IDENTIFICAÇÃO Sou Sanae Murayama Saito, nasci em 26 de outubro de 1951, em Campinas. FAMÍLIA Papai é Motoyuki Murayama, mamãe é Sachiko Miki Murayama. Ambos nasceram no Japão. Papai nasceu em Niigata e mamãe em Nara. Nara é a cidade das mulheres mais bonitas do Japão. (r...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Sou Sanae Murayama Saito, nasci em 26 de outubro de 1951, em Campinas.
FAMÍLIA Papai é Motoyuki Murayama, mamãe é Sachiko Miki Murayama. Ambos nasceram no Japão. Papai nasceu em Niigata e mamãe em Nara. Nara é a cidade das mulheres mais bonitas do Japão. (risos) Os dois vieram muito jovens, crianças, com sete anos. A história do papai é bem interessante porque ele veio diretamente de Santos pra Campinas; para um bairro que pertencia a Campinas, chamado Betel, onde eles lidavam com vários tipos de plantação. Mexeram com café... Eu não sei aproximadamente quanto tempo, mas acho que de 10 a 15 anos, eles passaram vivendo nessa fazenda. E papai conta umas histórias muito interessantes dessa época em que o fazendeiro queria agradar os japoneses. Num belo dia, todo mundo acordou, olhava aquela coisa e falava: “O que é isso?” Ele queria homenagear os japoneses e pintou a bandeira do Japão. Só que fez o inverso: ele pôs o vermelho e a bola branca e ninguém entendia o que ele queria, qual a homenagem que ele queria fazer. Outra história muito interessante que papai conta é que todo mundo agora conhece o feijão azuki. E eles, crianças, brincando, voltaram pra casa dizendo pra vovó: “Olha, nós trouxemos feijão azuki que encontramos.” A vovó olhou e falou assim: “Não, isso é coco de cabrito.” Papai faz 85 anos agora em setembro. Conheci meus avós paternos. Os dois morreram com mais de 90 anos. Vovó era trepida, andava por Campinas de cima a baixo com seus 92 anos e era muito faceira. Na bolsinha ela levava dinheiro pro ladrão e o dinheiro das compras em outro local. A família do papai era de origem de pesca. Essa região de Niigata é mais pesqueira. Agora mamãe já era de mais elite. Vamos começar pela explicação do sobrenome: o nosso Murayama é como um Silva no Brasil; Mura é atrás e Yama é um monte, então é a pessoa atrás do monte. Agora mamãe já era Miki, na escrita japonesa já é uma escrita mais aprimorada, ela é da classe mais abastada, vamos falar samurais, mais nobre, não nobre lá em cima. O meu avô materno era tesoureiro de grandes indústrias no Japão; então todos os filhos nasceram nas grandes capitais. Tem uma que nasceu em Tóquio, minha mãe nasceu em Nara, a outra em Osaka, então todos eles nasceram nas grandes capitais. E com a guerra, eles tiveram que vir pro Brasil fugindo. Mamãe conta que em Santos, naquela quarentena já no barco, tiveram privilégios porque eram conhecidos do comandante. Em Santos, eles também trocavam... Naquela época, minha mãe tinha relógio e trouxeram muito quimono de seda... O meu avô materno eu não conheci, mas eu dizia pra minha mãe que ele tinha cara de italiano, que alguém tinha pulado o muro lá pro lado da Rússia. (risos) Porque eu adorava genética e ficava olhando as fotos. Falava: “Não é possível mamãe, o vovô tinha um pé na Rússia.” Era tipo meio italiano, o nariz alto, porque japonês tem tudo nariz de batata (risos). Eu herdei dele o nariz mais alto. Então eu não me conformava com essa história. Eu não tive o prazer de conhecê-lo, mas convivi muito com minha avó. Minha avó era uma senhora muito fina, ela foi uma das primeiras professoras de ikebana aqui em Campinas; no livro de memórias do clube tem o nome dela como a primeira professora de ikebana. De todas as habilidades dela - ikebana, tricô, crochê - a única que eu ficava atrás era a culinária; eu sou a única neta que sei fazer tudo o que ela fazia. Minha avó se chamava Fuku. Ikebana, nenhuma neta aprendeu, nenhuma neta se interessou, mas na parte de culinária, eu ficava atrás dela: “Como faz? Por que fez isso? Quanto a senhora colocou?” E ainda hoje é assim. Não precisa nem avisar. Domingo, eu estava em casa bela e formosa, sossegada e meu irmão liga: “Eu soube que tem uma feijoada aí. Posso ir?”
O avô paterno chamava-se Sutezo; a avó paterna, Sue. Eles ficaram em Betel. Papai conta muito de um “arrasta-pé” que havia numa igrejinha em Betel. Essa igrejinha até hoje existe. Ele conta que a festa era muito boa porque se dançava em chão de terra. Os homens todos com aqueles ternos impecáveis de linho branco. O sanfoneiro tocando e lá pelas nove da noite - começava às seis e terminava às nove e ele era um “pé de valsa”... Eu não tenho bem ideia de quantos anos ele tinha; eu imagino que ele tinha uns 20 e poucos anos quando a família Murayama conseguiu juntar dinheiro e comprou terras em Mogi Mirim. Ele optou por ficar em Campinas e teve a primeira banca no mercado, em 1943.
A família da mamãe chegou a Santos e foram mais nômades. Ficaram num vai e vem que eu não sei muito. Acabaram aqui em Campinas e, naquela época, japonês tinha que casar com japonês. Era bem forte. Eles casaram em 1950. Ainda era bem forte, não se misturavam nem com o okinawa. O okinawa não era considerado japonês e nem o okinawa se considera japonês. Mas a gente só entende a história quando vai conhecer o país; você fica arrepiada de ouvir a história. Nós tivemos uma sorte muito grande, pegamos uma guia e não teve um que não chorou com ela contando a história toda de Okinawa. Eles sofreram muito mesmo; é um povo muito sofrido. Nós somos quatro irmãos, sendo as três mais velhas mulheres. Eu sou a mais velha e o caçula é o nosso varão que vai continuar com o nome Murayama.
MORADIA Nós moramos sempre na mesma região. Tinha o campo da Mogiana, atrás era chamado Camargo Paes, que hoje fica na frente do clube nipo-brasileiro. Então eu morei nessa casa até meus três ou quatro anos. Era uma casa de fundos, tinha um quarto só, mas o que eu lembro muito dessa casa... Mamãe e papai tinham ido trabalhar e era eu e minha irmã. Ela saía pra trabalhar, a gente acordava já tinha o café da manhã pronto, a gente tomava café da manhã e subia no muro e falava assim: “Dona Nena...” - que era nossa vizinha e a gente pulava o muro pra casa da Dona Nena. Íamos ficar com a Dona Nena porque não tinha ninguém... Os dois tinham que trabalhar. Isso é muito vivo na minha memória. Dona Nena era mãe de três homens, então cuidar de duas meninas era a paixão dela. Esse negócio de brincar eu não lembro muito bem. Eu me lembro de um filho da Dona Nena que virou padre. Naquela idade, um menino de dez anos e já falava em ser padre. São memórias em flash que a gente tem. Nesse bairro, todo mundo se dava bem. Era um bairro de imigrantes, era bem misturado, italiano, português. Eu me lembro da primeira bicicleta motorizada, de uma marca italiana, verde, que eu subia na garupa e papai me levava pra pescar na Lagoa do Taquaral. Pasmem, se pegava jaú desse tamanho, na Lagoa do Taquaral. Não era um parque, era uma lagoa simplesmente. Agora é Taquaral, está mais chique, mas peixe não tem mais. De lá, nós mudamos mais pra perto do mercado. Chamava Barreto Leme. Era uma casa muito simples, bem pertinho do mercado. Eu acho que foi um português que fez a casa. A casa ficava na baixada e o terreno era inclinado pra casa. Então, quando chovia, alagava a casa. Eu acho que foi português que construiu aquela casa. (risos) Eu fiquei até os meus sete ou oito anos. Lá não tinha o muro da Dona Nena... Era muro alto e um portão muito alto e a gente ficava sozinha: eu, minha irmã e daí nós tivemos a terceira lá também, pequenininha. Era mais pertinho, mamãe podia ir e vir. Eu me lembro, já nessa idade, de cozinhar: eu subia num banquinho e fazia comida. Fazia arroz, a sopa japonesa, um peixe ou uma carne, uma verdura e uma salada. Isso não podia faltar. Era sempre um prato protéico e um legume cozido e uma salada, isso era o básico. Eu me lembro que um dia eu fui com a bacia de peixe no mercado e eu virei pra mamãe e falei: “Mamãe, esse peixe acho que não está muito legal não. Está meio mole, esquisito.” Eu me lembro disso... A casa era meio quarteirão do mercado.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA A gente brincava de tudo, porque como o quintal era muito grande... O mercado é numa baixada e no quintal, um buraquinho desse tamanhinho já minava água. Então era nosso aquário. Quando a gente ia pras casas dos tios, a gente ia pras lagoas, passava aquela peneira pra pegar guaru e trazer pro aquário. A gente fazia comidinha também com fogo e tudo. Trazia a panela lá de dentro colocava uma madeira, fazia a fogueira e fazia arroz. Como a gente comia arroz japonês sem sal, então a nossa loucura na comidinha era fazer arroz com sal, era nosso banquete.
Os meus tios foram embora pra Mogi Mirim. Do lado paterno só papai ficou aqui. Do lado da mamãe eram todos meio nômades e então a gente não teve uma convivência muito próxima. Cada irmão morava num canto. A nossa alegria eram as férias porque a gente ia pros sítios. A maioria foi ser plantador de tomate. Os irmãos da mamãe... Eu lembro muito bem da Bonavita, a primeira viação de ônibus aqui de Campinas, da família Bonavita, mamãe colocava a gente... Naquele tempo, era jardineira, com aquele bico comprido na frente e o dono - eu não lembro o nome dele - o dono mesmo da Bonavita era o cobrador. E a mamãe colocava a mim e a minha irmã dentro do ônibus e a titia pegava a gente. Nossa Era uma viagem e hoje é um bairro de Campinas chamado Santa Lúcia, mas pra gente era uma aventura. Minha tia esperava a gente lá e a gente passava uma temporada no sítio.
Eu não tive tantos amigos na infância por causa dessa responsabilidade de ser a mais velha. Meus irmãos curtiram mais. Faziam Nihongaku que é escola japonesa. Eu não tive esse tempo de fazer escola japonesa. Eles tiveram porque a responsabilidade da casa e dos irmãos era minha. Tanto é que essa minha irmã sabe escrever, mas ela não abre a boca. Eu sou o contrário. Eu tenho um ouvido muito bom porque eu queria aprender japonês e como eu aprendi japonês? Ouvindo disco. Meu pai dava muito disco japonês pra gente, então a gente tocava, tocava, escrevia do jeito que a gente entendia e depois ia procurar o significado e traduzia todas as letras. Então o meu ouvido, o meu japonês é de música e eu não me apertei no Japão não. Apesar de meu marido falar que eu era analfabeta em japonês, eu não me apertei não. Eu me divertia dentro dos metrôs, eu do lado da molecada e ouvindo a molecada contar as façanhas. Eu ia traduzindo pra ele e eu me divertia. Esse meu ouvido me foi muito produtivo na visitação dos museus. Ler, eu não sabia; você olha o museu e se alguém não te explica, não significa nada e nós fomos numa temporada onde as crianças estavam fazendo essas excursões e eu me enfiava no meio da criançada pra ouvir a explicação da professora.
FORMAÇÃO Entrei no grupo, numa escola tradicional de Campinas, a Orosimbo Maia. É interessante que nessa escola, os irmãos do meu pai estudaram e ela existe até hoje. Um deles é médico, um irmão do papai. Fiz o grupo lá, com 12, 13 anos. Depois, nossa vida melhorou, nós mudamos pra outra casa melhor e daí eu fiz o Culto à Ciência que era o must em Campinas. Era difícil de entrar lá. A gente tinha que fazer o curso de admissão ou vestibulinho. Você ficava pelo menos seis meses fazendo esse curso pra poder participar do exame do Culto à Ciência, pra poder entrar. Então foi uma época muito boa pra mim e acho que todos nós lembramos muito dessa época, porque grandes nomes saíram do Culto à Ciência. Então lá em casa fui eu, a terceira e o menino; nós três estudamos no Culto à Ciência. A minha segunda irmã não era muito chegada a estudo não, mas nós três conseguimos fazer o Culto à Ciência.
Os meus irmãos se chamam Lurie, que se formou em Letras. Depois eu tenho a Akemi, formada em Assistência Social; e o caçula é o Cláudio, que deu continuidade ao comércio da família. Nessa época de escola, eu ainda lembro, que eu como mais velha, eu passava na casa dos vizinhos e catava a molecadinha pra levar pra escola. E eu tinha uma vizinha, ela chamava Dona Daide... Aquela mulher eu tenho até hoje na minha memória... Ela era o quê? Qual era a nacionalidade dela? Acho que libanesa... Ela só tinha homens, quatro homens. Às oito horas da manhã ela estava de salto alto impecavelmente vestida com um avental todo cheio de frufru, penteada e maquiada. Eu nunca vi Dona Daide de chinelo; estava sempre arrumada, muito bem arrumada.
COTIDIANO
Nessa época, até os 14 anos, não existia Ceasa em Campinas. O Ceasa, entre aspas, era no pátio do mercado. Meus pais saíam de casa no máximo às cinco horas da manhã. Faziam a compra pra depois abrir o comércio. Papai era o comprador e mamãe a vendedora. A vendedora que virou administradora de tudo e papai sempre continuou como comprador, porque a paixão dele não era comércio, a paixão dele era o judô. Ele é oitavo dan em judô. Ele foi um dos precursores do judô em Campinas. Até ontem, conversando com o senhor José Luís que é dono do segundo cartório, eu não sabia que ele participou da mesma turma que papai. Eles tiveram a sorte de ter um mestre em judô que veio aqui pra região pela fazenda Tosan. O Doutor Yoshima era um químico e começou a ensinar judô. Papai foi dessa turma e ele sempre colocou o esporte como um prazer. Nunca ganhou dinheiro com o judô, mas a maioria dos faixas pretas aqui da região saíram da mão dele. Ele chegou a dar aula. Só agora que vai fazer 85 anos que ele parou de dar aula e há uns dois ou três anos, ele parou de ir na federação, em competição porque eu acho que ele não aguenta mais tanta barulheira, tanta zoeira.
Sempre tivemos uma prima mais velha morando com a gente. A nossa casa sempre foi o albergue da família. Então todo mundo saía do sítio e passava uma temporada com a gente até se aprimorar em alguma coisa, fazer algum curso e conseguir alguma colocação no mercado de trabalho. Era o albergue da família da mamãe. Sempre tinha alguém, mas eram divididas as responsabilidades. Minha mãe era muito a frente da sua época. Eu não sei se ela sabia que não teria uma vida longa... (emoção) Você imagina uma mulher em 1960 trabalhando com verdura, vestida com um avental de linho branco engomado... O sonho dela era ser enfermeira. Ela traduziu o sonho dela num avental impecável... (emoção)
ESCOLA JAPONESA Na escola japonesa era língua japonesa com livros didáticos japoneses. Eu não sei bem como chegavam os livros, se eles existiam na Liberdade [bairro japonês de São Paulo, capital]. Mas o livro didático japonês chegava na colônia. E através desses livros que era ensinado. O meu marido conseguiu até o último estágio, conseguiu fazer.
MORADIA A nossa terceira casa era pequena, mas era melhor, pelo menos não chovia dentro. Também não tinha aquário no quintal; nem quintal tinha. Mas eu encontrei bons vizinhos. Nós tivemos atrás da nossa casa, a Iara, que casou com o Juca Chaves, que participou da vida dos meus irmãos e éramos amigas. Nessa época já tinha o pula muro: eles pulavam o nosso muro e meus irmãos pulavam o muro deles. A gente morava lá quando a Iara casou com o Juca. A irmão mais velho dela é delegado em Campinas.
Na frente da nossa casa morou um tributarista muito famoso chamado Heitor Regina. Ele quando veio pra Campinas se mudou pra casa da sogra; foi bem em frente. Os filhos dele foram todos alunos do papai. Aí tivemos um relacionamento um pouco mais... Com gente diferenciada, gente que tem mais estudo, nós não mudamos de bairro mudamos de rua, a gente morava aqui na Barreto Leme e fomos mais pra cá, pra outra localidade. Ampliou o leque de amigos. Aí eu já estava na adolescência.
ADOLESCÊNCIA A gente ficava na janela paquerando os alunos da primeira turma de Medicina da Unicamp. Eles passavam ali na porta todo dia. Nessa época japonês ainda precisava casar com japonês. Tanto é que essa prima que morava com a gente filha... Única mulher na família, mas não sei por que cargas d’água ela veio parar na nossa casa e acabou se criando na nossa casa e considerada como filha. Tem umas coisas assim que eu não esqueço nunca: o primeiro relógio, um de pulseira dourada e outro de pulseira de couro, quem escolheu primeiro? A prima. Eu virei pro papai e falei: “Espera um pouquinho, eu sou filha, eu tenho direito de escolher.” Ele falou: “Não, aqui todo mundo é igual, ela é mais velha, ela escolhe.” Aí fiquei brava, fiquei muito brava. Eu tinha uns 12, 13 anos. Nossa Eu fiquei muito brava. Eu fiquei mais brava ainda porque essa danada me foge com um gaijin e dá aquela briga toda na família: minha tia acusando minha mãe porque não cuidou direito da filha dela. Aí foi a gota d’água porque nossa mocidade, o tempo de bailinho foi um caos. A gente já estava com 15, 16 anos. Então quando a gente ia pros bailinhos, os meninos achavam que era presa fácil, “a prima é presa fácil fugiu com um gaijin”. E pra falar pra molecada: “Calma ela é ela e nós somos nós.” Esses bailinhos, a gente fazia muito nas casas das pessoas, nas garagens e fazia também no clube japonês. No clube não era tranquilo porque mamãe não tinha mais confiança em ninguém. Era uma ginástica encontrar algum aluno do papai que passasse em casa pra levar a gente pro baile e eu nunca soube... Eu brigava muito com a mamãe, mamãe dizia pra gente: “A vida não é oito ou 80. Você tem que aprender a ter jogo de cintura. Enquanto você não aprender a ter jogo de cintura, você não vai conseguir as coisas que você quer?” Eu virava pro papai e falava: “Posso ir ao baile?” “Não.” Eu não sabia e não queria aprender, então eu cutucava minha irmã mais nova que era xodozinho do pai: “Vai lá e pede.” “Pai, olha seu chinelo. Você quer um café?” Até que papai virava e falava assim: “O que você quer?” “Ah, nós queremos ir ao baile.” Então essa coisa do oito ou 80, eu tenho muito vivo na minha memória. Mamãe sempre dizia: “Aprenda porque você vai apanhar na vida enquanto você não aprender que a vida não é oito ou 80.”
Daí fomos pra outra casa, que nessa época, essa casa da Barreto Leme foi desapropriada e ficamos sem chão, mas por sorte, desse conhecimento com o Heitor Regina, que na época era o secretário de finanças na Prefeitura, ele nos orientou no trâmite mais rápido e correto. Papai e mamãe conseguiram o dinheiro da desapropriação, foram um dos primeiros a receber o valor e com esse valor eles adquiriram uma casa maior. Lá eu vivi até os meus 22 anos. Lá nós tivemos uma vida melhor, tivemos a primeira empregada doméstica. Até 15 anos, a gente fazia tudo dentro de casa: uma lavava, outra passava e outra arrumava a casa.
LEMBRANÇAS DO COMÉRCIO Eu tenho coisas muito presentes. Estava conversando ontem com o Zé Luís e ele foi colega de faculdade dessa pessoa que se chama Kimie Onno. A família Onno era muito bem quista em Campinas. Eles tinham um entreposto de mercadorias do lado do mercado, porque eles traziam mercadoria do Ceagesp de São Paulo, colocavam nesse entreposto e lá eles revendiam pro varejo. Essa mulher foi um espelho pra minha vida porque ela fazia essa vida doida de sair de Campinas às dez horas da noite, fazia Ceagesp, chegava com um caminhão às três horas da manhã e ainda ir pra frente, pra vender a mercadoria que trouxe do Ceagesp. Ela foi a primeira mulher a fazer o abastecimento de restaurante industrial em Campinas, porque toda mercadoria de hortifruti vinha do Ceagesp de São Paulo. Então ela foi a primeira a fazer o abastecimento e depois mamãe também aprendeu a fazer isso com ela e nós também ficamos muito tempo fazendo o abastecimento pra restaurante industrial. E fora tudo isso, com essa vida doida da Dona Kimie, ela foi fazer Direito. E ela levantou um patrimônio tal, se casou e por coincidência era o irmão da minha tia que era casada com o irmão da mamãe, ela levantou um patrimônio que hoje a família é dona da concessionária Honda em Campinas. Mas ela foi o espelho de que nada é impossível.
COMÉRCIO DE CAMPINAS Não se comprava brinquedo. Brinquedo era imaginário. Roupa sim, somente no Natal. Uma vez por ano, a gente recebia roupa nova e sapato, mas uma coisa que mamãe sempre me ensinou, a gente pode não ter dinheiro pra nada, mas o essencial é a comida, comida com excelência; roupa, sapato, brinquedo é supérfluo. Agora o que é importante é o estudo, então a prioridade que ela me ensinou na vida foi se alimentar direito e estudar, porque esses dois itens ninguém tira de ninguém. Se você tiver saúde e for bem instruído, você consegue com suas pernas seguir seu caminho e sem sapato e sem roupa, tendo uma roupa limpa era o que bastava.
Sapato era na Casa Gobbo. Roupa na Paratodos. Depois, mais na adolescência, na Ethan. Nossa Era muito chique, ficava aqui bem na esquina, era uma loja chique. Elite Modas era um must e para os homens era a Casa Ezequiel. A Casa Ezequiel sempre trabalhou com moda masculina e a nossa visitação de final de ano nas lojas era na Casa Ezequiel, porque ele tinha um brinquedinho que era um pássaro que ele abaixava e bebia água. Nossa Era maravilha, a gente ir à cidade pra ver aquilo. O senhor Ezequiel foi um precursor aqui na cidade, ele tinha a Loja Ezequiel e pasmem, foi ele que trouxe a Sears pra cá. Ele foi considerado um louco: “Você é louco de trazer a Sears pra cá?” Ele falou: “Não, trazendo a Sears pra cá o campineiro não vai mais pra São Paulo.” Olha a visão desse homem. O pessoal ia muito pra São Paulo fazer compra. Eu sou campineira, eu posso falar e campineira metida a besta. Então, os barões, imagine comprar na cidade Era: “Eu vou pra capital.” E o que atraía na capital? Essas grandes redes que começaram a surgir nessa época. E o senhor Ezequiel trouxe a Sears pra cá, mas de bobo ele não tinha nada, ele conversava com os clientes: “E aí gostou da Sears?” “Ah, senhor Ezequiel, eu fui lá procurar uma calça preta com preguinha, mas não tinha.” No dia seguinte, tinha a calça preta com preguinha no Ezequiel. Ele sempre atento ao que a Sears tinha e ao que faltava na loja Sears e que ele podia ter na loja dele. Então era um homem de grande visão. Você localiza as Lojas Americanas: aquela parte da frente das Lojas Americanas era a Sears; tudo aquilo era a Sears. A Sears tinha três andares, a gente rodopiava aquilo tudo. Tinha, um cheirinho tipo americano. Acho que eles punham no ar condicionado. É como a Zara. A Zara faz isso. Se você prestar bem atenção na Zara, na época de frio, quando tem uma jaqueta linda, maravilhosa caríssima, você vai chegando perto e vai te dando um friozinho. Tem o ar condicionado do friozinho. E tem o aroma também. É muito interessante você observar a Zara. Além do aroma, essa coisa também de botar o ar condicionado pra roupa de frio pra te cativar mais.
Mas, antigamente, o gostoso era comer hot dog nas Lojas Americanas. Nossa A gente juntava os miudinhos, enforcava aula pra ir comer hot dog nas Lojas Americanas. Tinha uma lanchonete, mas era na parte de baixo, não era esse furdúncio que está agora. Todo adolescente daquele tempo matou aula para ir nas Loja Americanas. E era por bobagem, não era pra fazer coisa errada não. Era pra tomar sunday e comer hot dog. Tinha aquele molhinho, pimentão com cebola.
Um pouco mais tarde, na adolescência, bacana era tomar o café da tarde no Términus. O Términus era onde hoje é o Magazine Luiza, na esquina, aquele predião, na Francisco Glicério. Então o Términus era um hotel e naquela parte de baixo era a doceria onde a alta elite tomava seu chá da tarde. Tinha uma torta de maçã que era divina. Mas pra isso também tinha que juntar as moedinhas. Não era “eu vou comer”. Eu tinha que me programar pra comer a torta, então aquilo dava outro sabor. Fazia isso com os irmãos e amigos também. Eu me lembrei do senhor Zé, que tinha uma sorveteria artesanal. Ele fazia sorvete de abacate que era uma delícia e a gente... Era eu, essa prima que fugiu e a Lurie. Os meninos eram muito pequenos ainda. Daí o Senhor Zé via a gente contando as moedinhas e falava: “Quantos sorvetes vocês querem?” Ele sabia que o dinheiro não estava dando... A gente tinha muita liberdade de andar pelo comércio. Tanto é que nessa área do mercado, a gente brincava até dez horas da noite. Eu não sei por que a gente brincava até dez horas da noite, nossos pais deviam estar ocupados. Então a gente brincava na rua de pega-pega, a gente tinha uma boa convivência com as damas da noite, elas tinham uma casa de tolerância ao lado do mercado, mas eram muito educadas: “bom dia, boa tarde”. E a gente sabia que aquilo era uma coisa meio esquisita, mas eram pessoas educadas; cada um sabia se colocar, existia muito respeito, que é uma coisa que está faltando muito pra gente agora.
FORMAÇÃO Eu queria ser engenheira eletrônica. Eu era faz tudo em casa: a televisão pifava, era eu que mexia; o liquidificador pifava, eu mexia. Eu sempre fui uma fuçadora. Eu não sei por que cargas d’água, eu botei na cabeça que eu queria ser engenheira eletrônica. A minha mãe estava com um pé atrás: “Imagina, vai estudar lá fora” E ficou meio assim. Mas, graças a Deus, eu consegui entrar na Unicamp e pra ela foi um alívio, apesar de que ela fez campanha até o final pra eu fazer Medicina. Era pra que eu conseguisse fazer o sonho dela se tornar realidade, porque mamãe era parteira também. Era parteira, entre aspas. Ela é que cuidava. O cuidar de doente da família, de ambas - paterna e materna - era ela que levava ao médico, ela que ia atrás, ela que falava com os médicos, ela conhecia todos os médicos. Os imigrantes... Nós tivemos imigrantes coreanos que entraram no mercado e fizeram muita amizade com mamãe e ela que levava as coreanas pro médico. Na hora do parto ligavam pra ela e ela saía correndo com as parturientes. Então pra ela era uma alegria poder fazer isso. O seu médico chamava Doutor Pedro Serafim e com ela a clientela dele fez um leque. E ela lutou comigo até o final para que eu seguisse Medicina. Eu falei: “Medicina não. Eu gosto de número, eu gosto de Exatas.” Daí eu fui fazer Estatística na Unicamp. Fui de uma das primeiras turmas. Isso em 1970. Foi uma época muito boa, a Unicamp começando, todo mundo se conhecendo. Não existia separação de exatas, humanas e biomédicas; era todo mundo junto. Então deu pra gente conviver com todo mundo e foi uma época muito gostosa, porque eu passava o dia inteiro na Unicamp. Eu sempre fui uma irrequieta, aí fui procurar monitoria e consegui. Dava aula também e daí eu estava irrequieta ainda e entrei no coral. Oh, época boa O Benito Juarez veio pra Campinas e ele fez o coral da Unicamp. Depois trabalhou muito tempo na orquestra aqui também. Naquele tempo, eu já era dondoca, porque com esse negócio de abastecimento de restaurante industrial nós demos um salto muito grande na família.
TRAJETÓRIA NO COMÉRCIO Basicamente, no começo, na minha fase de sete anos até dez, 12 anos a nossa atividade era voltada exclusivamente para o varejo. Então o que se atendia? A alta nata de Campinas e os estrangeiros, alemães e americanos que vieram pra Bosch e pra Clark. No país de origem deles já era dado o nosso endereço como forma de se abastecer de verduras e frutas. Então mamãe - papai nem tanto - mas mamãe... Tem um funcionário que trabalhou com a gente muito tempo, o Delci, e aprenderam muitas palavras em alemão e em inglês, porque eles vinham pra cá sem saber nada de português. Então eles pediam cenoura no idioma deles. Eles aprenderam todos esses trejeitos e depois veio uma fase que já começou um pouco de supermercado e estrangeiro sempre teve supermercado na vida dele. Daí ele se debandou, mas nessa época mamãe já estava no segmento de abastecimento de restaurante industrial. Ela entrou através da Dona Kimie. Nós servimos muito tempo a Refinação de Milho Branco Brasil, a Champion, em Mogi Guaçu e daí fomos abrindo um leque muito grande, trabalhamos muito tempo com a Sodexho do Brasil, com várias empresas da Sodexho. O mercado continuou. Tem uma coisa até interessante dessa época, 65, 66, que nós tivemos uma crise brava aqui no Brasil. Lá no mercado, o pessoal não conseguia pagar o aluguel, porque o mercado é do município. Não conseguiam pagar, vamos falar aluguel, e foram perdendo a posse como dominó. Então tinha a tabacaria do senhor João, a nossa banca e daí foi o resto igual a dominó; só sobrou o senhor Martins, na esquina. E a mamãe foi até a autarquia e a autarquia disse pra ela: “Você pode tomar posse desde que você pague a dívida que foi deixada.” Então da antiga banca 27, um, dois, três quatro boxes, nós estendemos mais quatro boxes e ficamos com cinco. Não é uma época de orgulho, foi uma época de sofrimento pra nós. A nossa expansão foi em cima do sofrimento de alguém, mas não é de orgulho. Então tinha gente que virava e falava assim: “Ei, está enricando.” “Não. A gente só aproveitou uma oportunidade.” Daí, com isso, nós fomos crescendo, então é por isso que eu digo que quando eu entrei na Unicamp, eu era dondoca.
PRIMEIRO CARRO Na minha vida, a minha primeira boneca, eu ganhei com 12 anos. Mas o entrar na faculdade, na Unicamp... Eu era a neta mais velha da ala paterna, não fui ser doutora, porque era o anseio da minha mãe e da minha ala paterna também por consequência do meu tio Paulo que é irmão do papai e é médico. Então todos os netos tinham a obrigação de ser médicos. A única profissão que eles viam como nobre, sei lá eu o quê. Porque eu não sei o que viam nisso, mas era ser doutor e eu não era doutora. Eu fui fazer Estatística, mas pra papai e mamãe era um grande orgulho. Aí eu ganhei meu carro. Era um Opala vinho.
LEMBRANÇAS DA MÃE Nessa época, eu fiz mamãe começar a ter férias. Ela nunca tinha férias. Então eu a obrigava a tirar pelo menos uma semana por ano e ela gostou. Nós tivemos oportunidade por quatro anos de fazer isso. Eu me formei e ela faleceu em novembro de 74. Ela teve leucemia. Ela me fez buscar o exame médico e quando eu trouxe o exame, ela disse pra mim: “Não tenho mais tempo de vida. Estou com leucemia.” Ela sabia. E foi muito rápido, só três meses, a quimioterapia, naquela época, estava engatinhando. Tivemos a assistência de um médico muito bom, mas ainda estava muito no começo.
Ela era muito jovem. Morreu com 44 anos. E eu já estava engatilhada na Volkswagen. Eu tinha um padrinho muito simples que era o Sauer [Wolfgang Sauer que foi presidente da Volkswagen do Brasil] que me conheceu desde criança aqui na Bosch. Ele começou a vida no Brasil na Bosch. Então o senhor Sauer e a dona Renata me conheciam desde criança. Eu tive que abandonar todo esse sonho e virar comerciante. Quando eu perdi mamãe, eu tive que abandonar tudo. Eu já estava no programa de seleção da Volkswagen e tive que abandonar. Eu mudaria para São Bernardo do Campo, em São Paulo. Eu já namorava o Pedro e ele estudava na FEI.
NAMORO Eu conheci o Pedro no clube japonês. Nos bailinhos. Aos domingos tinha muito ping-pong, brincadeiras. A gente nunca andava sozinha. Era sempre aquele monte de gente, um monte de menino e um monte de menina e todo mundo disfarçava, ninguém queria nada com ninguém, mas aí pintou.
Foi uma briga em casa, mamãe brigou muito comigo: “Onde já se viu? Vai cuidar de criança.” Porque ele é mais novo do que eu. Eu já estava na faculdade e ele estava no colegial. Imagina o que é isso. E foi uma briga danada, mas no final da vida dela, o seu confidente foi ele. Muita coisa ela não passou nem 20% pra mim; ela passou tudo pra ele.
TRAJETÓRIA NO COMÉRCIO Eu tive que abandonar o sonho de trabalhar na Volks e daí que eu virei comerciante. Mamãe era administradora. Eu não sabia nada daquilo, a gente ajudava em final de semana, num feriado, numa época de mais vendas, mas a base de “está cheio de gente aqui, eu preciso de ajuda.” De chegar na banca, a mamãe fazer a gente dar meia volta e falar: “Quando eu peço é pra vir na hora que eu estou pedindo, isso não é hora de chegar pode voltar pra trás.” Ela era muito enérgica.
LEMBRANÇAS DA MÃE Ela era muito avançada pra época e como lá em casa era um bando de mulherada e sempre tinha uma ou duas primas também, ela sabia a vida de todo mundo. Ela dizia assim: “Está atrasada, hein?” Ou então: “Fulano, você não misture a sua toalha. Você só se enxugue com essa toalha, não deixe por aí, não tome banho de ofurô, você só pode tomar banho de chuveiro.”
Ela ensinou tabelinha pra todas nós. Eu nunca tomei pílula, nem a outra minha prima e nem a outra; só com a tabelinha. Então, ela foi muito avançada pra época. Eu acho que se alguém ficasse grávida em casa, a primeira a saber seria ela, não era nem a gente.
TRAJETÓRIA NO COMÉRCIO A gente vendia, na maioria, com papelzinho. Quanto calote Grandes festas com palmito natural desfiado, mas pagar que é bom... Nessa época, a mamãe deixou muita coisa pra fazer. Eu estava com 23 anos. A minha irmã Lurie com 21, a Akemi com 15 e o Cláudio com nove, dez anos. Eu tive que aprender na marra a ser comerciante, porque ela era o coração, ela que administrava, fazia as grandes vendas. Papai era comprador e o Delci, o vendedor no varejo. Foi uma época muito difícil. Era muito difícil você entender como funcionava aquilo. Naquela época tudo era manual, nota fiscal manual, tudo manual. As leis tributárias mudando da noite pro dia. Eu lembro muito bem de uma época que o Estado inventou que a gente tinha que pagar ICMS na hora da venda. Era um tal de pegar máquina de escrever - isso era minha irmã que fazia - e ir com a nota fiscal na Receita pra fazer... Porque a gente levava pronta, a Receita falava assim: “Está errado.” Então, minha irmã já se enfezou, ela levava a Olivetti, o talonário e batia na própria Receita. Era uma coisa de doido, uma coisa de doido. Essa reforma tributária tem que ser feita, mas tem que ser muito estudada para que não aconteçam essas loucuras que a gente passou por essa vida. Eu costumo dizer que o foco do comerciante é vender, mas pro comerciante agora está caindo tudo na mão dele; ele tem que educar o povo pro meio ambiente ficar saudável, ele tem que ensinar o povo a usar sacola plástica de modo consciente, ele tem que pegar o resíduo do consumidor pra mandar pra onde? Ele tem que pegar a pilha, ele tem que pegar... Então o comerciante está virando “faz tudo” e naquela época eu fui a “faz tudo”. Não tinha jeito, eu estava formada, mas a Lurie ainda não. A Akemi ainda estava com 15 anos e tinha o varão. Não tinha jeito. Fora as encrencas porque os dois têm diferença de três ou quatro anos. Mamãe morreu com 44 e papai tinha 47, 48, galã, sempre foi esportista, menina do céu Ele virou um passarinho fora da gaiola, sabe aquele passarinho quando bota fora da gaiola, meu Deus do céu Quanto trabalho. Nessa época, o pessoal da alta sociedade de Campinas comprava com a gente. Então eles falavam assim: “O que está acontecendo com o Cláudio?” Eu falava: “Não sei, eu sou filha, como que eu vou segurar esse homem?” Mas chovia de ninfeta. Foi brabo.
LEMBRANÇAS DA MÃE Minha vida dá um livro. Vou voltar um pouquinho pra contar o enterro da minha mãe. Naquele tempo, o corpo era velado em casa e lá apareceu político, as madames da alta sociedade e o pessoal da sopa. Minha mãe fazia sopa pra todo aquele pessoal que vivia em torno do mercado. No velório dela foi muito interessante, era a mistura de todos e o Costinha me chega às quatro horas da manhã e fala: “Oh, filha, faz um café pra turma, porque a turma está com fome.” O Costinha era um mendigo que chorou o enterro todo dizendo: “A minha mãe foi embora. Quem vai me dar sopa?” Ele me chega com uma braçada de pão e leite e eu falei: “De onde você trouxe isso?” “Ah, catei das casas aí.” Naquele tempo se costumava deixar o leite e o pão... Minha mãe tinha outro ensinamento: “Tudo que você puder fazer por mim, você faça enquanto eu estiver viva. Depois que eu morrer nem no cemitério você vá.” Ela morreu no Dia de Finados. Então isso me impulsionou a levar a descobrir o que era comércio.
TRAJETÓRIA NO COMÉRCIO Nossa Senhora Negociar, pelo amor de Deus... Era uma concorrência muito brava e muitas pessoas começaram a trabalhar com indústrias também. Então fora a Dona Akemi, fora a nossa família, muitas outras famílias também aprenderam o caminho da roça e daí surgiu a concorrência. Era aquela concorrência ferrenha, as concessionárias se aproveitaram muito dessa época “do menor preço”. Mas não tem o menor preço, a maioria queria vender e não prestava a atenção se estava tendo lucro ou não. E era muito desgastante. Fiquei 30 anos no comércio. Mas foi uma época muito difícil, uma época que na minha cabeça, propina era nome feio, era palavrão. Eu não aguentava alguém que me pedisse propina. Aquilo me magoava, me feria muito. A gente vai dando um jeitinho daqui, um jeitinho dali pra escapar dessa coisa horrorosa. É muito humilhante quando você está trabalhando e vem alguém te extorquir. É muito humilhante, mas a vida dá revés.
Além de ser comerciante, eu tive oportunidade de ser juíza classista, eu fui por 12 anos juíza classista. E eu comecei a viver uma crise de existencialismo. Eu falei: “Que desgraça Eu estudei tudo isso, fui pra Unicamp, uma faculdade que todo mundo queria entrar e não estou fazendo aquilo que me propus a fazer. Sou essa porcaria de comerciante.” Comecei a ter umas crises muito bravas. Eu tinha um primo que estava fazendo Ciências Contábeis na PUC e estava indo mal. Eu disse: “Eu vou lá vou com você.” Como eu tinha crédito na Unicamp, eu entrei junto com ele onde ele estava. Daí, eu ia pra aula. Acordava às quatro horas da manhã - eu já estava no Ceasa - aí eu voltava e fazia toda a parte que precisava fazer; à uma hora, eu estava na Justiça do Trabalho e lá não tinha horário pra sair, era às seis horas, sete horas. Voltava, catava meu primo e ia fazer a faculdade.
CASAMENTO E FILHOS O Pedro estudava. A FEI era muito puxada, ele tinha que trabalhar e estudar e na FEI só passava quem se dedicava inteiramente ao estudo. Ele é japonês. Veio terminar o curso aqui e nisso a gente já era casado. Ele me enganou e eu o enganei por 12 anos (risos). Porque a gente não podia ter o tempo nosso. A minha irmã se formou... Eu casei a minha irmã e a ajudei a comprar o apartamento. A outra irmã se formou e eu a ajudei a ter o apartamento dela também; ela não se casou. Investi no meu irmão, que não concluiu o ensino superior, mas ajudei também. Eu casei depois dele. Eu casei a Lurie, casei meu irmão e depois eu casei, em 1982.
Parei a faculdade de Ciências Contábeis e fiquei grávida do Bruno, mas eu botei meu primo pra frente. Os meus filhos são o Bruno, o Rafael e a Tiemi, a Marina. O Bruno, eu tive em 83. O Rafael em final de 84 e a Marina está com 21 anos. O Bruno é formado em Educação Física, o Rafael é formado em Publicidade e História, na Unicamp, e a Marina em Hotelaria. Eles tem horror ao comércio porque eles quando eram pequenos, eu os obriguei a trabalharem comigo.
TRAJETÓRIA NO COMÉRCIO Nós temos o box no mercado. Eu saí da administração e quem está administrando é meu irmão e meu cunhado.
SEGREDOS DO COMÉRCIO Você tem que gostar daquilo que faz e estar pronto pra tudo. O comerciante é muito mal visto pelo Governo, pela classe de empregados. “O patrão é ladrão” é um chavão tão velho e tão impregnado... O patrão não é ladrão coisa nenhuma. O patrão coloca a vida dele, o sonho dele no negócio. O patrão é como eu, que me vi numa situação de ter que sair cinco caminhões diariamente pelas estradas e ter três motoristas afastados. Eu subi num caminhão que eu não alcançava o acelerador e saí pra estrada. Era um Mercedes com uma direção desse tamanho, com um banco fixo e com o meu tamanho, eu tinha que sentar na beiradinha e com a ponta do dedão alcançar o acelerador e subir em cima do volante pra virar o caminhão. Isso é ser patrão. E é tão menosprezado pelo Governo. Principalmente, eu acho, que o empresário do comércio nunca foi ouvido pelo Governo. O Governo não ouve o comércio. Você olha o noticiário é: “A indústria falou, a indústria não falou.” Eu sempre acreditei - e aonde eu vou, eu falo - que uma cidade é atrativa, é linda, se desenvolve, se tiver um comércio forte. Porque aonde a gente vai - seja aqui no Brasil, seja no exterior - o primeiro local que a gente quer conhecer é a área comercial. Todo mundo fala assim: “Ah, não vou pro exterior fazer compra. É tudo igual.” Não. Mas vai pelo menos pra olhar, pra ver se tem uma fruta diferente, se tem uma roupa diferente, um sapato diferente; pelo menos pra olhar vai. Mas faz questão de olhar a área comercial, porque a área comercial é a vitrine da cidade. O comércio feio e horroroso, ninguém tem vontade de ficar mais um dia ou dois naquela cidade pra conhecer o quê? Se a área comercial é aquela porcaria toda horrorosa, o que existe de bonito naquela cidade? Isso é o que eu prego e o que eu acredito. E uma cidade onde eu moro, que é uma cidade de mais de um milhão de habitantes, onde bairros estão distantes do centro a 40 minutos, uma população de 250 mil, 300 mil habitantes é outra cidade dentro de Campinas. E essa experiência de estar levando o programa do comércio varejista pra essa região é interessante. É ver também de onde veio esse povo; a minoria é campineira, a maioria veio de fora.
COMÉRCIO DE CAMPINAS Você vê nesses grandes bairros, principalmente o pessoal de varejo, de hortifruti, de supermercadistas, gente mais jovem. É aquele que fala: “Eu coloquei tudo, estou colocando a minha vida nesse negócio e isso tem que dar certo.” Então eu fico assim meio brava mesmo: o Governo não olha o comércio, mas será que não olha porque a gente também não se faz presente?
FAMÍLIA Eu dizia que minha vida dá um livro. Eu estava contando sobre o segundo casamento do meu pai. Ele casou, sabe com quem? Com a irmã do Pedro. Ela é minha madrasta e minha cunhada. É até difícil de explicar, porque é tão inusitado, e eles se casaram antes da gente. Eu e o Pedro já namorávamos. Começamos a namorar em 70, no dia 11 de janeiro de 70. Eu me lembro dessa data, mas a data de casamento eu não lembro; eu me esqueço do aniversário de casamento. E mamãe faleceu em 74. Eu acho que eles se casaram em 80. Ela era solteirona, casou-se e veio morar com a “família Trappo”. Todo mundo marmanjo e ela quis dar uma de mamãe. Aí levou uma esfrega. Até que chegou uma hora que eu falei pro papai: “Pai, quem casa quer casa.” Mamãe conseguiu, no último momento da vida dela, usufruir da casa nova dela. Durante seis meses. Ela conseguiu construir a casa dos sonhos dela, mas só usufruiu seis meses. Então nessa época a gente já tinha duas casas. Eu virei pro papai e falei: “Quem casa quer casa. Escolha qual você quer morar.” Ele falou: “Vocês vão ficar sozinhos?” Eu falei: “Vamos.” E daí ele mudou pra outra casa. Mas ele vivia perturbando: “Vocês me dão trabalho.” Eu falava: “Espera aí um pouquinho. Quem dá trabalho aqui? A Lu casou e não casou necessitada não. O seu varão casou também e também não casou necessitado. Quem está dando trabalho pro senhor aqui? Não é porque a gente mora - quatro irmãos aqui - que a gente não é uma família e que não tenha regras aqui.” Ele falava assim: “É mesmo.” “Então fique quieto.” (risos)
CASAMENTO A minha diferença de idade para o Pedro é de um ano e meio e tem uma vantagem: o Pedro tem cabelos brancos desde os nove anos. Então, ele sempre aparentou ser mais velho do que eu. E meus filhos herdaram essa genética: todos eles têm cabelos grisalhos desde os nove, dez anos. A Marina também. O dela ficou branco numa época legal. A época em que ela começou a se incomodar veio a tal das luzes e daí foi uma maravilha. Todo mundo queria saber qual era o nome do cabeleireiro dela. Casamos aqui em Campinas. Teve festa daquele jeito: todo mundo duro pra burro. Festa dentro de casa, com estrogonofe feito em casa, com bolo feito em casa e eu chorando feito uma doida: “Cadê minha mãe?” Não sei como chegamos a São Paulo. A lua-de-mel foi assim, de São Paulo, nós fomos pra Maceió. Era uma época muito difícil porque tinha que acudir todo mundo, pagar faculdade pra todo mundo e o negócio tinha começado a dar uma baixada. Estou junto com o Pedro, há 39 anos. Ele foi muito importante em toda a minha vida. Sem ele, eu não teria chegado onde cheguei.
CRISES Na época do Collor [Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República], a gente recebia das indústrias no dia 15. Eu recebi um dia antes de ele lançar o pacote e ficou tudo bloqueado. A gente tinha 50... Sei lá, se era 50 alguma coisa. Dava pra abastecer meio caminhão. Eu tinha cinco por dia pra sair. Bateu um desespero e eu acordei pra vida com uma cliente nossa, a Dona Marisa, dona de uma construtora de Campinas que está de pé até hoje. A dona Marisa me ligou apavorada “Sanae, eu não tenho dinheiro, mas eu preciso de frutas e verduras.” Eu falei: “Dona Marisa, a senhora não tem dinheiro. Eu também não tenho, mas eu tenho fé que as coisas vão conseguir se ajeitar e a gente vai conseguir ir pra frente. O que a senhor precisa?” “Ah, tomate...” Eu mandei pra casa dela e eu lembro até hoje. E foi legal, porque igualou todo mundo: seja rico, seja pobre, seja lá o quê. Igualou todo mundo. Alguns que tiveram informações - eu sei que alguns em Campinas tiveram informações e tiraram dinheiro do banco antes - mas a grande maioria foi igualada. Aí é que foi legal. Eu não sei por que cargas d’água, meu estoque no varejo estava muito alto. Eu tinha muito arroz, muito feijão e muito óleo. Isso foi coisa de Deus porque não é possível, a gente não planejava coisa nenhuma... Que planejamento estratégico, eu vou lá saber o que é isso... Era doideira mesmo e daí eu chegava no CEASA e falava: “Eu quero 50 caixas de tomate, mas não tenho dinheiro. Você precisa levar arroz, feijão e óleo pro pessoal lá da roça?” “Preciso.” “Então, vai lá e pegue tantos sacos de arroz e feijão por... Quanto é o preço aqui?” Só via gente ajustando o preço, a barganha. Voltamos ao escambo. Então a minha sorte foi isso. E também ter um anjo da guarda, o doutor Flávio. Eu nunca cheguei a conhecê-lo. Eu tinha duplicata vencendo, meu dinheiro estava bloqueado e eu no desespero, eu peguei... Esse doutor Flávio me atendeu na Receita Federal e eu contei a minha história pra ele e ele dizia assim pra mim: “Coloque atrás da duplicata lei não sei o que lá, decreto não sei o que.” Eu escrevia aquilo tudo que ele falava e chegava no Unibanco: “O que é isso?” “Ah, não sei. O Doutor Flávio disse que desse jeito dá pra pagar, paga aí.” Ele foi meu anjo da guarda. Naquela época, eu tinha um grande conhecimento também com o pessoal dos bancos. Era aquele banco de gente pra gente, não era essa porcaria que é hoje. Era de gente pra gente, aquele camarada que estava lá me conhecia e eu o conhecia. Então ele acatava aquilo que eu estava falando porque sabia que eu era idônea, porque ele também não sabia o que ia dar certo e o que ia dar errado naquele pandemônio que foi aquilo. Ninguém sabia se podia, se não podia, se tal lei era boa, ninguém sabia de nada. Mas essa coisa, essa proximidade, eu falava e ele acreditava por que foi o grande momento? A grande lição? O meu nome não tem preço, o meu nome não pode de forma alguma ter um risquinho qualquer. Então foi uma grande reflexão da época. E uma virada: o meu irmão teve visão, a gente comprava tomate, vamos supor, a um real o quilo de custo e a gente colocava 20 ou 30% e tinha que vender a 1 e 30; não, a gente vendia a 1 e 10. Durante três meses nenhum vizinho nosso percebeu o que a gente estava fazendo. A gente vendia a 1 e 10 e pegava dinheiro em espécie. E daí na hora da compra era assim: “Eu quero 50 caixas de tomates. Qual é o preço?” “Um real.” “Não. Eu te pago 80 centavos em dinheiro.” E daí eu conseguia ter meus trinta centavos de lucro na compra. Mas não levou três meses para os nossos vizinhos perceberem o que a gente estava fazendo.
SINDIVAREJISTA Então é essa minha vida no mercado. Fiquei com o saco na lua e fui fazer Ciências Contábeis. Daí também aquilo não me satisfazia. Me caiu na mão ser juíza classista. Depois acabou e voltei pro mercado, porque eu estava atordoada, não conseguia trabalhar o dia inteiro no mercadão. Eu trabalhava meio período, ficar o dia inteiro é uma agonia, aquilo me matava. Eu fui fazendo alguma coisinha aí quando o Doutor Tochio [Tochio Guinosa, ex-presidente do Sindivarejista de Campinas] ficou muito adoentado. E ele também era arrimo da mãe que também estava adoentada. Chegando em agosto, ele pediu renúncia e me entregou a carteira. Eu falei: “Nossa Mas o que eu faço com isso?” Eu cheguei em casa, virei pro Pedro e falei: “Pedro, o Doutor Tochio assinou a carta de renúncia e quer que eu administre o sindicato. O que você acha?” Ele virou pra mim e falou: “Você gosta. Encrenca é com você mesma. Pode ir.” E caímos no sindicato. Aí a gente começou a trabalhar também com assessoria de comunicação aprimorando a comunicação, porque é complicado, muitas vezes a gente pensa que o outro entendeu aquilo que você falou e o outro não entendeu. Então vamos aprender como comunicar. É o que eu digo: sindicato é palavrão? Então a gente mudou sindicato pra Sindivarejista e também nós fizemos uma brincadeira: nós precisamos de uma imagem que seja vinculada ao Sindivarejista que é o nosso SuperSind; ele é o Varejildo, uma pessoa normal e daí ele se transforma no SuperSind. Toda nossa correspondência, na dobradura, a gente deixa o SuperSind. Quando o pessoal olha o SuperSind, já sabe que é varejista. Então foi uma brincadeira que a gente idealizou com o artista do nosso lado. A gente estava numa mesa, todos os funcionários, e cada um foi dando um palpite: “Não, a perninha tem que ser um pouco mais grossa. Tem que ser mais barrigudinha. Tem que ser mais fortinho.” E ele foi desenhando até que saiu o SuperSind e foi muito engraçado.
Eu estou com o gato aqui, mas estou olhando o prato, ou seja, sempre prestando atenção em outra coisa. Essa visão mais ampla, eu acho que é o comércio mesmo que te dá. Porque quando você está na direção, você tem que tomar conta da mercadoria, ver se está em ordem, se veio em ordem, se você comprou certo, na quantidade correta, se seu funcionário está manuseando direito, se ele está atendendo direito e porque, se não atendeu. Então você tem que estar olhando tudo. Então, a sua visão periférica, eu acho que expande. É que eu digo para meus filhos e meus sobrinhos: a profissão mais antiga no mundo é ser vendedor, todos nós deveríamos ter nos bancos escolares uma aula do que é ser vendedor. Nós vivemos vendendo. Eu digo para o Rafael: “Você pode ser publicitário, mas você tem que vender seu trabalho. Se você não tiver a arte da venda, você não vai pra frente.” Você menino bonito não arranja uma namorada bonita se não souber se vender. Então, tudo na vida da gente é venda. E devia ter nos bancos escolares: o que é ser vendedor.
LIÇÕES DO COMÉRCIO Ser autêntica, ser ética porque dessa vida a gente não leva nada. A gente leva o nome da gente, perpetua o nosso nome. Porque o comércio tem muitas tentações. Você pode cair num suborno pra poder vender pra tal empresa ou você pode pôr um pesinho a mais na balança pra ter um lucro maior. Você pode ter um caixa dois. Tem muitos atrativos pro mau caminho, mas o bom comerciante é aquele que é ético e trata todo mundo igual, porque muitas vezes você é enganado por um senhor vestido simplesmente que te pede três quilos de bacalhau do Porto e você olha pra cara dele dizendo assim: “Ih, esse daí não tem nem dinheiro pra isso.” E ele abre a carteira e paga três quilos de bacalhau do Porto. Então não prejulgue. Eu acho que em primeiro lugar não pode prejulgar ninguém. E você tem que entender daquilo que você vende. Se você vende tomate, você tem que saber explicar o que é tomate, pra que serve e como faz. Quando você vende porcelanato, tem que saber o que é a peça, pra que serve, qual a dimensão e que tipo de piso é plausível pra colocar um porcelanato ou não; se num escritório ou numa fábrica, para o porcelanato tem que ter esse discernimento. Eu preciso gostar do que eu faço e entender que o comércio não é aquela coisa do “estou no comércio até arranjar um trabalho”. Nós precisamos parar pra pensar que não dá. O mundo não suporta doutores em grande escala. O Brasil está precisando, nesse momento, de profissionais e não de gente que tem título. Está precisando de profissionais, aquele camarada que põe a mão na massa e sabe aquilo que está fazendo; é especialista naquilo e faz com amor. Ganha dinheiro? Sim, ganha, porque título não dá dinheiro não. Se não fizer com amor não dá dinheiro não. No final, se não tiver o sabor do Sazon, nada vai pra frente. (risos)
MEMÓRIAS DO COMÉRCIO DE CAMPINAS Eu já te confidenciei que estamos copiando o seu modelo? Na região do Dic e do Campo Verde. Essas duas regiões ficam limítrofes a Indaiatuba e a gente enxerga com um grande olhar, porque se vingar tudo isso que o Governo está prometendo, o trem bala, o Aeroporto de Viracopos crescendo, essa região é a região que vai dar mão de obra...
O projeto nosso é esse aí. Além de levar a parte técnica, resgatar a memória do bairro... “Você, seu Zé, quando você começou com uma vendinha nos idos de 1900 e bolinha, você contribuiu com essa grandeza desse bairro.” Então é resgatar a história do seu Zé onde a comunidade que convivia com o seu Zé também enxerga essa coisa legal. E que os dois também se unam pra fazer daquela comunidade uma comunidade melhor, porque não adianta alguém ir numa comunidade e dizer assim: “Olha, tirem o lixo daqui e põe aqui, faz isso, faz aquilo, faz um morrinho aqui, põe uma graminha aqui.” Não adianta. Você tem que botar palavras e a última palavra tem que ser da comunidade. A comunidade tem que dizer: “Olha, nós queremos uma praça de esportes. Como nós vamos viabilizar?” A gente entra com essa viabilização ajudando: “Olha, nós vamos precisar tanto de pedra, tanto disso, tanto daquilo e daí como nós vamos arranjar?” “Ah, eu sei de fulano que pode me dar um punhado de pedra...” É isso. Todo mundo participando, todo mundo vai usar aquela praça e deixar aquela praça linda, maravilhosa. Eu não acredito e nunca vou acreditar em dar o peixe pra comer. Eu acredito em ensinar a pescar.Recolher