Projeto Memórias do Comércio de Ribeirão Preto 2020 - 2021
Entrevista HV_052
Diego Fernandes - Baobá Artigos Religiosos
14 de abril de 2021
Transcrito por Selma Paiva
P1- Bom, Diego, pra começar, eu gostaria que você dissesse o seu nome completo, a data de nascimento e o local que você nasceu.
R1- Bom dia! Bom dia a todo mundo! Bom, o meu nome é Diego Teixeira Fernandes da Silva. Eu nasci no dia oito de abril de 1989. Aqui em Ribeirão Preto mesmo.
P1- Legal.
R1- E estou muito feliz por estar participando desse projeto.
P1- Opa. E nós também, por você está com a gente.
R1- Bacana.
P1- E qual é o nome do seu pai e da sua mãe?
R- O meu pai chama-se Devair Fernandes da Silva. E a minha mãe se chama Ana Paula Teixeira Fernandes da Silva.
P1- Legal. E os seus avós? Estão vivos assim? Você conhece?
R- Paterno, estão os dois vivos, né? O meu vô, João Fernandes da Silva e a minha vó, Alice Fernandes da Silva. E do lado da minha mãe, a minha avó está viva, só. O meu outro avô já faleceu, já fez a passagem: Nilson Natalino da Silva. E a minha avó, Vera Lucia.
P1- Certo. E o que você sabe dos seus avós? Como é que eles chegaram? Eles moram em Ribeirão Preto? Eles chegaram aí de onde? Você sabe a origem deles, assim?
R- Bom, o meu avô… eu vou começar com o meu avô que é falecido: o meu avô Milton, ele é neto de pessoas que foram escravizadas. E ele viveu a vida toda em São Paulo. E quando a minha mãe fez dezoito anos, eles vieram pra Ribeirão Preto e ficaram por aqui. Mas em São Paulo ele era mecânico, trabalhava com carros de gente famosa. O meu avô era espetacular. Era bom na capoeira. Macumbeiro, (riso) de onde a gente herdou toda essa cultura bonita, né? Ele que trouxe essa cultura na nossa família, né? A minha avó era de Minas, mas foi pra São Paulo, aonde ela o conheceu, né. E aí eles vieram pra Ribeirão Preto, se instalaram aqui e ficaram o resto da vida aqui. O meu avô paterno e a minha avó materna, eu não sei muito… muito sobre a história deles, porque foi uma história bem complicada: família se desuniu, foi cada um pra um lado. Eu sei que o meu avô, ele tem origem portuguesa e a minha avó tem origem italiana.
P1- Certo.
R- Mas sempre foram trabalhadores aqui de Ribeirão Preto, também. O que eu sei deles, assim, é que eu já nasci com eles morando aqui. Eu não conheço uma história muito mais aprofundada, não.
P1- Certo.
R- A história do meu avô por parte da minha mãe, eu tenho mais contato.
P1- Sim. Então, de tradições, assim, a gente entrevista muitos comerciantes que tinham tradições portuguesas, porque veio imigrante, italianos....
R- Sim.
P1- … Você vem dessa tradição mais das religiões afro, no caso do seu avô. Ele passou isso pra você, assim? O que que você poderia contar, assim, que ele contou pra vocês, que ele colocou na vida de vocês, dessas tradições antigas, ancestrais, da África aí? E que não é só da África.
R- Afro-brasileira, né?
P1- É, né? Isso. O que você lembra?
R- O meu avô era muito do povo. Ele era muito feliz. Era um homem muito feliz. Onde ele ia, ele tinha amizade, ele conhecia todo mundo. Começou muito com a capoeira, né? Eu lembro de pequenininho, tinha roda de capoeira na casa dele, os meus tios, os meus primos, todos vinham. E também tinha as sessões de umbanda, né, que tinha o batuque, o tambor e onde reunia gente ali, naquela comunhão de fé, né? E eu, assim, me lembro vagamente de, de… do meu avô colocando os discos de samba pra gente ouvir, de domingo. Ele gostava muito do Paulinho da Viola. Eu acho que essas músicas, o samba, ele conta muito a história do povo preto e a cultura do orixá, a cultura do candomblé, a cultura da umbanda. E o meu avô, a lembrança que eu tenho dele é muito musical; é muito capoeira, berimbau; é muito samba e batuque. Foi isso que ele deixou pra gente.
P2- Eu queria perguntar. Posso perguntar, Luis?
P1- Claro. É a Daiana, nossa companheira de trabalho, aqui também.
R- Bom dia, Daiana.
P2- Sou Daiana Terra. Tudo bem? Bom dia, vocês. Bom dia. Eu gostaria de perguntar, já unindo essa pergunta que o Luís fez, como que foi a sua infância, assim? Você teve muito contato com o seu avô? Como que foi a sua infância, de um modo geral? Conta um pouco pra gente, por gentileza. Você brincou muito na rua? Como que foi?
R- Muito. (risos) Eu sou o primeiro neto dele, né? Então, era Deus no céu e eu na terra. (riso) Onde ele ia, ele me levava. Eu tenho uma tia que ela tem a minha idade. Na verdade, os meus tios são jovens, né, então a nossa infância foi junto.
P2- Que legal!
R- E a gente brincou muito na rua, muito. Morava ali na Vila Tibério. Então, era um bairro bem tranquilo, bem pacato, como ainda é. E a gente brincava muito na rua, muito. O meu avô ensinou muitas brincadeiras pra gente, brincadeiras de rua, né? De pique e pega, de várias brincadeiras… várias brincadeiras: pião, bolinha de gude. Nossa, ele ensinou muito, essas brincadeiras. A gente teve o contato com esse… essas brincadeiras mais folclóricas. Eu acho que é por isso que eu tenho muita gratidão da minha infância. Na verdade, eu morava no Monte Alegre, né, um bairro mais afastado. E a minha avó morava na Vila Tibério e eu ficava lá. Todo fim de semana, eu estava na casa da minha avó. Então, era esse contato de rua, eu tive muito, de brincar na rua, de bola, de pique e pega, o taco. A gente brincou muito, muito. E influência, muita influência do meu avô, muita influência dele. Da minha infância, uma memória que eu lembro, que eu tenho muito carinho: ele gostava de modular no rádio amador.
P2- Ah, que legal.
R- E a gente falava com o mundo inteiro. Com o mundo inteiro. Pelo rádio amador. Isso aí eu não esqueço até hoje.
P1- E, Diego...
P2- E ele te levava a muitos lugares, Daniel?
R- Oi?
P2- Desculpa, ele te levava a muitos lugares.
R- Não, assim, de sair, não. Viajar, por exemplo, a gente não viajou muito quando era criança. Eu fui conhecer a praia, eu já era adulto, eu já tinha uns dezessete, dezoito anos. A nossa vida foi aqui no interior, mesmo, assim. Foi uma infância pobre, mas muito feliz. Muito feliz. Nunca faltou nada. Mas a gente sempre foi muito, teve muito pouco, né? Brinquedo de moda, a gente não teve. A gente brincava com o que a gente tinha na mão ali: pedra, pau, caixa de papelão. Foi mais ou menos assim. A gente não saía muito. Mas eu conheci o mundo através do rádio amador do meu avô, que me levava, assim, pra vários lugares: Holanda, conversava com paraguaios, peruanos, argentinos, muitos argentinos. A gente conversava com muita gente, muita gente, pelo rádio amador.
P1- Legal.
P2- Legal.
P1- Ô Diego, o terreiro onde aconteciam esses cultos afro-brasileiros eram na casa do seu avô?
R- Não. Na verdade, era na casa do irmão dele. Ele tem um irmão, né, que hoje eu chamo de vô, né. Hoje eu considero o meu avô. Ele é meu tio-avô. Ele está vivo ainda. E era na casa desse irmão dele. Algumas sessões eram na casa dele. Coisa de festa de Cosme e Damião, quando eram festas mais religiosas, assim. Igual, Cosme e Damião acontece em setembro. E a gente fazia as festas em setembro, né. E eu lembro que era lá na casa da minha avó, do meu avô, né, que fazia os doces. Ele adorava cozinhar também. Era outra coisa que ele amava, era cozinhar. E eu lembro disso aí. era… As sessões ainda existem. A gente ainda cultua. A gente dá, deu continuidade. O terreiro hoje se chama Mamita Oxum. A dirigente é a minha prima, que é filha do meu tio-avô, a Celina, a Mãe Celina da Oxum. E a gente continua com os trabalhos. Agora, na pandemia, a gente está parado. Mas ainda existe esse terreiro. Esse terreiro ainda é vivo, a cultura ainda tá de pé.
P1- É lá Vila Tibério?
R- Aí no Ipiranga, não no Ipiranga.
P1- Sei.
R- Bem no comecinho do Ipiranga, ali. De quase divisa com a Vila Tibério.
P1- Muito legal. E o resto da família ia também no terreiro, participava?
R- Sim, da parte do meu avô, sim, todo mundo. Todo mundo, todo mundo ia. Mesmo que assim, a gente, a nossa religião é muito bonita, porque ela pega de todos os lados, né? Tem gente católica, espírita, na minha família tem até gente budista. Mas quando tem as obrigações pro orixá, está todo mundo lá. Está todo mundo lá. A minha mãe é super católica, ela é filha do meu avô. A minha mãe é super católica, ela vai na igreja, ela participa da comunidade. Só que quando tem uma gira do Preto Velho, ela quer ir lá conversar com o velhinho. (risos)
P1- Legal. Muito bom.
P2- Diego, você comentou dessa coisa que todo mundo participa, tem várias religiões. Isso é tipo, é muito bacana. Ainda mais, tipo, vindo de família que tem todas essas diferenças, né?
R- Sim.
P2- E como aconteceu, tipo, é algo ecumênico, né? Vocês reunirem várias religiões e a galera participar? E tudo no respeito? Como vocês conseguiram isso?
R- Eu acho que é o que você falou, Daiana: é o respeito. Eu acho que o meu avô e o meu tio-avô, eles tiveram uma criação muito doutrinada na base do respeito, né? A avó deles era índia. E o pai dele… o avô deles era africano. Então, já desde o começo teve essa junção, assim, sem explicação. Porque pegou a cultura do indígena, pegou a cultura do africano, misturou com a afro-brasilidade né, que tem essa mistura já no Brasil. E foi, eu acho que foi por conta dessa mistura que já estava desde o começo, já estava ali já, desde o princípio deles ali. E a gente sempre foi criado numa norma bem firme assim em questão de respeito, em questão de saber chegar, saber sair, respeitar a hora que a pessoa está falando, saber se colocar sem ofender as pessoas. Isso é uma coisa que a gente herdou da nossa família, do meu avô, do meu tataravô, do meu bisavô, né?
P2- Muito bonito isso. Parabéns.
P1- Ô Diego, e o seu avô, ele também chegou a fazer algum comércio desses artigos religiosos? Ou ele só usava o que ele usava pra fazer os cultos?
R- Não. O meu avô era mecânico. Ele era mecânico e ensinou todos os filhos a ser mecânicos. Ele era um ótimo mecânico, um dos melhores, assim, que eu… não é porque é meu avô, não. (riso) Mas ele nunca teve um comércio, assim, com isso, não. O comércio veio através da minha mãe. A minha mãe, ela sempre gostou de... A minha mãe é artesã, né? Então, ela sempre produziu e sempre vendeu, sempre trabalhou nesse giro, né, de produzir e vender, oferecer pro amigo, pra vizinha, pro parente. E aí veio essa coisa da venda, veio da minha mãe.
P1- Está certo. E o seu pai, seu pai e a sua mãe, você sabe como eles se conheceram? E o que eles faziam? A sua mãe era artesã. O seu pai era o quê? É o quê?
R- O meu pai e a minha mãe tiveram uma história, eles começaram muito cedo, né? O meu pai e minha mãe, eles tinham dezoito anos, quando eu nasci. Bem jovens. E eles estão juntos até hoje. Eu acho isso lindo. Na verdade, isso é uma inspiração pra mim e pra minha esposa. Eles se conheceram no baile do antigo Botinha, o Botafogo. Minha mãe vinda de São Paulo, recém chegada de São Paulo. Anos oitenta, né, aquela coisa meio punk-rock, pós-punk, ela toda de preto, gostava dos rolês mais alternativos. O meu pai nunca tinha saído de Ribeirão, né? Matuto do mato. (risos) E eles se conheceram. Só que o meu pai já gostava de um rock and roll, então eles tinham muita coisa em comum. Meu pai tinha um cabelão enorme. E ela gostava de cabeludo. Aí se conheceram. E foi… eu acho que foi amor à primeira vista, porque eles estão até hoje, há trinta e dois anos casado, se amando, sendo muito felizes. Inspirando eu e a minha esposa.
P1- Legal. E seu pai é o que, mesmo? Desculpa se você já falou.
R- Não. Não falei. Meu pai é chaveiro. Ele também trabalha com oficina. Ele tem uma oficina de chaveiro. Ele faz cópias de chave, abre carros, residências. Quando a gente perde chave, é pra ele que a gente liga.
P1- Que legal. E a sua vida na escola? Quando você era pequeno, você morava ali perto da Vila Tibério, ali, mais pra cima, né, você falou?
R- Eu era da Vila Tibério. Ali no meio da Vila Tibério, mesmo. Na Álvares de Azevedo, eu cresci.
P1- É um lugar… Eu sou de Bauru. Mas eu fiquei bastante tempo aí em Ribeirão, no começo desse trabalho. Eu achei a Vila Tibério super legal, porque é um lugar que parece que você está fora daquele auê de Ribeirão. É uma outra...
R- É. Calmo.
P1- É uma outra...
R- Agora eu não sei como é porque faz muito tempo que eu não moro lá, né? Mas sempre foi muito pacato. Sempre tive muita brincadeira na rua com os meus amigos. A gente podia ficar livre na rua, não tinha problema. Agora eu não sei como está. Mas ______ (17:08). É o bairro… É o bairro de vó, né? Bairro de vó.
P1- Cadeira na calçada, né? Todo mundo conversando.
R- Isso.
P1- Todo mundo se _______(17:18). E você estudava aonde?
P2- Bem coisa de interior, mesmo, né?
R- Oi?
P2- Bem coisa de interior, essa coisa da cadeira na calçada. Vizinhos pra fora.
R- Super. Super. Era bem interiorano mesmo, bem tradicional de todo mundo pôr a cadeirinha ali, seis horas, sete horas, ficar ali batendo um papo, as crianças brincando. Depois entrava todo mundo. Era muito gostoso.
P1- Legal. E na escola, então, como é que foi? Você foi estudar. Você ia na escola à pé, todo dia? Como era o seu dia a dia, na época da escola?
R- Bom, eu tenho um irmão mais novo, dois anos, né? E ia eu e ele pra escola, à pé. A gente estudava na… no Sinhá Junqueira, né, da primeira à quarta série. Que eu me lembro, tive de ir pra escola a pé todo dia, porque era pouco, poucos quarteirões, assim. Era uma escola muito boa. Muito boa. Ali eu tenho lembranças maravilhosas. Eu estudei com a minha sala da primeira série, até eu me formar.
P2- Nossa!
R- As mesmas pessoas, assim, a maioria eram as mesmas pessoas. A gente cresceu junto, né? Tanto que a gente, até hoje, tem muitos amigos da época da escola ainda, lá do Sinhá Junqueira. Lá no...
P1- O Sinhá Junqueira é uma escola antiga, muito bonita, na frente de uma praça, ali na Vila Tibério?
R- Isso.
P1- Essa escola é linda.
R- Linda. Maravilhosa. Maravilhosa.
P1- E durante… pode falar, pode falar, desculpa.
R- Não, pode falar, pode falar.
P1-Durante a escola, você já tinha alguma ideia do que você queria ser? Assim, alguma matéria que já te puxou mais pro comércio, ou pra esse lado da religião? Do lado de Humanas? O que você gostou mais, na escola?
R- Ah, eu sempre fui apaixonado por História e Ciências Sociais, né? Na época, no Sinhá Junqueira, era Ciências Sociais. Eu sempre fui apaixonado por Antropologia, né, a origem das coisas, de onde surgiu, o porquê é assim. Só que na escola a gente não tem um contato muito do que é da África, né? Na escola, a gente aprende que eram escravos e se resume a isso: eram escravos e foram libertos em 1888. E só, né. A gente não tem uma... o que eu fui buscando depois, foi por mim, né? Fui conhecendo sobre África, sobre a cultura. Mas eu sempre fui apaixonado por História e essas coisas sobre o comportamento humano, eu sempre gostei disso. E talvez isso tenha me levado mesmo pro comércio, pra ter essa troca, né?
P2- Esse viés mais social, né?
R- É. Muito. Muito.
P1- E, Diego, e aí você foi… você fez a escola. Depois foi pro ginásio, né? Fez o primeiro, o segundo, o terceiro colegial. Você prestou algum vestibular? Você resolveu fazer alguma faculdade? Ou foi trabalhar em outra coisa?
R- Assim, como eu tinha que estudar e trabalhar, né? Eu tinha que estudar e continuar trabalhando, porque eu ajudava os meus pais em casa. Então, eu prestei vestibular. Prestei Filosofia. Eu queria ter feito Filosofia. E aí… Só que era em São Paulo. E aí eu não fui. Eu prestei, passei a primeira fase, só que acabei que eu não fui. Porque já tinha a complicação de eu ter que ajudar os meus pais em casa. Eu trabalhava com o meu pai. Então, eu tinha que trabalhar. Depois eu tive que procurar um emprego registrado, pra poder ajudar mais, porque não estava dando. E aí eu fiquei… eu não fiz faculdade. Aí, depois de alguns anos, eu fiz Direito. Eu fiz três semestres de Direito, na Barão de Mauá. Gostei muito.
P1- Certo
R- Mas não era aquilo que eu... não era, né? E aí eu já estava já inserido no comércio. Eu já estava trabalhando em comércio, já estava trabalhando em loja. E aí, de repente, eu fui trabalhar numa loja de artigos religiosos.
P1- Certo
R- Que aí foi onde que eu falei: “Nossa, é isso que eu quero pra minha vida”.
P2- Diego, e quando foi que você começou? Qual idade que você tinha, quando você começou no ramo de artigos religiosos?
R- Ah, eu tinha uns vinte e cinco anos. Vinte e cinco pra vinte e seis.
P1- E os trabalhos anteriores? O que você teve de trabalho anterior?
R- Nossa!
P1-Você falou que você trabalhava… e ajudava em casa e estudava. (risos) Faz uma resumida aí pra gente.
R- (risos) Já trabalhei, já vendi perfume na rua, de porta em porta. Foi daí que eu desenvolvi a comunicação pra poder vender, né? Eu agradeço muito esse emprego. Eu fui muito explorado, porque não me pagaram bem, (risos) mas eu aprendi, eu aprendi a trabalhar. Eu aprendi a me comunicar. Eu aprendi a apresentar o meu produto e porque ele é vantajoso. Mas aí, depois, aí eu fiz o Tiro de Guerra, eu peguei o Tiro de Guerra, fui fazer o Tiro de Guerra. E, nesse tempo, eu fiquei sem trabalho, eu fiquei trabalhando com o meu pai. E aí depois do Tiro de Guerra, eu fui fazer, eu fui trabalhar em mercado, no extinto Gimenes, aqui em Ribeirão. Tinha o Gimenes. Aí o Gimenes, eu entrei. Eu fui muito sortudo: eu entrei e o Gimenes faliu. (risos) E aí, daí eu fui pro Pão de Açúcar, trabalhar no Pão de Açúcar. Foi assim: uma escola, também. Foi uma super escola. Conheci coisas que eu não imaginava que existia. Comi coisas que eu não sabia que tinha, qual era o sabor, que eu só via na TV. E aí ali a gente aprendeu… alí eu aprendi muito a lidar com as pessoas que são um pouco difíceis, né? Porque lá é um mercado de pessoas um pouco, né, mais... e tinha gente que vinha já com as pedras na mão, querendo ser atendido bem. E aí onde a gente conseguia, ali eu consegui equilibrar, a não me estourar, pra, né, poder ficar ali na paz, né, tentar reverter a situação.
P1- Tá certo.
R- E aí, eu já estav… aí de lá, eu fui trabalhar de promotor. Aí eu sai, fui trabalhar de promotor de vendas. E aí eu fui trabalhando. Aí eu trabalhei de telemarketing, que também me ajudou muito a me comunicar. Mas sempre com venda, sempre vendendo, sempre. E aí eu fui parar na loja de artigos religiosos.
P1- E aí, como é que foi? Aí você gostou desse emprego aí? Tanto é que seguiu em frente.
R- Eu entrei lá só pra ajudar a arrumar o depósito. Eu estava parado. Eu tinha perdido o emprego. Uma amiga minha trabalhava lá. E aí o chefe dela precisava de alguém pra arrumar o depósito. Aí eu fui. Como eu já era de umbanda, já era da religião, eu estava muito familiarizado com aquilo tudo, eu sabia o que era, sabia pra que que era. Eu era cliente naquela loja, inclusive, eu era cliente lá. E aí, então, eu já tinha essa proximidade. Aí, onde facilitou o dono querer que eu ficasse.
P1- Certo.
R- Ele quis que eu ficasse. Eu falei: “Não. Tá. Tudo bem. Então eu fico”. Aí ele me contratou, tudo certinho. E aí eu me apaixonei por aquela troca com os clientes. Aprendi muita coisa. Eu falo que eu sou a pessoa mais abençoada, porque todo pai de santo que vem aqui, abençoa a gente. E desde já… desde lá eu já era, o pessoal gostava. Porque eu gosto de me comunicar. Eu não sei… Eu falo bastante, vocês perceberam, né? (risos)
P2- São dois. (risos)
R- Eu gosto de me comunicar. E ali...
P2- Dá pra perceber, Diego. E a gente adora. Pra esse projeto é maravilhoso. Pode prosseguir.
R- (riso) Sim. E ali, onde eu aprendi a trocar, a aprender, a ensinar, o que eu sabia, o que eu passava. E a gent… E alí… Tanto que eu encontrei, ali, muitos irmãos, que hoje participam lá no meu terreiro, no terreiro da minha família, que hoje eles vão lá. Me conheceram lá e aí eu: “Ah, vai lá no meu terreiro, conhecer. E bababa”. E o pessoal vai e apaixona, porque lá é muito tradicional, né? É bem tradicional. E o pessoal… E ali, eu fiz muitos amigos. Muitos amigos. Infelizmente tive alguns atritos com o ex-dono. Porque, eu acho que, assim, a gente precisa trocar, acho que tem que trocar, né? E eu estava me dedicando muito e ele não estava retribuindo, né?
P1- Sim.
R- Foi bem complicado... Foi bem complicado… Quando o término, né, dali, que eu não aguentava mais. Começou a ser uma situação de exploração mesmo, de assédio, às vezes, muito assédio moral, algumas coisas que ele me falava. E ali, eu fui... só que eu não desanimei desse comércio, porque era isso que eu queria pra minha vida. Eu gostava. Eu gosto de vender vela, de vender imagem, de vender artigos religiosos, né?
P1- Sim.
R- E aí a minha esposa estava desempregada também. Ela falou: “Vamos montar um”. E ela é publicitária, uma ótima publicitária. Tudo que… Tudo da Baobá, é a mão da Daniela, assim, excelente no que ela faz.
P1- Hum.
R- E aí onde a gente se juntou e falou: “Então, vamos abrir a nossa loja. É isso o que a gente quer. Vamos”. A gente era recém-casados, falei: “Então vamos lá”.
P1- E aí deu certo.
R- Deu certo super, desde o primeiro ano.
P2- Legal. Eu posso perguntar, Luis?
P1- Pergunta. Pode perguntar.
P2- Você fala da sua esposa Daniela. Eu gostaria de perguntar como foi que vocês se conheceram. Se foi, tipo, na época da escola. Conta um pouco pra gente, por gentileza?
R- Eu e a Daniela, a gente se conheceu num bar, (riso) tomando cerveja. Entre alguns amigos.
P2- Os bares são famosos aí em Ribeirão, né?
R- Aqui é. Aqui o pessoal gosta de cerveja, né? E aqui tem muita cerveja boa. Muita cerveja boa.
P1- Sim.
R- E a gente se conheceu através de alguns amigos, tomando uma cerveja. A gente logo se conectou. Quando eu vi ela, eu já me interessei, eu achei ela linda. Falei: “Então, vamos...”. E a gente, sabe quando atrai, parece ímã, mesmo? A gente tinha muita coisa em comum, muito: música, filmes, a gente gostava das mesmas coisas. E aí a gente foi se apaixonando, né? Foi se apaixonando. A gente foi saindo, se conhecendo. Quando eu vi, eu estava morando com ela. (riso) E aí eu não tinha mais o que fazer, senão pedir ela em casamento, porque eu já não vivia mais sem ela, não tinha como. E a gente se casou bem rápido. Foi em um ano, a gente namorou, noivou e casou. E estamos aí faz três anos. De casado, fora os de namoro. (riso)
P2- Quatro, então, no total.
R- Quatro. Quatro.
P1- Essa pergunta da Daiana, a gente faz pra todo mundo, porque é interessante saber como as pessoas se conheceram.
R- Se conhecem, né? Isso é legal.
P2- Se envolvem, né? Legal!
P1- E aí? Vocês se uniram, aconteceu essa quebra aí no seu emprego anterior. Como é que vocês se arrumaram, pra ter o negócio que vocês têm hoje?
R- Então, foi assim: a gente casou, né? Saímos em lua-de-mel. E eu peguei férias de um mês com ele, lá, com o meu ex-patrão. Só que, quando eu voltei, a loja estava um caos, estava um caos, estava um caos. Tudo jogado pro chão. Ele tinha um sério problema com alcoolismo, então isso daí eu acho que foi o motivo dele largar a mão. E o pai dele faleceu. E aí ele meio que abandonou a loja. Só que eu, enquanto funcionário dele, eu era assim: eu ficava limitado em poder arrumar a loja, né? Eu podia… Eu fazia o que... até o que eu não podia, eu fazia, né, além do que eu poderia fazer. E aí, a Daniela, a gente já estava pensando em... assim: na verdade, eu já estava pensando em sair e a gente montar alguma coisa. O que seria? Um café? Sei lá, uma loja de eletrônicos? Ela queria abrir, muito, um café. A gente tem dez gatos em casa. E a gente queria fazer algo relacionado com os gatos, tal. Uma ideia que ela teve.
P2- Que legal. (riso)
R- Só que aí, assim, eu falei… Ela falava: “Mas e aí? O que a gente vai fazer?”. Eu falei: “Meu, eu gosto de trabalhar com isso. Olha que legal esse comércio”. E aí eu fui mostrando pra ela. E na verdade, ela já estava frequentando o terreiro, né? Então, ela já estava apaixonada pela religião. E… Quer que eu a chame, pra ajudar a contar essa história?
P2- (risos) Pode.
P1- Pode ser. Só que a câmera só focaliza um, assim, né?
R- Ah, sim. Sim.
P1- Mas ela pode.
R- E aí… E aí é onde a gente pegou e falou assim: “Não. Então é isso que a gente vai fazer. Qual vai ser o nome?” E aí é uma coisa muito engraçada, né, que parece que Ogum, ele abre os caminhos, é batata. A gente pensou nisso, a gente foi procurar um lugar pra alugar e a gente achou o lugar perfeito, que é aqui onde a gente está. Um lugar azulzinho, antigo, com uma fachada antiga. Inclusive, a fachada é tombada. A gente falou: “É aqui. É aqui”. Foi muito… Foi muito certeiro. Deu sete dias, deu sete dias, a gente conseguiu alugar aqui. Aí, a minha sogra me ajudou muito, ajudou a gente, né, emprestou um dinheiro pra gente. E tudo, o meu acerto com ele, o meu seguro-desemprego, um dinheiro que a Daniela tinha guardado, a gente foi tudo somando, foi tudo colocando. No começo a gente não conseguiu comprar muita coisa, (riso) foi bem difícil. Foi bem difícil. Mas aí fomos atrás de abrir a empresa, né, fazer o MEI, fazer tudo certinho. Alugado já estava, só que estava detonado. Então, a gente vinha pra cá todo fim de semana limpar, colocamos azulejo nas coisas, que não tinha, arrumamos a porta, que estava toda quebrada. E aí a Baobá foi se formando. Assim, no comecinho, a gente tinha um negocinho de incenso ali na porta, porque não tinham chegado as mercadorias. Mas a gente já abriu as portas. Era só a estante de incenso e a loja vazia. (risos) E aí o meu sogro doou o balcão, que ele tinha um balcão antigo, doou pra gente. A gente pegou umas outras coisas doadas também, aonde a gente coloca o computador. E a gente montou. E a gente foi indo de pouquinho, a gente foi vendendo o que tinha. E aí, assim, sempre reinvestindo, né? O que entrava, a gente comprava mais mercadoria. Até hoje, a gente faz isso, né? O que entra, a gente já: “Ah, vamos comprar uma coisa novidade?”. A gente ia lá e comprava coisas nov... que era… que não tinha, nenhuma outra loja tinha. “Ah, mas a gente precisa trabalhar também a cultura”. “Ah, então vamos montar uma página, que a gente vai contar um pouco da nossa cultura. A gente vai contar um pouco da história do Orixá. A gente vai contar um pouco da história do Zé Pelintra. A gente vai contar um pouco da história das músicas, do maracatu, do samba. Consciência Negra, a gente faz um levantamento das pessoas que tiveram importância não só na nossa vida, mas no Brasil inteiro. A gente conta a história de pessoas negras que foram esquecidas, que tiveram importância muito grande, né?”. A gente quis trazer a nossa cultura e o nosso comércio junto. A gente fez diferente de outras lojas, né? A gente quis também trabalhar nesse lado, da cultura. E desmistificar, né? Trazer uma ideia, uma imagem da umbanda, do candomblé, que não seja demonizada, né, que não tenha preconceitos, explicar o que é e pra que é, né? E a gente foi montar. A Baobá nasceu de muito amor, muito amor. A Baobá nasceu da dedicação minha, da Daniela, dos meus pais, dos pais da Daniela, dos nossos irmãos, dos nossos irmãos de santo, a comunidade de terreiro aqui de Ribeirão Preto, que a gente tem muita amizade, o pessoal. Foi maravilhoso. Infelizmente, veio a pandemia bem na festa de um ano, que a gente ia fazer uma festona, não deu pra fazer. Nem esse ano vai dar. Mas a gente vai tentar bolar alguma coisa, pra suprir essa necessidade.
P1- Legal. Tem a página na internet?
R- Tem. Tem, sim.
P1- Com esse conteúdo cultural tem? É Baobá o quê?
R- Não. É no Instagram, né? A gente usa a plataforma do Instagram.
P1- Ah, entendi.
R- A gente quer fazer uma página. Mas por enquanto, no Instagram, Baobá é @baobarp.
P1- @baobarp
R- E tem um pouco da história da gente, da história do... Bem no comecinho, você já vai vendo assim, a gente criando forma, né? As postagens, elas são bem… elas acompanham muito a nossa evolução.
P1- Sim. Mas é interessante ter esse conteúdo cultural, né? Pra você poder localizar a pessoa que está passando. “Não é… não estou vendendo só isso aqui, eu estou vendo uma história…
R- Não.
P2- Sim...
P1- ... por trás”.
P2- … Tem conteúdo, né?
R- Isso. E eu e a Daniela pesquisa, ela vai na fonte, ela põe. Ela que monta tudo. Ela faz tudo de um jeito maravilhoso, assim. De um jeito que é a Baobá, sabe? É uma coisa que é a nossa assinatura, sabe? É muito legal isso.
P2- Vem da premissa que você falou, né? Aquela coisa do social, né? Vocês estão fazendo é utilidade pública...
R- Pública.
P2- ...é um serviço de utilidade pública, pra além do comércio. Bem bacana.
R- Isso. Desde o começo, a gente sempre fala e era uma das coisas que eu mais repetia no começo, quando a gente abriu as portas, assim: “A Baobá, ela não e só um comércio. A Baobá, ela é um ponto de resistência, um ponto de resistência da cultura africana, da resistência da cultura indígena. E ela aceita todas as religiões. Ela aceita qualquer sugestão”. A gente aceita, a gente recebe também informação, né? A gente se molda nessa troca com os nossos clientes, os nossos amigos. A Baobá, ela é um ponto de resistência mesmo, da cultura. A gente quer demonstrar isso aí sempre.
P2- Legal.
P1- Muito bom. E baobá é uma árvore, não é? Desculpe a ignorância.
R- Isso.
P2- Sim.
R- Baobá é uma árvore. É a árvore da vida. Os africanos, eles têm muita gratidão pela baobá. Porque a baobá ela dá água, ela dá fruta, ela faz a casa, ela abriga. A baobá... tem uma... tem um… não sei se é lenda, um conto, né, que os africanos usavam a baobá como a árvore do esquecimento. Antes de sair no não-retorno, eles davam uma volta na baobá, pra deixar tudo aquilo de África, na África, todo aquele sentimento de amor, pra que eles não perdessem o sentimento de amor da África, que ficasse na África. E aí eles iam pro não-retorno. Eu não sei se… Até onde é verdade, até onde é mito, mas a gente achou muito interessante. Na verdade, eu já participava de um coletivo aqui em Ribeirão Preto, que chamava Dudu Okan, né? Que em iorubá significa alma negra. E eu já assinava Baobá, nos meus textos. Eu já assinava Baobá, porque a gente usava outros nomes, né? E eu já assinava Baobá. E aí, num dia de conversa: “Ai, que nome que vai ser? Vai ser… Vamos trazer o nome dos nossos orixás? O que a gente vai...”. Aí eu falei: “Não. Baobá! Baobá é muito o que a baobá é, é resistência. Baobá”. Aí ficou.
P2- bonito nome.
R- E ela é sonora, né? É bem legal, o nome.
P1- E é bonita a árvore, né? Aquela árvore gigante, né?
P2- Sim.
R- O pessoal a conhece mais através do Pequeno Príncipe, né? Que é a árvore que vai destruindo o planeta, né?
P1- É verdade.
R- É uma árvore linda. Maravilhosa. É uma árvore, assim, magnífica, gigante. Um dia, a gente quer ir, eu acho que na Nigéria, que tem bastante ou Moçambique. A gente quer ir lá conhecer o vale dos baobás.
P2- Que ótimo!
P1- Muito legal. E o… Vamos, Diego, um pouquinho mais profundamente nessa história de Ribeirão, né? É um local de resistência, pra que seja contada essa história direito, né, e sejam comercializados os artigos religiosos. Resistência porque, não só a resistência do movimento negro, da defesa das pautas sociais, de tudo isso que a gente sabe do Brasil e tudo o mais, religiosamente também, mas na sua opinião, em Ribeirão, você acha que existe, tem essa visão preconceituosa?
R- Muito.
P2- Eu ia perguntar isso também: como é essa relação de vocês? A resistência perpassa por essa questão do preconceito, mesmo?
R- A cidade de Ribeirão Preto é uma cidade muito boa, maravilhosa, cheia de oportunidades. Mas é que tem uma parcela da população que ainda vive um conservadorismo inútil, né, assim. E acaba que transpassa isso em alguns preconceitos, né, não só de raça, cor e religião. Mas até, assim, vai longe. É uma cidade… Acho que muitas cidades do interior são assim, né, tem essa... porém, eu acho que Ribeirão Preto tem uma capacidade muito grande de modificar. Eu vejo pelo nosso comércio. Eu acho que tem muita gente vindo pra religião e sendo adepto da umbanda, do candomblé, né? Tem muita gente nova na religião. Tem muita gente nova na religião. Porém, ainda é necessário fazer um trabalho desse, desmistificando, colocando os pingos nos is, o que é e o que não é, o que é mito, o que é verdade, o que é marmota, é coisa que inventam, né? A gente ainda tem essa necessidade, sim, de ter movimentos aqui na cidade, que ainda, de uma certa forma, foquem nesse tipo de assunto, martelem nessa tecla e continuem trabalhando e trazendo gente pra abrir a cabeça, né, pra expandir. Eu acho que Ribeirão Preto está expandindo muito nessa questão, nessa questão... Já há alguns anos, né? Com os movimentos de muita importância aqui em Ribeirão, né, que é o Centro Cultural Orùnmilá, né, que também faz um trabalho bonito. O pessoal da UGT. O Sesc. O Sesc é maravilhoso. O Sesc traz muita cultura, traz muita informação. Muita informação. Os anos… Há alguns anos anteriores, uns três, quatro anos, teve manifestação cultural do maracatu, do samba de coco, da umbigada, do jongo. Então, isso é legal. Eu… Pra mim é uma honra fazer parte dessa… desse conjunto de ideias…
P1- Sim.
R- ...que está trazendo informação. Eu acho que é informação que falta. O preconceito ele é… ele é… ele só é dado por conta da falta de informação.
P1- Certo.
R- Eu acredito muito nas pessoas. Eu não quero que… achar que seja por falta de caráter. Eu acho que é falta de informação. É falta de saber a origem, né? A gente tem uma história muito deturpada, muito deturpada da nossa religião, da nossa fé. E isso daí, a gente está fazendo esse contraponto, informando, trazendo informação.
P1- Está certo. Diego, você tem conhecimento, você e a Daniela, já estudaram sobre isso? Porque Ribeirão Preto é uma cidade que foi muito aristocrática, né, por causa do café, essas coisas todas. E muito escravagista também, né? Antes de terminar, antes de ter a abolição, antes de 1888, um dos principais comerciantes de escravos morava aí, né? Aquele famoso, João Franco de Morais Otávio. Existem ainda pessoas que são descendentes dessa escravidão antiga? Você conheceu gente que preservou essa história e fala: “Não. Eu sou descendente dessa época” e tem uma posição em cima disso? Assim, posição política.
R- Você fala assim, do lado escravocrata?
P1- É se você…
R- O outro lado da história, né? Do lado...
P1- Alguma coisa. Tem uma herança?
R- Eu conheço... a herança, igual: eu estou mais próximo da herança dos povos negros, né? Dos povos indígenas. Eu conheço, eu posso falar por eles, né, assim, pelo conhecimento que tenho, né, da cultura, né? Mas, ainda assim, existem… Existe uma parcela da população, igual: eu vi numa página aí sobre a região, exaltando o cavaleiro que você acabou de citar.
P1- Sei.
R- Falando que ele foi um grande comerciante e que ele trouxe a evolução de Ribeirão Preto, industrial, sei lá, a visibilidade pra Ribeirão Preto. E eu discordo. (riso) Porque, gente, foi algo cruel, cruel, cruel. Tanto que eu nem consegui nem... eu deixei de seguir a página. Era uma página legal, que trazia coisas antigas de Ribeirão. Mas exaltando um escravagista, um cara que não merece, assim. Não merece. Não importa o benefício todo que ele tenha trazido pra Ribeirão, porque ele anula total com um pensamento de escravizar um irmão, né? Na verdade foi sobre a exploração, né? Anula tudo, porque é exploração, cruel...
P1- Sim.
R- … E a gente tem os traços em Ribeirão até hoje, sobre disso, né?
P1- Então, mas a minha pergunta foi no sentido um pouco mais inverso. Existe uma herança das pessoas que foram escravizadas, que ainda contam a história dos seus avós, bisavós?
R- Opa!
P1- Existe uma comunidade em Ribeirão, que fala assim: “Nós somos descendentes daqueles que aquele cara lá, deixou a gente na fazenda lá, sendo escravizado”. Tem isso?
R- Ah, sim. Não. Ah sim. Nessa... Tão assim, enraizada, assim? Existe sim. Existe sim. Eu lembro de… O meu avô mesmo contava das histórias que o avô dele contava, né?
P1- Sim.
R- Das coisas que aconteciam e como que era quando o negro fugia, o que acontecia. O meu bisavô era um negro fujão. O meu avô contava pra mim, né?
P1- Aham.
R- Que ele estava sempre correndo, que ele estava sempre apanhando. E era a história que foi herdada do avô dele, que contou a história do pai dele, né?
P1- Sim.
R- Eu já tenho isso na minha família, muito, muito, próximo.
P2- A resistência corre no sangue.
R- É. Exatamente. Exatamente. É muito próximo. É muito próximo. O meu avô contar a história do bisavô dele, né?
P1- Sim.
R- Pra mim é muito próximo. Eu tenho bisavô… Eu tinha bisavó até esses tempos atrás, né? Eu acho que ainda é uma coisa muito próxima. E tem o Centro Cultural Orùnmilá, que está sempre resgatando esse tipo de memória, né, que é uma união aqui em Ribeirão, muito bonita, muito linda. E que tem, sim, essa parte dos antepassados, que é contada. Só que eu assim… Eles ressignificaram o sofrimento. E contam mais sobre a coisa bonita, a coisa forte, a resistência, a luta, a braveza.
P1- Sim.
R- O ato heróico de se manter firme e forte na cultura, mantendo as tradições, mantendo a culinária, né? E ainda continua trabalhando, trazendo... o Centro Cultural Orùnmilá é muito legal. Muito legal o que eles fazem. Muito legal, mesmo.
P1- Legal. Ô Diego...
P2- Eu posso perguntar, Luis?
P1- Vai em frente.
P2- … Que eu fiquei muito curiosa.
P1- Fala aí.
P2- Diego, eu queria perguntar se aí na cidade de Ribeirão Preto – eu não conheço, né, pretendo pós-pandemia, ir aí...
R- Ah, venha sim.
P2- ...eu quero provar essas cervejas boas que todo mundo fala – queria perguntar, e monumentos? Tem muitos monumentos, assim, dos algozes? Por exemplo, em São Paulo, a gente é cheio de monumento e nome de rua de torturador, né?
R- Também. (riso)
P2- A gente tem a estátua do Borba Gato, o monumento das Bandeiras. Como é isso aí em Ribeirão? Conta, por favor, a questão das homenagens, né, dos monumentos, como é?
R- Aqui a gente tem o Museu do Café, né? O Museu do Café traz só grilhão, chicote e tronco. Eles mostram isso como se fosse o resumo da história africana em Ribeirão: grilhão, chicote e tronco, que eles têm pra mostrar, né? A gente tem alguns monumentos, nomes de ruas, de torturadores, escravocratas, né? A gente tem um monumento da Segunda Guerra, né, dos pracinhas, tal, é legal. Mas a gente tem muita nome de rua, de gente que não ajudou muito, né?
P1- Sim.
R- E o Museu do Café… O Museu do Café, ele não retrata como deveria retratar, a história né? Ele contam uma história muito, muito embranquecida, né? O branco teve a missão de levantar a cidade. E aí conta essa história do café, que foi o pólo comercial de Ribeirão Preto, muito forte, tal, tal, tal, a cana. Mas não conta quem plantou, quem colheu, quem torrou, quem embalou, quem carregou, né? Põe só o tronco ali, pra gente ver os grilhões, né, e os objetos de tortura. Isso eu acho... é importante ter, pra gente lembrar um passado de que a gente não tenha nem sonho que isso se repita, né? Mas é importante fazer uma retratação, contando sobre a diáspora africana, quais foram os negros que estiveram aqui em Ribeirão, de que região da África que eles vieram. Até pra gente ter uma identidade, né?
P1- Sim.
R- Do negro, em Ribeirão.
P2- E muito se discute sobre isso, né, Diego? Por exemplo: se tira, não tira, se mantém. E alguns defendem que deve tirar, que isso não deve ser celebrado. E outros já são da sua opinião também, que tipo, é bom ter, mas que tenha uma história real, né? Uma real história do que foi acontecido. E que haja essa reparação histórica mesmo, né?
R- Até porque a história a gente não vai conseguir mudar. O que aconteceu, aconteceu, né? Só que o que aconteceu, ainda tem sequelas, né, até hoje, profundas, feridas que não se fecham tão fácil, né? Eu acho que é importante ter isso pra mostrar. Mas, porém, igual eu falei, né? Ter uma retratação, ter uma pesquisa profunda, até da origem dos povos pretos que vieram pra cá. Porque deve ter tido uma mistura muito grande, né, de etnias africanas. Porém, assim, é necessário ter uma história mais bem contada, mais bem elaborada, que possa trabalhar esse lado. Porque é histórico, a gente não pode deixar pra trás, é histórico. Porém, é mal-feito. Muito mal contado.
P1- Legal. Ô Diego, e na… Com relação a loja, agora, o seu comércio. Quais são os artigos religiosos, assim, pra uma pessoa que não conhece, né? O que que você tem pra oferecer? Pra vender? Você já falou de artesanato...
R- Bom, o pessoal que está começando na religião, que está… Ou se interessa, lê alguma coisa sobre, eles vêm muito procurar banho de erva.
P1- Sim.
R- “Ah, eu quero um banho de erva, pra me descarregar. Pra eu atrair um pouco mais de prosperidade”. A gente tem muitas ervas aqui. Eu tenho ervas desidratadas que eu vendo. E tenho as ervas frescas, que eu planto aqui no fundo.
P2- Ah, que legal!
R- E o pessoal que conhece, que não é da religião, compra muito incenso, defumação, né? Aqui a gente tem muita imagem, pra quem está começando. Geralmente, quem está começando quer montar um altar em casa, pra poder fazer a sua prece, né, direcionar a sua oração. Então, a gente tem imagem de diversos tamanhos, desde as mais pequenininhas, até as gigantescas. E vela. Vela, que todo mundo acende vela, quer um anjo da guarda bem aceso, quer o orixá ali, na luz. Vela é o que mais vende. Vela, imagem e erva. Mas a gente tem uma infinidade de produtos. Muita coisa. São muitos itens, que às vezes a gente até se perde.
P1- Sei. (risos) Artesanato que eu estou vendo aí no fundo, aí. Essas coisas de barro, o que que… que que sai bastante?
R- Isso é artesanato. Isso vende muito, né, que são as partinhas de barro, os alguidares de barro, né? São artesanais, que a gente usa no nosso culto, pra colocar a cachaça do Exú, colocar uma oferenda, né, que a gente vai ofertar pra algum orixá, pra alguma entidade. Usa muito, muito mesmo. Muito mesmo.
P2- Ô Diego, e você comentou, eu vou voltar só um pouquinho, que você falou dos artesanatos: sua mãe, qual tipo de artesanato que a sua mãe fazia? Era essa? Esses de_______ (53:56)?
R- Não. Não. A minha mãe é muito versátil quando fala de arte. Ela pinta, ela borda, ela decopa, ela… ela faz de tudo. O artesanato, na vida dela, eu acho que começou quando ela era criança, que ela fazia boneca de pano, né? Tanto que hoje ela faz boneca de pano pra vender, né? Hoje ela trabalha com boneca de pano. Mas isso começou na infância dela, fazendo boneca de pano pra ela, pras primas dela, né? E ela sempre teve muito talento. Eu lembro até hoje, assim, de um episódio na escola, que a professora me mandou um Pinóquio, assim, né, numa folha e ela falou assim: “Ah, vamos fazer diferente? Vamos cortar ele, tudo. Recortar ele todo. E vamos colocar articulações”. E ela fez um esquema com miçanga e linha e o bonequinho ficava mexendo. E ela tem uma criatividade incrível. Incrível. Ela já fez decoração de festa infantil. Ela já fez aquelas caixinhas bonitinhas. Ela faz até hoje, na verdade, aquelas caixinhas de MDF, que ela decopa”. Ela faz de tudo, de tudo, de tudo. De tudo ela já fez nesse ramo de… Arranjo de flor, vaso. Ela faz de tudo um pouco. Restaura imagem. Imagem aqui da Baobá, que os nossos clientes, às vezes, têm imagem muito antiga, eles trazem aqui, eu levo pra ela, ela restaura. E manda novinha, coisa mais linda. Ela faz de tudo, mesmo.
P1- Legal.
P2- Incrível.
P1- E, Diego, e onde que vocês conseguem comprar as coisas, né? Porque todo comerciante tem o lugar que precisa ir comprar. Vocês compram em São Paulo? Pela internet? Aí em Ribeirão mesmo?
R- Bom, agora a gente está comprando só por distância, né? Só… A gente têm... As principais distribuidoras ficam em São Paulo, né? As maiores, que a gente compra, é de São Paulo. Mas a gente tem imagem, que a gente compra em Itatiba, Atibaia. Atibaia. O barro vem de Catanduva. A cerâmica vem de Porto Ferreira. A gente compra muita coisa no litoral, né, também. O que mais? Artesão aqui da cidade, a gente costuma fortalecer, né, e dar uma visibilidade pros artesãos, né, que fazem as coisas: imagem, tem gente que pinta imagem. Então, a gente dá uma força pra esse pessoal que decora taças, sabonetes artesanais. A gente também trabalha com esse pessoal daqui de Ribeirão. A gente gosta muito de estar levantando, né? Tem as parceiras nossas, que têm o projeto delas, o Benzedeiras. É um casal de amigas nossas, né, que elas fazem o sabonete de anil, que a gente vende aqui; elas fazem o escalda-pé; elas fazem os perfumes específicos pras entidades, que a gente vende aqui. Então, a gente gosta também de tá… Compra no Brasil todo. E também compra aqui, aqui com os nossos com amigos, com os próximos. E também, eu tenho muito contato de africano, né, que traz as coisas lá da Nigéria, de Moçambique, que a gente também tem que ter aqui.
P1- Muito bom.
P2- Legal.
R- Angola. Muita gente de Angola.
P1- E tem gente de Angola morando aí, né? Eu sei que no interior, aqui em Bauru, por exemplo, onde eu estou hoje tem, eu conheci vários angolanos que moram aqui.
P2- Muitos deles, Luís, vem estudar também.
R- Em Ribeirão, de morar aqui em Ribeirão, eu não conheço, não. Mais de São Paulo.
R- Oi? Desculpa. Daiana?
P2- Desculpa eu atrapalhar você. Eu só estava fazendo um adendo. Aqui, eu conheci também alguns que vieram estudar na UNESP, que é onde eu estudo, né?
R- Ah, sim.
P2- Estudo Artes Visuais. Aí eu conheci duas: a Mia e o João. Eles vinham pra estudar. Eles estavam no mestrado. Eu achei isso bem legal, esse intercâmbio que ocorre.
P1- Legal. Agora existe uma nova imigração, que vem da África pra cá.
R- Aqui, eles vêm pra estudar. Vem pra estudar, pra trabalhar, né? Tudo.
P2- É. No Poupatempo, eu conheci uma angolana que está trabalhando lá. Veio pra trabalhar, mesmo.
R- Bacana.
P1- E Diego, e o seu público-alvo? Alvo, não, né? É feio esse nome, púbico - alvo. (risos) O seu público? Quem que vai aí?
R- Nossa. Muito, muito, muito, muito, muito variado. Muito variado. Muito variado.
P2- Que legal!
R- A gente tem ali, do pessoal mais tradicional, mais antigo, que já me conhecia da outra loja, que é muito tradicional, pessoal mais antigo. Tem muita gente jovem. Nossa, muita gente jovem, muita. Muito jovem. E é muito variado. Só que a maioria, eu percebi, são mulheres. A maioria dos nossos clientes é mulher. Eu acho que a mulher tem uma conexão com o natural, com o subnatural, né, o sobrenatural, com a lua, né, mulheres são mais místicas. E tem muito mais mulher, isso é uma coisa que eu percebi, muito mais mulher. Mas idades são várias, classes sociais também, tem muita gente rica, gente da periferia, entendeu? É muito variado. Muito variado, mesmo.
P1- Legal.
P2- E você vende por atacado? Ou só varejo mesmo, Diego?
R- Só varejo. Por enquanto, só varejo. Atacado é um sonho. É um projeto que ainda vai se realizar. Mas por ora é só varejo.
P1- Se você conseguir fazer o atacado, você venderia pra quem? Teria que ter uma rede de lojas pra você vender? Como seria o atacado?
R- Hoje em dia tem muita gente vendendo virtualmente, só. Muita gente vendendo, só… que não tem o ponto fixo, né, não tem a loja física, né? E, talvez, esse nicho é interessante trabalhar. Porque aí distribuiria pra eles que têm, às vezes, comércio pela internet, ou ali no bairro. E assim, a gente, na verdade, isso daí é uma coisa a muito longo prazo, pra pensar. Ainda mais nesse momento, né, de instabilidade comercial, de instabilidade econômica. A gente está bem assim, ainda, os próximos passos são muito milimétricos, né? Então a gente tem que pensar muito milimétrico. Porém, a gente tem dado certo no meio da pandemia, a gente tem conseguido…. Igual, o varejo ainda é o que a gente pode fazer. O atacado, talvez, assim, mais pra frente, um sonho muito distante, eu acho. Mas que vai se realizar, né isso eu tenho certeza.
P1- E você falou da pandemia, aí. Como é que você e a Daniela atravessaram isso aí, né? A gente pergunta isso pra todos os comerciantes porque, pro comércio foi o pior, né, o que aconteceu, a pandemia.
R- Assustador.
P1- Mas como vocês conseguiram passar por isso? Estão passando? Como vocês se adaptaram?
R- A gente está passando, né? A gente está passando. Foi um susto, no começo. Foi um susto muito grande. É... Porque ainda a gente tem uma coisa muito de coletivo, né? A gente não quer prejudicar ninguém. A gente não pode prejudicar as pessoas, porque a gente quer manter o nosso comércio aberto, né, a gente quer manter as pessoas entrando e saindo. Porque o legal de ter uma loja é isso: as pessoas entrarem, ver e gostar e você poder pegar um outro produto e apresentar e mostrar.
P1- Sim.
R- E on line fica um pouco mais difícil. Ainda dá pra fazer esse tipo de venda, né, esse tipo de apresentação, só que é mais cansativo. E, no começo, a gente ficou muito assustado, né? “Poxa, um ano de loja. O que a gente vai fazer?”
P1- Sim.
R- Foi bem em abril. E a gente inaugurou no dia vinte e três de abril, né? O aniversário da loja é vinte e três de abril. E quando parou tudo foi bem em abril. E a gente estava planejando a festa. Já estava planejando os grupos de samba daqui da região que iam tocar, o cardápio que ia ter, a cerveja que a gente ia fazer. Estava planejando tudo. A minha esposa, ela é vegetariana, então a gente estava pensando em um cardápio vegetariano e um cardápio normal, né? E aí veio essa bomba da pandemia e falou: “Irmão, vocês não vão fazer festa, mais. Vocês vão ficar bem quietinhos”. E aí a gente... e foi engraçado, que eu acho que Exu, ele põe tudo certo no nosso caminho. Porque a gente já estava ouvindo falar sobre, ainda estava lá na China, né, estava lá do outro lado do mar, a doença, né, a Covid. E alguma coisa despertou na gente, uns quinze dias antes da OMS declarar pandemia, a gente estava fazendo delivery. A gente não fazia delivery,né? A gente começou a fazer delivery. A gente anunciou o delivery, falou: “A Baobá agora está com delivery”. E começamos a bater nessa tecla e bater. E estava começando a engatinhar o delivery. Um ou outro pedia. Aí a pandemia veio e aí focamos no delivery. Aonde foi que salvou a gente porque, a quinze dias antes, a gente já estava ali, girando essa manivela do delivery. E aí pegou muito bem o delivery. E, assim, foi um sacrifício enorme, porque eu peguei uma moto, que era da minha mãe. A minha mãe me emprestou a moto dela. E aí a gente falou assim: “Pandemia, entrega grátis pra toda região. Pra toda Ribeirão”.
P1- Sim.
R- Então, foi muito trabalhoso, porque era… o telefone não parava, não parava, não parava. E eu ia, entregava, voltava. Tinha que sair, voltava, tinha que sair. Às vezes, eu já juntava, esperava juntar bastante, que eu já ia em vários lugares, tal. Muito cansativo. Porém, foi uma coisa muito necessária, um sacrifício muito necessário, porque a gente ficou conhecido. A gente estava no primeiro ano, né? E aí foi onde a Baobá deu aquela estourada, que aí todo mundo, hoje, conhece a Baobá, em Ribeirão. Todo mundo conhece a gente.
P1- E vendia por onde?
R- Foi nessa… E está sendo difícil, ainda. Que a gente teve que se reinventar, né? A gente tem que fazer as nossas vendas on line, né? Então, a gente tem que mandar… tem que tirar foto detalhada, tem que mandar pro cliente, explicar o que é. Ficou bem mais difícil, né? Aqui era mais fácil mostrar pro cliente, na mão, ele pega. Porque a pessoa, ela faz a compra, às vezes, desconfiada, né, do que seja o produto, se vai vir do jeito que ela está esperando, né?
P1- É.
R- E tem muita coisa que a gente tem que encomendar, que não tem como mandar a foto, né? A pessoa: “Ah, eu preciso de uma paramenta pra tal orixá”. Só que não tem como eu mandar uma prévia pra ela, porque o artesão não me manda a prévia, o artesão, ele faz e me manda. Aí ficou mais difícil. Ficou mais difícil.
P1- Sim. E o que vocês usaram pra essas vendas? Rede social qual, assim, que vocês usam?
R- Muito Instagram. O Facebook, ele tem um retorno bom também, mas não é tão grande quanto o Instagram e o whatsapp, né?
P1- Sim.
R- Porque a gente foi cadastrando todo mundo. Todo mundo que fazia pedido, a gente punha ali no whatsapp, punha o nome, punha qual foi o motivo que ela entrou em contato com a gente a primeira vez, porque aí fica marcado, a gente sabe: “Ah, aquele fulano é filho de Ogum. Ah, aquela cliente, ela gosta dos ciganos. Aquela cliente ali, ela comprou a primeira vez, uma imagem do preto velho”. Então, fica marcado. A gente anota lá e vamos trabalhando assim. Porque a gente trabalha também dia e noite, né? Chega em casa, continua trabalhando. A gente fecha aqui às cinco, faz as entregas. Porque agora a gente mudou o esquema, né? As pessoas que têm urgência, a gente manda o motoqueiro parceiro, aí ele leva a mercadoria. Quem não tem urgência e pode esperar, a gente fecha às cinco e vai fazendo as entregas em Ribeirão. Aí a gente já foca: ah, 3 lugares são perto, outros lugares é mais distantes, a gente vai agrupando. Aí chega em casa, ainda tem as perguntas da internet, o pessoal quer saber se tem, se não tem, quanto é, quanto está, se vai chegar, se tem bastante. Aí a gente continua trabalhando, né?
P1- Sim. Legal. E deixa eu perguntar: além desses produtos que você já falou, deve ter muita coisa, né, porque acho, que… Eu não entendo direito, mas cada divindade tem uma série de coisas que vocês podem oferecer. E coisas escritas, assim, tipo assim: um livro contando a história disso ou alguma coisa no sentido histórico, assim? Não sei.
R- Sim, É… A gente tenta tomar muito cuidado com literatura. Porque a gente também precisa filtrar muita coisa, né?
P1- Sim.
R- Então, eu tenho, o que eu vendo aqui de livro é mais ensinando fazer alguma simpatia. A gente tem O Livro do Medium, do Alan Kardec, que vende bastante, que o pessoal procura. Quem está começando a desenvolver mediunidade procura ler, que é um livro interessantíssimo pra ler, realmente, faz muito sentido dentro dos fundamentos da umbanda. Então, a gente toma muito cuidado. Toma muito cuidado. Eu costumo indicar alguns livros, né?
P1- Sim.
R- Eu costumo indicar alguns autores. Mas ter aqui pra vender, eu não tenho. Mas a pessoa: “Ah, eu quero conhecer algumas lendas dos orixás. Eu quero ter o livro físico”. Aí eu: “Ah, lê o Reginaldo Prandi, tem bastante coisa legal”. Tem um menino aqui em Ribeirão Preto, que escreveu um livro maravilhoso sobre o candomblé e a diáspora africana, que é o título do livro. E eu vou indicando esses livros que tem um compromisso com a pesquisa, que tem um compromisso não com a verdade, mas com a pesquisa, com o respeito com a cultura. E que possa explicar pra pessoa que está começando, que ela quer entender, algo mais concreto assim, né, mais pé no chão, não muito fantasia.
P1- Sim.
R- Porque tem muito, muito livro. Tem muito livro. Sobre a religião tem muito livro, muitos livros. E aí eu prefiro não ter aqui na loja, muitos, né, pra poder filtrar e poder indicar um livro certo pro cliente, né, que está querendo saber. Mas só que é um projeto nosso também, ter uma biblioteca, né, a biblioteca Baobá. É um projeto nosso, só que também a longo prazo. Mas é um projeto de a gente ter, trabalhar não só a literatura que venha da religião, fonte religião. Mas também alguma literatura que conte a diáspora africana, que conte a história, que conta… que tenham contos de pessoas africanas, aleatórios, né. Assim, livros de pessoas africanas, brasileiras também, pessoas pretas, principalmente.
P1- Legal.
R- É isso que eu... Um dia vai se concretizar também.
P2- Vai.
P1- Sim. Porque combina muito, né, a parte escrita.
R- Combina super.
P1- E a parte de comida? Você não pensam? Tem algum projeto nisso? Vocês vendem algo pra comer aí?
R- Não. O que a gente vende aqui, que pode comer, é o obi, né? Que é a noz de cola, que usa muito nos ritos de candomblé.
P1- Sim.
R- Mas prato... eu gosto muito de cozinhar. Eu sou muito fã de cozinhar, de fazer essa alquimia. E a culinária baiana, que é inspirada na culinária africana, também me fascina muito. Eu gosto de experimentar, fazer moqueca, feijoada. Eu preciso me arriscar um pouco mais. Mas de comida africana, assim, se fosse pra eu ter alguma coisa, tem a minha mãe de santo, conhece muito, né, faz um acarajé maravilhoso, faz um acaçá maravilhoso, faz um amalá maravilhoso. Então, a gente tem um contato. A gente não tem ainda estrutura, pra também estar trazendo isso. Mas é tudo projeto. Tudo é… a gente já pensou nisso: culinária, literatura. A gente iniciou agora um projeto de música, né?
P1- hum.
R- Com os nossos clientes, a gente montou uma playlist de músicas brasileiras, em sua maioria, que são fora das músicas litúrgicas, né, seriam as profanas, né? Porque a nossa religião anda de mão dadas o litúrgico e o profano, andam de mão dada. Então, a gente criou uma playlist no Spotify. Depois, se vocês quiserem dar uma olhada lá, está legal pra caramba, porque o pessoal se empenhou. O pessoal gosta muito de música. Quem é da religião, gosta muito. Porque o batuque, ele chama, né?
P1- Sim.
R- É um ritmo que vem e não tem como. E a gente montou uma playlist com os principais músicos brasileiros, alguns estrangeiros, que contam um pouco dessa África, que contam um pouco da nossa religião, da umbanda, o samba. E a gente montou essa playlist, é: Baobá, Quem Canta, Reza Duas Vezes. Se vocês quiserem dar uma olhada lá, depois. É muito legal.
P2- É no Spotify mesmo?
R- No Spotify. Baobá, quem canta, reza duas vezes. Segue lá. Escuta no seu domingo, tomando uma cervejinha gelada, comendo uma feijoada, ouvindo um… fazendo um churrasquinho e ouvindo um samba de macumba. (risos)
P2- Legal.
P1- E as músicas litúrgicas? Vocês não vendem, pra pessoa poder ouvir em casa?
R- É uma questão, é uma questão… Essa questão, ela é bem… ela tem muita divisão no meio da religião, né? Porque, há uns anos atrás… não, há décadas atrás vendiam uns LPs, né? Uns LPs com os pontos, CDs de pontos. Hoje está tudo muito fácil, né? No Youtube, no Spotify mesmo tem muito ponto. Tanto que a próxima playlist que a gente vai fazer é uma playlist só de ponto. Só que a gente vai separar: ponto de preto velho, ponto de Exú, ponto de… dos orixás, a gente vai tentar separar isso. Mas vai de encontro com a tradição que é oral, e você aprender ouvindo, e estando no terreiro, né? Estando lá, fazendo parte da roda, fazendo parte do… da liturgia, né? Então, tem essa parte que é a tradição. A tradição dos terreiros é essa: é aprender lá, ouvir, prestar atenção no que acontece no terreiro e aprender, né? Tem essa... mas a gente vai fazer uma playlist só de ponto. Só de ponto. Vai ser legal também. O pessoal aqui ficam muito felizes quando eles participam. Quando a gente propõe uma participação... assim, é lógico, tem gente que não liga, mas quem gosta, gosta mesmo e vai lá e se empenha. E mandou mais de dez músicas e ajudou a gente a formar a playlist. E eu tenho certeza: quando a gente fizer a de ponto, vai ter gente trazendo ponto, ó, que a gente nem lembra. Eu tenho certeza.
P1- Legal. Ô Diego, eu sempre pergunto, eu e a Daiana e quem estiver fazendo, os projetos futuros. Mas você já falou, né? Tem mais algum projeto futuro?
R- Ai, cara, tem muito. Tem muito. A gente… Eu e a Daniela, a gente... tem uma árvore em casa, que a gente senta embaixo dela, que a gente fala que é a árvore da sabedoria. Quando a gente senta ali pra tomar um drink e conversar, sempre vem ideia, sempre aparece ideia nova. Então, muitas dessas coisas que eu contei pra vocês, foi lá que surgiu, né, e que a gente quer fazer. Mas a gente tem vários projetos. Um dos projetos é aumentar, né, a loja física, pra um espaço maior. Porque a gente quer ter essa junção cultural, ter um fim de semana, uma roda de capoeira, fazer uma festa específica, ter um samba legal. A gente não é só religioso, né, a gente tem a parte esotérica, que é uma paixão da minha esposa, da Daniela e que a gente quer ter o quarto da bruxa, onde vai ter só coisas das bruxas, um pessoal aqui, tem muita prática em Ribeirão, de bruxaria tradicional, celta, européia, também no vodu do Haiti. Então, a gente quer trazer tudo. A gente quer trazer todo mundo pra Baobá. Tudo isso, todas as religiões, mais ou menos, né, místicas, na Baobá. Então, é um projeto nosso ter também uma parte só pra bruxaria e essas coisas mais específicas. A gente quer trabalhar com mais roupas africanas. A gente tem algumas aqui. Mas a gente quer, ainda, trazer texturas diferentes, de lugares diferentes: do povo Banto, do povo Malê, do povo de Angola. E trazer tudo isso, né? E ter um pouquinho de cada parte da África, de cada coisinha ali, a gente quer trazer. A Baobá vai crescer muito ainda.
P1- Sim.
R- Com esses projetos que a gente tem em mente, a gente quer expandir muito, ainda. E os orixás estão abrindo os caminhos, porque está tudo acontecendo na maneira, que… no tempo que tem que acontecer. Apesar da pandemia. (riso)
P1- Sim.
R- Mas a gente tem muito projeto, muito coisa, muita coisa que agora, assim, até pra lembrar, fica difícil, de tanta coisa que a gente já conversou.
P1- Mas que bom!
R- Mas é isso trazer ainda mais a cultura. E poder trazer mercadoria com bastante axé, mercadorias diferentes, de artistas diferentes, de tamanhos diferentes, de formas diferentes. A gente quer tentar fazer uma coisa grandiosa, mesmo, assim, multicores, multiplataforma, multi tudo. A gente quer isso.
P1- Legal. Daiana, você gostaria de fazer perguntas?
P2- Não. Eu agradeço muito, Diego. Gostei muito de te ouvir.
R- Obrigado.
P2- A história é muito bonita. E eu vou seguir vocês lá no Instagram.
R- Ah, segue a gente. Vê tudo o que a gente posta, tudo o que chega de novidade. A gente está sempre trazendo, na semana do orixá, tipo: ah, essa semana é a semana dos ciganos, então a gente traz tudo do cigano. Vai chegando perto do treze de maio, a gente vai tentando trazer essa consciência, né, da escravidão, das sequelas que deixou. E também exaltando os pretos velhos, trazendo a cultura da capoeira, trazendo a cultura africana. Então, a gente vai estar sempre… sempre fazendo coisa nova. Acompanha a gente lá, que vocês vão adorar.
P1- Legal. Vou acompanhar, sim. Adorei a entrevista, viu, Diego? É muito interessante.
R- Ah, eu gostei muito.
P2- Muito legal.
P1- Vocês têm… Vocês não têm nenhum contato na África direto, que vocês poderiam pegar coisas de lá, sem passar por São Paulo? Ou não?
R- Não. Infelizmente, não. Eu acho que tudo tem que passar na alfândega, né? Tudo tem que... Ah, eu… assim, seria alguém de lá me mandar? Direto, você fala?
P1- É, ou você poderia ir direto lá… ______(01:17:10) Angola, assim, por exemplo, né?
R- Sim. Eu tenho muito contato de africano. O africano é o seguinte: ele vem pra cá. Ele vai lá buscar. E ele traz.
P1- Sim.
R- Ele vai, busca e traz, né? Porque ele fica seis meses lá na África e seis meses ele vem pra cá.
P1- É.
R- Só que agora está muito, está bem dificultoso, né? Tudo. Já era, já tinha um preconceito com os produtos que vinham da África, que ficavam muito tempo na alfândega, presos.
P1- Sim.
R- E agora ainda mais. Agora ainda está mais dificultoso, assim. Está mais difícil trazer certas coisas.
P1- Sim.
R- Por conta da pandemia e tal. Mas, assim, é um contato que eu preciso. Se você conhecer alguém, você me apresenta. (risos)
P1- Tá legal. Eu gostaria de agradecer muito, Diego. Agradece a sua esposa também.
P2- Luís, deixa eu só perguntar se tem… se tem alguma coisa que você queria falar, Diego, que a gente não perguntou. Tem alguma coisa que você queria contar?
P1- Às vezes, a gente não fez uma pergunta.
R- Ah, eu acho que esse bate papo foi muito bom. Eu pude… Eu tenho muita coisa pra falar e eu falei tudo o que eu queria. (riso) Contei sobre a origem da Baobá, assim, que é importante.
P1- Sim.
R- E nossos planos, né? Era uma coisa que já estava aqui, eu queria falar pra alguém. E vocês tiveram esse privilégio. (risos)
P2- Obrigada.
R- E é isso. Ah, e outra coisa, que quem estiver assistindo, se alguém for ver, que respeite a religião do próximo, que tenha amor no coração. Nada que a gente… nada da umbanda, nada do candomblé é pro mal. É tudo pro bem, é tudo pra evolução espiritual, é tudo pra comunhão, é tudo pelo coletivo. É uma religião que poderia ter sido extinta, né? O candomblé poderia não ter se formado, pela repressão, pela opressão. Porém, mantiveram as tradições, adaptaram, disfarçaram os cultos e estão aí. E ninguém está aqui pra fazer o mal, ninguém está aqui pra fazer amarração, destruição. Quem faz isso não pratica a verdadeira religião. Não pratica a verdadeira religião. A nossa religião é do bem, ela é pro bem e somente para o bem. Não tem como alguém falar que alguém do candomblé faz coisa de errado, faz coisa ruim, que não faz. O candomblé, ele é união, é resistência, é cultura, tradição, é amor. E é louvar o Deus que está tão próximo da gente que a gente não vê, que é o ar que a gente respira, que é a cachoeira que vem com as bênçãos de Oxum, que é as montanhas, que é o verde das plantas, né, os animais. Então, a gente louva tudo isso, tudo o que o Criador nos deu. É isso.
P1- Muito legal. Diego, quero agradecer muito. Foi muito legal a entrevista. E espera o nosso fotógrafo. Ele vai te ligar e fazer uma sessão de fotos aí. Tá legal?
R- Bacana, viu.
P1- Foi um prazer. Quando eu estiver em Ribeirão, eu vou aí, ver vocês.
R- Venha conhecer a gente. Venha, vai ser um prazer receber vocês.
P2- Eu vou também.
R- Axé pra vocês. Que o orixá abençoe e abra os caminhos de todos vocês. Obrigado, Luis. Obrigado, Daiana. E obrigado pessoal aí do Museu da Pessoa.
P1- Tudo de bom. Um abraço.
R- Axé. Axé.
P2 – Axé, obrigada.
R- Tchau. Tchau.
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