P - Kleber, eu queria começar pedindo para você dizer o teu nome completo, data e local de nascimento. R - O meu nome é Carlos Kleber Maia, eu nasci no dia 05 do 07 de 1970, em Catolé do Rocha, interior da Paraíba. P - Está certo. A tua família é de lá mesmo? R - A família do meu pai ...Continuar leitura
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Kleber, eu queria começar pedindo para você dizer o teu nome completo, data e local de nascimento.
R - O meu nome é Carlos Kleber Maia, eu nasci no dia 05 do 07 de 1970, em Catolé do Rocha, interior da Paraíba.
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Está certo. A tua família é de lá mesmo?
R - A família do meu pai é toda de lá. A família da minha mãe é cearense.
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E depois a tua infância você passa na Paraíba, como é, como você passa da infância para a adolescência?
R - Eu fiquei até seis anos de idade, morando em Catolé do Rocha. O meu pai trabalhava no Banco do Brasil e mudava muito. Então, eu fui morar no interior do Piauí. Aí, passamos lá dois anos, fomos para Floresta, no interior aqui de Pernambuco. Depois, mais dois anos, voltamos para a Paraíba, para a cidade bem do interior, Bonito de Santa Fé, quase divisa com o Ceará, e depois fomos morar em João Pessoa. Então, eles ficaram por lá e aí depois eu fui morar em Assú, já assim, o meu pai já aposentado, fora do banco, fomos morar num sítio lá em Assú. E depois, em 1989, eu fui morar sozinho em Natal para estudar, para trabalhar e, desde então, estou por lá.
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Conta um pouquinho mais sobre a tua família. O teu pai, Banco do Brasil, quantos irmãos, o que a tua mãe fazia?
R - A família do meu pai é imensa, né? A família da minha mãe nem tanto. E a gente ralava muito dessa época que ele trabalhava no Banco do Brasil. Mamãe sempre foi assim, muito apaixonada pelas coisas da terra, a cultura nordestina, literatura de cordel, poesia matuta, música sertaneja, ela sempre foi muito apaixonada por isso aí e até fez com que a gente herdasse uma parte muito grande desse gosto pela cultura popular, poesia nordestina e tudo mais. E a família do meu pai não. Sempre não tinha muito esse lado cultural, mas a minha mãe, a família dela toda tinha isso, os irmãos dela, a mãe dela tinha muito esse lado assim, bem nordestino mesmo.
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Qual é o nome da sua mãe?
R - Maria Auzerina.
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Ela já herdou isso da tua avó então?
R - É, herdou. É que ela, na realidade, ela tem duas mães assim. Ela foi criada pela madrinha dela. A mãe mesmo que é a minha avó assim, natural, não tinha isso muito forte. Agora, a minha madrinha, a madrinha dela, a minha outra avó, ela era também apaixonada por isso. A mãe acabou herdando dela, passou para mim, eu não passei para os meus filhos não, mas pretendo. (risos)
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Quando você se muda para Natal, quando jovem, você vai para lá para estudar?
R - Para estudar. Eu fui também para trabalhar. Na realidade, eu sempre gostei da área de informática, trabalhava já com computador nessa época e como Assú é uma cidade bem interiorana, não tinha muito espaço, nem para o estudo, nem para o trabalho na área de informática, que eu queria fazer carreira aí, então eu fui morar em Natal. Eu trabalhava em Assú numa empresa que comprou alguns programas de uma Softhouse de Natal. E aí essa empresa acabou indo lá muitas vezes, nós nos conhecemos e eles viram quanto eu gostava de trabalhar. Tinha bastante habilidades também para trabalhar em informática, acabaram me convidando para ir trabalhar em Natal. Aí, eu peguei a oportunidade e fui morar... Morava sozinho num pensionato lá, foi uma época bem interessante. Tive que aprender a virar sozinho mesmo. Aí, prestei o vestibular. Eu queria, na realidade, fazer Ciência da Computação, mas como o curso na época era completamente diurno e eu tinha que trabalhar para me manter em Natal, eu optei por fazer o curso de Ciências Contábeis que era a noite. Aí, fiz durante um tempo, depois eu tranquei e agora estou retornando.
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E a tua entrada no Aché, como é que entra nessa história?
R - No final de 1994, eu trabalhava já na área de informática, tudo mais, já tinha casado, já tinha primeiro filho e tinha vários amigos nossos que eram propagandistas do Aché e de outros laboratórios também. E sempre a gente via como era a empresa, muitos benefícios, aquela coisa. Na época, eu estava trabalhando já como free-lance na área de informática, então tinha aquela coisa muito irregular, muito instável, né? E o Aché surgia realmente como uma excelente oportunidade. Uma empresa estável, que tinha um conjunto de benefícios, então muito interessantes. E aí surgiu uma seleção e um colega, que hoje não está mais no Aché, me indicou e a minha esposa deu a maior força e aí eu fui. Fiz o processo seletivo, graças a Deus, fui aprovado, mas como já era finalzinho do ano, a empresa adiou. Somente no início, bem no início de janeiro que comecei a trabalhar.
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E a tua primeira área de atuação, qual é que foi?
R - Eu fazia interior do Rio Grande do Norte e uma parte da periferia de Natal.
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Que é uma realidade que você já conhecia?
R - Não, não, não. Eu, na realidade, de Natal, eu conhecia pouco porque como eu trabalhava dentro da empresa, não saía muito. Era mais trabalho de programação mesmo, então não conhecia muito de Natal e do interior eu conhecia quase nada, com exceção de
Assú que eu tinha morado um tempo. Mas, desse ano mesmo, o Aché estava inaugurando um projeto novo que era de viatura compartilhada. É um carro para dois representantes e o outro representante já conhecia bem mais o interior. Ele criou-se ali pelo interior do Rio Grande do Norte também, aí foi ótimo porque a gente não teve muita dificuldade, já que ele conhecia. E era muito bom porque a gente trabalhava o dia todo juntos. Então, tinha sempre alguém para conversar, para bater papo.
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Como chamava o teu parceiro?
R - Ari Vilar. Ele é hoje, ainda é muito amigo...
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Têm histórias boas de vocês pelo interior?
R - Tem, tem, tem muitas histórias. (risos)
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Lembra de alguma em especial?
R - Lembro. Assim, desse período que a gente estava juntos, tinha uma coisa que acontecia com uma certa frequência e a gente estava tão acostumados, passava a semana inteira trabalhando e chegava no consultório, colocava as faixas assim, no sofá, numa mesinha e tal, ficava esperando entrar para o médico. E muitas vezes acontecia de na pressa, assim que a paciente saía, a gente entrava antes que outra paciente tomasse a vez, a gente pegava a pasta e entrava, e quando chegava dentro do consultório que abria, não era a minha pasta, era a pasta dele ou vice-versa. “E agora? O que faz?” Aí, trocava a pasta. Mas teve uma vez, a gente lá em Mossoró, que estava com um grupo de outros representantes do Aché e de outros laboratórios, que ele entrou e eu fiquei fora. E ele entrou com a pasta, a minha pasta e deixou a dele fora, né? Só que quando ele abriu a pasta lá dentro, a pasta não era a dele e nem estava ali dentro do consultório, a dele estava lá fora comigo. Então, foi aquela confusão, mas como o médico também já era conhecido, levou tudo na brincadeira, ele acabou saindo do consultório para pegar a pasta e voltou para fazer a propaganda.
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Tem algum médico especial, que tenha sido um personagem interessante ainda nessas viagens?
R - Tem, tem os médicos assim que marcaram bem assim. Aquele médico bem pitoresco, às vezes, do interior. Tinha um médico que, inclusive já faleceu, que morava em Canguaretama, interior do Rio Grande do Norte e era assim, uma figura. A gente, a casa dele, uma casa muito ampla, aquela casa de interior assim, com muitas árvores ao redor, bichos, macaco, jabuti, gato, cachorro, papagaio, tudo que ele criava, e em frente da casa, é que era o consultório. Então, às vezes, devido aos roteiros de trabalho chegava lá já no finalzinho da manhã. Aí a gente já estava em casa e a gente fazia propaganda no alpendre da casa, macaco fazendo barulho, papagaio perturbando a entrevista com o médico, a propaganda, e sempre vinha... Era, não tinha como fugir, era o convite para almoçar, almoçar com ele lá para poder seguir viagem. Às vezes, a gente: “Não doutor, não dá e tal. A gente está com pressa.” Aí fugia, mas tinha ocasiões que não tinha como fugir.
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Mas o almoço era bom?
R - O almoço era bom, o almoço era muito bom. E sempre tinha aquela comida típica. Às vezes, a gente chegava na época de São João, tinha pamonha, tinha canjica. Às vezes, queria até que a gente provasse uma cachacinha de cabeça que ele tinha guardado. “Ôpa, aí não dá, pelo amor de Deus” (risos) Ele pegava aqueles recipientes, às vezes de vidro mesmo e colocava uma cachaça junto com frutas, com casca de árvore, com aquela coisa e fica aquela coisa bem curtida. “Não, tem uma ali que eu fiz, tal, para vocês provar.” “Não, doutor, pelo amor de Deus, não dá não. A gente tem que trabalhar ainda.” É uma figura que a gente gostava muito de visitar, toda a vida lá. Até a gente sentiu muito quando ele faleceu, já era meio...
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E como é a realidade desse pedaço do país, do interior do Rio Grande do Norte? São cidadezinhas pequenas, era uma área rural, como é que era?
R - A gente tem algumas cidades maiores no interior que a gente visita, mas têm muitas cidades pequenas que você, de uma vez só assim, num dia só, você visita às vezes cinco, seis cidades dessa. Então, têm cidades que você entra lá para visitar dois médicos. A gente só tem aqueles dois médicos naquela cidade, não tem mais do que isso. E médico do interior era aquela coisa assim, que não tem hora, não tem... Consulta é em qualquer lugar. O médico contava para gente de estar na feira e o paciente chegar: “Doutor, isso aqui e tal...” E ele pegar um pedaço de papel de embrulho assim, da feira mesmo, e fazia a receita e dava para o paciente, tem esse lado assim, bem interiorano mesmo. E por outro lado, isso para a gente era bom porque a gente era muito bem recebido. Às vezes, o médico estava com o paciente dentro do consultório e, ao contrário do que acontece numa capital, por exemplo, que você, às vezes, leva um tremendo chá de cadeira, espera muito para poder entrar para falar com o médico, a atendente chegava assim: “O médico está ocupado, mas você aguarda só um minutinho, eu vou botar uma cadeira aqui para você ficar esperando. Daqui a pouco, ele lhe atende.” Como se a gente fosse assim, uma figura tão importante realmente, que quase que ela pedia desculpa por ele estar atendendo alguém, não poder atender a gente de imediato. Então, era muito gostoso esse lado assim, como a gente era valorizado.
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E lugares, às vezes, que não tinha representantes de outros laboratórios, era só o Aché mesmo?
R - Tinha. Nessa época que eu entrei, já tinha assim, outros laboratórios. Às vezes, laboratórios nacionais pequenos que estavam entrando também, mas ainda existiam cidades que só a gente ia, só a gente ia mesmo. Ainda até brincava, dizendo que o Banco Bradesco, o Banco do Brasil, Igreja Católica e representante do Aché em qualquer cidadezinha do interior você encontra. Não tem jeito.
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Ao mesmo tempo que vocês são super bem recebidos em algumas cidades, você estava contando uma história que têm outras cidades também de fatores até meio perigosos. Conta essa história.
R - Tem. Isso foi logo quando eu comecei a trabalhar sozinho já, no terceiro ano que eu estava no Aché, visitando a região bem no final do Rio Grande do Norte, que chamava região da Tromba do Elefante, que no mapa, o Rio Grande do Norte parece um elefante, essa parte é bem na tromba mesmo. Então, uma região realmente assim, meio perigosa, de muitos pistoleiros, sempre têm casos assim, de problemas com famílias que andam se matando e tal. E nessa época, especificamente, estava havendo muito assalto à bancos na região. A gente até nem sabia. E chegamos eu e mais dois colegas numa cidade em Apodi, quando a gente
foi... Terminou de visitar os médicos, o colega pediu para dar uma passadinha no banco porque ele queria pegar o dinheiro, né? Aí nós fomos, paramos os três carros, os carros de fora, né? Placa de Curitiba, de São Paulo e tal, desceu só um, entrou no banco. Os outros dois ficamos conversando do lado de fora, pessoal assim, vestido bem arrumadinho e tal, e o pessoal da cidade já ficou meio de olho, e a gente nem percebeu. E nós fomos para a cidade seguinte. Quando nós íamos chegando na cidade, tinha um quebra-molas na entrada da cidade e um cidadão que vinha numa caminhonete atrás acabou encostando no carro do colega e aí ficou aquela confusão, mas o camarada foi embora e ninguém ia atrás dele, porque não era louco. Mas para poder fazer o Boletim de Ocorrência, o sinistro do seguro, tínhamos que ir na delegacia fazer o Boletim de Ocorrência. Chegando lá, conversamos com o delegado e começamos a nos identificar, ele disse: “Vocês tiveram em Apodi?” “Tivemos.” “O carro de vocês é placa de fora?” “É.” “Rapaz, ainda bem que vocês se identificaram porque está havendo muito assalto à banco nessa região e a cidade já estava... Foi dado um alerta aí, já tem barricada na estrada. Eu estou sozinho aqui na delegacia porque eu mandei os guardas, estão escondidos nos bancos, esperando vocês entrar para pegar vocês.” A gente: “Graças a Deus que o carro bateu.” Porque se não a gente ia acabar encontrando alguma barricada na estrada. É óbvio que a gente ia se identificar, mas ia ser uma situação muito complicada porque primeiro ia ter rendição e todo mundo no chão e tal, para depois saber... Aí, ela já ligou para a outra cidade: “Não, está tudo certo, o pessoal se identificou, todo mundo é gente de bem.” Então, é uma situação complicada.
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E hoje assim, no centro de Natal, como é o teu dia-a-dia, o que você conta desse dia-a-dia de propagandista na capital?
R - É, a capital, a vantagem assim, de você não viajar, é que você tem um contato bem maior com a família, né? Então, todo dia, você está em casa. Muitas vezes, a gente almoça juntos, devido a cidade. Natal não é uma cidade tão grande, o trânsito é um trânsito que flui bem, então eu saio do trabalho, em 15 minutos, eu estou em casa. Às vezes, eu pego a esposa e vamos até almoçar em algum restaurante e tal. Ou outro dia, a gente almoça com os colegas mesmo na cidade, mas o contato bem maior assim, com a família, isso é muito bom. O fato também de você ter, às vezes, um roteiro mais concentrado facilita de você conseguir visitar um número maior de médicos porque, às vezes, no interior, como eu disse, às vezes, você roda 400 quilômetros num dia para você estar, às vezes 15, 18 médicos porque não dá mais do que isso. Aquelas cidades, somando todos os médicos, só tem aquela quantidade. Na capital, você já trabalha às vezes mais tranquilo, mas às vezes ainda sente saudade da viagem, do dia diferente. Sempre tive uma surpresa, uma novidade, uma coisa diferente na época que viajava. Mas eu gosto de trabalhar na capital. Esse contato com a família, eu acho que paga qualquer coisa.
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Vou pedir licença para fazer a ficha, depois vou terminar de ver a sua entrevista na gravação.
R - Está certo.
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Eu queria te perguntar sobre o trabalho de propagandista, se mudou? Quer dizer, quando você começou e de quando você está... E de hoje em dia, o trabalho em si, o material que vocês trabalham, a rotina, os produtos, mudou muita coisa?
R - Mudou, mudou bastante. O que diz respeito ao trabalho, diferença muito grande. Assim, logo que eu entrei, a gente trabalhava com uma quantidade muito grande de amostras grátis, por exemplo. Então, quando a gente viajava, ia para... Passava uma semana inteira no interior e principalmente na época que eu trabalhava com a viatura compartilhada, com o outro colega, o carro ia lotado, lotado assim. O banco de trás até o teto e a mala entupida de caixas de amostras, porque vinha uma quantidade maior e a gente ia passar uma semana inteira, tinha que levar muita coisa, né? O material promocional assim, as literaturas que a gente trabalhava, geralmente eram bem maiores, né? Um texto relativamente grande assim, para você decorar. Hoje, a realidade é um pouco diferente nesse aspecto. As literaturas são bem mais lights e bem menos texto para você decorar, a quantidade de amostra grátis também reduziu assim, drasticamente.
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A abordagem do médico é diferente também, hoje?
R - Eu diria que não mudou muita coisa. Especificamente no Aché, a gente tem assim hoje, um espaço maior para conversar propriamente com o médico, já que até o material promocional enxugou, a literatura está mais light, você gasta menos tempo às vezes com a peça promocional e tem mais tempo para conversar com o médico. Quer dizer, na época que eu entrei, às vezes você acabava conversando menos com o médico porque tinha ali um material maior para mostrar a ele, quando o médico não dispunha... Quando ele não dispunha de muito tempo, aí tinha que partir para uma conversa mais rápida. Eu diria que, nesse aspecto, até exige um pouco mais da gente de técnicas de abordagem, de conhecimento, de produto, para poder conversar mais com o médico. Nesse aspecto, a gente realmente evoluiu.
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Falando em promoção e marketing, eu queria que você contasse a história das paródias de músicas para ajudar a vender produtos, a propagar os produtos...
R - É, quando eu entrei, a gente tinha um número relativamente grande de lançamentos. Lancei Gastrium, Cefaliv, Candiderm, vários produtos já do primeiro ano, praticamente no segundo ano que eu entrei no Aché. Então, o pessoal começou a querer fazer alguma coisa diferente para lançamento, e aí pediram para a gente fazer uma música, uma música que todo mundo cantasse na reunião, falando sobre o produto. Então, a gente pegava uma música conhecida, uma música até do momento, na época, que tocava nas rádios, todo mundo conhecia e colocava uma letra falando sobre o produto. Então, nós fizemos para o lançamento de Artrosil, lançamento de Osteoral, de Gastrium também, fizemos... Aí, parece que o pessoal gostou e todo lançamento aí sempre tinha essa cobrança de “faz uma música aí, faz uma música para esse outro e tal.”
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Tem alguma preferida que você pudesse dar o exemplo aqui para a gente?
R - Tenho. O Osteoral foi uma música que pegou bastante. Assim, a gente até gravou, mandou para São Paulo em fita, e a gente, fazendo parte do pacote de lançamento, a gente promoveu um passeio de barco com os médicos em Natal e no som do barco a gente colocou essa música. E aí os médicos se empolgavam, cantavam, a música era conhecida, aquela baseada naquela música “A namorada”, do Carlinhos Brown, e os médicos gostaram demais. Depois teve até um médico contando que entrou em contato com uma médica da mesma especialidade de um outro Estado, e disse: “Ah, teve o lançamento aí do Aché, do Osteoral, foi muito bom. A gente foi a um passeio, teve aquela música muito interessante, todo mundo cantou...” E a outra médica: “Que música? Aqui não teve nenhuma música não.” (risos) Aquela música marcou. Dizia, mais ou menos assim, um pedacinho que eu lembro: “Êee, doutor, para a sua paciente ficar sempre contente, não tem mistério nisso/ Veja bem, chegou o lançamento... chegou...” Ah, esqueci a letra. “Chegou o lançamento e pede compromisso/ Osteoral, é atual/ Osteoral, preço legal.” Na época, o Osteoral era mais barato que o concorrente, entrou essa música aí... E foi assim, que mais marcou de todas.
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Você também tem outras participações culturais dos eventos do Aché, não é?
R - É.
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As tuas declamações, queria que você contasse um pouco como é que isso acontece e que você fechasse com a gente com um exemplo.
R - Certo. Como eu sempre tive esse gosto e a gente sempre... Em conversas, às vezes, com os gerentes, logo quando eu entrei, o meu primeiro gerente foi o Mairon e ele gostava muito disso também. Sempre que a gente conversava, ele pedia para a gente recitar alguma coisa, a gente sempre... Algumas, aquelas poesias que a gente gostava sempre, tinha decorado, e aí ele gostou, e quando tinha uma reunião assim, principalmente uma reunião maior, estava todo mundo junto, ele sempre pedia para a gente recitar alguma delas, umas cinco ou seis que a gente sempre recitava, sempre tinha umas que ele pedia. A que eu mais gosto de recitar aqui, o pessoal também gosta muito, é “O analfabeto”. Eu acho que trata muito da realidade do nordestino que luta e que, mesmo com condições completamente adversas, consegue se sobressair e fazer a sua vida. E eu gosto muito de um poeta potiguar inclusive, o Zé Praxede. Eu gosto muito também de poetas cearenses, paraibanos, tal. Mas essa eu gosto muito.
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E você se anima a declamar para a gente?
R - Eu vou tentar. É um pouquinho comprido, mas deixa eu ver se eu consigo.
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Quer uma água?
R - Não, tudo bem. Dá para ir. Diz mais ou menos assim: “Patrãozinho, se assente aqui, nessa raiz de aroeira, para ouvir a triste história de Zé Vicente Ferreira. A história da minha vida é muito triste, patrão, tem a tristeza das rês que berra cheirando o chão, no lugar que derramara o sangue dum seu irmão. E a razão dessa tristeza eu posso inté lhe dizer, é porque os meus olhos tem luz, mas a luz não dá para ver o segredo das escritas com tanta letra bonita do povo que sabe ler. Os meninos passam gritando: “O diário, a folha, o jorná” O diário, eu tenho certeza, é o órgão oficiá, eles contam para o povo tudo quanto há de novo na vida das capitá. Me acredite seu moço, que eu tinha sastisfação de comprar um jornal desses com o dinheiro do pão, para mais notícia de guerra, ver o destino da Terra que eu amo de coração. Mas deixemo o meu desgosto, e agora eu vou lhe contá um caso que assucedeu na fazenda Trapiá, com esse seu velho criado, caboclo materiá. Eu trabalhava, patrão, nessa fazenda afamada, com o povo da casa grande, gente boa, ilustrada e pagavam muito pouco, serviço de nós caboclo é o cabo da enxada, mas tinha certo o almoço e nunca faltou nos bolso o dinheiro da bicada. Mas vamos ao assucedido, o meu patrão com a famía foi passar no mês de março, uma festa que havia, a festa de São José do padre da freguesia. Foram, por lá se ficaram, gozando na diversão, não vinha uma só notícia, não davam sastisfação. Entonce eu fui para a cidade, tangido pela saudade da família do patrão. No último do dito mês, eu cheguei na casa dele, e me senti orgulhoso por estar junto com ele. No outro dia bem cedo, Joana Jandira Furtado mandou que eu fosse levar um bilete ao delegado, moço bom e valente que era o seu namorado. Eu entreguei o bilete, o rapaz depois que leu, deu aquela gargalhada, já depois disse pra eu: “Caboclo, tás enganado, o biete é endereçado ao compadre Zé Romeu. Com um pouco Zé Romeu, um sujeito prosodório, assim que leu o bilete, mandou-me no escritório. Foi quase 200 braça para a casa de João Honório. “Está aqui, seu João, eu quero logo a resposta.” O velho leu o bilhete e largou essa preposta: “Caboclo, essa menina, ocupa aí nessa esquina na casa de Pedro Costa.” Com a resposta do Honório eu fiz essa imaginação: “Meu Deus, que bilete é esse que anda de mão em mão?” Mas fui entregar o recado, devia de ser um mandado da filha do meu patrão. “Tá aqui, seu Pedro, um bilhete para o senhor, é pra mandar a resposta pelo mesmo portador.” O velho com ar de riso me disse que era perciso entregar ao promotor. O promotor quando leu o bilete, mudou logo de repente. Disse: “Pobre caboclo, sois um bobo, um penitente, está servindo de palhaço na rua, fazendo graça para divertir essa gente. Hoje é primeiro de abril, é o dia da mentira. Foi por isso, meu caboclo, que a tua dona Jandira mandou tu servir de bobo pra alguém que ela admira.” “Seu doutor, lhe peço pela alma dos seus finados, pela vida de sua esposa, se vosmecê for casado, pra dizer o que está escrito nesse bilete maldito que tantas mão tem pegado.” “Esse bilhete, caboclo”, respondeu o promotor, “tem escrito - Guia esse burro, que eu lhe agradeço o favor. Está às ordens de quem lê, mande seja para onde for.” “Agradecido, seu doutor. Peço a Deus que lhe dê muitos anos em sua vida pro senhor sempre fazer mieiros de caridade aos cegos do entender.” Já despedi do doutor, o bilhetinho guardei, e sem dar sastisfação, para a rua me retirei. O batente do patrão eu nunca mais encruzei, a moça não arrecebeu, se resposta ela queria, pois resposta mal-criada a moça não merecia. A resposta do bilete, eu dou aos pais de família: botem seus filhos na escola, pra eles irem aprendendo o segredo das escritas que o povo vive escrevendo, pra depois não sofrer do que eu vivo sofrendo. Porque pra qualquer analfabeto ou militar, ou civil, ou país dos estrangeiro como os Estados do Brasil,
a vida de um caipira não passa de uma mentira de um primeiro de abril.” É isso.
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(palmas) Que bom Obrigada. Eu queria agradecer a participação, está bom?
R - Está bom.
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Está registrado para a posteridade.
R - Ótimo, ótimo.Recolher