Projeto: Vale Memória
Depoimento de Mário Borgonovi
Entrevistado por Paula Ribeiro e José Carlos
Rio de janeiro, 25/09/2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: CVRD_HV110
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Boa tarde.
R –...Continuar leitura
Projeto: Vale Memória
Depoimento de Mário Borgonovi
Entrevistado por Paula Ribeiro e José Carlos
Rio de janeiro, 25/09/2001
Realização: Museu da Pessoa
Entrevista número: CVRD_HV110
Transcrito por Maria da Conceição Amaral da Silva
Revisado por Luiza Gallo Favareto
P/1 – Boa tarde.
R – Boa tarde.
P/2 -
Eu gostaria de começar
o nosso depoimento pedindo que o senhor nos dê o seu nome completo, local e data de nascimento por favor.
R – Mário Borgonovi. Dezoito do um de 1914. Campinas, estado de São Paulo.
P/1 – Seus pais, o nome deles por favor.
R – Meu pai, Aleramo Borgonovi, e minha mãe Raquel Borgonovi. Papai é imigrante. Veio de Mântua, da Itália e mamãe de Milão. E eles chegaram aqui no Brasil em 1888. Foi exatamente o ano da abolição da escravidão.
Foi uma odisséia. Porque chegaram em Santos e de Santos tiveram que passar, subir a Serra do Mar. E subia naquele tempo em carro de boi. Então eles levaram um mês para subir de Santos, isso conta a minha avó. Levaram um mês para ir de Santos à São Paulo. E de São Paulo eles foram à Descalvado. No interior de São Paulo, uma fazenda. Chamava Bijuba. E aí eles se instalaram, a parte de papai e a parte de mamãe.
P/2 -
A família já se conhecia lá na Itália ou não?
R – Não, eu ______ que
esse detalhe eu não sei. Mas eu sei que eles foram para a mesma fazenda e papai acabou casando com mamãe. Ela, quando chegou aqui ela era criança de colo. Ele casou muito cedo. Papai e mamãe. Mamãe parece que casou com treze anos e papai com 23 ou 24 anos. Uma coisa parecida com isso. Ai papai foi um grande marceneiro. Uma coisa interessante de papai que é bom falar é que ele indo para Campinas, foi trabalhar em uma Companhia Campineira de Tração, Luz e Força. Era uma empresa, e essa empresa lá de Campinas era responsável pelo transporte urbano. Então papai fazia os bondes. E eu era criança e ia levar o lanche para ele. Então eu admirava papai fazer aqueles desenhos. Ele era um bom desenhista. E eu via o bonde se formando. Vinha às _________ naquela oficina. E eles iam compondo o bonde até o final. Até sair pronto o bonde.
P/2 -
E era de madeira? O bonde era todo de madeira?
R – Esse bonde, engraçado, tem um bonde desse que papai fez em exposição em Piracicaba. Veja que coisa gozada. E eu ia para a escola de bonde, que papai que fez.
P/1 – Em relação a seus avós, o senhor conheceu seus avós?
R – Papai, o meu avô por lado de papai era Primo Borgonovi e a minha avó Maria Borgonovi. E ele também era um grande marceneiro. E eles é que foram lá para Descalvado. Depois da fazenda ele veio para a cidade. Aí ele parece que montou uma oficina lá e começou a se desenvolver. Mas o interessante é falar da fazenda de café daquele tempo. Fazenda de café era uma coisa interessante porque tinha tudo na fazenda. Eles até diziam que na fazenda só entrava o sal. Porque tinha selaria, tinha marcenaria, tinha tudo. Fazia tudo na fazenda. O meu avô foi para a fazenda para ser marceneiro. Fazia os móveis lá da fazenda tudinho. Isso é interessante, o negócio da fazenda. Depois foi evoluindo naturalmente e a fazenda de café praticamente acabou. Abandonaram as fazendas. Aí mamãe que era uma mulher muito interessante, porque ela queria educar os filhos. E em Descalvado, que era onde eles passaram a morar não tinha muito recurso aquele tempo. Então ela quis ir para Campinas porque lá tinha recurso, tinha escolas. Daí, por isso é que eu nasci em Campinas. Meus dois irmãos mais velhos nasceram em Descalvado. Foi uma chamada Tereza e o Arnaldo. Depois os outros todos já nasceram em Campinas. E dos meus irmãos todos, como nós éramos filhos de operário, papai tinha uma vida difícil. Eu me lembro que o ordenado de papai era só em níqueis. Vinha um envelope, esse envelope papel pardo, forte. Ele trazia aquele dinheiro _______ e começava a dividir de acordo com as despesas da casa. E a nossa vida era uma vida difícil. Meu irmão mais velho começou a trabalhar cedo, não pode estudar. Eu que fui o primeiro a estudar. E a minha irmã mais nova do que eu. Eu me formei em Agronomia e minha irmã, professora. Mais ou menos a família é isso aí.
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Quantos irmãos ao todo Mario?
R – São nove, só que um morreu prematuramente. Ainda era bebê [quando] ele morreu. Era Tereza, Arnaldo, Paula, Olga, Palmira, eu, Maria de Lurdes e José. E o Próspero que morreu. Eram nove. Família grande.
P/2 -
Como era um pouco essa casa?
R – Era uma família... Era uma luta porque o ordenado de papai era pouco. Apesar dele ser um operário classificado, ele era chefe da oficina, ele
ganhava, = se não me engano era duzentos reais. Duzentos réis. Naquele tempo era réis. E era uma coisa, mal dava para pagar aluguel de casa e as coisas importantes lá da família. Então logo meus irmãos mais velhos começaram a trabalhar para sustentar a casa. Eu também comecei a trabalhar muito cedo. Mas eu trabalhava e estudava. Com muito sacrifício, mas consegui fazer isso.
P/2 -
Como era a casa da família, seu Mario, lá em Campinas? Como era essa casa? Um pouco fisicamente e o convívio.
R – Não, a casa fisicamente tinha uma entrada e um corredor. E tinha as entradas para um primeiro quarto, depois entrada para uma sala. Depois virava e tinha um quintal, tinha uma escada que entrava pela cozinha. Quer dizer, nós tínhamos dois quartos, uma sala e a cozinha. Só. Inclusive o banho nós tomávamos no tanque lá no quintal. E tinha o que a gente chamava de casinha, naquele tempo. É essa a casa de operário, né?
P/1 – Como era a vizinhança? Quem eram os vizinhos, como era o bairro?
R – Eram todos operários, entendeu? Porque aquilo era uma espécie de uma vila operária. Tinha os operários dessa Companhia Campineira de Tração, Luz e Força e tinha os operários da Companhia Mogiana. Então era uma espécie de uma colônia grande de operários, só. Que eu me lembro tinha médico e tinha... Perto também tinha uma casa grande que era de um fazendeiro. Esse bairro. Hoje aquilo... Hoje é o centro de Campinas onde eu morava.
P/1 – Como chamava
o bairro?
R – Olha, o bairro era... Não tinha nome o bairro, porque era cidade de Campinas. Era muito pequeno. Não tinha nome, não tinha nome de bairro.
P/2 -
E aí dentro de casa, Seu Mário? Como era um pouco seu pai? Quem exercia mais autoridade? Como era dentro de casa?
R – Não, quem tinha liderança maior era mamãe. Papai era um bonachão. Era um homem espetacular, tinha uma cabeça fantástica. E ele era músico, inclusive. Grande músico. Tocava clarineta. E na cãs quem liderava era mamãe. Mamãe pegava o dinheiro lá, deixava um pouquinho para o papai (risos). E o resto ela fazia a vida da casa. E depois os meus irmãos começaram a ganhar e aí a vida começou a melhorar um pouquinho, mas nós ficamos em uma casa... Na primeira casa que a gente morava, eu me lembro, era na Rua Benjamin Constant, número 198. No comecinho da rua, ________. Era a rua mais comprida de Campinas. E essa casa, moramos lá até o... Fiquei até a idade de dez ou doze anos. O curso primário. Aliás, o meu curso primário foi um curso muito complicado, porque eu não parava muito na escola. Mudava porque não podia comprar isso, não podia comprar aquilo. Mamãe também __________, por qualquer motivo eu estava mudando de escola. Então eu me formei no curso primário com, parece que onze anos. Perdi um ano. Dessa mudançaiada toda aí. Aí eu fiz o exame, chamava-se exame... Para poder entrar no ginásio, uma espécie de um...
P/2 -
Admissional.
R - Mini vestibular, não sei. Como é que chamava?
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Admissão, não era?
R – Seleção. Admissão.
P/2 -
Admissão.
R – Exame de Admissão, que era difícil também. Aí fiz o Exame de Admissão, entrei no ginásio. E aí eu comecei a frequentar o ginásio e trabalhava com o meu cunhado, comecei a aprender até a fazer escrita. O curso era… Autodidata. Eu me lembro que tinha partida dobrada, aquele negócio de escrita de firma. Eu precisei estudar aquilo para poder fazer a escrita dele. Mas eu consegui me livrar bem daquele negócio. Com muito sacrifício, mas deu para me formar. Aí eu fiz o vestibular para a Universidade de São Paulo, para Agronomia que era em Piracicaba. O setor de Agronomia da Universidade era em Piracicaba. Eu já tinha uma certa... Tinha sempre tendência para essa parte rural. Eu gostava. Então fiz vestibular e entrei. Aí fiz o curso superior em Piracicaba.
P/1 – Seu Mário...
P/2 -
Vamos voltar um pouquinho, Seu Mário.
P/1 – É (risos).
R – É eu já ____________ demais, né?
P/1 – (risos) Eu queria, gostaria de saber, em relação às tradições italianas, o que vocês mantinham em casa em termos de comida ou música?
R – Ah, tinha. Isso era interessante. Porque mamãe era uma grande cozinheira, sabe? Todo italiano gosta de comida...
P/1 – Comer, né?
R – Então imagina, era muito comum domingo, fazia aquela macarronada. Depois quando a família foi crescendo, casaram, vieram os netos e tal. Então fazia reuniões lá em casa e era muito bom. Eu me lembro que no fim do ano que era a melhor festa. Todo mundo reunia lá: papai, mamãe e netos e tal. Era uma festa muito boa. Agora o que era notável era o meu irmão Arnaldo, que até hoje é vivo. Ele está com 97 anos, mas está inteiríssimo ainda. Um sujeito alto. Sempre foi muito bonito. Foi o homem mais elegante de Campinas. Ele teve um privilégio, porque como ele começou a ganhar cedo, e ele então ficou mais ou menos privilegiado dentro de casa, porque ele trazia o dinheiro. Então imagine você, ele tinha a Tereza que era a mais velha e sempre auxiliava na roupa. Fazia, era uma grande costureira, fazia as camisas dele, que ele sempre andava impecável. Primeiro ele trabalhou em uma loja de ferragem. Depois ele foi para um serviço do governo e começou a trabalhar em sericicultura. Sabe o que é sericicultura?
P/1, P/2 -
Não.
R – Sericicultura é a parte de, vamos dizer, exploração do bicho-de-seda. Quer dizer, você faz a criação do bicho-de-seda, vem o casulo. Do casulo você faz o fio, e do fio vai e faz os tecidos de seda. Isso tudo é uma técnica que ele também aprendeu como autodidata. Mas ficou um grande técnico, ele escreveu um trabalho sobre isso. Mas então ele era mais ou menos privilegiado dentro de casa. Ele tinha cozinheira muito boa (risos). Tinha as irmãs que cuidavam da roupa dele com todo esmero. E ele por si só já era um homem muito elegante. Então ele era o melhor, o maior partido de Campinas.
P/1 – (risos).
R – Esse foi o caso de meu irmão. Agora dos outros irmãos, o que eu posso dizer, a Paula também foi uma moça muito prendada. Pintava muito bem. Ela era muito caprichosa. E também era uma grande cozinheira, fazia cada prato formidável. A Olga que era depois vinha abaixo, essa não tinha assim grandes predicados, mas era muito alegre. Alegrava a casa. Depois da Olga vinha a Palmira, que essa era mais ligada a mim, nós éramos mais ou menos na mesma idade, então nós vivíamos juntos. Depois abaixo vinha a Maria de Lurdes, se formou professora. Depois o Zé. O José que ficou funcionário público. Esse também não, era bon-vivant. Mais ou menos a família era isso aí.
P/1 - Mas como vocês se distribuíam em casa? Uma família tão grande em uma casa...
R – Tão pequena, né?
P/1 - ...pequena, simples.
R – Pois é, eu me lembro que no meu quarto dormíamos, ___________, dormia eu – nós éramos pequenos – dormia eu, a minha irmã e o meu menor, o menor. No outro quarto... Eram dois quartos, como era mesmo? Não, eram três quartos. Depois a Paula, a Tereza e o Arnaldo, eles moravam no quarto do meio e papai e mamãe moravam no outro. Eram três quartos e uma sala. O que eu poderia dizer mais _________
P/1 – As brincadeiras, de que vocês brincavam?
R – As brincadeiras. Brincadeiras nós saíamos na rua, era aquela criançada, né?
P/1 – (risos).
R – Tinha as brincadeiras de jogar futebol, as meninas jogavam mais amarelinha. É, a Paula, a minha irmã, a Paula era muito habilidosa ela jogava bilboquê. Sabe aquela coisa de bilboquê? Jogava alto aquilo e pegava outra vez.
P/1 - _______________
R – Ela era uma craque naquele negócio.
P/2 -
O que é isso?
P/1 – É...
R – Bilboquê.
P/2 -
Como é que... Não...
P/1 – São...
R – Não, bilboquê, não.
P/1 – Não...
R – Bilboquê é aquele que vira assim. É uma espécie de um carretel de, de...
P/1 – São dois carretéis, aí joga para cima...
R - ...um carretel de madeira e você tem um cordão preso em duas hastes. Então você faz assim e o carretel gira. Aí ela jogava para o alto, aquilo virava lá em cima. Quando caía ela pegava outra vez. Ela tinha uma habilidade fabulosa. Outra coisa, o meu irmão tinha uma bicicleta. Isso era, eu adorava, queria andar de bicicleta, era pequenininho. Mas ele não deixava não. Era uma das minhas frustrações. (risos). Enfim era uma família de operário, que fazia as coisas de operário lá no _____ de Campinas, né?
P/1 – E no...
P/2 -
Muita religiosidade em casa?
R – Ah, tinha. Mamãe era religiosa e nos obrigava a ir no catecismo, ir na missa. Tinha isso sim. Agora papai não. Papai nunca acreditou muito em religião não. Ele era ateu. E ele era um bon-vivant. Tinha uma cabeça. Era um filósofo danado. Mamãe se esbravejava, ele nem ligava. Ele chegava tarde quando ele vinha da oficina. Eu me lembro que ele se lavava. Nem banho __________ de se tomar. O banho era uma vez por semana (risos). Uma vez por semana. E ele jantava, nós jantávamos porque tinha todo mundo na mesma mesa, nem era cadeira, era banco. Bom, depois do jantar ele ia para a sala e todos nós ficávamos na sala. Nós ficamos conversando e ele pegava o Fanfulla, que era um jornal italiano.
P/2 - Jornal italiano.
R – E eu me lembro que ele ficava lendo do Fanfulla. Todo mundo conversando e ele lendo o Fanfulla (risos). De vez em quando ele dava um palpite. “Ah, aconteceu isso na Itália, não sei o quê.” Comentava o que teria acontecido na Itália.
P/1 – Eles falavam italiano em casa?
R – Não, eles... Falava vamos dizer, trinta por cento italiano, setenta por cento português. Agora, quando vinha as visitas, os amigos de papai da Itália, aí eles falavam mais italiano do que português. Mas todos nós acabamos aprendendo a falar italiano, né? Isso foi uma coisa boa.
P/1 – E política. Seu pai discutia política? Conversava sobre política?
R – Política. Ele gostava muito. Falava muito. Gostava. Ele estava muito atualizado. Ele estava sempre muito atualizado com a situação da Itália. Porque ele como bom italiano se interessava pelas coisas da Itália, né? Aquela, aquela, apesar de ele ter saído menino de lá da Itália ele se lembrava muito bem da Itália. E durante todo tempo ele acompanhava, porque a colônia italiana em Campinas recebia todo dia o jornal Fanfulla. E eles se reuniam e conversavam a respeito da Itália e tal. Estavam sempre a par das coisas da Itália.
P/1 – Tinham outros italianos? Vocês conviviam com outros italianos?
R – Tinha outros italianos ali nas nossas vizinhanças. E eram também operários que nem papai. E papai quando chegava sábado ele pegava a clarineta dele e saía. Às vezes, ele tocava em uma banda lá que chamava-se Banda Ítalo. Ele era o primeiro clarinete da Banda Ítalo. Mas às vezes em vez de ir à banda ele ia à bailes. Ele era festeiro, gostava. Era vaidoso. Ia se divertir. Essa era a vida de papai. Ele era um homem espetacular. Gostava muito de papai, viu? Eu, era interessante porque eu tinha o quê? Uns seis, sete anos se tanto, e morava perto da oficina. Então quando chegava às três horas eu já tinha saído da escola. Eu ia cedo na escola. As três horas da tarde mamãe mandava eu levar o lanche para papai. Então eu me lembro que eu levava um bulezinho de ágata e o pão com manteiga, sabe? Ia na oficina. Aí eu via papai tomar o lanche dele e logo em seguida ele já ia para a bancada dele fazer os desenhos, fazer as coisas e dar as ordens lá para aqueles operários todos na construção do bonde. E eu então adorava ver aquele negócio de papai. Aquele trabalho de papai. Depois ele se aposentou, se aposentou ainda moço, viu? Papai se aposentou ______, depois ele ficou um tempão com uma oficina em casa. Depois, aí já não estava mais nesse bairro, aí eu já estava inclusive até no ginásio e ele se aposentou e fez uma oficinazinha em casa. E ele continuou a trabalhar. Fazia ferramentas. Ele era muito habilidoso. Até hoje nós temos móveis que ele fez para a gente. E ele depois ficou, dava para ter mais duas aposentadorias (risos) porque ele morreu com 104 anos, imagina? Foi ________ muito longeva. Meu irmão está com 9, minha mamãe morreu com 94. Meu irmão está com 97. Essa a _________, Tereza que era a mais velha, também morreu com mais de oitenta anos. Agora ainda tem a Palmira que é mais velha do que eu. Palmira está com 88 anos. Porque aquele tempo cada ano era um filho, né? Mamãe teve nove filhos, foi isso aí. O negócio da família, o que eu poderia dizer mais?
P/1 – ____________
P/2 -
E o ginásio?
R – Hein?
P/2 -
E o ginásio, Seu Mário, como foi?
R – Ah, o ginásio? Ginásio. Foi o ginásio do estado com um grande ginásio, como eu já falei para você. Esse ginásio do estado _________ culto à Ciência. Ele hoje tem mais de cem anos. Tem muito mais de cem anos. E é interessante que quem fez a primeira matrícula lá no ginásio do estado ________, foi o Júlio de Mesquita. Esse dono do jornal O Estado de São Paulo. E quem se formou lá foi o Santos Dummont. Se formou lá também o Frei, eu não me lembro o primeiro nome dele, mas foi o que fez o primeiro transplante de rins. Médico. (Luis de Cur?). E o ginásio, naquele tempo, era... Os professores chamavam-se lentes. E todos eles eram grandes professores. Eu me lembro bem. Porque física por exemplo quem lecionava chamava-se Aníbal de Freitas. Tinha a física de Aníbal de Freitas. Livro. Tinha o Paulo (de Cur?). Porque tinha a botânica do Paulo (de Cur?). Tinha o Perez de Marin, que tinha álgebra do Perez de Marin. Tinha o Camilo Vanzolini, que era o tio desse Paulo Vanzolini, que trabalha com lagarto. Um biologista. Ele era músico também. Ele tinha a gramática italiana. Aquele tempo ensinavam italiano no ginásio. Depois tinha um padre que eu não me lembro agora o nome, mas ele também tinha a gramática inglesa. Quem mais tinha? Aqui o Carlos de Paula, e tinha a geometria do Carlos de Paula. Todos lentes muito bem qualificados, grandes professores. Por isso é que o ginásio do estado teve esse nome que teve. Quando saía, tinha o vestibular, os que se formavam no ginásio do estado de Campinas quase que era cem por cento a aprovação. Era muito bom. A gente saía com uma base... Até hoje a minha base fundamental foi do ginásio de Campinas. Todo meu tempo de... Ginásio do estado deu aquela solidez, né? Da base do... Foi muito bom. O ginásio do estado para mim foi uma coisa muito boa que eu fiz. Me ter formado no Ginásio Estadual de Campinas.
P/2 -
Mas como foi, como é que…
R - ...passava de ano. Até o quarto ano. Depois do quarto ano aí sim. Aí eu fui brilhante. Peguei primeiro lugar em Física. Me lembro muito bem que _________ de Física era um homem rigoroso. Uma prova que era fundamental só teve um dez e esse dez foi meu. Mas isso foi só ________ últimos anos. Anteriormente era precário. Passava assim raspando. E tinha lá os meus amigos, os colegas, e um primo. Esse primo que também foi comigo todo o ginásio. Ele foi para Medicina e eu fui para Agronomia. E uma coisa interessante: quando nós formamos no ginásio eu tinha dois amigos que estudavam junto, que era… Um chamava-se Afrânio Ferreira. Afrânio Afonso Ferreira, que é pai desse que foi Secretário da Justiça de São Paulo. Manoel Afonso. Ele era muito bom em História. Eu era bom em Física, o Afrânio era bom em História. História não, em Química. E o outro que chamava Ademar Jacó, era bom em Matemática. Então nós fizemos, como a gente não tinha dinheiro, era uma luta, então nós fizemos um cursinho para o vestibular. Nós dávamos aula. E depois nós fizemos o vestibular com esse pessoal que foi aluno nosso (risos). E acabamos passando todos no vestibular. Mas era uma coisa dureza. Você calcula, eu tinha que estudar e tinha que dar aula. Estudar para dar aula e para o curso, para o vestibular. Esse Afrânio Ferreira depois se formou em Agronomia também e começou a trabalhar com máquinas. Ficou um grande empresário. Morreu não faz muito tempo não. Esse Ademar Jacó que era outro que lecionava Matemática, esse morreu prematuramente. Se formou em Piracicaba, depois de uns três ou quatro anos ele morreu. Mas o que eu podia falar do...
P/2 - Passava-se o dia inteiro na escola nesse período ou era meio período? Quanto tempo o senhor estudava?
R – Não, nós tínhamos aula cedo e a tarde. Era o dia inteiro. Coisa louca.
P/1 – E as diversões, além de estudar e trabalhar?
R – Então as diversões, pois é, eu trabalhava, como eu disse, com esse meu cunhado, ele viajava. Ele tinha uma empresa e mais viajava do que ficava lá. Então eu morava mais com a... Essa minha irmã, a Tereza. E eu fazia toda a escrita dele. E eu tinha o quê, naquele tempo? Tinha uns, era adolescente praticamente. E eu não tinha feito curso de contador, nada disso. Mas como eu estava estudando tinha essa facilidade para aprender. Naquele tempo tinha, a gente tinha um traquejo grande, porque o ginásio obrigava a gente estudar. Então era uma coisa louca. Eu… Não tínhamos quase livros, quer dizer, uma boa parte não tinha. Então era escrever. Outra coisa, eu ganhava dinheiro também com apostila, que eu tomava nota, depois passava aquilo a limpo e metia na máquina aquele troço, tirava cópia e vendia as apostilas. E assim que também fazia um pouco de... (risos).
P/1 – Aham, aham.
R – Era uma luta, né? Naquele tempo não era muito fácil não.
P/1 – Mas vocês iam ao cinema? Tinha bailes? Como era o jovem?
R – Ah, sim, os bailes. Então, quando passei a ir ao curso superior, porque no curso superior também dava aula para poder me... Agora, já estamos no curso superior, né?
P/1 – Não, antes. Antes do curso superior.
R – Antes do curso superior, como ginasiano?
P/1 – É. Vocês iam ao cinema?
R – Eu frequentava aqueles bailinhos adolescentes. Eu me lembro que foi… O clube que a gente frequentava era o Tênis Clube de Campinas, era um salão oval interessante. E tinha matinê dançante, essa coisa. Isso a gente frequentava, era batata. Às vezes tinha que pagar também, né? Porque o clube cobrava. E isso que era a parada. Para conseguir dinheiro, às vezes, era duro. E nem podia, às vezes até nem ia. Mas eu sempre gostei muito de baile. Eu gostava e dançava razoavelmente bem (risos).
P/2 -
O que se dançava?
R – Hein?
P/2 -
Que ritmo que se dançava?
R – É, dançava os, naquele tempo tinha, era fox trote. Era samba, tinha o samba. Tinha tango. Dançava-se tango. E essas eram as músicas mais comuns naquele tempo.
P/2 -
E namorada nesse tempo? Como eram as namoradas?
R – Namorada. Namorada. Isso, mas era um namoro assim, ficava quinze dias, vinte dias. Depois pegava outra.
P/1 – (risos).
R – Coisa de adolescente, né? Aquele entusiasmo. Daqui a pouco já esquecia, já ia para outra. E assim foi até o curso superior. Nunca eu me agarrei assim... Aliás, em Piracicaba, todo aluno era bom partido. As piracicabanas ficavam atrás dos, eles chamavam os universitários, porque acabava de se formar já casava (risos). Já estava garantido. Mas eu sempre escapei fora. Só fui casar depois de formado, com 29 anos de _________. Andei viajando e tal. Depois, em São João da Boa Vista que eu fui encontrar a minha amada. A Beatriz.
P/1 – E o interesse pela Agronomia, como surgiu?
R – Bom, a Agronomia surgiu por dois motivos: primeiro porque eu já tinha tendência, gostava de vida de campo. Já quando era no ginásio a gente saía pelo campo e ia por aquelas fazendas ali perto de Campinas. E eu gostava do campo. Esse um motivo. Outro motivo é que eu não tinha possibilidade de frequentar a Universidade em São Paulo, porque Campinas não tinha curso superior. Então você tinha que estudar ou em São Paulo, Medicina, Engenharia, que ela já tinha Engenharia, tinha Medicina, tinha Odontologia e não me lembro mais o quê, ou você ia na Medicina de Curitiba ou Medicina aqui no Rio de Janeiro. Mas isso tudo ficava muito caro porque você tinha que pagar pensão, essa coisa toda. E Piracicaba era muito mais barato. Eram duas coisas: primeiro que era mais barato e depois que eu gostava de Agronomia, né? Agora, lá em Piracicaba... Já estamos em Piracicaba ou não?
P/2 – Podemos ir. Podemos ir para Piracicaba (risos).
P/1 – Podemos (risos).
R – Podemos? Então estamos lá. Então em Piracicaba foi interessante porque, eu logo de cara… Que eu jogava bem futebol, logo de cara eu já fiquei ali enturmado com os veteranos. Teve um trote horrível. Piracicaba tinha um trote duríssimo. Peguei o trote e tal, logo depois...
P/1 – Como foi esse trote que fizeram com o senhor?
P/2 -
Pois é.
R – Foi... O trote era assim. Você não podia sair na rua. Você ia na escola, na escola a gente já tomava trote essas besteiras. “Levanta um pé, levanta o outro sem abaixar esse, não sei o quê.” Essas besteiras de... Tirava sapatada. Tirava os sapatos jogava, ficava aquela montanha de sapato. Aí o bicho ia lá para achar o dele. Essas besteiras. Bem, mas o que ficou em mim de Piracicaba, eu logo fui convidado a morar em uma república. Porque lá a maioria dos estudantes moravam em repúblicas. Porque as pensões também eram caras, né? Então eu fui para a república. Chamava-se República 44. Foi quando eu fiquei presidente da república (risos). Porque tinha sim, tinha o presidente da república. Era o que tomava conta da república. Eu fiquei quatro anos tomando conta da república. Quatro anos presidente da república. E era a coisa mais interessante. Porque a primeira República 44 era um prédio velho e nós pagávamos uma ninharia de aluguel. E essa república não era muito grande coisa não. Mas tinha uma outra república que essa era a melhor que tinha em Piracicaba. Porque só entrava na república, eram oito, e só podia entrar nessa república quem era bom aluno. Porque a filosofia era o seguinte: se você morasse com alunos ruins, quando chegava no fim do ano aquele negócio de reprovar, o sujeito chateado, o que passava estava alegre, o reprovado ficava chateado. Então o pessoal era escolhido para frequentar essa república. E eu fui escolhido. Então essa república foi [uma] república muito afamada lá. Era uma casa de uma associação de operários. Uma casa grande, mas era gozado, tinha uma espécie de um corredor com uma cobertura e aberto. Com uma grade aqui. E tinha portas para cada cômodo. Então no primeiro cômodo tinha livros, bandeiras, tudo dos operários. Esse nós não mexemos. Não mexíamos. E morávamos nos outros. Éramos em oito em quatro quartos. E nós pagávamos um pequeno aluguel para uma viúva que era a única remanescente dos operários todos, que depois morreu. Morreu, aí nós não tínhamos para quem pagar e a república ficou conosco. Eu me lembro que eu até me interessei em fazer com que aquela república fosse propriedade do Centro Acadêmico. Eu fazia parte do Centro Acadêmico, eu falei: “Está uma boa oportunidade para a gente pegar esse imóvel.” Acabou que nós fizemos uma representação para a Câmara Municipal e a república passou a ser propriedade do Centro Acadêmico. E depois que eu saí e me formei eles pegaram e derrubaram aquela casa e fizeram o Centro Acadêmico que até hoje é o Centro Acadêmico lá. Parece que tem quatro ou cinco andares. Saiu dessa nossa república lá.
P/1 – Hum, hum.
R – O Centro Acadêmico. Eu logo que cheguei lá, era mania, eu gostava de liderar. Eu gostava de esporte, então já logo fiquei diretor da diretoria de esporte e comecei logo a ficar no Centro Acadêmico e comecei a mexer com essa coisa de república e de clube de futebol. Dava aula, fazia, tinha uma atividade tremenda em Piracicaba. Em Piracicaba também era um curso muito duro. A gente ia cedo e a tarde na escola. Mas sempre sobrava tempo para dar aula. Eu dava aula para aqueles, os Junqueiras que eram aqueles filhos de fazendeiros ricos que estavam cursando lá. Então eles pediam para dar aula particular para eles. E eu dava aula lá na república. Para fazer algum dinheiro. E também tinha tempo para jogar futebol, para tudo. E teve um caso interessante lá em Piracicaba que um colega, chamava-se Vitor Ribeiro _____________. E esse colega era filho adotivo do Samuel Ribeiro. Samuel Ribeiro era um judeu que era dono daqueles prédios todos ali em volta da _________ Store, em São Paulo. Era riquíssimo. E ele era o único herdeiro. Então ele morava sozinho em uma república enorme, uma casa enorme que depois passou a ser a casa do bispo. Imagina você. E como eu era bom aluno ele sempre me convidava para ir lá. _______ com ele, estudar com ele. Aí aquilo eu tirava a forra, porque ele tinha um cozinheiro fantástico. A bóia era uma bóia lauta, entendeu? (risos) E então ali eu tirava a forra.
P/1 – Aí você comia direitinho..
R – É. Mas teve um caso interessante com o Vitor. Porque o Vitor, muito inteligente por sinal, foi orador da nossa turma. E naqueles intervalos do estudo a gente discutia, ele era muito religioso. Judeu católico, imagina você. Você entende isso? Judeu católico. Tudo bem. Então esses intervalos nós discutíamos teologia. Eu era herege e ele católico, entendeu? Vinha aquele negócio da gênese, não sei quê e tal. Essa coisa toda de religião, eu sempre... Não, mas isso começou da seguinte forma: nós íamos domingo à missa. Ele era o único que tinha carro. 1935, imagina você. E nós pegávamos o carro e íamos para a missa. Um domingo eu acordei com a cabeça não sei de que jeito, meio atrapalhada e falei: “Vitor, você quer saber de uma coisa? Eu não vou na missa não.” “Ué, por quê?” Digo eu: “Eu não vou porque eu estou achando que eu sou um cretino. Eu não sei nem o que é missa, nem o que estão fazendo lá. Eu só vou lá para namorar, para ver as moças. Então eu não vou fazer isso mais não. Eu não vou mais à missa.” Ele ficou meio assustado assim, ele foi. A partir daquele dia nós começamos essa coisa da discussão de religião. E ele pegou, inclusive, um padre lá para orientá-lo no estudo de Teologia. E eu me lembro que todo sábado vinha um sujeito de São Paulo para ver no que ele precisava para providenciar para mandar. E ele fazia então a relação dos livros que ele queria e tal. E ele pediu depois dessa conversa nossa, ele pediu uma série de livros de Teologia. Pediu uma porção de livros de Teologia, orientado por um padre de lá de Piracicaba. Pois é, o tempo se passou e nós acabamos _____ nos formando e ele acabou, depois de formado em Agronomia, ele foi estudar para padre. Ficou cônego. E também estudou Direito. Ficou agrônomo, cônego e advogado. E chegou a ser reitor da PUC de São Paulo. Ele está vivo até hoje. Um cara espetacular. Agora, o que eu não sei é que ele sendo herdeiro único do Samuel Ribeiro onde é que foi parar toda aquela fortuna. Porque ele vive hoje em um sitiozinho em um arrabalde, parece que é Pariquera-açú Ou M’boi-Guaçu, perto de São Paulo. Vive lá com crianças pobres, velhos pobres, numa vida completamente sacrificada. E quando morreu minha mulher, Beatriz, eu escrevi uma carta para ele. Eu ainda me correspondia com ele. E ele me respondeu relatando tudo isso, entendeu? Ele foi um grande amigo meu. Tivemos muitas discussões no bom sentido, tá entendendo?
P/1 – Hum, hum.
R – Coisas de religião que ele gostava muito. Mas ficou um grande, um grande técnico, acabou ficando cônego e reitor da universidade, né?
P/1 – Em relação ao curso de Agronomia, alguma área específica que você se interessava mais?
R – Não, aí então é o seguinte, quando eu me formei eu fiz o concurso para entrar no Instituto Agronômico de Campinas. Concurso para estagiário. E olha, era um concurso, veja você, para entrar como estagiário em um concurso, concurso oral e escrito. Com banca examinadora, imagine você. Para ganhar eu me lembro até, era seiscentos cruzeiros naquele tempo. E eu logo fui começar, fui estudar solos. E estudar física de solos. Bom, aí estudando física de solos, aquele negócio de agregados e interpolação, lixiviação, aquela coisa toda ________ de solo, eu comecei a entrar pelo setor de erosão de solos. E comecei a bibliografia e fui bater com um tal de Hugo Bennet, é dos Estados Unidos. Ele tinha escrito um livro que era a bíblia da conservação de solos. Bom, aí eu escrevi alguma coisa, um trabalho e tal e o Governo do Estado de São Paulo me requisitou para eu fazer uma divulgação no Estado de São Paulo sobre a conservação de solo. Defesa contra erosão, naquele tempo. Bom, e trabalhei nesse negócio e inclusive fui um dos pioneiros. Porque naquele tempo não se falava em negócio de meio ambiente, não tinha nada disso. Mas aí para mim foi o começo da preservação do meio ambiente. Porque aí eu tive contato com o Bennet, e o Bennet é que foi o grande, até escreveram um livro sobre ele, chamava-se “Big Hug”, o Grande Hugo. Porque ele era considerado o pai da conservação do solo. Ele foi ao Senado do Governo dos Estados Unidos e convenceu o Governo de fazer o grande departamento era “Soil Conservation Service”. Serviço de Conservação de Solo. E aí então eu fui para os Estados Unidos. Aí foi a proposta da conservação do solo, do que eu tinha escrito. E lá aí é que eu fiz o curso de teoria e depois ainda fiz o curso para ver como é que era o serviço de conservação do solo. Aí o Bennet veio para o Brasil e ele foi eu a quem foi i cicerone dele no Brasil. E fizemos uma grande amizade. E depois da conservação do solo é que foi evoluindo até chegar à preservação do meio ambiente, que tomou esse vulto que é hoje. Hoje é uma das coisas mais __________, a coisa mais importante hoje é preservação do meio-ambiente, né? Mas começou com o Bennet.
P/2 -
O que se discutia, naquela época, sobre conservação de solos?
R – Porque a conservação foi o seguinte, teve um período em São Paulo que era justamente essa época a década de quarenta em que a cultura do algodão se desenvolveu muito. E estava já no nível da cultura do café ou até mais. Eu não me lembro ________. Era o segundo, eu acho que o segundo item da produção de São Paulo. Isso. Tirando o algodão do ____________ do norte, São Paulo é que produzia a maior produção de algodão. Agora, o algodão já tinha uma má fama, vamos dizer assim, do que tinha ocorrido nos Estados Unidos no Vale do Tennessee. Porque o Vale do Tenessee, por causa da cultura do algodão, a erosão lavou o Vale quase todo. Foi uma lástima. Foi ali que o Bennet despertou na coisa da erosão. Porque a erosão o que é? O solo satura de água com as chuvas, depois de saturado os terrenos ___________ formam o enxurro e carrega o solo para o leito dos rios. Então assoreia o rio, o rio perde a capacidade de vazão, vem a enchente e você fica com os solos todos erosados, enfim, é uma decadência total. E São Paulo desenvolveu muito a cultura de algodão porque o Instituto Agronômico tinha um trabalho, fez um trabalho disso. Chamava-se Serviço do Algodão. E tinha sementes que tinham sido importadas. Então se desenvolveu a cultura do algodão em São Paulo muito bem. Muito boa técnica, tudo. Mas o algodão é uma cultura que facilita a ação da erosão. Por quê? Ela tem que ter, para você plantar o algodão tem que remover muito solo. Ele tem que ficar muito fofo, então isso facilita as chuvas de alta intensidade cair e não consegue infiltrar tudo e vem o enxurro.
P/1 – Hum, hum.
R – Então a cultura do algodão estava promovendo um verdadeiro caos em São Paulo. Aqueles solos estavam indo todos embora. Daí é que surgiu então o serviço de terraceamento de São Paulo, que era uma prática de combate à erosão, e depois foi se desenvolvendo e passou a ser serviço de terraceamento e combate à erosão. Aí depois eu fui designado como Assessor do Secretário da Agricultura. Depois que eu tinha vindo dos Estados Unidos, tudo.
P/1 – Nos Estados Unidos foi um curso como se...
R – Quando eu voltei dos Estados Unidos, do tempo que eu fiquei lá, depois de algum tempo foi designado para Secretário da Agricultura de São Paulo o professor Walter Ramos Jardim, que era diretor da escola em Piracicaba. E era muito amigo meu, porque inclusive ele era meu companheiro de república. Escreveu vários livros e tal. E ele, quando foi para secretário, me convidou. Praticamente me convocou para ser assessor dele. Bom, e aí era governo Jânio Quadros nesse tempo e eu já tinha, vamos dizer, na cabeça toda a técnica desenvolvida pelo americano, que na minha opinião o americano conseguiu fazer a melhor agricultura que existe, em termos de aplicação da técnica. Por quê? Porque o americano começou pelo, como eu falei, serviço de conservação dos solos e aquilo foi progredindo de tal sorte que eles fizeram um levantamento dos Estados Unidos todos em Aerofotogrametria. E depois eles fizeram os tais de zoning. O que era o zoning? Era a divisão... O zoneamento dos Estados Unidos de acordo com a capacidade do ambiente, de cada ambiente. Chamava-se capability, é capacidade de uso do solo, vamos dizer. As condições do meio físico ajustadas às atividades daquele meio físico. Então você tinha o corn belt que era a zona do milho, você tinha zona do leite, a zona do trigo. Então com isso o que aconteceu? Eles se especializaram muito em cada setor desse. Por outro lado, cada zoning tinha um distrito conservacionista que era composto, era geralmente era uma cooperativa ou então uma associação de lavradores que trabalhava em conjunto com o governo. O governo tinha dois técnicos trabalhando em cada distrito, formado por agricultores que participavam das decisões. Então essa equipe era formada por soier, homens do solo, soier man. E o farm plan que era o planejador. Então eles com a fotografia, faziam o levantamento do meio físico desde o solo, a cultura atual, a condição de clima, tudo. E via qual era as atividades agrícolas que mais se ajustavam àquele meio físico. E faziam o mapa de cada propriedade daquelas associações. Então com isso eles tinham uma grande vantagem de prever qual era a safra de cada cultura. Então eles já tinham, ficavam, dimensionavam os armazéns, os silos, o transporte desse material, e inclusive a capacidade comercial. A demanda e a oferta disso aí. Quer dizer, era um negócio todo bem programado. Até hoje. É hoje, na minha opinião, é a agricultura mais desenvolvida que existe. Mas deixa o Japão longe. Porque diziam que o Japão ______. Conheço muito a agricultura japonesa também, mas não se compara com a americana, não.
Bom, quando eu vim e fiquei como Assessor do Walter, o que aconteceu? Eu fiz um exame muito grande para o Jânio deixar dinheiro para o Carvalho Pinto para fazer o levantamento aéreo no Estado de São Paulo, porque eu estava no Estado de São Paulo. Naquele tempo eu ainda não tinha ido para o Brasil. Então eu fiz um esforço, o Walter fez muito esforço junto ao Jânio e realmente o Jânio deixou verbas para o Carvalho Pinto fazer o levantamento aerofotogramétrico do Estado de São Paulo. E foi feito. Isso foi em 62. 62 se não me engano. Já tinha saído, tal. E estava entrando o Juscelino, era o Jânio Quadros que tinha ido já para a presidência até. Bom, aí então é que me chamaram, porque eu que estava a par dessa coisa de levantamento e planejamento das propriedades das regiões. Aí então é que foi feito um centro básico de treinamento de conservação do solo lá em São Paulo, e eu que organizei. Arrumei dois colegas para me auxiliar em aula e eu formei várias turmas que trabalham em São Paulo. São Paulo hoje tem uma agricultura muito mais desenvolvida do que em todo o país, porque está mais ou menos a cópia do que é o Estados Unidos. O que era interessante é que cada fazendeiro da associação tinha um projeto da fazenda dele e com isso ele ia ao banco, e o banco dava o financiamento sem o maior problema. Porque era um negócio muito bem feito, e aquilo funcionava, até hoje funciona muito bem. Então essa foi uma coisa muito importante depois da minha vinda do levantamento aerofotogramétrico, a formação das equipes e depois fizeram as zonas do Estado de São Paulo. Tem as zonas todas do, não me lembro o nome que demos lá para aquela região. Cada lugar tem um agrônomo que é encarregado desse troço. Esse foi um fato importante da minha
profissão.
P/2 -
Nesse tempo o senhor era assessor? Era o tempo que o senhor era assessor do secretário, é isso?
R – É.
P/2 -
Ah.
R – Não. Quando eu saí da assessoria é que eu formei o centro de treinamento. Porque aí eu já tinha a fotografia aérea em 62. O trabalho era feito tudo na base de fotografia aérea e ___________. Eu fiz curso de fotointerpretação também. Aí então preparamos lá o pessoal. Que o pessoal de São Paulo hoje está muito desenvolvido nesse ______. Eu acredito que foi com aquele começo que nós fizemos lá. Bom, aí depois do, quando o Secretário da Agricultura saiu que foi o... Voltou o Secretário, aquele banqueiro... Como é que chamava ele? Meu Deus do céu. Bom, saiu o Secretário e aí eu fui convocado para trabalhar no serviço no Vale do Paraíba, que era também problema de solos. Porque ali era drenagem, pelo o que eu me lembro, o principal era drenagem. E na Carolina do Sul onde tinha a
_______________ tinha problemas de drenagem. E eu estudei muito a parte de drenagem também. Aí então o diretor do Vale do Paraíba, do serviço do Vale do Paraíba me colocou para ir trabalhar, dar uma assistência para ele lá. E foi muito interessante. Foi uma pena que não foi levado à diante. Mas pensou-se em fazer os tais de polders. O que é polder? Polder é um, seguinte: você pega uma área e indica. Põe dique em toda ela, fecha a área. De tal sorte que você possa tirar a área da drenagem e possa pôr a água para a irrigação. É o que faz a Holanda. Então o que aconteceu? Tem um rio, você fazia todos os polders assim, para fazer a tal da irrigação nas várzeas. Mas o negócio complicou, porque para você fazer isso você teria que fazer a rearrumação das propriedades. Porque às vezes tinha uma propriedade que tinha uma tira, outra propriedade estava em um canto. Então você tinha que fazer uma rearrumação da propriedade para poder fazer a rede de drenagem e a de irrigação lógica, vamos dizer, econômica. Quando chegou nessa hora de você (risos) tirar as propriedades para fazer uma espécie de coisa coletiva, como é americano. Americano tem a propriedade, mas ele, às vezes, nem mexia naquilo, porque é a cooperativa que faz tudo, e ele depois pega a parte dele correspondente à área. Mas isso não foi possível porque cada um daqueles lavradores ali do Vale do Paraíba era apegado à coisa e não entendia essa coisa da... Então foi indo e depois, chegou um dia eu saí, e não sei, parou esse negócio lá. Assim mesmo, parece que tem um ou dois pontos que estão funcionando lá ainda. Bom, isso foi um serviço no Vale do Paraíba. Depois do serviço no Vale do Paraíba aí foi feito o serviço de fotointerpretação, que esse eu também organizei. Isso foi no Instituto Agronômico. Aí nesse período também eu preparei uma porção de fotointérprete lá para dar apoio para esse pessoal que trabalhava no interior. E realmente foi uma coisa também muito boa. Depois...
P/2 -
Já funcionava a Embrapa? Já existia a Embrapa? Vocês tinham alguma relação com ela ou não?
R – A Embrapa ainda não estava, não tinha, não estava formada não. A Embrapa é do meio ambiente, não é?
P/2 -
É de planejamento, né?
É de agricultura e planejamento, não é?
P/1 – Não...
R – Embrapa? O que é Embrapa?
P/1 - Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola, não é?
R – Ah, a Embrapa, poxa. Embrapa do Manoel, do... A Embrapa foi justamente desse tempo. Nesse tempo, aliás foi no tempo que eu já estava na Vale quando fez ela. Aliás, até essa coisa da Embrapa veio muito da conversa que tivemos eu e o Dias Leite. Porque o Dias Leite foi um dos que foi, vamos dizer, incentivador da criação da Embrapa. Porque virou, saiu do governo e fez uma espécie de quase particular. É um negócio quase particular. O governo injeta recurso, mas há uma certa autonomia na Embrapa. E eu quis fazer isso inclusive lá em Campinas com o Instituto Agronômico. Mas eles não toparam, porque eles disseram, os técnicos, aliás eu fazia parte dos técnicos lá antes de vir para o Rio. Foi quando começou o… Aquele que fez a universidade, a Unicamp, o...
P/2 -
Zeferino.
R – Eu disse o nome para...
P/1 – Zeferino.
P/2 -
Zeferino Vaz.
R – Zeferino Vaz. O Zeferino Vaz começou a fazer esse negócio da universidade e nós começamos a mexer. E eu comecei, já estava com essa coisa na cabeça, queria fazer a universidade partindo do Instituto Agronômico. Zeferino falou: “Olha, vamos fazer a nossa célula inicial no Agronômico.” Porque o Agronômico realmente tinha laboratórios, tinha salão de conferência. Não sei se vocês conhecem, mas é bem montado o Instituto. Seria uma ótima... Mas olha, nós cansamos de fazer palestra lá para convencer o pessoal, aqueles técnicos, mas eles não quiseram saber. Falavam: “Não, vocês estão querendo aproveitar do nome do Instituto Agronômico, não sei o quê.” Acabou que ficou separado. Aí o Zeferino falou: “Bom, isso não adianta malhar em ferro frio. Vamos seguir outro caminho porque aqui não dá certo.” Aí o Zeferino fez outro caminho e acabou, o Instituto ficou separado. Quando podia ter, estar na universidade hoje _____. A Unicamp hoje é uma maravilha, né? Mas aí depois desse período eu fiz vários projetos porque no sábado e domingo eu trabalhava em outras coisas. Eu fiz, por exemplo, avaliação daquelas terras da desapropriação de Jupiá e Ilha Solteira...
P/2 -
A hidrelétrica.
R - Lá na divisa com Mato Grosso. Eu ia sábado e domingo lá. Porque naquele tempo não tinha fotografia, então tinha que andar no campo para fazer avaliação. Eu fazia entrevista de campo sábado e domingo e à noite era no laudo e, naquele tempo, era no cálculo a mão. Não tinha nem máquina. Era máquina incipiente, né? Então você tinha que fazer na mão os cálculos e redação e
tal. E até era engraçado, porque meus filhos… Eu trabalhava toda a noite para a semana, meus filhos me chamavam de Laudolino. Imagina vocês (risos), por causa do laudo.
P/1 – (risos).
R – Mas eu fiz muito… Toda aquela área praticamente, de Barra Bonita, Jupiá e Ilha Solteira, a área extensa, tudo aquilo eu andei ali. Tudo aquilo eu fiz laudo de avaliação.
P/1 – O senhor já era casado nessa época?
R – Já era. Eu já era casado sim. É o negócio de data aí está meio confuso, mas vocês arrumam (risos).
P/1 – Hum, hum. Tudo bem. Está ótimo.
R – Bom, então nesse período... Ah, fizemos também um trabalho extra governo no Vale do Ribeira. ________ no Vale da Ribeira. E que mais? Esse fui eu praticamente sozinho. O Vale do Atibaia, do Rio Atibaia, eles me contrataram para fazer porque ________ o aproveitamento energético do Vale do Rio Atibaia. Então esse trabalho também foi um trabalho grande. Mas também, ainda não tinha fotografia. Esse era um trabalho muito duro para se fazer.
P/2 - Esse projeto do Vale do Ribeira é aquela coisa do Saco do Ribeira, _____ assoreamento?
R – O Vale do Ribeira é onde tem as bananeiras, é litoral praticamente. Uma empresa que foi contratada pelo governo do estado e eles nos contrataram. A mim, não foi só a mim. Foi a mim e uma turma lá do Instituto Agronômico. Eu fazia mais a parte de solos e clima. Depois, quando eu estava lá no serviço do Vale do Paraíba, o serviço do Paraíba contratou com a Ecotec – que era uma empresa aqui do Rio – alguns estudos de ribeirão não sei do que e tal. E quem vinha aqui e vinha em São Paulo para tratar do assunto era o professor Dias Leite, com quem eu fiquei muito amigo. E fizemos trabalhos juntos. Estivemos no Maranhão, trabalhamos no Maranhão. Enfim, ficamos amigos por causa… E muito, vamos dizer, ligado a trabalhos. Então quando o Dias Leite foi nomeado Presidente da Vale do Rio Doce, o que acontecia? A Vale do Rio Doce só mexia com o minério de ferro. Não sei se o Romeu falou isso para vocês, deve ter falado. Mexia com minério de ferro e tinha um lucro muito grande, a Vale. Então a gente queria reaplicar esse lucro diversificando a atividade. Então ele foi me buscar para fazer esses projetos não ferrosos lá em São Paulo. Era para eu ficar uns dois anos aqui só. Porque você dá uma... Um início na coisa depois você volta. E o meu filho estava estudando aqui no Rio. Aí a Beatriz, a minha mulher, falou: “Vamos para o Rio passar um tempo. Já está o Junior lá - meu filho - então a gente dá um apoio para ele lá, e tal.” Aí então eu falei: “Tá bom Beatriz, eu vou.” E vim para cá. E entrei lá na Vale. Mas como eu dizia, eu era um agrônomo cercado de engenheiro por todos os lados (risos). Ninguém sabia absolutamente nada de outra coisa a não ser minério de ferro.
P/1 – (risos).
R – Aí começamos a trabalhar primeiro com o objetivo de fazer uma fábrica de celulose. E para fazer a fábrica de celulose, evidente que tinha que se fazer o plantio. Naquele tempo o plantio mais comum para isso era o eucalipto. Como ainda é hoje, né? Mas por aqui estava muito cru. Ninguém mexia muito com isso não. Então eu comecei a trabalhar. Comecei a admitir uns agrônomos e tal. E o negócio foi evoluindo. Depois veio o negócio de fertilizantes, que precisava adubar, não sei o quê. Depois veio o potássio lá, enfim. Começou a aparecer um leque de projetos aí que eu fiquei preso a esse troço. Era para eu voltar, acabei ficando, ficando e fiquei até o Dias Leite ir embora. Porque o Dias Leite ficou, vamos dizer, incompatibilizado com o Geisel, né? Quando o Geisel foi para a presidência a primeira coisa que ele fez foi tirar o Dias Leite. E eu que era o homem mais ligado a ele fui o primeiro a sair (risos). Aliás, eu pedi demissão, inclusive. Mas na Vale eu fiz essa coisa, desenvolver o plantio de eucalipto. E tinha uma coisa interessante, porque o eucalipto para o Brasil, da Austrália pelo Navajo de Andrade. Navajo de Andrade era um agrônomo de São Paulo que trabalhava na Companhia Paulista. Companhia Paulista de Estrada de Ferro, que naquele tempo era acionada por locomotiva a lenha. Não tinha eletrificação ainda, então precisava de muita lenha. E o Navajo então foi à Austrália, isso foi em 1904, imagina você. Quatro ou quatorze, agora não estou bem certo. Bom, foi no começo do século. E ele trouxe sementes de lá da Austrália, mas para o paralelo de São Paulo. Então ele foi na Austrália, era, como chamava aquela zona lá? Ai a cabeça. Bom, era o mesmo paralelo de São Paulo, então eram variedades de acordo com aquele meio físico, com aquele clima. Bom, quando eu vim aqui para o Rio, para a Vale, eu trouxe as sementes de São Paulo, mas para plantar no Vale do Rio Doce. E os primeiros plantios não foram bem. Eu falei: “Puxa vida, esse troço aqui está me...” E eu comecei a estudar esse negócio com um tal de __________, que era um técnico de reflorestamento, em floresta, um florestal. E aí começamos a fazer contato com Austrália, com um professor lá que chama-se Prior. Uma capacidade em eucaliptocultura. E acabou que o tal de Navajo que era o sobrinho do Edmundo Navajo, ele dizia que ele também veio colaborar aqui. Eu trouxe ele para cá. Ele dizia: “Olha, não precisa estudar não porque o Edmundo já estudou tudo de eucalipto, não tem...” Eu falei: “não, aqui tem uma coisa que tem que mudar. Nós vamos ver se vamos pegar uma semente que seja de acordo com o clima nosso aqui.” E aí falei... Começou essa coisa, nos aprofundar nisso. E acabou que eu fui para a Austrália buscar essas sementes através do Prior. Consegui sementes lá e trouxemos para cá. E aí desenvolveu a cultura de eucalipto aqui muito bem. Fizemos as introduções aí, tudo. E hoje já tem até a (aracruz?).
P/1 – (aracruz?)
R – A (aracruz?) foi eu que criei. Foi cria nossa. A (aracruz?) hoje em um maciço florestal de eucalipto que é um… Fantástico. Por sinal eles até receberam o prêmio da Suécia de técnica e... Um prêmio para os engenheiros florestais que mais se salientavam ao mundo. Eles receberam esse prêmio. Bom, e aí a Vale desenvolveu o plantio. E o hoje a Vale tem, sei lá, mais de duzentos mil hectares de eucalipto plantado. E nós começamos a fazer depois o estudo da Cenibra que foi a fábrica de celulose da qual o Romeu foi um homem muito importante. Romeu foi o homem mais importante na implantação da Cenibra. Fomos várias vezes para o Japão e tal. Porque foi feito um joint venture com os japoneses. Os japoneses se reuniram lá, aquelas fábricas de celulose se reuniram e participaram na implantação da Cenibra aqui. E eles também ficaram com o direito de comprar pelo menos a metade da produção. Então foi um bom projeto. Hoje é uma das fábricas de celulose mais conceituadas ______. Tem produção muito boa.
P/1 – Quer dizer, a Vale do Rio Doce investia nessa pesquisa? Investia nos profissionais. Vocês iam fazer cursos
R – Investia. A Vale tinha a filosofia que o dinheiro que ganhava, ao invés de dar para o Governo Federal que era o maior acionista, reaplicava nesse projeto. Quer dizer, criava outras coisas. Assim foi criado pelotização, foi criado Cenibra, foi criado potássio, foi criado ouro. Até que depois descobriram Carajás, aquela província, que é uma província riquíssima, aí fez o Projeto Carajás. E depois veio cobre, ouro e etc. A Vale ficou essa constelação que é aí hoje. Agora eles estão fazendo o contrário, em vez de reaplicar eles estão vendendo tudo, pegam o dinheiro e reaplicam, põem na especulação. Em vez de por na produção, põe na especulação. Não tem sentido isso. E isso é a globalização mesmo, o que está acontecendo hoje. Você tem dois terços do capital mundial, está girando na especulação e um terço na produção. E o pior é que esses dois tercos está sequestrando o capital da produção. O sujeito tem uma fábrica: “Não, vamos vender a fábrica, vamos por na especulação.” Quer dizer, está uma desorganização. Espécie de… Eu, por exemplo, não estou conseguindo entender bem essa coisa dessa economia que está andando por aí. Mas então, eu estava falando, aí que desenvolveram esses projetos todos.
P/2 -
Mudaram o Código Florestal nessa época também, Borgonovi?
R – Não, o Código Florestal foi, agora a data eu não me lembro.
P/2 -
Mas foi na gestão do Dias Leite, não foi?
R – É, foi antes.
P/2 -
No Ministério? Na gestão do Dias Leite no Ministério, não?
R – O Dias Leite não estava no Ministério não. Isso aí surgiu mais em São Paulo, o Código Florestal. Com o serviço florestal de São Paulo. Era o Alvarenga, inclusive. Eu até colaborei nesse troço também. O Código Florestal tem que mudar, mas não conseguem mudar. É uma coisa maluca. Porque você, quando faz um maciço florestal, você depois, pela legislação, você tem que dar o plano de corte. É uma coisa complicadíssima. E a floresta que você planta não é igual a floresta nativa. A floresta que você planta é como se fosse uma cultura. Você não faz plano de corte para ser aprovado pelo Ibama, de cana. Não faz plano de corte para algodão. Mas tem que fazer plano de corte e ter ordem do Ibama para cortar eucalipto. Não tem, não pode, não precisa fazer isso, meu Deus. Fica essa burocracia aí travando as coisas. E tem outras coisas que o Código tem que mudar, porque isso toma tempo. Eu até trabalhei um pouco, eu e o Dias Leite nisso, mas agora até largamos. Mas então a Vale… Depois que eu saí da Vale aí eu fui fazer o quê? Fui fazer um projeto de plantio de eucalipto lá na Bahia. Para o filho do Antonio Dias Leite, o Antonio Dias Leite. Porque esses moços, inclusive o filho do Antonio Dias Leite, que hoje é uma das maiores fortunas aí. Nem sei se eu devo falar isso, mas _______ vocês tiram fora. Mas eles era um rapaz que estava estudando economia e ele fazia estágio comigo lá na Vale. Estágio, de gente que está começando. Depois ele conseguiu um curso de open lá na Inglaterra, em Londres. O Dias Leite conseguiu por ele lá. Ele fez o curso e veio depois para cá. Ele, o Emanuel que era do Banco do Brasil, o Unser. Eram cinco. E começaram a trabalhar na Multiplic. Porque naquele tempo ninguém conhecia open. Open você sabe o que é? Aplicar o dinheiro no sábado e domingo, só. Naquele tempo o dinheiro ficava morto no sábado e domingo, e eles vieram com essa inovação. Então eles pegaram, pegaram a Supergasbrás, a Vale do Rio Doce, o Volkswagen, todas essas grandes empresas eles pegaram para fazer open para eles. E eles trabalhavam na Multiplic. Aí o Toninho, que era o Antonio Dias Leite Neto, falou: “Escuta uma coisa, nós é que pegamos todo esse pessoal, por que nós não vamos fazer a nossa empresa? Vamos fazer o nosso open.” E saíram da Multiplic e formaram a Open, Open Corretora, que chamava naquele tempo. E eles ganharam rios de dinheiro. Os cinco ficaram ricos. (Troca de fita)... Aplicar em reflorestamento por causa do lucro que eles tinham. E eu tinha saído da Vale, aí o Toninho foi me buscar. Falou: “Não, você vai trabalhar para nós. Vamos comprar terras aí e vamos fazer o reflorestamento.” E aí eu fui, fomos na Bahia, lá tinha uma usina que estava em decadência, estavam vendendo as terras. Acabamos comprando as terras lá e assim que começou a ser feita a Open Reflorestadora. Gastando o dinheiro do incentivo fiscal. Quer dizer, eles já estavam ganhando muito dinheiro (risos), aumentaram o lucro. O dinheiro do próprio governo que era para o imposto, né? E esse, aí me deu um trabalhão louco para formar aquela empresa lá. Porque o baiano lá também era dureza para pegar aquele pessoal para trabalhar. Não era sopa não.
P/2 -
Hum.
R – Mas conseguimos plantar lá uns, parece que doze mil hectares. Até que o, um amigo, um colega e amigo meu, chamava... Ele era o diretor técnico da Duratex, do Banco Itaú. E eles foram lá na Bahia que eles também estavam querendo aplicar, porque o banco Itaú ganha muito dinheiro, então entrou em negociação lá, acabou vendendo a Open Reflorestamento. O Toninho… Eles ganharam um dinheirão. Porque na realidade eles gastaram quatro mil no quê? Quatro milhões de Cruzeiros Novos, se não me engano, uma coisa assim. Para comprar a terra. Mas todo o plantio foi feito com o incentivo. Quer dizer, esses quatro milhões, depois nós vendemos a empresa por 28 milhões.
P/2 -
Hum.
R – Cash. Ganharam um dinheirão. Não sei se eles deram ____________. Corta, é só para vocês saberem.
P/1 – (risos).
R – Se não vai ser chato para o Toninho (risos).
P/1 – (risos) Seu Mário, eu queria voltar ainda ao período que o senhor trabalhou na Vale do Rio Doce...
R – Ahn.
P/1 – Em relação ao… Tinham projetos que vocês queriam desenvolver e a empresa não se interessou, por exemplo?
R – Olha, teve um projeto muito grande, que esse também deu muito trabalho, era a produção de carne. Era uma área enorme que nós ________ aí, e era uma coisa, vamos dizer, até eu diria de muita coragem. Porque era uma área muito grande. Nós íamos implantar um rebanho muito grande, um grande frigorífico para depois exportar inclusive a carne. E esse trabalho foi estudado em detalhe. Foi feito cash flow, tudo direitinho. Mas havia uma certa resistência dentro da Vale, porque realmente eles tinham um pouco de medo. Porque o presidente daquele tempo, o Dias Leite já era Ministro e estava na presidência da Vale. O Raimundo, Raimundo Mascarenhas. Era um sujeito excelente também. E ele ficou meio assim. Era um investimento grande também, sabe? Então aquele negócio foi andando, andando, andando e não vingou. E fizemos também um outro trabalho, o investimento era da ordem de novecentos milhões de dólares, se não me engano. Era um leque de uma porção de coisas, de adubo, de coisa... Eu não
me lembro. Porque eu inclusive, fiz um desenho interessante que saía as coisas todas, subproduto de uma coisa, de outra, dava um… Era um verdadeiro, vamos dizer, conglomerado de projetos interligado, entendeu? Esse também era grande. Quem adorou foi o Eliezer. Gostou bastante. Mas também foi indo, foi indo e não deu certo. Mas nós também já estávamos muito dedicados a parte da Cenibra, da fábrica de celulose, que era uma fábrica grande. Foi um investimento muito grande. E os plantios eram, a gente plantava muita coisa. Todo ano pegava muita tensão da gente, o tempo da gente. Esse foi os dois grandes projetos que não vingaram, que foi esse conglomerado de coisas, e esse específico de carne. Era produção de carne na área de influência da Companhia Vale do Rio Doce.
P/2 - Tinha algum projeto para a região da Zona do Rio Doce?
Reflorestamento, alguma coisa...
R – Ah, outra coisa que eu fiz, como de costume, eu peguei toda a área de influência da Vale do Rio Doce e fiz o... Como é que chama? O levantamento conservacionista, o que...
P/1 – Ambiental.
R – Que, é esse, todo. Tenho até hoje. São dois volumes. Eu contratei inclusive uma firma de São Paulo que era de um colega meu. Era, como é que chamava a empresa, meu Deus do céu. Ah, não pode, pode? (risos)
P/2 -
(risos) Pode, pode olhar.
R – A cabeça não funciona.
P/2 -
Não tem problema não.
R – Ai, ai, ai, ai, ai.
P/1 – A empresa era...?
R – Era (Ceitec?). Essa que fez também o trabalho de todo aproveitamento da região de influência da Vale do Rio Doce. Tem o rio, o Rio Doce, depois toda a bacia do rio Doce. Uma área muito grande. _______
P/1 – Quais eram os desafios desse trabalho, Mário?
R – Era o seguinte, porque a Vale, pelos estatutos ela tinha que destinar... Ah, isso eu também não falei. Eu, quando vim na Vale, tinha um fundo de desenvolvimento. Eu era o coordenador. Nós fazíamos empréstimos para os projetos que aparecessem na área e a Vale financiava, porque ela destinava se não me engano era sete por cento do lucro destinado a esse fundo para estimular desenvolvimento de projetos na Vale. E eu era o coordenador desse fundo. E foi com esse dinheiro também que eu fiz esse trabalho de levantamento de toda a área. E nós financiamos vários projetos, de pequenos projetos. Até de construção de barco. Me lembro que nós financiamos uma construtora de barco em Vitória, financiamos a construção de um frigorífico. Porque a pesca também… Porque era interessante a situação de Vitória – tem o Porto de Tubarão da Vale, né? Mas é interessante porque em termos de pesca, no nosso litoral você tem o peixe fino que é atum, é peixe de profundidade que está no Norte. E o pessoal do Norte não come o peixe fino. O peixe fino é o Sul que consome. O Norte consome a sardinha que produz aqui na Santa Catarina. Então Vitória, o ponto do xis, o meio do xis, onde você pegaria o gelo para ir ao Norte buscar o peixe fino, trazia para cá para levar para São Paulo, entendeu? E essa sardinha para levar para o Norte. Esse projeto do frigorífico também nós financiamentos, aí em Vitória... O que mais? Enfim, tinha vários projetos ________
P/2 -
As pessoas faziam projeto e levavam para o Fundo? Era assim que funcionava?
R – Eles faziam o projeto, a gente apressava. Eu tinha os economistas que faziam a análise do projeto, aí se era alguma coisa viável a gente financiava. Ficava mutuário do Fundo e tal e pagava. Enfim, essa programação de pegar o financiamento e escalonamento de pagamento das prestações.
P/2 -
Tinha muita pressão assim de gente querendo ________?
R – Não, não teve. Até eu me lembro que uma vez a gente fez uma palestra em Vitória e disse para o pessoal lá que estava fazendo: “Não há falta de dinheiro. Há falta de bons projetos” (risos). Então causou um impacto lá. Como quem diz: “Nós estamos com o dinheiro aqui. Vocês apresentam o projeto que nós fazemos, financiamos, né?”
P/1 – E em relação às questões ambientais, quer dizer, neste momento ambientalistas, os primeiros ambientalistas como o (Rusck?), o (Lutzemberg?), essas pessoas estavam presentes? Se discutia as ações da Vale?
R – Não. Na parte de ambientalista ainda não estava, como tinha começado já a se falar no efeito estufa, mas a parte de conservação do solo, essa coisa, tudo já se falava já. Tinha, já era, vamos dizer, estava na mentalidade dos técnicos ali. E a parte de ambientalista começou na realidade em 62, com aquela conferência de, na Holanda...
P/2 -
Conferência...
R - ...não sei, não me lembro o nome. Depois veio do Rio, foi em noventa e...
P/1 – Dois.
R – 92, né? Depois foi a de Kyoto, depois teve a da água, na Holanda. E agora que pegou, ___________, que a besteira do Bush foi não querer assinar o Protocolo de Kyoto. O Protocolo de Kyoto é um negócio muito bem bolado. Diga-se de passagem o Brasil, inclusive, teve uma atuação brilhante. Era um negócio de você contrabalançar a produção do CO2, porque quem polui mesmo são os Estados Unidos, os países adiantados. Porque onde sai mais CO2 é lá, pô. Então tem que dar um breque nesse negócio. E o Protocolo de Kyoto faz, faria, faz isso. E eles estão forçando para ver se os Estados Unidos topa. Mas eles acham que bloqueia o desenvolvimento deles. Mas isso é uma coisa muito séria. Eu acho que essa coisa de meio ambiente tem que dar atenção porque nós temos aí uma coisa pela frente e imprevisível. Já se sabe que o clima já está completamente modificado e se não tomar cuidado não sabemos. Você já viu as coisas que acontecem, aconteceu na Europa e nos Estados Unidos. Aqui mesmo já não temos mais chuvas. Não se tem, as represas estão todas...
P/1 – Vazias.
R – Vazias. Quer dizer, essa coisa de modificação do clima e por consequência o cuidado com o meio ambiente é uma coisa muito séria. Parece que agora de um modo geral o povo está se conscientizando da gravidade e tem até pressionado o Bush, né? Não sei até aonde vai isso.
P/2 -
E Itabira, Seu Borgonovi, o senhor teve alguma atuação em Itabira?
R – Itabira tivemos. Lá nós fizemos vários experimentos de pinus, isso foi muito importante. E o que mais nós fizemos em Itabira? Íamos muito lá em Itabira, mas mais por causa das experiências com pinus. E depois foi a fábrica que foi em Oriente, ali perto de Itabira também, que a gente ia muito lá. Agora, o negócio mesmo foi mais na área de plantio de eucalipto na gran... Porque nós necessitávamos de setenta mil hectares para garantir o funcionamento da área.
P/1 – Hum.
R – E plantar setenta mil hectares não é brincadeira. É uma área imensa. Então a gente se dedicava muito a isso. E fizemos uma equipe muito boa, que hoje a Vale tem uma turma muito boa. Inclusive a Vale já separou a parte da Cenibra, já está encarregada de fazer plantios dela, tudo. Porque nós fizemos duas subsidiárias de reflorestamento. Uma que foi no Espírito Santo, que chamava-se DoceMad, e a de Minas Gerais que chamava Floresta Rio Doce. E como nós tínhamos estrada de ferro, e era muito difícil comprar terra. Porque quando o pessoal percebe que está querendo comprar os preços voam lá em cima. Então era uma dificuldade. O que mais a gente lutava era na compra de terra. Puxa vida. Nos judiou esse negócio. Mas acabamos comprando razoavelmente a coisa. Então nós fizemos duas subsidiárias de reflorestamento, essa do Espírito Santo e essa de Minas Gerais. Para dar produção para a Cenibra que era em Minas Gerais, que é em Minas Gerais.
P/2 - As duas davam produção para a Cenibra?
R – É, porque tinha a estrada de ferro, né?
P/2 -
Hum.
R – A Vale trás o minério, trazia o minério carregado e voltava vazio. Então nosso pensamento era voltar com madeira para atender a Cenibra. A Cenibra estava na beira da estrada de ferro, Oriente.
P/2 -
Os dormentes da ferrovia não eram mais de madeira, eram ainda?
R – Eram de madeira. Uma parte que eles estavam fazendo. Mas o dormente de ferro e... Ele é metade de ferro e metade de concreto, mas quando descarrila um trem nesses dormente é um estrago desgraçado. O dormente de madeira ainda é o melhor que tem. Não tem condição. Só que o problema daqui, o clima tropical que é muita chuva e calor, dura pouco. Você vê a da Siberiana. A Siberiana está feito a quantos anos, ainda são os mesmos dormentes. Por que? Porque aquele inverno não tem microorganismo que atacam a madeira. Então aquele leito é o mesmo da Transiberiana. Agora aqui você tem que substituir dez por cento dos dormentes. Você já pensou 530 quilômetros. Quinhentos, mais de quinhentos quilômetros. Você põe a cada meio metro um dormente, você vê quanto dormente tem e depois substituir dez por cento disso por ano. É uma coisa de louco. Então eu me lembro, quando eu vim aqui, a Vale tinha comprado essa floresta de Linhares, que era justamente para fazer dormentes. Bom, eu fui ver isso aí, fui ver a floresta. E era Mata Atlântica. Eu fiquei tão encantado com a floresta que eu fiz tudo, eu falei: “Não, vocês não vão derrubar esse troço aqui não.” O Romeu estava também já meio encaixado nisso. O Romeu foi indo e já foi se encaixando no negócio. E afinal, para resumir, a floresta do Espírito Santo de Linhares hoje está intocável e é um centro de pesquisa lá.
P/1 – Hum, hum.
R – É muito bom, espetacular. Vem muita gente estudar lá, fazer pesquisa, e é uma maravilha. Uma floresta fantástica. E ela está ligada a Sooretama que é do Governo. A nossa são vinte mil hectares. E a Sooretama do Governo são mais vinte mil. Então forma um conjunto de quarenta mil hectares de floresta Atlântica intocável. Isso foi uma coisa boa.
P/2 -
Foi na sua época que teve a ideia de transformar em centro de pesquisa ali, não?
R – É, isso nós... Foi, foi por aproximação. Primeiro resolveu que não devia cortar. Aí eu peguei e reformei a casa que tinha lá. Era uma casa meio ruim. Peguei, reformei e ficou
já boa para a gente pousar lá e tal. Depois melhorou. Depois fizeram, aí foi o Renato, o rapaz que está tomando conta lá ele já ampliou, depois fez piscina. Hoje é um lugar muito bacana, recebe cientista de todo lugar.
P/1 – E essa decisão de não destruir a Mata Atlântica, como foi essa discussão? Foi difícil? Em que a empresa mantivesse...
R – Não, eu não encontrei muita dificuldade não, sabe por quê? Porque era presidente da Vale o Dias Leite e ele já era um homem afeto a essa coisa, então ele deu todo apoio. Então ficou uma coisa, vamos dizer, destinada à pesquisa e não se derrubou nada lá. Inclusive tinha umas áreas abertas lá, fez-se vários projetos de reflorestamento que estão até hoje, financiado pelo Ministério das Minas. Porque foi o Dais Leite que nos deu dinheiro. Ele era Ministro e nos apoiava. Eu falava com ele e tudo, ainda era mais fácil, né? Então tem até hoje lá as florestas que chama, chamava Projeto Meme, que é Ministério das Minas e Energia. Ficou batizado como Projeto Meme. Interessante porque uma característica de recomposição da floresta nativa, em vez de por eucalipto e pinus, que são culturas exóticas, fazer a retomada da floresta nativa. Então você trabalhava só com essências nativas, esse Projeto Meme. Bom, já faz um bom tempo que eu não vou lá, mas de vez em quando meu filho me dá notícia. Ele está...
P/1 – E a população local, quer dizer, de que forma a Vale interagia com essa população? Como a população reagia, por exemplo, a esses projetos maiores de reflorestamento, de...
R – Não, a Vale tinha, sempre teve muito prestígio. Tanto na parte de Minas como do Espírito Santo, que era área de atuação da Vale do Rio Doce. E o povo sempre aprovou os projetos da Vale porque eram realmente projetos bons e era feito por gente de gabarito e gente honesta. A gente vestia a camisa da Vale. Eu me lembro que eu ia cedo para a Vale e saía, às vezes, a noite, sei lá que horas. Ficávamos trabalhando. E aquelas viagens também que a gente fazia. Todo mundo vestia a camisa da Vale. A Vale cresceu que foi uma maravilha, nesse período. O Romeu deve ter contado esse período para vocês aí, né? O Romeu teve uma ação muito ativa. Ele era um cara que tinha uma tarimba muito boa para desenvolver a execução do projeto, formar equipe, conduzir a coisa.
P/2 - Seu Borgonovi, depois que o senhor sai da Vale, nesse período, o senhor continuou a prestar consultoria eventualmente?
R – Não, aí quando eu saí da Vale eu fiz esse projeto da Bahia, né? Aí eu fiquei com o Dias Leite fazendo, fizemos o... Ele tinha um escritório e nós começamos a fazer esses projetos. E um dos projetos importante que nós fizemos foi para a Sul América. Isso depois que eu saí da Vale. A Sul América queria empregar dinheiro no setor agrícola, então ela nos contratou para fazer um estudo de qual seria a melhor aplicação no setor de agricultura. Então nós fizemos um estudo no Brasil todo de todas as culturas. Dendê, soja, fizemos um estudo de todas as culturas viáveis no Brasil todo. E o mais viável foi o café, e em Minas. E a Sul América comprou uma área em Capelinha baseada no nosso estudo e fez uma grande cultura de café. E foi um sucesso também. Esse foi um trabalho. Depois o presidente da Sul América me contratou, porque era só coisa de agricultura, então me contratou para eu fazer uma avaliação de umas propriedades rurais, em São Paulo, de uma empresa de seguros que a Sul América queria comprar.
P/2 -
Era o Roni Lírio o presidente, nessa época?
R – É o Lírio, é. Roni Lírio. Roni Lírio então me contratou para fazer esse estudo. Eu fiz esse estudo e eles acabaram fazendo negócio. Compraram baseado na avaliação que eu fiz. Esse foi outro trabalho que eu fiz aqui, qual que foi? Esse foi do café, foi esse da empresa lá de seguro de São Paulo que eu não me lembro o nome dela, e... Bom, depois eu tinha uma empresa lá em São Paulo que eu saí quando vim para o Rio, saí daquela empresa e essa empresa da qual eu era o homem principal, porque o escritório era meu, tudo. Eu desisti e eles ficaram com o escritório. E esse pessoal que eram meus sócios conseguiram fazer um grande projeto de telefonia na Nigéria. Bom, e lá eles fizeram amizade com os ministros, aquela turma lá, e acabou que o governo da Nigéria queria fazer um projeto de produção de carne lá na Nigéria e esses meus sócios vieram me procurar. Aí eu falei: “Bom, eu vou se o Dias Leite for, porque eu trabalho com ele, tal.” Aí eles toparam: “Não, está melhor ainda.” Aí nós fomos fazer esse tal projeto lá na Nigéria. Foi um projeto muito bacana, trabalhoso também. Porque a Nigéria... Trabalhar na África não é brincadeira. A gente levava até água no carro porque até água era perigoso lá. Mas acabamos o projeto, tal. E aí nós íamos assinar o contrato para execução. Eu estava já com a passagem na mão, a minuta tudo feita direitinho, ia pegar o, eu ia para assinar o contrato. Aí veio um telefonema: “Não vai porque tem revolução". Aí (risos) o negócio virou tudo. Aí não teve jeito, não fui. E o negócio não vingou, porque os que tomaram o poder lá não queriam saber nada do que o outro governo fez.
P/2 -
O Senhor passou alguma situação complicada lá?
R – E foi uma pena porque era um projeto muito interessante.
P/2 -
Hum, hum. Hein Seu Borgonovi, o senhor passou alguma situação complicada na Nigéria, nesse período do projeto?
R – Ah, tem um caso muito interessante, não sei se o Dias Leite, é, o Dias Leite não contou para vocês.
Foi na… Era em Ondo, lá no interior da Nigéria. Então na primeira vez que nós fomos lá, eu e ele, nós fomos com um intérprete porque lá tinha, na parte norte, tinha os Alces que era uma tribo lá, uma e ____________ os yorubás. E tinha várias etnias. E cada soba mandava em uma área. Então o que acontecia? Você tinha o prefeito que era do governo e tinha o soba que era um cetro, um prefeito da tribo. Então se não fizesse a combinação dos dois não executava nada. Bom, chegando lá, eu fui ver, dar uma espiada no coiso e tal. Comecei a tirar umas amostras de terra, uns troços. Daqui a pouco começou a aparecer preto, daqueles preto de… Era índio mesmo. E fizeram uma roda em mim (risos). Eu falei ______: “Vão me jantar aqui hoje.” (risos)
P/1, P/2
– (risos)
R – Mas aquela roda assim, e falando: “Blá, blá, blá blá.” (risos) Parecia... Aí o sujeito traduziu e tal, e o soba todo em sua vestimenta, não sei o quê, com o centro, dizia o seguinte: “Não, não pode fazer nada aqui. Está proibido. Tem que saber, eu quero saber o que vocês tem que fazer porque eu não dei ordem, não pode fazer. E vamos lá para...” E fomos em um barracão lá onde eles se reúnem. Engraçado porque tem um banco aqui, comprido, o outro aqui. E eu e o Dias Leite sentamos aqui. E tinha um trono aqui de concreto. O sujeito sentou lá com aquela vestimenta e com o cetro na mão. Era um _____________. E tinha um Ministro aqui e outro Ministro ali (risos). E ele falando, falando e o sujeito estava nos traduzindo, porque eu não entendia aquele dialeto (alce?). Bom, para resumir tudo, porque a gente com aquele medo, passamos um medo mesmo. Porque não era brincadeira o troço não. Aí para resumir eles só permitiam que a gente trabalhasse lá se o Governo da Nigéria pedisse autorização para eles e se o prefeito de lá... Enfim, se tivesse tudo de acordo. Então não pudemos fazer nada, viemos embora e deixamos o assunto para eles lá. Depois eles foram lá, porque aquilo era uma corrupção maluca. Parece que o governo deu um carro, uma Mercedes-Benz para o soba. Imagine você.
P/1 – (risos).
R – Um daquele cara, rapaz, com uma Mercedes-Benz dentro daquele troço lá, para poder dar a ordem para a gente fazer o estudo. Essa é uma passagem interessante (risos). Imagina ________________, porque era uma roda assim de e tá, tá, tá, e falavam (risos) como fita de Tarzan (risos).
P/1 – (risos).
R – Aí nós conseguimos a ordem e aí começamos a fazer o trabalho.
P/2 -
Aí deu a revolução lá e acabou.
R – E fomos várias vezes lá. Mas depois também não conseguia, foi o negócio da revolução, e não foi possível fazer, executar o trabalho. Ora, executar o projeto. Bom, depois desse trabalho, aí tem outros pequenos por aí que eu não me lembro bem. Mas depois outro que nós fizemos, o último foi o tal do aproveitamento do Paraíba do Sul, que era para fazer aí esquadrias e aproveitamento da madeira mais para movelaria. Movelaria, esquadria, porta, janela, essa coisa. E fizemos um trabalho bom também. Mas não se conseguiu executar porque não havia mais financiamento para reflorestar. Nós _________ um negócio que, aliás… (Fim da Fita 02)
R - ...ipto para ser vamos dizer um complemento da renda do fazendeiro. Mas também foi difícil, porque para o plantio eles queriam dinheiro, não tinha financiamento. E nós não conseguimos levar adiante. Aí eu... Veio aquele negócio da minha operação. Foi quando eu fui operado, uma operação difícil. Isso agora no fim já, a questão de anos atrás. Fez quatro anos atrás. Aí o Dias Leite passou a também não fazer mais nada. Está só escrevendo artigos, sabe, e eu também. Aí paramos.
P/1 – E aulas, o Senhor deu aulas?
R – Ah, aulas? Aulas foi no Centro de Treinamento Básico de Campinas. Formamos lá o Centro, foi onde nós formamos as turmas para fazer o planejamento das propriedades. Os planejamentos das regiões e das propriedades. Nós conseguimos fazer lá umas quatro turmas. Isso com uns quarenta técnicos, mais ou menos. Quatro anos de Centro de Treinamento. E era uma espécie de pós-graduação. Foi quando eu era para ficar na Unicamp e acabei no fim… O meu prazer era ficar na Unicamp. Mas depois não deu certo. Eu vim para a Vale, me entusiasmei com os projetos daqui e fiquei por aqui mesmo.
P/1 – Pois é, mas que entusiasmo era esse? Por que esse entusiasmo, nessa época? Era profissional, como era?
R – O entusiasmo por quê? Primeiro que a Vale tinha uma capacidade financeira muito grande. Você pensava e tinha o dinheiro disponível, essa era uma coisa. Segunda, que tinha uma equipe muito entusiasmada com a empresa. Nós tínhamos paixão pela empresa. Vestíamos a camisa da empresa. Quando a gente sentava na mesa para discutir os projetos a gente discutia com veemência. Defendendo a empresa. E a Vale sempre foi muito respeitada. Sempre com muito crédito, o Banco Mundial, Banco de Desenvolvimento. Então não só tinha o lucro da Vale como tinha a capacidade de empréstimo, ____ fazer o endividamento, não é? E tinha as cabeças, eram as cabeças fabulosas, que eram o Eliezer, o Dias Leite, o Romeu, tinha o Marcos, Marcos Viana. Tinha gente muito boa. E tinha muito tarimba de empresa. A Vale era uma empresa fabulosa. Sempre foi uma empresa muito boa. E é uma pena essa privatização porque ficou... E outra coisa, a Vale cuidava muito da parte social. E essa privatização tirou fora. Olha, meu filho eu me lembro, desde o Collor que eles faziam limpeza. Punham para fora. E cada vez que tinha essa limpeza era aquele estresse desgraçado. Porque… “Será que vai ser...” Eram, parece que dez engenheiros no setor do meu filho. Não sei se ele falou isso na... E ficou só ele mais não sei, uns dois ou três. Então a Vale perdeu aquela coisa que tinha, aquele entusiasmo. Eles... Começou com o Collor e... Eu já não estava lá também. No Collor eu já não estava mais.
P/1 – E o seu filho está trilhando um caminho parecido?
R – É, ele está fazendo...
(Pausa)
P/1 – Bom, Seu Mário, em relação ao seu filho, ele tra...
R – Meu filho começou a trabalhar em preservação de meio ambiente, porque ele sempre foi apaixonado por isso. Desde quando ele saiu da escola ele já... Não sei se na entrevista dele ele falou isso. Mas ele já tinha uma tendência a essa coisa de meio
ambiente. Porque inclusive a minha nora é bióloga e ela também tem essa coisa de gostar da natureza, esse troço. E ele então... Foi quando ele começou a se enfronhar e ele tem toda a legislação do meio ambiente, então acho que foi por isso que ele não foi posto para fora. Se não teria sido posto para fora. E hoje... Aliás ontem ele acabou de fazer um grande trabalho, por isso que ele saiu de férias ontem. Porque ele fez um contrato com São José dos Campos na base de satélite, fotografia, que agora não é mais nem fotografia aérea. Agora é tudo satélite. Já aperfeiçoou isso. Eu sou analfabeto nisso aí. Eu fui até a fotografia (risos). Mas eles agora estão com os sensores de satélite. Então ele fez trabalho, esse trabalho lá de Carajás que são não sei quantos mil hectares. É enorme a área. Ele fez também Minas. É, enfim, as áreas de propriedade da Vale ele fez o estudo baseado nisso, na preservação do meio ambiente. Esse que é o caso dele.
P/1 – Como é o nome dele?
R – Mário Negrão Borgonovi. Ele fez a entrevista com vocês. Você fez essa entrevista com ele?
P/2 -
Eu não estava na entrevista dele não.
R – Ah, não estava. Quer dizer, daí eu não sei se ele falou ou não. Bem, mas aí, você perguntou da Albrás. Pois é, em 74 que eu saí da Vale, acho que o Dias Leite também saiu nesse ano. Saí junto com ele. Aí o Romeu estava designado, estava fazendo o estudo da Albrás. Ele acabou ficando Diretor-Presidente da Albrás, que era uma subsidiária da Vale do Rio Doce. Aí como eu saí fora da Vale, e a Vale... Aí ele tinha uma certa independência, ele me contratou para eu assessorar. Ser assessor da Vale, da Albrás. Eu me lembro que até nós… Eu fui a primeira vez lá em Barcarena onde tem a fábrica, nós fomos, não tinha nada. Fomos com o topógrafo para fazer levantamento de campo. E aí eu fiquei na Albrás, eu não me lembro, uns três ou quatro anos. Alguma coisa assim. Até, não, quando eu saí da Albrás já estava quase em funcionamento. Já estava bem adiantada. Eu fiquei uns três ou quatro anos lá. Depois eu saí da Albrás aí é que eu fui fazer esse projeto da Sul América, aí depois foi esse... Fui para, não, fui para a Bahia e da Bahia é que eu fiz essa coisarada aí. Mas a respeito da Albrás eu acho o seguinte, os japoneses estimularam a Vale a fazer o projeto de alumínio, por quê? - Isso na minha opinião - Porque a indústria mais poluente do mundo, na minha opinião, é de alumínio. Porque o alumínio pelo ar é fluoreto. Fluoreto que sai pelas chaminés da fábrica atacam os seres vivos. Dos animais esfarela com o osso. Então ataca a ossatura, é uma coisa horrível. Inclusive nos vegetais também, faz a derrama e faz um estrago desgraçado. Se você não tiver um filtro muito bem feito, tem que monitorar muito bem o gás. Porque se tiver com __________ tem que apitar a sirene para parar porque é perigoso. Depois a gente tem que fazer uma série de __________ e tal para você testar se o ar está bom. Isso é no ar. Agora no solo, no sólido você tem um material que sai das cubas, um material preto, muito ácido, muito nocivo. Para você ter uma ideia fez-se várias experiências se teria algum aproveitamento como tijolo, qualquer coisa parecida com isso, mas não se conseguiu nada. Então foi feito um barracão imenso que tem uma impermeabilidade, não pode ter contato com o solo, nem ____, é fechado. E esse material vai todo lá e fica ad eternum lá. Não tem o que fazer com aquilo. Fica um negócio lá sem sentido. Esse é o sólido. Você tem o fluoreto, tem o sólido que é esse troço que sai da cuba e tem o líquido que também é outro, que é um problema louco para o lençol freático. Então o que aconteceu? Os japoneses estimularam a fazer a fábrica, entraram com o capital. Fizeram a fábrica aqui em joint com a Vale e se livraram da fábrica, eles fecharam as fábricas deles lá no Japão, se livraram disso aí. E nós ficamos com o abacaxi aí. É assim mesmo, e ainda uma energia barata. Esse é o meu entendimento da coisa. Não sei se você deve por isso aí na... No ar porque é chato. Isso foi uma barbeiragem na minha opinião, né? ___________. E outra coisa, o alumínio é um mercado que tem uma oscilação bárbara. Tem hora que ele dá prejuízo, tem hora que ele... Porque o alumínio não oxida. A oxidação é muito lenta, não é que nem o ferro. O ferro oxida, acaba. O alumínio não, ele tem poder acumulativo, ele recicla. Você tira _______, derrete e torna aproveitar. E o ferro enferruja, perde, né? Então a Albrás... O negócio é esse aí. Agora, é uma fábrica, e depois tem a Albrás e tem a Alunorte.
A Alunorte faz a alumina. E a alumina que alimenta a Albrás para fazer o alumínio. E a alumina, para você fazer a alumina também, tem um lodo que sai que é um lodo altamente tóxico. Então você tem que fazer todo um esquema de proteção para não deixar vazar. E é uma produção imensa, de modo que tem que ter uma área enorme para depositar todo esse lodo. Essa é a história da Albrás e da Alunorte. E eu como mexia com negócio de preservação de meio ambiente fiquei horrorizado, quando eu fui ver o efeito do flúor. Pô.
P/2 -
O senhor chegou a protestar com as pessoas lá dentro?
R – Não, eu conversava, mas já estava tudo esquematizado com capital e tudo. Não podia mais voltar para trás. O jeito era a gente dar solução. Solução foi isso, por filtros, fazer tudo aquilo que for... Coisa louca, né? Mas funciona direitinho hoje. Não tem... Mas quer dizer, foi um negócio...
P/2 -
Temerário.
R – Terrível, né? Em termos de meio ambiente é uma coisa... Tem que ter um cuidado louco. E é isso aí.
P/2 -
E Seu Mário, como é seu cotidiano hoje? Um dia do senhor, hoje?
R – Hoje o meu cotidiano (risos) é: de manhã eu vou para a praia bater papo, jogar conversa fora com meus amigos. Depois eu vou para casa, almoço e tal, tiro um soninho e depois eu vou para o escritório. No escritório eu escrevo, eu pinto, que mais? E faço umas besteiras lá. Desenho e escrevo as coisas que... Agora, por exemplo, eu fui para Europa. Então eu tomei nota, porque essa vez eu fui para a Europa para passear, para ver. Fiquei vinte dias. Fiquei nove dias em Roma, dois dias em Zurique, e dez dias em Paris. Mas eu não saí da cidade. Fui ver tudo que é museu, tudo que é... E tomei nota de tudo. Então agora eu estou escrevendo toda a viagem. Está me ocupando a cabeça. Tem que ocupar a cabeça, né?
P/1 – O senhor acompanha hoje, o senhor que está a par...
R – Ah, eu gosto de acompanhar. Isso eu, de manhã levanto, a primeira coisa que eu faço depois do café é ler o jornal. Eu leio a parte política, que é a primeira parte. Aí eu vou para a praia. Depois do almoço eu tiro uma sonequinha (risos), eu acabo de ler o jornal. Já estou no escritório, já para fazer lá as coisas do escritório. Depois vem o... Saio, às vezes vou na praça conversar com os velhos, jogar conversa fora, comentar [sobre] política, essa coisa. E isso aí já vai até seis e meia, por aí. Aí a gente vai e toma um cafezinho lá, acaba de bater um papo. Aí eu vou para casa, tomo um lanche, vejo o jornal da televisão. Assisto a novela. Sou louco por aquela novela das oito.
P/2 -
(risos).
R – Só a das oito. E depois eu leio, ______, passo a ler livro, essa coisa. Eu estou lendo um livro muito interessante agora, é "História dos Grandes Homens". Mas é isso.
P/1 – Qual deles lhe chama mais atenção? Qual desses grandes homens da história te chama mais atenção.
R – Olha, eu acho que foi o Spinoza. O Spinoza foi panteísta, né? E ele é mais ou menos da minha, a minha cabeça está por aí (risos). O Spinoza foi um grande filósofo, puxa vida. A vida do Spinoza foi uma coisa ___________,
porque o Spinoza foi, ele era um judeu e ele tinha uma irmã. Ele é de Amsterdã, da Holanda. Judeu holandês. E ele era um cara, um autodidata. Então ele logo começou a se indispor com a irmã, com o pai e começou a estudar. E ele ficou até, o final, foi indo, foi indo e ficou professor. Ficou um grande matemático e acabou sendo professor da universidade. E ele morava em um sótão. Porque ele __________ e morava em um sótão. E via as teias de aranha. Não queria que... Um dia apareceu a empregada e tirou as teias de aranha, ele fez um barulho porque tiraram as teias de aranha dele lá. Ele gostava dessas coisas. Bem, mas o interessante é o seguinte, é que o pai dele tinha um negócio, um armazém, um negócio desses de comércio. E quando o pai morreu a irmã deu um jeito lá e ficou com toda a fortuna. E ele falou: “Pôxa vida, eu tenho direito a metade pelo menos disso.” Mas a irmã não quis saber. Então o que ele fez? Foi estudar advocacia. E se formou em advocacia (risos) só para entrar com uma ação para pegar a parte dele da fortuna. E entrou com a ação como advogado, era professor da universidade de matemática e era filósofo. E aí ele ganhou a ação e chegou para a irmã e falou: “Pode ficar para você, eu só queria provar que isso aí pertencia a mim.” Você vê que desprendimento. E ele era, a concepção dele do universo, essa coisa era uma coisa espetacular. Mas ele era um cara fantástico.
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Seu Mário.
R – Ahn?
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Eu queria fazer duas perguntas então para a gente encerrar, que é o seguinte: uma, se o senhor pudesse começar de novo sua trajetória tanto de vida como profissional, o senhor mudaria alguma coisa?
R – Bom, eu... Acho que eu não sei. Acho que eu não mudaria, viu? Porque, que caminho eu ia seguir?
P/1 – Hum.
R – Eu me realizei. Fiz tanta coisa que me deu tanta satisfação. Quando a gente realiza um negócio. Quando eu acabava, por exemplo, aqueles trabalhos que eu fazia na desapropriação lá, puxa, era um alívio. É um negócio gratificante quando você faz um trabalho que te deu muito trabalho, de esforço, dá uma satisfação grande. Eu tive muito isso. E como eu também saí de uma família de pobres, toda essa luta para mim foi uma coisa que me gratificou muito. Não foi fácil chegar onde eu cheguei. Por isso eu acho que eu não sei se eu mudaria não. Nem sei. Teria que pensar um pouco. Alguns atalho eu faria, talvez. Mas sempre dentro da Agronomia, porque eu sempre fui muito da natureza. Essa coisa. Eu não sou muito de... Urbano não. Eu sou mais rural.
P/2 - E seu Borgonovi, o que o senhor achou de ter prestado esse depoimento aqui hoje e participado do projeto?
R - Eu achei boa, eu só não sei como é que vai sair. Porque eu devo ter falado as coisas meio fora de lugar. E isso aí vai ser com vocês agora para acertar, porque esse negócio de data na cabeça de velho é difícil para você coordenar. Eu fiz a cola, mas não adiantou nada (risos).
P/1 – Você não precisou da cola.
R – Vocês foram estimulando as perguntas, né? Mas foi bom, agradável. Foi um pouco calor, só isso aqui.
P/2 – (risos).
R – Mas como eu sou homem do mato, como diz o outro, então eu não sofri tanto assim não.
P/1 – Muito obrigada pela participação.
R – Eu gostei de te conhecer, Paula. Você também. De vocês todos.
P/1 – Muito obrigada, Mário.Recolher