
R – Elas eram um pouco assim...
P/2 -
Rivais.
R – Rivais.
P/2 -
(riso)
R – Rivais assim.
P/2 - Até hoje acho que ainda continua sendo uma boa escola, né? __________________
R – É. Eu fiz o tempo todo ali mesmo, né?
P/2 -
Hum, hum.
R - No Largo São Francisco. A gente fazendo a aula e os camaradas do lado gritando: “Vamos entrar aqui, comprar não sei o quê e tal.”
P/2 -
(riso)
R – Nas lojas __________
P/2 -
É, porque ali é bem o centro, né, da cidade.
R – Centro da cidade mesmo.
P/1 – E trote? Tinha trote para entrar na faculdade na época?
R – Tinha.
P/1 – É.
R – Tinha trote.
P/2 -
(riso)
P/1 – E o senhor passou por algum trote?
R – Passei, passei, passei pelo trote. (riso)
P/1 – (riso)
R – Não escapava não. Era durante o vestibular. Depois que passava no vestibular juntava todo mundo que passou e já vinha o trote.
P/1 – O que é que fizeram com o senhor, o senhor lembra?
R – Jogavam água, e faziam lá umas brincadeiras. Mas nada de...
P/2 -
Nada de violento...
R – Não.
P/2 -
… como hoje, né?
R – É.
P/2 -
Hum, hum.
P/1 – E aí o senhor quando vai, esse foi o primeiro trabalho do senhor, esse que o senhor vai para o Paraná?
R - __________
P/1 – O senhor foi morar lá inclusive? Ficou morando lá esse tempo?
R – Fui.
P/1 – Como é que foi esse período aí, um pouquinho?
R – Não, esse período foi assim vamos dizer, completamente diferente de tudo que eu, que eu era assim, eu cresci na casa de meus pais e tal, né? Lá não. Lá tinha uma cidadezinha onde eu morava e só passava às vezes assim uns dias porque durante a semana toda eu estava na ponte. Tinha um acampamento, né? O meu um pouquinho melhor, os barracões, né, aquele pessoal. E em geral fim de semana eu ia para Curitiba. Ou então ia lá para o tal lugar onde eu morava lá. Para chegar lá para trocar de roupa e coisa, né? Era uma vida, vida completamente diferente de vida de cidade. Essa cidade de Rio de Janeiro nossa. Era interessante aquilo, sabe? Mas tem um certo atrativo. Porque você está em casa assim com pai, mãe então você fica muito empenhado. Ela não. Lá tinha liberdade total. A vida era minha. Então esse contraste assim era interessante. Inclusive o período de cinco dias ou seis dias lá na obra. Acompanhando a obra e tomando café da manhã e dormindo lá no barraco. Até uma coisa engraçada: lá na ponte São João tinha muita cobra. Então cheguei lá e estava com o engenheiro aí mostraram: “Olha aqui as vacinas aqui.” Falei: “Que negócio é esse aí?” “Estão aqui as vacinas contra picada de cobra.” Tinha parece que era a anti botrópica, né? Acho que era para jararaca, né?
P/2 -
Hum.
R – Anti Crotálica para cascavel, né?
P/2 -
Nossa.
R – E uma outra para coral. Não sei o nome, sabe? E mas era uma vacina, sabe que por acaso ninguém foi mordido. Então era assim com uma agulha grande, sabe, compreendeu? Não sei não, acho ________________ para aplicar isso. (riso)
P/2 -
E o senhor não teve medo, porque vindo do Rio para...
R – Eu ficava, eu ficava, depois com aquilo ali eu ficava olhando para tudo quanto que é lado.
P/2 -
(riso) Meio assustador mesmo.
R – É mata, é Mata Atlântica. A estrada sobe...
P/2 -
É.
R - … sobe por dentro da Mata Atlântica. Foi um, uma aventura mesmo. Aventura, aventura.
P/1 – Tinha muito acidente com os operários nessa obra?
R – Não, não tinha não. Tinha até boa camaradagem. Eles, a maioria era lá de baixo. Era de Morretes. Subiam de trem, né, na segunda-feira e voltavam na sexta de noite. A maioria era por aí mesmo.
P/1 – O senhor ficou quanto tempo lá?
R – Eu fiquei, deixa eu ver, eu fiquei, foi quando foi que eu fui? Foi em 1945, né? Depois aí eu me casei em 1948. Lá mesmo.
P/1 – O senhor conheceu ela lá?
R – Lá, lá em Curitiba.
P/1 – Como é que foi que o senhor conheceu ela?
R – Assim, conheci assim em saída de cinema. (riso)
P/2 -
(riso)
R – Coisa normal, né? Não foi por intermédio de, de, eu não conhecia quase família nenhuma, né?
P/2 -
Hum, hum.
R – E aí vim para o Rio de volta em 1950.
P/1 – Já casado?
R – Já casado. Aliás o meu filho mais velho nasceu lá. Os outros nasceram aqui no Rio de Janeiro.
P/1 – E quando o senhor veio para o Rio, o senhor foi trabalhar onde, como é que foi?
R – Não, aí como eu estava, como eu estava vamos dizer, muito envolvido nesse negócio com o Machado da Costa, com essas pontes e tal, eu recebi um convite para trabalhar com outro grande engenheiro brasileiro, chamado Paulo Fragoso. E com o Paulo Fragoso eu trabalhei até ir para a Vale do Rio Doce. E com ele também tomei parte em uma série de projetos que foi, por exemplo, o edifício da Avenida Central. Em estrutura metálica. Porque lá essas pontes, lá no Paraná eram metálicas, né?
P/2 -
Hum, hum.
R – Então aí o Machado da Costa era especializado em ponte metálica. Então era pouco conhecido aqui no Rio de Janeiro. E esses prédios altos, inclusive esses montes que caíram aí outro dia, é tudo estrutura metálica. Edifício de estrutura de aço. Então ali na Avenida Central, o centro do Jóquei Clube, do prédio do Jóquei Clube. Um grande prédio em Porto Alegre, chamado edifício Santa Cruz. Vários edifícios em São Paulo, então foi, foi vários edifícios à beça. Algumas pontes também, né? Mas primeiro era mais edifício. E daí foi, foi realmente foi um, tive dois professores, né? Mas no final acabei enveredando pela Vale do Rio Doce que aí não tinha mais projeto. (riso) Quem fazia o projeto era o, eram empresas contratadas. Mas é muito bonito projetar um grande prédio, uma grande ponte, um grande edifício.
P/1 – O senhor gostava de fazer isso?
R – Gostava sim, gostava. O Machado da Costa, para você ter uma idéia, ele trabalhou naquela ponte pênsil que tem lá em Florianópolis. A ponte, como é que é? Ponte Hercílio Luz. Uma ponte pênsil.
P/1 – Que liga a ilha...
R – É. Que liga a ilha ao continente.
P/1 - … ao continente.
R – Ele era realmente um engenheiro assim notável. Ele formou-se nos Estados Unidos. Mas é isso. Aí _________
P/1 – O Fragoso ele tinha um escritório aqui no Rio, é isso?
R – O Fragoso tinha um escritório.
P/1 – Como é que surgiu a oportunidade de o senhor ir trabalhar com ele?
R – Pois é. Eu tinha feito uma visita a ele quando ainda estava com o Machado da Costa, né? Até foi o Machado que pediu: “Vai lá, procura lá um amigo lá, o Fragoso. E tal.” Aí pedi demissão de lá, fui procurei o Paulo. Paulo Rodrigues Fragoso. Falei: “Olha, eu estou aqui no Rio, sabe alguma coisa para mim?”
“Não, vem cá para o escritório, fica aqui.” Então aí fiquei até, até ir para a Vale.
P/1 – O senhor foi para a Vale por quê, seu Emmanoel? Que circunstâncias aconteceram?
R – Não, eu fui para a Vale eu vou te dizer com toda sinceridade: era que ganhava mal, sabe? Ganhava mal. Tem, tem ramo de engenharia que são muito bem remunerados. Mas projetista de estrutura, rapaz...
P/2 -
(riso)
R - … é muito mal pago, sabe? É muito mal pago. E o, o Machado não, o Machado era, tinha um sentido mais assim empresarial. Mas o Fragoso era, desanimava, sabe como é? Porque chegava lá o cara, pô o cara que vendeu o tijolo (risos) ganhou mais do que quem fez o projeto da estrutura de prédios importantíssimos, né? (risos) E realmente a Vale tinha uma remuneração melhor, sabe? Além disso me deu uma idéia assim de segurança, né? Segurança. Uma empresa do governo. Uma empresa, né?
P/2 -
O senhor já tinha família constituída, né?
R – É, exato. Precisava...
P/1 – Mas como é que surgiu essa idéia, a Vale para o senhor? Quer dizer, que momento apareceu a oportunidade de ir para lá ou como o senhor soube?
R – É, eu me lembro bem. Eu ali trabalhando para o Fragoso eu conheci alguns elementos, agora eu não me lembro bem, que eram ligados a pessoas da Vale do Rio Doce, né? Aí e tal aquela conversa. “Ah, por que é que você não vai para lá? Vai começar o Porto de Tubarão. A Vale tem a estrada de ferro Vitória-Minas. Talvez possa até fazer o estudo de reforma das pontes.” Isso para mim seria uma beleza. Aí eu fui para lá.
P/1 – O senhor já conhecia alguma coisa de Vale do Rio Doce? Já tinha alguma expectativa antes de entrar nela?
R – Ah, a expectativa era essa: era o novo porto, que se não me engano, acho que até hoje o maior porto fora esses portos comerciais, né, foi o Porto de Tubarão. Porque tinha aquele porto antigo de Vitória, né? Mas teve que ser construído o de Tubarão porque não podia atracar. Até hoje não tem acho que no…. A não ser parece que em, na Bahia, né? Que tem aqueles petroleiros. Não tem nenhum porto no Brasil que permita aqueles grandes navios que aportam em Tubarão, são raros até no mundo. ___________ um navio assim, navio grande, navio de 8 mil toneladas. Hoje fala em navio de 100 mil, pô. E hoje tem mais até, sabe? Calado, 25, 30 metros de comprimento. Precisava de ter condições assim muito especiais, né? Tanto que o Porto de Tubarão, para fazer o Porto de Tubarão nesse local, rapaz, é uma ponta assim fora da baía de Vitória. É uma ponta chamada Tubarão. Mas para fazer teve que fazer um enrocamento grande para procurar um local onde pudesse tirar, tirar areia do fundo e fazer um, para permitir entrada desses, desses grandes navios, né? Hoje eles fazem inclusive um navio que eles chamam de ore oil, né? O navio leva minério, né, que é o ore e volta, faz uma limpeza no casco e volta com petróleo.
P/2 -
Hum.
R – E vai, distribui o petróleo e vem até aqui e distribui, compreendeu? Hoje tem muita combinação assim desses grandes navios assim. Mas tem navio hoje parece de 300 mil toneladas.
P/1 - ___________________
R – Deve ser um, nem sei se pode entrar esse lá em Tubarão.
P/2 -
(riso)
P/1 – Quando o senhor foi para, entrou na Vale o senhor foi trabalhar de fato em Tubarão? Foi para lá mesmo que o senhor foi?
R – Não, não. Eu comecei trabalhando em Tubarão, mas no Rio. Fazendo porque, estava sendo feito já nesta época, estava iniciando os trabalhos lá na ponta de Tubarão. Fazendo, e estava começando o estudo de engenharia geral, compreendeu? Que foi feito por aquela firma, companhia de, internacional, né? Uma firma americana de sede aqui no Rio de Janeiro. Então eu comecei acompanhando o projeto aqui. E aí comecei a acompanhar a construção lá.
P/1 - _______________
R - _____________
P/1 – Engenharia geral, Emmanoel?
R – Acompanhamento e administração da construção. Engenharia geral.
P/1 – O que é que é engenharia, o que é isso em engenharia?
R – Engenharia geral é arruamento. Fazer arruamentos. Arruamentos, a construção do quebra-mar _______ o quebra-mar. Então tinha __________ uma pedreira. Ela vai levando, vai jogando, compreendeu? Depois tem a parte de engenharia de detalhe. Já o píer, por exemplo, o píer, quem projetou o píer foi a firma que ganhou a concorrência do píer. ______ uma firma notável chamada Christian Nielsen. Aí não. Aí é engenharia de detalhe. Aí já vem um, com essa engenharia você pode construir tudo.
P/1 – Quer dizer, alguns pedaços do porto foram, vai para uma empresa e a engenharia geral vai para uma outra empresa, é isso? Em uma estrutura...
R – Não, a engenharia geral é uma firma só. Ela faz o delineamento do porto. É, onde é que vai ser o quebra-mar. Faz medições. Faz uma porção de coisas. Aí então você divide em partes: “Agora eu vou fazer uma concorrência para o quebra-mar.” Então, aí você vai. Depois uma concorrência para fazer o píer. E aí vêm mais concorrências para outras e outras construções que tenham. Inclusive Tubarão teve que fazer o ramal ferroviário que saía de Tubarão e chegava lá na Vitória-Minas. Tem acho que uns vinte a vinte e cinco quilômetros. Então ali teve uma concorrência de um pequeno trecho de estrada de ferro. Isso para a Rio Doce era coisa comum. Porque a ferrovia, a ferrovia preponderava, né? Preponderava __________. A maior parte dos engenheiros da Vale do Rio Doce eram engenheiros formados na ferrovia.
P/1 – A maior parte era da ferrovia?
R – É, porque a ferrovia começou antes da mineração. Antes era Estrada de Ferro Vitória-Minas. Carga geral e passageiros. Depois então com a abertura da mina de Itabira, que foi antes do meu tempo, aí começou a especialização também em engenheiro de minas. E transporte pesado, né? Tiveram que mudar, trocar todos os trilhos da ferrovia para aguentar os vagões carregados de minério de ferro.
P/1 – E esse trabalho da internacional, como é que o senhor acompanhou? Como é que foi esse trabalho dessa empresa?
R – A Internacional, ela tinha sede aqui no Rio de Janeiro. Era uma rua ali perto ali do Santos Dumont. Então eu ia lá, né, acompanhar. Às vezes eles vinham falar comigo. Diziam: “Olha, está nessa fase aqui e tal.” Inclusive para, porque eles faziam o trabalho de engenharia e fa...
[troca de fita]
R - … por exemplo ____ de campo, né, foi feita por eles. Feita por eles. Pegava o projeto então marcava os pontos principais onde ia se fazendo as construções. Empresa grande. Além, nesse tempo além de trabalhar no Porto de Tubarão a gente estava, era o projeto das linhas de Furnas. Foi a maior hidroelétrica que foi construída no Brasil até aquela época. E até ainda é a maior que o Brasil já construiu.
P/1 – Empresa americana?
R – Empresa americana.
P/1 – E a Vale dava, quem que fazia, eles que faziam os projetos, eles que montavam o projeto? Como é que o profissional da Vale interferia nesse...
R – Não, não.
P/1 - … no projeto mesmo. No porto?
R – A Vale ela, vamos dizer, ela tinha por exemplo, primeiro foi estabelecido o seguinte: você tinha o porto velho lá dentro da baía, né? Então com aquele porto velho eu acho que o máximo que exportou-se por ano foi um milhão de toneladas. Aí então foi feito um planejamento, né, e
eu tomei parte assim: “Vem cá, agora qual vai ser o, como é que vai ser o Porto de Tubarão? O que é que a gente tem que...” Então foi feita uma etapa. Fazer primeiro um – eram dois, tinha dois píers , né? – fazer primeiro um píer para chegar até, a 10 milhões de toneladas por ano. E se imaginar _________. Depois um outro mais profundo, para trazer navios maiores, compreendeu? Então, foi feito então um quebra-mar, né? Um lugar para ____________. Então a coisa foi assim, compreendeu? Você sabe que depois disso tudo, de todo esse estudo, no futuro fizeram ainda um outro quebra-mar por fora. Porque começaram a aparecer navios maiores ainda e a Vale estava querendo atingir 50 milhões de toneladas por ano. Coisa que nem imaginava quando se estava, quando se começou a coisa, compreendeu? Realmente houve melhoramento na mina. Aí eu não, eu só acompanhei. Não participei. Melhoramento na mina para produzir minério de ferro em quantidade muito maior. Com novos equipamentos. Melhoramento na estrada, porque para transportar era uma linha que a gente chama, primeiro que é uma linha de bitola estreita, né? Distância entre os trilhos é um metro e não...
P/2 -
Hum.
R - ...mas isso não podia mexer. Ela conectava com outras estradas. E até hoje continua assim com um metro. Depois teve que mudar todo sistema de lastro da estrada. Mudar os trilhos. E inclusive soldar os trilhos. Eles são soldados no campo, sabe, com uma máquina especial que solda os trilhos ______. Que eles são assim mais ou menos de 10, 12 metros de comprimento, né? Aí fazia trechos maiores assim de 60 metros soldados. Colocava inclusive com um lastro maior para aguentar os vagões de, não era pela locomotiva não. Eram os vagões de minério com uma carga enorme, compreendeu? Quando foi feito depois o projeto Carajás tudo isso ficou fácil. Já estava tudo, tudo aquilo que se apanhou ali, né?
P/2 -
Já tinha experiência anterior.
R – Já não foi mais preciso, mais preciso lá no projeto Carajás.
P/1 – Havia algum medo de que não se conseguisse construir o porto no prazo? Havia esse medo?
R – Havia, havia o medo. Havia o medo pelo seguinte: logo que eu entrei na Vale, 1962, logo depois teve a revolução, né? 1964. Aí deu aquela __________. Derrubaram quase todo mundo, aquela coisa e tal. Aquela coisa e aí então estabeleceram, estabeleceram que em 1965 para dar, para iniciar o Porto de Tubarão. Foi rapaz, foi um ____________________.
P/2 -
(riso)
R – O ministro de Minas e Energia era um colega meu de turma. Era o Mauro ________. Aí o Mauro telefonava: “Como é que é Emmanoel, vai dar para inaugurar? O presidente, o Castelo Branco está dizendo que não tem outro. Não tem outra. (riso) Outra inauguração, outra inauguração do mesmo...”, né?
P/2 -
(riso)
R – Eu dizia: “Olha o, estamos fazendo lá o diabo. Vamos lá comigo _____ te mostrar.” Comecei ___________: “Você é ministro por acaso, você é engenheiro, pô.” Então foi... (riso)
P/2 -
O senhor está ministro.
R – É. Rapaz, então no fim rapaz, no fim foi um pouco de farsa o negócio, sabe? O negócio foi uma farsazinha. Entrou...
P/2 -
(riso)
R - ...entrou um trem, entrou um trem assim no Porto de Tubarão. O porto, esses comboios, né, de, começaram a criar comboios assim de 30, 40, no fim tinha, tem comboios de 60 vagões, sabe? Puxado por três, quatro locomotivas. Mas entrou um menor apitando assim, sabe? (riso)
P/2 -
(riso)
R – Apitando. E tinha um navio lá no porto. Um navio pequeno. Carregaram um pouco de minério nele. Mas deu para dar a saída.
P/1 – Esse foi o dia da inauguração já?
R – Mas o governo, o governo ajudou. Nos prestigiou muito mesmo, sabe? Prestigiou muito. É o tal negócio, né, o sujeito assume o governo, militar, né? Aí daqui a pouco quer mostrar realizações. Aí vai dizer: “Pô, vocês vieram aí derrubaram o governo anterior e tal, né? Essa dureza aí. Cadê? O que é que vocês estão fazendo?” Não tinham quase nada (riso), quer dizer, o Mauro falou não tem nada para inaugurar. (risos)
P/1 - _______________
P/2 -
Tem que mostrar serviço, né? (riso)
P/1 – Trabalhava quantas horas por dia nesse tempo aí, último ano aí? Trabalhava muito?
R – Depois eu vivia lá. Praticamente eu vivia lá em Tubarão. Aqui, aqui era só uma parte administrativa só e me tocava para lá, né?
P/1 – E depois que inaugura o porto o senhor, qual que é um pouco o caminho do senhor depois disso?
R – Não, não. A Vale naquela época estava em uma fase assim de desenvolvimento mesmo. Aí começou a parte de desenvolvimento de mineração, de mineração,
da estrada de ferro. Esse troço da estrada de ferro. De melhorar as pontes. Tiveram que reforçar as pontes para aguentar esses trens. Então tinha muito trabalho, sabe? Muito trabalho mesmo.
P/1 – E aí o senhor, mas o senhor fazia os projetos ou não? O senhor continuava acompanhando os projetos?
R – Não, não. Você vê por exemplo aqui, né? Aqui uma coisa aqui, mostra aqui, ó. ________ Porto de Tubarão. Acompanhamento da administração do Porto de Tubarão. Teve, aqui teve uma série de concorrências. Série de concorrências. Inclusive eu fui em uma concorrência da construção do píer de Tubarão, não tinha um píer no Brasil daquele porte. Então entraram, assim, várias firmas. E fazendo aquela força política e tal, mas no fim nós escolhemos a Christian Nielsen. Era realmente, e talvez não sei ainda hoje, era realmente a única firma que tinha condições. Senão tinha que chamar uma firma do exterior para fazer um píer daquele tamanho. E eles fizeram. Porque você tinha que ter um píer, né? O quebra-mar foi feito logo.
O quebra-mar _________ jogando n’água. Mas o píer não. O píer tinha fundações lá no mar, né? Compreendeu. O mar. Era uma obra pesada. E era fundamental porque tinha que ter o píer para instalar em cima uma máquina que é o carregador de navios, né? Inclusive a concorrência foi ganha pelo Japão. Pela (Skavagima Arima?) . Instalar o navio, instalar aquele sistema de correia, né? Para ______ e então poder encostar o navio e começar, começar a carregar. Inclusive a, interessante é que não estava isso pronto. O píer estava pronto, né? Aí houve um, um negócio de navio, né? Então tinha lá: “Tem que inaugurar um navio. Chamar um navio e tal.” Aí tinha um camarada chegou falou assim: “Ah, espera aí. Vem aí um navio do Lloyds. Bota o navio do Lloyds. É preferência.” (riso)
P/2 -
(riso)
R – Aí o navio do Lloyds parou, né? Parou ali só para constar, porque não era nem navio de carregar minério. E todo mundo sabia. Até o próprio comandante. O comandante satisfeitíssimo: “A primeira vez que eu sou o primeiro a encostar em um novo porto.”
P/2 -
(riso)
R – Foi um, foi uma coisa assim que, acho que tenho a impressão que não nos repetiram muitas coisas. A não ser na estrada de ferro de Carajás, né? Ali foi outra obra, outra obra incrível aquela, sabe? Ali foi mais ainda. Que teve que fazer o porto de Ilha da Madeira, fazer toda a estrada e começar a implantar a mineração em cima. Mas a Vale aí já tinha adquirido toda essa experiência. Nesses vários setores. Vários setores. Inclusive assim, por exemplo, no porto velho, né, já tinha por exemplo, a Vale já contratava rebocadores. Que o porto tem que ter um rebocador para chegar e lá e pegar um navio e... Já no Carajás ____ comprar rebocadores maiores para empurrar navios. Pô, lá no Carajás tinha que ser rebocador de, compreendeu? Mas tinha uma firma muito boa chamada (Mc Laren?) nem sei...
P/1 – (Mc Laren?)?
R - … nem sei onde é que anda essa. É aqui no Rio de Janeiro. Todos os rebocadores que foram fornecidos por essa firma, japonês em cima, todo mundo em cima.
P/1 – Tinha muita cobrança, né?
R – É.
P/1 – Para o Porto de Tubarão os equipamentos foram todos importados?
R – Foram.
P/1 – Tudo...
R – Foram. Essa firma...
P/1 - ...os fornecedores eram todos de fora?
R - ...essa firma (Skavagima Arima?) ganhou. Ganhou. Mas a parte mais, vamos dizer, mais sofisticada e importante é o virador de vagões. Que inclusive devido ao fato de ter que exportar, chegar logo a 10, 20 milhões de toneladas por ano, aí resolveram fazer o seguinte: pegar os vagões, ligá-los dois a dois, compreendeu? Ali era, ali nesse caso a ligação era fixa. Para os outros. E aqui não. Aqui a ligação era móvel. Porque ele entra dentro desse virador de vagões, compreendeu? Aí a máquina segura o vagão, roda, roda ele assim, o minério cai lá em baixo. E sai então para uma correia transportadora e vai para o pátio onde depois então é carregado para o navio. Esse equipamento, esse equipamento os japoneses perderam. Uma firma, agora não estou lembrando bem o nome mas não era japonesa não, ganhou. Essa aí ganhou a concorrência. ______ o nome de virador de vagões, esqueci agora.
P/1 – Tecnologia nacional nesse tempo nenhuma? Para nada?
R – Nada. Aí não, em um caso como esse, sabe, você tem que ter uma firma que já tenha construído algum, né? Chega uma firma assim : “Não, eu sou uma firma ótima.” Então, sei lá: “Você já construiu algum virador de vagão?” “Não.”
P/2 -
(riso)
R – “Mas eu tenho um projeto bom.”
É duro de você se arriscar, né? Porque você pegou rapaz, são dois vagões. Já tem o peso do vagão. Carregados cada um com 30 toneladas, ou 40 toneladas de minério. O virador pega aquilo tudo, gira. Primeiro tem um troço que segura. Uma estrutura metálica assim que tem um troço que segura. Aí descarrega. Aí volta e faz isso sem desengatar o trem. Depois só puxava, entrava mais dois. Entrava mais dois, compreendeu? Você não podia dar isso para uma firma pela primeira vez, né? Que nunca fez, né?
P/2 -
Não dava para arriscar porque não tinha tempo.
R – Não, não. Não dava não. Não dava não.
P/1 – O senhor acompanhava mão de obra também? Acompanhava
de onde que vinha essa mão de obra, era das contratadas?
R – Não, isso era das contratadas. Uma firma que fez muito serviço em Tubarão e eu achei de primeiríssima ordem, eu hoje não tenho mais nem ouvido falar dela, sabe? É a Christian Nielsen. Christian Nielsen é uma firma de origem dinamarquesa. Mas era considerada a firma, vamos dizer, em parte marítima – inclusive da Petrobrás ela também era a empresa número um, sabe. ___________ atrás da Petrobrás ____ foi antes, né, – firma número um. Ela fez, tudo o que ela fez foi bem sucedido. Foi dentro do prazo. Teve muita coisa interessante. Você quer ver uma coisa, uma parte que eu acho particularmente interessante nesse negócio de Tubarão? Sabe que você vai fazer um porto desse tipo, você tem por exemplo muita obra de concreto. Concreto para lá, concreto para cá. E a escola de engenharia de lá, de Vitória, compreendeu, é relativamente fraca, né? Por exemplo, não tinha um laboratório de teste de materiais de concreto e aquele laboratório de verificar, quebrar os corpos de prova, né? Que a norma exige que tantos metros cúbicos de concreto, você tem que tirar tantos corpos de prova e, né? Aí eu digo: “Puxa vida, e agora, como é que vai fazer isso?” Aí falava lá com o pessoal: “Não, não. Deixa que a escola de engenharia se vira. ____” E eu tinha trabalhado em um estágio. Tinha feito um estágio antes de ir lá para o Machado da Costa. Ainda o tempo que eu era estudante no INT – Instituto Nacional de Tecnologia. E lá tinha um dos setores mais importantes era o setor de concreto. Daí fui lá falei até com o Lobo Carneiro. Fernando Lobo Carneiro. Que era o chefe da seção de concreto e meu conhecido. Eu falei: “Olha Fernando, né, então isso aí. Queremos o seguinte: você não podia projetar para nós um laboratório pequeno. Para nós instalarmos lá em Tubarão. Como é que vai ser o laboratório, quantos vão trabalhar e as máquinas? Máquinas de quebrar.” Ele se prontificou e fez todo o projeto e foi feito.
P/1 - ________
R – E ali naquele laboratório rapaz, se quebrou todos os corpos de prova de todas aquelas obras. Nem sei onde é que anda, onde foi parar esse troço aí. Fernando Lobo Carneiro.
P/2 – Ahn.
P/1 – O laboratório ficou lá depois...
R – Hein?
P/1 - ...ou passou para a universidade? O senhor não sabe?
R – Não sei, não sei. O mais provável é que tenha passado para a universidade, né? Para a escola de engenharia. Está lá mesmo _______. Vitória hoje em dia é uma cidade grande, né?
P/1 – Vocês aproveitaram muitos engenheiros de Vitória mesmo ou não?
R – Aproveitamos. Era mais da estrada, né? Era mais o pessoal da estrada de ferro.
P/1 - ________ depois do porto o senhor vai atuar como na Vale? O que o senhor foi fazer depois?
R – Pois é, né? Houve uns serviços menores que eu nem me lembro direito, aí apareceu, a Vale chegou a conclusão de que precisava entrar na pelotização de minério de ferro. Que estava sendo um sucesso no mundo inteiro. E além disso, além disso aconteceu o seguinte, sabe? Lá em Itabira você tira o minério, a hematita, uma rocha você tira aqueles blocos passa em um britador. Britador enorme, né? Pá, pá, quebra aquilo. Mas ainda saem pedaços, depois brita de novo e tal. Mas no fim saía um pó. Pó não. Uma espécie de uma areia de minério de ferro. E estava formando pilhas enormes. Tinha até o nome na pilha. A pilha você olhava assim, puxa, aquele monte de minério assim e não era vendável. Ninguém compra. Você não pode jogar em um alto forno minério em pó porque precisa ter circulação, né?
P/2 -
Hum, hum.
P/1 – De oxigênio.
R – O fogo embaixo, aquele, não é? compreendeu? Para eliminar o oxigênio e soltar o... Então aí desenvolveram nos Estados Unidos e na Europa nesse tempo, os pellets, né? Que pegam esses, esses grãos e fazem umas bolas assim, do tamanho de uma bola de gude. E inclusive é uniforme, né? Então começaram, a Vale quando se interessou tinha até um homem eminente chamado Paulo ____________. Que era assim um técnico, né? Um eminente mesmo. Até da Academia de Ciências Brasileira. Que era entusiasmado com o negócio da pelotização da Vale. Mas havia aquela dúvida: “Pô, não é melhor pegar o minério e mandar o minério?”
P/2 -
(riso)
R – Mas apesar de ser grande lá, serem grandes as jazidas de minério, né, a coisa tal: “E aquela pilha enorme que se faz lá. Aquela quantidade enorme que não consegue vender nada?” Então aí veio, me colocaram então dentro dessa, dessa história aí. De fazer um estudo e eu trabalhei junto com o ______________, de construir a primeira usina de pelotização da Vale. E aí houve uma dúvida: faz em Itabira ou faz em Tubarão, né?
P/2 -
Hum, hum.
R – Aí vários prós e contras, muitas questões assim relativas a transporte que eu não me envolvia muito, né, mas no fim se resolveu fazer em Vitória. Vimos assim vários exemplos assim, compreendeu? Aí então esse foi o outro grande trabalho que eu me envolvi. Esse eu me envolvi muito mesmo, muito. Eu cito aí nesse...
P/1 – Resumo.
P/2 -
Resumo.
R – … nesse resumo, nesse resumo. Porque primeiro, primeiro _______ o seguinte: como é que vamos fazer? Vamos fazer uma concorrência para engenharia básica, né? É como sempre faz. Porque você para fazer uma usina de determinado produto você tem que ter assim um, que não teve nenhum no Brasil, não teve nenhuma no Brasil, você quer um, primeiro um estudo geral. Como é que é? Como é que vai ser? Quais são as partes que dividem? Então aí foi feito esse, ganhou uma firma, ganhou uma firma aqui ó, a firma ________. A engenharia básica. A firma chamava-se Arthur G. _________. Em Cleveland, Estados Unidos.
Ela ganhou a concorrência para engenharia básica. Quer dizer, com a engenharia básica ela fazia os planos e depois quando fosse por exemplo, fornecedor de equipamento, ela ia verificar quais são os equipamentos de um, do outro, né? Então, então ganhou a ________ e começou a trabalhar, né?
P/2 -
Hum, hum.
R – Mas aí veio a concorrência principal. Chefiar a concorrência para o fornecimento da engenharia especializada em fornecimento de equipamentos da usina e acompanhamento, bom acompanhamento de montagem e de inspeção foi o que eu fiz, né? Aí entraram duas empresas: inclusive entrou também a, entrou também a _________. Mas nós tiramos, deixamos ela fora. “Você não pode entrar. Vai ficar na engenharia básica. Aqui nós queremos a firma para, que vai fornecer os equipamentos.” Então entraram, né, na realidade entraram três firmas: a _________ , essa grande firma americana; esse grupo alemão, grupo alemão (Lurg-Fest?). (Lurg?) era alemã em Frankfurt a (Fest?) era na Áustria em (Mints?). (Fest?) inclusive é muito ligada a siderurgia. E aí na concorrência houve uma coisa curiosa, sabe? A _______, né, americana estava sempre na tendência de puxar a brasa lá para o lado da, da,...
P/2 -
Deles.
R – Para o lado deles, da __________. Que inclusive eles eram fregueses da __________. A ________ de vez em quando chamava eles e tal, né? Mas foi uma parada essa concorrência, mas no fim ganhou, ganhou a (Lurg-Fest?) e foi, foi um sucesso, sabe? Ah, isso aqui também, outra obra importantíssima. A usina que não tinha nenhuma no Brasil, fizemos uma outra concorrência. Aí ganhou também a Christian, a mesma que tinha ganho a do píer. Aqui não tinha nenhuma empresa brasileira que tinha realmente trabalhado. Mas elas tinham trabalhado na Siderúrgica Nacional. Aí é uma obra mais industrial, né? Ganhou a Christian Nielsen e se desempenhou muito bem. Porque ali era concorrência para tudo, né?
P/1 – Mas isso ainda na pelotização?
R – Na pelotização.
P/1 – Nessa primeira usina.
R – Na primeira usina. Na primeira usina. Isso aí então foi nesse período aí. Nesse segundo período que eu, que eu... aqui, foi praticamente isso: Tubarão, e a usina de pellets de Tubarão.
P/1 – Como é que, na usina de pellets como é que foi a relação do senhor com esses fornecedores todos, foi...
R – É assim, vamos dizer, foi, eu ia indo lá inclusive. Visitando, visitando lá na Alemanha, na Áustria, né? E depois vindo para cá, eles vieram para cá, aí foi escolhido. Foi escolhido a (Fest?). Aí a coisa ficou mais, mais assim particular. E depois acompanhando. Acompanhando. Equipamentos por exemplo a __________ a nosso pedido colocou lá na Europa um engenheiro especial em equipamentos. Todos os equipamentos ele acompanhava. Toda, toda a fabricação e tal. Fazia um relatório sobre cada uma, né? Sobre cada um. Inclusive
aí aquelas concorrências que eles faziam lá o cara da ________ entrava e dava um palpite, compreendeu? A primeira usina, dois milhões de toneladas. Hoje pelo que eu sei a Vale produz 25 milhões de toneladas de pellets. A primeira foi essa aqui. Dois milhões. Hoje parece que é a maior pelotizadora do mundo, a Vale do Rio Doce.
P/2 -
Hum, hum.
R – Você vê, são 25 milhões de toneladas, né? Vendendo entre 25 a 30 dólares, só aí a Vale fatura entre 600 e 700 milhões por ano.
P/1 – Impressionante mesmo.
R – É. E dizem, né, que se não tivesse feito estava fora do mercado. Porque hoje em dia todo mundo está vendendo é pellets mesmo.
P/1 – Agora essa usina seu Emmanoel, ela foi o quê? Ela era a reprodução de uma usina, ou se adaptou ela aqui, ______ circunstâncias no Brasil?
R – Não, não.
P/1 – Não.
R – Não adaptou não. Foi cada um deles apresentou o seu projeto, né? Aí descrevia: Fizemos a usina tal, a usina tal. Aí o outro: fizemos a usina tal, a usina tal. Mas foi a ________ que fez o julgamento lá em Cleveland. Então o julgamento foi feito, mas o julgamento comercial com todos os dados, foi feito um trabalho e foi decidido aqui no Rio de Janeiro. Pela Vale. Pela Vale. E o pessoal da __________, fazendo pressão até, até no consulado americano aqui, sabe? Compreendeu? “Não, então estão passando as empresas americanas para trás, não sei o quê.” Compreendeu?
P/2 -
(riso)
R – Uma empresa americana e uma empresa européia.
P/1 – E Itabira ficou brava que a usina não foi pra lá ou não, ela nem soube dessa discussão?
R – Não, Itabira tinha, realmente tinha essa pretensão, sabe? Tinha essa pretensão. E parece que estão fazendo ou vão fazer agora, né? Uma lá em Itabira também, _____ para vender talvez para a Usiminas. Porque ali não. Isso aí era só para exportar. Então o minério descia para depois voltar em forma de pellets, em uma estrada ferro era meio esquisito?
P/1 – Incoerente.
R – Bom aí, eu pedi uma licença, eu me indispus com um presidente da Vale.
P/1 – O senhor se indispôs?
R – Foi. Foi porque eu não me dei bem com ele. Eu não vou falar o nome dele, não. Eu pedi uma licença não remunerada, trabalhei até no exterior também. E depois então fui chamado para fundar a Docegeo.
P/1 – Não, o senhor saiu da Vale, então o senhor pede licença...
R – Estava de licença. Estava de licença. Era um homem da Vale mas estava de licença. Sem qualquer remuneração, compreendeu? E a licença tinha um prazo, né? Tinha um prazo.
P/2 -
E quando é que foi a fundação da Docegeo?
P/1 – Eu queria antes de o senhor entrar na Docegeo vamos fazer uma pausinha, pequenininha, cinco minutinhos?
[pausa]
P/1 – O senhor podia contar um pouquinho dessa sua entrada na Docegeo?
R – O curso de engenharia civil, ele tem uma cadeira no primeiro ano, nem sei se tem hoje, né? Em que tem assim noções de mineralogia, não é bem de geologia não. Mas é a base, né? Mineralogia que aí você conhece vários tipos de minerais. Granito, não sei o quê, aquela coisa toda. E só. Só. Não tem nada de engenharia de minas. Engenharia de minas é considerada uma coisa especial que eu acho que, tenho a impressão que São Paulo tem, mas a principal é em Ouro Preto, né? A Escola de Minas de Ouro Preto.
P/2 -
Hum, hum.
R – Minas e... Pois é, mas aconteceu foi o seguinte, entrando na Vale, né, com essa questão desde o princípio, né? Falando lá no Porto de Tubarão. Porto de Tubarão. E a Vale como uma empresa de mineração então é ____________________. Então o mineral como é que é? Hematita, né? Tem hematita, entendeu. Vários tipos de minério de ferro que tem. Isso aí a gente conhece logo e distingue e desenvolve um certo interesse por esse ramo de engenharia. Engenheiro de minas. Visitando lá a mina lá em Minas, Itabira. Itabira. O assunto lá é mina. E mina assim, é correia transportadora, é britadora, aquela coisa toda. Pois bem, aí então uma ocasião, uma ocasião aqui, estava nesse período aqui, nesse período final aqui. Até vamos dizer, depois de entrar em licença eu fiz uma visita lá ao Pará. Aí tem o Hotel Grão Pará. Não sei se você conhece lá em Belém. Na praça, né? Pois estava cheio de geólogo, de engenheiro de mina, rapaz. _____ Aí eu lá falando com uns amigos meus e um primo, né?
O cara disse: “Puxa, mas é aqui, rapaz?” Depois aí de se falar da descoberta aí de Carajás, né? O que estava, o que estava, aquilo estava no começo ainda. E estavam falando assim das possibilidades e tal. Estava cheio de pessoal interessado em mineração. Aí eu me interessei muito e fiz um relatório. Fiz um relatório. Um superintendente grande amigo meu chamado Romeu Teixeira. Fiz o relatório para o Romeu e o relatório apresentava assim uma opinião dizendo o seguinte: “Olha, a Vale é maior empresa de mineração brasileira. No entanto, nós não temos nenhum departamento...”, nós só tínhamos um pessoal de geologia em Itabira. Para o minério lá das minas de Itabira. Geólogos e tudo. Eu digo: “A coisa é meio absurda, pô. Porque com esse interesse que está havendo em mineração no Brasil...”, inclusive falei para ele dessa ida lá, “...a maior empresa mineradora no Brasil não vai participar? Vai ficar só continuando aí? Só Itabira, só Itabira?” Ele falou: “Puxa, mas realmente e tal.” Aí fez ______ “A Vale deveria criar uma subsidiária para, vamos dizer, considerar vamos dizer pesquisas geológicas em geral.” Fiz um relatório dei para ele tal. Tudo bem. Mas aí quando eu fiz essa saída e pedia essa licença, nessa licença eu fiz dois trabalhos. Isso aí eu não pus porque não tem nada a ver com Vale do Rio Doce. Eu construí uma indústria química em Arembepe. Perto de Salvador, chamada (Tibrás?). Uma indústria química, né? E até que deu problema porque dizia que o produto dela era poluente e tal. Depois eu trabalhei na Argélia. Eu fui convidado pela construtora Rabelo para ir para a Argélia, né? Para trabalhar lá na construção. Eles estavam com uma série de construções, inclusive uma universidade em Constantine. Um projeto do Oscar Niemeyer, compreendeu? Então nesse período lá só se falava assim: “Puxa vida, e o Brasil? Como é que está? E a parte mineral, né? A Argélia também está interessada em desenvolver a parte de mineração e tal, né?” Pois é aquilo, vamos dizer.... Aí esse superintendente, o Romeu, eu encontrei com ele e ele um dia me mandou uma carta...
[troca de fita]
R - ...criar uma empresa subsidiária para, e ele está, vamos dizer, se ele quiser ele pode vir para fundar a empresa. Quer dizer, foi assim que surgiu a Docegeo, sabe?
P/1 – Quando o senhor sugeriu lá naquele momento, quer dizer, antes de tirar a licença já tinha algum modelo de empresa desse tipo? Tinha alguma coisa?
R – Não, esse engenheiro, esse geólogo que trabalhou na Docegeo como diretor de geologia, José Eduardo Machado. Que inclusive depois da Docegeo ele foi até presidente da CPRM, né? A empresa do _____. Ele era o chefe da parte de geologia em Itabira. Mas era mais para o minério de ferro, compreendeu? Aí quando ele soube daquele meu estudo ele: “Puxa, então, mas é mesmo? Então realmente a Vale é uma empresa basicamente de mineração. E no entanto ela, ela não se envolve, né? O minério continua sendo o minério sei lá, de 1920.” Compreendeu? E aquela idéia então. Então o Romeu veja você entregou essa carta e a minha mulher mandou para mim lá na Argélia. Eu estava querendo vir embora, sabe? Estava querendo vir embora.
P/1 - _________
R – Porque lá não dava para aguentar muito mais não. Era muito difícil. Muito difícil.
P/1 – Por que é que era difícil?
R – Não, é um país estranho, sabe?
P/2 -
(riso)
R – É um país estranho. Você está vendo agora esse fuzuê que está por aí, não é, compreendeu? Eles têm, sabe, esses muçulmanos eles têm uns hábitos assim rapaz, assim, mas completamente diferente. E para nós assim são incompr..., pois a maneira como eles tratam a mulher, rapaz? Mulher parece que o Maomé no Alcorão, colocou a mulher em um nível muito baixo. Mulher tem que usar um troço assim e um véu. Um véu. Na rua muitas vezes você vê uma mulher andando assim de véu, os filhos que ela está levando na rua não andam com ela. Andam na frente assim vestidos como qualquer jovem assim. Têm vergonha de andar com as mães, rapaz, compreendeu? Você vai visitar um argelino não aparece mulher. Na sala só aparece ou é o marido, ou são os filhos ou é um amigo e tal. Mulheres fica tudo lá para dentro. Pô, não sei se vocês querem que eu me alongue mas...
P/1 – A vontade.
R - … o negócio é até muito presente. Mulher não pode ir ao cinema que dão um tapa na cabeça. Não, mulher não pode ir a jogo de futebol, compreendeu? Isso, pelo que eu sei, é pouco, né? Parece que é geral. Isso é para todos os maometanos e muçulmanos. Além de uma série de coisas que eles têm, sabe, realmente. É uma filosofia que ficou embutida nessa religião. E eles são, eles são, eles são, rapaz! _____________ lá no aeroporto tem um avião lá todos eles vestidos de branco vão fazer a peregrinação, lá. Vão à Meca, né?
P/2 -
Hum, hum.
R – Vão e têm que ir. Parece que tem que ir. Todo, todo tem que ir. Não sei a que tanto tempo têm que ir lá à Meca, lá compreendeu? É um, então você viver nessa ______, tudo é difícil. Por exemplo, eu ficava em um hotel, o Hotel Moretti. Um hotel ótimo. Inclusive era grande. Em baixo tinha assim de um lado tudo fechado, era um cassino. Era um cassino. Aí proibiram. Não pode ter cassino. Não pode ter jogo, né? Não pode ter jogo. Então era assim, imprimiram assim uma porção de restrições, rapaz. É diferente.
P/1 – Hum, hum.
R – O que eu conheci foi lá. Lá na Argélia. Eu não sei se os outros países são iguais, eu não sei. Sei lá no Afeganistão, Taleban, eu não sei. Não entendo nada desse troço. Mas é diferente, sabe? Eles são realmente, compreendeu?
P/1 – A independência tinha acontecido à pouco tempo, né, que o senhor estava lá?
R – Hein?
P/1 – A independência da Argélia?
R – A independência foi uns quatro ou cinco anos antes.
P/1 – Antes.
R – O grande De Gaulle, né? De Gaulle viu que não adiantava a França continuar porque era aquela guerra, guerra civil permanente e tal. Aí ele disse: “Não, vamos, a França vai sair fora.” E ele foi sábio. Ele foi sábio. Era um grande homem aquele. Grande homem. Mas ficam esses hábitos, né.
Então...
P/1 – O senhor passou algum aperto lá, alguma situação enroscada, meio...?
R – Não, não, não. Tiveram algumas pessoas. Algumas pessoas. Teve um caso que se deu lá com um brasileiro conosco, eu vou até contar para vocês já que elas estão aqui, né? Ele chamava-se Faruk, esse rapaz. E nós estávamos recrutando pessoal em São Paulo na Rabelo para levar para lá. Que nós íamos pedir só, a Rabelo não queria entrar com nenhum equipamento. Porque ela não confiava no governo. Se ele chega assim e toma os equipamentos você vai fazer o quê? Ah, vai se queixar no Tribunal de Aia? Eles estão dando bola para o Tribunal de Aia. Então nós levamos engenheiros, mestres de obra. Mestre de obra, muito mestre de obra. Levamos só pessoal assim, compreendeu? Pessoal assim de nível. Desenhistas, projetistas. Só isso aí. Nós só íamos envolver nas obras, projeto do Niemeyer, né, em fazer o projeto e fazer orientação da construção. Que a primeira foi essa universidade de Constantine, né? Uma obra enorme. Mas então eu estava lá, né, e, mas estava assim já meio farto daquilo, sabe? Meio farto. Inclusive a família, vir com a família, não tinha condição de levar a família. Vai levar a família para um lugar desse? Pô. Pessoas aqui, mulher vive aqui no Brasil livremente. Você vai lá não pode. inclusive os filhos. Chegavam lá iam estranhar, né? Então aí o Romeu mandou a carta dizendo que a Vale tinha decidido fazer a tal usina. A tal empresa de prospecção no Brasil inteiro e perguntava se eu aceitava que, compreendeu? Aí eu mandei, mandei um telegrama para ele e falei aceito.
P/1 – Aceito.
P/2 -
(riso)
R - Aceito. E aí foi, eu vim embora.
P/1 – Mas o senhor não contou o caso do Faruk.
R – Ah, o caso do Faruk. (riso)
P/1, P/2 -
(riso)
R – O caso do Faruk é muito expressivo, muito expressivo. O Faruk, nós estávamos em São Paulo, né, trabalhando lá os desenhistas que iam para lá e tal, né? Aí o, tinha lá um camarada, até um francês chamado (Ford?), um engenheiro da (Fishê?). A Rabelo era dona da (Fishê?), né, fábrica de estrutura metálica. Aí ele falou: “Tem um rapaz aí, o Faruk, está aqui em São Paulo há muito tempo. Ele soube do negócio da Argélia e ele quer ir para a Argélia conosco, quer ir e tal.” Aliás foi um diretor da Rabelo mesmo que estava junto com ele e falou: “Não, ele quer ir e tal.” Mas aí eu falei assim: “Pô, vem cá, você conhece ele?” “Não, ele parece que é bom sujeito e tal.” Mostrou até um cartão. O cartão do cara era um cartão grande. Tinha assim uma coroa do lado. Eu falei assim: “Esse cara deve ser um picareta, né?”
P/2 -
(risos)
R – “Fazer um cartão desse tipo, né?” Aí falei: “Puxa, mas...” “Não, mas o...” Aí tinha o outro lá falou: “Não, olha, pode contar. Ele é boa praça, bom sujeito e tal.” Aí eu fiquei pensando comigo assim: “Vem cá: o cara é argelino...”, ele falava fluentemente francês e inglês – isso para nós era uma vantagem enorme – “... ele pode chegar, nós damos a passagem, né? Ele aí some. Chega lá em Argel e diz não, você que se dane. Eu é que não vou trabalhar com vocês, não.” Eu falei: “Olha Faruk, o negócio é o seguinte: nós vamos para lá se você quiser ir conosco encontra conosco lá que eu te garanto o emprego. Mas aqui não.” Não falei para ele que era o negócio da passagem. Mas ele esperto, né?
P/2 -
(riso)
R – Deve ter percebido. E tudo era 100%. Tudo o que ele falou era verdade mesmo. Foi, comprou a passagem e tal. Vá bem, então ficou naquela camaradagem foi assumindo lá, né? Tinha até o meu primo que era até o braço direito lá, o Gilberto. E ele dava muito com o Gilberto. Aí um dia o Gilberto falou: “Olha, ele está nos convidando para ir lá para conhecermos a família dele. A mãe dele que é viúva. Um programa de fim de semana.” Eu digo: “Vamos lá.” Aí fomos lá. Lá com o Faruk não havia aquela restrição, né? Ele deixou entrar a mãe dele, ele tinha umas três irmãs, e tal. Nos trataram muito bem. Bom, então o Faruk estava totalmente integrado no troço. Aí passa-se um tempo o Gilberto veio falar comigo, falou: “Ih, rapaz. O Faruk está com um problema danado.” Eu falei: “O que é que é?” “Não, é o negócio da irmã dele. A irmã dele está noiva.” Noivado lá é arranjado.
P/2 -
Hum, hum.
R – Compreendeu? E não sei se falou comigo se eu sabia como é que era, como é que era o noivado e o casamento lá. O Gilberto falou: “Eu não sei não.” Seria o seguinte: “Na noite de núpcias, na noite de núpcias o noivo espanca a noiva.”
P/2 -
Ah.
R – Antes de consumar o casamento ele dá uma surra. Um negócio assim, uma coisa bárbara, né? Bárbara. “Pô, mas é assim?” “É assim.” E ele, ele adorava a irmã dele, né? Era até uma moça muito bonita, sabe? E ele estava assim, compreendeu? Aí eu fiquei assim, porque é uma coisa que quem é que vai intervir em um caso desse? Aí depois o Gilberto falou: “Olha, veja você rapaz, ele foi lá procurou o noivo. Falou com o noivo. Olha, não faça isso com a minha filha, com a minha irmã, né? Ela é assim, ela não é uma pessoa muito forte, né? Ela é franzina.” Não adiantou, rapaz. Espancou a moça e a moça pirou.
P/2 -
Ai.
R – Quer dizer, você vê, é uma filosofia de vida rapaz, compreendeu, uma coisa assim. Isso é toda, toda religião maometana. Outras coisas que eu não sei, são mais de, que eles seguem. Então da Argélia aquilo estava meio, veio esse convite eu digo...
P/1 – Opa, é esse mesmo.
P/2 -
(risos)
R – (riso) “Não, já estou querendo ir embora, sair daqui, pô.” Foi...
P/2 -
E quanto tempo o senhor resistiu morando lá?
R – Eu fiquei dois anos. Dois anos. E era um trabalho bonito, sabe? A tal de Universidade de Constantine.
P/1 – O Niemeyer ia lá...
R – O Niemeyer...
P/1 - ...ver a obra?
R - ...o Niemeyer ia pouco. O projeto era do Niemeyer a concepção era do, do, daquele como é aquele que _______ com ele aqui, aquele, Darcy Ribeiro.
P/1, P/2 -
Hum, hum.
R – Darcy Ribeiro era da turma lá em Paris, né, que fizeram a concepção. Como é que era. Inclusive algumas coisas do Darcy Ribeiro que não sei, né, se, por exemplo eles tem um, você tem os prédios auxiliares e os prédios principais. Os prédios principais é onde dão
as aulas. Então os prédios principais eram dois. Um era, como é que era? Um era, chamava (batman?), edifício lá é (batman?), né? Um era, como é que era? Um era assim para ciências assim de, que não envolve laboratório. Matemática, Filosofia. Era um prédio único. Um prédio comprido assim. Ele tinha 300 metros de comprimento por 50 de largura. Um andar só. Em baixo era um jardim, em cima uma cobertura. (Batman de classe?), era esse nome desse aí. E o outro era assim circular chamado (batman de ciénce?). É inteligente porque por exemplo o laboratório de Química serve para Medicina, serve para Química, serve para, não é?
P/2 -
Hum, hum.
R – E ciências também. E fora uma porção de prédios auxiliares. Está lá. Foi tudo construído já. Era, agora por exemplo, eles têm também uma outra coisa o tal mês de Ramadã. O mês de Ramadã é o mês que se desloca, todo ano se desloca eu não sei se é um dia ou alguns dias. Durante o mês de Ramadã, um maometano, durante o, quando o sol se levanta até que o sol se põe ele não pode ingerir nada.
P/2 -
Hum, hum.
R – Nem fumaça de cigarro. Não pode beber água, não pode comer. Lá na obra ficava assim, uma coisa assim, a obra praticamente parava. Os caras ficavam assim, compreendeu? De manhã assim já acordava com fome, com sede. E tal, iam trabalhar. __________ Aí tinha aquelas salas assim, de escritório eu às vezes estava lá. Aí tinha uma mesa os caras pediam lá assim na hora do almoço, né? Os caras já botavam a comida assim debaixo da mesa. Os caras ficavam olhando __________. Quando dava lá o troço ________________, comiam assim famelicamente. (riso) _______________ Não é um lugar muito, é um lugar esquisito. É uma filosofia. E isso se reflete assim na vida, compreendeu? Eles comiam tanto no jantar que depois não, custava a dormir. No mês de Ramadã até assim, uma hora da manhã Argel estava toda iluminada. Durante o resto do ano uma hora depois já estava tudo de luz apagada.
P/2 -
(riso)
R – Mas eles ficavam com tanta fome que não conseguiam dormir. E esse mês parece que vai se deslocando todo ano, de uma semana. Vai se deslocando. Vai ser um mês, né? E uma porção de coisas. Uma porção de coisas que realmente agora está o mundo envolvido aí, né?
P/1 – Nessa história toda.
R – Envolvido na história. Acho que isso não tem muito a ver não, mas é realmente uma filosofia, rapaz. Esse caso da irmã do Faruk eu achei isso o máximo, sabe? Não sei se todos os países muçulmanos são assim. Não sei. Só conheci a Argélia. Mas tenho a impressão de que não é muito diferente não. Então chega ao ponto que você não aguenta. E eu sozinho. ________ sozinho. A família aqui, né, compreendeu? O Romeu meu amigo. Que trabalhou comigo ali junto aqueles trabalhos todos que eu fiz. Um trabalho que eu achava interessante. Tinha feito até esse relatório, né? Daí vim embora. Vim para cá. Daí começou a Docegeo.
P/1 – E aí quando o senhor vem para fazer a Docegeo o que é que, não tinha nada? Tinha que partir do zero?
R – Não, teve aqui uma coisa importantíssima. Importantíssima, foi o seguinte: foi a presença no aeroporto me esperando, desse homem que está aqui ó. Desse homem aqui. O diretor. O diretor da parte de geologia: José Eduardo Machado. Estava me esperando num entusiasmo enorme, rapaz. “Ô Emmanoel, puxa vida. Vamos conversar.” Ele era o principal geólogo de minério de ferro da Vale do Rio Doce. Eu tinha conhecido ele lá em Itabira. Então com o apoio dele, né, importantíssimo para escolher as pessoas. Inclusive ele conhecia muito esse americano chamado, como é que era o nome? Esse que foi, que foi para o...
P/1 – Eugênio Tolbert.
R – É o, não o homem que realmente ___________ US Steel. Dizem que o Breno dos Santos, né, que trabalhava com eles lá, eles chegaram no Carajás, compreendeu? E verificaram que era uma jazida de minério de ferro. Ele tinha sido professor, esse Tolbert. Tolbert. Professor de, de geologia da Universidade de São Paulo onde o Breno e o Machado foram alunos dele, compreendeu? E ele estava interessado em continuar no Brasil mas ele não estava satisfeito com a United States Steel não, sabe? Então ele assumiu como o responsável técnico. Então ela começou com...
P/1 – Vocês atraíram ele para a Vale? Ele foi para a Docegeo?
R – Topou, topou. Entrou com um ____________ grande. ___________ grande. Então está aí, aqui, isso aqui né, como geólogo para você ver em dezembro de 1978, que foi o ano que eu estava indo embora, né? Eles prepararam isso aqui ó. Se você quiser tirar uma cópia disso, isso aqui eu permito que você tire. Repara, repara como é que é o negócio. Não é assim jazida tal, não. ________ está vendo? Como eu te falo, ó: jazidas – isso é jazida mesmo. Aqui é jazida, aqui tem minério e jazida é uma descoberta explorável. Não é só achar uma pedra, né? Depósitos: já é uma qualidade vamos dizer, que você não tem certeza do volume contido. Agora tem outros assim, olha aí. Aqui são só indícios. Aqui consideram alvos. Tem muitos indícios, mas escolhem os indícios mais favoráveis. Depois prospec. Eles dão aqui as, essas definições. Isso vem do curso, do próprio curso de geologia. Isso foi que naquele tempo a Docegeo já conseguiu chegar. Depois a Docegeo ainda descobriu muita coisa. Mas já está aqui por exemplo a jazida de ouro da Bahia. Santa Luz. Já está aqui. Que hoje em dia é uma mina funcionando. Aí...
P/1 – A Docegeo já nasce com a intenção de pesquisar outros minerais além do minério de ferro?
R – Ah, é. É isso mesmo. Essa inclusive foi a minha idéia. A minha idéia. Porque você com, pesquisando só um mineral, você fica muito restrito. Geólogo vai em um lugar e tal, não tem minério de ferro então, né? Não. Ele não pode pegar martelinho dele lá e encontrar outra coisa? Não é verdade? Agora quando você trabalha por exemplo, em Itabira, estudando o minério da Vale, vendo propriedades e tal, compreendeu? Mas procurando jazidas, compreendeu? Não, essa limitação é muito ruim. É muito ruim.
P/1 – Mas a Vale já tinha algum interesse em explorar isso em algum momento além da pesquisa em um dia explorar o lavrar o ouro por exemplo, enfim?
R – Não, não. Aquele meu relatório era para se tornar uma empresa mineradora. Continuar como uma empresa mineradora. Ela não é empresa de geologia. A Vale não é empresa, a Vale é empresa de mineração. Agora ela tem que ter o grupo, né? O grupo de pesquisa. O grupo de pesquisa mineral, compreendeu? E eu inclusive tive um contato no Canadá, com um homem, até na verdade o nome do cara é francês: (Basset?). Ele era presidente de uma firma que tem uma mina de chumbo e zinco no, na Columbia Britânica. Ali perto de Vancouver. Aí conversando com ele lá, e tal ele dizendo, ele falou: “Olha, o caso aqui é o seguinte, a coisa mais importante para nós é o grupo de exploração. Porque o grupo de exploração vai descobrir as jazidas. Quando as nossas acabarem são essas que nós temos que...”, compreendeu? Eles não podem ____: “Acabou. Tem o que explorar?” “Ah, não sei. Não temos.” Então isso vem a confirmar, né, vem a confirmar. E aquilo era o grupo, a Vale não tinha. A Vale tinha geólogos lá em, mas só pensava em minério de ferro. Só estudava minério de ferro. Se encontrar o ouro deixa para lá, né? (riso)
P/2 -
(riso)
R – Assim não dá, né? Assim não dá não. Foi, esse foi o período final meu lá na...
P/1 – E quem que eram os concorrentes principais da Docegeo nessa pesquisa, Emmanoel?
R – Ah, tinham firmas estrangeiras. Tinha o Grupo Antunes. O Antunes, né, que tem a mineração de minério manganês do Amapá. Que é uma empresa que chama-se Capemi, Cateni, né?
P/1 – Caeme.
R – Caeme ou Catemi. Tinha o Grupo Ermírio de Moraes. Mais interessado em procurar os minerais que servem as indústrias dele: de alumínio, de não é? Lida com várias coisas. O Grupo Ermírio, para mim, para mim esse Antônio Ermírio de Moraes eu considero uma das maiores figuras do Brasil. Das maiores figuras do Brasil, esse homem. Tinha vários outros. Mas esses eram os principais. E estrangeiros, né? Todas as empresas estrangeiras famosas tinham representantes aqui.
P/1 – E o foco era a Amazônia nesse momento, Emmanoel? Qual que era o espaço mais promissor? Enfim o que é que...
R – Olha, olha, o foco mais assim, vamos dizer, mais assim direto era a Amazônia porque tinham lá o Breno. Que estava lá em Belém, né? Trabalhando no Carajás, no Carajás. Então, enorme a parte, vamos dizer. Porque o negócio é o seguinte, você tem na geologia, né, você tem os terrenos mais antigos, os chamados pré-cambrianos. Esses eram os que a gente dava preferência. É onde estava o minério de ferro. É onde tem as jazidas assim por exemplo. Você não pode por exemplo, no Brasil procurar minerais como os do Chile. Porque o Chile é uma, são os Andes. São montanhas vulcânicas, compreendeu? Então a formação, a formação é completamente, os terrenos geológicos são completamente diferentes que você encontra aqui. Aqui são terrenos antigos. Muito antigos, compreendeu. Semelhantes por exemplo ao leste do Canadá, à Austrália, aos Montes Urais na Rússia. Ali entre a Noruega e a Suécia.
P/2 -
__________
R – Então não adianta trazer um geólogo, compreendeu, que trabalhe na Bolívia, ou no Peru, ou no Chile. Não adianta. Ele vai chegar aqui, os terrenos aqui são diferentes. Tem que procurar vamos dizer, geólogos, e nós trouxemos vários, que trabalhem em depósitos semelhantes aos nossos, compreendeu? E foi feito isso. Foram feitas consultas, entrevistas. Trouxemos esses homens para cá.
P/1 – Trouxeram geólogos de fora?
R – Trouxemos. Trouxemos sim. Tínhamos apoio mesmo. Aí de repente foi ficando tudo xiiiii, não é fácil. E outra coisa, não há a menor garantia de você dizer: “Olha, dentro de 10 anos você vai produzir mais do que Itabira.” Não é? Não tem garantia nenhuma. É dificílimo. É coisa dificílima. Não é fácil não.
P/1 – E ser presidente da Docegeo, quer dizer, nesse período aí todo da, dos anos 1970, SNI, isso de alguma forma interferia no trabalho? Tinha alguma pressão por exemplo dos órgãos federais em Amazônia, ouro essa questão toda?
R – Não, não. Não tinha não. Nós tínhamos muita, vamos dizer, muita assim não digo oposição mas a CPRM. A CPRM era, ela estava sempre assim numa posição meio oposta, né?
P/1 – É?
R – Porque ela era a mesma coisa para o Ministério de Minas e Energia, né? E de repente a Vale do Rio Doce que, que, faz um grupo de prospecção própria? Eles não gostavam, né, compreendeu? Eu acho que tiveram menos sorte do que a Docegeo. A Docegeo descobriu mais também. Essa do Salobo, essa para mim foi a maior descoberta. Eu não digo só por mim não. A maior descoberta. E outra coisa, você vê, como eu estava falando você não podia passar pela cabeça de um geólogo dizer assim: “Olha, eu vou aqui no, perto aqui de Carajás, minério de ferro procurar cobre.” O cara vai dizer: “Não, esse terreno aqui é pré-cambriano. Tem que procurar igual assim lá o (Chukikamata?) lá do Chile. Mas não tem (Chukikamata?) no Brasil.” Então achava que não havia muita, compreendeu? Não havia chances. E aí eu vou te contar o que eu achei mais impressionante em termos da pesquisa e descoberta feita pela Docegeo. Porque os geólogos desenvolveram, antigamente o que é que era a pesquisa mineral? Era o geólogo com aquele martelo: pá, pá, pá, pá. Então era uma coisa assim meio mecânica, né? Aí desenvolveram dois ramos: como é que se diz? ________. Uma é de origem, vamos dizer, puxa, ____ agora me escapou assim o principal do negócio, né? Mas uma é o seguinte: uma era de vamos dizer a parte química _____. Chamada, chamada, puxa vida são dois nomes assim tão...
P/2 -
Não é prospecção? Alguma coisa assim?
R – Não, não. A prospecção. A própria prospecção.
P/2 - Ahãm.
R – Pois bem, mas uma era por natureza química. Natureza química. Chegaram até de estudar as árvores. Pegavam um pedaço de árvore, compreendeu, faziam uma análise em, sei lá, era um tipo desse de computador que tem aí, né? Para ver se ali tem tantos ppm, né? Partes por milhão. Geoquímica. Geoquímica. O outro é Geofísica. Geofísica é até de avião. Até usando avião. Usando vários métodos físicos, né, para descobrir. E a geoquímica é através de tudo. Do solo, das árvores, de tudo. É um outro ramo. E nessa geoquímica acharam que na Amazônia devido ao fato de ter aquela porção de rios, igarapés _____. Que uma maneira de fazer é um processo de geoquímica o seguinte: você vai no rio, parece que no centro do rio em uma canoa e tira uma amostra dos sedimentos. Faz uma análise e vai, né, você vai sei lá, você tira, vamos dizer que tira 10 centímetros cúbicos depois vai reduzindo e tal. E vai medindo ppm. São tantos ppms por grama, compreendeu? Aí tem um ponto que é normal. ______________ é normal. Mas tem um ponto que eles têm até o nome do, como é que tem um nome que tem em inglês assim. Que é um patamar. É um patamar.
P/2 -
Hum.
R – Quando tem mais do que o patamar passa a ser já assim uma coisa promissora. Então pegaram um igarapé ali perto de Carajás que é um pequeno igarapé, né? Que é um afluente do tal rio Parauapebas, um nome assim, né? E começaram. Começaram a fazer. Aí chegou em um ponto o teor de cobre ultrapassou o tal primeiro patamar. Então já passa a ser uma anomalia, compreendeu? Uma anomalia. Aí foram subindo. ______________. O negócio vem sendo trazido pelo rio, né? Aí foi aumentando, foi aumentando, foi aumentando. Tinha uns laboratórios, instalou um laboratório em Belém, o laboratório tinha condições, compreendeu? Hoje em dia esse laboratório assim com esse recurso de laboratório faz tudo. Aí chegou em um ponto lá que tinha um afluente. Um afluente do tal rio. Aí o que fizeram? Tira do afluente, tira do rio. O afluente deu mais, então subiu o afluente, rapaz. Descobriram o Salobo dessa maneira. Foram subindo, foram subindo, o teor aumentando. Aumentando, aumentando. Chegaram e disseram: “Para.” Aí chamamos inclusive um especialista de geoquímica lá do Canadá _____________: “Não, aqui tem uma anomalia e pelo tamanho dessa bacia a coisa é grande.” Lá foi a descoberta de Salobo. Aí chegou em um ponto, então faz. Fizemos o acampamento, um túnel. Esse túnel no meio da selva. No meio da selva Amazônica. Mas o túnel você, logo depois que abriu o túnel apareceu rocha. Aí fui lá depois que abriram o túnel, você andando por aquele túnel. Túnel aberto toscamente. Túnel de exploração. Corria aquela água verde assim. O cobre, todos os minerais de cobre têm tonalidade verde, sabe? É considerado talvez um dos maiores corpos mineralizado de cobre no mundo. É ao lado da jazida de minério de ferro. É incrível isso, rapaz. Aí eu soube que a Vale depois já continuou, continuou estudando. Fizeram até uma usina piloto. Tiraram já minerais lá porque você vai na rocha, vai cada vez se aproximando mais...
P/1 - ....é a primeira vez que _______?
R – Parece que é a primeira vez. Primeira vez. Aí essa turma ao o Machado, o Breno, o Darcy __________, todo mundo ficou, né? Porque realmente um negócio assim.
P/1 – E o ouro Emmanoel? Como é que surgiu esse interesse pelo ouro?
R – O ouro, o ouro foi por uma outra razão eu vou expor aqui para terminar, hein?
P/1, P/2 -
(riso)
R – Para terminar. Eu vou expor aqui. É que parece que foi, quando é que foi, pô foi perto quando eu saí, né? Houve um congresso de geologia no Canadá. E eu era o superintendente da, aí recebi um convite do governo para ir Ia junto com o superintendente do órgão de pesquisa mineral, né? Porque era ali antigamente, era perto da Praia Vermelha. A Docegeo era na Praia Vermelha eles ___________ foram para Brasília.
P/1 – O DNPM?
Não?
R – O DNPM. O DNPM. Aí lá e tal com tudo pago, podendo levar a esposa. A esposa eu até não levei. Ia também o diretor do DNPM. Eu fui para Montreal, para Montreal. Aí eles faziam o seguinte: eles diziam que estudaram lá o regulamento, você tinha direito a levar essas pessoas assim indicadas e também a empresa levar vários geólogos e colocar esses geólogos em várias das áreas que se interessassem. O Canadá é um país incrível em termos de geologia e de mineração. Nesse ponto a Docegeo, rapaz, não poupou recursos não, sabe? Levou mesmo um grupo, um grupo assim de... Aí voltaram lá dizendo o seguinte: “que está havendo uma mudança no pensamento de exploração geológica. São as seguintes, tem que ver, são os tais terrenos.” Agora está um pouco, até eu mesmo uso essa expressão, né? Tem determinados terrenos. Terrenos grandes e tal que têm determinadas características que ali se justifica explorar determinados minerais ou metais, compreendeu? Outros não adianta. Então eles disseram: “Olha...” , acho que eu falei com você já hoje aqui, “...Brasil tem que comparar o quê? tem que comparar com a Austrália, com o leste do Canadá, oeste não. O leste do Canadá. Os Urais, né? Lá o...”
P/2 -
Noruega.
R – “...Noruega com a Suécia”, compreendeu? E uns outros que eles falaram. “Não adianta procurar que a chance é mínima. Aí encontraram lá na Bahia uma faixa que se enquadrava nesse troço. Daí que surgiu aquele grupo trabalhando lá na Bahia e chegaram a descobrir aquela jazida de ouro, né? E está funcionando. Está funcionando. Aí dizia: “A faixa tal há possibilidade de cobre, não sei o quê e ouro. Nos lugares tal, _______ e ouro.” Poxa vida. Foi isso.
P/1 – Serra Pelada, Andorinhas foi no seu tempo ainda, Emmanoel? No tempo que você estava na presidência da Docegeo que descobriram?
R – Andorinhas.
P/1 – Andorinhas?
R – Sim, Andorinhas. Apareceu a Serra das Andorinhas. Mas o tempo que eu estive lá não tinha resultado nada não. Porque não é certo, não. Você tem que ir lá, tem que pesquisar e pode dar certo, pode não dar, compreendeu? É isso.
P/1 – Aí depois o senhor sai de, se aposenta o que é que o senhor foi fazer, um pouquinho? Como é que foi a sua...
R – Eu sou atualmente um projetista de usinas hidroelétricas.
P/1 – Hum.
R – É isso que eu estou fazendo. É o meu trabalho atualmente.
P/1 – O senhor tem projetado? Que usinas que o senhor projetou nos últimos tempos?
R – Usinas pequenas. Chamadas PCHs, né? Tem várias. E tem uma que já está em processo de, de talvez, estamos trabalhando junto com o grupo Monteiro Aranha, né? Ele que é o financiador e talvez aí ano que vem já comece o trabalho na construção da usina. Mas tem outras também. É outra coisa fascinante. Isso aí é mais próximo inclusive da minha especialidade de engenheiro.
P/1 – Da sua formação toda.
R – É, engenheiro.
P/1 – E o lazer? O que é que o senhor faz quando não está trabalhando como é...
R – Tomo chope.
P/1 - ...o seu dia a dia? Toma chope?
P/2 -
(risos)
R – (risos)
P/1 – O senhor tem filhos?
R – Tenho esses quatro filhos, né? Estão todos eles envolvidos lá nas suas atividades, né? De maneira que vai se vivendo.
P/1 – Bom, seu Emmanoel, eu vou fazer uma última perguntinha, então: o que é que o senhor acha desse projeto Vale Memória e o que é que o senhor achou de prestar o depoimento?
R – Olha eu, eu achei meio, eu achei meio estranho. Sinceramente, sabe?
P/2 -
(riso)
R – Eu achei meio estranho, eu falei, porque o que eu penso é o seguinte, sabe? Eu acho que a finalidade deve ser, vamos dizer, ajudar a Vale do Rio Doce. Mas eu estou assim meio descrente, sabe? Por exemplo em relação à Docegeo o que foi feito lá, foi posta para escanteio. Sabe a Vale tinha criado um laboratório de geologia. Ali no quilômetro 14 da rodovia que vai de Belo Horizonte para Itabira. Acho que era tanto _____ para Itabira, acabaram criando ali no quilômetro 14 um laboratório. Disseram que a Docegeo mudou toda para lá. Todo mundo, todos os distritos tiraram e puseram lá.
P/1 – Estão todos lá mesmo.
R – Acho que lá no laboratório? Laboratório é lugar para químico, né?
P/2 -
(riso)
R – Geólogo tem que ficar no...
P/2 -
No trabalho de campo.
R – Trabalho de campo. Trabalho de campo. Eu não tenho perguntado muito não mas a impressão que me deram é que a Docegeo está muito por baixo. Está muito por baixo. Tenho a impressão que aqueles estrangeiros todos foram embora, né?
P/1 – O senhor acompanhou a privatização da Vale de alguma forma?
R – Não.
P/1 – Nos jornais?
R – Só pelos jornais, só pelos jornais. E achei, palpite meu, muito barata. Muito barata. É aquilo que eu mencionei, né? Foi comprada por pessoas que não são afeitas à área. Essa área mineral, essa área de mineração. E que o (Basset?) lá dizia, né? O (Basset?) dizia que não, o negócio tem que ser coisa ligada, né? A coisa mais importante é o grupo de exploração. Que vai, vai se renovar. Nova jazida, nova jazida, começa a
acabar já temos outra. E esses aí são, porque a mineração é assim: ela acabou, acabou. Não tem duas safras na mineração não. Não tem, não tem mesmo. Agora, quem trabalha na indústria de transformação não precisa. Ele compra os produtos, transforma e vende. Enquanto ele puder comprar os produtos ele, né? Tem vida eterna. A mina não é assim não. É que eu achei assim inclusive, sinceramente, o Fernando Henrique, né, é um professor, sociólogo, um homem assim de certa eminência, né? Será que ele ou o pessoal dele não tenha, pelo menos chamar pessoas que conheçam um pouco desse assunto? Mas não: “Vai privatizar. O negócio é privatizar.” PrivatizaR um hotel do governo isso é natural, já privatizou tarde. O governo não tem que se meter em hotel. Mas várias pessoas eu ouvi já dizerem: “A Vale é uma fábrica de desenvolvimento brasileiro.” Vê a Vale: minério de ferro, entrou na parte de madeira, floresta, celulose, né? Com a Docegeo, né? Entrou por exemplo naquele negócio _________ muito aquele calcário ali de, que tem ali no Espírito Santo. Então está _______ calcário que é necessário até para aquela siderúrgica que tem ali em Vitória. Então eu achei assim uma... O pessoal que entrou é um pessoal que não tem a mentalidade do (Basset?), lá do Canadá. De jeito nenhum. É um industrial, um industrial comum. Pessoal ligado à CSN, né? A CSN é uma grande empresa mas o que é que ela tem? Ela está comprando praticamente o minério. Ela tinha uma jazida já acabaram, né? Compra o carvão, compra dos outros e produz o aço. Então não tem um interesse por prospecção. É isso aí meu amigo.
P/1 – É isso aí Emmanoel, então. Obrigado. Foi ótimo.
[Fim da entrevista]Recolher