Projeto Kinross Paracatu
Depoimento de Dália Gabriela Ulhôa Bijos
Entrevistado por Luís Gustavo Lima e Márcia Ruiz
Paracatu, 23/06/2017
Realização Museu da Pessoa
KRP_HV28_Dália Gabriela Ulhôa
Transcrito por Karina Medici Barrella
P/1 – Então, Dália, primeiro agradecer você a disponibilidade de estar aqui com a gente, abrir a sua casa pra gente poder fazer essa conversa. E pra começar queria que você dissesse o seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.
R – Dália Gabriela Ulhôa Bijos, 20 de março de 1973. E nasci em Uberlândia (MG). Mas só nasci, moro aqui em Paracatu desde bebezinha (risos).
P/1 – E os seus pais, quem são?
R – Minha mãe é Lazy Ulhôa Bijos, casada com meu pai, Horácio Rodrigues Bijos.
P/1 – E os avós?
R – Meus avós? Eu não conheci nenhum avô, nem avó. A minha avó, como minha mãe estava falando ali há pouco, morreu nova, com 39 anos. Minha mãe tinha nove anos e eu não conheci. Meu avô durou um pouco, eu também não conheci. Minha irmã nem conheceu, ela era pequenininha quando ele faleceu. E do meu pai também não conheci nenhum.
P/1 – Esse nome Ulhôa não é muito comum, mas você sabe as origens da família?
R – É espanhola. Meu avô, minha mãe fala que ele é de Portugal, mas a origem mesmo é espanhola. Eu acho que ele deve ter morado em Portugal, deve ter tido família lá, não sei, e veio pra cá como se fosse português.
P/1 – E você sabe quando se deu essa estada em Paracatu, quando veio a família pra Paracatu?
R – Não, não sei, isso eu não sei.
P/1 – E você nasceu nessa casa, essa aqui é a sua casa da infância? Como que é?
R – Essa aqui é a minha casa da infância, morei aqui desde que eu nasci.
P/1 – E como era a casa da infância? Como era essa casa, como você se lembra dos lugares da casa?
R – A casa, eu sempre dormi com meus pais, eu nunca tive um quarto sozinha. Eu vim a ter um quarto sozinha quando eu tinha uns 20 e poucos anos, que eu fui morar em Belo Horizonte (BH) com 17, que eu fui dormir sozinha, né? Sempre dormi ou com meu pai ou com a minha mãe. Nunca tive um quarto só pra mim. Aí, minha casa era dois quartos. Às vezes, minha mãe dormia sozinha num e eu dormia com meu pai, ou às vezes trocava, sempre foi assim, nunca tive quarto (risos).
P/1 – Você tem irmãos?
R – Tenho uma irmã, mas minha irmã casou, eu tinha quatro anos de idade. Fiquei praticamente sozinha, cresci sozinha. Minha irmã já tinha 19 quando casou. Minha mãe me teve quando ela tinha 16 anos, aí praticamente fui criada sozinha, tipo filha única mesmo, que ela já tinha casado, tinha ido embora, tinha mudado.
P/1 – Como era a rotina na casa, como era o jantar, almoço?
R – Nossa, almoço era bagunça (risos), todo mundo da família, era irmão da minha mãe, os parentes tudo vinham almoçar aqui. Final de semana, né? Dia de semana tinha muito também, era muita gente. A minha casa, eu lembro que Paracatu era muito calmo e a porta da rua ficava aberta, aberta mesmo, totalmente aberta. Aí o povo entrava, saía. Minha casa sempre teve movimento, eu nunca fiquei sozinha na minha casa (risos), nunca tive um momento sozinha. Hoje, a gente tem mais privacidade por causa de ladrão, isso tudo, tudo é mais fechado. Mas antigamente não tinha, era povo entrando e saindo a toda hora, não tinha jeito de ficar sozinha na casa, era muito movimento, era bom.
P/2 – E Dália, você falou pra gente que teve uma diferença de 16 anos, praticamente, do nascimento da sua irmã pro nascimento seu.
R – Sim.
P/2 – E foi programada a sua vinda ou a sua mãe queria ter tido um filho só? Conta um pouquinho, você sabe um pouco dessa história?
R – O que eu sei é que ela tinha tomado um remédio, que ela tem asma, então ela tinha tomado remédio e o médico falou que ela tinha ficado estéril. E ela foi pra Goiânia, acho, fazer uns exames, o médico passou outro remédio e ela engravidou de mim. E ela achava totalmente que ela era estéril. Aí ela engravidou. Quando ela engravidou, a barriga dela foi crescendo, o povo achou que ela estava com câncer, que ela tinha um tumor (risos). Aí foi fazer exame, quando viu era eu (risos). Aí foi depois de 16 anos, aí foi aquela festa (risos).
P/1 – E você estava falando da casa, da casa aberta. Do que você lembra mais dessa casa, dos momentos de comemoração?
R – Ah, aqui sempre teve festa, o povo aqui sempre foi festeiro. O almoço de domingo aqui almoçavam mais de 20 pessoas todo domingo, todo domingo. Era festa, domingo, final de semana, sempre vinha muita gente. De manhã, sempre tinha, meus tios todos, irmãos da minha mãe, passavam aqui pra tomar café, todos os que moravam aqui na cidade vinham de manhã cedo, tomava café. Às vezes, vinham e almoçavam. Muito movimento. E assim, desse negócio da porta ficar aberta, eu lembro quando eu fui ficando adolescente, quando eu saía, minha mãe botava só uma cadeira atrás da porta pra ver que fez barulho e que eu estava chegando. Chegando dez horas da noite (risos), mas sempre ficava aberta. Na época da minha irmã, que minha mãe ia muito pra baile, sempre levava minha irmã pra baile. Todo quanto é baile que tinha no Jóquei Clube, que era o clube daqui minha mãe ia. Ela tinha mesa cativa lá no clube e sempre levava todo mundo, as amigas da minha irmã, a porta também sempre ficava aberta. Eles deixavam a porta só encostada e ia pros bailes, pras festas, voltavam. Nunca teve negócio de trancar porta, nem janela, era tudo aberto. Até há pouco tempo, com mais ou menos uns 18, 17 anos também ficava aberta. A gente dormia com a janela do quarto aberta. Que a casa é colonial, né? Então a janela bem pra rua. Dormia com a janela aberta. Os amigos às vezes chegavam: “Ô” (risos), vamos sair”. Já chegava só a carinha na janela, estava lá a janela aberta, dava pra ver tudo dentro de casa, era supertranquilo.
P/1 – Mas ficando ainda nessa parte da infância, com quem se dava as brincadeiras, quais eram as brincadeiras, quem você tinha mais afinidade?
R – Ah, a gente brincava muito. Eu gostava muito de Playmobil, não sei se vocês lembram de Playmobil nessa época. Aí eu fazia muita casinha de barro, gostava de fazer as casinhas. Tinha aquela cidade de Atlanta, dos super-heróis lá, eu também tinha uma piscininha aqui e eu fazia a cidade toda e depois enchia a piscina (risos) e ficava a cidade lá embaixo d´água. Sempre gostava de criara essas coisas.
P/1 – Você brincava mais sozinha ou tinha amigos?
R – Não, tinha amigos, tinha amigos. Tinha muita gente, muita meninada aqui na rua.
P/1 – Você lembra de algum deles?
R – Lembro. Guilherme, cresceu junto comigo e depois foi embora, mas a mãe dele mora aqui em frente até hoje. Tem o Ceara que morava aqui do lado. Tem a Luciene também, morava pertinho aqui da rua. Tinha Viviane, Janice, também morava aqui em frente. Tinha a Aline, Tom Jorge. Tinha Laurence, Piau. E meu primo Paulinho, que todo final de semana a gente ia pra fazenda, quando criança, seis anos, sete anos, direto, todo final de semana saía da escola e ia pra fazenda. Aí ia essa turma toda, eu, Paulinho, Laurêncio, Guilherme, todo mundo ia pra fazenda e dormia tudo lá. E as brincadeiras eram ótimas (risos). Meu primo tinha ganhado um laboratoriozinho, a gente pegava o laboratório, tinha seringa, agulha, isso tudo, a gente pegava morcego e injetava um tanto de coisa dentro do morcego (risos). Borboleta, cobra, a gente sempre pegava cobra. Não podia matar, não, a cobra, não podia fazer nada com as cobras, meu tio não deixava, não, mas o resto dos bichos nós fazia experiência de tudo quanto é jeito que você pensar (risos). Eram essas brincadeiras. E andar de bicicleta, aventura, dirigia já com sete anos, pegava trator, carro, já dirigia.
P/1 – E quem te ensinou a dirigir?
R – Meu primo, Paulinho. O pai dele ensinou ele e ele me ensinava. Ele saia: “Deixa eu dirigir” (risos). Aí ele foi me ensinando, ele que me ensinou.
PAUSA
P/1 – Você estava contando da fazenda, onde era essa fazenda?
R – Essa fazenda é que indo pra Belo Horizonte aqui na estrada, não sei bem a região ali como é que chama, não, mas lá tinha umas represas grandes, acho que eram seis represas grandes. Nossa, era bom demais! E tinha umas balsas, que o pai do meu primo fez, ele fez de cano, PVC, e tinha uma tabuinha por cima, nossa, a gente brincava ali, atravessava ali as represas tudo de balsa, era bom demais. Minha infância foi boa (risos). E inventava mil brincadeiras de guerra, um vem com a balsa e o outro com a outra balsa, era bom demais. Nadava à noite, às vezes saía meia-noite escondido: “Vamos sair!”, pegava a lanterninha e ia nadar, quem atravessar a represa ganhava, né? Vamos atravessar no escuro (risos). Aí a gente ia meia-noite nadar, sair. Esperava dar meia-noite e corria pra represa (risos).
P/1 – E como é que era? Você contou que eram primos. Eram todos por parte da sua mãe, esses seus primos? Porque sua mãe tinha quantos irmãos?
R – Minha avó teve 17 filhos, uns morreram novinhos, e ficaram dez irmãos que eram do meu avô e tinha esse irmão do meu avô que chamava Vino, que tinha a filha dele, que é Eliane, que casou com doutor Nelson, que era um alemão. E esse irmão da minha mãe era só por parte de pai. Eles vieram pra cá, compraram fazenda, eles moravam lá na fazenda mesmo e a gente tinha muita amizade e direto a gente ia pra lá também. Eu lembro que lá tinha muita festa, criava coelho, fazia coelhada domingo e plantava muita soja, sempre tinha empadão de soja. Povo não gostava muito, eu adorava o empadão de soja (risos). Aí a gente ficava lá na fazenda, todo final de semana a gente ia.
P/1 – E iam as famílias também ou só as crianças na época?
R – Ia a família também, todo mundo aqui de casa ia. Mas eu ia muito mais, sempre, era acabar a escola já ia pra lá. A mãe dele vinha buscar pra ele poder ir embora e eu já ia junto também.
P/1 – E como é que ia? Você falou que aprendeu a dirigir...
R – Nesse tempo, eles tinham um caminhãozinho, às vezes, a gente ia no caminhão, ou então tinha uma Variant. Às vezes, a gente ia na Variant. Mas dirigir era lá, pegava o carro lá, meu primo pegava às vezes escondido, pedia, e a gente ficava indo pra estrada. Ia lá na estrada, quase não passava carro, ficava andando ali. Dava ré, voltava, ficava gostando de manobrar (risos). Era assim.
P/1 – Voltando aqui pra casa, você falou dos almoços de família e tal. Sei que você tem uma questão com alimentos, tal. Você lembra o que era servido nesses almoços?
R – Ah, minha mãe era de época, assim. Às vezes era leitão, muito pernil, farofa, tutu, tinha a macarronada que a minha mãe fazia também que é uma delícia, daí todo domingo tinha essa macarronada; tinha vez que tinha bacalhoada, sempre ia mudando, não era só uma coisa. Igual na casa de uma tia minha sempre era macarrão e frango (risos), não gostava de lá de jeito nenhum (risos), todo domingo macarrão e frango. Aqui não, sempre teve variedade, sempre variava.
P/1 – Você falou que dormia com os pais, né? Com quem você tinha mais afinidade, como que era isso?
R – Ah, tinha afinidade com os dois. Meu pai brigava muito, teve uma época que a gente brigava demais. Eu pintava demais. Nossa, eu era terrível.
P/1 – Como assim?
R – Ah, bagunçava demais, quebrava as coisas, mexia nas coisas tudo, desmontava tudo. Televisão, eu desmontava televisão, era botar uma televisão e eu desmontava (risos), para saber o que tinha lá dentro. Os ferros de passar roupa, eu desmontava ferro de passar roupa e fazia barquinho. Minha mãe me dava as bonecas, eu não queria saber de boneca. Aí pegava, tirava o motorzinho das bonecas, fazia barquinho, fazia avião. Aí destruía os trens tudo (risos), aquilo ali eu vou quebrar e fazer isso. Ficava montando os brinquedos.
P/2 – E essa coisa de dormir com os pais, o que era? Você lembra se você tinha medo de dormir sozinha e por isso que você criou esse hábito ou era uma coisa deles?
R – Começou assim, os dois dormiam juntos, normal, aí teve uma vez que eu acho que minha mãe quebrou o pé, aí não tinha como, acho, que meu pai dormir também com ela, que estava incomodando e tal, aí eu passei a dormir. Aí foi ficando, sabe? Acho que foi isso que aconteceu, aí foi ficando. Depois eu passei a dormir com ele, não sei, não sei por que, não lembro. Uma outra vez ela tornou a quebrar o pé, aí eu tive que ficar com ela também, dormindo com ela porque eu tinha que ajudar. Quando eu reformei a casa aqui eu botei os dois pra dormir junto de novo (risos). Eu falei: “Agora vocês vão dormir juntos”. Aí não queria, porque meu pai roncava muito também, meu pai roncava demais, minha mãe não dava conta. Eu acho que era essas coisas, não tinha nada de briga, de nada assim não, acho que era mais ou menos isso mesmo.
P/2 – E o que o seu pai fazia, Dália? O seu pai, a sua mãe, eles tinham alguma atividade, o que seu pai fazia?
R – Meu pai tinha padaria, eu lembro desde quando eu era pequenininha era padaria. Aí tinha uma padaria que chamava Vesúvio, a melhor padaria aqui, grandona. Ele tinha essa padaria, que é bem aqui na esquina. Minha mãe trabalhava na padaria e tinha salão, minha mãe também tinha salão, ficou muitos anos com salão, acho que 27 anos com salão. E meu pai trabalhando na padaria. Depois ela fechou o salão, passou pra minha irmã e ficou com meu pai na padaria muito tempo. Eu lembro quando eles venderam a padaria eu tinha 12 anos, isso eu lembro bem. Mas era mais a padaria mesmo. E lá também tinha a parte de lanchonete, a gente assava muito leitão quando era Natal, assava leitão demais, que o forno era grandão, o forno era gigante! Eu nunca vi um forno maior aqui na cidade igual esse que tinha lá (risos), o forno era gigantesco.
P/1 – E você ajudava, como é que era?
R – Na padaria? Quando eu estudava aqui na [Escola Estadual] Afonso Arinos eu gostava sempre de levantar cedo, acho que eu era pequenininha, devia ter seis anos, sete anos, a gente vai na primeira série. Aí eu levantava e, às vezes, ajudava. Gostava de ir, levantava três horas da manhã, meu pai também, às vezes eu levantava e ia também. Gostava muito de andar de bicicleta na rua, não tinha ninguém. E eu lembro que tinha um monte de pato que vinha do mato e ficava aqui na rua e eu sempre queria ir lá no meio dos patos (risos), aí eu levantava cedinho pra ver esses patos. Ficava brincando com os patos no meio da rua aí, passando bicicleta pra lá e pra cá.
P/1 – E como é que era a cidade nessa época? Você fala que às três horas da manhã você sai, uma criança pequena. Conta um pouquinho como era a cidade.
R – Assim, saía porque estava em frente à padaria ali mesmo. Meu pai estava lá, a padaria já estava aberta, então ficava por ali. Não tinha perigo, não tinha nada de ladrão, não tinha essas coisas. Não tinha movimento de carro, a gente brincava de jogar bola na rua, quase não passava carro. Aí levantava cedinho, às vezes, ia pra padaria, ajudava a fazer um pouquinho de pão. Aí tomava o café, que eu gostava do pão quentinho saindo do forno, passava aquela manteiga, derretia assim. Aí ficava lá, tomava o café e depois ia pra escola sete horas.
P/1 – Como era a escola, que escola era essa, como é que é?
R – Era aqui pertinho, Afonso Arinos, a Escola Estadual Afonso Arinos, né? Aí estudei lá quando era pequenininha, depois fui pro Dom Elizeu [Van de Weijer], depois fui expulsa (risos).
P/1 – Vamos chegar na história da expulsão daqui a pouco. O que você lembra da escola, se tinha uniforme, como é que era...
R – Tinha, uniforme ridículo lá (risos). Não gostava de jeito nenhum. Uma saiona, não lembro muito bem não, acho que era uma saiona com um quadradinho assim, atrás era cruzado. Mas não gostava de jeito nenhum desse uniforme. Mas tinha que ir, não tinha jeito.
P/1 – E você lembra de algum professor ou professora dessa época?
R – Dessa época, sabe que eu não me lembro muito? Acho que tinha uma que chamava Maria Lúcia, acho, que dava aula pra gente, acho que era. Não lembro muito, não, quando eu era pequena, só do Dom Elizeu mesmo.
P/2 – E como era essa escola, Afonso Arinos? Tinha alguns rituais que eram feitos dentro da escola, por exemplo, vocês chegavam e faziam fila.
R – Tinha fila, esse negócio de fila, hino nacional, né? Mão pra trás. Aí depois que ia pra sala. Eu lembro que tinha primeira e segunda sala também, eu sempre fui da segunda, morrendo de raiva (risos) porque eu pintava demais, não prestava atenção em nada não, só gostava de bagunçar.
P/2 – E que tipo de bagunça você fazia na escola, conta pra gente, Dália.
R – Ah, ficava lá, tinha uma canetinha, fazia papelzinho, soprava nos outros, umas brincadeiras, não me lembro muito não. Eu gostava muito de desenhar também, ficava mais desenhando, essas coisas.
P/2 – Eu queria que você falasse um pouquinho, se a escola era muito rígida, quem era a diretora na época, se você se lembra quem era.
R – Eu acho que na época era a dona Coraci, eu acho que era isso. Não sei se era a dona Coraci ou se era a dona Lourdes, não estou lembrando muito bem não, acho que era por aí. Dona Coraci Neiva ou Dona Lourdes, acho que Rabelo, é, acho que é isso.
P/1 – Você frequentava muito a sala da diretora?
R – Às vezes (risos).
P/1 – Você lembra como era essa diretora?
R – Não, não lembro muito bem. Já lembro do Dom Elizeu mais. Lá do Afonso Arinos, eu lembro pouco, lembro que tinha recreio, eu adorava recreio e tinha pão com molho, com carne, esse trem não comia muito não, não gostava muito não da comida lá da escola. Eu sempre levei, meu pai tinha padaria, né? Pegava coisa e levava.
P/1 – Você lembra desse ambiente de pátio, como que era o pátio do Afonso Arinos?
R – Eu lembro pouco. Eu lembro que a gente ficava brincando ali, não lembro muito das brincadeiras, não.
P/1 – Tinha árvores, alguma coisa assim?
R – Tinha. Tem até hoje uma árvrona no meio lá que é um flamboyant, até hoje tem ela lá. Hoje tem até um canteiro em volta, antigamente não tinha, era só o chão mesmo, era cimento grosso. E em volta era tudo corredor e cimento grosso embaixo. Tinha as escadinhas pra descer cada vão desses quatro cantos. Aí no final eu lembro que tem um palcozinho, tem até hoje, que a gente usava de palco, só. Não lembro muita coisa da escola.
P/2 – E as salas de aula, como é que eram? Eram aquelas cadeiras...
R – Eram aquelas cadeiras de madeira que eram duplas, sentava de dois, aquelas antigonas, bonita, de madeira grossa. Com ferro, que dobrava assim. Era essas cadeiras. Aí depois de um tempo mudou. Eu lembro que ainda estava lá e mudou um pouco, depois foi pra carteira. Era de madeirinha, com cadeira de madeira. Eu estava lá quando mudou, quando tirou tudo, eu lembro disso. Aí ficou poucas de dois lugares, foi modernizando (risos).
P/2 – Conta um pouquinho do Elizeu. Você falou que você tem mais lembranças do Elizeu, conta um pouquinho.
R – Ah, do Elizeu eu já era adolescente. Aí eu lembro também que eu era da segunda sala e eu aprontava demais no Elizeu, já era época de aprontar bastante. Meus amigos pichavam o colégio tudo, eu que levava a fama. Brigava na porta da escola, eu que levava a fama. E eu não estava fazendo nada disso. Aí eu lembro que um dia eles foram, picharam o colégio inteiro, aí no dia que nós chegamos na fila e bronca. Aí chamou um, chamou outro, chamou outro, chamou outro, me chamou e eu falei: “Não, eu não pichei, não” “Não, você pichou, vou chamar sua mãe aqui”. Aí chamou, conversaram lá, falaram que ia expulsar, eu fiquei quieta. Teve uma outra vez, teve uma briga, eu fui separar a briga, nem estava brigando, aí também chamou minha mãe lá na escola, falou que ia expulsar de novo, aí não expulsou não, tá. Aí teve uma vez que ela ligou aqui em casa falando que eu estava brigando na porta da escola. “Você vem aqui agora que a sua filha está brigando aqui na porta da escola”. Ela falou: “A senhora está enganada porque minha filha está aqui sentada na mesa almoçando”. De vez em quando, tinha muita coisa assim que ela ligava e eu não estava, sabe, no meio? Mas eu estava pra lá, só que eu não estava no meio. Aí minha mãe tinha padaria e lá tinha um orfanato. Minha mãe fornecia leite e pão. Aí, minha mãe foi lá, a diretora chamou minha mãe lá e falou: “A senhora está acusando muito a minha filha de fazer as coisas que ela não está fazendo. E você sabe quem sou eu?”, e a diretora: “Não, não sei não” “Pois é, eu que forneço tudo isso aqui pra vocês e tal”. Só sei que ela virou um doce comigo, aí deixou eu ficar lá mais um tempo (risos), eu fiquei lá mais um tempo e depois não teve jeito, não, aí expulsou mesmo. Acho que eu briguei lá, não sei, com alguma professora. Eu não lembro por que eu fui expulsa, não. Não tenho essa lembrança.
P/1 – Mas você se lembra como foi pra...
R – Eu aprontava com as professoras também. Todo dia eu botava uma lixeira na porta, sabe quando você põe a porta um pouquinho aberta? Punha a lixeira lá, todo dia caía na cabeça de professor (risos). Não sei como é que a burra não olhava pra cima, todo dia! (risos) É brincadeira, não é? Por que não olha pra cima a hora que vai entrar? Aí caía o cesto, puro lixo (risos). Vai ser lerda pra lá. Tinha essas aprontação sim, botava chiclete na cadeira.
P/1 – Você se lembra como foi esse momento de ter sido finalmente expulsa?
R – Não, não lembro. Eu não lembro.
P/1 – Como foi isso na sua casa?
R – Não, não lembro. Eu não sei nem por que, não lembro, só sei que ela falou que não era para mim voltar mais lá.
P/2 – E como era essa relação, você falou dessa coisa da brincadeira, você falando das brincadeiras com os professores, mas como é que era a sua relação com os outros alunos?
R – Era de boa, era tranquilo.
P/2 – Você tinha muitos amigos na escola?
R – Tinha, tinha. Tinha muitos amigos, era muito bom. Mas tinha uns que a gente brigava, eu gostava muito de brigar também, tinha uns que já tinha umas rusguinhas. Mas eram poucos, não eram muitos, não. Às vezes tomava a dor de um ou ia brigar e eu entrava no meio também. Mais era isso, não tinha muita briga também não, mais é aprontação mesmo.
P/2 – E nessa fase que você já está pré-adolescente, como é que era a sua rotina fora da escola, Dália? O que você fazia? Com quem você saía?
R – Ah, saía com os colegas mesmo. Mas era todo mundo colega, era todo mundo amigo, né? A gente ficava muito aqui na pracinha aqui perto de casa, que é em frente ao Afonso Arinos, ficava ali às vezes o dia inteiro conversando, vendo o que ia fazer. Depois ia pra pracinha lá de cima, ali no Fórum. Atrás do fórum tem uma pracinha também. Eu lembro que lá nem tinha asfalto, era tudo de terra, ficava muito ali também. Ficava sentado mesmo, conversando, batendo papo.
P/2 – E o que vocês faziam fora isso pra se divertir?
R – Andava muito de bicicleta, ia pra casa de um, pra casa do outro, não tinha muita coisa, não. Gostava muito de desenhar, às vezes, fazia umas coisas de arte, ficava inventando umas modas aí. Gostava de tirar foto, a gente ficava tirando foto.
P/2 – E como era a sua relação com a cidade? Como você via a cidade naquela época, quais as lembranças que você tem da cidade, dos casarios, conta um pouquinho pra gente.
R – A cidade era totalmente colonial. Agora, na minha época, já não tinha muita coisa, não, porque vem a influência de Brasília, né? E com essa influência de Brasília eles destruíram a cidade inteira, tinha cada coisa, cada casa, a coisa mais linda. Destruíram tudo. Aí eu lembro já tudo mais moderno. Eu gosto mesmo é do colonial. Eu lembro que tinha várias casas que eu vi destruindo, vi muita coisa o povo destruindo, várias casas. Aqui tinha um Jóquei Clube também que era ótimo, eles destruíram tudo, fizeram loteamento lá. Assim, que também já estava um pouco falido, né? Aí fizeram o loteamento, eu era adolescente. O que mais eu lembro? Onde é a Caixa Econômica hoje, era uma cadeia, a cadeia pública. Eu lembro das paredes, das grades, ela já estava um pouco destruída, não tinha ela inteira, não, só tinha só umas ruínas. Era muito bonita a cadeira.
P/1 – E o que era bonito pra você?
R – Ah, as paredes grossonas, as grades, eu sempre gostei dessas coisas assim, achava interessante.
P/1 – Você estava falando que desenhava muito, né?
R – Desenhava.
P/1 – Você lembra os temas desses desenhos?
R – Ah, eu desenhava de tudo. No começo, eu desenhava mais flores, daí depois passando pra desenhar super-herói. Gente assim eu nunca dei conta, não, sabe? É mais desenho mesmo, às vezes animais. Não tinha uma coisa específica, não. Gostava de fazer também, quando era menor, uns nove anos eu acho, sei lá, oito, a gente fazia tatuagem de nanquim, eu lembro quando surgiu aquela tinta nanquim a gente fazia um monte de tatuagem. Aí eu fazia tatuagem e cobrava do povo (risos). Eu lembro dessa época (risos).
P/1 – E quem topava essas coisas, como é que era?
R – Ah, os meninos tudo, os colegas tudo, as colegas, todo mundo fazia. Quando eu fiz uma em mim todo mundo: “Ah, eu quero, quero”. Foi quando surgiu a tinta e fui fazer. Acho que eu fui fazer um curso de desenho, não sei o quê, e aprendi que tinha essa tinta nanquim, que a gente fazia desenho, aí inventei: “Ah, vou fazer tatuagem”, aí foi. Furava a orelha dos meninos pra pôr brinco, furei muita orelha (risos) com rolha e agulha. Ah, eu cortava cabelo também quando era pequena. Minha mãe sempre teve salão, né? Aí eu pegava os meninos de cá, os vizinhos, cortava o cabelo deles pra aprender, ficava cortando, aleijava tudo (risos). Pegava o cabelo das meninas que trabalhavam aqui em casa, cortava, pintava também, sempre fui de ficar inventando a moda, procurando o que fazer. Aí eu passei, depois mais adolescente, eu cortava cabelo de todo mundo, meus colegas tudo. Tinha amigo meu que já tinha ido estudar em Brasília, sempre cortava comigo. Vinha, ligava, falava: “Estou chegando aí pra cortar o cabelo”, aí eu cortava o cabelo, todo mundo fiel, vinha quase toda semana, de 15 em 15 dias corta o cabelo, que fica curtinho, aí vinha, Fiquei muitos anos cortando cabelo.
P/1 – E onde era isso?
R – Era aqui em casa mesmo, no hallzinho de entrada aqui. Tinha um espelhinho, uma mesinha, eu mesma que fiz a mesinha, ai minha mãe me deu uma cadeira dela, dessas que já tinham estragado um pouco e botei o espelhão na parede e cortava o cabelo do povo (risos).
P/2 – E você aprendeu a cortar o cabelo com quem?
R – Não foi ninguém que me ensinou, não. Igual eu te falei, eu pegava o povo aqui, as meninas que trabalhavam aqui em casa, que eram babá dos meus sobrinhos, meus amigos aqui de frente. “Ô, vem cá, deixa eu cortar seu cabelo”, eles deixavam (risos) e eu fui aprender.
P/2 – Você estava falando um pouco da cidade, que na sua época a cidade estava um pouco destruída. E como eram os riachos, os córregos? Você chegou a nadar nos córregos?
R – Nadei, nadei. No córrego Pobre eu nadei demais. Não sei se é o córrego pobre que passa no Paracatuzinho, é ele mesmo. Meu tio tinha uns amigos lá que até hoje têm essa casa lá, e ela dava até lá no rio, sabe? E eu lembro que lá tinha uma ema grandona, no quintal ficava aquela emona pra lá e pra cá o tempo todo, eu lembro que eu tinha medo dela, às vezes, pedia: “Vamos lá no rio”, nadava lá, nossa, era uma delícia, era fundão, hoje tem só um tiquinho d´água, passa só uns 50 centímetros de água. Mas era largão e cheio de pedra, sabe, de cascalho, era lindo! Aí nadava lá direto. Meu tio mora em Belo Horizonte e quando ele vinha que eu saía com ele e a gente ia pra lá. Sempre. Na hora que ele falava que ia pra lá eu ia. Meu pai também levava o povo pra nadar, minha irmã adolescente, ele sempre levava. Tinha uma Kombi, que era a Kombi da padaria de entregar pão, enchia a Kombi de gente e eles iam nadar. Tinha esse costume deles irem direto, quase todo dia eles iam pro córrego nadar, direto. Eu sempre vejo minha irmã falando aí que lembra.
P/1 – E além de gente nadando, você lembra o que mais tinha de evento nesse córrego?
R – Não, de evento não lembro, não.
P/2 – Tinha lavadeiras ou não?
R – Isso já é mais antigo, na minha época já não tinha tanta lavadeira, não.
P/2 – E alguém garimpando também não.
R – Não, garimpando também nunca vi também não. Só nos outros rios, lá pra cima tinha, mas aqui pra baixo, aqui no Paracatuzinho, aqui onde ele passava dentro da cidade não, mas lá pra cima tinha, depois da rodovia ali, aí tinha muito garimpo.
P/2 – E você chegou a ver?
R – Já. Meu pai garimpava também, eu sempre ia com ele.
P/2 – E como é que é que seu pai garimpava, conta pra gente, você lembra?
R – Eu lembro da peneira e das bateias só. Uns caixotões que tinha lá, que pegava a terra, o cascalho. Eu já bateei também, tirando ouro, já achei pedrinha. Aí pegava as pedrinhas, às vezes era só um pozinho também. Eu lembro dos vidrinhos, botando nos vidrinhos assim e vinha embora, cheio de ouro (risos).
P/1 – Fazia o quê, como é que é?
R – Isso aí é meu pai que vendia, não sei, vendia pro pessoal ourives fazer correntinha, tinha um pessoal aí que comprava. Tinha um pessoal de fora também que passou a vir pra cá e comprar, isso eu já não lembro muito bem, não. Lembro que eu já bateei só (risos). Ele pegava o ouro, eu não ficava com isso, era criança, ele que vendia, não sei como é que era. Mesmo porque ele garimpou um pouquinho, não foi muito não, só uma fase, né?
P/1 – Dessas histórias da cidade, essa ideia do garimpeiro permeava a sua memória na época de criança, a sua imaginação?
R – Do garimpeiro? Aqui tinha muito garimpeiro, muita gente aqui garimpava. Nos outros córregos aí todo mundo garimpava muito. Isso eu lembro. Teve até uma época que eles montaram, tinha umas três casinhas eu lembro, era uma aqui na Rua Goiás, uma na Avenida Quintino Vargas e uma na Avenida Olegário Maciel, acho que era, que comprava ouro. Aí eles abriram essas casinhas pra comprar o ouro do pessoal que garimpava, eu lembro desses três lugares, eu lembro que meu pai ia pra vender.
P/2 – Você comentou que a sua mãe tinha um salão de beleza, tal. Como é que ela foi pra essa profissão? Porque no começo você falou que seu pai tinha a padaria, ela ajudava. Mas ela já tinha o salão?
R – Já tinha o salão.
P/2 – Ela fazia as duas coisas juntas.
R – Aham. Meu pai ficou um tempo na padaria e ela no salão, né? Mas antes de montar a padaria, ela tinha salão. Meu pai trabalhava no Correio e ela tinha salão. Ela estudou em Lavras (MG), aí logo quando ela veio parece que ela fez um curso de cabeleireira não lembro onde, acho que foi em Belo Horizonte, veio embora e falou que ia montar um salão, falou com o pai dela: “Ah, não quero estudar mais não, formar não, quero trabalhar”. Acho que foi em Patos [de Minas, MG] que ela fez, não sei, o curso de cabeleireira. Acho que foi, não foi Belo Horizonte, não. Aí montou o salão, começou a trabalhar. Aí comprou casa da padaria, comprou essa casa, tudo com o dinheiro do salão.
P/2 – Ela ficou com o salão até quando?
R – Ela fala que ficou 27 anos com o salão. Eu não lembro quando, eu devia ter uns quatro ou cinco anos, aí ela já estava só na padaria. Eu lembro que eu era pequenininha, logo quando a minha irmã casou ela já passou o salão pra minha irmã, isso eu lembro, aí ela ficou mais na padaria com o meu pai.
P/1 – E essa padaria foi até quando?
R – Então, foi até quando eu tinha 12 anos, que eu lembro que ele vendeu.
P/1 – Quando ele abandonou a padaria, vendeu, você sabe o que ele foi fazer?
R – Depois ele montou um depósito de água, Água Indaiá, água mineral. Montou um depósito, eu lembro que ele comprou uma duas Kombis e tinha esse depósito de água, vendia os filtros. Foi o primeiro a trazer água mineral pra cá. Aí ficou um tempo com essa água mineral e depois ele vendeu e acho que ele não fez mais nada não. Não, aí depois eles resolveram fazer bolo de domingo e montou só uma coisinha assim, tipo uma vendinha, tinha pão de queijo. Aí minha mãe, quando venderam a padaria, ficou sem fazer nada, minha mãe gostava muito de cozinhar e minha mãe fazia coxinha pra vender congelada. E surgiu esse negócio de congelado nessa época, aí cismou, comprou uns freezers e foi fazer salgadinho pra vender e fazer o bolo de domingo. E fazia pão de queijo, bolo, botava lá pra vender também. Aí ficaram com isso um tempão e depois fechou. Aí meu pai já estava mais velho e não trabalhou mais, não. E minha mãe também ficou mais quieta, só pegando encomenda de vez em quando, ela gosta muito de fazer as coisas, fazer uns jantares também pra fora, assava leitão, pernil, essas coisas. Depois foi aquietando mais, está mais velha, aí eu já não deixo ela fazer muita coisa mais não (risos).
P/2 – E você comentou com a gente da coisa da escola, que quando você foi no Elizeu você foi expulsa. E onde você foi, você foi estudar onde?
R – Aí fui pro Cesu [Centro Estadual de Educação Continuada].
P/2 – E o Cesu onde ficava, como era essa escola?
R – Era ali na Olegário Maciel, ali do ladinho do Jóquei Clube, aí estudei lá, fiz até o segundo lá e depois não fiz mais nada, não. Aí parei, fui embora pra Belo Horizonte. Lá em Belo Horizonte eu fiz Fotografia muito tempo, fiquei lá quatro anos fazendo Fotografia. Fiz Artes também, estudei lá no Palácio das Artes, na [Escola] Guignard. Na Guignard ficava fazendo um monte de coisas, tinha fez que era escultura, fazia o curso de escultura. Fiz pintura também, fiz fotografia na Guignard. Aí quando a Guignard mudou lá pra cima, não sei se foi pra Sé, aí tinha um galpãozão lá, quando eu cheguei lá tinha uma mulher soldando. Aí eu apaixone, falei: “Quero fazer isso aqui”. Na época, não tinha jeito de eu fazer, acho que era só da faculdade esse negócio lá. Como eu não estava estudando, eu falei: “Quero fazer esse trem aí”. Fui lá, fiquei lá perguntando e vim embora. Depois eu vim embora porque minha mãe cismou, não queria que eu ficasse lá mais e tal, aí me deu um carro e não queria deixar eu levar o carro. Aí eu tive que vir embora (risos). Fiquei aí, falei: “Vou montar alguma coisa. Eu quero aquele negócio de soldar, eu quero mexer com aquilo ali”. Aí fui para umas oficinas, umas serralherias aí, fiquei olhando os caras, pedindo pros meninos me ensinarem: “Me ensina a soldar aí”, aí eles me ensinaram, eu ficava lá olhando, aprendi, montei um ateliê pra mim. “Vou inventar umas artes aqui” e fazia um monte de coisa. Às vezes a pessoa chegava: “Você faz isso aqui pra mim?”, não sabia nem por onde passava o negócio. “Faço”. E fazia (risos). Vamos fazer, quero fazer, vou fazer.
P/1 – Conta um pouquinho a história desse ateliê pra gente, onde ele ficava, como é que foi construir ele.
R – O ateliê foi o seguinte, meu pai fechou a padaria, vendeu a padaria e lá ficou alugado um tempo pra padaria também. Depois fechou e minha irmã foi morar lá. Aí eu arrumei lá pra minha irmã, eu que organizei lá. Eu lembro que o banheiro era lá embaixo e tinha que fazer um banheiro em cima, eu que organizei e falei: “Vou fazer um banheiro aqui”. Fizemos, arrumamos a casa pra ela, ela mudou pra lá, montou o salão dela lá e sobrou a parte de baixo, que era muito grande, era onde era a padaria mesmo, onde confeccionava o pão. Aí eu fui, montei o ateliê lá, falei: “Vou montar alguma coisa aqui”, que era o único lugar que eu tinha de graça para montar. Pedi mãe um dinheiro, fui lá, comprei as máquinas e pus lá. Eu mesma montei, fiz o suporte das máquinas, eu mesma que soldei, fiz tudo, montei e comecei a trabalhar. Fui fazendo um monte de coisa. Aí o pessoal conhecia, quem me conhecia, o pessoal que trabalhava na Casa de Cultura, falou: “Vamos fazer uma exposição” “Vamos”. Aí comecei a fazer um monte de peças e fizemos a primeira exposição lá na Casa de Cultura, que foi eu, o Zé Badauê e Janaína, nós três fizemos a exposição lá. A gente sempre fazia, a Janaína pintava quadro, Zé fazia uns arranjos, que ele mexe com decoração de festa e eu entrava com minhas coisas. Aí a exposição era um evento na cidade (risos). Convidava a cidade inteira e era um evento. A gente colocava cerveja, salgadinho, um monte de coisa e isso ficava até de madrugada lá, virava era festa. E era bom que eu vendia tudo, vendia tudo, não sobrava uma peça.
P/1 – E que peças eram essas?
R – Eu gostava muito de fazer castiçal. Nessa época eram muitos castiçais, pôr vela, era aparador, mesinha de centro, mesinha de canto. Tinha um monte de escultura também que eu fazia pra pôr em parede, florzinhas igual àquelas orquídeas que estão ali. Era muita coisa. Fazer flores.
P/1 – Você recebia encomendas também? Quem eram os clientes?
R – Aí começou a aparecer as encomendas, fazia mesa, cadeira, sofá, canapé, lustre, fazia muito lustre também, luminárias de pé assim. Aí foi aparecendo, o povo foi gostando e eu fui fazendo. Eu tinha muitos clientes.
P/2 – Você fazia muitas exposições fora essa primeira que você falou?
R – Todo ano a gente fazia exposição. Eu fiquei trabalhando com ferro 11 anos e nesses 11 anos nós fizemos exposição, Eu, Janaína e Zé; depois, Zé deu uma aquietada e ficou eu e Janaína fazendo. Depois, eu fui pra Brasília, fiquei quatro anos com ateliê lá, depois eu voltei. Quando eu voltei de Brasília, tornei a montar o ateliê aqui, mas fiquei só mais dois anos, aí depois fechei, não quis mais não, já estava cansada de mexer com ferro.
P/2 – Vamos voltar um pouquinho só. Por que você foi pra Belo Horizonte? Como é que se deu essa coisa lá atrás...
R – Eu queria estudar, fazer alguma coisa diferente, nem se não fosse estudar, não queria nada aqui. Queria mudar, às vezes. Eu tinha colegas que tinham passado na faculdade, tinham ido embora, eu falava: “Também quero ir embora”. Aí fui. Não fui assim, minha mãe não deixou eu ir não, eu falei: “Mãe, eu vou pra Belo Horizonte visitar meu amigo Geraldo” (risos). E fui ficando, ficando. “Ah não, não vou embora hoje não. Não, vou ficar aqui mais uma semana”. Fui, fiquei (risos). Fiquei na casa do meu tio, irmão dela, o Tadeu, aí fiquei morando lá quatro anos.
PAUSA
P/2 – Então Dália, você estava falando um pouco dos cursos, que você contou que você fez Fotografia. E assim, aí você quis trabalhar com ferro. E fotografia, como é que foi? Você aprendeu, você chegou a trabalhar com fotografia ou não?
R – Não, não trabalhei não, só aprendi mesmo. Aí lá uma vez eu tive uma proposta de trabalhar num jornal lá, mas não fui. Só hobby mesmo, gostava de ficar brincando aí com as fotos. Teve uma época, lá em Belo Horizonte mesmo, era de filme, de revelar, aí eu fazia e como era muito amiga do meu professor, eu sempre ia pro ateliê dele e eu revelava as fotos, às vezes, revelava em preto e branco e coloria, sabe? Coloria algumas partes. Eu fazia capoeira, então tirava muita foto do pessoal fazendo capoeira e depois eu vendia pra eles, para ganhar um dinheirinho. E às vezes eu fazia essas fotos preto e branco e coloria, sabe? Coloria a calça, coloria o berimbau, ficava o preto e branco com alguma coisa coloridinha, que não tinha tecnologia de hoje. Aí eu fazia isso, vendia, fazia mochila lá em Belo Horizonte de couro, fiz muita mochila. Aí ia pras faculdades à noite e vendia tudo minhas mochilas de couro.
P/2 – E você costurava onde essas mochilas?
R – Costurava em casa mesmo, cortava tudo em casa e costurava em casa. E era tudo costurado no couro. Cortava aquelas tironas de couro e costurava no couro mesmo.
P/1 – (inaudível, barulho de vento).
R – Comprava lá em Belo Horizonte, tinha umas casas lá que vendiam couro, no centrão, descobri essas casas e falei: “Vou fazer umas mochilas”, aí comecei a fazer, ganhar um dinheirinho a mais.
P/2 – Você volta pra cá até em função do carro, você contou que a sua mãe deu o carro, aí foi a forma de ficar. E você começou a fazer essas exposições e trabalhar com essa questão do ferro. Como é que se deu essa questão criativa, como era essa coisa de: “Vou trabalhar com ferro, vou fundir”, o que te inspirava pra fazer as peças? Ou tinha uma coisa de moda, como você falou, era época de castiçal, vou fazer castiçal.
R – É, tinha moda e às vezes eu criava, não sei. Cismava: “Vou fazer flor”, aí ficava fazendo muita coisa de flores, girassol. Tinha as fases, não sei, surgia as fases. Via muita revista, comprava muita revista também, via as coisas. Agora vou fazer isso, vou fazer uma linha disso aqui. Aí nunca teve uma coisa certa, sempre ia viajando. Não tinha internet, né? Aí era revista. Ficava olhando as revistas. E muita gente me dava as coisas, tinha gente que fez até pasta pra mim! Me deu as pastas: “Ó, juntei essa pasta aqui de coisa”, me dava, aquele tanto de coisa de ferro. Aí eu ia olhar o que eu gostava e ia fazendo. Às vezes ficava o ano todo fazendo um monte de peça, guardava, só pra poder na exposição lançar, sabe? E tinha as encomendas, no meio desses caminhos, tinha as encomendas que eu ia fazendo. Tinha grade também, fiz muita grade escada, parapeito, fiz também muito.
P/2 – E como é que era chegar nas casas e ver uma peça sua, decorando a casa?
R – Ah, é bom demais. Anteontem eu peguei umas fotos minhas, estava vendo as peças que eu nem lembrava mais (risos). Aí foi até interessante que eu falei: “Nossa, essa está na casa de Fulano, essa está na casa de tal pessoa”. Aí fui lembrando das peças, onde estava e está até hoje, né? Que às vezes eu vou na casa e está lá a peça lá. É bom demais você ficar vendo. Não vou nem fazer mais. É gostoso você ver que está lá até hoje, tem muita coisa minha que está lá no mesmo lugar às vezes, na casa das pessoas, bem legal.
P/1 – E teve essa passagem pra Brasília. Como foi, por que se deu essa ida pra Brasília?
R – Pra Brasília? Então, eu tinha um ateliê, aí tinha um cara aqui em Paracatu, um velho amigo nosso aí, ele tinha morado muitos anos nos Estados Unidos e a mulher dele acho que era enfermeira, não sei, e eles vieram morar aqui. Conhecia ele, ele fazia cerâmica. Aí começou: “Ah, vamos embora pra Brasília que a gente vai ganhar dinheiro, vamos pra lá, vamos montar um negócio”. Aí fomos. Alugamos uma casa lá, um quarto eu, uma casa gigantesca. Montei um ateliê gigantesco lá, estrutura de ferro, comprei tudo, um barracãozão. Montei esse barracãozão lá, começamos a trabalhar, ele dando aula de cerâmica, eu fazendo coisa de ferro, aí acabou que a gente não deu certo lá. Aí eu fui embora, fiquei na casa da minha tia, depois fui lá e desmontei tudo, peguei, aluguei uma casa lá em Sobradinho, porque eu queria ali na Asa Norte, que lá tinha muita oficina de carro, muita coisa. Nessa época, já estava tirando tudo, sabe? Estavam tirando essas coisas, montaram a cidade do automóvel, então tiraram muitas oficinas de lá, que não podia ter mais no centro da cidade, aí não tinha como eu alugar ali e eu fui pra Sobradinho, que minha tia morava lá perto, mora lá em Sobradinho, aí eu aluguei uma casa lá perto e fui pra lá, que lá no meio de Brasília mesmo não podia ter mais oficina, sabe? E os aluguéis também de onde eu achava eram muito caros, não dava. Eu aluguei uma casa que era um quintalzão grandão, onde cabia o meu barracão, que eu já tinha ele, era só montar, que é de estrutura metálica, aí montei, fui pra lá, montei e comecei a trabalhar. E Brasília tem muita feira também, muitas feiras, muita coisa, então eu ia muito nas feiras vender, fiz exposição lá também. Brasília era bom, só que ficou muito difícil, começou muito trânsito em Brasília e pra você trabalhar, às vezes um me ligava, eu estava lá em Sobradinho, aí me ligava lá no Lago Sul; sair pra ir lá só pra olhar alguma coisa que a pessoa queria medir, gastava muita gasolina, foi ficando muito caro pra mim. Aí eu vim embora. Eu não quis trabalhar mais lá não. E também quando eu vim embora foi porque a gente ia reformar a minha casa. Aí meu sobrinho falou: “Ah Dália, eu vou reformar aqui e tal, vou fazer isso e isso”. Eu falei: “Não, não vai mexer na minha casa sem eu estar aí não, então eu vou embora”. Aí, tal, acabou que deu certo porque eu já não estava querendo ficar lá mais e a gente ia reformar a casa aqui, eu falei: “Não, minha casa só comigo aí, só eu pondo a minha mão aí, senão não reforma de jeito nenhum, não vai destruir a minha casa Colonial, não”. Aí eu vim embora, guardei as coisas do ateliê e a gente já começou na casa. Foi quando eu reformei a casa aqui. Eu fiquei cinco meses aqui dentro reformando, eu junto com os pedreiros, eu que fiz essas escadas, essas coisas tudo de pedra fui eu que fiz. O banheiro, tudo foi eu que bolei. Limpei as madeiras tudo, tirou as madeiras tudo antiga da casa, limpei uma por uma e voltei pro lugar. Os pedreiros não queriam limpar: “Eu não vou mexer com isso não, madeira velha, põe fogo nisso”. Eu falei: “Não, não é assim, não. Isso aqui presta é muito e vale é muito”. Porque se fosse por conta deles, eles queriam fazer viga de cimento. Eu falei: “Não, não é assim, não. Nós vamos usar tudo. E não é pra quebrar um tijolo”. Eu brigava com eles. Que às vezes chegava, metia a marreta nas paredes pra cair. Eu falava: “Não é assim não, você vai tirar tijolo por tijolo, aqui é assim, você vai tirar, vai conservar e vai voltar ela pro lugar, não é assim não”. E fomos. Brigando (risos) e fazendo a casa. Mas saiu do jeito que eu queria.
P/2 – Você falou que tinha um sobrinho seu que estava querendo reformar a casa. Por quê? Conta um pouquinho como é que estava essa história.
R – Aqui onde era o quarto do meu pai, que hoje é o meu quarto, estava caindo já, a madeira tinha ruído toda, estava só o pó mesmo da madeira e o telhado estava afundando. Aí ele falou: “Dália, tem que arrumar lá”. Eu falei: “Então vamos arrumar, mas vamos arrumar outras coisas também, vamos arrumar o banheiro que está precisando”. Aí começamos, aí acabou que ele falou: “Dália, não tenho dinheiro”. Eu falei: “Corre no banco lá e arruma um dinheiro lá, faz um empréstimo”. Aí fizemos um empréstimo e começamos a construir. E fomos fazer. Porque estava caindo, sabe? Aqui estava afundando, aqui na sala o piso já tinha partido no meio, estava descendo assim. Estava um perigo as paredes caírem, sabe? Porque a casa é muito antiga, essa aqui é a terceira casa construída na rua, aqui na Rua Goiás. Muito antiga. Essa casa tem mais de 200 anos, acho que é mais velha que a emancipação da cidade, então ela é muito antiga. É essa e mais duas que tem aqui pra baixo, que são originais. Uma até que não, que o cara lá destruiu ela toda por dentro.
P/2 – E conta um pouquinho mais como é que foi esse processo da reconstrução da casa. Você falou que você limpava madeira, conta um pouquinho como é que foi isso.
R – Porque assim, logo quando eu comecei a reformar aqui não tinha muita reforma na cidade, não, de restauração tal. Tinha Fábio [Ferrez], o Fábio fez o chafariz. Fábio morava aqui na época até e antes de eu reformar ele tinha ido embora pra Brasília, mas ele tinha morado aqui, então eu aprendi muita coisa colonial com ele, tudo o que eu sei hoje de colonial eu aprendi com o Fábio. Eu aprendi a gostar mais e eu falei: “Eu quero a minha casa toda colonial, eu que vou fazer”. E vim, não vou tirar nada do lugar, vai ficar tudo como é, só onde a minha mãe tinha o comodozinho que eu te falei que ela vendia as coisas, só lá que eu transformei em um quarto e um banheiro, o resto é tudo original, do jeitinho que era. Só reformei algumas paredes que estavam caindo, eu voltei o adobe, não tirei; as madeiras eu limpei tudo, voltei tudo pro lugar, só do telhado mesmo que é de caibro que teve que trocar porque era muito velho, estava muito ruída já, muito cheia de cupim, aí só coloquei nova, os caibros. E o resto, janela, tudo é original da casa, as portas.
P/1 – E essa questão colonial que te fez sair lá de Brasília e vir participar da reforma, de onde que vem?
R – Então, vem de quando Fábio veio pra cá, que ele fez o chafariz e eu comecei a aprender tudo com ele de colonial. Ele começou a reformar algumas casas também, aí eu apaixonei com colonial, eu falei: “Eu quero a minha casa originalzinha” e viemos e fizemos o colonial. Aí, quando eu vim fazer minha casa colonial... Esqueci.
P/2 – Você estava falando do Fábio. Quando você conviveu com ele, você estava em Brasília ainda quando você conviveu com ele ou foi antes?
R – Não, foi bem antes. Ele morou três anos aqui em casa, foi bem antes. Acho que foi 2001 ou 2000 quando o Fábio veio pra cá. Porque quando eu fiz essa casa foi 2006.
P/2 – Foi antes de você ir pra Brasília pra montar o ateliê lá.
R – Foi antes.
P/2 – E o Fábio veio morar aqui por quê? Conta um pouquinho, você sabe disso? Eu queria que você contasse um pouco dessa convivência com ele.
R – Então, Fábio não tem casa, ele mora aqui, mora ali. Eu conheci o Fábio, que eu tinha o ateliê e todo mundo chegava de artista na cidade, o povo levava pra lá, o povo da Casa de Cultura levava lá pra mim. Esse aqui é artista Fulano de Tal, está aqui na cidade. Aí ele fez uma exposição na Casa de Cultura, a gente se conheceu, ele tinha ido lá no meu ateliê, e depois que se conheceu ficamos amigos. Aí, [a gente] se encontrava todo dia, aquele negócio, tal, aí acho que ele estava num hotel, não sei, aí ele tinha ido a Belo Horizonte, voltava: “Posso ficar aí na sua casa?” “Pode”. Aí ficou aqui e foi ficando e morou aqui três anos com a gente. E nisso eu fui envolvendo com ele, tudo coisa colonial e ele me ensinando muita coisa, desenhando, a gente ficava desenhando demais e fui aprendendo. Nas reformas, eu ia junto com ele pra ver, entrava nas casas às vezes: “Ah, quero conhecer aquela casa, vamos lá” “Vamos”. Aí conhecia, ele ficava me explicando tudo como que chamava as coisas, cada coisa tem um nome, né? Então aprendi muita coisa com ele e aprendi a amar o colonial.
P/2 – Isso se deu na época do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], quando a cidade foi tombada ou não?
R – Não, o Iphan veio depois de Fábio. Que aí Lavoisier falou: “Ah, vamos levar o Iphan pra cá, não sei o quê”, e aí conseguiu trazer o Iphan, que não foi bom (risos). Aí trouxeram.
P/2 – E aí o Fábio, dessa coisa dele ficar ele foi pegando restauro de algumas casas pra trabalho.
R – Foi. Aí pegou muitas casas aí e fez também e eu comecei a pegar também, que Fábio às vezes está aqui, não está, viaja muito. Aí quando ele foi, o pessoal vinha procurar... Quando eu fiz a minha casa foi um boom também, veio muita gente aqui visitar, vinha escola, vinha povo de escola com os alunos, veio prefeito, veio um tanto de gente visitar minha casa, que era o dia inteiro gente visitando. Aí o povo falou: “Ah, você podia até cobrar” “Que cobrar, gente! Casa normal, não tem nada demais”. Esqueci de novo.
P/2 – Você estava falando do Fábio, que ele ia embora e você começou a...
R – É, quando eu fiz a minha casa o povo começou a me chamar. O primeiro que me chamou foi a dona ali do Flor de Alecrim, pra reformar lá: “Ah, você podia me ajudar aqui, tal, que eu quero colonial também a casa”, que a casa lá era colonial. Aí eu fui, fiz um trabalhosinho para ela, ainda mexia com ferro na época, aí fiz umas coisas de ferro, umas luminárias e tal e fui fazendo, dando uns toques também de como arrumar. A gente fazia muito imitação de madeira no cimento e lá precisava fazer em algumas partes, aí eu fiz, fiz a decoração de lá e começou um chamar, outro chamar. Aí eu larguei o ferro e fui mexer com essa parte de decoração de casa, construção e estou até hoje.
P/1 – Mais especificamente nessa reforma do Flor de Alecrim você se lembra um pouquinho mais dos processos, como é que foi a sua atuação lá naquela reforma?
R – Ah, lembro assim. Eu fiz alguns madeiramentos lá imitando madeira, eu mesma que fiz, né? Fazer a massa, eu mesma que ia lá e fazia. Fiz uns cortes numas pedras lá também, mandei cortar, só ficava falando como era pra fazer, eu mesma fiz só os madeiramentos, instalei as luminárias, essas coisas assim. Pintura, que eu escolhi as cores. O chão era de cimento queimado.
P/1 – Teve que mexer muito em parede, como é que foi?
R – Não, não, lá até que não mexemos muito em parede, não, que era só uma comodozinho, pequeno, não era tão grande. E quando eu cheguei lá eu já tinha tirado as paredes que eram da casa lá, já tinha tirado algumas paredes. Já estava só um vão, aí nós só fizemos o piso, esse madeiramento lá, forramos também, fiz o forro de pinus e pintura. Só. A placa, eu fiz a placa do Flor de Alecrim, dois lampiões também fui eu que fiz, pôr na frente, só.
P/1 – Era uma casa que você já conhecia na infância, que você frequentava?
R – Eu já entrei uma vez antes, que era do Joaquim Pedro, família dele. Um sobradinho que tem na rua do lado então o fundo dele ia até na Rua Goiás, essa casa fazia parte de lá. Até que a janela lá dá até pro quintal, depois deu problema lá porque quem estava no restaurante passava pra servir e ficava olhando lá embaixo. Aí o cara grilou por causa que estava olhando o quintal dele, que ia ter que construir um muro, mas parece que resolveu, não teve que fazer muro não. Acho que eles fecharam mesmo a janela, não lembro.
P/2 – Você falou que a partir da sua casa surgiu primeiro o Flor de Alecrim. Que outras casas você reformou aqui? Conta um pouquinho pra gente.
R – Aqui eu reformei a farmácia, que é a farmácia de Dedé, a Drogaria Santiago, reformei lá. Reformei, pera aí que deu branco (risos). De colonial? Gente! Pera aí. Fiz o Flor de Alecrim, o primeiro, depois eu fiz o segundo. O segundo já foi bem maior, aí eu fiz. Fiz a Drogaria Santiago. Fiz o que mais? Tenho tantos, não lembro não (risos). Gente, deixa eu andar nas ruas aqui pra ver onde eu mexi. Deu um branco na cabeça. Ah, fiz também lá na Sarana uma cozinha industrial. Fiz um palco, um pátio de pedra. Ah, fiz umas lojinhas que tem do lado do Hotel Rex também, foi eu que fiz. Deu branco, tanta coisa (risos).
P/2 – Conta um pouquinho como é que foi o processo com Dedé. Como é que foi desenvolver o projeto, como é que foi a troca de ideias com ele, como é que, se aproveitaram os móveis antigos ou refizeram outros, conta um pouquinho.
R – Ah, lá na farmácia, eles vieram me procurar pra reformar, pra mudar a fachada um pouco e lá dentro também porque o piso era cerâmica, manchava demais. Aí eu falei: “Não, vamos botar granito que é uma coisa que vai durar muitos anos”, aí fizemos granito o piso. Fiz de duas cores, que antigamente usava muito e lá é uma casa que não é colonial, mas é neoclássica, fizemos de granito. Aproveitei uns móveis antigos que eram de outra farmácia que ele tinha comprado, que era da farmácia do seu... esqueci. Aí ele tinha comprado esses móveis, aí usei também, que eram muito antigos os móveis de farmácia, que tinha portinha de vidro, muito lindo o armário. E fiz algumas coisas imitando antigo de madeirinha, umas ilhas assim, bem colonialzinho também, com bastante cimalha. E tinha umas prateleiras lá que eram mais novas, mas aí eu mandei pintar e colocar algumas coisas de madeira nela, sabe, pra dar uma disfarçada, que eram aquelas brancas, aí eu dei uma disfarçada lá com uma madeira. Mudei a fachada totalmente, que tinha um trombolhão assim com o nome, uma coisa muito grande, aí tiramos tudo, deixei a fachada mais limpa, ficou bem legal lá, [mais] do que era (risos).
P/2 – Eu sei que você hoje faz muitos trabalhos em algumas fazendas. E são fazendas de casas coloniais? Conta um pouquinho. Ou você faz restauro, ou você faz reconstrução, como é que é isso hoje?
R – Hoje eu estou trabalhando muito moderno, o colonial deu uma parada. Porque teve uma época que o prefeito estava ajudando muito, tinha um pessoal muito bom também que estava, que gostava do colonial, que a gente tinha incentivo pra isso. Hoje mudou tudo, o prefeito é outro, ele não sabe nem o que é colonial, tadinho, não sabe nada disso. O pessoal que está aí é novo, não interessa, então está perdido o colonial. A cultura em Paracatu está totalmente perdida com esse novo prefeito, só tem meninada trabalhando, muita gente nova que eu estou vendo aí que não gosta disso, nem de cultura gosta. Então assim, está complicado trabalhar aqui. Eu parti mais pra ir pras fazendas, que como eu não tenho ART [Anotação de Responsabilidade Técnica], não sou formada em Arquitetura, vieram uns arquitetinhos e me vedaram, falaram que não era pra fazer, que eu tinha que ter, que eu tinha que assinar. Eu assinei um monte de projeto aí que foi tudo eu que fiz, fachada de casa, um monte de coisa, tudo passava por mim quando eu estava no Iphan. Acho que eles viram que eu estava trabalhando muito e vedaram tudo. Aí eu larguei pra lá e começou a aparecer muito trabalho em fazenda e eu fui fazendo as casas. Mas eu gosto de misturar muito, o colonial com alguma coisa mais moderna, então eu faço uma linha bem diferente, não muito moderna e nem colonial. Aí às vezes quando tem colonial, eu gosto de manter bem colonial, quando não tem, agora eu estou fazendo mais moderno também.
P/2 – Vamos voltar um pouquinho pra falar da questão do Iphan. Quando o Iphan chega na cidade, como se dá a sua participação com a chegada deles, conta um pouquinho para a gente.
R – Não lembro bem a data quando chegou, não, que eu não era muito ligada assim a essas coisas, não. Eu gostava do colonial, gostava de fazer, mas não era muito ligada, não. Eu lembro quando eu até tinha o ateliê, aí a Marina era Secretária de Cultura e ela me chamou pra fazer parte do Iphan, do conselho. Aí que eu fui trabalhar lá, que eu fui saber mais como que era. Eu lembro que já tinha Iphan, que foi Fábio e Lavoisier que lutaram pra trazer o Iphan pra cá, fizeram foi atrapalhar tudo (risos). Aí trouxeram esse Iphan aí, eles nunca aprovam nada, fazem coisas que eu acho que não tem nada a ver, pelo menos eu não gosto. Todo mundo da cidade também não gosta, tacando blindex nas casas coloniais e tudo. Eles acham que pode, eu acho que não tinha que ter isso, não tinha na época. E não deixa construir o colonial também, que eu acho que não tinha nada a ver você construir uma casa colonial. Colonial é um estilo, então acho que você podia construir, você vai lá e põe uma placa, foi feito hoje, 2017, estou fazendo casa estilo Colonial. Você não está mentindo, não vai mentir pra história, eu acho que devia fazer isso. Que é igual Tiradentes, Tiradentes (MG) constrói colonial pra todo lado, né? Todo mundo sabe onde que é antigo e sabe onde que é de agora, você vê nitidamente. Pra uma cidade, como Paracatu, a gente tem muita cachoeira, muita coisa boa, eu acho que devia investir no turismo. E turismo tem que ter um colonialzinho, que a cidade tem muito de colonial, então acho que se tivesse mais, seria mais interessante esse lado da cidade ver isso, sabe, de ter mais, deixar fazer um colonial. Vai lá e põe placa, eu acho que não custaria nada, né?
P/1 – Dália, você falou que algumas pessoas não conhecem o que é o colonial. Se você pudesse falar o que é esse colonial pra quem não conhece e dizer o que mais chama a atenção nele.
R – Falar?
P/1 – O que é esse Colonial que você fala, você defende, que você gosta e o que mais te chama a atenção nessa construção colonial.
R – Ah, colonial são essas casinhas antigas do século XVIII, ai, não sei falar (risos).
P/1 – O que chama a atenção nesse tipo de construção?
R – O que chama a atenção é o estilo, que eu gosto desse estilo, século XVIII, eu gosto dessas coisas. O nosso colonial de Paracatu é muito simplesinho, você vai ver o de Ouro Preto é tudo rebuscado, cheio de coisa, o nosso é bem simplesinho, mais casinha de fazenda. Lógico que tem coloniais aqui que são, esqueci... Não é suntuoso, é mais nobre, mais...
P/2 – Sofisticado?
R – Sofisticado. E sei lá, esqueci.
P/2 – Mas assim, por que você acha importante manter esse colonial na cidade? Você trouxe a questão do turismo, mas por que você acha que é importante manter isso?
R – Justamente pelo turismo, sabe? A cidade era toda colonial. Quando veio Brasília, destruíram tudo, mas ainda restou muita coisa. E até pouco tempo atrás tinha muita coisa, eles já foram destruindo, destruíram demais, sabe? Eu acho importante porque é a história da cidade, essa cidade era assim, né? Ainda mais que tem a fama que é do ouro, de tudo, o povo garimpava, bateava na rua, pegava ouro na enxurrada aqui. As ruas tudo de pedra. Então a cidade tem uma história, não é igual Unaí (MG), Unaí não tem colonial, lá tem uma casa colonial hoje, entendeu? Não é uma cidade moderna, Paracatu é antiga, então eu achava importante conservar um pouco. E também pra trazer mais turismo pra cá porque o povo gosta de ver, né? Nem é até assim conservar, nem é até pro morador, tem moradores que gostam, agora tem gente que não gosta: “Ah porque eu morei muito tempo numa casa assim e hoje eu não quero, eu quero moderno”, tem muita gente assim também. Mas eu acho mais importante pelo turismo. Porque muita gente gosta de ver. Por exemplo, se entrar num restaurante que fosse colonial, ou no cinema, sei lá, um barzinho. Acho que é muito mais aconchegante do que você fazer um trenzão moderno aí, acho que chamaria mais atenção.
P/1 – Dessa Paracatu Colonial o que você mais gosta nessa construção colonial? O que você mais fala: “Pô, tem um lugar ali que eu gosto, eu acho mais bonito”.
R – Que eu gosto? Eu gosto da Casa de Cultura, eu acho que é o lugar mais bonito que nós temos de colonial aqui, Casa de Cultura e as igrejas, acho igreja demais, adoro igreja. Não sou católica não, mas adoro igreja. Queria até morar lá dentro da matriz, só que ia ser diferente (risos), onde é o altar ia ser minha cozinha (risos). E o resto ia ser a sala. Ia ser uma casa demais. Ainda vou construir uma igreja e morar lá dentro.
P/2 – Você está colocando um pouco dessa coisa do Iphan, do tombamento da cidade e tal, né? E você foi chamada pra fazer parte daquele conselho pra ajudar a pensar isso. E você lembra das discussões que tinham, o que você acha que de alguma forma foi direcionado de uma forma equivocada devido ao processo de tombamento?
R – O tombamento foi muito bom porque pararam de destruir um pouco do resto que tinha das casas, mas as discussões lá, até hoje eu acho que eles não se entendem entre eles mesmos, sabe, o que pode e o que não pode. Sempre está mudando lei, mudando não sei o quê e acaba que o trem não anda, o problema eu acho é esse, sabe? É muita gente dando palpite e não anda, é o que eu vejo, o meu ponto de vista é esse, sabe? É um tanto de gente falando, falando e não chega a um consenso, sabe? Não tem, nem eles sabem. Aí o que acontece? Como ninguém estava sabendo de nada: “Ah, então vamos mandar pro Iphan resolver”, só que o Iphan também não resolvia muita coisa, não resolvia o que eles queriam, então ficava lá e cá. Sempre foi isso. O que eu conheço de lá, do Iphan, é isso. Eles não sabem resolver, manda pro Iphan, o Iphan resolve ou não resolve e eles não querem o que o Iphan resolveu, é sempre isso. Acaba sendo isso.
P/2 – Você estava citando um pouco da questão da peculiaridade do colonial e do centro histórico daqui de Paracatu, você diz que ele é um colonial mais simples, né? Eu queria que você explicasse um pouquinho o que é esse colonial mais simples? O que pra você, por exemplo, alguém que vá a Ouro Preto ou a Tiradentes e vem a Paracatu, qual é a grande diferença entre essas três cidades?
R – A diferença foi de artistas, né? Que lá teve Aleijadinho, muita escultura, muita pintura, aqui nós não tivemos isso. Aqui, nós nem sabemos quem veio fazer as igrejas, acho que ninguém sabe quem que esteve por aqui que fez as igrejas, só tem as igrejas mas não tem o registro de quem fez. Lá a gente já sabe, tem os artistas, tem Congonhas (MG), lá tem muita escultura, muito chafariz, as igrejas são bem mais bonitas, bem trabalhadas até em ouro. E aqui não, aqui foi uma coisa mais simples. Eu acho que aqui tem muito a ver com Goiás, o colonial de Goiás, é uma coisinha mais simples. São só casas, não tem nada de esculturas e são bem mais simples. Esse é o simples, né, lá é bem bordado, bem trabalhado, tem muita escultura e nós não temos.
P/1 – Você falou que aqui não tem mas que você gosta muito, te chama muito a atenção o simples.
R – Chama, mas eu gosto do outro também (risos), só que o outro está lá longe, né? (risos) Mas eu gosto do simples também, eu acho bonito.
P/2 – Você estava falando um pouco dessa coisa do gostar, dessa paixão que você tem pela questão colonial. Você falou que hoje você está misturando, tanto colonial como moderno. O que você acha importante preservar desse colonial porque você gosta, porque você acha bonito. Eu queria que você falasse um pouco disso.
R – Da importância de conservar?
P/2 – Não dá importância, mas qual é a pegada do colonial que faz com que você olhe e fala: “Isso precisa ficar desse jeito”.
R – Assim, eu estava falando que o colonial é simples, mas não é um simples assim, porque é mais nobre, né? É muita madeira. Hoje, a gente até faz um colonial legítimo assim, mas não usa adobe, que era o tijolo de barro que eles usavam antigamente. Mas dá pra você construir usando muita madeira, muito material, cimento queimado, tábua corrida. E hoje não tem, né? As janelonas de madeira, são enormes as janelas, são madeiras grossas. E tem os beirais das casas, que é chamado de cachorro, né? Tem as cimalhas, tem muita cimalha no Colonial, isso eu acho lindíssimo.
P/2 – O que é cimalha?
R – Cimalha é um trabalhinho de madeira trabalhada, que hoje tem a tupia que faz e antigamente era na mão. Tem casas que têm cimalha que é no telhado, que vai fazendo aquelas curvinhas no telhado, aquilo é uma cimalha. São molduras, vários tipos de molduras. Que às vezes tem nas janelas, que tem castilho que é feito por cima das janelas, né? É isso, aquilo são as cimalhas.
P/2 – Você comentou também que hoje você constrói muito colonial e tal. Como foi fazer a Sarana? Conta um pouquinho do processo da cozinha da Sarana, como era a casa lá.
R – A casa lá quem fez foi o Fábio. O Fábio fez uma maquete da casa, primeiro construiu a casa, depois ele fez um salão de festas. Aí teve um casamento lá e o povo começou a pirar, que não tinha onde fazer as coisas, né? Cozinha e tal. Então: “Vamos construir uma cozinha”. Aí Elder falou: “Vamos construir uma cozinha, fazer um palco, fazer uma área grande”. Aí desenhei pra ele, falei: “Vamos fazer”. E ele também não faz nada sem o Fábio, não. Mas Fábio não estava aí, eu fiz a cozinha (risos). Aí desenhei a cozinha e fomos fazer. Fiz uma cozinha gigante, bem grande, pra atender buffet, porque lá foi crescendo tanto, ele pensa em fazer uma pousada. Aí hoje já tem uma cozinha industrial com restaurante para atender e pra atender buffet porque lá tem muito casamento. Não tinha uma estrutura pra cozinha. E a gente faz muita festa também, então pra atender muita gente ali era complicado porque usava a cozinha da casa, era um fogãozinho, quatro bocas industrial, e o fogão a lenha. E pra você atender 300, 400 pessoas pra comer não dava. Aí resolvemos fazer a cozinha. Projetei, desenhei, fizemos.
P/2 – E esse projeto está se estendendo, ele está crescendo. Como é esse projeto, qual é a ideia? De fazer da Sarana virar uma pousada, quer dizer, tem uma pegada mais de turismo mesmo, né?
R – É, lá trabalha mais com turismo. Antes, ele não queria fazer pousada, mas aí está crescendo muito, foi fazendo muita coisa, dando muita despesa, não tem como você ficar com o local só pra te dar despesa, né? Então vai ter que transformar numa pousada. E a região também pede muito, né? Muita gente vai pra lá. Paracatu faz muito calor, então, todo final de semana tem gente em cachoeira. E enche demais. E não tem onde o pessoal dormir, tem gente que quer ir pra dormir. Tem muita festa na Sarana que o pessoal vai e, às vezes, não tem lugar pra dormir. Então acho que tem que ter uma pousada lá. E também assim, acho que se virar uma pousada pra ele vai ser bom demais.
P/2 – Eu queria voltar um pouquinho pra essa coisa que você fala, que Paracatu tem muitas cachoeiras, tem as grutas também. Eu queria que você falasse um pouco desse potencial turístico que tem a cidade e o quanto você acha que a sua atividade pode ajudar nisso.
R – Na nossa Paracatu, o potencial de turismo é enorme, né? Nós temos muita cachoeira, temos grutas enormes, lindíssimas. E fazendas coloniais lindas também, muitas fazendas que têm casarões coloniais maravilhosos.
P/2 – Como você acha que você pode ajudar nesse processo? Como você se vê inserida nisso?
R – Bom, não sei. Hoje, eu ajudo lá o Elder no processo lá de mandar turismo pra lá, eu que recebo todos os telefonemas, eu que agendo tudo pra os turistas irem para lá. E também faço muito evento lá. Mas o que eu posso ajudar, não sei, o que eu puder ajudar, se tivesse alguém, eu acho que de prefeitura tem que começar daí, pra poder fazer. O que tiver pra mim ajudar com certeza eu ajudaria, mas eu mesma fazer alguma coisa eu já cansei, não dou conta mais, porque já tentei demais e não tem apoio. Então eu ando um pouquinho cansada. “Ah, vou fazer, vamos, vamos” e nada, entendeu? É complicado aqui.
P/1 – Eu fiquei interessado da sua mão na cidade. Você falou da casa, da construção, que a construção atraiu olhares de empresários, de outras pessoas que também olharam pro colonial. Mas você também está falando que você atua nessa área de eventos. Que mais que você faz na cidade, o que você tem feito nos últimos anos?
R – Eu fazia muita festa, sabe? Eu já mexi com festas, com bares. E, hoje eu faço só evento mesmo lá na cachoeira. A gente faz réveillon lá, faz carnaval, às vezes, faz alguns outros fora de época. Às vezes, a gente traz algum sommelier, na época de frio, faz algum evento ali de vinhos com comida, esses eventos menores. Hoje, eu não faço coisa grande mais, não. Eu já fiz já, show, fiz muita coisa, mas hoje já estou mais, pouquinha gente.
P/1 – Você lembra de algum desses, que mais tem orgulho de se lembrar?
R – De festa? Nós fizemos uma festa logo quando meu pai fechou a padaria, que ficou alugada muito tempo e depois fechou mesmo, o cara vendeu pra outro, mudou de lugar e lá nós fizemos a primeira festa, que chamava Descaração. Aí a gente sempre fazia festa todo mundo de fantasia. E fiz essa festa que chamava Descaração, bombava, todo mundo da cidade ia pra lá, que lá era muito grande, cabia muita gente, aí eu fiz essa festa lá. Foi um dos primeiros eventos que a gente fez. Aí começamos a fazer. Aí eu montei um bar. Depois que eu vim embora de Belo Horizonte a primeira coisa que eu fiz foi montar um bar também, tive um bar acho que quatro, cinco anos, chamava Vesúvio Pub. Esse bar também foi bom (risos). Esse barzinho era o que tinha na cidade. Quando eu fechei esse bar, eu estava mexendo com minhas coisas de ferro, aí eu montei, eu ficava fazendo barzinho de férias, férias de julho e férias de dezembro, aí ficava funcionando só um mês. E fazia outras festas também, eu fiz muita festa, fazia festa demais. Muitas festas. E eram todas boas (risos).
P/1 – E essa questão do ferro, você disse que chegou um momento que você parou. O que aconteceu que você parou de mexer com ferro?
R – Ah, já estava meio cansada já, de trabalhar com ferro. E eu tinha machucado também, tinha cortado assim o peito com uma máquina lá, sabe? Aí minha mãe ficou falando na minha cabeça e tal, e também já estava meio cansada e parei.
P/1 – Hoje você não trabalha mais com ferro.
R – Não. Não dou conta (risos) de entortar nada, de pegar nada, não quero mais. Mas se precisar de fazer alguma coisa faço. Hoje, eu mexo muito com madeira também, eu faço muita coisa em madeira. Os armários aqui de casa tudo foi eu que fiz. Esses dias eu também fiz umas coisinhas ali. Que eu mexo também com comida, né? Agora mesmo tem o Festival Gastronômico, aí estou fazendo umas coisas, sempre tem, eu tenho uma barraca lá, aí sempre vai eu e uma amiga minha, a Andréia, que é amiga de infância também, aí a gente vai e monta a barraca, eu faço paelha, vendo vinhos, espumante, daqui duas semanas. Aí estou aqui no preparativo. Ontem fui pra Brasília comprar umas coisas.
P/2 – Então hoje você está muito mais envolvida nessa questão do turismo com a Sarana...
R – É, eu estou ajudando o Elder, lá eu ajudo bastante, dou meus palpites lá na Sarana sobre turismo, a gente faz evento e mexo com comida e mexo com casa também (risos).
P/2 – E as casas em construção hoje, onde você desenvolve os projetos?
R – Eu faço aqui em casa mesmo, no meu computador.
P/2 – E os seus clientes hoje continuam no entorno da cidade, são pessoas da cidade.
R – São pessoas da cidade, estou com obra em Unaí também, já fiz uma obra lá, terminei o ano passado. Agora eu estou com outra lá em Unaí. E o resto é aqui mesmo, fazenda, casa.
P/2 – E você tem uma equipe que trabalha pra você?
R – Não, não, não. Porque aí você já tem que registrar, tem que ter firma; prefiro que a pessoa tenha o seu pedreiro. Também tem as pessoas que têm os seus pedreiros próprios, aí eu só vou pra fazer orientação mesmo, pra acompanhar a obra, principalmente acabamento, sou muito perfeccionista, não pode ter nada fora do lugar (risos). Aí eu sempre estou lá em cima, é mais acompanhamento de obra mesmo, escolher material, vou pra Brasília, a gente compra muita coisa lá porque aqui é muito carente de material, então compro muita coisa em Brasília. Aí compra, traz e a gente faz aqui.
P/2 – E Dália, eu queria que você falasse um pouquinho como o ouro está na sua família, eu queria que você contasse um pouco disso. Porque assim, você está dentro de uma cidade histórica, dentro de uma cidade que está ligada ao ouro. Eu queria que você contasse um pouquinho como é que a sua família transitou por ela, pela questão do ouro.
R – Meu avô foi garimpeiro sempre na vida, ele tinha fazenda em Cristalina (GO), sempre garimpou lá também, garimpava ouro, sempre mexeu com isso. E teve uma vez que o marido de uma senhora morreu, não me lembro o nome dela, acho que é Leonor, não sei, que morreu e ela tinha muitos filhos e ela estava apertada, não sabia como fazer. Meu avô foi e comprou a fazenda pra ajudar. E ele comprou onde é a Kinross hoje, lá tudo era fazenda, ele comprou uma boa parte pra ajudar ela porque só o homem que trabalhava, ele morreu e ela ficou. Então meu avô comprou e ficou com isso parado lá um tempo e depois apareceu um pessoal aí de fora fazendo pesquisas. Eu lembro das pesquisas, eu ia lá com meu pai, a gente andava lá tudo, eu conheço lá tudo. Não conheço mais porque destruiu tudo (risos). Era um morro, tinha cachoeiras lindas lá. Poço azul era o trem mais lindo do mundo. Acabou tudo, destruiu tudo, está tudo no chão, tudo buraco pra dentro. Era morro altíssimo lá, era o trem mais lindo. Tinha, nossa, cada lugar que você não acredita! E acabou tudo.
P/2 – E essas pesquisas seu pai acompanhava.
R – É, meu pai, meus tios, acompanhavam as pesquisas. Fizeram negociação que tem que ter royalties, essas coisas. Meu pai uma vez também queria garimpar, já garimpou lá também. Meu pai montou uma cooperativa de garimpeiro, eles tinham essa cooperativa de garimpeiros. Aí garimparam lá um tempo, depois vieram essas firmas, entraram lá pra dentro e isso já foi com meus tios, que são os irmãos da minha mãe. Minha mãe participava pouco, mais eram os homens que tomavam conta. Aí eles que negociavam, fizeram a negociação com as firmas, era RPM [Rio Paracatu Mineração] na época. Eu acho que tinha até uma outra antes da RPM, não lembro, aí negociaram, tem os royalties e isso é até hoje. Hoje, morreu todos, só tem a minha mãe viva, dos irmãos, aí passou tudo pros meus primos. Aí tem uns primos que tomam conta porque acabou os tios tudo, minha mãe já não entende muito dessas coisas. Aí tem uns três ou quatro primos que tomam conta.
P/2 – E o seu pai não quis vender, ela não teve interesse de compra?
R – Meus tios nunca quiseram vender, ninguém nunca quis vender, não. Porque a família é muito grande, então não ia dar muita coisa, sabe? Eram 11 irmãos, aí não dava pra vender. Muita gente vendeu as fazendinhas, que era só de um dono. Agora lá não, lá meu avô morreu e deixou para 11 filhos e para vender ninguém interessou em vender, não.
P/2 – Você falou que você caminhava muito por lá. Eu queria que você descrevesse um pouco como era a região do Morro do Ouro.
R – Ah, era uns morrãos alto, tinha uma gruta que atravessava o morro lá, eu lembro dessa gruta! Eu lembro que a gente foi um pedaço, eu não atravessei ela toda, não mas tinha onde saia lá do outro lado lá. Meu pai que lembra de muita coisa, né? Aí tinha esse Poço Azul que eu já fui, uma cachoeira que é linda, e tinha outras cachoeiras também, tinha muitos correguinhos lá. E a região era linda, é cerrado, muito pé de pequi, muita coisa linda. Quase não tinha muita estrada, né? Mas eu lembro de algumas estradazinha, o pessoal fazia muita trilha ali também. Eu lembro de trilha de bicicleta, na minha época já tinha algumas trilhinhas de bicicleta, o pessoal passava por ali. Eu mesma já fiz muita trilha ali de bicicleta. Tinha uma fazendinha também que era do pessoal do Lavoisier, tinha uma represa lá que era muito, minha infância foi muito ali também, minha adolescência, a gente ia muito pra lá nadar. E ficou a RPM em volta e ficou só a fazendinha, depois que eles venderam. Aí ficou só aquele miolinho lá e eles tiveram que vender, que engoliu eles, né? Aí tinha uma represinha lá, o trem mais lindo, era bom demais! Nadei muito lá nesse correguinho também, a gente andou um pedaço nele, conhecia ele um pouco.
P/2 – Já pra ir finalizando, eu queria que você falasse um pouco o que significa pra você morar numa cidade histórica que tem ouro, que tem natureza, queria que você falasse um pouquinho sobre isso.
R – Ah, pra mim é muito bom. Não sei falar porque nasci, não nasci, mas cresci aqui e eu gosto muito.
P/2 – E o que você acha que disso tudo ajudou na construção da sua identidade, Dália? Como é que tudo isso ajudou a tornar você essa pessoa que você é hoje?
R – Ah, foi a partir do colonial que comecei a mexer com isso. Quando eu era pequena, eu sempre gostava de fazer planta. Até eu não sei se eu te contei, eu gostava muito de desenhar planta, desde pequenininha eu fazia casa: “Ah, eu vou fazer essa casa aqui”, aí desenhava. Aí veio o colonial, eu acho que isso influenciou muito. E depois, quando eu cresci começou a aparecer reforma, essas coisas. E pra mim foi tudo porque tudo o que eu queria fazer era construir, então pra mim foi ótimo.
P/2 – E como é juntar essa coisa da cultura? Porque na sua narrativa, na sua história, você traz muita coisa da cultura. E aí tem uma mãe que cozinha e cozinha muito da tradição daqui, né? Como é tudo isso pra você, esse caldeirão de cultura, como você se vê nisso tudo, o quanto isso tudo também te ajudou a transformar na pessoa que você é.
R – Ah, pra mim eu acho bom demais porque eu peguei um pouco da culinária da minha mãe e da tradição dela, eu faço um pouco. Hoje, eu faço um pouco do que ela fazia, que era assar leitões, pernil, essas coisas. Hoje, sou eu que faço essa parte, que ela nem dá conta mais, então eu herdei isso aí de fazer comida, de gostar. Pra mim é satisfatório demais, principalmente pra mim que não formei, então é o meu trabalho, é construir, é mexer com comida, é o que eu vivo, então pra mim é importantíssimo porque eu não me formei em nada, não quis estudar, parei uma época e falei: “Não, vou é trabalhar”. E desde novinha, adolescente, 15 anos, 14 anos, eu fazia salgadinho. Minha mãe nunca deixava eu viajar também. Aí eu falei: “Ah, você quer saber, eu vou fazer salgadinho, vou vender na rua”, vendia e ó, sumia, juntava um dinheirinho e sumia, falava: “Agora eu vou viajar”. E saía. Ia pra Rio de Janeiro. Gostava muito de ir na Exposição de Patos, que é uma exposição agropecuária, sempre ia. Falava: “Não, você não vai, não”. Eu falava: “Então tá bom, não vou não”. Aí trabalhava, tinha o meu dinheiro e sumia, não queria nem saber (risos). Pra mim foi muito importante, saber cozinhar. Porque eu acho assim, eu faço um pouquinho de tudo, tudo eu faço um pouquinho, só não sei muito mexer em escritório, papel, isso pra mim eu não dou conta. Mas o resto, o que você falar para mim fazer eu faço. Mexo com comida, mexo com evento, mexo com construção de casa, com Arte, pinto algumas coisas. E assim vai, vou vivendo, feito doida tem dia. Hoje é isso, amanhã é outra coisa. Mexo com um pouco de tudo.
P/2 – Eu queria que você falasse pra gente como é que foi participar dessa entrevista, você contar a sua história de vida pra gente.
R – Ué, foi interessante. Eu até lembrei umas coisas que eu não lembrava mais, tinha esquecido, foi legal, foi bom.
P/2 – E pra finalizar eu queria que você falasse qual é o seu sonho, Dália?
R – Meu sonho? Cara, não sei (risos). Qual o meu sonho? Pera aí, vou ver. Não sei, são tantos. Ah, meu sonho é construir mesmo, construir alguma coisa que vai chamar a atenção na cidade, não sei o quê. Igual eu te falei, né, eu queria construir uma igreja para morar lá dentro. Eu acho que eu tenho esse sonho, de construir uma coisa bem grande, coisa pra chamar a atenção. Nem que fosse pra fazer um restaurante, alguma coisa, eu queria construir uma igreja. Não pra ser igreja (risos), mas uma coisa no estilo de uma igreja e ser alguma coisa lá dentro, sei não.
P/2 – Então tá bom, eu queria agradecer em nome da Kinross e em nome do Museu da Pessoa a sua participação. Obrigada, Dália!
R – Obrigada.
P/3 – Posso fazer uma pergunta antes de desligar tudo? É que assim, na história está muito legal quando você conta tudo, mas no vídeo as coisas às vezes ficam um pouco espalhadas. Então eu vou fazer uma pergunta e vou pedir pra você fazer um resuminho, tá? Eu queria que você contasse dessa relação que Paracatu tem com o colonial e que você ajuda a restaurar essas casas, construir esse tipo de casa e como você se sente. Mas pode ser curtinho.
R – Tá.
P/3 – Falar que Paracatu tem essa relação com o Colonial, que você restaura essas casas e que você gosta, como você se sente.
P/1 – Você estava falando da sua paixão pelo Colonial, o que mais te motiva.
R – O colonial surgiu porque eu moro numa casa colonial, de sempre gostar. O colonial é muito fresquinho, muito gostoso de se morar. E vou falar uma coisa também do colonial, que o colonial é uma construção muito inteligente, sabe? Que hoje as casas modernas, o que eu aprendi no colonial é que as janelas são verticais, né? Com as janelas sendo verticais entra mais vento dentro de casa. E as janelas hoje, que são horizontais, quando o vento entra, ele para aqui em cima, principalmente casa que tem laje. Então, o vento não entra, não circula direito e não sai. O vento fica parado lá dentro, aquele vento quente. Então, pela época das casas, tem muita história, tem muita coisinha interessante do estilo colonial, eu apaixonei com isso. Quando eu fui descobrindo cada coisa, eu fui apaixonando cada dia mais. Quando me deram oportunidade de ir pro Iphan, aí que eu fui conhecer mais e restaurar as casas, participar disso tudo, aí que eu fiquei mais apaixonada. Só que no Iphan a gente fica só dois anos, então quando eu saí ainda continuei fazendo muita coisa de restaurar e isso pra mim é fantástico. Restaurar, então! Nem até construir, mas você reformar é gostoso demais, é uma satisfação; você vê o negócio ali destruído, você fala: “Ah não, isso aqui só dá pra passar o trator, não dá pra fazer mais nada”, que você faz, nossa, é outra coisa! Todo mundo fica: “Nossa, como que você deu conta?”. Mais alguma coisa?
P/3 – Pra ficar perfeitinho, a última. Eu queria que você só contasse que Paracatu tem essa relação com o Colonial, só isso, pode ser?
R – Pode.
P/3 – Então vai lá.
R – Paracatu tem essa relação?
P/3 – É, que Paracatu tem muitas casas coloniais, queria que você só falasse isso.
R – Paracatu, graças a Deus, ainda tem muitas casas coloniais, sobraram muitas, que era todo colonial, Paracatu, todas as ruas, todas as casas eram coloniais e hoje sobraram poucas, nós temos poucas ruas que têm várias casas. Nós temos um quarteirão que eu acho que ninguém nunca notou, que eu até fiz uma filmagem uma vez andando de bicicleta com a Go Pro, e nós temos o quarteirão onde era a padaria do meu pai, que hoje é o salão da minha irmã, a casa de Ranulfo, que é o beco, que hoje chama de Beco do Seu Candinho, mas chama Beco do Ranulfo. Aí passando pelo beco tem uma casinha na esquina e uma outra, aí já continua a casa da minha irmã. É o único quarteirão colonial que nós temos aqui em Paracatu, eu acho que ninguém nunca nem reparou! E isso pra mim, o único quarteirão perfeito, que não tem outra construção a não ser colonial. Eu acho que ninguém nunca, nunca ouvi ninguém falando sobre. Não é interessante? Ninguém nunca falou nada, nunca vi em lugar nenhum ninguém falando. Mais o quê? (risos)
P/3 – Obrigado.
P/2 – Obrigada.
FINAL DA ENTREVISTA
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