Entrevista de José Silveira dos Santos
Entrevistado por Arlinda Lourenço e Sofia Tapajós
Mariana, 13 de março de 2023.
Projeto Memórias do Rio Doce
Entrevista número MRDHV018
Realização Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
(00:22) P1 - Bom dia, seu José. Qual é o seu nome completo?
R1 - Meu nome completo é José Silveira dos Santos, mas sou bastante conhecido na região por Zé Jair.
(00:38) P1 - Onde o senhor nasceu?
R1 - Paracatu, cidade antiga nossa.
(00:45) P1 - Qual é o nome dos seus avós?
R1 - Meu avô chamava Manoel Germano dos Santos e o outro José Crescêncio.
(00:55) P1 - Onde eles moravam?
R1 - Um morava lá em Santo Antônio das Pedras e o outro morava em Paracatu.
(01:03) P2 - E o que eles faziam?
R1 - Eram lavradores, né. Minha filha? Viviam lavrando a terra para poder sustentar a família.
(01:12) P2 - Você lembra deles?
R1 - Lembro um pouquinho. O meu avô Zé Crescêncio eu conheci, mas o Manoel não, eu não conheci, não. Só ouvi contar histórias dele. Quando a gente se entendeu por gente, ele já estava se despedindo desse mundo.
(01:26) P1 - Qual é o nome dos seus pais?
R1 - O meu pai se chamava Jair Januário dos Santos e a minha mãe se chamava Maria Isabel dos Santos.
(01:38) P1 - Seus pais trabalhavam com o quê?
R1 - Meu pai também era lavrador, vivia lavrando a terra também.
(01:44) P2 - E sua mãe?
R1 - Minha mãe era doméstica, né. Vivia na cozinha cuidando de nós, fazendo xarope (risos).
(01:52) P2 - Que xarope que ela fazia?
R1 - Opa! Xaropinho de cana igual vocês falam hoje (risos). (02:00). Xaropinho de cana.
(02:06) P1 - Onde vocês moravam?
R1 - Nós morávamos em Paracatu. Depois que nós nos transferimos para Ponte do Gama. Aos 12 anos de idade nos transferimos...
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Entrevistado por Arlinda Lourenço e Sofia Tapajós
Mariana, 13 de março de 2023.
Projeto Memórias do Rio Doce
Entrevista número MRDHV018
Realização Museu da Pessoa
Transcrita por Mônica Alves
(00:22) P1 - Bom dia, seu José. Qual é o seu nome completo?
R1 - Meu nome completo é José Silveira dos Santos, mas sou bastante conhecido na região por Zé Jair.
(00:38) P1 - Onde o senhor nasceu?
R1 - Paracatu, cidade antiga nossa.
(00:45) P1 - Qual é o nome dos seus avós?
R1 - Meu avô chamava Manoel Germano dos Santos e o outro José Crescêncio.
(00:55) P1 - Onde eles moravam?
R1 - Um morava lá em Santo Antônio das Pedras e o outro morava em Paracatu.
(01:03) P2 - E o que eles faziam?
R1 - Eram lavradores, né. Minha filha? Viviam lavrando a terra para poder sustentar a família.
(01:12) P2 - Você lembra deles?
R1 - Lembro um pouquinho. O meu avô Zé Crescêncio eu conheci, mas o Manoel não, eu não conheci, não. Só ouvi contar histórias dele. Quando a gente se entendeu por gente, ele já estava se despedindo desse mundo.
(01:26) P1 - Qual é o nome dos seus pais?
R1 - O meu pai se chamava Jair Januário dos Santos e a minha mãe se chamava Maria Isabel dos Santos.
(01:38) P1 - Seus pais trabalhavam com o quê?
R1 - Meu pai também era lavrador, vivia lavrando a terra também.
(01:44) P2 - E sua mãe?
R1 - Minha mãe era doméstica, né. Vivia na cozinha cuidando de nós, fazendo xarope (risos).
(01:52) P2 - Que xarope que ela fazia?
R1 - Opa! Xaropinho de cana igual vocês falam hoje (risos). (02:00). Xaropinho de cana.
(02:06) P1 - Onde vocês moravam?
R1 - Nós morávamos em Paracatu. Depois que nós nos transferimos para Ponte do Gama. Aos 12 anos de idade nos transferimos de Paracatu para Ponte do Gama e estamos quietinhos aqui até hoje, graças a Deus!
(02:20) P2 - Em Paracatu como era essa casa, esse lugar que vocês moravam?
R1 - Nós tínhamos uma casinha lá, era uma casinha simples, mas era nossa mesmo. Nós morávamos naquele cantão e vivíamos lá trabalhando, rodeando bois e brincando com a turma. Nós moramos lá até os meus 12 anos. Depois dos 12 anos, mãe morreu e nós mudamos para cá e não voltamos lá mais, não.
(02:48) P2 - E como foi para você essa mudança?
R1 - De Paracatu para cá? Ah, foi boa. Porque a gente aqui tinha mais conforto, né. Porque lá a gente vivia trabalhando e aqui também continuamos trabalhando, mas com um pouquinho mais de conforto, porque a gente não viajava tanto para trabalhar, igual nós viajávamos quando morávamos em Paracatu. Aqui nós já trabalhávamos mais perto de casa mesmo, ficávamos por aqui mesmo.
(03:16) P1 - Você tem irmãos?
R1 - Tenho ué, irmãos, eu tenho um punhado!
(03:19) P1 - Quantos?
R1 - Os que estão vivos, agora, devem dar uns 10 (risos), porque morreu um bocado já.
(03:26) P1 - Qual é o nome deles?
R1 - Tem Geraldo, tem… tem Geraldo, irmão, tem um punhado. Tem Jair, Jair morreu esses dias. Tem Arlindo, tem Clara, tem Maria do Carmo, tem Maria Helena, tem um punhado de Maria, sô! (risos). Tem muitos irmãos graças a Deus!
(03:47) P1 - Vocês brincavam?
R1 - Demais! No tempo que nós éramos crianças, nós vivíamos brincando, bater peteca era conosco!
(03:56) P2 - E essas petecas, quem fazia?
R1 - Nós mesmo que fazíamos as petecas. Nós vivíamos fazendo peteca de palha de banana. Hoje em dia que sofisticou e a gente aprendeu a fazer peteca de plástico, peteca de câmara de ar de bicicleta, melhorou, né? A fábrica de petecas. Mas de primeiro nós fazíamos de palha de banana mesmo, e saía brincando.
(04:18) P2 - E do que mais vocês brincavam?
R1 - De jogar bola. Bola era com nós mesmos! Até que a gente aperfeiçoou jogar bola, mais amador, mais arrumadinhos. Mas desde novinhos que nós vivíamos jogando bola naqueles carrinhos lá de Paracatu. E depois que a gente mudou para Gama, ficou a mesma coisa, nós continuávamos batendo bola nos campinhos para baixo e para cima.
(04:44) P2 - Você era um bom jogador?
R1 - Mais ou menos (risos).
(04:47) P1 - Em que posição o senhor jogava?
R1 - Eu era goleiro, sô! (risos)
(04:51)) P1 - É mesmo? (risos)
R1 - Tinha hora que eu tinha que saltar igual cabrito para pegar a bola.
(04:58) P2 - Teve alguma defesa que você fez que você lembra?
R1 - Lembro, sim. Lembro demais! Teve um dia que nós estávamos jogando uma bola aqui, com um time de Águas Claras e na hora que o cara chutou no gol, que eu subi para pegar a bola, o cara me agarrou e eu fiquei em cima da trave do gol com a bola na mão. Foi a defesa mais bonita do mundo! (risos).
(05:22) P1 - Como era a vida de vocês quando eram crianças?
R1 - Não, a nossa vida quando éramos crianças era trabalhar todo dia. Vivíamos roçando o pasto dos outros, rodeando bois, correndo para baixo e para cima. Isso era a nossa vida. Não tinha faculdade ou facilidade, não. Tudo era difícil para nós, mas nós vivíamos alegres.
(05:44) P1 - O que o senhor lembra do que vocês faziam?
R1 - Trabalhando? Eu lembro demais da conta! Capinar roça era o primeiro passo, né. Você conhece, né? Aí nós vivíamos plantando roça, capinando roça, capinando arroz. Depois nós começamos a plantar arroz no aro do morro, coisa boa que aconteceu foi aquilo, né? Porque no aro do morro você não precisava de pegar barro para poder capinar arroz, era mais fácil para nós. Mas nós trabalhamos muito nisso, nesse trabalho. Até a idade de 17 anos, eu vivia trabalhando, plantando roça, capinando milho por aí.
(06:22) P1 - Como era a casa onde vocês moravam?
R1 - Era uma casinha simples, casinha de pau a pique. Era de telha, mas de barro, pau a pique, você lembra, né? Era uma casinha de pau a pique, tinha um assoalho fraquinho em uma parte e na outra parte era de chão batido.
(06:40) P1 - Tem lembrança de algo que marcou na sua infância?
R1 - Sempre tem, nunca falta algo que marca a infância da gente. Quando nós éramos meninos pequenos, nós íamos para escola nas Pedras. E um dia nós fomos tomar banho no rio e o rio estava meio cheio, aí naquela volta ali da fazenda de Ana Maria, nós fomos atropelados no rio e rolamos uma distância daqui até lá embaixo, para nós sairmos da água. Essa aí marcou demais a nossa infância. Eu e o Geraldo, meu irmão, que rolamos na enchente. Nós entramos no rio pensando que o rio não estava cheio, daqui a pouco vem rolando galho, vem rolando tudo, “Ah, tá morto!”. Depois Deus ajudou que a gente se salvou na frente.
(07:27) P2 - Vocês iam bastante no rio?
R1 - Direto, sô! Nós íamos para a escola, estávamos tomando banho no rio, voltávamos da escola, estávamos brincando no rio a fora ali, direto!
(07:38) P1 - Seus pais ou irmãos participaram de alguma atividade na comunidade?
R1 - Sempre, sim. O meu pai era da conferência lá em Santo Antônio das Pedras, não saía de lá, não. Atividade forte na conferência de Santo Antônio… de São Vicente, de Paula, nas Pedras.
(07:56) P1 - O senhor também? Os seus irmãos?
R1 - Sim. Eu também. Todos nós.
(08:04) P2 - Como era essa relação? Vocês iam lá?
R1 - Nas Pedras? Diariamente. Diariamente a gente estava nas Pedras. Até hoje, de vez em quando nós estamos nas Pedras (risos).
(08:14) P1 - Tem alguma lembrança dessas comunidades que te marcou? Qual é?
R1 - Sempre tem. Eu já repeti que sempre alguma coisa fica marcada, né. Você vai… lá em Santo Antônio das Pedras, que todo mundo é amigo da gente, é uma brincadeira, é uma bola, é um qualquer pulando no palco, qualquer coisa fica marcado pra gente para o resto da vida, a gente não esquece, não.
(08:45) P2 - Tem alguma dessas coisas que ficou marcado da comunidade que você queira contar?
R1 - Sim. Lá nas Pedras pelo menos, a marca maior que eu tenho é de brincar com os meninos. É Zequito, é Victor, Vavate, todos eram companheiros de brincadeiras da gente. Então a gente nunca esquece, não, de chegar lá e ficar batendo peteca até a hora da conferência. Isso aí que ficou marcado mais em nós, né. Seu Zé Lourenço, que era pai de Zequito, né.
(09:13) P1 - Certo.
(09:15) P2 - E aí você falou da escola, você ia na escola em Pedras?
R1 - Íamos. Um tempo era para escola nas Pedras, em outros tempos em Paracatu. Porque às vezes eu começava assim, a escola em Paracatu, aí: “Estava ficando ruim, a professora não quer mais trabalhar!”. “Vamos para as Pedras”. Aí ficava nas Pedras um bocado. Aí quando melhorava em Paracatu, “Ah, vamos voltar para Paracatu, porque Paracatu é mais perto para nós”. Aí largávamos a escola das Pedras e voltávamos para Paracatu de novo. Então em uma hora estávamos em um lugar, outra hora estávamos em outro, por esse motivo. Porque antigamente não era como hoje né, que matriculou, “É aqui, e aqui mesmo!”. De primeiro ficava assim, “Ah, não quero aqui, vou para lá”. Mudava de uma escola para outra.
(09:58) P1 - O que o senhor lembra da sua escola?
R1 - Da minha escola eu lembro de brigar bastante (risos) (10:11) (risos) (10:14), isso eu lembro demais (risos).
(10:20) P2 - E vocês brigavam por quê? Como que era?
R1 - Não, por causa de um lápis, uma borracha servia de briga para nós. E as professoras vinham de vara em cima.
(10:29) P1 - É? Elas batiam?
R1 - Batiam demais, nossa senhora! As professoras em Paracatu batiam na gente demais! (10:33 até 10:37 inaudível) e pau pra todo mundo. Eu tenho uma marca na orelha até hoje, por causa da professora.
(10:41) P1 - Nossa! Como era a professora?
R1 - A professora era extrovertida, era muito alegre, porém brava! Igual eu estava falando para você, nós brigávamos, porque menino é bicho atrevido, mas a professora não brincava com a gente não, “ripava” todo mundo sem dó.
(10:59) P1 - Batia, colocava de castigo?
R1 - Batia, colocava de castigo. Agora o castigo eu não ficava, não. Apanhava, mas não ficava de castigo.
(11:06) P1 - Por quê?
R1 - Porque não ficava não, uê. A professora falava: “Fica em pé aqui”. “Fico não, vou embora. Embora para casa, não fico, não!”. Não ficava de jeito nenhum (risos).
(11:15) P2 - E teve alguma professora que te marcou bastante?
R1 - Não. Na realidade nós estudamos com três professoras, foi dona Kikita, Terezinha e Zelita. A melhor era a Zelita, porque a Zelita não brigava com ninguém, os meninos ficavam todos à vontade. Essa aí que marcou mais a gente. Quando você não sabia de uma lição, ia lá perguntar para ela, ela tinha um cuidado de ensinar direitinho e voltava e falava com a gente: "Não vai brigar não, que eu vou mandar bater em você”. Mas ela mesma, coitada, não batia (risos). Zelita era uma pessoa muito boa!
(11:54) P1 - O que você gostava de estudar?
R1 - Eu gostava muito de matemática, com isso eu aprendi a fazer conta muito bem, graças a Deus! Eu era bom na matemática! Gostava demais de matemática!
(12:08) P1 - Quem eram os seus amigos mais chegados?
R1 - Os meus amigos mais chegados lá em Paracatu eram, primeiro era Zequito, de Raimundo Nonato né, esse aí, nós estávamos sempre juntos estudando. Quando eu não sabia de uma matéria, o Zequito, “Como é essa daqui, como é essa daqui”. E o Nel, esses que eram os amigos mais chegados, assim, eram Nel e Zequito.
(12:32) P1 - De Paracatu?
R1 - Já morreram os dois.
(12:33) P1 - E lá em Pedras?
R1 - Em Pedras já era diferente, tinha a casa de Geralda. Geralda (risos), você conheceu ela, ou conhece? Ela está por lá ainda?
(12:44) P1 - Não, já faleceu.
R1 - Faleceu. Pois é, Geralda que era “companheirona” nossa na escola, Geralda do Zé Elano.
(12:53) P1 - Você estudou até que idade?
R1 - Ah, não. Eu estudei até os 12 anos, só. 13, sei lá, eu não estudei mais não, não tinha como estudar não.
(13:02) P2 - E aí o que você fez depois?
R1 - Depois que eu saí da escola? Fui trabalhar, ué. Vivia trabalhando por aí, roçando pasto para os outros aí, capinando milho, levando a vida desse jeito. Aí depois que nós viemos de Paracatu, nós não estudamos mais não.
(13:19) P2 - E aí nessa época que você trabalhava, o que você fazia pra se divertir?
R1 - Não. Nesse tempo que nós trabalhávamos batendo pasto, o negócio era bola mesmo, não tinha outro não, se não fosse o forró, era bola (risos).
(13:39) P2 - E tinha muito forró?
R1 - Oh, isso aí não faltava não. Nunca faltou forró na nossa praça, o pau quebrava.
(13:49) P2 - Como que eram esses forrós?
R1 - Oh, gente! A sanfona e o pau quebravam! A sanfona tá tocando, o pessoal está dançando, tá gritando, está tomando cachaça e direto, graças a Deus! Nós vivemos muitos anos nessa brincadeira, nessa alegria.
(14:05) P1 - Quem eram os seus amigos de juventude?
R1 - Ah, de forró? Isso aí era no Gama. Forró já era no Gama, aqui. Era Jair de Orlando, mora em Mariana, já está velho, Zé Dicesar, você conhece? Está aí no Gama também, essa turma aí que era a turma nossa do forró, e o Lico, também o Zezinho, aquela turma toda era nossa.
(14:32) P1 - O que faziam juntos?
R1 - Direto, nós estávamos sempre juntos. Quando a gente não estava pescando, nós estávamos tomando banho no rio, nós estávamos caçando por ali. Estava sempre essa turma juntos, graças a Deus! Ou forró, ou festa, estávamos sempre juntos.
(14:51) P2 - Vocês pescavam muito?
R1 - Demais. Diariamente nós estávamos pescando no rio. Hoje em dia que não pescamos mais, acabou.
(14:59) P1 - Que tipo de peixe vocês conseguiam pescar?
R1 - Pitinga, demais! Aqui no rio, no Gama, pegava pitinga demais da conta. Chegava nesse tempo, agora, começava a pegar pitinga, na cachoeira, ali, as pitingas pulavam rio acima e erravam o pulo, aí colocávamos o balaio por baixo e elas caíam dentro do balaio, oh trem bom! (risos).
(15:21) P2 - E com quem o senhor aprendeu a pescar?
R1 - Isso aí é uma coisa que quase você aprende involuntariamente, né. Porque você vai para o rio brincar com os meninos, daqui a pouco, “Ah, vamos assim, vamos assado”. Daqui a pouco, você aprende a fazer aquilo, praticamente involuntário, né.
(15:37) P2 - E aí nessa época, nos forrós todos, você dançava nos forros?
R1 - Oh, menina, fala baixo (risos).]
(15:46) P1 - Tinha muitas namoradas?
R1 - Eu, graças a Deus! (risos). Pra você ter uma ideia, eu casei três vezes (risos).
(16:01) P1 - Como eram as namoradas?
R1 - Tudo gente boa! Todas da região aqui, gente boa, só!
(16:10) P2 - Mas aí, como eram os namoros?
R1 - Ah, os namorados eram uns namorinhos assim, mais de longe, sabe como é que é? (risos) Não é como hoje não. Tudo era diferente antigamente, né. Graças a Deus.
(16:25) P1 - Como assim, vocês namoravam em outra região ou aqui mesmo?
R1- Não, era por aqui mesmo. Não saía, não tinha muito tempo para ir longe não. Você não tinha carro, não tinha moto, você andava de cavalo ou de pé, então tinha que ficar por aqui mesmo, não dava para ir longe não. Então a diferença era isso.
(16:45) P2 - E aí você falou que casou três vezes, como você conheceu a sua primeira esposa?
R1 - Minha primeira esposa era minha vizinha, morava na virada do morro, ali. Aí a gente se conhecia desde novos. Chegou um dia, nós batemos a ideia de bater um vielazinha e casamos. Aí vivemos uns anos, ela deixou cinco filhos, morreu. Aí eu casei com uma outra, vizinha também. Aí viveu mais uns anos e morreu também, coitada. Aí eu casei de novo, com a minha cunhada, essa é irmã da primeira, é a dona Lourdes, irmã da Conceição, que era a minha primeira esposa.
(17:32) P1 - Quantos anos durou o primeiro casamento do senhor?
R1 - 10. O segundo durou cinco e o outro tem 30, graças a Deus!
(17:43) P2 - E vocês… no primeiro casamento você teve filhos?
R1 - Cinco, cinco filhos. Estão todos rodando por aí. São cinco.
(17:53) P2 - E o que você sentiu quando você virou pai?
R1 - Felicidade! Me senti feliz, graças a Deus. Hoje eu me sinto realizado, porque já tenho minha esposa e meus filhos. Vamos brincar, eu vivo brincando com os meninos, alegre e satisfeito, graças a Deus!
(18:11) P1 - Do primeiro casamento cinco filhos, quantos homens e quantas mulheres?
R1 - São todos homens.
(18:20) P1 - Todos?
R1 - Todos, cinco homens.
(18:22) P1 - Qual o nome deles?
R1 - Arlindo, que é o mais velho, mora no Gama, casado com a filha de Alexandre. Vicente, mora aqui. Antônio, mora em Viçosa, casado com a filha da comadre Geralda. Davi, mora lá em Viçosa também, casado com a menina lá de Mariana. E o Tobias, mora em Viçosa também, casado com a neta de Raimundo da Ponte, talvez você conheça. Esses são os cinco primeiros. E os mais novos têm, Noel e Tomé. Tomé é o que está trabalhando na cozinha, ali. E Madalena, só tem uma moça.
(19:01) P1 - Você tem netos?
R1 - Netos, tenho. Netos tenho um punhado.
(19:03) p1 - Quantos?
R1 - Eu acho que eu tenho oito netos, quatro homens e quatro moças. Filhote tem um casal. Tobias tem um casal, Antônio tem um rapazinho, Davi tem um rapazinho e duas moças. Então é isso.
(19:21) P2 - E quando os seus filhos eram pequenos, você brincava com eles?
R1 - Demais da conta! Vivia brincando com os meninos, por aqui fora. Para nós não tinha festa melhor não, brincar com os meninos, jogar peteca com eles, jogar bola, até hoje, nós vivemos na brincadeira, graças a Deus!
(19:40) P1 - Que bom!
(19:41) P2 - E eles faziam a peteca também?
R1 - Faziam. Eles aprenderam todos a fazer peteca. Perna de pau, você conhece perna de pau? As meninas adoram perna de pau, fazer perna de pau e sair brincando de perna de pau por aí. Porque pobre tem que brincar com perna de pau, né. Porque não aguenta comprar velocípedes, não aguenta comprar nada, então tem que arranjar uma cuia e um pedaço de pau para brincar (risos).
(20:09) P1 - Aí sempre as brincadeiras eram com coisas que vocês produziam?
R1 - Sem dúvidas, verdade!
(20:16) P1 - Tá certo!
(20:18) P2 - E nessa época, assim, como era o seu cotidiano? O que você fazia no dia?
R1 - Para eu sobreviver? Teve um tempo que nós tínhamos um engenho e fazíamos rapadura, vendíamos muita rapadura. Depois a rapadura enfraqueceu, aí nós passamos a trabalhar com vaca de leite. Hoje em dia nós trabalhamos com vaca de leite para poder sobreviver, porque a rapadura parou, não mexemos mais. E estava um tempo com carvão. Cada época tinha que mexer com uma coisa, porque, “Aqui está dando melhor, vamos para cá, não está prestando mais, vamos para outra”. Então Deus vai ajudando a gente e a gente vai mudando, né. Então, graças a Deus! Nós até que paramos aqui, agora nós mexemos com as vaquinhas.
(21:05) P1 - No tempo que o senhor produzia rapadura, era para consumo?
R1 - Vendia muito! Vendia rapadura de todo lado aí, nossa senhora! Tinha dia que a gente saía com carga de rapadura, fazendo entrega de rapadura para todo lado. (21:21) Paracatu, em tudo a gente entregava rapadura.
(21:24) P2 - E você ia levar as rapaduras?
R1 - Ia, levava para vender. Isso era diário.
(21:29) P1 - Seus filhos te ajudavam nessa…
R1 - Ajudavam, continuamente. Desde que eles começaram a se entender por gente, eles começaram a me ajudar e foram me ajudando até que foram casando, foram saindo. E estão por aí até hoje me ajudando em nosso convívio, até hoje.
(21:45) P2 - E dessas viagens que você ia para entregar rapadura, teve alguma história, algum causo que aconteceu?
R1 - Olha, acontece sim, sô! Sempre acontece alguma coisa. Porque às vezes você vai viajando e aparece uma coisa. Um dia, eu mais os meninos levando as rapaduras aí, até para as Bicas, quando chegamos na beira do rio, o burro ficou nervoso, assustou com um trem, entornou rapadura toda para a areia a fora. Aí apanhamos a rapadura todas sujas de areia e fomos pensando o que fazer com aquilo, levar para entregar sujas de areia não era possível, “Vou votar com esse trem para trás!”. Aí voltamos com aquele trem para trás, quando chegamos, tentamos dar uma lavada naquele trem para tirar a areia, para ver se aproveitava alguma coisa, mas perdemos a maior parte, graças a Deus! Então aí ficou marcado para nós. Sempre lembramos disso, Vicente fala assim: “Oh, pai e aquele dia que o burro entornou as rapaduras na estrada”. Às vezes acontece.
(22:45) P1 - Vicente é o filho mais velho do senhor?
R1 - Não, o mais velho é o Filhote, o Arlindo, Vicente é o segundo.
(22:52) P1 - O trabalho no engenho é bem pesado?
R1 - Pesado é!
(22:57) P1 - E tem que acordar muito cedo?
R1 - Uh, de madrugada todo dia. Todo dia pulava para fora cedo e pegar os bois, jogar no engenho e ver cana, colocar fogo em tachos. E o pau quebrava.
(23:12) P1 - Como todos os dias da semana não são iguais, qual foi o evento que aconteceu com os bois que o senhor lembra?
R1 - Olha, é muita coisa que passa. Eu lembro que um dia, eu mais o Fiote vínhamos descendo o morro, esse morro toda vida é isso mesmo, com o carro cheio de cana, chegou na horta ali, eu falei com Fiote: “Para aí, vamos parar aí para poder colocar a corda no carro”. Aí parou mesmo. Quando nós paramos, um monte de coisa, andou e ferveu, desceu morro abaixo, tombou o carro ali e espatifou o carro para todo lado. Soltou eixo, cana espalhada para todo lado. Aí eu falei para ele: “Vamos embora para casa, vamos dormir e voltamos para mexer amanhã, no outro dia nós voltamos”. Aí viemos embora, “Oh, pai” “Ah, já aconteceu, já aconteceu mesmo, pronto! Não precisa ficar aborrecido com isso não”. Então isso que marcou mais a nossa vida de carro de boi, foi isso.
(24:12) P1 - E na fabricação ali das rapaduras, ali no modo de fazer, como vocês faziam? Algum dia a receita deu errado?
R1 - Ah, dava certo. Nunca dava errado não, porque a receita de rapadura é uma coisa muito comum, comum demais, né. Você botou a garapa no tacho, você põe fogo, quando junta você vai tirando a escuma, tirou a escuma o fogo vai fervendo, vai secando, quando um pouco o trem já vai dando o ponto, você provou e o ponto está bom, você joga na resfriadeira, não tem erro não, não tem erro. Tem gente que fica tirando o ponto com água, essas coisas, nós não gostamos disso não. Acostumamos tanto a fazer rapadura, só de abanar o melado assim, eu já sabia que estava na hora de tirar. E ali a gente começava a pôr o fogo, né, quando está quase acabando, para de pôr fogo, por quê? "Põe fogo mais não, pai?”. “Não, sô! Só o calorzinho agora, dá para tirar, se precisar de fogo põe um pouquinho de bagaço”. Aí facilitava as coisas. Acostumou, vai embora. O difícil é se acostumar fazer as coisas.
(25:19) P1 - E essa cultura de estar fazendo a rapadura, vender, o senhor aprendeu com quem?
R1 - Isso eu aprendi na fazenda. Quando nós trabalhávamos na fazenda lá de baixo, já fechou, lá eles faziam direto, né. Aí ficava vendo aquilo, quando a gente precisou fazer no ponto da gente a gente já sabia, “Oh, eu vi fulano fazendo, é desse jeito aqui”. Assim que eu aprendi a fazer, não é difícil não.
(25:46) P1 - E o senhor trabalhava lá na fazenda (25:50)?
R1 - Trabalhamos lá sim, quando nós éramos novos. Quando éramos novos trabalhamos muito lá.
(26:06) P1 - E lá nessa fazenda do (26:07) fabricava rapadura e o que mais?
R1 - Fabricava direto. Fabricava cachaça. É, lá fabricava cachaça demais. Lá a gente achava bonito ver a cachaça escorrer assim, no alambique, escorria igual água na bica (risos).
(26:25) P1 - Como era assim, a produção lá da cachaça?
R1 - A produção da cachaça também é o mesmo processo. Diferente da rapadura, que a rapadura você molha a garapa, põe no tacho e põe fogo e a garapa para a cachaça, você molha e põe no cocho, e lá no cocho já fermenta, né. Quando ela fermenta, que ela ferve lá no cocho, faz ferver até parar de ferver, para de ferver assim como coisa que você tinha colocado fogo, mas não pôs, aí agora você joga no alambique e põe fogo debaixo do alambique e põe água em cima para refrigerar e a cachaça vai saindo (risos), é até bonito a fabricação de cachaça.
(27:09) P1 - O senhor trabalhava também ajudando?
R1 - Não, isso aí eu só via os outros fazendo. Não trabalhei nessa profissão não.
(27:15) P1 - O senhor trabalhava lá na produção da rapadura?
R1 - Não. Eu trabalhei lá na profissão de candiar boi, não trabalhava com rapadura não. A gente aprendeu vendo os outros fazerem, mas lá era candeeiro de boi. Quando eu passei para cá, que a gente foi fazer rapadura por conta própria.
(27:32) P1 - Quem que trabalhava com o senhor na lida dos bois?
R1 - Meu pai. Trabalhava com o meu pai, meu pai era profissional, a profissão dele era mexer com boi, carrear, amansar boi. Eu estava sempre com ele, foi até que eu passei a trabalhar por minha conta.
(27:47) P1 - O senhor candeava boi para fazer o quê? Trabalhava no engenho? Ou preparar terra?
R1 - No engenho. Para arar terra, puxar madeira no mato, tudo, tudo era profissão nossa. Puxar cana com carro de boi, aí os meninos estavam sempre na frente candeando os bois, dirigindo para cá e para lá, junta boi, busca boi para o outro lado. Então era a nossa profissão, dos meninos, fazer isso.
(28:11) P1 - Naquela época o transporte, tipo assim, de cana, as lenhas, arar a terra, era com os bois?
R1 - Tudo era com os bois.
(28:25) P1 - Sempre tinha aqueles bois assim, mansinho ou tinha que amansar os bois?
R1 - Não. Tinha que amansar, uai. Se você pegava um boi novo, colocava no carro e ia treinando ele, até ele virar boi, aprender a trabalhar mesmo. Tinha uns que aprendiam mesmo, outros nem aprendiam nada, a gente largava para lá também e pegava outro. Isso aí era constantemente. Nós, quando fomos trabalhar por conta própria, nós amansamos muitos bois aqui, e domávamos mesmo, o boi ficava tão domadinho que os meninos chamavam e falavam: “Fulano, entra aqui na canga, aqui”. E o boi vinha. Era bonito (risos).
(29:00) P1 - Nessa época que vocês amansavam os bois, qual o tipo de boi, nome que marcou o senhor?
R1 - Cada hora tinha um nome. Então o pessoal gostava muito de colocar nome de mineiro, porque mineiro é Minas Gerais (risos). Então não faltava um boi com o nome de mineiro no meio da boiada, “Ah, vem ver o mineiro”. Passava outro com o nome de mineiro. Não esqueço disso, “Ah, cadê o mineiro?”. “Mineiro, eu vendi ele”. “E aquele preto ali, como é que ele chama?”. “Mineiro”. (risos). Vendia um e colocava o nome no outro, o mesmo nome, eles gostavam desse nome.
(29:33) P1 - São quantos bois que colocam em um carro?
R1 - De acordo com transporte que você faz. Às vezes você vai com quatro, com seis, até com oito, ou até mais, depende do tipo do peso que você vai levar, aí você tem que, às vezes, aumentar os bois para puxar.
(29:54) P2 - E tinha algum boi, ou teve algum boi que você gostava muito?
R1 - Isso tinha demais, nossa senhora! Tinha um boi aqui, uma junta de boi aqui, que um se chamava brinquinho, aí nós pegávamos ele aqui sozinho e ia buscar cana lá para o Gama, abaixo aí, com eles no carro e eles na frente e cismou, tudo tranquilo, chegava na moita de bandeja cana, falava: “Oh, para aí brinquinho, pode virar”. Ele ficava bem olhando o carro, enquanto o carro não pareasse com a bandeja de cana, ele não parava não! O olhinho dele ia virando sozinho, até parar lá. Então tem uns bois que são muito inteligentes. Então ele deixou uma marca, esse tal de brinquinho.
(30:39) P1 - O que aconteceu, assim, por exemplo, algo nesses transportes que te marcou?
R1 - Sem dúvida, muitas coisas. Primeiro o que eu te contei do carro de boi que quebrou no buraco abaixo, ali. Isso ficou marcado né, porque ninguém esquece disso mais. De vez em quando o Filhote chega e lembra o pai, “Oh, pai. Lembra do dia que o carro tombou?”. Eu lembro, não esqueço dessa porcaria não.
(31:01) P1 - E na fazenda que o senhor trabalhava…
R1 - Na fazenda não, porque na fazenda você parava pouco, sô! Então você não deixa muita marca não. Você fica mais marcado quando você trabalha por sua conta, você consegue aquele trem direto, todo dia fazendo aquilo, aí você tem mais marcas. Quando você trabalha nas fazendas, você trabalha um bocadinho, vai embora. Quando você trabalha em outro lugar, você não marca muita coisa não.
(31:25) P1 - Mas não teve assim, algum momento que algum boi, que gostava de correr atrás?
R1 - Não, não. Eu acho que eu nunca fui vítima disso. É porque a gente aprendeu a trabalhar, então o boi nunca corria atrás de machucar a gente, não. Então numa ocasião, quando a gente trabalhava lá na fazenda de (31:42), Zé da luz levou uma carreira e tombou o carro em cima do menino e quase matou o menino, Antônio Zé de Anjo. Aí vem Zé da Luz, “Nossa que moleza de menino, você tinha que correr, sô!”. Coitadinho do menino, um menino bobo. Aí o carro tombou e bateu feio em cima do menino! Aí saíram carregando o menino. Isso aí é uma coisa que ficou marcado, mas não foi comigo, foi com os outros lá que aconteceu isso.
(32:07) P1 - Sei. Com quantos anos o senhor trabalhava lá?
R1 - 10 anos, 11 anos, por aí, eu estava trabalhando lá. Porque quando nós tínhamos 12, já estávamos nos transferindo para o Gama.
(32:21) P1 - E o senhor trabalhava lá para ajudar seus pais?
R1 - Ah, é. Para ajudar o pai. Todo serviço da gente era para ajudar o pai, não era para nós não, nós não tínhamos nada não, coitados de nós. As crianças naquele tempo sempre estavam a serviço dos pais.
(32:39) P1 - O senhor tinha quantos anos?
R1 - Com 12 anos eu me transferi para cá. Aos oito anos, nove, 10, eu trabalhava lá, candeando boi por lá, depois dos 12 anos é que eu passei para cá, para o Gama.
(32:54) P1 - O senhor com essa idade, como que o senhor trabalhava e estudava?
R1 - Não, eu só estudava, porque o pai dividia conosco. Um menino ia na segunda-feira candear boi para ele e o outro ia para a escola, quando era na terça-feira, aquele que foi para a escola na segunda ia trabalhar. Era assim que pai fazia conosco. Nós éramos três meninos na escola na época, era eu, Geraldo e Manezinho. Então cada dia um ia com o pai, e os outros iam para a escola. Dividia, o pai dividia.
(33:27) P1 - O senhor lembra como seria o ordenado?
R1 - Ah, de jeito nenhum! Ordenado. A gente nem sabia que existia o ordenado. O pai que recebia o que tinha por lá, a gente só ia embora, só trabalhava e ia embora. Não sabíamos o preço de nada, não.
(33:44) P1 - Aí seu Zé, naquela época que o senhor trabalhava tinham muitas crianças que trabalhavam na época?
R1 - Tinha. (33:52), tinha muita criança que trabalhava. Naquele tempo não tinha problema que tem hoje, que criança não pode trabalhar, não. A meninada que (34:01) trabalhando, os meninos tirando bagaço no engenho, outros limpando curral. Tinha muita criança que trabalhava, não tinha essa bobice de hoje em dia não. Hoje em dia, nenhuma criança pode trabalhar mais. Nesse tempo trabalhava todo mundo.
(34:19) P1 - Trabalhavam meninos e meninas?
R1 - Meninos e meninas. Trabalhava todo mundo. Todo mundo trabalhava, apanhando café, varrendo, juntando café no terreiro. Tinha um “terreirão” de café lá na fazenda, que era de 50, 60 sacos de café, juntava aquele ali e estendi outro café no terreiro para poder secar de novo. Então a meninada estava chegando o reio. E de um lado era bom para as crianças né, porque as crianças todas ganhavam um dinheirinho e ajudava os pais mais fácil.
(34:51) P1 - Essas crianças sempre trabalhavam lá, junto com os pais?
R1 - Junto com os pais, sempre era com os pais. Porque geralmente as crianças sempre saem com os pais, né. Por acaso, algum que fica meio perdido, que sai fora dos pais, mais comum era com os pais.
(35:08) P2 - E você falou de ganhar um dinheirinho, vocês eram pagos?
R1 - Não éramos pagos, eu pelo menos, como eu acabei de falar, os pais é que pegavam, a gente nem sabia o valor que era não, quanto ganhavam, quanto que nada. A gente já trabalhava para ajudar ele, então ele mesmo que recebi o que tinha por lá. Se você precisasse de alguma coisa, ele que era responsável pela gente, mas a gente não tinha esse negócio de pegar dinheiro não.
(35:31) P2 - E você lembra a primeira vez que você pegou o dinheiro?
R1 - Claro que eu lembro, demais da conta! Mas isso foi quando eu mudei para o Gama, aqui. Aí é que eu comecei a trabalhar na fazenda ali, e recebia um troquinho. Aí a gente trabalhava e quando chegava o final da semana, cobria o bolso e tchau! Era gostoso (risos).
(35:51) P1 - Recebiam por semana, quinzena ou mês?
R1 - Era por semana, sô! Sempre, eles pagavam por final de semana, ninguém deixava para quinzena ou para final de mês não. Trabalhou, chegava final de semana eles pagavam todo mundo.
(36:03) P1 - O senhor tinha quantos anos mais ou menos?
R1 - Uns 13, 14 anos, por aí. Aí começamos a receber um dinheirinho por conta da gente.
(36:10) P2 - E o que você fazia com esse dinheiro?
R1 - Oh, fazia a manutenção da casa, minha filha. Recebia o dinheiro para a manutenção da casa. Você recebia o dinheiro e no instante já saia correndo para buscar um tiquinho de feijão, um tiquinho de fubá, um tiquinho de toucinho, falava: "Vamos comprar toucinho”. Hoje em dia ninguém compra mais. Ficava sempre nessa.
(36:32) P1 - O senhor comprava por conta própria ou o senhor dava o dinheiro para os seus pais?
R1 - Depois que a gente pegou para trabalhar por conta própria, a gente já comprava por conta própria. Quando a gente trabalhava com meu pai, ficava por ele mesmo, depois que ele passou por conta própria, a gente comprava por conta própria. A gente estava em casa, mas cada um comprava um à parte. Então juntava todo mundo em casa e cada um falava “Hoje eu vou comprar, deixa, isso aqui deixa comigo. Mas aqui? Deixa comigo!”. E aí nós vivíamos, graças a Deus vivemos tranquilos a vida toda.
(37:04) P1 - O que o senhor ganhava durante a semana dava para comprar tudo assim, que o senhor precisava?
R1 - Graças a Deus dava. Dava porque a gente não ia comprar muito, só comprava em quanto se tinha (risos). Mas não comprava muito não, comprava pouco, porque o dinheiro era pouco e tinha que dividir né, dividir o dinheiro.
(37:25) P1 - O senhor comparava em Paracatu ou em Mossoró?
R1 - Águas Claras, que era melhor para nós, era mais perto. O comércio mais perto daqui é Águas Claras.
(37:33) P1 - Quem é o dono do comércio lá?
R1 - Ah, o dono do comércio lá, nossa senhora! É tanto comerciante lá em Águas Claras. (37:37) nós comprávamos muito na mão de Expedito, né. Expedito, depois apareceu o Zé Torres, depois veio o Zico Miranda, cada hora é um, né. Vai aparecendo uns e outros. Expedito nem existe mais não, já morreu, comprei muito na mão dele.
(37:56) P1 - E quando o senhor chegava lá, o que o senhor precisava no comércio tinha?
R1 - Ah, sempre tinha. A gente chegava lá, “Uma garrafinha de querosene, né?". Vender querosene (risos). “Oh, te querosene?”. “Tem”. Aí tinha hora que tinha que levar a garrafa, porque lá não tinha, né. Você usava aquela lata de querosene grande, assim, você lembra, né? Aí eles furavam a lata de querosene e tombava ela um bocadinho, tinha que tombar só um bocadinho, porque se tombar muito derramava. Aí você levava a vasilha para encher de querosene. Como as coisas mudam, né? Aí você comprava. Se você quisesse comprar sal, tinha um saco de 60 quilos de sal lá, você pesava um quilo ou dois de sal. E quase tudo que você precisava comprar era um saco de 60 quilos, não existia saquinho de cinco quilos, igual tem hoje não, eram só os sacos de 60 quilos. Saco de fubá, você levava a vasilha, enchia lá uns três quilos de fubá, ou quatro, arroz também a mesma coisa, você pegava lá um bocado de arroz que estava no saco, pesava, o negociante já tinha a balança para atender a gente. Embora cada um com o seu bonezinho nas costas. Então tudo era diferente, você ia comprar carne no açougue, carne no açougue não tinha papel, não tinha nada, tinha uma agulha no açougue, o açougueiro usava uma agulha, que a agulha tinha um buraco na ponta assim, aí furava um pedaço de carne e deixava a corda nele e pesava a carne para você. Aí você saía pela rua afora (risos), chamando cachorro pela estrada afora (risos), com a carne amarrada na corda. Muita diferença de hoje, né?
(39:45) P1 - Esse querosene que vocês compravam era para que utilidade?
R1 - Para iluminar sô. Era a nossa luz (risos), a luz era de querosene, não tinha negócio de eletricidade não, nem lampião, não tinha nada não, só tinha lamparina. Você conhece lamparina? Você conhece (risos). E eu comprei uma lamparina há pouco tempo só para mostrar para os meninos, meus netinhos, porque eles não conhecem não.
(40:16) P2 - E o que eles acharam?
R1 - Acharam importante, acharam difícil. Porque você ia para um quarto aqui e acendia a lamparina, de repente muda para o outro lado, leva a lamparina, vai para o outro lado leva a lamparina, vai para a cozinha, leva a lamparina, outra hora, já tinha outra lá esperando chegar e acender, “Não, a lamparina de cozinha tá lá, sô!”. (risos). Era assim a vida nossa.
(40:38) P1 - Aconteceu algo com essa lamparina pela casa afora que deixou marcado?
R1 - De vez em quando a lamparina caía e pagava era fogo. Até uma irmã minha que se queimou com a lamparina, ela tem uma marca no pescoço, todo, tamanho queimado com a lamparina.
(40:52) P1 - Como que foi?
R1 - Ela dormiu e a lamparina caiu em cima dela, aí quando ela pegou fogo, nós acudimos, “Opa, tá queimando aí minha filha!”. Ela pulou, porque dizem que quando o fogo pega na gente, mina a gente, né. Aí ela pulou com o pescoço queimado. Aí correram com ela para o hospital, ela ficou no hospital um punhado de dias, aí sarou mas tem a marca até hoje, no pescoço.
(41:17) P1 - Quantos anos ela tinha?
R1 - Ela tinha uns nove anos, ou 10, por aí.
(41:21) P1 - Em que hospital ela ficou?
R1 - Em Mariana, em Mariana mesmo.
(41:27) P1 - Já tinha aquele hospital?
R1 - Já tinha, já. Isso aí não tem muitos anos não.
(41:33) P2 - E seu Zé, e essa casa? Desde quando o senhor mora aqui?
R1 - Aqui, nessa casa aqui? Isso aqui tem… essa casa é nova, pô. Isso aqui tem uns 30 anos mais ou menos (risos). E nós não acabamos de fazer ela até hoje, aí vai fazendo, vai fazendo, vai fazendo, tô fazendo a casa até hoje.
(41:54) P1 - O senhor sempre morou aqui depois de casado?
R1 - Sim. E depois que eu casei eu comprei esse pedacinho de terra aqui, tinha um barraquinho aqui, aí nós viemos para cá e por aqui criamos os filhos todos. E fomos mudando o barraquinho, melhora por aqui, melhora por ali, até que chegou nessa casa mesmo. Agora que os meninos estão todos indo embora, a casa cresceu (risos).
(42:17) P1 - O senhor viveu aqui com as três esposas?
R1 - Todas as três, as três.
(42:24) P2 - E como era ela antes? Esse barraquinho que você falou?
R1 - Era um barraquinho de sapê, você conhece? Barraquinho de sapê. Depois eu e o Douglas, derrubamos o barraquinho de sapê e fizemos um barraquinho de telha e depois eu me apossei e foi mudando. Aí foi melhorando e ele aumentou, aumentou um bocadinho, aumentou mais, aí chegou nesse ponto que ele está agora, graças a Deus! Barraquinho de capim, é barata pura (risos).
(42:56) P1 - Como era a construção dessas casas, dessas épocas do sapê?
R1 - De sapê? Ih, minha filha, aquilo é uma construção simples. Você começava isso, fincava uns paus, ia engaiolando uns paus em cima e trazia o sapê e jogava em cima e estava pronto para “arriar aquele trem”. Não gastava com engenheiro, não gastava nada não (risos). Fazia tudo pela manhã, na base do cipó, não tinha pressa, entendeu? É igual a casa de índio hoje, a mesma coisa. Depois que foi aperfeiçoando, teve que usar carpinteiro para fazer as coisas, para caprichar, fazer uma porta melhorzinha, foi indo, até que graças a Deus, melhorou. Mas de primeiro fazia porta de esteira, de taquara, se a casa tivesse forro, a esteira era de taquara, então tudo era diferente, graças a Deus. Se você quisesse beber água no mato, você arrumava uma moringa de abóbora d'água ali, para poder levar água para o mato, não usava garrafa térmica, igual é hoje. Não usávamos nada disso não, tudo era diferente.
(44:05) P1 - O que é moringa?
R1 - Moringa é abobora, abobora d’água. “Olha uma pendurada ali”.
(44:12) P1 - Como que vocês preparavam ela para estar usando para colocar água?
R1 - A gente sempre fura o biquinho dela ali, e ali por dentro estão as sementes, está o miolo, aí você enche ela de água e vai lavando ela, sacudindo ela, até ela soltar aquele miolo ruim, aí ela fica boa para ser usada. Bota pêra dentro dela, sacode bem sacudidinho, lava bem lavadinha. Ultimamente ela tem valor, tem valorizado mesmo, mas hoje em dia acabou, não existe mais né, já era, isso é coisa do passado.
(44:50) P2 - E aqui, nesses 30 anos que você está aqui, como é a vizinhança?
R1 - A vizinhança é tudo de bom. A vizinhança, não tem nem um vizinho que eu possa falar assim, aquele vizinho é ruim, não tudo bom, os vizinhos são todos bons, graças a Deus!
(45:07) Você convive bastante com eles?
R1 - Convivo com todo mundo, graças a Deus! Eu não tenho nenhuma queixa de um vizinho aqui, qualquer vizinho que eu tenha aqui, se for preciso, se eu subir, está me acudindo. Uma hora dessa, eu, “Oh, liga lá, fala com Clara”. Minha irmã que mora lá embaixo, “Fala com Clara que eu estou precisando dela”. Chego na casa de Geraldo, “Oh Geraldo, cadê as meninas, vem cá”. Graças a Deus, tudo em paz, vivemos todos em paz, não temos problemas com ninguém não. E até as pessoas de fora que chegaram a morar aqui também, tudo é sem problemas. Tem um pessoal que mora na virada ali, também é só a gente chamar que estão prontos atendendo a gente, graças a Deus! Não podemos nos queixar não.
(45:55) P1 - Seus filhos moram também aqui na comunidade?
R1 - Moram um bocado. Igual aqui é o Vicente que está aqui comigo e o Arlindo que mora perto do Zé Di Fera, os outros estão todos lá para Mossoró, não moram aqui mais não. Igual o Thomé que trabalha aqui mesmo, mora em Mossoró.
(46:14) P1 - Vocês fazem alguma coisa juntos? O senhor faz isso com os seus filhos?
R1 - Demais, nossa senhora! Todos! Os meus filhos são todos meus amigos, andam todos embolados comigo. Tem dia que nós resolvemos fazer um almoço aí, um pega o frango pra cá, o outro puxa pra cá (risos). E arrebentam o frango todo (risos). Outro dia mesmo, nós assamos uma leitoa ali, eu, Vicente, o Fiote, juntou a meninada toda, cada um fincou o garfo na leitoa de um lado e saiu puxando (risos). Graças a Deus não tem confusão não.
(46:54) P2 - E os forrozinhos continuam acontecendo?
R1 - Continuam, de vez em quando tem. Depois da lama diminuiu um bocado, mas de vez em quando aparece um aí.
(47:04) P2 - E o senhor ainda vai?
R1 - De vez em quando. De vez em quando a gente tá lá no meio.
(47:10) P2 - E o que mais além desses forrós de vez em quando, além de estar com os seus filhos, o que o senhor faz com o pessoal daqui?
R1 - O truquinho (risos). Ontem mesmo eu estava no truquinho e cheguei em casa ás 10 horas da noite.
(47:25) P1 - Vocês jogam com frequência?
R1 - Diariamente. Diariamente é só dar um grito aí, junta a turma aí, a mesa de truco está comendo embolada.
(47:34) P2 - Isso é bom?
R1 - Bom! É divertimento, né. É porque enquanto você está na mesa de truco ali, você não está pensando em nada ruim, todo mundo só pensa em ganhar um do outro, "Ah, eu vou ganhar". "Quem vai ganhar sou eu". E no final das contas ninguém ganha, porque passou o dia no divertimento (risos).
(47:54) P2 - Você joga truco faz tempo?
R1 - Sempre, desde novo. Toda a vida jogando truco.
(48:06) P1 - Você aprendeu a jogar truco com quem?
R1 - Ah, com a turma em casa mesmo.
(48:11) P1 - Essa turma é de irmãos?
R1 - Desde do tempo do meu pai que jogava truco, nós estávamos lá no meio. E agora, eu jogava truco com meu pai e os meninos jogam comigo hoje. O pai foi embora e me deixou com os meninos. E vem os netos também, já, jogando truco comigo, brincando.
(48:36) P1 - Como é a vida hoje aqui na comunidade?
R1 - A vida é boa! A nossa vida aqui graças a Deus toda a vida foi boa e é boa! Se Deus quiser vai continuar sendo boa!
(48:49) P2 - E o que o senhor acha que mudou, assim, quais transformações na comunidade?
R1 - Transformaram muitas coisas. Igual nós estávamos falando no início aqui, antigamente a gente morava aqui, a gente criava galinha, se vendia tudo rápido, você tinha um queijo para vender, você estava vendendo, depois que vem a lama, já transformou. Hoje em dia já não vende igual vendia, mais. Muita gente foi embora daqui, muita gente foi. Paracatu pelo menos, que era um lugar que a gente vendia, o povo de Paracatu foi embora, Águas Claras também, então atrapalhou as vendas. Hoje em dia não é igual era não, atrapalhou muito.
(49:34) P1 - Essas coisas que o senhor vendia, o senhor também comprava de alguém?
R1 - Comprava, uai. Para você vender você tem que comprar, se você não comprar, você não acha de venderia. Então hoje em dia mudou, hoje em dia ficou assim, meio misto essas partes, essa parte comercial ficou neutra, a gente faz muita pouca coisa.
(49:55) P1 - Lembra de algo que aconteceu na comunidade que transformou?
R1 - O algo transformador é o que vocês já viram aí, a lama, né. Isso aí é o algo mais transformador que aconteceu na comunidade, foi isso. O resto, normal.
(50:17) P1 - E nessa transformação o que vocês fizeram?
R1 - Ah, ter paciência né, filha? Na transformação é paciência, porque se você não tiver paciência, vai só se afundando cada vez mais, né. Então quando mudou, que a gente já não pode mais fazer negócio, você não vende mais, você não tem pesca, você tem que ter paciência nesse momento, né. Nesse momento é só paciência, se não tiver paciência não tem mais nada mais para fazer.
(50:51) P1 - Hoje com a comunidade…
(51:01) P2 - Tem mais alguma coisa que aconteça na comunidade?
R1 - Tem coisas boas que acontecem. Nós temos festa, temos missa, tudo isso é de bom que acontece. A missa na comunidade nunca deixou de acontecer não, mesmo quando a lama veio, a igreja entupiu toda, mas as missas não pararam não, continuaram e todo mês o padre está celebrando missa aqui, tranquilo, todo mês. Graças a Deus nunca deixou de celebrar.
(51:32) P2 - E você frequenta as missas?
R1 - Sim, com certeza! Nunca deixei de ir não, moça. Porque é a única coisa de bom que tem, você vai deixar de participar da coisa boa? Não pode não. Então estou sempre lá na igreja, na missa.
(51:47) P2 - E como são essas missas?
R1 - Normal. O padre vem e sempre celebra 10 horas, né. Ele vem 10 horas, celebra a missa. O dia que dá na telha de vir para casa da gente almoçar com gente, ele vem e almoça com a gente, quando a gente está em casa. O dia que ele dá nas ideias de ir almoçar nos lugares, ele vai. O dia que dá na ideia de ir embora também, sem almoço, ele vai embora para lá e acabou. Mas continuamente tem.
(52:14) P1 - Ele vem uma vez por mês?
R1 - Uma vez por mês. Agora tirando de uma vez, só se alguém na cidade precisar, ele vem na hora, mas se não precisar dele, ele não vem não. O normal é uma vez por mês.
(52:28) P2 - E é o mesmo padre faz tempo?
R1 - É não. Nós tínhamos o padre… em uns 10 anos trocou uns 10 padres aí. Sempre vem um, daqui a pouco vem outro, vem outro e vem outro. Agora nós temos o padre Devair, né. Era o padre Reginaldo, padre Reginaldo foi embora, aí veio o padre… depois ele foi embora e agora veio o Devair. Então cada hora tem um padre com a gente aí, não é o mesmo padre continuamente, não. O padre não para em uma paróquia né, não pode parar também não.
(53:03) P2 - E teve algum padre que você acha que marcou a comunidade aqui?
R1 - Não. Sempre tem, que são os padres… aquele padre lá, Natal, foi o principal que teve aí, foi o que mais chamou atenção do povo, porque ele veio ensinando o povo a trabalhar. Os outros vieram e deram continuidade, né. O padre Edivaldo que celebrou conosco muito tempo, depois veio o padre Juca e todos deram continuidade, mas o padre Natal é que marcou, ensinou todo mundo a trabalhar, na igreja como é que trabalha, como é que não trabalha. Então esse daí é que ficou mais marcado.
(53:39) P2 - E além de ir na missa, você trabalha alguma coisa na igreja?
R1 - Trabalho, eu trabalho de ministro. Trabalho no centro da igreja, quando o padre não está e precisa de uma celebração eu estou lá. Para tirar a comunhão com doença, eu estou chegando, tô levando, graças a Deus.
(53:59) P1 - Essas são as formas de o senhor participar da comunidade, é sendo ministro ou o senhor faz algo mais?
R1 - Não. Na conferência, na conferência eu estou todos os dias, então eu participo sim. Participo de tudo, de todos os eventos da comunidade, seja religioso ou festivo, sempre eu estou aí (risos).
(54:21) P1 - Qual é a padroeira daqui?
R1 - A padroeira daqui é Nossa Senhora Aparecida.
(54:27) P1 - Como que vocês fazem a festa dela? Como é o preparo?
R1 - A festa de Nossa Senhora Aparecida é um festão, graças a Deus. Quando chega na primeira semana de Nossa Senhora Aparecida, nove dias antes, são nove dias de festa. A novena começa, sempre o padre vem celebrar a missa, se o padre não estiver celebrando, nós estamos celebrando, e o povo está junto, nós estamos fazendo leilão, nós estamos fazendo forró até acabar (risos). O pau quebra! Graças a Deus!
(54:59) P1 - As outras comunidades participam também?
R1 - Participam sempre com a gente. Agora que todo ano a gente convida todo mundo para poder participar com a gente, cada dia da novena a gente traz uma comunidade para participar com a gente. Agora depois… antes da pandemia, teve um ano que o povo das Pedras participou aqui com a gente aqui, você estava aí, né? Pois é, você está ligada. Então estavam sempre conosco, aí, participando das novenas.
(55:26) P2 - Seu Zé, o senhor falou da pandemia, como foi esse período para você?
R1 - Ah, foi ruim, sô! Na pandemia começa assim, eu já pedia, gente velha não gosta de sair de casa, se precisa buscar um mantimento não pode, tem que está pedindo para os outros, “Oh, traz um mantimento para mim, sô? Ou, preciso de um remedinho, traz pra mim?”. Então a pandemia foi um problema que judiou conosco demais da conta. Aí a gente passou um tempo muito fechado aqui, um tempo muito sofrido, mas Deus ajudou quando eu comecei a bambear. Eu nunca tive medo também não, né. Mas sempre o pessoal ficava seguro, “Não vai, não facilita, não brinca que isso é perigoso”. Então não adianta, a gente tem que aceitar, né. Aí eu ficava quietinho em casa, quietinho, quietinho. Tinha dias que os meninos chegavam, aí, “Pai, o senhor quer que busque mantimentos?”. “Eu quero, vai buscar”. (risos). Essa pandemia não foi mole não.
(56:28) P1 - Você teve caso na família?
R1 - Não. Graças a Deus.
(56:32) P1 - Amigos?
R1 - Não. Amigos, nunca faltam quem sofreu, mas nós aqui não tivemos problemas não. Até uma menina que estava lá para governadora, ela não quis se vacinar de jeito nenhum. Depois eu falei: “Vai sofrer, coitada”. Mas Deus ajudou que ela passou livre também, não teve perigo não, viajando para todo lado e não teve problema não. Não teve problema conosco não, graças a Deus!
(56:56) P1 - Essa menina é neta?
R1 - Não, é minha filha. É a raspinha do tacho, é a Madalena. Ela está trabalhando em Mariana, se você passar ali naquele restaurante de ponto tropeiro, você procura ela que você vê, Madalena que ela se chama.
(57:19) P1 - Ela trabalha lá no restaurante?
R1 - Trabalha no restaurante Ponto do Tropeiro, ali no (57:26).
(57:29) P2 - E hoje, seu José, o que você faz? Como é o seu dia a dia?
R1 - O meu dia a dia hoje é assim; quando eu não estou tirando leite ali, eu estou deitado dormindo (risos), bem folgado. Agora mesmo… ontem eu acabei de tirar o leite ali, deitei na poltrona, estava quietinho, “Oh, você vai sair?”. “Sai para quê?”. (57:51), agora eu não estou esquentando a cabeça, não. Para que correr? Já corri demais.
(58:01) P2 - E como foi pra você contar um pouco da sua história hoje?
R1 - Pra mim é normal. Toda hora que vocês quiserem conversar comigo, saber das minhas histórias, podem me perguntar, que eu vou ter o prazer de falar com vocês. Minha alegria é estar junto de vocês, conversando e contando as coisas.
(58:22) P1 - Quem que o senhor gostaria que soubesse da sua história?
R1 - Todo mundo que quiser e tiver o interesse de saber da minha história, eu tenho o prazer, ué, eu não vou falar que é fulana, beltrana, todo mundo que falar, “Eu quero saber da sua história”. Tá aqui, eu tô pronto para falar, graças a Deus!
(58:46) P2 - E você tem algum plano para o futuro? Algum sonho?
R1 - O meu sonho, que eu tenho agora, é esse aí, botar uma rede e balançar (risos). Esse que é o meu sonho, botar uma rede aí e balançar o trem todo. O povo fala, “Oh, seu Jair!”. “Nada não, agora eu estou balançando, não mexe comigo não!”. (risos).
(59:12) P2 - Seu Zé, uma pergunta. Porque o seu apelido é Zé Jair?
R1 - É porque naquele tempo existia muito José na escola. Então lá em Paracatu, nós tínhamos o Zé Luís, você conheceu, né? Zé Luís? Zé de Mascote, filho de Mascote. Tinha Zé Luís, Zé Quita, Zé João, Zé Raimundo, Zé Pedro, Zé Paulo, então eu era o Zé Jair, porque o meu pai se chamava Jair, por isso que eu fiquei com esse apelido de Zé Jair, não é por mais nada, não. Porque quando tem muitos Josés, aí tem que apelidar eles, senão fica, “Oh, Zé!”. “Opa!”. Todo mundo responde. Aí tem que diferenciar, “Oh!” Zé quem? Zé Jair. “Oh! Quem que é?”. “Zé de Mascote”. Finado Zé Luís, “Quem é?”. “É Zé Quita!”. Finado Zé Raimundo Nonato. Então é por aí que ia as coisas, desse jeito. Por isso que eu apanhei esse apelido do Zé Jair. Zé Jair, era Jair, o meu irmão também já era Jair.
(01:00:21) P1 - Qual é o seu sonho?
R1 - Eu acabei de falar, agora! É botar uma rede e balançar (risos).
(01:00:27) P1 - Viajar?
R1 - Viajar não, não gosto de viajar, não. E todo mundo falando em viagem. Igual o pessoal que foi lá para praia e me convidaram, queria me levar e eu: “Não vou! Não quero ir à praia não, me deixa quieto em casa”. Eu sou todo atravessado, chega à festa no dia do meu aniversário e eu falei: “Tudo bem! Se vocês querem fazer para o meu aniversário, vocês fazem, mas não faz bolo não!”. E a menina, minha nora, parece que ficou com vergonha, coitada, parece que ela já tinha comprado os ingredientes para fazer o bolo do meu aniversário (risos). Falei, “Arruma cachaça, carne, queijo, o que for, mas bolo, não faz bolo pra mim no meu aniversário não”. Aí ela não fez, aí ficou isso. Eu sou tão atravessado! (risos).
(01:01:14) P1 - O senhor não gosta de bolo?
R1 - Não. De aniversário pelo menos, não. É porque a gente fica recordando as coisas, o meu pai estava com 80 e tantos anos e no aniversário a gente fazia um bolo, “Oh, seu Jair, para quem o senhor vai dar o primeiro pedaço de bolo?”. Ele ficava lá com o bolo na mão, sem saber para quem. Aquilo me doía o coração! Quando falam que vão fazer o bolo pra mim, eu lembro disso, “Não, não vai fazer bolo não”. Porque eu recordo do meu pai com o bolo na mão, sem saber para quem ele ia dar o bolo. Ele já estava velhinho, sô! Já estava com mais de 80 anos, “Então seu Jair!”. Ficavam apertando ele, “Para quem o senhor vai dar o primeiro pedaço de bolo? Pra quem? Pra quem?”. E ele, “Ah?, ah?, ah?”. Ah! Eu não quero bolo não! (risos).
(01:01:57) P2 - E aí no fim, como foi o seu aniversário?
R1 - Um festão danado, uai! Passamos o dia mesmo aí, foi domingo passado. Nosso Deus! Jogamos truco, fizemos farra, assaram carne, assaram cupim de boi, assaram uma leitoa, que eu acabei de falar que, um puxa para o lado, outro puxa para o outro (risos). Foi um festão danado! Graças a Deus! O menino trouxe um tambor de chopp assim, beberam até não querer mais. É que eu não posso beber, (risos). Mas deu bom demais, graças a Deus! Fizemos um festão danado.
(01:02:29) P1 - Teve forró?
R1 - Oh! O forró é a primeira coisa, não falta forró não, uai! Aí forró não falta não, sempre tem.
(01:02:42) P1 - O senhor gosta do forró de antigamente ou o de agora?
R1 - O antigo, porque o de agora é brabo, né. (risos). Forró muito quente. Muito quente assim, a gente não aguenta mais não, tinha que ser um pouco mais lento.
(01:02:57) P2 - Seu Zé, tem mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar?
R1 - Eu acho que não, meu bem. Eu estou satisfeito. Eu quero é em primeiro lugar, agradecer a presença de vocês! Pra mim é uma honra receber vocês aqui, nesse dia de hoje, nesse dia tão alegre, e conversar com vocês, compartilhar um pouquinho do tempo com vocês. Porque é tão bom, tão gostoso estar sempre junto, compartilhando a vida e o tempo. Muito obrigada mesmo, né! Obrigada Gislene. Gislene é que é diretora! Obrigada a você!
(01:03:35) P2 - A gente é que agradece!
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