Projeto Memória Votorantim 85 Anos - Nossa Gente Faz História
Depoimento de Arlindo Araújo Barreto
Entrevistado por
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoimento MV_HV033
Transcrito por Felipe Peirão Cecchi
Revisada por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 - Então seu Arlindo, queria começ...Continuar leitura
Projeto Memória Votorantim 85 Anos - Nossa Gente Faz História
Depoimento de Arlindo Araújo Barreto
Entrevistado por
Realização Museu da Pessoa
Código do Depoimento MV_HV033
Transcrito por Felipe Peirão Cecchi
Revisada por Teresa de Carvalho Magalhães
P/1 - Então seu Arlindo, queria começar a entrevista com o senhor dizendo para gente o seu nome completo, local e data do seu nascimento?
R - Eu chamo Arlindo Araújo Barreto, nasci no dia 10 de fevereiro de 1929.
P/1 - Em que local o senhor nasceu?
R - Graças a deus eu nasci na minha terra natal, Bahia.
P/1 - Na Bahia, em que cidade seu Arlindo?
R - Brotas de Macaúbas.
P/1 - Brotas de Macaúbas fica onde, fica perto de Salvador?
R - Não fica longe. Porque o pessoal quando vai aqui de São Paulo, pega carro em Salvador e vai para lá, quer dizer que não é tão longe, senão não pegaria carro, né, pegaria um ônibus ou pegaria o avião, mas não é tão longe não.
P/1 - E o nome do seu pai como é que era?
R - É Beato José de Souza.
P/1 - E sua mãe?
R - Maria de Araújo Barreto.
P/1 - E o que eles faziam?
R - Todos foram lavrador e morreram sendo lavradores.
P/1 - E o senhor começou inclusive trabalhando na roça, não é isso?
R - Na roça.
P/1 - O senhor tem mais irmãos seu Arlindo?
R - Tenho, só que ainda resta só dois, comigo três vivos. O resto já faleceram todos.
P/1 - Quantos eram?
R - Nós era em nove.
P/1 - E todo mundo trabalhava na roça?
R - Todo mundo trabalhava na roça. Era quatro mulher e cinco homens, agora existem ainda dois homens e uma mulher.
P/1 - E o seu pai, a terra era dele mesmo ou ele trabalhava para alguém?
R - Não, dele mesmo.
P/1 - E o que vocês plantavam lá?
R - Tudo que Deus quis nós plantemos. Nós plantemos de feijão ao arroz, de criação nós pegamos da cabrita ao boi, então sempre foi assim.
P/1 - E o senhor veio para São Paulo quando?
R - Vim em 1949.
P/1 - E nesses 20 anos o senhor morou sempre no mesmo lugar lá?
R - Lá?
P/1 - É, na Bahia.
R - Sempre no mesmo lugar, porque o terreno era nosso, a casa era nossa. Então, quando foi para mim vim para aqui, eu vim porque não aguentava mais sofrer lá. Porque meu pai era doente, minha mãe era doente e os irmãos sumiram tudo, uns casaram e foram embora, o que tava cuidando da casa veio aqui para São Paulo. Porque nós era assim, o mais velho saia e deixava o segundo mais velho, até que chegou eu que fui o último mais velho, (riso) então nós tinha que ficar tomando conta dos velho. Aí eu cheguei numa conclusão que não tava mais dando para mim cuidar dos velho, eu falei: “Quem se sabe se Deus não me ajuda e eu vou, posso tentar a minha vida em outro lugar”, pensei em São Paulo, né? E nessa época que eu vinha para aqui, eu falei pro meu pai que eu queria vir para aqui para cuidar deles, meu pai falou assim: “Ô meu filho, eu conheço São Paulo, mas São Paulo tem que ser para uma pessoa que sabe zelar do próprio corpo, da própria vida.” Eu digo: “É o que eu vou fazer lá.” Graças a deus olha, fiz o que eu falei para ele, cheguei aqui e tratei de procurar por onde eu entrar, graças a deus entrei num lugar muito bom e muito certo.
P/1 - Como é que o senhor veio da Bahia para cá, o senhor veio de ônibus?
R - É, essa história aí é boa a gente contar, que é para as pessoas saberem que se hoje eu tô melhorzinho, porque bom ninguém fica, porque quanto mais a gente tem, mais quer, isso é a verdade. Mas se hoje eu tô melhor é porque eu trabalhei com todo a vontade e com toda raça, mas eu vim para aqui de pau de arara, sofri, sofri, sofri, que não foi fácil. Mas olha, to aqui vivo.
P/1 - O senhor lembra bem então da viagem?
R - Lembro?
P/1 - Vocês pegaram onde esse pau de arara?
R - Esse pau de arara nós peguemo em (Bom Jardim?), que é estado da Bahia, e de lá nós viemos até a estação do Brás.
P/1 - O senhor lembra quanto tempo demorou a viagem?
R - Olha, foi de 15 a 20 dias, se não foi mais, só que eu não me lembro direitinho quanto foi, mas eu sofri muito.
P/1 - Veio muita gente?
R - O caminhãozinho veio lotado. (riso) E eu vou falar para a senhora que eu tive duas pessoas que vieram comigo, que me trouxeram, porque nem a passagem do caminhão eu podia pagar, “Não Arlindo, vamo que nós te paga a passagem do caminhão.” Chegou na estação do norte, teve aquela distribuição, quem é imigrante, quem é que ia ficar na capital, desse jeito, né, eu digo: “Eu vou ficar na capital porque eu tenho um irmão aqui e eu tenho certeza que ele vai me pegar a hora que eu der um alô para ele.” Aí me tiraram fora da fila...
P/1 - O senhor diz aonde na estação do Brás?
R - É, a estação do Brás, que antigamente era estação do Norte.
P/1 - Ah, estação do Norte, chegava todo mundo lá então?
R - Chegava todo mundo lá, de caminhão, de ônibus, de trem, porque eu também viajei de trem a primeira vez, a segunda eu já peguei o trem, mas chegou em Pirapora, estado de Minas, o trem deixa a gente e a gente procura outros meios de chegar em São Paulo.
P/1 - E aí quando chegava lá, o que era esse pessoal que separava vocês, era o pessoal do governo?
R - Olha, eu acredito que seria o pessoal mesmo do Estado, porque a gente chegava e descia, e vinha todo mundo separar um e separar outro, então eu acho que seria do estado, né, só que não posso explicar porque...
P/1 - Não, mas esse pessoal que dizia que era migrante, o senhor sabe o que acontecia com eles?
R - Não sei, porque quando eu falei que eu ia ficar aqui em São Paulo eu já peguei outro rumo, não fiquei assistindo o restante para ver se tava sendo recebido, não sei.
P/1 - E o senhor disse que sofreu muito porque seu Arlindo? Conta um pouco dessa viagem mesmo que seja difícil pro senhor contar.
R - Não é muito difícil, porque hoje em dia passar fome, se a senhora não trabalha a senhora passa fome. Então foi o que eu fiz, eu vim de ônibus, não se achava comida, às vezes chegava numa estação, chegava numa cidadezinha, os próprios negociantes que tem armazém, que tem isso, que tem aquilo, ajudava nós, para gente acabar de chegar. O sofrimento que eu digo era esse, porque nem doente eu fiquei, eu fui ficar doente agora a dez anos atrás, que eu fui ficar doente, operei o coração, operei a cabeça, mas graças a deus eu to vivo e com vontade de viver mais.
P/1 - Mas as pessoas ficavam doentes durante a viagem então, os outros?
R - Olha, alguns ficou, mas também não sei qual foi o recurso que eles tomaram, ou que deram para eles, não sei.
P/1 - E daí o senhor foi para a casa do seu irmão?
R - Eu fui para casa do meu irmão em Osasco. Chegou lá ele me acolheu e falou assim: “Você veio numa época muito ruim, porque não tem serviço.” Eu digo: “Olha, eu sabia disso, mas eu ouvi dizer que São Paulo só não tem serviço para quem não quer trabalhar.” Falei bem isso para ele. Ai ele falou assim: “Se é isso que você está pensando, vamos enfrentar e você vai procurar maneira de tirar os documentos.” Lá no norte, na roça, ninguém prestava atenção, pai não lembrava filho que precisava servir o exército, né? Então quando eu cheguei aqui eu cheguei (submisso?), né, aí ele ainda me meteu medo: “Olha, você tem que tirar documento, senão você não arruma serviço. E olha, chega lá você vai ter uma repreensão porque você não se alistou na época.” Eu digo: “A única coisa que eu posso falar a eles é que eu não sabia, e o meu pai também não me alertou, que ele menos sabia” Aí, ele trabalhava aqui na Avenida Paulista na casa de uma ricaça ai, muito rica, ele trabalhava de segurança a noite, né, e o palacete dela tava em reforma, aí ele falou pro, não sei se a senhora entende, o contador da obra, né, falou: “Eu tenho um irmão lá que chegou do norte, e ele (de carro?) para trabalhar, para ajudar meu pai e minha mãe daqui.” O contador não falou mais nada, só falou assim: “Amanhã você não deixa ele ir embora, deixa ele aqui.” Eu saia, ia passear, né, porque não tinha serviço, não tava trabalhando, ia andar. Aí ele falou assim: “Ah tá bom.” De noite a hora que eu cheguei da rua ele falou assim: “Amanhã você não vai sair porque fulano de tal vai arrumar serviço para você.” Quando foi de manhã ele chamou meu irmão, ele chama Francisco, “Francisco, cadê o seu irmão?”, “Tá aqui.”, “Traz ele aqui.” Aí cheguei lá, ele falou assim: “Você não vai sair para lugar nenhum, você vai trabalhar aqui com nós.” Digo: “Opa, já bateu uma luz na minha...” Ai eu contei a situação, como eu vim, como eu cheguei, ele falou assim: “Você ficou devendo lá?” Eu digo: “Eu fiquei devendo.” Na época não sei mais que dinheiro era, não sei era mil réis, ou era Cruzado ou era Tostão, não sabia, não sei mais, mas eu fiquei devendo 20, ele falou assim: “Os 20 eu vou mandar pagar para você.” Aí mandou pagar, trabalhei o primeiro mês falei para ele assim: “Olha, o senhor cobra os 20.” Ele falou: “Não, mandei pagar, pode continuar trabalhando.” Aí continuei trabalhando, na época foi no tempo da São Paulo da garoa, né, você andava na rua sem guarda chuva, mas aquela chuvinha só assim. Aí ele falou assim: “Arlindo, você precisa comprar uma roupa de frio, que é perigoso você pegar uma pneumonia, sei lá, pegar alguma doença, né?” Aí eu falei: “Francisco, eu não vim aqui ainda para ficar lorde.” É o modo de falar do nortista, né? “para ficar lorde eu não vim, eu vim para trabalhar, e eu tenho que acudir o meu pai e minha mãe, tão todos dois lá doente.” Ele falou assim: “Você é que sabe, se você pegar uma pneumonia, eu já avisei.”, “Se eu pegar eu me cuido.” Eu sei que não foi praga dele, eu sei que não foi, mas dito e certo, (riso) peguei a maldita da pneumonia.
P/1 - Mas você curou?
R - O rapaz que tava cuidando de mim falou assim: “Não Francisco, deixa ele que eu cuido dele.” Pois ele me cuidou, me levava no médico, o médico queria me dar repouso, eu falei: “Mas eu preciso trabalhar.” A pessoa falava assim: “Não, eu vou afastar você do serviço, você vai se cuidar, ficar deitado em casa, sentado, comendo e bebendo.” Eu digo: “Chegando o fim do mês, como é que eu faço para mandar dinheiro pro meu pai?” , “Arlindo, não tô te perguntando isso.” Chegava no fim do mês, o meu ordenadinho era pouco mas era de coração, direitinho no envelope.
P/1 - O senhor punha ele todo no envelope?
R - Nós recebíamos dentro de um envelope. Quando eu abria o envelope eu digo: “Mas não é possível, a sorte veio junto comigo aqui.” E nisso eu consegui me salvar, arrumei muita amizade nesta casa, tanto com a patroa, com os filhos.
P/1 - Mas o que o senhor fazia, o contador te deu que trabalho para fazer?
R - Olha, eu era na casa dela, eu vou falar para senhora, eu fazia tudo. Eu tratava do jardim, eu engraxava as botas dos filhos para ir jogar no Jóquei, né, lavava os carros deles, e outras coisinhas que eles pediam eu fazia também.
P/1 - E o senhor lembra o nome dela?
R - Lembro.
P/1 - Fala para gente.
R - Aqui na São Luís tem um prédio com o nome dela, antigamente era onde era a rádio América. Ela se chamava Aide de Melo Alves, se um dia a senhora passar aí, a senhora dá uma olhada que tá lá escrito Edifício Alves, toda vez que eu passo lá eu fico lembrando. Porque os filhos dela, nossa senhora, eram uns amores para mim, eu quase que não vivia com o meu ordenado, eu vivia com as gorjetas que eles me davam, porque eu era bem, eu arrumava tudo direitinho, não se parte para esse lado de, eu acho que eu posso falar, de puxa saco. Não, não, eu nunca parti para isso, eu sempre parti para trabalhar direito para ter valor.
P/1 - E tinha bastante empregados na casa dela?
R - Tinha. Era cozinheiro, era copeiro, era arrumadeira, era lavadeira, era motorista, era garçom, fora outros que não me lembro mais os cargos que eles tinham.
P/1 - E o senhor ficou lá então desde quando o senhor chegou, que foi 1949 até entrar na Votorantim?
R - Na Votorantim. Até teve uma passagem, que até hoje eu fico pensando que eu fiz mal, mas depois eu falei, eu fiz uma coisa para o bem meu. Porque na casa dela eu não pagava INSS, não pagava nada, e trabalhar de doméstico, as folgas eram tudo fora de... No sábado e domingo uma folga seria gostosa, né? Ah, eu ficava com a folga numa terça ou numa quarta, eu falei: “Ah, isso aí, não vou trabalhar desse jeito não.” Aí tinha uma moça, era filha de português, nossa ela me adorava, porque tudo que ela pedia eu fazia com bom humor e tudo, né, aí ela falou assim: “Arlindo, você podia sair daqui, eu tenho um irmão que trabalha na Votorantim, eu vou telefonar para ele para ele arrumar um serviço para você.” Telefonou para ele e ele falou assim: “Manda ele vir segunda-feira aqui.” Segunda-feira eu não fui trabalhar, por isso que eu digo que eu não sei se eu fiz... Mas que eu fiz pro meu bem eu fiz. Aí eu saí de lá, fui no escritório, aí no Anhangabaú, embaixo do viaduto Santa Efigênia, cheguei lá fui no departamento pessoal. Eu fui tão bem recebido, porque nessa época a linguiça corria atrás do cachorro, hoje não, o cachorro é que corre atrás da linguiça e não consegue pegar, é o que nós estamos passando hoje. O chefe da seção pessoal chamou o funcionário dele e falou assim: “Manda o seu Arlindo sentar aí e preenche o pedido dele de emprego.” Nem isso ele deixou eu preencher. Ai preencheu e perguntou para mim quanto eu queria ganhar, eu falei cá comigo: “É ruim, se eu fosse pedir para ele quanto eu queria ganhar, (quando eu pensasse que não eu tava com o Matarazzo junto?).” (riso) Então eu falei para ele assim: “Ah, sei lá, põe o que o senhor achar que eu devo ganhar.” Eu digo: “A minha sabedoria é pouca, eu nunca escondi, no mato ninguém nunca estudou, estudou o suficiente assim só para ler o letreiro do ônibus, só.” Ele falou assim: “Arlindo, o salário mínimo de hoje é 300” Eu sei que ele falou 300, eu digo: “Ah tá bom.”
P/1 - Era mais do que o senhor ganhava?
R - Era mais do que eu ganhava, e já tinha o INSS, tinha direito a férias, tinha direito a aposentadoria, que nem hoje eu tô aposentado. “Então quarta-feira você vem trabalhar, terça-feira você arruma as suas papeladas e quarta-feira você vem trabalhar.” Foi o que eu fiz, depois eu falei pro cara: “Eu preciso resolver o meu problema com a minha patroa, né, eu fui honesto até agora, porque eu vou sacanear a coitada da mulher.” Ai pensei, pensei, e digo, eu não vou lá porque se eu for ela não vai me deixar sair, eu vou ligar para ela. Ai liguei, quando ela viu que eu perdi dois dias, foi ela que atendeu, mas ela não quis falar comigo, né, nisso eu escutei a voz do filho dela passar, falou para ela: “Mamãe, é o Arlindo que tá no telefone?” Ela falou assim: “É, mais eu não quero atender ele.”, “Então dá aqui.” Escutei ainda falar dá aqui, olha, o rapaz foi tão simpático comigo, falou assim: “Arlindo, você tem todo direito de procurar a sua melhora, o serviço que você tava fazendo aqui, não sei se eu to certo, mas você fez só para quebrar o seu galho enquanto você podia arrumar outro melhor.” Se chamava Tito, eu digo: “Pois é seu Tito, eu tenho pai, tenho mãe, e tinha de procurar uma melhora.”, “O que você quer Arlindo?” Eu digo: “Eu queria uma carta de referência, né?”, “Ah, tudo bem, pode esperar lá que chega pelo correio.” Aí a carta chegou pelo correio.
P/1 - O senhor não morava na casa?
R - Não, não.
P/1 - Onde o senhor morava?
R - Eu morava no Alto da Lapa, na casa de um amigo meu.
P/1 - Também não ficou com o seu irmão?
R - Não fiquei com o meu irmão porque não ia dar certo, sempre tem uma coisinha, que às vezes o meu modo é diferente do outro, né? Eles tinham um modo de querer fazer as coisas que não podia, e eu não, eu pensava três vezes para mim fazer aquilo, porque eu digo, se meu ordenado é pouco e eu to num lugar, desconhecido, então eu tenho que trabalhar para procurar conhecimento, foi o que eu fiz e achei.
P/1 - Então o senhor mandava o seu dinheiro lá para Bahia, seus pais depois eles faleceram?
R - Depois eles faleceram.
P/1 - O senhor chegou a voltar para Bahia?
R - Eu fui lá duas vezes.
P/1 - Enquanto eles estavam vivos?
R - Tavam vivos. A minha mãe faleceu aqui, e o meu pai faleceu lá.
P/1 - O senhor trouxe a sua mãe?
R - Cheguei a trazer, cheguei a trazer a minha mãe para cá. Mas sabe, o povo antigo e com certas idades não quer ficar num lugar desse, e São Paulo na época não era tão grande que nem é agora, se fosse agora ela não ficava nem um dia, (riso) acho que ela não ficava nem um dia. Aí ela quis voltar, fui levar, quer dizer, nesse ponto aí eu não tenho remorso porque eu cuidei.
P/1 - Seu Arlindo, e os documentos afinal, o senhor tirou tudo direitinho?
R - Tirei tudo direitinho.
P/1 - Ninguém lhe pôs medo?
R - Cheguei na quarta (CE?), falei, aqui é o lugar que vai querer até me prender e me segurar, né? Eu cheguei lá, caipirão, não tenho vergonha de falar, eu era caipirão mesmo. Quando eu cheguei na fila, uma fila que Deus mandava, aí comecei a perguntar, perguntar, “Não, é aqui mesmo, é aqui mesmo.” E eu fui entrando junto com eles, quando eu entrei na sala lá, o maior lá que eu não sei se era general, não sei o que era, eu sei que era maior, era cheio de borboleta por tudo quanto era canto, (riso) escuta: “Seu Arlindo.”, “Presente.”, “O que você veio fazer aqui?” Eu digo: “Eu vim para tirar a minha carteira de reservista.”, “Cadê o seu atestado de nascimento?” , “Ta aqui.”, “Seu Arlindo, você tá sabendo que você está sujeito a ir preso?” Falou bem assim, digo: “Olha, eu já tô sabendo, é tanto que o senhor faça de mim o que achar que é suficiente.” Mas eu acho que ele percebeu que eu tava falando uma coisa tão séria, que ele falou assim: “Ah, eu vou dar uma ajeitada nele.” Ai ele perguntou para mim se eu conhecia uma pessoa que já serviu o exército para dar o nome para ele, eu digo: “Conheço, hoje ele ta sendo meu chefe.” Ai eu dei o nome, é um nome esquisito mas eu ainda falo o nome dele, mas eu sei que ele chamava Abedardio, mas o sobrenome eu não sabia, ele falou assim: “Ah é, você sabe o telefone?” Eu digo: “Eu sei.” Ai dei o telefone, eu sei que eu vi ele lá misturando a língua lá com eles, daí ele me chamou e falou assim: “Olha, tal dia você vem jurar a bandeira.” Eu digo: “Ué, tudo isso, não tive repreensão, não tive nada.” , “Tal dia você vem jurar a bandeira.” No dia que ele marcou eu fui lá jurei a bandeira, peguei o meu certificado, tá em casa. Uma fotografia feia, amarela, magrelo, mas tá lá em casa.
P/1 - Seu Arlindo, aí o senhor começou na Votorantim, em que lugar da Votorantim, lá mesmo no prédio do Anhangabaú?
R - Lá mesmo. Quando eu comecei lá a Votorantim tava com dois anos que tava lá, que o escritório dela era aqui na esquina com a 15 de Novembro e a Praça Antonio Prado, era um prédio parece que de seis andares, não cabia mais então compraram esse prédio lá de 17 andares.
P/1 - E lá o senhor fazia o quê seu Arlindo?
R - Olha, eu vou falar para a senhora, eu trabalhei porque, não vou dizer que eu quero vencer, mais um dia eu quero ter o nome de um homem trabalhador. Quando eu entrei lá me puseram no elevador, mentira, tô mentindo, me puseram na expedição, que era expedição antigamente, hoje é correio interno, para entregar carta, para entregar fatura. Aí me tiraram da expedição e me puseram para servir café do 17 andar até o térreo, o carrinho era de seis andares, aqueles bruta bulão assim de alumínio cheio de café, os andares todos cheios de xícaras, eu chegava em cada mesa e despejava o café. Até um dia eu cheguei na contabilidade, o chefe falou para mim assim: “Arlindo, tá vendo aquele senhor lá?” Eu digo: “Eu não to vendo não, eu to vendo lá um rapaz.”, “Aquele lá é neto do patrão, serve ele bem.” Eu digo cá comigo: “Do jeito que eu tô servindo eu tenho que servir todo mundo bem, né?” Aí cheguei na mesa dele: “Da licença.” Despejei com o bule aquele café grosso, amargo, aí tomou o café, ele era estagiário do doutor Antônio, era estagiário. Ai tirou eu do café e me puseram na rua para pagar título, para ir em Receita Federal, nesse lugar bem pior. Ai um dia eu fiz uma coisa muito boa que eu criei força perante o chefe, né, ele mandou eu pagar um imposto na Receita Federal, que é aqui na Floriano de Abreu, perto da Estação da Luz, porque ele falou assim: “Arlindo, eu quero esse imposto pago, e ele vence hoje.”, “Ah, pode deixar que eu pago.” Peguei o imposto pus na pasta, cheguei lá na Floriano de Abreu, sabe onde a fila tava, da Floriano de Abreu que é quase esquina com a Praça da Luz, a fila tava no mercado, no mercadão. Aí eu cheguei e fiquei na fila, fiquei na fila, cheguei cedo, fiquei, fiquei, a boca tava seca, tava com sede, mas não podia sair da fila, depois veio a fome, eu digo, “não tenho para onde sair vou ficar aqui”. Quando nós entramos dentro da receita era oito horas da noite, quando nós entramos, o pátio da Receita tava assim completo de gente, eu digo, o homem falou que é para eu pagar, vou ficar aqui. Quando foi meia noite eu consegui chegar no guichê, cheguei no guichê eu digo: “Olha, eu vim pagar isso aqui.”, “Opa, isso aqui precisa ser pago hoje, senão o patrão vai pagar uma multa que não é brincadeira.” Eu digo: “Mas é por isso que eu to aqui.” , “Desde quando você tá aí?” Eu digo: “Eu saí de casa às seis e meia da manhã mais ou menos, devo ter chegado sete e meia, oito horas, né.” Aí paguei, não tinha mais condução para mim ir embora para casa, o que eu fiz, eu moro em Pirituba, o que eu fiz, eu digo, no escritório eu não posso ir que eles não deixam entrar para dormir, na rua eu não quero ficar, eu vou é embora para casa. Tirei o sapato, amarrei o cordão joguei nas costas e... Cheguei em casa, tomei banho, tomei café e voltei com os documentos no meu bolso pago.
P/1 - O senhor contou isso pro chefe?
R - Eu tenho que contar porque ele tem que me pagar um café, porque eu passei fome, ele falou assim: “Ah Arlindo, agora eu acreditei que você vai ser o meu… Que eu não vou esquecer nunca, olha, hoje, esse resto de semana você almoça que eu vou pagar o almoço para você”, “Tudo bem” A semana inteira eu almocei me ele pagando, ele pagando. (riso)
P/1 - Como era o nome desse chefe seu Arlindo?
R - O nome dele era (Elzio Ranzani?). Era uma pessoa excelente, nossa senhora, era meu pai. Depois disso, me puseram no elevador, depois do elevador me puseram na portaria, depois da portaria, sabe que eu nem sei o que eles fizeram comigo, eles me deram outro cargo mas eu não sei. Sei que na outra semana o rapaz que trabalhava de recepcionista para diretoria foi mandado embora eu não sei porque, e também não tratei de saber, né? Esse seu (Elzio?) me chamou e falou assim: “Arlindo, você vai trabalhar na diretoria agora.” Eu me assustei, né, porque, sabe o que acontece, a diretoria é enérgica, se não andou direito é rua, eu falei para ele: “Seu (Elzio?), eu num sou muito velho de casa, e a diretoria eu sei que não andou certo eles manda embora e eu não quero perder o meu emprego, não quero mesmo.” Ele falou assim: “Eu to te mandando para lá porque, porque eu sei que você não vai perder o emprego.”, “É, tudo bem.” Me passaram pro sétimo andar que era a diretoria, hoje eu trabalho só com o doutor Antônio, e lá no sétimo andar eu trabalhava com doze diretores.
P/1 - Em que ano foi isso seu Arlindo, o senhor lembra?
R - Ah não.
P/1 - Mas já tava aqui nesse prédio?
R - Não, era no outro ainda, só que não me lembro mais. Daí, teve uma época, nem sei se eu... Não vou falar não, coisa que me põem na cabeça porque, às vezes, pode a senhora falar uma coisa para mim e eu não escutar, eu acho que é direito de todo mundo, né, você não é obrigado a escutar tudo que a pessoa fala assim de repente. E essa pessoa falou e eu... Escutar eu escutei, só que eu escutei errado, essa pessoa não quis ficar comigo. Esse seu (Ezio?) me chamou, falou assim: “Arlindo, fica aqui comigo, é nervosismo dessa pessoa depois você torna a voltar para lá.”
P/1 - Então o senhor atendia doze diretores, mas assim como é que era o seu cotidiano de trabalho, atendia em que sentido, o senhor recebia as pessoas que...
R - Eu ficava que nem fico ali na recepção, um diretor tocava a campainha e eu ia atender: “Fulano de tal vai chegar ai, você me anuncia.”, “Ó, essa pasta aqui você vai entregar para fulano.”, “Ah, quem deixou o café aqui esqueceu da xícara, você quer levar a xícara.” É tudo esses servicinhos que era da gente fazer. Nisso aí, eu ganhei ponto porque e o outro, chegava na hora de ele ir embora, ele não contava se ainda tinha diretor, ou se tinha visita para chegar para um daqueles diretores, né, ele ia almoçar ou ia embora, sei lá, não sei o que ele fazia, porque chegaram a mandar ele embora, né? Aí eu, na minha cabeça ninguém me instruiu, porque mandaram o rapaz embora e me puseram lá, não teve mas ninguém para me ensinar nada, mas aquilo eu pus na cabeça. Eu digo, não, na hora do almoço é o meu dia, eu preciso saber quantos diretores ainda tem, e o diretor não sai correndo que nem nós que sai correndo, diretor enquanto tiver gente para atender eles estão atendendo, almoço de gente rica é sempre a partir da uma hora em diante, né? Eu não, quando é meio dia eu to morrendo de fome, o que eu quero é comer, eu quero é comer. (riso) Então eu ficava naquilo, eu digo, enquanto não saia o último diretor eu não saia, nisso aí eu ganhei um ponto, porque esse seu (Ezio?) falou para mim: “Olha Arlindo, você ganhou um ponto nisso, porque o outro não fazia.” E hoje, to fazendo até agora, eu não saio sem o doutor Antonio sair.
P/1 - Porque hoje o senhor só tá então com o doutor Antônio, quando mudou para cá para esse prédio já foi assim?
R - Não, ainda tava o finado doutor Morais, o senador.
P/1 - O senhor conheceu bem o senador?
R - Eu trabalhei com ele muito tempo ainda, tinha o filho dele, o finado José, trabalhei muito tempo, até a data do falecimento dele. Trabalhei com os tios dele, Paulo Pereira Inácio e João Pereira Inácio, eu só não trabalhei com o finado... Sem dúvida eu diria ser, diria não, deve ser pai desses dois que eu falei.
P/1 - Mas os filhos dele, do António Pereira Inácio então o senhor conheceu?
R - Conheci.
P/1 - O senhor lembra deles assim para contar para a gente?
R - Não, não, eu só lembro do nome simplesmente, ainda gravei.
P/1 - Porque eles estavam nesse grupo de diretores que o senhor disse?
R - Ainda tava no grupo sendo diretor do grupo, né? E aí entra um diretor sai outro diretor, porque sabe, o diretor não fica caducando que nem eu fiquei, sai, entra, entra e sai, né porque o diretor procura as melhoras dele, né? E eu não tinha para onde procurar melhora, eu tinha que ficar aqui mesmo, e não to arrependido, porque eu entrei numa firma muito simpática, muito gostosa. E a família Moraes eu vou falar para senhora, eu tiro o chapéu para ela, não só dez não, eu tiro o chapéu para ela cem.
P/1 - O senhor tá aqui há 51 anos seu Arlindo, 51 anos de Votorantim, é isso desde 1954?
R - Agora já to no resto da vida, a hora que eles mandar eu embora eu vou contente, mas sabendo que eu trabalhei numa firma que o patrão era meu pai, era não, é meu pai.
P/1 - Tinha um bom relacionamento deles com...
R - Com todos.
P/1 - O senhor lembra assim algum caso específico de...
R - Eu não lembro porque comigo não aconteceu, e se aconteceu com alguém não chegou no meu alcance.
P/1 - Assim que o senhor pudesse contar que eles tinham esse bom relacionamento, como é que era assim, tratava bem como, era bom dia, boa tarde?
R - Bom dia, boa tarde, se a gente entrasse na sala, eles alegres, perguntavam se a gente tava bom, se a gente adoecesse, nossa senhora: “Como é, você sarou, ficou bom?” Era desse jeito. Não sei se dez ou 15 anos atrás, eu fui operado do coração, operei da cabeça, eu acredito que não existe patrão para fazer que nem meu patrão fez quando eu tava doente, me deram todo apoio, me deram toda garantia. O doutor Antonio ligava na minha casa, mandava me chamar para perguntar como eu estou, aquilo para mim foi o maior orgulho que eu tive, então não tem outra coisa que... E por aí eu to andando.
P/1 - E quando é que o senhor ficou só com o doutor Antonio?
R - É uma pergunta, mas só que eu não me lembro não.
P/1 - Não lembra. Não mais assim, ainda tava no outro prédio o senhor chegou a conhecê-lo como estagiário, e um dia aconteceu...
R - Um dia aconteceu, e depois que eles terminaram a reforma aqui, que aqui era Hotel Esplanada, né? Depois que terminou a reforma aqui eles já me chamaram para vim para cá sendo recepcionista deles, e deles eu to até hoje.
P/1 - Não, mas o senhor ficou só com o doutor Antonio, é isso?
R - Não, não cheguei a ficar só, fiquei com todos eles. Aí foi passando na peneira, foi passando na peneira, até agora eu to só com o doutor Antonio.
P/1 - Ah, atualmente que o senhor tá só com o doutor Antonio?
R - Só com o doutor Antonio. Não vou dizer que eu não atendo os filhos dele, os filhos vindo aí eu atendo com o maior prazer e eles são as criaturas, eu vou falar para a senhora, para ser filho do homem que é, eu em vista não sou ninguém, mas eu digo, eles faz eu de muita gente, isso eu digo para senhora.
P/1 - Eles brincam com o senhor?
R - Ah, um dia desses, um dia desses não, parece que faz um ano atrás, o filho dele chegou para mim e falou assim: “Arlindo, você tava em Vitória?” Eu digo: “Não doutor, eu nem conheço Vitória.”, “Mas eu tava lá com a minha senhora, nós fomos viajar, e eu tava lá com a minha senhora num restaurante, e tinha uma pessoa tocando, ainda falei com a minha senhora, mas o seu Arlindo aqui.” Aí ele falou assim: “É seu o Arlindo porque não tem outro, é o seu Arlindo.” Ai ela falou assim: “Porque você não vai tirar a limpo, vai lá saber se é ele.” Ele falou: “Não, deixa ele tocar que eu to gostando muito da música dele.” Nisso quando ele terminou de almoçar, era para ele ir lá perguntar, eles foram embora, né, aí ele chegou e contou para mim, eu digo: “Olha, doutor, eu não conheço Vitória, e a única coisa que eu já toquei na minha vida foi burro.” (riso) Olha, ele morreu de dar risada, ele morreu de dar risada.
P/1 - Mas então era um cara bem parecido então, né?
R - Foi um cara bem parecido. E ele chegou aqui e contou o caso para mim, e a senhora dele falou a mesma coisa.
P/1 - E os filhos do doutor Antonio você conhece desde criança?
R - Desde criança.
P/1 - Quando eles eram crianças eles vinham aqui?
R - Vinham sempre com as babás, né?
P/1 - Vinham bastante à empresa?
R - Até hoje as noras deles vem com os meninos aí e a babá.
P/1 - Então seu Arlindo, o senhor tava contando que faz dez anos que o senhor esteve aqui não?
R - Não, não, eu ia falar assim, eu to com 40 anos que vim aqui, porque eu recebi a medalha com dez, então seria 40 anos que eu vim aqui.
P/1 - Nesse auditório onde nós estamos?
R -Nesse auditório, e foi o doutor Antônio que me entregou a medalha.
P/1 - Medalha de?
R - De dez anos.
P/1 - Dez anos que o senhor trabalhava aqui?
R - É.
P/1 - E isso era uma coisa comum de acontecer na Votorantim pros funcionários?
R - Era comum, quem fazia dez anos recebia, quem fazia 20 recebia, e daí por diante. Agora que parece que separou as idades da pessoa receber que... Eu recebi uma agora a pouco tempo de 40 anos. Quando foi agora nesse fim de ano em dezembro, eles me convidaram para mim ir num jantar lá na fábrica, né, aí eles me deram outra medalha de cinco estrelas, e a outra foi de 40, que foi até um almoço que eles deram para gente aqui no Banco de Boston aqui. E para mim foi a maior alegria quando eles me convidaram para mim ir na fábrica para receber essa medalha, que eu não conhecia lá. Também não cheguei a conhecer porque foi de noite, só fui na lanchonete e de lá a gente comeu, os filhos do doutor Antonio me entregaram a medalha e me abraçaram com o maior carinho. Todo mundo ficou bobo de ver, e cada um me abraçou e falou assim: “Seu Arlindo, como você conseguiu fazer isso, 50 anos num lugar só?” Eu digo: “Não, é fácil, você mantém a calma e esquece do nervoso, deixa o nervoso pro lado.”, “Mas porque deixa o nervoso pro lado?”, “Não, porque você trabalha com o chefe, e às vezes o chefe fala uma besteira você já levanta a asa e não pode. Você tem que saber que o chefe é chefe, você não pode passar por cima dele, ele falou é porque você tá errado.”
P/1 - Seu Arlindo, o senador como é que ele era assim como pessoa?
R - Uma pessoa muito boa, uma pessoa igual o doutor Antônio, tinha dó de todo mundo, e ele foi uma pessoa que deixou saudade para todo mundo, não só para família como para amigos e empresários igual a ele. Não tenho o que dizer, a família Moraes não se tem o que dizer. E não existe no mundo, não existe, são pessoas que nasceram para a caridade.
P/1 - O doutor José também?
R - Nossa, o douto José era um amor de homem, aquele ali nossa, ele agradava todo mundo. E nisso, a família toda que eu acabei de falar.
P/1 - E vinha assim pessoas importantes visitar aqui, o senhor lembra?
R - Sem dúvida, o maior prazer e o maior orgulho meu foi de receber tanta gente importante que essas pessoas receberam, né, e eu que... Não era eu que mastigava, a secretária mastigava e já me dava mastigado. Chegava na hora da pessoa chegar, a gente chegava junto, chegava na sala do doutor Antonio, do doutor José, do doutor Moraes e anunciava e eles mandava... Outros não precisava nem eu ir lá porque a secretária mesmo se incumbia de falar para eles que fulano de tal, quando era governador. Eu só nunca recebi aqui foi presidente, mas governador eu recebi tanto daqui como do norte.
P/1 - Ah, vinha bastante governadores do norte?
R - Muita gente do norte chegou aqui e perguntava para mim: “O Arlindo, você ainda tá aqui?” Eu digo: “Tô até a hora que o doutor Antonio quiser.”, “Ah, então você não vai sair, tá sempre querendo mesmo.” Ainda dava risada, né, então não tem nem pergunta para perguntar para mim responder dessa família.
P/1 - O doutor Moraes também era uma pessoa bacana?
R - Era um amor de pessoa. Olha não existe, eu gostaria que cada estado... É 21 estados que o Brasil tem, como é que é?
P/1 - 24, sei lá, um monte.
R - É, um monte. Eu gostaria que cada estado tivesse pelo menos 100.
P/1 - 100?
R - Igual a essa família. Que o Brasil seria outra coisa.
P/1 - E quando o doutor Antônio foi candidato então, o senhor ajudou na campanha?
R - Sim, não na rua, mas aqui dentro de casa nós ajudamos muito, torci para ele ganhar, mas infelizmente ainda existe muita gente que não sabe dar valor ao que presta. (riso)
P/? - E causos assim, causos pitorescos, história engraçadas que possam ter acontecido, não só...
P/1 - Pois é, é verdade. Seu Arlindo com o senhor, mas como com outras pessoas?
R - Não, sobre isso aí eu vou falar para senhora, não chegou no meu...
P/1 - Não?
R - Não, não chegou não. Se teve algum foi antes de mim, depois que eu to com eles não teve. Tem assim, de um deles me chamar, vou atender, e às vezes eles para eu um pouquinho para perguntar alguma coisa, se eu sei eu respondo, se eu não sei... Que eu acho que é por isso que eu fiquei essa data de, porque a minha boca não abria, meu ouvido era surdo e os meus olhos não enxergava, então eu venci.
P/1 - Seu Arlindo, e a sua esposa, o senhor conheceu ela aqui em São Paulo?
R - Conheci aqui em São Paulo.
P/1 - A onde foi?
R - Eu tava trabalhando já na Praça Ramos aqui, né? Mas eu conheci porque ela trabalhava na doceira e a irmã dela casou e eu não sei como eles me convidaram para ir nesse casamento, já não me lembro mais, que eu já não sou mais criança para ficar lembrando tudo isso. Aí eu conheci ela, ainda falei pros vizinhos, eu digo: “Puxa vida, essa moça aí tá do jeitinho que eu gostaria de ter porque é esforçada, é alegre.” Não tinha tempo ruim para ela, e não é que deu certo, quando eu pensei que não...
P/1 - Quantos anos de casado seu Arlindo?
R - 48 anos.
P/1 - E filhos quantos vocês têm?
R - Duas filhas legítimas, que nós temos duas, uma que é neta, que a minha filha mais nova forçou a barra e não esperou, então me deu uma neta mais rápido, e a outra é de criação, peguei com nove dias, eu não, a minha mulher que pegou ela com nove dias. Hoje eu já tenho um neto dela com quatro anos, mora comigo. E vou falar para senhora, todo mundo admirou de mim porque disse que nem todo mundo tem essa coragem de pegar uma criança para criar, e eu tive. Quando a minha mulher chegou com aquela criança eu digo: “Você trouxe, então nós temos que criar que jogar fora nós não pode, e para levar da onde você trouxe...” Que até hoje eu não sei como foi que ela pegou essa criança.
P/1 - Ela não contou pro senhor?
R - Não contou. Mas eu sei mais ou menos, é amizade de muita colega no serviço, sempre pode acontecer e a colega falar assim: “Quando eu tiver essa criança se você quiser eu dou.” Eu pensei mais ou menos isso. Ela é dessa cor da camisa da senhora, pretinha, pretinha, mas muito linda, não to puxando o saco dela, é muito linda, minha mulher adora ela, as irmãs, nossa, minhas filhas acha ruim e fala dela.
P/1 - Então como é que chama a sua esposa?
R - Benedita.
P/1 - Benedita. Ai filha mais velha?
R - Maisa.
P/1 - Maisa. Depois a outra?
R - Márcia.
P/1 - Márcia. E as meninas?
R - As meninas...
P/1 - A neta?
R - A neta é (Carina?) e a outra é Cristiane.
P/1 - Bonito nome. Esse monte de mulher seu Arlindo, como é que foi?
R - É, eu to perdido, né? (riso) Se eu for atrás do que elas falam, eu tô mais perdido que sapo na água. (riso)
P/1 - Mas agora tem o neto homem e o bisneto?
R - E o bisneto homem também.
P/1 - Vai equilibrar.
R - É, mais já ta chegando num tempo que ao invés deles ser criança, eu é que vou virar criança, então eles vão começar a mandar em mim, né?
P/1 - E as meninas estudaram, o que elas fazem?
R - Eu dei o estudo até onde eu pude, né, até onde eu dei, aí eu digo: ”Agora vocês vão trabalhar e vão terminar o estudo de vocês porque o pai não pode” Umas continuou, outras pararam, eu digo: “Pararam porque vocês quiseram, porque eu falei que eu não podia dar.” Mas que o estudo eu dei eu dei, eu dei o estudo.
P/1 - E ta todo mundo próximo do senhor?
R - Todo mundo. A (Carina?) mora comigo e minha mulher, a Cristiane mora embaixo em outra casa, a Maisa mora também fora, casaram com uns rapaz pobre, mais tudo trabalhador. As vezes eu falo para eles que a pobreza não é defeito, o que eu fui pobre, hoje eu tenho uma casinha para morar, mas porque, porque eu trabalhei com aquela intenção de não pagar aluguel e nem ir na favela. E lá é bem feito, e na favela não é bem feito, é a possibilidade que a pessoa não tem.
P/1 - Seu Arlindo, o senhor lembra assim de algum momento aqui na Votorantim que tenha sido um momento mais tenso, de alguma crise, que teve muita correria?
R - Essa firma nunca teve crise, não, de jeito nenhum. Toda vida foi uma potência, e se não fosse ela tinha muita gente desempregado, muito mais, mas toda vida foi uma potência sem pôr defeito, nesses 51 anos que eu fiquei aqui, eu nunca vi correria nenhuma. E nunca atrasaram com o meu pagamento, no dia certo o meu pagamento está para mim pagar as minhas dívidas e comprar alguma coisa que eu preciso, toda vida nunca teve atraso, pelo contrário, eles pagam adiantado, se dia 30 é domingo, eles pagam na sexta, mas não vai deixar para segunda. Ai é bom demais, porque a gente faz uma comprinha contando com aquilo, chega no dia não bate, aí a gente começa a fundir a cabeça, né?
P/1 - Seu Arlindo, o que o senhor acha desse projeto Memória Votorantim?
R - Olha, eu não conhecia, mas de pouco tempo que eu to conhecendo eu acho que foi uma coisa muito legal, não sei se eu to falando certo, que inventaram ou que fizeram, para mim é uma coisa muito interessante. Ta desenvolvendo muita coisa que antigamente não era desenvolvido.
P/1 - O Senhor viu, tá com medo ainda de ir no Museu, não? Ele disse para mim lá fora: “Mas eu não vou pro Museu” (riso)
R - Não, eu posso ir, mas para ficar no meio da sala, porque encostar na parede não, que aí eu vou pro paredão. (riso)
P/1 - Seu Arlindo, o que o senhor achou de dar entrevista então pro Projeto Memória?
R - Beleza, beleza. Se eu respondi alguma coisa errada, a única coisa que eu peço é desculpa, porque eu não posso falar para senhora que eu sou uma pessoa desenvolvida, mas sempre trabalhei para ser respeitado e dar respeito, quer dizer que para mim, uma beleza.
P/1 - Então tá bom, muito obrigado seu Arlindo pela entrevista.
R - De nada.
[Fim da entrevista]Recolher