Trabalho em confeitaria e tive o sonho na véspera do Dia das Mães, o dia de maior movimento da loja em todo o ano e que este, particularmente, seria uma incógnita para nós. Sonhei que acordei, logo precisando ir para a loja, no dia mais corrido do ano. Olhei pela janela e vi que o céu estava es...Continuar leitura
Trabalho em confeitaria e tive o sonho na véspera do Dia das Mães, o dia de maior movimento da loja em todo o ano e que este, particularmente, seria uma incógnita para nós. Sonhei que acordei, logo precisando ir para a loja, no dia mais corrido do ano. Olhei pela janela e vi que o céu estava escuro como um filme apocalíptico. Tinha uma enorme nuvem negra, densa e que se concentrava mais no fim do horizonte distante. Nesse ponto havia também uma mancha vertical que fazia se parecer como uma chuva torrencial apesar de que não chovia. Os locais onde caía essa mancha-chuva queimava, deixando focos de fogo e chão queimado. Era, então, uma chuva-fogo. Os focos de fogo então se espalhavam e começavam a se aproximar do edifício de onde eu observava tudo. A meio caminho entre a chuva e o edifício havia uma pequena colina gramada onde havia uma espécie de resort com montaria de cavalo. As pessoas ali não ligavam para os fogos e continuavam passeando nos cavalos. Alguns tinha lenços vermelhos como gaúchos. Até que ali também começou a ter pontos de fogo e grama chamuscada e espantou os presentes. Percebi que precisaria sair logo e correr para a loja antes do fogo chegar na casa. Saí do apartamento e, de repente, as ruas eram locais fechados. Não era asfalto mas piso cimentado, como ambientes internos, ainda que espaços públicos. Lembrava um grande salão de hipermercado ou um largo corredor de escola. As portas das salas de aula eram também portas de rua das casas. Clima caótico. Espaço lotado de móveis e objetos (mesas, cadeiras, formas de bolo, carrinhos de restaurante) jogados e empilhados barrando ou dificultando o livre ir e vir. As pessoas, assim como eu, liberavam a passagem tirando os móveis do caminho mas isso atrapalhava os transeuntes seguintes o que colaborava com o caos. Lembro que cheguei à loja mas não do que aconteceu em seguida. Acordei de novo, no mesmo quarto, como no filme “Feitiço do Tempo”. Novamente a nuvem negra no horizonte e o espaço público caótico a ser enfrentado. Porém dessa vez já tínhamos aprendido. Todos nós percebemos que somente resolveríamos a situação se trabalhássemos em conjunto e pensando no transeunte seguinte. Fomos, então todos correndo, cada um para seu local de destino, tirando os objetos e móveis do caminho e concentrando-os em ilhas ao longo das vias e assim criando corredores desobstruídos para passagem, como um trator de neve, ainda que com pressa e correndo. Aceitamos todos voltar no tempo e refazermos os atos até acertar como resolver os problemas de forma coletiva com bons resultados para todos.
Que associações você faz entre seu sonho e o momento de pandemia?
A chuva-fogo representa um perigo cada vez mais próximo. Ainda inalcançável mas que se faz visível e violento, assim como as mortes por Covid-19 são cotidianamente reportadas nos jornais ainda que não tenha ainda atingido nenhum ente querido meu. Na colina de grama verde, pessoas que não acreditavam na gravidade da pandemia ou incrédulas na ameaça às suas vidas até que o perigo de fato as alcança. Os lenços vermelhos são referências à Regina Duarte, então ministra da Cultura. Pouco antes havia lido em mensagem de grupo que tal pessoa estava em “pé de guerra” na família que contava com parentes gaúchos de esquerda e petistas. A grandiosidade das ruas-corredores lembrou-me a análise de Marshall Berman sobre o cidade e avenidas em “Tudo que é sólido desmancha no ar”, sobre o caos da modernidade, juntamente com o urbanismo intimidador e controlador soviético. A referência ao filme e o final é mais um desejo do que uma expectativa. Expectativa essa que foi logo rejeitada assim que a recordei.Recolher