P/1 – Pelé, fala pra mim o seu nome completo.
R – Francisco de Paula Vitor Pio.
P/1 – Você nasceu onde?
R – Em Três Pontas, Minas Gerais.
P/1 – Que ano e que dia que foi?
R – Cinco de abril de 1954.
P/1 – E qual é o nome inteiro do teu pai, Pelé?
R – Manuel Pinto.
P/1 ...Continuar leitura
P/1 – Pelé, fala pra mim o seu nome completo.
R – Francisco de Paula Vitor Pio.
P/1 – Você nasceu onde?
R – Em Três Pontas, Minas Gerais.
P/1 – Que ano e que dia que foi?
R – Cinco de abril de 1954.
P/1 – E qual é o nome inteiro do teu pai, Pelé?
R – Manuel Pinto.
P/1 – Ele nasceu onde e quando?
R – O meu pai, eu tive pouca convivência com ele porque eu sou filho da terceira mulher dele e com a minha mãe ele teve três filhos. Eu tenho irmão que eu nem conheço, pra falar a verdade (risos). Vim conhecer alguns depois de adulto, andando pelo mundo. Eu conheci mais ou menos da segunda mulher, os da primeira mulher nem conheci direito, que ficou lá em Minas.
P/1 – Então ele não falou de onde ele veio?
R – Não, sabia que ele era de Três Pontas mesmo.
P/1 – De Três Pontas também.
R – É.
P/1 – E esses seus irmãos dos outros casamentos, eles têm muita diferença de idade de você?
R – Têm porque meu pai era muito mais velho do que a minha mãe.
P/1 – Ah, é?
R – Tanto que nem os filhos dele concordavam com o casamento dele com a minha mãe e nem o pessoal da família da minha mãe concordava. E eu ouvi que eles casaram no hospital, que ele estava no mal hospital, ela ia lá pra ficar com ele, o padre falou que precisava casar. Aí fizeram o casamento ali e depois confirmou (risos).
P/1 – Ah, é? Mas ele estava mal no hospital por quê? Ele estava pra morrer?
R – Ele estava pra morrer, mas não chegou a morrer, foi só um susto na época. Quando ele casou com a minha mãe no hospital eu sei que eu era garotinho, eu fui lá ainda pra ver ele pela última vez e depois ele voltou pra casa. Só que tempos depois os dois separaram. Teve mais meu irmão caçula, que eu considero caçula, mas depois separaram e eu fui morar com outra família.
P/1 – Quanto é a diferença de idade entre seu pai e sua mãe? Você sabe mais ou menos? Era bastante.
R – Era bastante, viu? Ele tinha filho mais velho do que ela, por isso que não concordavam.
P/1 – Entendi. E como era seu pai, o pouco que você se lembra?
R – Ele era escurão, bem da minha cor, meio fula, um negão meio fula assim. Careca. Gostava muito, só viveu na roça, trabalhando com serviço na roça a vida toda. Ele era carreiro, né? O serviço dele era só lidar com gado, carreando, essas coisas. Depois eu fui pra casa de outra família, minha mãe separou dele e foi viver com uma outra pessoa. Ele separou dela e viveu com mais duas mulheres depois dela ainda (risos), antes dele morrer. E na época eu tive muito desgosto porque essa família que eu fui criado não era nada legal comigo.
P/1 – Antes de você falar dela queria te perguntar o nome da sua mãe, qual é?
R – Olívia Pio.
P/1 – E ela nasceu em Três Pontas também?
R – Três Pontas também.
P/1 – Você sabe em que data mais ou menos?
R – A data eu não sei não, rapaz. A minha mãe morreu nova, a data eu não lembro, eu nunca consegui saber.
P/1 – Quantos anos ela tinha, mais ou menos, quando você nasceu? Você se lembra?
R – Não, não lembro. Sei que ela morreu, ela tinha 35 anos parece, 34 pra 35 anos.
P/1 – Morreu jovem, né?
R – Morreu jovem. Eu já estava na mão dessa outra família, então, tinha pouca convivência com ela. Eu não gostava da pessoa que vivia com ela, né.
P/1 – E você nasceu em Três Pontas, foi em hospital ou foi em casa, você sabe?
R – Em casa, na rua Silva Jardim.
P/1 – Silva Jardim. E como era essa rua? Você nasceu e cresceu lá?
R – Não, fiquei lá uns tempos. Depois nós fomos pra roça de novo, onde eu vivi um bom tempo, até que separou da mãe e eu voltei pra cidade e fiquei na casa de uma menina chamada Chica, Francisca, e depois da Francisca eu fui pra casa da Maria José. E aí minha vida foi meio complicada.
P/1 – Você ficou quanto tempo com seu pai e a sua mãe?
R – Uns oito anos.
P/1 – Até os oito. E nesses oito anos você morava onde em Três Pontas?
R – Na roça. Um lugar chamado Faxina.
P/1 – Era o que, uma fazenda?
R – Fazenda. É.
P/1 – E como era essa fazenda?
R – Fazenda grande. O forte lá deles era criação de gado e café.
P/1 – Mas vocês trabalhavam lá pro cara, como é que era?
R – Trabalhava pra ele.
P/1 – O dono lá.
R – Porque meu pai tinha um pedacinho de terra na cidade mas é pouca coisa, pessoal brigava muito por causa daquilo, então a gente nem considerava aquilo ali, ficava mais na roça mesmo, trabalhando por conta, na fazenda mesmo pra sobreviver.
P/1 – E como era a casa que vocês moravam nessa fazenda?
R – Uma casa de adobe, aqui a gente fala, é adobe, aqueles tijolões de barro que a turma fazia antigamente ali e a turma fez aquela casa de adobe onde a gente morava. Depois a gente mudou para uma outra casa, na Faxina do mesmo jeito, então não teve muita diferença.
P/1 – E morava quem ali na sua casa? Você, seus irmãos?
R – Não, nessa época era só eu, a mãe e o Toninho, meu irmão caçula. Que o meu irmão mais velho ela já tinha dado para uma tia minha, esse que mora em Jundiaí, o qual é revoltado até hoje por isso, né?
P/1 – Ele ou ela?
R – Ele é revoltado. É, ele não concordou em ser dividido como nós fomos. Então ela deu ele antes de separar do meu pai, depois deu eu para essa pessoa e o Toninho ela deu por último.
P/1 – E como era nessa fazenda? Você tinha que trabalhar muito, não tinha tempo pra brincar?
R – Eu não tinha muito tempo pra brincar, não, viu? Ele ia trabalhar e me levava.
P/1 – Ah, é? Com quantos anos você começou a ir pra lavoura?
R – Ah, com seis anos já acompanhava eles pra roça, já. Eu lembro quando eu fiz nove anos eu estava debaixo de uma chuva danada plantando cana.
P/1 – No aniversário?
R – No dia do meu aniversário. Com sarampo e plantando cana.
P/1 – Nossa!
R – Aí depois o pai falou pra mãe: “Ó, você fica com ele aí mesmo”, ele chamava minha mãe de Titita. “Titita, não tem condição de ficar com ele. E a minha mulher não aceita, então fica aí com ele”.
P/1 – Com a sua tia?
R – Com essa mulher que não era da família.
P/1 – E quem era essa mulher?
R – Era uma conhecida deles. Eu sei que antes dele separar da minha mãe eu acho que ele gostava dela, não me sei, acho que me deu pra ela nessa intenção, só que ela não quis nada com ele. Porque ele era meio paquerador.
P/1 – Ah, é?
R – É. Que ele era instrumentista, gostava de tocar nos bailes à noite, então...
P/1 – Chamava a atenção.
R – É, gostava de paquerar um pouco (risos).
P/1 – Ele tocava o quê, violão?
R – Tocava violão.
P/1 – Ah, é?
R – É. E meu irmão mais velho, filho da primeira mulher, tocava sanfona. E eu tenho um sobrinho que é sanfoneiro também. Então quer dizer que eles faziam o conjuntinho deles lá e saíam tocando. Era baile, todo casamento, coisa assim, ele era convidado pra tocar.
P/1 – E o que eles tocavam lá? Você se lembra as músicas?
R – As músicas sertanejas, aqueles forrós bem antigos mesmo.
P/1 – Você gostava de ouvir ele tocar?
R – Gostava. Eu pagava pra ver até hoje.
PAUSA
P/1 – Estava falando do seu pai, que ele tocava lá, né?
R – Isto.
P/1 – Ele tocava essas músicas e ficava no bar tocando.
R – É, passava nos bailes, em bar mesmo ele não ia tocar, só em baile mesmo, quando tinha um baile assim ele era convidado e ia tocar.
P/1 – E você foi num baile que ele tocava?
R – Eu fui numa Festa de Reis. Que eu gostava de Folia de Reis, cheguei e estava ele tocando, ele e meu irmão.
P/1 – E como é essa Folia de Reis?
R – Folia de Reis é um punhado de gente tocando assim, cantando nas casas, pedindo oferta pra Festa de Reis. Inclusive eu vestia de marungo, aqueles palhaços que vão na frente da folia, eu me vesti muitas vezes, muitos anos, daquilo ali. Que aquilo ali pro meu pai foi um orgulho quando ele viu que eu estava vestido em Folia de Reis. Ele falou que estava no sangue (risos). Aí depois aconteceu o falecimento dele. A gente veio pra São Paulo bem antes dele falecer.
P/1 – Ah, é?
R – Foi. Que teve uma época que eu estava na bebedeira, estava desenfreado, ele me chamou para uma conversa, ele soube de uma briga que eu tive num bar chamado Catumbi, inclusive eu peguei um processo por causa dessa briga.
P/1 – Ah, é?
R – Ele viu que eu era muito jovem praquilo, como ele mesmo disse, aí me deu conselho para que eu viesse pra São Paulo. Aí eu falei: “É bom eu começar a vida num lugar onde ninguém me conheça, eu não conheço ninguém e assim eu toco a vida”. E assim eu fiz (risos).
P/1 – Antes da gente chegar nessa parte de São Paulo, o que aconteceu nessa briga? O que você fez?
R – A briga começou lá no momento, porque tinha que trabalhar na roça, então eu discuti mais o rapazinho da minha idade. Só que eu achei que a briga estava acabada, que a discussão estava ali e pra ele não estava. E à noite eu buscava soro, todo dia à tarde vinha buscar soro porque a mulher que me criava fazia bolo pra vender. Então quando eu fui buscar o soro, que eu voltei, ele estava num canto escondido e estava com um pedaço de pau. Ele cortou um pedaço de cabo de enxada mais ou menos assim e começou a dar paulada em mim de todo jeito. E eu estava com uma faquinha, que eu andava com ela assim, lá todo mundo andava com faca na cintura, era normal, principalmente quem mora na roça. Eu peguei e dei uma facada nele. Aí eu peguei o processo. Foi quando chamaram a atenção dele e ele me chamou para uma conversa.
P/1 – Seu pai.
R – É. Ele me procurou, nós conversamos. Eu falei pra ele que vinha pra São Paulo. Ele me deu conselho que viesse para um lugar longe, não ficasse lá.
P/1 – Ele achou que você ficou marcado por causa disso?
R – Não, ele falou pra mim que estava na hora de eu parar com aquela bebida, que eu estava muito manjado por causa da bebida mesmo. Que lá tinha um baile chamado Rancho dos Acadêmicos do Samba, eu já era muito conhecido nesse baile, todo sábado eu ia lá e brigava (risos). Até o pessoal falava: “Mas são é uma beleza, mas quando bebe é outra coisa”. E eu vim embora pra São Paulo. Aí eu nunca mais bebi também.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Agora, você começou a beber quando mais ou menos, com que idade?
R – Com 15 anos.
P/1 – Quinze anos. Você bebia o quê?
R – Eu comecei a beber na roça, tomando quentão. Porque eu fazia quentão pra vender no parque e eu estava vendendo quentão, vendia e bebia também, e ali fui tomando gosto. Quando eu quis ver já estava tomando todas.
P/1 – Bebia o quê?
R – Ah, Eu tomava cachaça, bebida, pinga como a turma fala, né? Tomava cerveja. O que caísse na minha frente eu bebia.
P/1 – E você acha que ficou bebendo muito?
R – Eu bebia muito. Toda vez que o pessoal lá em casa me falava uma coisa que me ofendia eu ia descontar na bebida. Era palavra que falasse, me desse um tapa ou falasse qualquer coisa que eu ficava sentido eu achava que a bebida resolvia. Aí que eu ia lá e tomava um copão mesmo (risos).
P/1 – E me diz o que vocês faziam em Três Pontas, o que tinha pra fazer de festa, pra sair?
R – Tinha Festa de Reis, o carnaval que eu participava também, tinha as festas juninas. E lá tem uma festa do Padre Victor, 23 de setembro, muita bonita também. Então a gente participava dessas festas assim.
P/1 – E teve alguma festa que te marcou mais lá, desse período?
R – A Festa de Reis, que eu gostava muito.
P/1 – E como é? Porque eu não conheço.
R – É um punhado de gente tocando ali, depois no dia da chegada de Reis, então eles fazem aquela festona, né? Eles matam animal, fazem aquela coisinha toda ali, faz aquele churrasco todo, então a hora que a gente chega é uma festa danada. Aí depois que a gente ia pra fora dali começavam os bailes. Começava como hoje à noite, amanhã, oito horas, dependendo da hora, estava tocando ainda, oito, nove horas estava dançando ainda.
P/1 – E você disse que você foi vestido umas vezes, né?
R – É, vestido de marungo.
P/1 – Marunga?
R – Marungo. É um palhaço que tem na Folia de Reis.
P/1 – Ah, é? Como é essa roupa?
R – Você veste umas fardas, que eles chamam de fardas, põe um capacete na cabeça bem alto assim e as máscaras. E você sai dançando na frente da folia.
P/1 – Ah, legal! O que mais que tem de fantasia lá?
R – Que eu me lembre é essa daí. E as festas juninas que a gente dançava quadrilha, essas coisas, eu gostava muito.
P/1 – E o pessoal de Três Pontas é como? Tem branco, tem negro?
R – Tem de toda cor, né? Que chegou a época dos portugueses, como minha avó mesmo, a mãe da minha mãe, ela era descendente de índio, o nome dela era Sinhá Ana Cândida de Jesus, mas você vê que Sinhá não existe esse nome, então diz que a mãe dela foi pegada no mato. Assim contam porque eu não cheguei a conhecer, né? A minha tia que mora em Jundiaí, ela tem 88 anos, ela fala muito nesse caso, que a avó dela foi pêga no meio do mato.
P/1 – E o seu avô por parte de mãe era português então?
R – Não. Eu não cheguei a conhecer o vô Ventura não, não sei bem a origem dele, não, mas ela eu sei que era descendente de índio.
P/1 – E o pai e a mãe do seu pai?
R – Eu lembro que a minha bisavó morreu, caiu de um carro de boi, mas não lembro como foi não, sabe? Era tudo naqueles meio de roça ali.
P/1 – E o que vocês plantavam? Você falou café.
R – A gente plantava arroz, plantava café e cana, que o forte na época era cana. Hoje não tem mais a usina de açúcar lá, mas lá tinha uma usina de açúcar muito famosa, a Usina Boa Vista, mandava açúcar pra todo canto, ele era mãe da cidade na época que eu estava lá. Agora ouvi falar que ela acabou, né? Tem outras firmazinhas lá, mas eu passei mais de 30 anos sem ir lá.
P/1 – E como era o seu dia a dia lá? Você acordava...
R – De manhã cedinho a gente levantava e ia pra roça e tinha que trabalhar. Como eu falo pros meus filhos hoje que com 11 anos se não trabalhasse não comia e era verdade. Para comer alguma coisa tinha que trabalhar, saía de madrugada e voltava à noite.
P/1 – O dia inteiro capinando?
R – Carpindo. Aí os caminhões levavam a gente, que o transporte era caminhão. E a distância era longe mesmo. E quando era à tarde eles iam buscar.
P/1 – E você ia pra escola lá também?
R – Poucas vezes, viu? Porque essa mulher que me criava, por causa que os filhos dela não interessava o estudo eu interessava, porque eu queria aprender. Mas ela pra me tirar da escola, falo na vida lá na morte, mas ela mentiu uma vez que a professora foi lá em casa reclamar de mim. Aí eles me tiraram da escola e a professora falou que era mentira, que não tinha nada o que achar de mim.
P/1 – E você ficou quantos anos indo pra escola até que ela fez isso?
R – Ah, até o quarto ano.
P/1 – Até o quarto ano.
R – É.
P/1 – Que escola você frequentou lá?
R – A escola Cônego Victor.
P/1 – Cônego Victor.
R – É. Comecei na escola Professora Lúcia Vieira, depois fui pra Cônego Victor onde fiquei até o quarto ano. Depois que surgiu essa conversa que ela fez isso e falou que eu não ia mais. Eu ainda falei pra ela: “A dona Mirtes falou que não veio aqui”. E ela falou: “Eu sou mulher de mentira?”, apesar que ela mentia às vezes pra prejudicar, nesse sentido ela tinha mentido.
P/1 – Por que você acha que ela fez isso?
R – Porque dos filhos dela só um interessou o estudo, que é o Toninho que terminou o estudo, o resto ninguém estudava. Eles gostavam mais negócio de cinema, essas coisas, mas estudar mesmo ninguém interessava. E eu estava interessado, eu acho que eu ia em frente na época. Ela pegou e fez isso.
P/1 – E você gostava de uma matéria mais lá nessa escola?
R – A Matemática (risos). É o que o pessoal mais odiava e eu gostava.
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – E tinha algum professor que era bom lá?
R – Essa dona Mitres. Parecia uma mãe (risos). Ela sentiu, ela e a diretora da escola sentiram quando eu saí da escola por esse motivo.
P/1 – Como era a dona Mirtes?
R – Ela era uma senhora clara, tipo italiana. O nome dela é Maria Mirtes Mesquita. Eu lembro como se fosse hoje. Ela era como se fosse mãe. Às vezes eu chegava triste na escola, chateado como eu falei pra você com os problemas de casa, sempre depois da aula ela sentava e ficava conversando comigo, eu achava legal aquilo nela. Aconselhava, falava. Eu lembro de uma frase muita boa que ela disse pra mim: “Olha, a vida é cheia de maré, passa a boa e passa a ruim. Se você estiver na maré ruim você espera que amanhã você vai estar na maré boa. Ela sempre falava isso pra mim. E eu gostava dela, MUITO (risos).
P/1 – E como era a escola?
R – Ah, a escola é uma das maiores que tem lá em Três Pontas, né? Numa praça lá. Uma das maiores escolas e uma das melhores também. Não sei, agora deve ter mais escola lá. Na época que eu vim pra São Paulo lá não tinha nem universidade, agora já tem, então (risos).
P/1 – E era um predião lá?
R – Predião, predião mesmo, tomava conta da praça.
P/1 – Tinha pátio, como é que era?
R – Tinha pátio, tinha tudo.
P/1 – E tinha uniforme também?
R – Não.
P/1 – Você ia com a roupa que...
R – Até descalço às vezes (risos).
P/1 – Ah, é?
R – É. Depois que me deram uma botinha (risos).
P/1 – E como é que você ia pra escola, da sua casa?
R – Ia a pé mesmo, chegava, tomava um banho correndo e ali eu saía a mil por hora (risos).
P/1 – Era de tarde?
R – Era à tardinha e noite assim, que o horário de entrar na escola era sete e meia, mas a dona Mirtes falava que podia chegar até às oito horas porque eu trabalhava, então não tinha problema.
P/1 – Oito da manhã você diz?
R – Da noite.
P/1 – Da noite.
R – É, que de manhã eu tinha que trabalhar.
P/1 – Era puxado então, né?
R – Era complicado sim.
P/1 – Ficava bastante cansado?
R – Bastante, viu? Que no fim de semana às vezes tinha que ajudar a fazer o serviço de casa porque a mulher lá não tinha filha mulher, né? E eu além de ser o mais novo não era filho, então eu tinha que... às vezes sobrava pra mim. Era pra buscar soro, era pra se buscar as coisas, então sempre sobrava pra mim. Buscar lenha, essas coisas, tudo era eu.
P/1 – Você andava a cidade inteira então nessa época.
R – Quase inteira, né?
P/1 – Como era isso aí?
R – Eu acostumei, a gente vai acostumando com a lida. Mas que não era fácil, não era, porque muitos dos meus colegas ficavam tirando sarro, chamando de escravo, essas coisas todas (risos).
P/1 – Ah, é?
R – É, meus coleguinhas da roça tudo falava:
“Lá vai o escravo, lá vai o escravo”, porque eu sempre saía correndo pra fazer as coisas. Às vezes me chamavam pra jogar bola, que eu gostava muito de jogar bola, mas nunca tinha tempo pra jogar bola (risos).
P/1 – Não tinha tempo pra brincar mesmo, você falou.
R – Quase não tinha tempo.
P/1 – Mas quando brincava você gostava de brincar de quê?
R – Bola.
P/1 – Bola.
R – Eu cheguei a jogar no juvenil do Trespontano.
P/1 – Ah, é?
R – É. Era um goleiro e tanto. Mas quando eu tinha 15 anos eu comecei... depois dos 15 anos, que minhas tias souberam da situação, elas começaram a pressionar. Inclusive a tia Nazaré foi lá e falou pra ela: “Ó, se você não quer o menino você devolve ele, mas não fica fazendo o que você está fazendo com ele não”.
P/1 – Ela judiava de você.
R – É. Que eu tenho uma marca no peito, foi aqui que ela me bateu, né?
P/1 – Nossa!
R – Que aqui cortou com arame, aqui ficou machucado. Aí um dos meus irmãos da primeira mulher do meu pai ficou sabendo, aí ele pegou e falou pra minha irmã, a Dica, que os dois eram mais velhos que a minha mãe: “Ó, estão judiando muito do Francisco. Ele é nosso pedaço”. Aí minha irmã já deu uma prensa nela no meio da praça e a minha tia da roça ficou sabendo também e foi lá e falou pra ela: “Se a senhora não quiser o menino, a senhora devolve ele porque isso que a senhora está fazendo não pode, não”. Ela pegou, maneirou um pouco nesse sentido. Aí eu comecei a jogar bola, que eu gostava
de jogar nos fins de semana. Foi quando eu fiz o teste no aspirante do _0:24:45_ lá, comecei a jogar. Aí eu comecei com a bebedeira e acabou tudo.
P/1 – Mas você era goleiro.
R – Era goleiro.
P/1 – E como é que era, você pegava bem?
R – Pegava bem. Eu cheguei a jogar contra contra Caldense, peguei dois pênaltis.
P/1 – Ah, é?
R – Foi. E pênalti bem cobrado.
P/1 – Sério? Não foi mal cobrado.
R – Não, eu busquei mesmo.
P/1 – Como é que foi esses pênaltis.
R – Eu sei que nós perdemos três anos pro Caldense, mas os dois pênaltis, o camarada tentou, ele pensou que ia me jogar num canto e a bola no outro. Mas não era aquele goleiro que adivinhava o canto, era daquele que ia na bola. Foi onde eu consegui pegar, as duas cobranças dele.
P/1 – O mesmo cara?
R – O mesmo cara. Teve uma delas que ele chutou, eu bati a mão na bola e a bola bateu na trave. Aí o jogo terminou em confusão ainda (risos). Que o meu irmão mais velho acima, da outra mulher do meu pai, acima desse meu irmão de agora, ele era o zagueiro, né? Ele também brigou, a polícia bateu nele (risos). E o juiz, naquela época era época de ditadura, era um tenente do Exército e eu não sabia. Eu dei uma tijolada nele (risos). Mas ele apelou nós mesmo!
P/1 – É?
R – Apelou, mas apelou pra valer (risos).
P/1 – Mas no fim vocês ganharam, perderam?
R – Nós perdemos o jogo. Teve gol impedido, tudo deles valia, só o nosso que não valia. O Caldense tinha mais nome na época, né? Hoje eu vejo time pequeno jogar contra time grande, como sofre, toda vida foi assim.
P/1 – Esse Caldense é de onde? Ele é de Três Pontas também?
R – Caldense é de Poços de Caldas.
P/1 – E vocês jogaram o quê? Era campeonato que tinha?
R – Campeonato mineiro, de sul de minas. Como se fosse hoje seria a segunda divisão, né? Aquele ano, se a gente ganhasse, a gente ia pra primeira divisão (risos). Os dois goleiros titulares machucaram e eu fui pro gol e estava dando certo. Mas só que, infelizmente, houve esse desastre aí.
P/1 – E você saiu dessa sua tia uma hora ou você ficou até?
R – Eu saí. Depois dessa briga aí, tudo, fui pra casa de um colega meu. Aí eu falei pra ele que seria só por uns dias e eu cumpri aquilo que eu prometi pro meu pai. Eu falei: “Você não vai ouvir falar de mim em briga mais não, pai. Eu vou embora pra São Paulo”. Ele falou: “É melhor, o que eu estou ouvindo falar d’oce uma hora você vai matar alguém e vai aparecer morto. Mas para com essa pinga, onde você estiver você para com essa bebedeira, você nunca me viu bebendo”. Eu falei: “Não, tudo bem”.
P/1 – Você brigou muito lá?
R – Quando estava de fogo eu brigava. Brigava que... antes de eu chegar no baile, parece que se eu tomasse uma e alguém pisasse no meu pé eu já achava ruim. Era um bêbado bem enjoado, sabe?
P/1 – Sei.
R – Graças a Deus depois que parei de beber nunca mais tive esse problema, não.
P/1 – E você ia na igreja também, sua mãe levava, ou sua tia?
R – Ia. Lá tem uma igrejinha, hoje é uma igreja grande, todo dia tinha terço lá, eu gostava de ir no terço, ela deixava eu ir.
P/1 – Tem alguma santa que você gosta mais, um santo?
R – Eu sou muito devoto da Senhora do Desterro, né? Senhora do Desterro e São Miguel Arcanjo. Os dois são que eu peço proteção aqui. Eu lembro que um dia eu ajoelhei e falei assim: “Senhora do Desterro, vai desterrar essa bebida minha para eu nunca mais”. No dia que eu estava saindo de Minas. E graças a Deus ela atendeu porque eu não tive mais vontade de beber. Cheguei aqui e meu destino foi só trabalhar.
P/1 – Por que a Senhora do Desterro e o São Miguel?
R – Porque eu sempre pedi, desde pequeno. Eu sonhava com ela quando era garoto.
P/1 – Ah, é?
R – É. Eu sonhava com ela.
P/1 – Como era isso aí?
R – (risos) Quando eu estava nervoso que eu ia dormir chorando parece que ela aparecia, parece que eu via ela dizendo para eu ter calma. Eu falava: “Mas que santa é essa, que santa é essa?”, aí um dia que eu ouvi falando Senhora do Desterro, então eu passei a acreditar mais nela. E em São Miguel Arcanjo. Porque o padre lá rezava muito pra São Miguel Arcanjo e eu achava que tinha que ser o santo da minha devoção.
P/1 – O que acontecia que você ia dormir chorando, com raiva. Era essa tia?
R – Quando eu apanhava injustamente. Tinha dia de eu apanhar e eu não sabia por que eu estava apanhando.
P/1 – Se soubesse por que até ia, né?
R – É. Às vezes os meninos mais velhos davam tapa na orelha, chegavam de fogo e davam tapa sem eu fazer nada. Aí eu achava, eu ficava chateado, ia dormir e parece que eu sentia amparo dela, né? Como até hoje eu não deixo de fazer minha devoção com ela.
P/1 – E quando é que você começou a sair mais, a namorar, como é que foi isso aí?
R – Ah, quando eu tinha meus 15, 16 anos. Quando eu tinha 15, 16 anos, depois dessa bronca que minha tias deram nela, ela começou a deixar eu sair mais, foi quando eu conheci minha primeira namorada (risos).
P/1 – É?
R – É.
P/1 – Como é que foi?
R – É uma sobrinha dela. Ela não queria de jeito nenhum, a mãe da moça não queria de jeito nenhum. Aí nós começamos a namorar escondido porque a mãe da moça me chamou de negro, ela falou que não ia chegar perto da moça, discussão das duas, né? E um dia nós estávamos namorando na pracinha escondidos e ela tinha um primo, sobrinho, que ia lá em casa, ficou sabendo e contou. Nós estávamos lá na pracinha e chegou um pessoal pra pegar nós de surpresa. Mas deu um cacete em nós dois (risos) , eu apanhei de um lado e ela do outro. Mas mesmo assim a gente não largava, só larguei depois que levaram ela pro Rio.
P/1 – Ela foi pro Rio?
R – É. Aí eu comecei a desandar na bebida. Foi quando eu desandei pra valer mesmo.
P/1 – Qual era o nome dela?
R – Angela.
P/1 – Você gostava dela mesmo.
R – Gostava muito. Mas muito mesmo, viu? A ponto de eu vir embora pra São Paulo e não querer voltar mais.
P/1 – O que você gostava dela tanto assim?
R – É que toda vez que eu estava chateado ela era aquela pessoa que vinha e me dava apoio, falava que a gente ia passar de maior e aquilo iria acabar. Sempre aquele apoio que eu achava legal, além de achar ela uma pessoa bonita também. E outra, foi a primeira namorada que eu conheci, foi ela.
P/1 – E ela foi embora você tinha quantos anos? Que levaram ela.
R – Eu tinha 16 pra 17.
P/1 – Aí desandou.
R – Aí desandei a beber. Que a mãe dela falou que ela não iria namorar comigo. E como de fato a mãe dela e o pai dela eram separados, mas ela levou pro Rio. O pai dela já morava no Rio. Eu achei que a bebida iria resolver.
P/1 – E como é que foi essa viagem pra São Paulo, você se lembra?
R – Eu me lembro, eu sei que foi num fim de semana, conversando com os colegas eu falei: “Estou indo pra São Paulo”. Ninguém acreditou. Eu falei: “Vou pra São Paulo e não vou beber mais”. Só tinha um amigo meu que dava muito apoio pra mim, que era o Tiãozinho, ele falou pra mim: “Cuidado com o que você vai fazer lá, hein?”, eu falei: “Não, pode deixar”. E eu dei sorte que naquela época em São Paulo a gente arrumava emprego na rodoviária. E quando eu cheguei aqui eu já achei o primeiro emprego.
P/1 – É? Mas como é que foi a viagem, foi de ônibus mesmo?
R – De ônibus mesmo.
P/1 – E foi muito tempo de viagem?
R – Não, foi seis horas de caminho, de lá pra cá é pertinho. Eu cheguei na rodoviária e comprei um jornalzinho pra ler. Porque eu vim com um colega chamado Zé Angelo, ele ia trabalhar numa obra, mas nessa obra trabalhava parente lá de casa, eu não queria trabalhar junto com os parentes. Aí eu estava lendo o jornalzinho e chegou um japonesinho pra mim e perguntou se eu estava vindo do Norte. Eu não dei atenção porque eu estava cismado, eu vim muito recomendado com negócio de bandidagem. Aí ele pegou e chegou o pai dele e começou a conversar comigo, falou que tinha serviço. E era um feirante que tinha lá no Jardim da Saúde, aí foi o primeiro emprego que eu trabalhei em São Paulo.
P/1 – E como é que foi? Como é que foi chegar em São Paulo, a impressão que você teve?
R – Eu já tinha ouvido falar muito, eu já tinha vindo uma vez em São Paulo.
P/1 – Ah, é?
R – Mas ouvia falar muito que São Paulo é um lugar assustador, essas coisas todas, então a gente vem morrendo de medo. Mas não foi essa coisa assustadora. O que mais me incomodou foi no meu primeiro passeio que eu fiz aqui em São Paulo eu fui preso.
P/1 – Sério?
R – Foi (risos).
P/1 – O que aconteceu?
R – Eu estava aqui no Anhangabaú e tinha um casal brigando. E naquele tempo quem andasse com carteira branca ia preso.
P/1 – Carteira branca?
R – É.
P/1 – O que é isso?
R – Sem assinar.
P/1 – Ah tá.
R – Aí os policiais chegaram e pediram documento. A hora que eu mostrei a carteira: “Por que não trabalha?”. Eu falei: “Trabalho sim”, expliquei a situação mas não quiseram saber. E a cadeia na época era essa aqui onde é a prefeitura hoje?
P/1 – Sei.
R – A hora que eu cheguei aqui o seu delegado falou pra mim: “Ó, você não fez nada, daqui uma hora você vai embora”. Mas só de ficar ali já foi pra mim um sacrifício, né? Depois de uma hora liberou.
P/1 – Não tinha feito nada, né?
R – Não. Saí pra passear. Ainda falei pra ele: “Meu primeiro passeio aqui em São Paulo”. Ele falou assim: “Mas não aparece mais com carteira assim sem assinar, não. Você registra”. Eu cheguei e falei pro japonês: “Ó, se for para eu ficar com carteira sem registrar eu vou embora”. Ele assinou na mesma hora, que ele estava gostando do meu serviço.
P/1 – Ah, é? Você foi trabalhar na feira então, no começo?
R – Não era bem na feira, fazia o serviço pra ir pra feira. Na feira mesmo eu ia bem pouco. O meu serviço mais era lavar batata, essas coisas, na chácara deles lá. Carregava mercadoria, carregava os caminhões pra ir pra feira de manhã e ficava fazendo serviço lá no salão deles lá, que o salão deles era bem grande.
P/1 – Salão?
R – É. Eles trabalhavam com fruta, verdura e farinha. Então a gente ficava recebendo a entrega das mercadorias quando chegava. Na feira mesmo ia bem pouco.
P/1 – Você ficava mais lá preparando a feira.
R – É.
P/1 – E logo que você chegou você fez algum amigo ou não tinha muito assim?
R – Tem um rapaz lá que viu que eu estava desesperado aquela hora que eu fui preso, o nome dele era Santini. Esse Santini me deu a maior força, foi. Tanto que quando eu saí de lá do japonês e vim aqui pra Vila Mariana, nós alugamos uma casinha de dois cômodos lá, nós éramos quatro rapazes, que a mulher nem queria alugar pra nós com medo de fazer bagunça, né? Quatro rapazes solteiros. Ela fez uma experiência e depois que ela fez essa experiência ela viu que eram quatro homens trabalhadores, ninguém pensou em bagunça (risos), todo mundo tinha um objetivo só: trabalhar e arrumar as coisas.
P/1 – Você não ficou muito tempo no japonês então?
R – Fiquei um ano.
P/1 – E você foi trabalhar onde depois?
R – Depois eu passei pela guarda municipal, segurança, vigilantes. Aí foi quando eu conheci o seu Guilherme, eu vim aqui fazer bico nas horas vagas e conheci o seu Guilherme. E lá como o pagamento atrasava demais.
P/1 – Na vigilância?
R – É, atrasava até 15 dias e o que me ajudava muito era o serviço daqui. Aí seu Guilherme pegou e falou: “Se você quiser trabalhar registrado aqui você pode vir que eu te registro”. Isso foi em 74. Eu aceitei.
P/1 – Mas antes de ir pra lá, como era o trabalho de vigilante? Você vigilava o quê, onde que era?
R – Eu trabalhei no Hospital das Clínicas, em vários lugares. Em Sesc. A gente trabalhava em vários lugares, mais tempo é no Hospital das Clínicas mesmo.
P/1 – De vigilante?
R – É. Era uma firma de vigilância, então a gente ia. O Hospital das Clínicas estava até em construção na época, era a parte do Instituto do Coração ali, aquela parte estava começando. Eu ficava ali na portaria, dando cobertura pro porteiro, essas coisas assim.
P/1 – E o que você via quando você vigiava lá? Você já viu alguma coisa acontecendo, alguma coisa curiosa?
R – Não. A única coisa mais curiosa que eu me lembro foi que me puseram pra tomar conta de um camarada que estava sem as duas mãos. Acho que ele foi soltar uma bomba, não sei como é que foi, o camarada estava desmaiado e eu fui tomar conta. Eu falei: “O cara está praticamente morto”. Deitei ali do lado e dormi também (risos). No outro dia cedo eu fui embora, não tinha o que vigiar ali.
P/1 – Sei. E como era São Paulo nessa época? Tinha algum lugar que você gostava de ir? Você falou que foi pro Anhangabaú, por exemplo.
R – Eu gostava de ir no Anhangabaú e gostava muito de ir no Ibirapuera. Mas eu fui muito caseiro também, né? Nada muito que sair, não.
P/1 – E você namorava aqui também, saía?
R – Namorava. Eu namorei a prima desse rapaz, o Santini, por um bom tempo. Depois eu tive outras namoradas. Inclusive essa que hoje é a minha esposa, eu namorei a irmã dela antes dela. Aí não deu certo com a irmã dela. Depois numa festa que tinha lá, eu fui na festa, aí comecei a dançar com ela e nós começamos a nos entender e acabamos casando.
P/1 – Isso foi em que ano?
R – Nós casamos em 1980.
P/1 – Você já trabalhava por aqui já?
R – Já trabalhava na Pro Ali, com o pai do Luiz.
P/1 – E como foi a primeira vez que você conhece aqui a Zona Cerealista, Santa Rosa?
R – Aqui, vou falar pra você uma coisa, aquela época aqui pra ganhar dinheiro não tinha igual.
P/1 – Sério?
R – Não tinha igual. Ajudante, chapa, naquela época que não deu bem aqui é porque tinha juízo desse tamanhinho também, viu? Eu mesmo fui um deles que fiz muita besteira. Que tinha uma mulherzinha chamada Edna aí, ela em cima tinha um bar aí. E eu falava pro dono do bar: “O que a Edna quiser pode dar”. Que tinha muito serviço mas tinha muitas mulherzinhas também que vinham. Porque homem é um bicho bobo, abre a mão mesmo, então. Eu tive a impressão quando eu vim aqui que eu falei: “Bom, aqui dá para eu arrumar a minha vida”, que tinha serviço e dava dinheiro. Porque na Pro Ali a gente ganhava dois salários mínimos na carteira, mas tinha a entrada aí das descargas, aquilo dava mais de dois salários. E no fim do ano o seu Guglielmi dava sempre uma gorjeta a mais em cima daquele dinheiro, a gente ficava bonito. Inclusive em 76 eu fui lá em Três Pontas pra mostrar pro meu pai que eu tinha mudado, cheguei lá e ele tinha falecido, né? Eu voltei pra São Paulo e voltei só em 2010.
P/1 – Pra lá?
R – É. Voltei só em 2010. Casei em 1980. Agora esses dias eu fui lá de novo porque tem uma irmã minha que ficou doente mental, então precisei ir lá visitar ela.
P/1 – E como era aqui nessa época que você chegou? Você falou que era bom, mas as ruas eram as mesmas coisas ou era mais movimentado, menos?
R – Movimentado demais, gente. Você não via essa paradeira que você vê hoje aí não. Aqui era uma briga pra encostar caminhão (risos) pra entrada e saída. Eu acho que naquela época também só conseguia importar aqui, né? Hoje o Extra importa, Carrefour, esses lugares importam, era só aqui que se importava. Então era um entra e sai danado. A gente tinha hora pra entrar aqui, mas não tinha hora pra sair. Só que ia embora todo mundo contente porque ia embora com dinheiro no bolso.
P/1 – Vocês recebiam por dia ou...
R – Mensal. Agora, o dinheiro da descarga recebia na hora, né?
P/1 – Então além do salário vocês recebiam um...
R – Esse da descarga.
P/1 – Quem que pagava o da descarga?
R – A firma mesmo. Eles descontavam do motorista depois, mas eles pagavam pra gente.
P/1 – O motorista dava o dinheiro?
R – Eles descontavam do motorista, né? Eles falavam: “Carga e descarga é por conta do motorista”. Mas só que quando chegava assim o motorista nunca tinha dinheiro, então a firma já pagava. Só que depois descontava no frete do motorista.
P/1 – Entendi. E como é que era o dia a dia como chapa? Você chegava que horas?
R – Era das oito às seis.
P/1 – Das oito às seis.
R – Uma hora e meia de descanso.
P/1 – E você chegava aqui e fazia o quê já? Já tinha carga?
R – A gente se aprontava logo, alguns saíam para as entregas, outros ficavam arrumando o armazém, era assim. Que eles tinham três carros que entregavam e era entrega pra todo lado. Até em Santos eu ia fazer entrega (risos) cheguei a fazer entrega.
P/1 – Sei.
R – No ABC aqui eu entreguei em vários lugares também.
P/1 – A primeira firma que você trabalhou era de quê, mesmo?
R – Foi nessa firma para os feirantes.
P/1 – Com o japonês.
R – É, seu Akina.
P/1 – Mas aqui na Zona Cerealista?
R – Foi na Pro Ali.
P/1 – Na Pro Ali.
R – É, na firma do seu Guilherme, pai do Luiz.
P/1 – E era de quê?
R – Importação e Exportação. Eles importavam de tudo. Eles importavam alho, cebola, alho e cebola nem tanto, azeite, todos os tipos de azeite, bacalhau, atum, eles importavam de tudo! Orégano.
P/1 – E chegava essas cargas e vocês faziam o que com elas?
R – Nós descarregávamos e carregávamos. Às vezes a gente passava carga até pra outro caminhão, já ganhava duas vezes, ganhava porque estava descarregando e ganhava porque já estava carregando outro caminhão.
P/1 – E é muito peso, como é esse negócio?
R – Era uns 50 quilos que a gente pegava, 60 quilos no máximo.
P/1 – E o dia inteiro esse peso?
R – Era o dia todo, mas era o que é mais leve, o mês de março, por exemplo, começava a movimentar. Em janeiro e fevereiro era mais devagar. Agora em março o negócio começava a pegar novamente (risos).
P/1 – Ah, é? Por que você acha?
R – Não faço ideia. Até o fim do ano é assim, sempre o mês de janeiro e fevereiro era mais fraco aqui.
P/1 – Deve ser o começo do ano, né? Carnaval.
R – É, deve ser por isso. Eu lembro que na quaresma, semana santa saía muito bacalhau, é verdade, saía mais peixe, essas coisas.
P/1 – E você chegava e já começava a descarregar coisa.
R – É. Ou então ia pra entrega.
P/1 – Ia pra entrega.
R – É.
P/1 – E como é que é, vocês montavam o caminhão?
R – Carregava o caminhão, carregava a perua e saía pra fazer entrega.
P/1 – E você chegou a entregar em Santos.
R – Cheguei a entregar em Santos.
P/1 – Como é que foi esse dia?
R – Foi legal. Mandaram nós irmos, aí deu o dinheiro pra nós almoçarmos, chegamos lá, entregamos, viemos embora. Chegando aqui o seu Guilherme ainda tirou com a nossa cara e falou: “Pô, mas vocês foram lá e não tomaram nenhum banho de praia? Como vocês são moles” (risos). Nós preocupados pra chegar aqui com medo dele achar ruim, ele tirava com a nossa cara perguntando por que nós não tomamos banho de praia (risos).
P/1 – E como é o Guilherme?
R – Ele era um excelente patrão, viu? Foi como se fosse um pai. Eu lembro que uma vez ele me deu um rádio, rádio desse móvel, dois homens pra carregar o rádio, tinha que fazer força. Até o Luiz lembra desse rádio como se fosse hoje. O seu Guilherme era como se fosse um pai. Na época que eu estava pra casar, estava apertado às vezes, ele adiantava dinheiro. Então eu chegava: “Seu Guilherme, estou meio apertado assim” “Pega o dinheiro aí, Pelé!” (risos). Ele nesse ponto me foi muito legal.
P/1 – E como é que surgiu esse apelido, Pelé?
R – O rapaz chamava Branco, que tinha na firma. Quando eu comecei a ir com ele pra lá e pra cá o pessoal aqui: “Cadê aquele neguinho que a gente fala com ele, ele sai correndo?”. Que eu era rapazote na época. Aí o Branco começou a me chamar de Pelé. E Pelé ficou (risos).
P/1 – Você torce pra que time?
R – Sou santista.
P/1 – Você é santista?!
R – É, torço pro Santos.
P/1 – Mesmo em Minas Gerais você torce pro Santos?
R – Torço pro Santos. Lá em Minas eu gostava do Cruzeiro, mas aqui sempre fui santista.
P/1 – Você sempre gostou bastante de futebol?
R – Gostei muito. Gostava muito mesmo.
P/1 – Sério? E tem algum jogo que te marcou, algum jogador que você gosta mais?
R – Eu assisti o rei Pelé, né, assisti o Pelé. Em 78, aquele Santos de 78 eu fui no campo em três jogos do Santos. Santos e São Paulo eram três jogos da decisão. Aquilo lá me marcou, eu não era acostumado a ir. Aí marcou muito mesmo.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu não tinha costume de ir no Morumbi, foi a primeira vez que eu fui no Morumbi. Ia mais no Pacaembu, né? Aquele dia eu fui lá no Morumbi, eu cheguei lá o Zé Luís, um baixinho aqui que falou: “Vamos lá, vamos lá pra você ver o jogo, nosso time vai ser campeão”. Peguei e fui mesmo (risos). Nós fomos de carro. Cheguei lá, a emoção foi muito grande (risos).
P/1 – É.
R – Nos três jogos porque no primeiro o Santos ganhou de 3 a 1, o segundo empatou e no terceiro perdeu de 2 a 0, mas foi campeão assim mesmo.
P/1 – E foram três jogos por que, era que campeonato?
R – Paulista, decisão do Paulista.
P/1 – Você se lembra de alguma Copa do Mundo que te marcou?
R – A Copa de 70 (risos).
P/1 – Ah, é?
R – É. Que Brasil, acho que uma seleção daquela nunca mais se forma, né?
P/1 – Você viu na TV ou ouviu no rádio?
R – Eu via na TV. Eu chegava da roça correndo e ia pros bares lá assistir os jogos (risos). Naquela época pobre lá em Minas não tinha televisão. Hoje todo mundo lá tem, mas na época ninguém tinha, era contada as pessoas que tinham. E lá tinha um restaurante que a gente podia assistir.
P/1 – Agora, aqui no Brás como era? Quem tinha firma grande aqui nessa época?
R – Tinha várias. Tinha a Pro Ali, tinha a Andreia, La Pastina. Lá em cima, como chama mesmo? Tinha a Fruta e Mar. Tinha muitas firmas grandes aqui. A Filosan que foi uma das maiores que teve, né? Teve a Três Passos, que hoje é pequena.
P/1 – E as da Paula Souza também eram grandes?
R – Da Paula Souza eu não me lembro muito não. Eu lembro da Paula Souza só a J. Michel, que tinha lá e tinha aqui.
P/1 – E você conheceu o Mercado Municipal também, tinha que ir lá?
R – Tinha, nós entregávamos lá também.
P/1 – Entregava lá também?
R – Enchia o carrinho daqui e levava lá.
P/1 – Como é que era lá?
R – Um movimento só, viu, um movimento grande demais. Porque lá tinha um freguês da Pro Ali que chamava Renato Mercacentro, nós entregávamos muito pra eles lá. Aqui entregava no mercado lá também, na Lapa também.
P/1 – Mercado da Lapa?
R – É. Aquele Mercadão da Lapa. A firma aqui que abastecia eles.
P/1 – E você se lembra de alguma história que você passou que você lembra até hoje? Algumas?
R – História, história, história. Deixa eu ver. Não, não tenho assim.
P/1 – Alguma passagem?
R – Não, não tenho assim muito. Ah, tenho uma passagem, foi esquisito que eu saí com uma menina uma vez, na época eu era rapaz jovem quando cheguei aqui, nós namorávamos debaixo do caminhão, né? E a turma começou a tirar sarro de mim depois, chamando ela de caminhoneira (risos). “Ah, moleque, cadê a caminhoneira ali?”. Ela ficava louca da vida, né? Mas foi só isso (risos), história absurda não teve, não. Ah sim! Uma vez que a Pro Ali foi assaltada também.
P/1 – Ah, é? O que aconteceu?
R – Eu estava no fundo tomando banho e a turma brincava muito comigo. Eu estava escutando o seu Vicente falando: “Leva cheque!” “O que eu vou fazer com cheque?” “Leva cheque!” “O que eu vou fazer com cheque?”. Eu fui saindo, o seu Wilson: “Pelé, vem aqui”. Eu falei: “Ah, pra me dar dinheiro ninguém me chama”, pensando que era um xaveco. “Pelé vem aqui!”, eu falei: “Ah, pra me dar dinheiro, ninguém me chama”. Aí tinha um negão na porta que me olhou meio assim, eu peguei a escada e subi a escada a mil por hora, aqui no 111. Eu cheguei lá em cima estava todo mundo dominado. Seu Vicente mandando o cara levar
cheque e o cara falando: “Eu vou fazer o quê com cheque, rapaz? Não quero cheque, não, quero dinheiro!”. Aí o seu Wilson falou: “Calma, Pelé. Calma, Pelé”, que ele ficou com medo de eu ficar nervoso. Ficar nervoso de quê jeito? Estava tudo. Foi só essa vez, eles puseram o revólver na cara do Vicente assim e depois foram embora.
P/1 – Quem era o Vicente?
R – O sócio do Guilherme.
PAUSA
P/1 – Você passou por enchente aqui já?
R – Passei. A de 78 mesmo mesmo foi demais (risos). Nós passamos, que carnaval fechava, né? Aí na quarta-feira de cinzas nós chegamos depois do meio-dia. Aqui naquela época dava enchente, aqui da graça era tudo assim. Nós chegamos na porta da Pro Ali a água tinha derrubado tudo ali. Primeiro que tinha passado um ônibus que bateu na porta e quebrou a porta. Nós chegamos lá era água pra todo lado. E esperando aquela água baixar. Tinha um murinho que era pra água não entrar e nós começamos a brigar com aquela água, quanto mais nós tirávamos parece que mais minava, né? Nós ficamos até tarde mexendo com aquilo lá aquele dia. Em 78, 79 a enchente aqui era demais. Depois que baixaram o rio não dá enchente aqui como dava mais, não.
P/1 – Mas bateu o ônibus na porta?
R – Eu acho que foi um ônibus, bagunça, passou num dia de carnaval lá, bateu e a porta abriu, né? E depois veio a enchente e tal, aí que a água entrou bonito.
P/1 – O pessoal perdeu tudo?
R – Perdeu muita coisa. Não chegou a perder tudo porque já preparava, já deixava estrado tudo nessa altura assim. Mas perdeu muita coisa ali.
P/1 – Onde era a Pro Ali?
R – Era no 111.
P/1 – Na Benjamim de Oliveira?
R – É. Depois passou lá pra esquina, lá em cima na Alfândega. Mas era aqui no 111. Depois em 81, 82 eles foram lá pra cima.
P/1 – E você ficou nela ou você mudou uma hora?
R – Eu fui junto. A firma que eu mais trabalhei aqui foi a Pro Ali.
P/1 – Você saiu de lá por quê?
R – Eu saí de lá porque tinha casado e achei uma proposta melhor, mas não foi melhor assim, foi só para eu sair mesmo, depois que saí eu vi e quebrei a cara. Isso foi em 81.
P/1 – Você foi pra onde?
R – Eu fui pra Pequi, Recobra tinha aqui. Depois da Recobra eu fiz um curso de retilinista, fui tentar exercer a função mas não deu certo também.
P/1- Requilinista?
R – Retilinista. Fazer roupa, trabalhar com máquina retilínea. Aí eu falei: “Vou trabalhar de retinilista e não deu certo. Depois disso eu trabalhei na Dias Pastorinho, aí a Pro Ali estava precisando de gente, eu passei e o seu Guilherme falou pra mim se eu queria voltar novamente e eu voltei.
P/1 – Você trabalhou um pouquinho só no Dias Pastorinho?
R – Oito meses.
P/1 – De chapa também?
R – De chapa também.
P/1 – E lá era diferente daqui?
R – Quase a mesma coisa, viu? Parece que era mais corrido ainda.
P/1 – Ah, é?
R – Era.
P/1 – Por que era mais corrido?
R – Porque lá naquele tempo era corrido o dia todo, você não parava um minuto. Era pra lá e pra cá e era uma hora só de almoço. As entregas eram só em lugar ferrado mesmo.
P/1 – E você acha que esse trabalho gasta muito o corpo ou não?
R – Tinha dia que a gente chegava em casa muito cansado, né? Ainda bem que eu me cuidava. Chegava em casa, ia tomar um banho e ia dormir porque se eu fizesse como muitos colegas meus que saíam daqui e iam para os bares encher a cara eu já não estava aqui mais (risos). Tem muitos colegas que trabalhavam aqui com a gente não estão aqui mais hoje.
P/1 – Morreram?
R – Morreram. Já não bastava o cansaço daqui e ainda a bebida.
P/1 – E quanto tempo mais ou menos um chapa pode ficar trabalhando nessa função, você acha? Depende?
R – O chapa, ele é teimoso, mas eu acho que passou dos 40 anos ele tem que começar a parar, viu? Quarenta, 45 anos, mas uns que chegam a 50, 60 anos querem estar ali do mesmo jeito mas já não dá, os mais novos não têm paciência com ele mais não. Eu aposentei com 49 anos, não tinha 49, parece que com 48 anos. Mas aqui já estava bem mais leve, já não estava aquela vida corrida que tinha anteriormente. Igual os chapas da batata, tem camarada aí que já está com 50 e poucos anos, só vê os novos reclamando: “Esses velhos não ficam em casa” (risos). Teve mais alguma coisa que eu arrumei assim, vender tempero, fazer alguma coisa, é melhor do que esse serviço que é bom quando dá, mas depois que passou determinada época a pessoa tem que esquecer e falar: “Isso aí já foi a minha vez”.
P/1 – Você acha que a pessoa não aguenta mais?
R – Não aguenta mais. É muito puxado. É subir escada carregando peso, é descer escada com peso na cabeça, solta o peso e cai na sua cabeça, é subir escada pra jogar coisa no caminhão. Então é complicado.
P/1 – E você apesar disso, desse trabalho pesado, você fazia muito amigo aqui, tinha muito amigo?
R – Tinha, tinha demais. Graças a Deus.
P/1 – Quem eram os amigos que você mais gostosa?
R – O Zé Paulo, pra mim era como se fosse irmão. O Zé Paulo, Zé de Souza, foi tudo que eu conheci na década de 70. João Bosco, trabalhou comigo na Pro Ali. Tinha o João Bosco, tinha o Zé Rosinha, que já aposentou também e não vem aqui mais (risos). Uma turminha nossa aí.
P/1 – Vocês brincavam muito um com o outro?
R – A gente tinha que xavecar o dia todo, né? Se a gente não xavecasse o tempo não passava.
P/1 – É? O que vocês faziam?
R – Nós ficávamos brincando, falando da mulher do outro, da filha do outro (risos). Era só ali mesmo. Se as nossas mulheres soubessem o que nós falávamos na época aqui (risos) não ia prestar nunca.
P/1 – E como são esses barzinhos que têm aqui, esses barbeiros? Você frequentava aqui na região também?
R – Barbearia só cortei algumas vezes no seu Vitor, né? O Vitinho, quando ele tinha barbearia lá em cima.
P/1 – Conhece ele?
R – Conheço muito. Uma vez até foi o seu Guilherme que pagou pra mim lá, né? E os barzinhos aqui, antigamente tinha o Bar do Ventura, que era aqui perto da Pro Ali. Depois o seu Ventura passou pro Dirceu e o Dirceu passou pro português que era enrolão que só ele mesmo (risos). Outro bar que tinha aqui e que eu gostava muito dele também fechou já, que é o Bar do Tião.
P/1 – E você sentia alguma dor nas costas, alguma coisa assim?
R – Não, não sentia, que era novo. Eu frequentava academia também.
P/1 – Ah, é?
R – Então isso pra mim era café pequeno na época (risos). Agora, depois que eu passei a ter pressão alta, essas coisas, complicou.
P/1 – Você tinha quantos anos?
R – O quê?
P/1 – Quando começou a ter problema de saúde, tal.
R – Uns 46 anos.
P/1 – E vocês têm um jeito de
pegar nas coisas, de carregar pra não quebrar?
R – Ah, tem.
P/1 – Como é esse jeito?
R – Tem que ter o jeito, né? Igual aquela caixa ali você tem que pegar ela em pé com cuidado, pôr ela em cima da outra com cuidado. Se deixar cair ali quebra, não vai quebrar uma garrafa, vai quebrar duas, três ou mais. Aí os patrões ficam loucos (risos).
P/1 – Você carregava muito azeite, muito vinho?
R – Carregava. Carregava no carrinho, carregava sim.
P/1 – Como é que você levantava, colocava as coisas? Tem um jeito, te ensinam ou você pega de
qualquer jeito?
R – Não, tem o jeito. Tem que pegar com carinho, com cuidado, como se estivesse pegando uma menina (risos).
P/1 – Você já quebrou alguma coisa?
R – Quebrei! É difícil alguém que nunca quebrou, mas quando você tem cuidado, que acontece uma vez na vida, é até reconhecido. Mas se você quebrar toda hora aí é fogo (risos).
P/1 – Você conheceu chapa que quebrava muito?
R – O Branco, um que trabalhou comigo na Pro Ali. Ele jogava muito de qualquer jeito, por isso ele não ficou muito tempo lá (risos).
P/1 – Agora você viu mudar aqui muito a região, né?
R – Mudou muito, mudou da água pro vinho. Isso aqui antigamente você não via essa calma, não. Quando você via assim, mês de janeiro, fevereiro, que a turma fala que estava calmo você não via essas vagas aí. Mas também tinha muito arroz Meninão, o arroz Meninão tinha o quê, oito, nove carros de entrega, né? Então. Arroz Meninão mudou daqui, a Pequi mudou daqui, então, muitas firmas mudaram daqui também. Umas fecharam e outras mudaram mesmo.
P/1 – Por que você acha que as pessoas estão saindo daqui, está parado desse jeito?
R – Eu gostaria de saber, eu não tenho alternativa não. O pessoal da Pequi disse que não estava aguentando pagar os aluguéis também, que o aluguel é muito caro, tem muita coisa nesse sentido. Mas eu não sei explicar. Porque a Andreia é uma potência muito grande, hoje você chega lá e está parada. Acho que a paradeira também que está dando no movimento, que antigamente só chegava importação aqui, agora chega em outros lugares, então acho que isso que acabou.
P/1 – E você gostou do trabalho de chapa?
R – Gostei, que deu para sustentar a minha família e dar estudo pra eles o quanto eu pude dar, também. Então eu dei curso profissionalizante, que meus filhos, graças a Deus, estão bem melhores na situação (risos). Nem todos, meu caçula agora começou a trabalhar na área de Saúde, mas já está querendo fazer faculdade, então.
P/1 – Você sente saudades desse trabalho, do pessoal?
R – A gente sente saudade, mas só que não tem como mesmo, né? Porque se fosse para eu voltar a carregar saco aqui eu não aguentaria mais.
P/1 – E das pessoas você sente saudades? Do ambiente?
R – Ah sim, sim. Das brincadeiras que a gente fazia, os colegas. A maioria dos colegas a gente encontra até hoje, encontra o João Bosco, o Zé Paulo de vez em quando vou na casa dele.
P/1 – Você se lembra de ter pregado peça em alguém, alguma coisa que te marcou um pouco assim?
R – Eu lembro que o Zé Paulo uma vez, aquele urucum que parece batom, de fazer coloral, ele passou na boca assim e limpou na camisa do João Bosco. E o João Bosco era casado de novo. Quase que o João Bosco separou da mulher por causa disso daí (risos). O João Bosco ficou uns dez anos com bronca do Zé Paulo (risos). Durante uns dez anos ele não aguentava ouvir falar no Zé Paulo.
P/1 – O que mais vocês faziam? (risos)
R – A gente fazia muita brincadeira assim. Uma vez pegava a cueca do João Bosco e puseram dentro da bolsa do Zé Paulo pensando que era calçola, que era as cuecas que tinha, o Zé Paulo chega em casa (risos), que a mãe dele vai tirar: “O que é isso aqui, Zé Paulo?”, ele falou: “Mãe, não sei o que é isso aí” (risos). Não prestou, viu? No outro dia o João Bosco bravo pensando que era eu. E quem fez na hora mesmo não foi nem citado e nem falou, depois de muito tempo que o Zé Carlos falou: “Ó, eu que pus a cueca do João Bosco na bolsa do Zé Paulo. Só não falei nada porque eu sabia que a culpa ia ficar em um dos dois Franciscos, no Pelé ou no Chico Marco (risos)”. E nós levamos a culpa mesmo (risos). A gente zuava muito nesse sentido.
P/1 – Vocês zuavam muito as pessoas também?
R – Zuava, quem passasse na rua nós mexíamos também. Uma vez o Maurício mesmo aqui, quando abriu a Reluma, nós vínhamos ajudar ele a fazer serviço aqui. Eu falava muito na irmã dele, a irmã dele chegou na porta e ele: “Aí Pelé, fala o que você fala da minha irmã aí agora”. Eu fui obrigado a correr (risos). Ela perguntou: “O que?” e eu saí pela porta do fundo e me mandei (risos). Então é, o xaveco começava até por eles mesmos (risos).
P/1 – E brincavam muito com você?
R – Nossa, demais! O Maurício era demais. Quando eu casei ele fez um negócio, não sei como chama aquele negócio, de sexo, e pôs dentro da minha mochila para eu levar pra casa sem eu perceber. Eu cheguei em casa, ainda bem que eu que tirei as coisas da mochila, que eu vi aquela porcaria, joguei fora (risos).
P/1 – E como é que foi ver o pessoal crescendo desde pequenininho.
R – Foi bacana, viu? O Luiz era o moleque mais sapeca que eu conheci, né? Até a própria avó dele reclamava dele de vez em quando (risos). Mas foi legal ver eles crescerem e depois veio a ser meu patrão, eu vim trabalhar com ele aqui. Eu xingava ele pra caramba (risos). Eu queria ter respeito por ele, mas acabava não tendo (risos).
P/1 – Como é que vocês se tratavam? Como se tratam?
R – Ele me chamava de macaco, eu chamava o Maurício de Capitão Gay, essas coisas todas. Porque dentro da Reluma tinha apelido de Capitão Gay. Daí eu falava: “Fala Capitão Gay” (risos).
P/1 – O clima é bem legal aqui, né?
R – O ambiente é bem legal mesmo.
P/1 – Agora, você se casou quando? Foi em 81?
R – 1980.
P/1 – 1980. Como é que você conheceu sua esposa? Você já falou um pouquinho, mas...
R – Primeiro eu conheci a Cremilda, viajando no ônibus. Nós fizemos amizade. Aí um dia ela me convidou pra ir na festa junina na casa dela, eu fui e nós brincamos, começamos a namorar. Mas só que ela namorava duas pessoas de uma vez só e não deu certo. Eu falei:
“Já que você quer namorar duas pessoas não dá certo”. Só que nisso eu mudei lá pra perto deles. Aluguei um cômodo lá.
P/1 – Onde que é?
R – Em São Miguel Paulista. Aí chegou lá em São Miguel tinha a mulher que me alugava o cômodo, ela tinha um salão de cabeleireiro onde minha esposa frequentava. Aí nós começamos a conversar. Um dia tinha uma festinha, nós fomos na festinha e já saímos de mão dadas. Começamos a namorar. A Cremilda tentou namorar comigo mas eu não quis (risos). Aí continuei com ela e com ela foi até o fim.
P/1 – Qual é o nome dela?
R – Cleonice. Em 1980 nós casamos, tivemos sete filhos (risos), um adotivo, e estamos juntos até hoje.
P/1 – Quando
vocês casaram vocês foram morar onde?
R – No Jardim Robru, fica perto de Guaianases, perto de Ferraz. Não, Guaianases, isso mesmo.
P/1 – Zona Sul?
R – É. Não, Zona Norte, pra cá. Aí do Jardim Robru voltei pra São Miguel, foi quando eu dei entrada no terreno lá em Mogi e depois que eu estava pagando esse terreno, o terreno era grilado, problemático, tinha dois donos, aí eu ia ter que comprar em outro lugar. Eles aqui me ajudaram, eu comprei esse terreno que hoje é meu e lá a gente está até hoje, graças a Deus.
P/1 – Quais são os nomes dos seus filhos?
R – O adotivo, mais velho, chama Fernando.
P/1 – Vocês adotaram ele?
R – Ele é filho da Cremilda, essa minha cunhada.
P/1 – Ah, é?
R – Filho dela com o Rômulo. E depois vem a Sandra, Éder, Everton, Sabrina, Emerson e Mateus.
P/1 – Bastante filho (risos).
R – É rapaz, naquela época tinha que trabalhar em dois serviços pra fazer cuidar (risos).
P/1 – Você trabalhava aqui e trabalhava em outro lugar?
R – Na malharia (risos).
P/1 – Na malharia?
R – É.
P/1 – Onde que era?
R – Na Vila Matilde. Saía daqui seis horas e seis e quinze, seis e meia eu estava na Vila Matilde já mexendo com as maquinazinhas lá. E lá como o pessoal é adventista, eles fechavam no sábado mas trabalhavam no domingo. Quando era de domingo eu ia pra lá de manhãzinha e só saía à noite. Pra criar sete filhos não era fácil, não (risos).
P/1 – E quando você se aposentou você ficou morando em Mogi das Cruzes?
R – Continuei lá mesmo, na
mesma casa que eu já estava.
P/1 – E o que você ficou fazer, ficou parado?
R – Fiquei uns tempos parado, depois comecei a ficar em depressão, não aguentava ficar parado. Aí comecei a vender tempero, alho, essa coisas. E os temperos moídos na hora. Como lá tem muito nortista e nortista gosta muito desse tempero, aí foi bem aceito.
P/1 – Você compra onde?
R – Eu compro aqui na Zona Cerealista, na Benavides, no, como é que chama aqui? Eu esqueço o nome dele aqui. Eu nunca vou num lugar só não, sabe? Vamos supor que a pimenta é mais barata aqui, eu compro aqui, o cominho é mais barato ali. No Dilson eu compro também.
P/1 – E vende em feira?
R – Vendo em feira e tenho um triciclo que eu ando com ele na rua lá também, né? Vendo no triciclo também na rua. A coisa foi bem aceita, graças a Deus.
P/1 – Está indo bem esse negócio?
R – Está indo bem.
P/1 – Quantos anos você está nele?
R – Desde quando eu aposentei, em 2002.
P/1 – Ah, é? Tem uma barraca sua lá então?
R – Não, barraca não tem. Eu conversei com o fiscal, expliquei a situação e ele falou: “Não, pode vender, não tem nada a ver, não”. Eu só não posso vender isso aqui se tiver outra pessoa vendendo com o alvará. Ele falou pra mim: “Se não tiver você pode vender”. Ele nunca me pediu propina, nem nada, não. Eu trabalho na boa lá.
P/1 – E como é que está hoje em dia, o que você gosta de fazer mais?
R – Estou gostando do serviço que estou fazendo lá, né? Gosto que é uma coisa que não fico parado, bato papo com um hoje, bato papo com outro amanhã, hoje estou aqui, amanhã estou em outro canto e vou tocando a vida. E o pessoal gosta muito do meu tempero, graças a Deus.
P/1 – Você gosta de ficar em casa também?
R – Não, não sou muito chegado a ficar em casa, não. Não sou, não. Às vezes eu fico em casa um pouco, assistindo televisão, mas daqui a pouco dá aquela vontade de sair e fazer alguma coisa (risos).
P/1 – E o que você acha que vai acontecer aqui com essa região? Você pensa nisso às vezes?
R – Eu penso que cada dia que passa está ficando pior. Essa paradeira aí, quem viu Santa Rosa, que é bairro Santa Rosa, né? Quem viu aqui na época e quem vê hoje a gente só entristece. Eu tinha vontade de ver aqui movimentando, igual era antigamente. Que antigamente se a pessoa chegasse de qualquer lugar e falasse: “Eu vou trabalhar na Zona Cerealista”, ele sabia que chegava aqui e não ficava parado, trabalhava e ganhava dinheiro. Agora hoje a pessoa chega aqui, vê essa paradeira, não tem nem armazém pra trabalhar mais, que aqui antigamente era cheio de armazém. Era armazém de todo jeito, armazém de arroz, feijão, essas coisas, tinha armazém de todo jeito. Hoje tem poucos armazéns, do que tinha.
P/1 – Agora você tem um sonho pro seu futuro, Pelé?
R – Eu penso em 2018, até 2020 morar numa chácara, minha mesmo. Eu estou pensando em comprar uma chácara e vou parar um pouquinho com essa correria, talvez no sítio eu tenha mais calma, fico mais sossegado. A hora que tem vontade mexer no quintal, a hora que quiser eu vou pra dentro (risos). Que o cansaço vai chegar uma hora, então já está na hora de eu começar a pensar nisso.
P/1 – Você está com quantos anos?
R – Sessenta e dois.
P/1 – Sua esposa também?
R – Não, ela tem 58. Não, 59. Ela é três anos mais nova que eu.
P/1 – E além disso tem mais alguma coisa que você pensa da tua vida?
R – Não. O meu sonho era criar os filhos, os filhos estão criados, que meu caçula está com 18 anos, né? Então pra mim já está praticamente tudo realizado, uma parte já está realizado. Dei tudo praqueles que quiseram estudar, os que não quiseram eu não pude forçar, mas todos eles têm um curso profissionalizante na mão, ainda mandei escolher.
P/1 – Você acha que você sofreu muito preconceito na vida, ou você sofre?
R – Sofri. Aqui tem muito preconceito de cor, essas coisas. Nesse ponto também, tinha uma época que tinha um restaurante lá que chamava Tonel. Não podia entrar pessoa de cor, né? Tinha o Clube do Serrote, também não podia entrar pessoa de cor. Tem muitas casas, aqui na Praça da Sé quando eu cheguei em São Paulo tinha um restaurante japonês lá, eles não gostavam que fosse pessoa de cor lá. Eu acho que isso é um preconceito que a gente sofreu, a gente teve que encarar. E quando eu casei com essa minha esposa também, porque ela é clara, muita festa de pessoa de cor eu não podia chegar com ela não, que eles não aceitavam. Olhava torcido ou então falava mesmo na cara. Uma vez ela chegou no Anhangabaú comigo, na festa do São Benedito, as meninas de cor falaram pra ela: “O que essa branca está querendo com esse negão, hein? O que essa branca está querendo aqui?”. Falou na cara dura assim.
P/1 – Mas as pessoas, você acha que elas falam pra você do preconceito delas ou você só sente na atitude?
R – Na atitude. Se falar tem resposta, né? De vez em quando você ouve uma piada: “Preto casado com branca não presta”, essas coisas todas. Mas quando fala pra mim, normalmente eu tenho a resposta (risos).
P/1 – Já está na língua.
R – Já tenho a resposta exata.
P/1 – O que você fala quando acontece essas coisas?
R – Se eu não estou namorando com a sua mãe você não tem que falar nada, viu? (risos) Se eu estiver namorando sua mãe, sua irmã ou sua filha, já mexo logo um lugar bem (risos).
P/1 – Você acha que isso atrapalha muito na vida? Essas coisas.
R – Às vezes atrapalha no sentido que você tem lugar como retilinista mesmo aqui na estação da Luz na época que eu cheguei, o cara não falou, mas deu pra ver que era por causa da minha cor. E como retilinista eu sou um grande profissional, mas só que não fui respeitado nesse dia. Porque falaram por telefone tudo bem, a hora que eu cheguei aqui, que a moça olhou pra minha cara e fez assim. Eu falei: “Você não quer ver eu fazer nem o teste para você ver?”, ela falou: “Não, já preencheu a vaga” (risos). Eu vi que era por causa da minha cor.
P/1 – E você acha que seus filhos sentem isso um pouco ou você acha que melhorou hoje?
R – Eu acho que melhorou um pouco porque meus filhos, todos eles, são casados com moças mais claras. Os dois mais velhos são casados com mulher clara, bem clara, inclusive minhas noras são loiras. Mas não fala nada, não, eu não vi eles reclamarem disso pra mim não.
P/1 – Que bom, né?
R – É.
P/1 – E como é o trabalho de retilinista?
R – Você pega uma máquina cantoneira e vai tecendo, você já faz a medida de ser fechada.
P/1 – Você fazia muita roupa ou fazia o quê?
R – Fiz muita blusa, fiz muita saia, camisa pra homem, fazia de tudo, só não fazia calça pra homem, né? O resto tudo eu fazia.
P/1 – Você gosta de fazer?
R – Gostava, sempre gostei. Eu tenho uma máquina retilínea em casa.
P/1 – Ah, é?
R – Tenho. Só que ela está parada porque a coisa estava construindo, não tinha espaço pra ela e ela enferrujou, vou dar uma desenferrujada e botar ela pra funcionar de vez em quando (risos).
P/1 – Você fez muita roupa pra você mesmo?
R – Já fiz muitas camisas pra mim, pra minha família. Inclusive o vestido de formatura da minha filha fui eu que fiz.
P/1 – Ah, é?
R – Foi. E foi um dos mais bonitos da festa! (risos)
P/1 – Ah, é?
R – É.
P/1 – Como é ele?
R – Eu fiz com aquela linha brilhante, fiz bem fechadinho assim. Falei pra minha cunhada: “Ó, você fecha com duas linhas assim e põe um fio de brilhante assim”. Então ficou bem clarinho, brilhante, com aqueles negócios assim. Chamou a atenção na festa.
P/1 – Como é que foi o dia do nascimento do seu primeiro filho? Você se lembra?
R – A Sandra. Foi em 81. No que eu casei, com dez meses de casado nasceu o primeiro filho, né? Foi no dia cinco de maio de 1981.
P/1 – Você estava aqui?
R – Estava. Eu lembro que eu vim pra trabalhar, a hora que eu cheguei à tarde em casa, que eu fui, não tinha sossego. Esperei minha sogra ligar e não ligou, eu fui correndo pra casa, ela falou: “A sua mulher já está internada”. Aí eu fui lá no hospital e falaram que ela estava: “Não dá pra falar o sexo agora”. Aí no dia seguinte me falaram: “A sua mulher teve uma menina”. Eu falei: “Posso ver?” e deixaram eu ir lá ver ela. Foi uma emoção muito grande (risos) ver minha primeira filha nascer.
P/1 – Você já tinha um filho antes, né, adotado.
R – É, adotado, o Fernando. Esse Fernando, quando nós casamos já levamos ele, que a mãe dele ia deixar no hospital.
P/1 – Sério?
R – Foi. Aí minha esposa pegou ele.
P/1 – A irmã dela ia deixar lá.
R – Ia deixar no hospital, é. Ela falou que não queria.
P/1 – É? Mas por que?
R – Acho que ela até ficou com bronca do pai dele, né? Que ele não quis assumir ela, nem ficar com ela, nem nada. Aí eu ia ser padrinho dele e nós acabamos criando ele.
P/1 – Desde pequenininho então.
R – Desde pequenininho.
P/1 – E você tem neto hoje?
R – Tenho. O Fernando mesmo, esse já tem cinco filhos. A Sandra tem um filho. O Eder tem três filhos. O Emerson tem uma filha. O Fernando já é até avô, se fosse considerar eu seria bisavô, né?
P/1 – Ah, é? E é diferente ter filho e ter neto e bisneto?
R – Ah, os netos pra mim são a mesma coisa que ser filho também, viu? O mesmo carinho que eu dava pros filhos eu dou pra eles agora.
P/1 – O que você achou de contar um pouquinho da sua história pra gente?
R – Foi bom, eu gostei!
P/1 – Gostou?
R – Gostei, gostei muito.
P/1 – Foi bom?
R – Ótimo, foi ótimo! (risos).
P/1 – Tá certo. Tem alguma coisa que você queria falar pra gente?
R – Não.
P/1 – Tá bom. Obrigado, viu, Pelé?
R – Eu agradeço.
P/1 – Foi ótimo, viu?
R – Falou, obrigado.Recolher