Memória Votorantim
Depoimento de Shirley Theodoro ________
Entrevistada por Judith Zuquim e Soraya Moura
São Paulo, 17 de março de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código: MV_HV049
Transcrito por Aline Carcellé
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Shirley, para gente começar, teu nome ...Continuar leitura
Memória Votorantim
Depoimento de Shirley Theodoro ________
Entrevistada por Judith Zuquim e Soraya Moura
São Paulo, 17 de março de 2005
Realização Museu da Pessoa
Código: MV_HV049
Transcrito por Aline Carcellé
Revisado por Joice Yumi Matsunaga
P/1 – Shirley, para gente começar, teu nome completo, local e data de nascimento?
R – Shirley Theodoro ____________, minha idade é...
P/1 – Fala a tua data de nascimento?
R – 28 de outubro de 1956.
P/1 – E onde você nasceu?
R – Em Mauá, aqui mesmo em São Paulo.
P/1 – E você passou a tua infância em Mauá?
R – Não. Aos seis anos eu vim para cá, para capital, para São Paulo mesmo. E morei perto da Dona Zezinha, né? Em um bairro lá, Vila Medeiros, e foi onde ela me arrumou emprego.
P/1 – Calma.
R – (risos)
P/1 – Conta para mim, o que o teu pai fazia?
R – Meu pai era motorista de ônibus da Cmtc.
P/1 – E a tua mãe?
R – Dona de casa mesmo.
P/1 – E os teus pais nasceram em São Paulo mesmo?
R – Meu pai nasceu perto de Tatuí em Cesário Lange, e minha mãe no Paraná.
P/1 – E você sabe quando eles chegaram em São Paulo?
R – Não, mas há mais de quarenta anos atrás. Uns cinquenta anos atrás.
P/1 – E você sabe por que eles vieram para São Paulo?
R – Tentar a vida, né? A melhor sorte, acredito.
P/1 – E até os seis anos você ficou em Mauá?
R – Fiquei em Mauá.
P/1 – E você lembra como era?
R – Lembro. Algumas passagens eu lembro. Da minha mãe arrumando a minha irmã para ir para escola, meu pai indo trabalhar, Natal, depois só depois dos seis anos, aqui já.
P/1 – E aqui vocês moraram onde?
R – Na Vila Medeiros.
P/1 – E você lembra?
R – Lembro.
P/1 – Como que era?
R – Vila Medeiros? Bom, evoluiu muito agora, né? Porque antigamente era bem... Só a avenida mesmo que era com esses paralelepípedos, nem asfalto mesmo não era. Era um bairro bom, tranquilo. Hoje em dia já está bem diferente.
P/1 – E tinha transporte? Era bem afastado?
R – Tinha um transporte. Não é muito afastado. É perto da Vila Guilherme. É rápido para chegar ao Centro.
P/1 – E você estudou lá?
R – Estudei.
P/1 – E você lembra da escola, como era?
R – Lembro. Eu estudei pelo Sesi o primário.
P/1 – Como assim pelo Sesi?
R – Do Estado, né? Do Estado, o Sesi. E até a quinta série. Quarta série. Depois eu não tive condições de fazer a admissão que era pago, porque nós somos em sete, comigo, sete filhos. Meu pai não podia dar estudo para todos. Somente o meu irmão que ele pôde pagar. Depois de muitos anos... Então eu parei de estudar. Depois de muitos anos que eu voltei a fazer Madureza Ginasial, que naquele tempo não era supletivo ginasial, era Madureza Ginasial. Daí eu fui fazer Madureza Ginasial. Eu tinha dezessete anos e eu podia fazer os exames só com dezoito anos. Então não prestei os exames também. Então ficou incompleta a minha Madureza Ginasial.
P/1 – E esse período que você parou de estudar? O que você fazia?
R – Eu procurava ajudar a minha mãe em casa só, né? E aos dezoito, quando eu fiz dezoito anos foi que surgiu a oportunidade do emprego.
P/1 – E como que foi o primeiro emprego?
R – Foi assim, a encarregada, que era lá das telefonistas, que chamava-se Dona Zezinha, né?
P/1 – Da Votorantim?
R – Da Votorantim. O nome dela era Josefa Lima Barreto. Ela era nossa vizinha. E ela arrumou um emprego para minha irmã. E a minha irmã já trabalhava na Votorantim há dois anos e surgiu uma oportunidade para ela passar para o CPD que era na Barra Funda da Votorantim, e ela me colocou no lugar dela. Pediu para dona Zezinha se podia indicar, né? E ela me indicou e a Dona Zezinha aceitou. Aí, eu fiz um estágio de três meses e depois logo fui efetivada.
P/1 – E a sua irmã então já trabalhava na Votorantim?
R – Já trabalhava há dois anos.
P/1 – E como que ela chegou na Votorantim?
R – Através da Dona Zezinha também.
P/1 – E ela trabalhava...?
R – Na telefonia. Depois ela foi fazer digitação que era de processamento de dado, né?
P/1 – E aí? Como foi esse seu primeiro emprego?
R – Nossa! Foi um... Maravilhada, né? Porque primeiro emprego e tudo. Quando eu fiz três meses, eu falei: “Dona Zezinha, a senhora vai me aprovar?”. Quando terminava o expediente eu não queria tirar o fonezinho da cabeça, eu queria continuar. “Mas não chama! Porque será que não chama?” (risos) É claro. Já terminou o expediente, né?
P/1 – Você lembra do teu primeiro dia de...
R – Lembro. Justamente, eu ficava querendo que chamasse até às sete horas da noite. Que eu entrava às treze e saía às dezenove horas.
P/1 – E a Dona Zezinha já estava lá há muito tempo?
R – Já.
P/1 – Você sabe desde quando?
R – Não. Porque ela conheceu o Doutor Antônio mocinho ainda. Era só Doutor José Senador, né? O pai do Doutor Antônio, do Doutor José, da Dona Maria Helena e do Doutor Ermírio Pereira que comandava naquela época. E o Doutor Antônio estava nos Estados Unidos estudando ainda. Então eu não sei. Eu não sei precisamente a data que ela entrou na Votorantim.
P/1 – E como que ela era?
R – Como pessoa? Era uma pessoa muito boa. Todo mundo gostava muito dela. Muito bom para trabalhar, como vizinha também.
P/1 – E você passou por algum treinamento? Foi ela mesma que te treinou?
R – Foi ela mesma que me treinou. Ela mesma que me aprovou como encarregada do setor, né? Naquele tempo eu acho que era mais fácil, né? Não tinha um RH, aquela seleção.
P/1 – E quantas telefonistas havia?
R – Nove telefonistas.
P/1 – Como que era?
R – Oito telefonistas e nove com a encarregada que era a Dona Zezinha. Era o período de sete às treze, das treze às dezenove. Nó tínhamos um relacionamento bom também entre todas.
P/1 – E onde vocês trabalhavam? Como que era o lugar?
R – Lá mesmo onde nós trabalhamos agora, na mesma sala. Eu comecei naquela sala e estou lá há trinta anos. Só mudou os móveis.
P/1 – E os equipamentos? Como é que eram?
R – Equipamentos? Tinha um Pabx que era... Que a gente pegava... Agora até esqueci o nome daqueles... Que enfiava no... Não lembro mais. O Pabx já mudou umas três vezes já da época que eu estou lá.
P/1 – E esse primeiro, como que ele funcionava? Vocês recebiam chamadas? O que você tinha que fazer?
R – Eu recebia um chamado e pegava uma tecla lá e enfiava no buraquinho do ramal. Às vezes cruzava tudo. Quem não sabia, fazia conversação em três.
P/1 – E você tinha que saber tudo de cór então?
R – Tinha. Mas nós tínhamos a relação ali, né? Hoje em dia é completamente diferente, né?
P/1 – E tinha alguma linha especial, que ia para alguma pessoa em especial ou alguém que você tinha que atender primeiro? Como que funcionava?
R – Tem. Diretoria sempre é prioridade, né? E eles chamando, acendendo aquela luzinha dos diretores, primeiro eles, depois as outras pessoas das outras luzinhas, dos outros ramais, né?
P/1 – E dessa época? Você lembra de algum telefonema esquisito, alguma coisa engraçada que tenha acontecido?
R – Engraçada? (pausa) Engraçada eu não sei. Às vezes o que é engraçado para mim pode não ser para outras pessoas.
P/1 – E qual foi a coisa mais estranha que te aconteceu nessa primeira época, quando você acabou de entrar, quando você estava aprendendo?
R – Estranha? (pausa) Não me lembro de nada estranho. Pode ser que depois eu venha lembrar.
P/1 – E tinha quantos ramais nessa época, Shirley?
R – Tinha cinquenta e oito ramais e vinte linhas. Hoje em dia tem muitas, mais de seiscentas. Não sei precisamente, é mais com o técnico mesmo, né? Mas tem muita.
P/1 – E nessa época tinha poucas mulheres trabalhando lá?
R – Tinha. No prédio era mais homens.
P/1 – E como era para uma mulher trabalhar nesse ambiente tão masculino?
R – Eu não tinha muito contato, porque a gente ficava em uma sala mais restrita, né? Mas acredito que era normal. Para mim era normal. Eu fiquei maravilhada, eu queria trabalhar. Era uma independência, né?
P/1 – E tinha alguma regra para se vestir?
R – Tinha. Não podia ir com o vestido muito curto. Hoje em dia também não, né? Com decote, calça muito justa, não podia também ir de chinelo, de bobe na cabeça... (risos) Tem muita coisa que não podia, né?
P/1 – Era uma regra para todo...
R – Para todos. Tinha regra de trabalho. A gente recebia uma cartilhazinha, né?
P/1 – E você então almoçava lá?
R – Não. Nós não temos horário de almoço, porque devido a ser seis horas, nós temos vinte minutos de lanche. Porque é das sete às treze, né? Então, quem sai já almoça fora. E das treze
às dezenove já vem almoçada, tem vinte minutos de lanche e depois vai embora. Mas tem cafezinho à vontade, chá.
P/1 – E você começou a trabalhar, e você lembra qual foi a primeira grande mudança que aconteceu? Mudança no teu trabalho?
R – A data precisamente não, mas, houve muitas mudanças de Pabx, quando começou a entrar DDR, porque quando eu comecei não havia DDD, DDI, né? Era tudo via telefônica.
P/1 – E como que você fazia para fazer uma ligação, por exemplo?
R – Eu ligava para Telefônica, pedia ligação e ela pedia para eu desligar, dava o meu número e quem ia falar e depois ela chamaria. Depois de um certo tempo... Às vezes demorava mais de horas para completar uma ligação. Principalmente se fosse em Rondônia, Mato Grosso... Tinha um diretor que pedia... que ele tinha que fechar, né? Ele pedia a todas a filiais, todos os depósitos, tudo para de manhã. Então, a gente chegava e já pedia tudo porque sabia que ia demorar, né? Antes mesmo dele pedir, a gente já começava a pedir as ligações, porque sabia que ele ia ter que dar baixa nas pastas, né? Saber produção, alguma coisa assim. Teve uma mudança também quando eles colocaram três canais de voz nas fábricas lá em Votorantim que era a fábrica de tecido, papel e de cimento. Então, a gente não precisava mais pedir via telefonista. Era só teclar aquele botão e já ia direto. Então, foi um avanço para gente, né? Depois foi melhorando cada vez mais.
P/1 – Nossa! E você sabe em que ano mais ou menos foi isso para gente ter uma ideia?
R – Em que ano? (pausa) Deixa eu ver... Eu já tinha casado...
P/1 – Deve ter sido nos anos oitenta ainda.
R – Foi. Foi antes dos anos oitenta, ainda. Eu casei em setenta e nove. Foi setenta e nove para oitenta.
P/1 – E ligações internacionais?
R – Ligações internacionais a gente pedia via telefonista também. Era tudo pela Telefônica. Às vezes completava mais rápido uma ligação internacional do que uma nacional.
P/1 – E quando você recebia ligação interurbana também era assim? Você tinha que falar com a telefonista ou não?
R – De fora? Tinha. Eu falava e pedia já a pessoa. Hoje em dia já ligam direto, né? Mas as perguntas a gente fala em inglês, embora a gente já fez inglês, um curso básico, né? Mas mesmo assim, às vezes a gente fica com dificuldade. Então, a gente pede um socorro para Valéria ou para o Departamento de exportação. Eles auxiliam.
P/1 – E já aconteceu das pessoas... Aconteceu muito das pessoas começarem a falar com você sem saber que você era a telefonista?
R – Hã, hã. Pensando que era secretária, né?
P/1 – E como que era? Como que você resolvia isso?
R – A gente pede um momento, se identifica falando: “Sou do setor tal”, né?, “Vou passar para pessoa certa”. A gente tem um joguinho de cintura, né? (risos)
P/1 – E nunca brigaram com você?
R – Ah, tem gente que é um pouco nervosa, né? Elas querem ser atendidas em imediato e já vai falando do problema e pronto. Acha que a gente tem que resolver.
P/1 – Então, você acha que a primeira mudança foi essa mesmo, né? Dos interurbanos?
R – Hã, hã.
P/1 – E depois Shirley, o que você acha que mudou?
R – Por setor de telefonia ou no geral? Não. Porque no geral mudou muito, né?
P/1 – O quê? Quer dizer, como é que as mudanças na empresa aparecem para vocês lá da telefonia?
R – É porque eu acredito que antigamente o número de funcionários era bem menor, todo mundo se conhecia, o tratamento era outro. Hoje em dia também nem dá para dar tanta atenção para todo mundo, porque é muita gente, né? Então, nesse aspecto eu acho que mudou também.
P/1 – E a gente imagina que as telefonistas acabem sabendo de muitas coisas, né? Ou acabem participando de muitas coisas que não aparecem, né? Como é que é isso, Shirley?
R – Sabendo?
P/1 – É. Vocês se comunicam com todo mundo o tempo todo, né?
R – É. Uma pessoa vem e fala um pouquinho, a outra vem e fala: “Ah, mas é assim, assim, assado”. Então, a gente vai captando. De uma informação a gente já pega outra, aí complementa. (risos)
P/1 – E as pessoas ligam para vocês para ter informações?
R – Ah, sim. “Vocês que sabem de tudo. Você sabe se está acontecendo isso, isso ou aquilo?” (risos) Então, às vezes a gente nem sabia. Só no zum, zum, zum. Daí vem uma outra pessoa e já completa.
P/1 – E em casos assim que uma informação importante deveria ser dada para várias pessoas ao mesmo tempo? Por exemplo, o falecimento de alguém importante. Você lembra disso? Como que foi?
R – Eu lembro quando o Doutor José Filho faleceu. Inclusive foi o Senhor Nelson Teixeira que ligou... Dispensou todo mundo, né? Inclusive dispensou a nós, mas o Pabx começou a chamar muito, muito, muito. Se a gente colocasse no noturno para a portaria atender, eles não iriam conseguir atender todo mundo. Então nós ficamos. Ficou eu e a minha colega, a Elaine, até que ela vai vir. Mas veio tanta chamada que a gente não conseguia nem tomar água, nem ir ao banheiro, porque todo mundo queria saber, né? Como que foi, onde estava. Número de fax, tudo. E nós ficamos para prestar esse serviço.
P/1 – Tem mais algum momento em que aconteceu isso? Em que vocês ficaram realmente sobrecarregadas com algo que aconteceu na Votorantim?
R – Ah, tem. Quando teve o plano Collor, por exemplo.
P/1 – Você lembra?
R – Lembro. Mas é mais pedindo departamento financeiro, banco. Veio muita ligação, sobrecarregou, mas a gente logo despachava. Porque no falecimento a gente tinha que falar porque não tinha para quem passar. O prédio todinho foi dispensado, né?
P/1 – Aí ficaram só vocês?
R – Ficamos só nós para dar informação.
P/1 – E você lembra de mais algum caso em que isso aconteceu?
R – (pausa) Não. Não vem na memória agora.
P/1 – E já aconteceu de você ter que ficar lá de noite? Algum caso extra que você tenha que atender? Você lembra?
R – Não. Acontece de vez em quando mas é o Doutor Antônio, porque a Valéria sai às cinco e meia, seis horas, né? E nós que fazemos... Já foi de costume. Nós que fazemos as ligações para o Doutor Antônio e os outros diretores, como o Nelson Teixeira da CBA. Nós que fazemos e nós que anunciamos. A gente não passa para secretária para elas anunciarem. O Doutor Antônio acostumou assim. Então, a telefonista fica das dezoito às dezenove sozinha sem ter para quem passar a ligação no caso de uma recusa dele, né? Do Doutor Antônio. Ela anunciando e ele não querendo falar com a pessoa. E às vezes ele pede para ficar depois das dezenove. Então fica até as dezenove e dez, quinze, vinte e cinco. Mas é muito raro.
P/1 – E nesses casos Shirley, quando você tem passar a ligação e a pessoa diz que não vai atender, como você faz?
R – A gente dá uma desculpa. Por exemplo, o Doutor Antônio não quer falar com uma pessoa. Ele fala: “Eu não estou”. Eu anoto lá que eu vou dar uma desculpa que ele está em uma reunião. Para eu falar: “Valéria, ele não quer. Ele está em reunião para essa pessoa”. Ou então: “Para essa pessoa, só depois do almoço”. Já passo para ela para ela resolver. Eu encaminho mais ou menos e já falo o que eu falei para ela.
P/1 – E quando você passa para qualquer outra pessoa e o sujeito fala que não vai atender você tem que resolver?
R – Tem que resolver.
P/1 – E se a pessoa insiste muito?
R – “Não está, Senhor. Não posso fazer nada. Ele só vai voltar tal hora. Só mesmo depois do almoço.” Eu me identifico, falo que não sou a secretária e que “a Valéria também não está ou então um outra secretária, a Vera não está na sala no momento. Assim que ela voltar eu passo o recado e o fone dele que ela entra em contato.”
P/1 – E você lembra de pessoas inusitadas, famosas que você tenha atendido, que você tenha passado a ligação?
R – Para o Doutor Antônio, para o Senhor Nelson? Para o Doutor Antônio eu já passei muita. Roberto Carlos muito gentil, ainda conversa com a gente.
P/1 – E como que você sabia que era o Roberto Carlos?
R – Ele se identifica, né?
P/1 – E você acreditou?
R – Eu tenho o número. Eu tenho o número, conheço a voz, né? Porque devido a gente anunciar e fazer as ligações, então a gente tem um agenda no computador com todos os atores, atrizes, Ministério, do Palácio lá, do governo, né? Todos os palácios do governo, as prefeituras, de São Paulo e de todos os Estados.
P/1 – E com quem que você falou? Conta para gente?
R – Roberto Carlos, Hebe Camargo, Clodovil, Datena, muita gente. (risos)
P/1 – E você conversou com eles?
R – Não. É mais formal, né? Mas o mais educado, mais simpático é o Roberto Carlos mesmo. Eu: “Grupo Votorantim, bom dia!” “Bom dia. Quem está falando?” “Oi Shirley. É Roberto Carlos. Eu poderia falar com o Antônio Ermírio?” Muito educado. Muito gente fina mesmo, né?
P/1 – E quem mais Shirley, que você lembra?
R – Com o Fernando Henrique. O Lula não fala pelo telefone com o Doutor Antônio. Ele manda sempre os assessores.
P/1 – O Fernando Henrique ligava diretamente?
R – Mário Covas, o Serra. O Serra fala direto.
P/1 – E como ele falava Shirley? “Aqui é o Presidente da República. Quero falar com o Doutor Antônio.”?
R – Não. Fernando Henrique. Eles são mais...
P/1 – Ele ligava diretamente?
R – Direto. Às vezes não. Às vezes o assessor ligava. Às vezes quando estava no carro, celular, né? Pelo celular, daí ligava. “Aqui é o José Serra e quero falar com o Doutor Antônio.” Ou então Fernando Henrique. Tinha vezes que era o assessor que ligava. Eu... “Vamos passar a ligação. Você vai passando e eu vou passando. Porque um quer ser mais... A gente nunca sabe quem é, né?
P/1 – E por que que as ligações para o Doutor Antônio caem no teu?
R – Porque é o geral, né? Mas tem algumas ligações que caem para Valéria também. 7090. E ela passa para gente para gente anunciar, porque já é de costume. Inclusive, o Doutor Antônio tem uma campainha que ele nos chama, a gente atende e ele pede a ligação direto para gente. Era assim com o Doutor José também antes dele ir para Rua Amauri. Com o Doutor Ermírio Pereira. Com todos os Ermírios era assim. E o Doutor Antônio continua não sei por quê.
P/2 – E teve algum caso, Shirley, de alguma pessoa que quisesse falar com ele de qualquer jeito? Alguma pessoa anônima para pedir alguma coisa e insistisse que queria falar com ele?
R – Ah, tem sempre.
P/2 – Tem sempre?
R – Tem sempre. Tem gente que liga: “Ah, eu quero pedir para ele, para ele pagar a minha faculdade. Para pagar conta de água e luz. Só ele mesmo que tem que me ajudar. Ele tem dinheiro”. “Só um minuto que eu vou passar para secretária.” As secretárias que ficam doidas, né?
P/2 – E você passa para elas?
R – Eu passo para elas. Às vezes quando já encerrou o expediente, a gente pede para ligar no outro dia, mas tem gente que é insistente, que fica lá e conta história que “não sei quem morreu, que está com muita dívida, que precisa, que só o Doutor Antônio, porque ele é muito bom, já ouvi falar que ele é muito bom, que precisa mesmo que ele ajude”. “Você não acha que eu devo pedir?” Fica assim conversando como se fosse uma amiga, né? É bem estranho.
P/1 – E tem casos que você mesmo resolve? Você não passa para secretária?
R – Não. Não. Às vezes ela quer o número de fax, ou então só endereço para mandar correspondência, então a gente mesmo resolve ali sem passar.
P/1 – E na época que ele foi candidato? Você lembra?
R – Nossa! Na época que ele foi candidato nós trabalhamos muito. (risos) Foi... Lembro.
P/1 – Como é que foi? Como era o clima?
R – Tinha pessoas de outro partido que ligava lá xingando às vezes. “Olha, você fala isso, isso, isso, isso para ele, viu?” (risos) “Ele não vai ganhar e não sei o quê.” Falava um monte de coisa para gente.
P/1 – Esse número é um número geral, né? Quer dizer, qualquer pessoa...
R – É. Liga.
P/1 – Mas tem números que não são divulgados também, né Shirley?
R – Tem. Tem os diretos, né? Dos diretores que nem a gente... A gente prefere não saber também. Só mesmo eles e as secretárias sabem.
P/1 – Entendi. E você falou que vocês chegaram a fazer um curso de inglês?
R – Um curso básico, né? Mas assim, foi seis meses que eu fiz.
P/1 – Mas assim, telefonemas internacionais, como é que vocês fazem?
R – A gente cumprimenta e entende mais ou menos. Tem coisa que pelo telefone não dá para entender. Então, a gente pede um socorro para o Departamento de Exportação, que as pessoas falam fluente, né?
P/1 – Aí vocês passam...
R – Para lá. “Por favor, verifica para quem que é e depois você me devolve?” E a pessoa faz isso.
P/1 – E na equipe de telefonistas sempre foram mulheres?
R – Sempre.
P/1 – Nunca teve um homem?
R – Não. Somente o técnico de telefonia, né? Que fica na sala ao lado.
P/1 – Só mulheres?
R – Só mulheres.
P/1 – E fala um pouquinho da tua vida pessoal? Você falou que você casou em setenta e nove?
R – É, em setenta e nove. Eu entrei com dezoito anos na Votorantim, depois me casei de vinte e dois para vinte e três anos.
P/1 – E onde você conheceu o seu marido?
R – Conheci lá no bairro mesmo onde eu moro. Ele é bancário hoje em dia. E eu parei de estudar também, né? E me acomodei. Só mesmo depois de casar que eu quis voltar a estudar. Depois eu logo tive filho, parei de novo e não tive oportunidade de estudar. Meu filho tem vinte e quatro anos hoje em dia, minha filha tem vinte e um, fez vinte e um agora. Eu trabalhava seis horas e trabalho e foi ótimo para mim, porque eu pude trabalhar, ajudar meu marido e cuidar um pouco dos meus filhos, né? Então, eu sempre contornei a minha vida assim.
P/1 – E você não teve que fazer nenhum tipo de treinamento conforme os equipamentos foram mudando?
R – Ah sim, nós fizemos. Mas assim, o equipamento não muda, né? Um dia só e a gente já pega, já sabe, é mecânico, né? A gente fazia um curso na mudança, um curso de um dia daquele equipamento, daí logo já se aperfeiçoava.
P/1 – E a Dona Zezinha trabalhou até quando? Você tem ideia?
R – Trabalhou até noventa e três. Foi quando ela foi para Rua Amauri. Que o Doutor José fez um convite para ela, para ela ir para lá. Então, ela ficou entre Doutor Antônio e Doutor José. O Doutor José conhecia muito a Dona Zezinha. Desde do pai dele, né? Então, falou para ela se ela queria ir para lá e ela quis.
P/1 – Ela foi a primeira telefonista, Shirley?
R – É. Uma das primeiras telefonistas do grupo. Eu acho. É. Porque se ela entrou em... É. Quando ela entrou o prédio da Votorantim não era nem ali na Praça Ramos, era na Riskallah Jorge. Quando eu entrei já era na Praça Ramos. E havia três telefonistas, a Isaura, a Vilma e a Dona Zezinha. Essas três que eram praticamente... Quando era na Riskallah Jorge, não sei se era lá que foi fundada a Votorantim. Não tenho conhecimento.
P/1 – E você lembra dela ter te contado alguma história como era?
R – Ela contava lá da Riskallah Jorge. Ela contava assim o corriqueiro, né? Como que era, como que não era. Mas assim, coisas que marcassem eu não lembro.
P/1 – Você não lembra dela ter falado das pessoas, dos diretores?
R – Lembro algumas coisas. Porque a diretoria era outra também, né? Era o Senhor Borbolla que já faleceu, o Doutor Dalsborg, Doutor Mário, Doutor Antônio que havia chegado há pouco tempo dos Estados Unidos, Europa, não sei, e o Doutor José, o Senador. Ela falava assim, mas eu não lembro direitinho como que era.
P/1 – E hoje vocês são em quantas?
R – Três.
P/1 – E como que é o teu trabalho hoje, Shirley?
R – Meu trabalho hoje em dia é bem light, né? Devido a telefônica ter tanta tecnologia. Não tem mais DDR, então as pessoas já ligam direto. Só quem não sabe mesmo que liga lá. Liga lá e a gente já passa no departamento específico, né?
P/1 – E você acha que quando foi introduzido o celular diminuiu muito também?
R – Diminuiu. Diminuiu bem mesmo. Porque as pessoas mesmo tendo telefone elas usam muito o celular dentro dos departamentos, né? Não assim, da CBA é proibido. Mas quem vai para uma reunião, quem está lá embaixo.
P/1 – Como assim proibido?
R – Não pode usar o celular, o barulho do celular, né? Às vezes também não pega, né? Conforme o setor.
P/1 – Não pode usar celular naquele prédio?
R – Pode. Mas tem setor que não pode. Que não pega. E também tem que ser bem baixinho para não incomodar... Que nem a Contabilidade, não pode. Financeiro. Eles estão lá tocando muito celular, atrapalha. Tem algumas restrições, né?
P/1 – E hoje você comparando como era o teu trabalho há trinta anos atrás e hoje, você acha que o que é que melhorou, o que era bom e não tem mais? O que mudou?
R – (pausa) Bom, antigamente o serviço era muito maior e o hoje já não. Isso mudou. Mas a... Eu não sei. As pessoas, o contato era muito maior, né? Antigamente do que agora.
P/1 – Você diz a forma com que as pessoas falam ao telefone?
R – É. Mais ou menos assim. As pessoas antigamente parece que davam mais importância para você. Hoje em dia já é mais... Eu não sei explicar.
P/1 – Você acha que a comunicação por telefone tinha outro peso do que ela tem hoje, por exemplo?
R – É. Isso. As pessoas dependiam muito mais também, né? E hoje já não.
P/1 – E você acha que por isso as pessoas tratavam de outra forma as telefonistas? Quer dizer, o que era diferente? As pessoas conversavam mais do que hoje?
R – Não. Conversar mais não. Mas dava mais importância aquilo que você estava fazendo, exercendo. Hoje em dia já não é tão necessário.
P/1 – E já aconteceu de uma pessoa falar durante anos, décadas com você ao telefone e você finalmente conhecer a tal pessoa?
R – Ah, já.
P/1 – Por exemplo?
R – Por exemplo... Tem uma pessoa que me ligou outro dia falando: “Mas Shirley, você ainda está aí?! Você já foi tombada como Patrimônio Histórico?” (risos) Como que ele chama? Alberto. Luíz Alberto Duarte. Ele trabalhou. Trabalhou lá na Vpar também. Eu não sei em que setor. E ele trabalhou lá no prédio da Praça Ramos. E ele falou: “Mas você continua? Você não sai daí?”. Eu falei: “Eu só vou sair à vassourada daqui”. (risos)
P/1 – Mas assim, uma pessoa que você fala constantemente ao telefone, mas você nunca viu pessoalmente e essa pessoa nunca te viu?
R – O Senhor Luiz Alberto Duarte eu nunca vi mesmo. Pessoalmente eu não conheço. Tem muita gente que eu não conheço, só pelo telefone e pela voz, né? Que a gente às vezes quer passar um trote mas: “Ah, tá querendo me enganar!”. Então, a gente já conhece, né? E as pessoas também conhecem a nossa voz. O Doutor José Pastore que é assessor do Doutor Antônio, ele conhece a voz das três, e todo mundo confunde, né? E ele conhece. “Shirley.” Quando é a Elaine, “Elaine.” Ele já fala o nome certinho, não confunde. O Milton Rocha Filho também, do Jornal do Estado, né? Que entrevista muito o Doutor Antônio, o Guilherme Barros, eles conhecem a nossa voz. Já identifica logo.
P/1 – E já aconteceu de alguém bater lá na sala de vocês e falar assim: “Eu quero conhecer essa pessoa que eu só conheço a voz.”
R – Já. Alguns funcionários às vezes que só conversam, só conversam muito por telefone, né? “Qualquer dia eu vou aí conhecer vocês.” E um belo dia vem: “Ai, eu sou fulana, prazer”. Então, sempre acontece isso. Senhor Olair veio também direto. Ele é diretor da Atlas. Veio lá nos conhecer. O filho do Doutor Nelson Teixeira que é o diretor lá também: “Ah, qualquer dia eu vou aí tomar um cafezinho com vocês”. Tem gente muito gentil, bacana.
P/1 – E você nunca pensou em deixar de ser telefonista nesses trinta anos?
R – Não. Nunca pensei, porque a Votorantim me ajudou tanto para eu ajudar meu marido, criar meus filhos e o horário também que eu fazia de seis horas, dava para eu combinar com o horário da minha casa para eu cuidar dos meus filhos e da minha casa. E para eu exercer uma outra profissão, me tomaria o dia inteiro. Então, eu sempre pensei desse lado. Então, me acomodei ali. E também eu não tive muitos estudos, então, não podia galgar outras...
P/1 – E o que precisa para ser uma boa telefonista?
R – Precisa ter muita educação, boa dicção, tem que ter muita paciência e precisa gostar daquilo que está fazendo, eu acho.
P/1 – E você acha que você conseguiu aprender sozinha mesmo, né?
R – Consegui. Eu acho que sim. Pelo menos muita gente me elogia, né?
P/1 – Você falou da boa dicção e eu fiquei imaginando se já não aconteceu alguma coisa de você passar uma ligação errada ou de ter entendido alguma coisa errada? (risos)
R – Ah, sim. Já aconteceu. Outro dia mesmo aconteceu e agora me falha a memória. Que eu passei para um setor e... Mas as duas coisas davam no mesmo, né? O som era a mesma coisa. Eu falei: “Olha, mas eu entendi isso”. “Não, eu falei isto.” “Então, não. Eu passei errado.” Porque a pessoa não tinha boa dicção, né? Mas não me lembro direito.
P/1 – E você como telefonista nesses trinta anos lá na Votorantim, passou por vários momentos da empresa, do grupo. O que você acha que mais mudou na empresa, no grupo?
R – O que mais mudou no grupo? Houve muitas mudanças, mas eu não sei explicar como é que eu vi essa evolução.
P/1 – Do seu ponto de vista, o que você percebeu que mudou? Hoje você entra na Votorantim, você olha e o que te lembra a Votorantim de trinta anos atrás?
R – Eu acho que mudou muita coisa. O prédio foi reformado, a recepção está muito mais bonita, porque antigamente não era daquele jeito.
P/1 – Mas eu digo assim, o que mudou nas pessoas, no convívio, no cotidiano das pessoas? É diferente a convivência hoje no dia a dia?
R – Não. Acho que não. Não mudou muito não. Não sei explicar direito, mas que houve mudança, houve.
P/1 – No teu trabalho você acha que ficou mais tranquilo?
R – Hã, hã. Ficou mais tranquilo devido à tecnologia, né?
P/1 – E o que você acha da Votorantim contar a sua história? Desse Projeto Memória? O que você acha disso?
R – Ah, eu acho que vai ser muito bom, né? As pessoas ficarem sabendo como era antigamente. Tem muita gente que tem muita história para contar, né? As pessoas que viveram aquela época desde o Senador de todos esses anos para cá. Vai ser muito bom.
P/1 – E você acha que esses valores da família estão na Votorantim? Eles estão presentes? As pessoas que passam muito tempo lá na Votorantim de alguma forma convivem com esses valores?
R – Eu acho que sim. Porque a família Ermírio de Moraes, eles são assim, né? É uma família. É muito forte essa coisa de família. Então, eu acho que passa para os funcionários também. Não sei explicar direito, mas eu acho que passa para os funcionários.
P/1 – E você acha que isso é importante?
R – É muito importante. Para o mundo inteiro em geral é importante, né? A força da família estar sempre presente em cada pessoa.
P/1 – E o que que você achou de dar o seu depoimento? O que que você achou de dar o seu depoimento para essa história?
R – Eu gostei. Tá ótimo mas eu não sei como vai sair, mas eu gostei. Achei muito bom.
P/1 – Tem alguma coisa que você gostaria de falar mas não falou? Alguma mensagem? Algo que você gostaria de dizer?
R – Não lembro. (risos) Fiquei nervosa.
P/1 – Então, obrigada, Shirley.
R – Por nada. Obrigada eu.
P/1 – Muito bom.Recolher