IDENTIFICAÇÃO Sou Elza Sebe Tonzar, nasci no dia 13 de fevereiro de 1927, na cidade de Taubaté. FAMÍLIA Meu pai era Nicolau Sebe e minha mãe, Evelin Sebe. Meus avós chamavam Felipe Sebe e Sara Sebe. Meus avós eram libaneses. Meu pai é filho de libaneses e minha mãe é libanesa, nascida no Líbano. Eram comerciantes. Tanto os avós quanto os pais, todos foram comerciantes, toda a vida. Tenho dois irmãos: Jamil Sebe e Ivan Sebe. Jamil Sebe é comerciante e o Ivan Sebe é engenheiro civil, mas comerciante também. INFÂNCIA Cresci em Taubaté. Morei uns tempos em São Paulo e depois retornei, depois de casada. Minha infância aqui em Taubaté foi ótima. No meu tempo a gente brincava na rua: de roda, cantava, jogava peteca, essas coisas de infância antiga. MORADIA Morava na praça Campos Sales. Ali no centro mesmo, ali onde é o mercado. A praça Campos Sales era mais ou menos como é agora. Tem as lojas comerciais. Agora é que tem o camelódromo ali. Naquele tempo era toda livre, as lojas do lado e o mercado no fundo. A praça toda é comércio, tinha armazém de cereais, essas coisas, e lojas comerciais de armarinhos, de tecidos. E não tinha, como tem hoje, lojas de eletrodomésticos. Naquela época não existia, praticamente, era comércio de tecidos e brinquedos. Papai tinha loja - a Casa Sebe - de tecidos. A minha casa era a assobradada. Tem a loja embaixo e nós morávamos em cima. Era um sobrado. Não tinha apartamento, não. Era embaixo a loja, bem grande, bem funda, e em cima era a residência. FAMÍLIA Meu avô, antes do meu pai, já era comerciante. Em Guaratinguetá. Meu avô começou na Aparecida do Norte. Meu pai foi fotógrafo, quando era jovem. Na Aparecida do Norte tirava - não sei se você ouviu falar - as pessoas tiravam muita fotografia. Então tinha os fotógrafos com aquelas máquinas assim, que enfiava a cabeça assim na coisa e batia a fotografia. Depois aí o meu avô começou a comercializar...
Continuar leituraIDENTIFICAÇÃO Sou Elza Sebe Tonzar, nasci no dia 13 de fevereiro de 1927, na cidade de Taubaté. FAMÍLIA Meu pai era Nicolau Sebe e minha mãe, Evelin Sebe. Meus avós chamavam Felipe Sebe e Sara Sebe. Meus avós eram libaneses. Meu pai é filho de libaneses e minha mãe é libanesa, nascida no Líbano. Eram comerciantes. Tanto os avós quanto os pais, todos foram comerciantes, toda a vida. Tenho dois irmãos: Jamil Sebe e Ivan Sebe. Jamil Sebe é comerciante e o Ivan Sebe é engenheiro civil, mas comerciante também. INFÂNCIA Cresci em Taubaté. Morei uns tempos em São Paulo e depois retornei, depois de casada. Minha infância aqui em Taubaté foi ótima. No meu tempo a gente brincava na rua: de roda, cantava, jogava peteca, essas coisas de infância antiga. MORADIA Morava na praça Campos Sales. Ali no centro mesmo, ali onde é o mercado. A praça Campos Sales era mais ou menos como é agora. Tem as lojas comerciais. Agora é que tem o camelódromo ali. Naquele tempo era toda livre, as lojas do lado e o mercado no fundo. A praça toda é comércio, tinha armazém de cereais, essas coisas, e lojas comerciais de armarinhos, de tecidos. E não tinha, como tem hoje, lojas de eletrodomésticos. Naquela época não existia, praticamente, era comércio de tecidos e brinquedos. Papai tinha loja - a Casa Sebe - de tecidos. A minha casa era a assobradada. Tem a loja embaixo e nós morávamos em cima. Era um sobrado. Não tinha apartamento, não. Era embaixo a loja, bem grande, bem funda, e em cima era a residência. FAMÍLIA Meu avô, antes do meu pai, já era comerciante. Em Guaratinguetá. Meu avô começou na Aparecida do Norte. Meu pai foi fotógrafo, quando era jovem. Na Aparecida do Norte tirava - não sei se você ouviu falar - as pessoas tiravam muita fotografia. Então tinha os fotógrafos com aquelas máquinas assim, que enfiava a cabeça assim na coisa e batia a fotografia. Depois aí o meu avô começou a comercializar tecidos, e a família toda, todos eles tiveram loja de tecidos. Aí meu pai foi para o Líbano, casou-se com a minha mãe e vieram. Ele morou em Lorena um tempo, depois veio para Taubaté. Quando foi mais ou menos em 46, ele mudou para São Paulo. Aí meu irmão construiu uma tecelagem que fazia tecido de forro. Era faillete, alpaca, que existe até hoje. E aí nós mudamos para São Paulo. Depois de uns anos, eu vim passear em Taubaté, conheci meu marido, me casei, e voltei para Taubaté. COMÉRCIO Na loja do meu pai era assim: o povo vinha da roça. Não era como hoje, que tem condução, essas coisas, eles vinham a cavalo, e tinha os tropeiros que traziam encomendas lá do povo da roça. Então eles compravam um corte para um, um corte para outro, formava assim um todo. E nas lojas, antigamente, não é como hoje que são especializadas: você vendia armarinhos, quer dizer, armarinhos é botões, retrós, linha, tinha perfumaria também, vendia sabonete, creme - tudo isso tinha nas lojas antigamente. Toda ela era sortida. Inclusive tinha aquelas capas que vinham do Sul, que eram aquelas caponas grandes. Era diversificado o comércio. Vinha do Sul umas capas, eu nunca me esqueço, umas caponas grandes, até o pé. Eu acho que lá deve existir até hoje, porque lá é muito frio. E vendia de tudo, na loja você vendia tudo: armarinhos, perfumaria, tênis, vendia botinão, vendia... antigamente chamava “ramona”. Era muito diversificado. “Ramona” era um tênis feito, como tem hoje sapato, mas ele era feito. Os tropeiros não eram vendedores. Eles moravam na roça e vinham para a cidade, vinham a cavalo. Traziam galinha para vender, porco, essas coisas, e era até engraçado, que tinham aqueles balaião assim do lado. Não tinha nem estrada. Então eles traziam esses pedidos e levavam para a turma que morava na roça. Era esse sistema. Até uma vez, eu era criança, entrou um moço e disse assim para mim: “Eu quero fazer uma compra”. Eu disse: “Pois não. Quanto o senhor vai gastar?”, porque eu era criança e queria saber. Ele disse: “Princípio de conto de réis”. Eu falei: “Então ele vai gastar muito, porque a princípio de conto de réis...”, mas era princípio. Eu era criança. Aí ele comprou um pouquinho e eu falei: “Mas o senhor não falou que vai gastar...”. Ele falou um conto de réis, que naquele tempo [a moeda] era conto de réis. Eu falei: “Mas o senhor não vai gastar um conto de réis?”. Ele falou: “Não, eu falei para você que eu ia gastar princípio de conto de réis”. É uma piada hoje. Eles pagavam a vista, esta turma que vinha da roça. E naquele tempo, quem comprava a prazo - era muito interessante, porque o papai tinha um caderno e as pessoas compravam e ele ia marcando, e eles pagavam nas colheitas - [eram] essas pessoas que tinham sítio, fazenda, que eram fazendeiros. Não tinha promissória, essas coisas, nem cheque: era a vista ou marcava no caderno. É claro que eram fregueses bons, eram fazendeiros. E o pagamento era a vista. Eu me lembro que tinha cheque para pagar, naquela época. Depois é que começou o povo a pagar com cheque. Mas, naquela época, era tudo em dinheiro. Marcava a compra do pessoal que era roceiro, das pessoas que eram fregueses e que compravam. E tinha famílias que compravam. Eu lembro que o papai marcava: comprava, marcava. Chegava um dia lá, eles vinham e davam um tanto por conta. O comércio era desse jeito. IMIGRAÇÃO Aqui em Taubaté tinha bastante imigrantes. Tinha a colônia italiana, árabe. Depois começaram a aparecer os japoneses. Aí diversificou bastante. Agora, na Aparecida do Norte, eu me lembro, o povo lá era todo árabe, mesmo, porque meu avô morou, inclusive, na Aparecida, com os meus tios. Papai foi nascido e criado [lá]. Todos os filhos, os irmãos. Minha avó teve dezesseis filhos: oito homens e oito mulheres, todos criados em Guará e Aparecida do Norte. Tinham as pessoas antigas, de que eu ouvia falar. Eles vinham, o marido vinha para o Brasil - isto aconteceu muito - , e vinha para trabalhar, começava a trabalhar. Eles vinham, trabalhavam, depois mandavam dinheiro e a família vinha aos poucos de lá para cá. Era essa a imigração. Aconteceu muito. Tinha muita família que deixava a esposa e os filhos, e depois, conforme eles iam ganhando, mandavam o dinheiro e eles vinham. Inclusive quando meu pai foi para o Líbano - porque ele sempre dizia que ia casar no Líbano, que ele é nascido aqui - , e quando ele foi para lá, que ele casou com a minha mãe, vieram dois irmãos dela para cá juntos, para trabalhar. Só que eles não moraram aqui. Eles foram morar em Cafelândia, naquela região diferente. FAMÍLIA Papai é que veio morar aqui em Taubaté. Meu avô continuou o negócio em Guará. Continuou, toda a vida. Meu pai veio porque ele se casou. Inclusive ele foi primeiro para Lorena, mas ele não se deu bem. E meu avô tinha uma casa que era dele mesmo, que ele já tinha comprado, e o meu pai veio morar no local, e começou a comerciar ali, em frente de onde é a Casa Bahia, hoje, na Silva Barros. Foi ali a primeira loja dele. Hoje chama Casa Edna. Foi onde eu nasci. Era a Casa Sebe. Depois ele comprou, mais à frente. Hoje tem uma loja de eletrodomésticos ali. Ela foi demolida, porque era do meu avô, então quando foi dividido ficou para o meu tio. E agora, quando ele foi alugado, ultimamente - porque antigamente não tinha laje, era feito de... - , quando eles foram reformar, caiu tudo. Então fizeram uma construção nova. Não era mais aquela construção antiga. O papai participava de bastante coisa aqui em Taubaté. Clube, associação, comércio, tudo o que tinha. Porque depois já começou a aparecer. Meu avô era mais simples, porque, você vê, ele veio já há muitos anos. Porque papai morreu já com 89 anos. Família muito antiga. O comércio era muito antigo. Ele morou na Aparecida e depois abriu a loja em Guará. COMÉRCIO Muita coisa era importada: linho era importado, renda era francesa, suíça, linho era belga. Não tinha aqui a produção daqui. Depois é que começou a aparecer as fábricas, mas naquela época era quase tudo importado. As compras eram feitas em São Paulo. Papai comprava em São Paulo e no Rio, no atacado. Tinha os viajantes que vinham oferecer, como hoje também tem viajante, que vem, eles trabalham com diversas firmas. Eles vêm, vendem, e depois é despachado. E naquela época também era assim. Mas o meu pai ia muito a São Paulo, trazia e vinha mesmo de caminhão. Era transportadora que trazia. Era quase assim, esse tipo de tecido mais fino - era tudo importado. Era renda francesa, suíça, belga. Inclusive meu tio, um destes irmãos da minha mãe, foi para São Paulo e teve uma tecelagem de seda pura. Eles montaram. Aí começaram a aparecer as fábricas, tecelagem, que faziam os produtos. Aqui em Taubaté, por exemplo, tinha a CTI [Companhia Taubaté Industrial], que era uma monstruosidade. Mas era muito pouca coisa que fabricava aqui. E agora, por exemplo - tinha a Braspérola, que fazia linho, acabou. Faz três anos que a fábrica... É uma pena. Porque agora, por exemplo, como a minha prima tem o comércio, quase tudo vem lá da Coréia. Muitas fábricas aqui fecharam. Fábrica de renda, de bordado. Sempre teve clientela para os produtos mais sofisticados. Existem os dois tipos de fregueses, que compram: tem as pessoas de mais classe, de mais dinheiro, e tem os mais simples. Quer dizer: na loja tem que ter de tudo para agradar. Tem uns que compram uns tecidos mais caros, melhores, para fazer uma roupa bonita, e tem os médios, que compram tecidos mais baratos. Apesar de que hoje - que nem a minha prima, tem a loja lá - você vê, compra-se artigos importados baratíssimos, que você nem acredita que custa aquele preço. E você vende barato. Aqui, nosso, tem pouca coisa. Por exemplo, uma fábrica de seda que tem no Rio de Janeiro, de Petrópolis, é uma fábrica de Petrópolis. Quer dizer, uma das que sobrevive até hoje, e parece que já faz cem anos. As outras todas... Tinha umas fábricas de bordado, de lese, essas coisas: acabou tudo no comércio. Porque fecharam, mesmo. Agora, tudo o que vem quase é importado. Quando você compra um tecido de seda pura, ele tem um selinho. Por exemplo, a Tecelagem Saliba - é uma tecelagem que tem em São Paulo - , fazem a seda pura, ainda fazem a seda pura hoje. Então, toda seda pura tem um selinho de seda pura. Antigamente tinha a lã, mas só que hoje eles já estão misturando poliéster com lã. Elastano. Já modificou muito, porque a seda pura, hoje, é caríssima. Então, a Braspérola comprou até aquela do Sul, que era uma fábrica de linho. Agora fecharam todas. Dizem que fechou por falta de produto. Porque o linho é uma planta que se transforma em tecido, e diz que acabou por isso. Agora, na realidade, a gente não sabe como acabou, por que acabou. Existem as costureiras hoje. Hoje, você vê, a roupa pronta é baratíssima. Mas não é uma roupa superfina. Quer dizer, são roupas boas, lógico, mas existem ainda as costureiras. Nós vendíamos para as costureiras. As costureiras compravam. Porque naquela época não tinha roupa pronta: a turma comprava e mandava fazer. Hoje você vai e compra o que você deseja, mais barato, na altura do bolso da gente, a gente compra. Mas naquela época não tinha roupa pronta, ir num local, numa butique e comprar. Eu lembro que tinha uma casa... Eram roupas feitas só de homem - ternos, calças - era coisa de homem. Mas de mulher não tinha, não. Era muito difícil. Por exemplo, a minha mãe, quando queria coisa boa, a gente ia em São Paulo comprar ali na rua Direita. Só vendia coisa fina. Sobre comércio eu sei, porque a gente era criança, mas só mesmo em São Paulo que você comprava. Meu pai, por exemplo, seda pura, ele não comprava peças assim, para vender. Ele ia em São Paulo e comprava cortes. Então você queria, você escolhia cortes, porque eram muito caras. E o tecido era muito assim, tecido mais rústico, que era para o povo da roça. TRANSPORTE Para São Paulo a turma ia de trem, mas o papai sempre teve carro, então ia de carro, apesar da estrada ser de terra. Ele ia de carro ou ia de trem. Porque o trem era a condução de todo mundo. Tinha o Expressinho e o Rápido, e o da noite. Minha avó viajava de trem. Todo mundo ia de trem para São Paulo. Aí depois papai comprou carro, aí ele ia de carro. Mas normalmente eles faziam a viagem de trem. Porque eles não traziam nada com eles: comprava e era despachado por transportadora. As transportadoras sempre existiram, de caminhão, essas coisas. Mesmo do Rio de Janeiro. Porque as firmas atacadistas são assim... Você vai em São Paulo, por exemplo, numa firma atacadista, eles não são os produtores, eles compram de fábricas que entregam para eles, tem mil fábricas. Por exemplo, tem a fábrica de seda, tem a de tecidos de brim, tem o linho. Você vai, por exemplo, em Americana: tem não sei quantas fábricas. Mas cada uma fazendo um tipo, um produto. Existem tecidos nacionais, mas o que está entrando mais é o coreano. A viagem de trem para São Paulo era uma delícia. Eu viajei muito de trem. Era São Paulo - Rio. Você pegava o trem aqui na estação e descia lá em São Paulo. Lá você pegava um carro, para ir onde você queria, como existe hoje. O bondão. Porque antigamente era bondão, que a gente andava. Então era fácil. Tinha o Expressinho, que era considerado um trem mais barato, e tinha o Rápido, que era um trem mais de luxo. Levava, acho, que umas três horas daqui para São Paulo. Sabe onde tinha vendedor? Quando você chegava nas estações. Por exemplo, parava em Caçapava. Então tinha lá a turma que vendia laranja, vendia não sei o quê, banana, tal. Em cada estação que você ia tinha as pessoas que vendiam ali. Mas não era assim que nem hoje, que todo mundo sai. E nas estações tinha um tipo de lanchonete. Que não era lanchonete que eles falavam, era outro nome. Vendiam pela janela, porque ali parava pouco tempo. Tinha pessoas que desciam, subiam e desciam. Às vezes tinha gente que entrava e oferecia, pessoas que entravam - porque o trem tinha uma cabine grande - , então eles entravam, saíam daqui e desciam ali. E os mais audaciosos ainda entravam no trem inteiro, e então, como na saída, eles iam tchem tchem tchem tchem, descia lá no fundo. CIDADES Taubaté Mamãe era uma pessoa assim, mais parada. Não comprava. Ela ajudava meu pai, mas não era uma pessoa assim, que saía para fazer compra. Papai comprava tudo, fazia mercado. Naquele tempo era mercado, porque a gente morava em frente ao mercado. Tinha os armazéns, não tinha supermercado que nem tem hoje. Você vai lá, compra tudo; o que você pensa, tem. Mas naquela época não: tinha padaria, tinha a mercearia, tudo assim. Tinha o armazém, que chamava armazém, que tinha de tudo. FAMÍLIA Quando a minha mãe casou, ela não sabia nem cozinhar. Ela casou com quinze anos e veio embora para o Brasil. Ela não sabia fazer nada, depois ela foi aprendendo. Mas ela fazia em casa, só, para fora, não, nunca trabalhou. CIDADES Taubaté Papai fazia as compras e aqui tinha tudo. Aqui tinha uns armazéns que traziam de tudo: trigo para fazer a comida árabe, lentilha. Acho que tinha de tudo, sim. Mas o papai trazia muito de São Paulo. Era muito comilão. A gente era freguês da Casa Philadelpho. Até eu, depois que eu me casei, comprei muito. Mas é que depois a gente vai, sabe, limitando. Vai, pega aqui... Aí começaram a aparecer os supermercados, e como eu moro aqui para cima, comprei muito ali no Philadelpho. A Casa Taubaté era de roupa feita. Era aqui no centro, parece que ali perto do..., onde era o cinema, que agora é aquela igreja ali. Era naquele setor ali que tinha a Casa Taubaté. Era boa, coisa boa, bonita, que vendia lá. Só coisas finas. Quer dizer, finas da época. É como hoje: você vai numa butique mais chique e uma butique menos chique. Também era..., vendia mais roupa de homem. Sabe que eu não lembro assim de ter roupa que a gente comprava pronta, não. Porque a gente mandava fazer tudo, tinha costureiras. Era um tamanho razoável. Não era assim, imensa. Casa grande era a Casa Mansur, ali no largo do mercado. A Casa Mansur era de tecido. Eles vendiam tecido, vendiam calçado. Era uma casa enorme. Antigamente tinha muita loja de tecidos, porque não tinha roupa pronta. Então era muita loja de tecido que tinha aqui em Taubaté: tinha meu pai, com a Casa Sebe; tinha a Casa Mansur; tinha a Casa Demétrio; tinha a Casa Cabral. Nossa Senhora, nem lembro, de tanta casa que tinha que vendia tecido, muita casa. SEGUNDA GUERRA Na época da guerra subiu muito o preço. Mas já fabricava aqui. Acho que não houve muita falta, não, de tecido. Houve alta de tecido, quer dizer, a alta foi enorme. Acho que não houve, não, muita falta de outros produtos. Não teve. Tinha assim, por exemplo: farinha de trigo, pão, essas coisas, foi muito racionado. Era assim, racionado. Trigo era ruim, porque o trigo era importado. E ficava aquele pão horroroso. Eu ainda peguei, porque quando o papai mudou para São Paulo parece que havia racionamento. Eu sei que houve uma vez racionamento, negócio de farinha de trigo, e tudo que você comprava assim, em padaria, você não podia comer. Você tinha que ir na fila de madrugada para comprar um pão. E era mais difícil. Não, mas na época da guerra morava ainda aqui em Taubaté. Foi quando terminou, depois de um ano ou dois, que papai mudou para São Paulo. MIGRAÇÃO Meu pai foi para São Paulo por coisa de família. Minha avó queria que essa minha tia mudasse, e aí meu irmão com meu tio fizeram essa fábrica de tecelagem. A tecelagem São Nicolau, lá em São Paulo. Primeiro aqui em Taubaté; depois papai fez a tecelagem São Nicolau. Foi na Estiva. Mas na época que a gente foi para São Paulo, era no Tatuapé a tecelagem. Aí nós mudamos para lá um tempo, aí o papai ficou bastante anos morando lá. Depois, tinha umas coisas e começou a viver de renda. E o meu irmão trabalhava, era lógico. Eles tiveram uma loja lá numa lateral da Vinte e Cinco de Março. Meu irmão montou uma loja lá para vender os produtos que ele fabricava. E comprava, aí você também vai comprando de outros lugares. Mas o comércio foi sempre bom. Eu acho que nunca... Às vezes há falta de alguma coisa, mas assim, dizer que ficou, pereceu, eu não acredito, não. Nós moramos no céu, aqui. Que tem de tudo. EDUCAÇÃO Eu fui interna no Colégio Bom Conselho. Depois saí. Eu queria muito fazer medicina, mas naquela época os pais não deixavam. Também, era a filha única mulher. E, morar onde, em São Paulo? Morar na casa da tia, não. E aí eu fiz o contador, me formei em contabilidade. Fui para o colégio interno porque eu acho que era moda pôr os filhos internos no colégio. Porque não tinha externato, não tinha colégio para você ir. Tinha o colégio de Estado, que era o ginásio de Estado. Mas antigamente era, sei lá - meu pai não me pôs lá e pôs interno, no Bom Conselho. Que as irmãs gastavam na loja do meu pai, então eu acho que elas me intuíram a ir interno, sabe? Depois aí, no próprio Bom Conselho eles fizeram o externato. Então, quando houve o externato, eu saí do internato e fiquei externa. Vinha muita gente, quando a gente era interna do Bom Conselho, essas pessoas assim de classe, que eram filhos de fazendeiros. Tinha de Itajubá, de Minas; tinha pessoas do Rio de Janeiro que vinham estudar em Taubaté, no Bom Conselho; de São Paulo. Era muito diversificado. Não era só o povo de Taubaté, não: eram alunas quase do estado de São Paulo inteiro que estudavam internas no Bom Conselho. FAMÍLIA As mulheres da família trabalhavam também na loja. Minhas tias todas trabalharam. Formaram. Porque minha avó, por exemplo, formou dois filhos médicos, farmacêutico, engenheiro, quer dizer... Mas a maior parte, todos trabalhavam no comércio. TRANSPORTE Todo domingo a gente ia para lá, para Guaratinguetá, onde moravam meus avós. Íamos de carro - papai sempre teve um carrinho. Ele teve aquele fordinho-bigode. Era estrada de terra, estrada de chão. Quando chovia tinha que botar corrente no carro, porque chovia muito, e a estrada era de terra, mesmo daqui para São Paulo, era. Depois que veio a Dutra, que aí começou a melhorar estas estradas. Mas naquela época era terrível. Você levava quatro horas para chegar daqui em São Paulo. Não era daqui para lá uma hora, que nem hoje, você vai em uma hora e meia. Sempre a gente ia para a casa dos meus avós. Era difícil. Ia na Aparecida do Norte, assistir missa, e depois ia em Guará, almoçar na casa da minha avó. A família sempre foi unida. Graças a Deus, a gente teve uma vida muito unida. Não foi assim: que um foi para lá, outro foi para cá. Mas a gente ia sempre para lá. VALE DO PARAÍBA Guará sempre foi um povo mais cheio de coisa. Eram um povo, acho que mais adulto, mais rico, do que os de Taubaté. Hoje eu não sei, porque faz tempo que eu não vou lá. Mas era mesmo, não sei se alguém já comentou com vocês isso, era um povo assim, de mais posses que Taubaté. Tinha mais fazendas, mais fazendeiros. Mais pessoas ricas do que Taubaté. E gente tradicional, porque hoje não existe isso de tradição. Naquela época existia. Ah Família fulano de tal, porque fulano era isso, porque cicrano era aquilo. Hoje o povo é mais simples. E o povo aqui em Taubaté era mais simples. CIDADES Taubaté Tinha as famílias tradicionais de Taubaté. Por exemplo a família Guisard, era uma família supertradicional. Tinha os Matos, a família Matos, que o Antônio Mário é descendente deles - é da família Matos, que foi antes desse prefeito, foi anterior a ele. Eu não vou dizer que a minha família era tradicional, porque não era. Era Sebe. Graças a Deus, meu pai sempre teve bons..., foi bem recebido. Mas Guará tinha mais tradição que Taubaté. Era bem mais tradicional que Taubaté. VALE DO PARAÍBA O comércio de Guará era muito bom, muito bom. Meu avô tinha loja e meus tios tinham loja. Inclusive minha prima há pouco tempo fechou a loja lá - ela herdou a loja - , agora é uma loja de eletrodomésticos. Tem aquela esquina, acho que é a Marabrás, que tem lá. Era a loja do meu tio, era a Casa Sebe. A loja do meu tio era muito tradicional lá. Mas meu avô tinha a loja dele aqui, e meu tio tinha lá do outro lado. Só que meu avô vendia coisas mais simples. E eles lá, tinham um comércio bem maior, bem mais rico. COSTUMES A turma da roça não usava sapato: eles vinham de pezão, assim. Então meu pai dizia assim: “Na hora de experimentar, manda pôr a meia, para não sujar o sapato”. O que eu tinha, oito anos, seis anos? E a gente ficava ali, brincando. E ia lá, trabalhar. Não é trabalhar, assim, mas ia lá, aparecia. Era muito engraçado. VALE DO PARAÍBA Toda a vida teve comércio religioso em Aparecida. Que eu lembro, toda vida teve. Inclusive eu tinha um tio que morava lá, vendia santinho. Hoje modificou muito, Aparecida do Norte. Era toda loja de santinho, quadros, imagem: era isso que mais vendia lá. O comércio todinho ali era, de ponta a ponta, assim, aquela ladeirona toda. Tinha hotéis. Mas era tudo artigo religioso. Acho que tinha pouca loja de tecido, essas coisas - a turma ia comprar em Guará, na Casa Sebe. Além da Casa Sebe, tiveram outras lojas, é lógico. Mas eles vendiam lá. É o comércio antigo. O moderno é melhor. MIGRAÇÃO Quando mudamos para São Paulo, eu tinha formado em contadora. Mas aí eu quis trabalhar e meu pai não deixou. JUVENTUDE Minha juventude foi em Taubaté e a gente namorava escondido. Porque antigamente você não namorava que nem os netos da gente, que já levam o namorado para casa: era tudo escondidinho. A gente paquerava. Aqui na praça, onde é a loja da minha prima, não era calçadão, era praça. E era assim: tinha a praça, então, à noite, a gente fazia o footing, sabe? Então, assim: de um lado as mulheres passeavam de assim, por dentro, e os homens, ao contrário, que era para fazer a paquera. A gente paquerava assim. Dava a volta na praça. O chique era... Carnaval era uma maravilha. Tinha o corso dos dias de carnaval, era uma beleza. Tinha as pessoas que faziam fantasia, que faziam o corso. Então, serpentina, lança-perfume era vendido à vontade. Meu tio, inclusive, vendia lança-perfume em Guará. Na época de Carnaval ele comprava e vendia. Era completamente diferente o viver antigo. Porque a gente paquerava, depois ia para o cinema. Aí namorava e ia escondido, entrava, e quando apagava a luz, com o namorado, ia sentar perto. A mãe sentava lá. Então você dizia assim: “Minha mãe está sentada lá”. “Então vou sentar para cá.” Minha mãe não era de sair, assim. Mamãe era muito reservada, era uma pessoa quieta. Eu ia nem que não deixasse. Mas dez horas tinha que estar em casa. Você acredita uma coisa dessa? Dez horas não tinha mais ninguém na rua. Tinha que namorar neste horário. Aí, na época, eu estudava contabilidade, a gente fazia à noite, aí paquerava à noite. Aí tinha uns namoradinhos que na hora do intervalo você saía, conversava. Era essa a brincadeira. E tinha um clube - tem até hoje - ali na rua das Palmeiras. Quando abriu o clube a gente tinha [bailes]. Ia para clube, tinha baile, jogos. Tinha jogo de vôlei, basquete. Tudo o que tem hoje tinha, mas só que em menos quantidade. Hoje evoluiu, eles reformaram. Mas a gente ia muito para o clube, nossa Tinha bailinho, assim. Mas era, assim, pequeno. Carnaval era ótimo. Mas é que o meu pai era muito bravo, então a gente não podia... tinha que ir escondido, fugido. Tinha, por exemplo, a Sociedade Italiana, que era um clube também. Era ali na Pedro Costa, onde tem o grupo escolar, era ali em frente. Hoje eu não sei nem mais o que é ali. Tinha a Sociedade Italiana, tinha a Associação, que era outro clube, também. Mas o Country Clube que era o charme, que é até hoje. Mas a gente tinha bailinho sim, formatura. Tinha baile das oito às dez da noite. E a gente fugia. Na Sociedade Italiana eu entrei sempre. Mas tinha os sócios, sempre teve os sócios. Não é qualquer pessoa que entrava. Mesmo na Associação tinha os sócios. Mas a gente, como era do comércio, era muito conhecido, então era fácil. Entrava, dançava. Tinha brincadeira dançante, porque antigamente, à tarde, no domingo, era brincadeira dançante. Então você ia lá, dançava, sabe? Paquerava. Diferente de hoje. A brincadeira dançante era durante o dia. Por exemplo, das duas às cinco da tarde. Hoje é infantil. No carnaval tem para as crianças das duas às cinco. Naquela época tinha à tardezinha, no domingo, faziam essa brincadeira dançante. E o clube era ótimo, também, nossa Tinha bastante jogos. Vinha assim de outras cidades, mesmo da própria cidade, competir. Eu ia muito no clube. Nunca joguei muita coisa, não. Porque papai não era assim, uma pessoa que dizia: “Pode ir”. Ele foi um ótimo pai, mas nessas coisas era difícil. Uma vez eu comecei a jogar basquete, mas aí tive que parar, que foi quando a gente mudou para São Paulo. Eu tinha meus catorze, quinze anos. Aí eu parei. Porque a turma jogava, ia jogar em outras cidades. Era bem gostoso o clube. FAMÍLIA Meu pai era meio bravinho mesmo. Meus irmãos, por exemplo: meu irmão estudou no ginásio do Estado, eu já não estudei, ele já foi para o Estado. Depois, quando nós mudamos para São Paulo, o meu irmão, o Ivan, ele ficou interno no São Bento, no Colégio São Bento. Aí de lá ele fez Politécnica, ele fez engenharia na Politécnica. Agora o Jamil, meu irmão, ele fez até o colegial, mas aí como o papai estava trabalhando, ele começou a trabalhar com o papai, e não estudou, não continuou o estudo, foi ser comerciante. COSTUMES Minha mãe fazia muita fantasia para mim, criança e mocinha. Depois de adulta não fiz muita fantasia. Minha mãe fazia a fantasia para a gente. Você viu, até, aquela... Aquela fantasia - minha avó tinha uma boneca portuguesa, você não viu os detalhes - a minha mãe copiou aquela fantasia para mim. Minha mãe era uma pessoa supercaprichosa. Eu não sou nem um décimo dela. Fazia fantasia para gente quando era criança. Fazia assim, de bailarina, de não sei o quê. Meus irmãos, ela viu aquela fotografia de fantasia. Era este tipo de fantasia. Aí, quando eu fiquei mocinha, a gente fez uma vez cow-girl - cow-girl é tipo assim, chapelão, tal. A gente inventava, nem lembro. A gente inventava, assim, uma turma de seis, oito moças, e fazia fantasia para ir dançar no clube. Mas era assim, aquelas fantasias meio sofisticadonas. E de bailarina, aquela de havaiana, essas coisinhas assim, sabe? Tipo Havaí. Que nem hoje, as meninas saem correndo fazer na última hora? É aquilo. Tinha no clube, eles faziam prêmio de quem ia mais bem fantasiado. Faziam fantasias muito bonitas. Mas eu nunca fiz, sabe? Tinha concurso de fantasia, antigamente. Era muito bonito. As pessoas iam muito fantasiadas. Tinha as que não iam, e tinham as que iam fantasiadas. E tinha concurso de fantasia. O clube aí foi sempre muito bom. Agora que eu não freqüento, a gente já está fora de órbita. Interessante é que quando eu era jovem, as pessoas de idade iam muito para clube, dançavam. Eu até ia para a Associação e para a Sociedade Italiana, porque lá tinha muita gente de idade dançando. Agora é o contrário: agora todos são jovens, que vão. Eu nem vou mais para clube. Porque a gente já tem que se pôr no lugar. EDUCAÇÃO Eu queria fazer medicina, mas fiz a contabilidade porque era o que tinha em Taubaté. Mas eu, como diz meu irmão, me realizei, porque meu filho é médico. Formei um filho médico e a minha neta é médica, está fazendo o terceiro ano lá no Hospital São Paulo, de residência. Eu me realizei nos meus netos e filhos. E não tinha muitas mulheres na Escola de Comércio. Na minha classe tinha umas cinco ou seis mulheres, o resto tudo era homem. Olha, minha classe era grande, acho que tinha uns trinta, 35 alunos. Eu tenho até o quadro da formatura - que a gente fazia o álbum e tem o quadro, assim, da formatura. Eram umas cinco ou seis colegas, só; o resto tudo era homem. Não tinha muita mulher fazendo contabilidade naquela época, não. Aprendi a escrita de mesa de firma. Aprendia as leis civil, judiciária e tudo o que se aprende quase em direito, você aprendia em contabilidade. Sabe leis? Mas naquela época era um décimo do que é hoje, não é tanto como tem hoje, mas a gente tinha aula de contabilidade, tinha aula de direito civil, direito judiciário. Tinha muita matemática, matemática em contabilidade é grande. Para você ver. Uma escrita não é fácil você fazer, de se aprontar uma escrita, fazer diário, razão. Todos os livros se aprendia a fazer. Foram quatro anos. Três, quatro anos de contabilidade. Os professores eram daqui de Taubaté. Alguns vinham de fora, mas a maior parte era daqui. Não eram ligados ao comércio, eram professores mesmo. Os colegas, alguns trabalhavam em comércio. Alguns trabalhavam de dia e estudavam à noite, para fazer a contabilidade. Era bom. Não tinha outro curso aqui em Taubaté. Hoje você tem a medicina, tem direito. Naquela época não tinha nada para você fazer. O curso era contabilidade e professora. Aí minha mãe não quis que eu fosse professora, porque diz que eu não ia lecionar na roça. Então eu fui fazer contabilidade. COMÉRCIO Eu sempre ajudei papai no comércio. Eu estudava à noite e ficava tomando conta da loja de dia. A gente já virou comerciante. E aí eu trabalhava com ele, sim, não tinha bon-vivant, não. Não é que ele obrigasse, é que a gente foi criada ali, então a gente trabalhava no comércio. A contabilidade, quem fazia, era o contador. Quer dizer, tinha o contador. E eu acho que não tinha tanta burocracia quanto tem hoje, de contabilidade, de impostos que você tem que pagar. Hoje tem mil impostos: tem ICM [Imposto sobre Circulação de Mercadorias], tem não sei o quê, tem o dos empregados. Não tinha tudo isso que tem hoje. As leis eram bem menores do que existe hoje, para você fazer a contabilidade. Não é que nem hoje, que você paga ICM, paga IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], e paga aquele outro, o DARF [Documento de Arrecadação de Receitas Federais], paga [inscrição no] INPS [Instituto Nacional de Previdência Social] de funcionário. É, hoje a contabilidade é muito grande, porque tem muitas leis que aumentaram. Naquela época não tinha nada disso, não: era uma contabilidade fácil, só a contabilidade da loja, entrada e saída de mercadoria. Como existe hoje, você vai no escritório de contabilidade, tem de tudo. Mas independente da entrada e saída de mercadoria que você fazia, tinha o diário, razão ou o livro-caixa. Quer dizer, todos os livros você tem que ter, numa contabilidade. Mas não era como hoje, que tem muito imposto para você incluir, fazer. É mais difícil. MIGRAÇÃO Logo que eu terminei o curso, papai mudou para São Paulo. Ele fechou a loja e o meu irmão foi para a tecelagem em São Paulo e lá quem trabalhou foi ele. Eu fiquei mais com a minha mãe, em casa, eu não fui trabalhar. Arrumei vários empregos de contabilidade, em escritório, mas infelizmente não fui, porque meu pai não deixava eu ir. A verdade é essa. Fiquei sendo meio doméstica, porque a minha mãe teve um problema de passagem de idade, então minha vida modificou. Não foi aquilo que eu quis: foi o que a vida foi ensinando. Então eu fiquei mais em casa, com a minha mãe. E aí, depois, passou bastante tempo eu tomando conta da casa; eu dirigia, praticamente, a casa. Fazia as compras para a minha mãe, saía, tudo era eu que fazia. E o meu pai com o meu irmão iam para a fábrica. E o Ivan estudava. Quer dizer, o meu meio de vida foi esse. Aí, eu fiquei mais ou menos meio doméstica em casa, com a minha mãe. Aí, depois, quando eu me casei, que eu voltei para Taubaté. CIDADES Litoral Conheci o Nilo aqui em Taubaté - eu vinha sempre passear. A gente ia para Ubatuba, porque, inclusive, eu desde criança que vou para Ubatuba. Meu pai tem até um hotel que ficou com o meu irmão lá. Mas naquele tempo, também, era de jardineira que você ia, tudo era diferente. Jardineira é um ônibus de madeira. Era aquele ônibus pequenininho, de madeira. Ah Era horrível a viagem daqui para Ubatuba, a estrada era péssima. Saía daqui de Taubaté. A gente ia de jardineira, naquele tempo era jardineira. Depois que vieram os ônibus, a estrada. Era tuc, tuc, tuc, tuc. Quando chovia, você nem podia subir a serra, quase, tinha que botar coisa na roda para subir. Era difícil. Porque o papai tinha carro, mas eu não ia com o carro dele, porque eu nem dirigir, dirigia. Eu ia era de bondão, mesmo. No ônibus, mesmo. E a gente passava dias, lá. Aí papai construiu um hotel lá, comprou lá, fez. Porque ele era apaixonado por Ubatuba. Ubatuba não ia muita gente, não, mas era muito gostoso. Então eu fiquei mais ou menos vivendo uma vida assim, de família, porque eu não fui trabalhar. E aí, depois, quando eu casei, que o meu marido montou a casa de material de construção, que aí eu comecei a ajudá-lo. Porque a gente começou de nada, e depois que foi levantando. Infelizmente eu o perdi, depois de uns anos. Eu ainda fiquei trabalhando sete anos lá. Mas mãe é assim: eu tinha muita preocupação com os meus filhos e largava muito a loja. Infelizmente, eu perdi a loja. Perdi assim, por bobeira. Mas não é a prática que a gente tem hoje. Então, você fica muito preocupada com os filhos. Tinha que levar na escola, trazer, largava assim. Então foi meio difícil. Mas ainda trabalhei sete anos lá. NAMORO Mas, voltando ao Nilo, ele veio de São Paulo - ele não era de Taubaté. Ele trabalhava numa firma chamada Cipropar. Até é do Ermínio de Moraes, a firma, é da família dele, essa loja. É casa de material de construção. Ele foi viajante. Depois ele foi trabalhar em Santo Amaro nesta firma, que ele viajava sempre com material de construção. Sempre trabalhou com material de construção. Então ele veio para Taubaté. Aí eu vim passear em Taubaté. Eu tenho uma amiga que foi comprar na loja em que ele trabalhava, que ele era gerente, e falou: “Nossa, Elza, tem um moço aí, bonito à beça, e você vai paquerar com ele”. Eu falei: “Se você acha ele bonito, por que você não paquera? Eu que vou paquerar?”. Engraçada, ela: “Não, você vai paquerar”. “Tá bom.” Uma hora eu passei por lá, mas nem vi ele. Ela queria que eu passasse, ela trabalhava na Secretaria da Fazenda e: “Vamos na hora do almoço?”. “Ah Tá bom” Naquela época era jovem, cheia de ilusão, né? E eu peguei e, tá bom, passei, mas não vi. Aí nós estamos fazendo o footing da praça, para ir ao cinema, eu estava com ela - a gente dava umas voltinhas na praça para depois ir para o cinema, quando eu vinha de São Paulo - , aí estava parado um moço, dois rapazes ali, eu olhei. Ele fez assim, mas ele não me conheceu, e nem eu ele. Ela o conhecia de vista. E engraçado que ele... Depois, ela trabalhava na Secretaria de Fazenda e ele comia numa pensão, que uma colega dela morava na pensão que ele comia. Porque ele dormia no depósito e comia lá. E falou para ele: “Olha, tem uma moça de São Paulo que está apaixonada por você. Achou você lindo”. Mentira, eu nem tinha visto a cara dele. E nessa brincadeira eu fiquei conhecendo ele. Mas ele era noivo. Ele era noivo em Santo Amaro, de uma moça. Aí, ele começou a vim conversar comigo. Sabe paquerinha de noite? Que eu ficava na casa de uma amiga minha - que eles tinham casa em São José - que eu dormia lá. Eu não dormia na casa da minha tia, eu dormia na casa de uma amiga minha. Então, aí eu fui visitar uma amiga minha, e ele foi colega do marido de uma amiga minha, que ele foi viajante, também. Aí eu chego e digo: “Tito, eu estou paquerando teu amigo, o Nilo”. Ele falou: “O quê?”, falou assim para mim, porque a esposa dele tinha tido nenê. Aí eu falei: “É”. “Mas ele é noivo, Elza. Ele é muito malandro, esse cara. Pode deixar que eu vou conversar com ele.” E eu peguei e fui. Então tá bom: “Eu estou sabendo que ele é noivo? Ele não está de aliança, nem nada”, eu falei para ele. Mas eu passava, o quê, uma semana, dez dias aqui em Taubaté e ia embora para São Paulo, e não queria nem saber. Aí eu falei: “Ah, Tito, larga disso, deixa para lá, amanhã eu vou embora para São Paulo e ele fica aqui, vai com a noiva dele”. Ele falou: “Mas ele vai ver, ele é malandro”. E foi lá e brigou com ele, falou: “Nilo, onde já se viu, ela é minha amiga”. E, tá bom. Mas aí ele veio, falou para mim que tinha terminado. Mas ele não tinha, ele terminou depois. Aí ele começou a ir em São Paulo, conversar. Mas não pense que ele entrou na minha casa, não. Levou uns cinco meses. Só eu encontrava com ele na rua, ia para o cinema e voltava. Aí um dia ele falou para mim que queria conversar com o meu pai - eu acho que ele tinha terminado o noivado. Minha sogra morava em Ribeirão Preto, eles eram de Ribeirão Preto. Eu falei: “Não pense que você vai entrar com a cara e coragem, não. Se não vier gente da sua família, você não entra na minha casa, não”. Aí coincidiu que a minha sogra veio com uma filha dela, que veio fazer um curso em São Paulo para trabalhar numa loja lá em Ribeirão, e que ela foi em casa com ele. Foi assim que eu conheci o Nilo. Em um ano e oito meses a gente namorou, ficou noivo e casou. Ele era malandrão para caramba. Você já pensou, viajante? CASAMENTO No começo o papai... Sabe por quê? Apareceram, naquela época, era casamento arrumado - e eu nunca quis. Várias pessoas, vários descendentes de árabes. Até quem vinha do Líbano para cá, foram falar com o meu pai. Eu não quis. Ah Eu dizia não; não queria, de jeito nenhum. Teve um que falou assim: “Você acha que eu não te mereço?”. Eu falei: “Não, eu quero bem você, você é uma ótima pessoa, mas não para eu casar com você”. Também tinha a minha opinião, entendeu? Eu obedecia, mas tinha a minha opinião. Agora, quando eu conheci o Nilo, aí bati pé. Foi muito engraçado. Casei em São Paulo. Olha, o casamento não foi bonito porque infelizmente minha avó, antes, quinze dias, a mãe da minha mãe, que veio do Líbano, ela faleceu. Então eu já tinha encomendado até um salão para fazer uma festinha, mas muito íntima. Aí minha mãe ficou muito triste, então a gente desfez tudo. Então fiz, casei lá. Hoje, a igreja que eu casei nem existe, existe a similar dela. Era a igreja de Santa Generosa, que tinha ali em Vila Mariana. Hoje até passa um viaduto onde era a igreja. Ali foi desmanchado tudo por causa do metrô. Então eu casei na igreja de Santa Generosa. Aí houve uma recepção íntima em casa, mamãe contratou uma cozinheira, a gente foi lá em casa para fazer. Eu já tinha até contratado - naquela época se contratava salão. Até na rua Augusta, tinha vários salões, assim, que a gente alugava e depois contratava. Mas, como minha avó faleceu assim de repente, ficou todo mundo muito triste, muito acabrunhado, eu falei: “Ah, não quero mais nada”, então a gente desfez tudo. Teve assim, o povo lá em casa, os amigos, tudo, mas foi uma coisa mais simples, não foi aquele casamentão, não. Também, as condições do papai na época estava... Tudo foi sempre meio difícil. Aí não deu para fazer no salão. Infelizmente o Nilo faleceu. Vivi só catorze anos com ele. Ele teve um problema de diabete e teve um infarto fulminante. A morte dele foi muito triste, meus filhos eram pequenos ainda. E depois que eu comecei aquela luta de comércio. Que nem diz a minha filha: tudo que eu fiz, conforme o toque, eu dançava. Na lua-de-mel, nós fomos para Poços de Caldas. Mas você acredita que naquela época não tinha São Paulo direto para Poços de Caldas? Nós fomos de carro. Não tinha ônibus, nada, tinha lotação. Aí - ele era muito esperto -, descobriu uma lotação e nós fomos de lotação. Fomos dormir num hotel aqui em São Paulo, saímos de manhã e fomos para Poços de Caldas, de carro. E quando nós voltamos, ele alugou outro carro para trazer até São Paulo. Era pobre luxuoso. MIGRAÇÃO Aí viemos para Taubaté, porque ele trabalhava lá nessa firma. E o papai tinha esse imóvel onde moro hoje. Então ele pediu para desocupar, e eu fiquei morando até hoje lá. É tipo apartamento, sabe? Embaixo tem as lojas, que são de aluguéis, e eu moro na parte de cima. Ele continuou trabalhando como gerente. Aí depois houve um problema lá e eles começaram a apertar ele, tal. Até a gente foi para São Paulo e depois meu irmão arrumou um capitalzinho, e aí começamos a montar o comércio de material de construção. Depósito Nilo, que ele abriu, já nos anos 50. COMÉRCIO Ah, vendia bem. A gente começou pequenininho, depois começou a crescer. E não tinha tanta casa como hoje, que tem por exemplo em São José, aquelas coisas maravilhosas que tem hoje - era tudo bem simples. E a gente tinha um movimento bom, sabe? O capital era pequeno, porque você não tem capital, então você tem que ir sofrendo. Mas a gente tinha bastante freguesia, sim. Até hoje chega gente na loja: “Ô, dona Elza, minha casa foi construída com material lá do depósito”, essa gente mais simples, porque é o povo simples que você trabalha mais. Mas foi bom mesmo. Infelizmente eu perdi. Perdi por bobeira, sabe? Depois que você acorda. O material vinha direto das fábricas. Tinha a Cecrisa - tinha várias fábricas -, cimento era da Votoram. Não é que nem hoje, que tem um monte de qualidade de cimento, de cal. Tinha material elétrico, tinha, por exemplo, azulejo - Cecrisa - vários tipos de azulejo. Que hoje tem milhões de tipos. Tinha por exemplo, a Deca, que existe até hoje, que é ferragem, são metais. Tem a Deca. Também tinha firmas muito boas na época. O material chegava por caminhão, mesmo. Era comprado com o viajante, era transportado. Toda a vida foi com transportadora. TRANSPORTE Já tinha começado a Dutra. Tinha uma via, mas já tinha começado a Dutra. Quando a gente casou, já tinha a Dutra. Estava começando. Até quando eu aprendi a dirigir - eu não sabia dirigir na época, foi meu marido que me ensinou - já era mais adulta, já estava com trinta e lá... E era uma via só. E ele me punha para dirigir na Dutra. Um dia ele falou para mim: “Você vai dirigir”. Eu falei: “Mas Nilo, como? Eu não sei”. Eu andava um pouquinho na cidade, então quando vinha um ônibus assim, um caminhão, eu me encolhia, assim. Que era uma pista só. Aí começaram a Dutra. Mas aí já era outro sistema de transporte. Porque você, por exemplo, fazia uma compra, lotava um caminhão de privada, de lavatório, essas coisas, então vinha um caminhão. Era transportado assim. Azulejo também, você comprava, conexões, tubos de plástico - tinha de ferro, depois veio o plástico - , que é para fazer a tubulação da casa. Material elétrico, tinha viajante que vendia. Era tudo assim, por transporte mesmo, de caminhão. Até hoje é assim. COMÉRCIO A loja era na Silva Barros, onde que é a Bahia hoje. Era desse meu tio, o prédio: “Não, vocês vão lá, abre lá”. A gente alugava dele. E a gente comprava portas, veneziana, vitrô, tudo isso. Mas já vinha assim: você comprava era um caminhão. Então vinha um caminhão de portas e venezianas. Então, às vezes, a própria fábrica tinha e transportava, trazia para você. Por exemplo, vitrôs também, você já comprava assim um tanto, que era a fábrica que trazia. Às vezes tinha os próprios. E a gente fazia entrega também: meu marido tinha a caminhonete que ele fazia entrega. No começo ele não cobrava carreto, então chegava o freguês, comprava, morava na Vila São José; quando tinha uma determinada quantia, ele levava para lá. Morava lá na Independência, então você levava para lá. No começo era uma “chimbiquinha” que ele tinha. Sabe o que é uma “chimbiquinha”? Aquela caminhonetinha. Era daquela que a gente tinha. Depois ele comprou uma maior, uma F-350. Chegou até a comprar uma F-5000, que era um caminhão grande. Quando era até F-350, eu dirigia. Depois, aí, o outro, já não dirigia mais. E a gente fazia entrega. Entreguei muito. Nossa, quando eu fiquei viúva, eu saía de caminhão. Eu tinha o chofer, mas quando não tinha quem levasse, eu levava. Tinha que trabalhar. Tinha quatro boquinhas lá, esperando. Os fregueses eram da cidade e da roça. A gente vendia pra todo mundo, era diversificado. E não tinha tanta loja que nem hoje, que tem essas lojas superfinas. Tinha, por exemplo, a minha; tinha a do Moacir Freire; tinha o Pena, que eram firmas antigas de Taubaté. Aí veio um senhor, o seu Mendes, que montou. Quer dizer, não tinha esse tumulto que tem, essas lojas chiquérrimas, que nem tem em São José, a Dicico, essas lojas que são monstruosas. Naquela época, não existia isso. Então, era fácil de você vender e trabalhar, não era, assim, uma maravilha, mas a gente vendia bem. Cimento, por exemplo: hoje tem duzentas, não sei quantas marcas de cimento. Naquela época era só Votorantin. Uma época, o cimento foi racionado. Então, como o Nilo trabalhou na Cipropar, ele era amigo do pai do Ermírio de Moraes, ele conheceu. Ele foi lá em São Paulo, foi, conversou e ele forneceu cimento pra gente. CIDADES Taubaté Aumentou bem Taubaté, por causa das fábricas. Veio a Volks, veio a Mecânica Pesada. Foi na época do Juscelino Kubitschek que aumentou mesmo. Eu acho, na minha opinião, que quando o Juscelino foi presidente, que ele deu vazão à construção de fábricas que nem da Volks, Mecânica Pesada. Então o povo teve mais acesso, mais dinheiro, mais trabalho. O que não está acontecendo muito hoje, mas desenvolveu bastante. As construções das fábricas foi o que deu mais crescimento, a cidade aumentou. E o comércio mudou. Mudou muito. Você ganhando mais, você gasta mais, não é verdade? Você ganhando menos, você gasta menos. Mas evoluiu bastante, o comércio. Mesmo na época que a gente tinha depósito: era uma beleza, porque todo mundo ganhava bem, comprava um terreninho e construía. Você vê, muita gente tem a sua casa própria; hoje é difícil, tem muita casa de aluguel, hoje está mais difícil a pessoa comprar e construir. Mas no tempo do Juscelino foi uma maravilha, foi o que aumentou o movimento de Taubaté, aumentou Taubaté. Não como São José: São José [cresceu] por causa da Embraer, de mais fábricas, mais acesso. Mas o comércio melhorou bem. Eu acho que foi ótimo. COMÉRCIO Muita gente comprava fiado, poucos. Quando o Nilo morreu... O Nilo era muito bonachão, dava assim, vendia pra pagar depois, porque não tinha esse negócio de cheque. Estava começando esse negócio de cheque pré-datado. Tinha, quando o Nilo morreu, uns viajantes legais. Aí veio um e falou para mim: “Elza...” - tinha a Lojicred, era uma financeira que chamava Lojicred, ela era estabelecida em São José -, ele chegou e falou pra mim: “Elza, por que você não vai lá e eles financiam?”. Por exemplo, você vinha no meu depósito e comprava a prazo, então eu passava pra eles, em quinze dias eles me pagavam, ou em um mês, num prazo de trinta dias, por exemplo. Eu vendia assim para o povo, pela Lojicred. Eles mandaram uma moça, a Léa - que até é uma amiga minha, que ficou sendo amiga - pra fazer os pedidos, então ela se pronunciava. Eu vendia a crédito nesse sistema, comecei vender. E também deixava uns - eu perdi porque, independente deles, ficaram uns e esse uns me deram prejuízo, que eu tive de passar o depósito. O povo ia lá e comprava, um comprava um tanto, outro, outro tanto. E essa funcionária da Lojicred, que é [que] nem essas financeiras que tem hoje, ficava na loja. Eu pegava os pedidos, ela então que telefonava lá, pegava o SPC [Serviço de Proteção ao Crédito], via se o freguês era bom ou não era e passava pra Lojicred. No começo eram quinze dias, eles me pagavam. Por exemplo, eu vendia um tanto, 5 mil reais, vamos supor, então depois de quinze dias eles me passavam os 5 mil. Tinha um jurinho pequeno. Eu não pagava nada, quem pagava era o freguês. Então, era financiado por eles. Eu comprei de você: eu fiquei devendo para a Lojicred, eu ia pagar para a Lojicred. E a Lojicred me pagava, pagava pra você o que eu comprei, a quantia que fosse, eles me pagavam integral. No começo era de quinze em quinze dias, depois passou de vinte em vinte dias. Então a cada quinze dias eu pegava toda aquela venda da Lojicred e levava pra eles, e depois de quinze dias eles me repunham o dinheiro. Eu que comecei com esse sistema, porque um viajante que era amigo da gente me falou. Depois as outras pessoas começaram a fazer, mas eu acho que fui a primeira a fazer aqui em Taubaté, porque não tinha financeira. Hoje tem mil financeiras. Você vai, financia, você compra. Eles emprestam o dinheiro. Mas naquela época era diferente, eles que pegavam os fregueses para eles, eu não ficava devendo pra você, eu ficava devendo pra Lojicred, entendeu? Comprava financiado pela Lojicred, aí eu só pagava pela Lojicred. Não existia cartão de crédito. Cartão de crédito é há pouco tempo que existe, nem sei quanto tempo. O Nilo faleceu em 69. Essa história da Lojicred é mais ou menos em 70, 72. Sete, oito anos, eu ainda fiquei com a loja. E aí começou o sistema de financeira, quer dizer, é um tipo de financeira. Só que o freguês ficava devendo pra eles. E era bom porque o SPC sempre existiu, e eles consultavam. Às vezes, o freguês não comprava porque tinha... O mais interessante um dia, foi uma senhora muito conhecida minha - para você ver o que funciona uma financeira, eu vou contar pra você - e ela fez um pedido, mas quem ia pagar era o genro dela, o filho, não lembro, na época, então os dados eram dele. Aí a Léa, que chamava a mocinha que trabalhava comigo, que estava na escrivaninha assim sentada, ligou para a Lojicred, deu os dados dele tudo, e daqui a pouco ela começou a ficar vermelha. Falei: “O que será que está acontecendo?”. Você acredita que ele devia lá no Nordeste e ele não pode fazer a compra, porque ele deve ter morado lá. E era gente de bem, não era qualquer um, entendeu? Eu não lembro se era filho ou genro dela, acho que era genro dela, era até formado não sei no quê, agora eu não me lembro, que faz tantos anos. E você acredita que não pode ser feita a venda porque ele devia lá no Nordeste? Não tinha como, porque ele devia no SPC, quer dizer, o SPC sempre funcionou, desde aquela época, o que é uma boa. Essa semana, por exemplo, foram duas pessoas que deviam pra minha prima pagar, porque o nome está no SPC, então tem que pagar pra tirar o nome do SPC. Pouca mulher comprava, pouca mulher, mas ia. E todo mundo, todos viajantes admiravam de eu trabalhar na loja com ele. Tinha viajante assim: “Mas mulher não trabalha em material de construção”. “Mas é do meu marido, o trabalho.” Porque no começo foi difícil, porque a gente não tinha muito capital, tinha dois empregados. Um dia um empregado não veio - e ele vendia e fazia as entregas. Era pequenininho, era coisinha pequena assim, de começo. Eu tinha tido meu filho, esse que é médico. Aí ele falou, foi almoçar e falou, que ele me chamava de minha velha: “Minha velha, estou precisando fazer entrega e não posso”. Falei: “Então, vou lá”. Eu tinha uma moça que trabalhava comigo, muito boa, eu falei pra ela: “Você fica tomando conta e na hora de dar de mamar, eu venho aqui em casa”. Eu morava perto e você acredita, menina, que daí eu comecei a trabalhar com ele? Porque eu senti que tinha que dar um auxílio, eu pus gente pra cuidar lá em casa, tinha a moça que trabalhava comigo, pus mais uma menina pra ajudar a tomar conta, porque eu estava com quatro filhos, já tinha os quatro, aí que eu comecei a trabalhar. Tudo quanto era viajante chegava e dizia assim: “Mas mulher trabalhando em material de construção?”. Hoje é normal as mulheres trabalhando em material de construção, mas naquela época não trabalhava. E eles me respeitavam. Lógico, toda a vida, mesmo depois que ele faleceu, eram todos amigos. Era gente muito fina, os viajantes, gente muito boa. A gente se dava ao respeito também. E a gente aprende. Esse dia que eu fui pra tomar conta, tinha um monte de portas, a gente comprava porta já montada, coisa barata. Então ele chegou e disse assim pra mim: “Ah, essa aqui é de cedro”. Eu olhava pra ela. “Essa aqui é pinho. Aqui é imbuia”. Eu fiquei olhando pra ela, era uma conhecida, eu disse: “Você quer que eu fale a verdade? Eu sei que existe cedro, imbuia, pau-brasil, pinho, mas eu não conheço a madeira, eu não sei o que é isso aqui”. Eu não sabia mesmo. A gente passa apertado na vida, eu não sabia. Aí depois quando o Nilo chegou, eu falei: “Bem, qual que é a imbuia?”. “Imbuia é essa aqui, cedro é essa, pinho é essa.” Eles conheciam porque toda a vida trabalhou com material de construção. Conexões então, esse negócio de encanamento, luva, nível, essas coisas, joelho Era assim, era um achado. Mas você vai trabalhando, você vai aprendendo. A gente foi criada em comércio, então você tem facilidade de aprender. Aquilo para mim foi fácil. Até encanamento eu sabia fazer. Material elétrico eu sempre tive medo de mexer, mas encanamento eu até ensinava a turma a fazer, agora material elétrico eu nunca gostei de mexer. Aí você vai aprendendo, é fácil, não é difícil. AVALIAÇÃO Comércio Eu acho que quem é comerciante vende qualquer coisa. Eu nunca achei dificuldade, porque até lanchonete, restaurantes eu tive que pôr. Conforme o toque, eu dançava, eu precisava criar meus filhos. Não dava certo uma coisa, eu fazia outra, não dava certo a outra, eu partia pra outra. Não foi fácil. FAMÍLIA Meus filhos são Nilo, Elisabete, Márcia e Evelin. Por exemplo, a Márcia fez odonto em Volta Redonda, que aqui não tinha, ela prestou em São José e não passou. Então, tinha em São José, Mogi, ela fez inscrição em Volta Redonda. Quando ela ia fazer em Mogi, veio o resultado de Volta Redonda, que ela tinha passado, falei: “Minha filha, longe por longe”. Eu tinha ido para Mogi, estavam fazendo a Dutra aquela época, arrumando umas estradas, eu achei horrível Mogi da Cruzes, porque quando a gente ia pra São Paulo, você passava no meio da cidade, é diferente, a estrada antiga você passava no meio. Eu achei horrível. Eu falei: “Minha filha, você já passou, vamos fazer inscrição lá”. E depois o Nilinho fez em Vassouras e passou, tanto que ele mora em Vassouras. Ele fez medicina e se formou, porque lá é por período, junho e dezembro, ele se formou em junho, no meio do ano. Normalmente, medicina eles logo fazem a formatura porque tem a residência, mas residência no meio do ano você não faz. Mas tinha uns professores que gostavam dele: “Ah, não. Você fica por aqui, você faz residência”. E ele acabou ficando lá, morando lá. Ele mora em Vassouras. Não foi fácil. A Evelin fez arquitetura e a outra minha filha mais velha também é arquiteta. Ninguém foi para o comércio, ninguém gosta de comércio lá em casa. A minha mais velha não tem nem jeito de trabalhar em comércio. A Evelin é astuta: ela sai, pega e faz. Meu filho também, numa época em que ele ainda estava decidindo o que ia fazer, que ele estava estudando, estava no ginásio, ele ia lá e brigava com os fregueses. Porque os fregueses iam não sei o quê, não sei o quê... Um dia ele chamou e eu falei: “Nilo, você não pode ser assim”. Falei bem: “Você não dá para o comércio”. Ele não dava mesmo, então ele fez medicina, prestou vestibular. Foi bom, porque graças a Deus ele está bem. CIDADES Taubaté Lembro também da Casa Demétrio; a Casa São José, que são dos meus amigos que era tecidos; tinha a Casa Cabral, que era onde tem a catedral, era ali mais no centro, era mais chique, a Casa Cabral era chiquérrima; e tinha a Casa Demétrio, na esquina onde a minha prima tem loja; tinha uma loja também de tecidos. Essa Casa Cabral também era de tecidos, era chique, só vendia tecidos finos. Meu pai não, meu pai vendia assim, tecido de algodão, tinha um que chamava arranca-toco, era um brim listrado, chamado arranca-toco. Era um brim duro mesmo, que a turma, os roceiros compravam pra fazer calça, pra trabalhar na roça. Tinha um listradinho que vinha de Itajubá, que a fábrica ficava em Itajubá. Muita coisa, nossa Muita vida, 77 anos. FAMÍLIA Tenho quatro netos, tenho três filhas e um filho, tenho três netas e um neto. Tenho três porque vieram gêmeos, a segundinha da minha filha foram gêmeas. Já estão com 21 anos. AVALIAÇÃO Comércio Comércio é oportunidade. Hoje, você tem que ter um capital muito bom para você montar um comércio, se você não tiver capital não tem jeito, é muita coisa. Então, tem que ter dinheiro. Eu acho que o comércio hoje é mais fácil. É mais fácil porque você encontra de tudo, onde você quer, a hora que você quer. E tem facilidade também. Eu acho que hoje o comerciante, o dono de loja tem que dar mais assistência aos fregueses, porque existe muita concorrência. Então o dono, o proprietário, porque às vezes são firmas enormes, por exemplo, tem Lojão, Pernambucanas. Que a Pernambucanas, quantos mil anos tem? Quando meu pai tinha loja, já existia Pernambucanas. Teve um gerente da Pernambucanas que fazia concorrência com o meu pai, que a loja dele era lá, a do meu pai era aqui. Então os dois brigavam: ele punha um preço na loja, meu pai abaixava, ele punha outro preço, até que ele parava porque ele tinha patrão e o papai não tinha, você entende? Hoje já não existe, eu acho, tanta rivalidade, existe um pouco, mas quando tem muito comércio, não existe rivalidade. Você pode fazer uma liquidação, às vezes. Mesmo em supermercado, tem dias que eles põem um produto que está lá em cima lá embaixo, que é pra concorrência de outro. Mas, eu acho que não existe muita diferença, porque hoje o freguês, o consumidor procura. Quando você vai comprar alguma coisa, que você diz: “Não, eu vou ver em tal lugar quanto é que é, quanto que não é”. Porque existe diferença de preço. Antigamente, não procurava: chegava e comprava. Não tinha essa concorrência, dizer assim: “Lá é mais barato, aqui não”. Tinha qualidade. Nos shoppings, as lojas de tecido têm coisas finas, boas. Então você vai por um determinado... Se até a minha vista tivesse boa e eu tivesse dinheiro, eu faria isso: uma loja no shopping. O segredo é ter um estoque menor de coisas de ocasião. Por exemplo: crepes, umas sedas bonitas, uns estampados bonitos, uns tipos de linho - hoje não tem linho porque a Braspérola fechou - uns tecidos, assim, da moda. Por exemplo: agora está usando calça listrada. Então você vai lá e compra o tecido da moda: é listrado que está usando, então nós vamos comprar listrado e vender listrado, porque sua loja é pequena. Mas você não precisa de pôr muito artigo, você tem um capital X, então você vende a modinha, você entende? Como as butiques vendem modinha, essas butiques mais baratas vendem modinha, você põe na sua loja a modinha. Por exemplo, é viscose que usa, é estampado, é o listrado que está usando agora, é não sei o quê. Então você vai comprar o pano atualizado, então você vai vender só moda, você entendeu? Você não precisa ter mil artigos na loja, e num shopping eu acho que é ideal. RELAÇÃO COM O COMÉRCIO Eu gosto, adoro fazer compras. Gosto de comprar tudo. Quando o papai mudou pra São Paulo, o papai comprava tudo e punha em casa, aí quando ele tinha que ir pra fábrica de manhã eu comecei a fazer as vezes da casa e comprar tudo, sabe? Saía com a minha mãe para fazer compras de casa. Então depois eu tive loja, eu adoro comprar. Toda a vida eu saí pra comprar, fazer mercado, supermercado, comprar pra casa, comprar roupa. Eu já vendi roupa: eu ia pra Petrópolis comprar roupa de cada quinze dias, às vezes eu ia, porque meu capital era pequeno, eu vendia lá para comprar mais, você entendeu? Adoro, é gostoso. Agora, com a minha idade, assim, o meu pique não dá. Mas, que é gostoso, é gostoso. Acho que não tem nada que eu não gosto de comprar. Acho que não, tem muita coisa que eu não gosto de fazer: passar roupa, arrumar a mesa... Eu acho que gosto de comprar de tudo. Tem que ter dinheiro só. FAMÍLIA Mamãe não falava em árabe com a gente, eu sempre pedia pra ela falar. Eu comecei a aprender alguma coisa em árabe quando meu pai mudou para São Paulo, e as famílias lá ensinavam. É igual japonês: antes de ensinar o português, ensina o filho falar japonês. E os árabes em São Paulo, todos os filhos de árabe, da colônia lá, falavam. Então eu comecei a sofrer porque eu não sabia, mamãe nunca conversou, e apesar de que ela veio do Líbano. Tinha que falar. Agora, o papai falava muito mal, mas falava alguma coisa e entendia - mas a gente não. Eles nunca falaram com a gente, mamãe nunca falou em árabe. Essas bobaginhas que até você aprende, a gente falava. Agora, quando nós mudamos para São Paulo eu padeci. Porque, às vezes, aquelas senhoras encontravam com a gente, falavam em árabe, eu ficava olhando assim, daqui pouquinho ela lembrava e falava... Aí eu comecei a aprender alguma coisa. Mas falar praticamente não, nunca mamãe falou com a gente. Nem meus irmãos: são piores que eu. Eu ainda entendo alguma coisa, mas eles não entendem nada. AVALIAÇÃO Trajetória de vida A minha vida foi meio difícil porque fiquei viúva logo cedo. Eu sou feliz porque eu tenho meus filhos todos formados, ótimos filhos, meus netos também. Então, eu não posso reclamar de nada. AVALIAÇÃO Comércio Lições do comércio? O comércio é bom. Dei educação aos meus filhos. Atualmente eu ajudo meus netos, meus filhos, porque meu pai quando faleceu deixou uma renda, que estou usufruindo dela. Sou feliz porque eu tenho meus filhos felizes, bons filhos, minhas netas são ótimas. A gente, como diz o ditado: “você planta bons frutos e colhe bons frutos”. Então, graças a Deus eu consegui, e foi a minha família também, tudo gente muito boa. Meus irmãos, meu irmão lá em Ubatuba é super católico - se você tiver oportunidade de ir pra Ubatuba, você pode ir lá, que você vai aprender muita coisa boa com ele - , esse meu irmão que mora em São Paulo também, minha cunhada, meus netos. A gente é uma família feliz, eu acho, que a gente se dá bem, não tem inimizade nenhuma. Quando meu pai e a minha mãe morreram, eu chamei e disse: “Olha, gente. Nós somos só três e vamos viver felizes”. Eu acho - não tive assim, por exemplo, um prazer de viajar, fazer viagens que nem a minha prima faz, vai para a Europa, vai para os Estados Unidos, infelizmente nunca deu para eu fazer esse tipo... Conheço tudo porque eu lia muito, agora que eu não estou podendo ler, assisto muita televisão, mas assim de desfrutar passeios não tive. Mas sou feliz porque tenho meus filhos felizes. Estou com 77 anos, não está bom? Está bom demais
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