Projeto Ponto de Cultura
Depoimento de Orlando D'Agostinho
Entrevistado por Eduardo Barros e Anahi modeneis
São Paulo, 22/01/2010
Realização: Museu da Pessoa
Orlando D'Agostinho
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P – Bom, Orlando, a gente sempre começa nossas entrevistas aqui no Museu d...Continuar leitura
Projeto Ponto de Cultura
Depoimento de Orlando D'Agostinho
Entrevistado por Eduardo Barros e Anahi modeneis
São Paulo, 22/01/2010
Realização: Museu da Pessoa
Orlando D'Agostinho
Revisado por Paulo Ricardo Gomides Abe
P – Bom, Orlando, a gente sempre começa nossas entrevistas aqui no Museu da Pessoa com uma apresentação básica, que é: a gente pergunta o nome completo, o local de nascimento e a data de nascimento do entrevistado.
R - Orlando D’Agostinho natural de São José do Rio Pardo interior de São Paulo oficialmente em 23 de dezembro de 42, mas registrado somente em 03 de janeiro de 43.
P – Certo, Orlando. E o nome dos seus pais?
R - Pedro D’agostinho e Catarina Parúçulo D’agostinho.
P - O senhor tem irmãos?
R - Tenho atualmente só uma irmã. Nós éramos quatro: Irineu, Antônio, Madalena e agora eu.
P - E a única que está viva agora, além do senhor, é a Madalena?
R - Perfeito.
P - O senhor sabe a história dos seus pais? O seu pai, por exemplo... Quais são os ascendentes dele? A família vem de onde?
R - O meu pai tem uma ascendência italiana, vieram da Itália naquela leva de... Eu não me lembro precisamente o período, mas eles vieram para cá de navio, onde começaram a trabalhar na roça numa fazenda em São José do Rio Pardo e se conheceram ali.
P - A família da sua mãe também?
R - Do meu pai.
P - E a da sua mãe?
R - Não, ela é brasileira realmente.
P - E o senhor sabe como exatamente se deu o encontro deles? A história envolvendo...
R – Ah, meu querido, eu não... Os meus pais eram muito fechados. Eles não davam esse tipo de conversação que existe hoje entre pais e filhos. Essa informação eu não tenho, não.
P - E o pai do senhor era lavrador? Trabalhava na...
R - Lavrador e, no final de semana, ele cortava cabelo entre... Enfim, os trabalhadores ali da fazenda.
P - E ele seguiu a profissão tanto de barbeiro quanto de lavrador até muitos anos?
R - Não, com os meus dois anos de idade, ele veio para São Paulo. Viemos morar na casa de um parente no bairro do Ipiranga.
P - Só um segundo. Antes da gente chegar aqui em São Paulo, vamos tentar destrinchar a primeira parte da sua infância lá no interior. O senhor tem alguma lembrança, já que veio tão cedo pra São Paulo lá da vida no interior?
R - Querido, eu não tenho lembrança porque eu saí de lá. Eu deveria ter no máximo dois anos, um ano e pouco, dois anos. Então realmente eu não me lembro nenhuma passagem, a não ser quando eu retornei lá pra visitar as minhas tias. Então, eu me lembro de passagens.
P - E em São Paulo quando o senhor chegou aqui, o senhor consegue identificar uma lembrança mais remota da sua infância?
R - A única lembrança que eu tenho é que... Isso dito pelos meus pais e meus irmãos que nós fomos morar no bairro do Ipiranga num curto período e depois meu pai arrumou emprego na Companhia Antártica Paulista e alugou uma casa no bairro de Vila Matilde. Eu comecei a ter um pouco de noção... Eu era garoto de três, quatro anos e meu pai comprou um terreno próximo, onde os nossos finais de semana eram carregar tijolos também e ajudar o pedreiro a construir a nossa casa.
P - Então essa primeira casa onde vocês moraram na casa do seu tio, você também não tem lembrança?
R - Não tenho lembrança, algumas coisas me contaram, mas eu mesmo não tenho muita lembrança, não. Eram tios.
P - Orlando, eu me esqueci de perguntar qual é a sua posição entre os quatro irmãos? Você era o mais novo?
R - Eu era o caçula tanto é que meus dois irmãos tinham uma bicicleta na época, uma Monark muito antiga com breque no pedal e raramente eu conseguia andar nessa bicicleta até que meu pai me levou pra comprar uma bicicleta em meu nome. Eu devia ter uns dez, 11 anos, ele foi o meu fiador e eu trabalhando próximo de casa nas horas pós-aulas, eu consegui pagar a minha bicicleta Caloi 10.
P - Olha só. Voltando um pouquinho ainda, vocês foram então alugar essa casa na Vila Matilde e em paralelo vocês começaram a construir a própria casa.
R - Exatamente.
P - Como era essa casa? Não a que vocês construíram, mas a primeira casa lá da Vila Matilde, qual é a lembrança que você tem dessa casa?
R - Era uma casa humilde, simples próxima ao lote onde meu pai comprou e vamos dizer assim a palavra que se usa hoje é cortiço, uma família aqui, outra família ali num corredorzinho e nós moramos ali. Eu me lembro vagamente talvez uns dois ou três anos que moramos ali.
P - E como era a relação sua com os irmãos? As brincadeiras?
R - Eram boas, mas o filho caçula, o irmão caçula sempre sofre um pouquinho. É o último a falar e o primeiro a apanhar, eu me lembro disso. Eu lembro, mas só que a gente tinha um pouquinho também de determinação. A minha irmã uma ocasião deixou cair um casaco dela dentro do poço onde nós residíamos e pra pegar isso aí? Eu negociei com minha irmã: “Se você quiser eu vou lá buscar desde que você me dê um dinheiro”. Eu não lembro valores da época. E lá fui eu dentro do balde lá no fundo pegar o casaco dela.
P - E como era a rua da casa? Existiam muitas crianças na rua?
R - Bastante. Ali foi onde eu vivi até os 26 anos mais ou menos. Isso era rua de terra onde você tinha defronte a sua casa um largo onde você brincava de carrinho de rolimã, bicicleta - é lógico -, de pipa, de pião, jogávamos malha, embora pequeno na época a gente já jogava malha. E ali foi a minha infância, curiosamente eu comecei a namorar desde pequeno, uma amiga dos meus pais que moravam defronte a minha casa, minha primeira namoradinha.
P - Existia então uma vida em comunidade?
R - Existia uma vida em comunidade.
P - Qual é o nome da rua?
R - A rua que eu residia era Rua Tomaz Vita número 17, eu lembro até hoje.
P - E os pais do senhor nesse meio tempo, já nessa casa alugada na Vila Matilde... O seu pai trabalhava na Antártica?
R - Na Antártica.
P - E a sua mãe?
R - Doméstica.
P - O senhor se lembra de alguma passagem do seu pai? Algum episódio do trabalho?
R - Lembro um episódio do trabalho quando o coitado numa ocasião foi trabalhar até com o braço engessado também não sei por quê. Foi trabalhador de fábrica das oito até tal hora e sempre cumprindo com seu trabalho e depois já um pouquinho idoso, eu não sei o que ele faria dentro da Companhia Antártica, mas ele virou ascensorista de elevador manual. Eu me lembro disso. E uma passagem curiosa que eu me lembro na época quando pela primeira vez a minha mãe e ele me levaram no Hospital Santa Helena, porque o Hospital Santa Helena tem uma fundação que prestava assistência para seus empregados. E eu nesse hospital queria ir ao banheiro e lá vou eu no banheiro sozinho. Eu devia ter uns dez anos e depois de urinar eu apertei um botão e saí correndo do banheiro de medo, porque até então eu não conhecia o que era aquele botão de descarga.
P - Senhor Orlando, nessa época com oito anos de idade na infância, o senhor se lembra da cidade de São Paulo? Como você vivia na cidade de São Paulo? Era restrito ali naquela região, naquela rua? Ou você já conseguia viver a cidade, andar pela cidade. ter conhecido outros bairros se não me engano era comecinho da década de 50 por aí?
R - Isso. Meu querido, nessa época você tinha realmente prazer em fazer as coisas e descontraído. Tanto é que eu me lembro de Praça da Sé, Praça Clovis quando você ia lá passear sem problema nenhum, claro. Existia o bonde pela Celso Garcia, você tinha uma vida em comunidade descontraída e muito responsável, eu me lembro de um fato, de sair do Cine São João caminhando pela rua sem a carteira profissional, fui abordado por um policial e fui obrigado a subir no camburão pra ir até a delegacia, porque estava sem a carteira profissional naquele instante.
P - Mas ainda na infância nesses oito, nove anos de idade quando você saía da sua rua ali na Vila Matilde, você deveria estar com seus pais, com seus irmãos mais velhos e tal. Tinha algum lugar que você costumava ir mais, algum passeio de família?
R - Eu tenho aí resumido o diário onde a gente fazia piquenique, nós chegamos a descer também em piquenique pra Santos, no Horto Florestal. Na época meus pais eram muito devotos, me levaram em Aparecida do Norte em excursões, porque na época não tínhamos carro. Então em nível de família foi mais ou menos assim, em nível de colegas, a gente viveu junto ali durante uma infância muito sadia e gostosa sem saber o que eram armas nem brancas e nem pretas, e sem saber o que era droga. Tinham bailinhos todo final de semana, eu lembro que eu estudei na Escola Municipal 19 de Novembro. Na época era um galpão de madeira e nós escorregávamos naquele barranco tipo esquibunda, desculpa a expressão, eu acho que é isso mais ou menos que usam. Uma infância bastante simples e na época, como eu já havia dito, tinha essa deficiência, mas conseguia superar toda essa brincadeira de apelido, vai.
P - Quando eu pergunto pro senhor assim da infância, quando eu menciono a infância, o que é uma cena ou uma imagem que simboliza pra você... Assim que vem logo de cara na sua cabeça que resume a sua infância?
R - A infância? Um cachorro que eu tive e as brincadeiras com os coleguinhas com a mesma faixa de idade, porque os meus irmãos, por serem um pouco mais velhos, as amizades deles eram diferentes da minha. Por incrível que pareça, no início de vida, três anos dá uma diferença enorme em relacionamento. E foi isso que aconteceu, então eles tinham a vida deles e eu pegava a minha bicicleta no final de semana, enfim durante o dia e ficava brincando em torno do bairro quando muito ia até a Avenida Itaquera treinar um pouquinho a dicção foi quando eu perdi aquele vício que eu tinha de ser gago. E era esse o lazer nosso, o cinema, parque de diversões lá onde eu resido passaram vários parques e quando não eu ia até o Parque Dom Pedro que tinha o Parque Xangai, eu não sei se vocês já ouviram essa palavra onde tem o INSS agora lá sempre montavam parques e esse Parque Xangai era o mais fixo, permaneceu lá durante muito tempo. Então na minha infância a gente dava um pulinho até lá também.
P - E o que você brincava nesses parques?
R - Ah, roda gigante, que é elementar, aquela balança que tem uma corda de cada lado que um puxa de cá e ela cruzava. Carrinho não existia, o que eu me lembro mais são esses dois, o carrossel acho que nem existia nessa época, a roda gigante e a balança Dangle Dangle, era esse nome.
P - Eu não conheço, _____ é o Dangle?
R - Como que é? Agora você me pegou, mas esse nome ficou gravado em mim, era uma brincadeira que tinha no parque de diversões.
P - E esse cachorro, Orlando? Esse cachorro foi marcante pra você? Como ele chamava?
R - Norte, um cachorro preto, eu brincava com ele, a gente corria junto pela rua de terra ou barro, marcou bastante minha infância.
P - Como ele apareceu na sua vida?
R - Não lembro, não sei como ele apareceu.
P - Mas foi marcante?
R - Foi.
P – Orlando, e a escola? Você mencionou a escola 19 de Novembro, foi a primeira escola sua?
R - A primeira escola minha, logo nesse período de primário chegava em casa, eu poderia até brincar, mas eu também tinha que trabalhar um pouquinho. Eu comecei a trabalhar na época já em fábrica de lamparina, eu não sei se vocês sabem o que é isso. E fabriquinha de bala também próximo à residência. Lembro-me de uma ocasião, o primeiro pagamento que eu recebi a moeda eu lembro que foi 20 cruzeiros, isso 50 e poucos anos atrás e no meio do caminho brincando no meio do barro onde fui escorregando, acabei perdendo o dinheiro, o meu pai eu não lembro se me bateu, mas que devo ter sido repreendido, sim. Eu me lembro disso que perdi os 20 cruzeiros da época.
P - Mas e a escola? Como você se lembra dela assim? A imagem dela?
R - Um galpão de madeira, inclusive o piso também de madeira, eu falei que ela era suspensa, o que mais eu podia lembrar? É claro tinha o banheiro, eu me lembro da professora dona Vilma, uma professora que gravou naquele período, eu não sei qual deles, mas era uma escola muito simples.
P - Pequena com poucos alunos?
R - Poucos alunos. Poucos alunos eu não digo porque não dá pra me posicionar em cima disso, mas uma escola bem simples.
P - E teve alguma amizade especial? Algum colega que foi mais próximo nessa época?
R - Eu até hoje mantenho, porque eu ainda resido no bairro. Embora quando eu me casei, comprei a minha casa, mudei, ali próximo, mas mantive relacionamento ainda com inúmeros amigos daquela época. Tanto é que eu sou um dos organizadores da turma dos anos 60. Isso é o quê? Há 14 anos que nos encontramos uma vez por ano, alguns você vê toda semana e outros não, vêm até de fora de São Paulo. Houve um ano que veio pessoa de fora do país pra reencontrar aquela turma que tiveram a infância naquela época.
P - E essa professora Vilma, ela marcou por algum motivo especial?
R - Nenhum motivo, apenas a rigidez. Me lembro de varinha na mão, me lembro de bronca, lembro-me de bilhetinho pros pais coisa que tudo isso parece que é proibido hoje. Principalmente puxãozinho de orelha, a escola era rígida pelo padrão de hoje, mas foi muito construtiva na época, porque você tem que aprender a respeitar quem tem poder, seja ele em todos os níveis. E hoje pelo que eu percebo não existe bem esse respeito, não.
P - O senhor entrou lá logo quando criança na primeira escola e ficou lá quanto tempo?
R - Até me formar no quinto ano, na época era quarto ou quinto? Desculpa, eu sei que eu tenho o diploma se for preciso, mas me formei. E logo após isso baseado em colegas do meu pai, ele me colocou no SENAI, onde lá eu fiz um primeiro passo ali no Brás na Rua Monsenhor Andrade se não me engano o nome da rua, eu fiz o curso vocacional. Nesse curso o meu pai, porque foi ele que me acompanhava na época, definiu que eu ia ser cortador de calçados, sapateiro. Eu fui transferido pro SENAI da Rua Oratório lá na Mooca, fiquei seis meses no SENAI e seis meses no meu primeiro emprego já com 12 anos de experiência, onde logo em seguida terminando o curso, eu fui efetivado na empresa com autorização do juizado de menores. E eu comecei a trabalhar com 13 anos de idade.
P - 13 anos já tinha feito esse curso do SENAI e já estava trabalhando?
R - Já. Na primeira fábrica que fui trabalhar foi na Vila Maria Zélia, vocês sabem onde fica?
P - Não, não conheço.
R - Lá no Belém, Celso Garcia, Rua Catumbi num bairro tradicional e tombado até e o meu primeiro emprego foi ali com 13 anos.
P - Orlando e esse curso no SENAI com 12 anos de idade ainda criança. Qual a impressão que ficou desse curso ao longo da sua vida? Qual era a sua postura diante de um curso profissionalizante? Você tão novo ali.
R - Olha, você quando é jovem, você não tem ainda... Não focou ainda o que você quer ser e eu achei esse curso excelente por quê? Ali eu fui um pouco marceneiro, mecânico, sapateiro, eu não me lembro mais quais foram as atividades. Porque você por algum período você foi desenvolvendo até que quando terminou esse curso que seria vocacional pra ver a minha vocação, a escola falou: “Olha, o seu filho pode ser isso, isso, isso, ele tem vocação para várias atividades”. “Não, então ele vai ser cortador de sapatos.” Foi onde meu pai determinou e naquela época eu fui aprender a profissão de cortador de calçados, foi até interessante.
P - E nessa época vocês já estavam morando na casa de vocês.
R - Já na casa que nós construímos nos finais de semana.
P - Como foi esse processo de construção anos antes? Porque quando vocês mudaram você tinha uns três, quatro anos e vocês começaram a construir, não foi isso?
R - Isso. Comprou o terreno e em seguida é claro que meu pai deve ter arrumado um pedreiro de confiança que ia trabalhando e nós no final de semana. A casa era próxima de onde a gente pagava aluguel, nós íamos até lá pra ajudar a carregar tijolos, areia e por aí a fora.
P - Mas tinha um pedreiro contratado que...
R - Sim, porque a gente... Somos braçais, serventes.
P - E quanto tempo demorou essa construção?
R - Eu posso falar uma coisa? Somando tudo demorou acho que uns 15 anos, eu explico por que, primeiro meu pai fez quarto, sala, cozinha e banheiro, aonde nós todos mudamos pra lá e em seguida meu pai com mania de construir, fizemos... O terreno era bem grande e fizemos mais um cômodo e cozinha e banheiro no fundo e depois mais um cômodo, banheiro e cozinha no fundo e depois mais um cômodo, cozinha e banheiro, porque ele tinha três filhos. Então ele queria deixar aquela casa do fundo para os três filhos dele e ele morando na frente.
P - Isso tudo demorou 15 anos?
R - Mais ou menos isso, eu me lembro que um 7 de setembro e eu louco pra ir assistir os militares desfilando e eu não consegui sair. Fiquei carregando tijolo e areia e depois os coleguinhas lá jogando bola me chamando pra jogar e eu falava: “Não, eu só vou poder ir a hora que meu pai deixar”. Curiosamente dois desses amigos foram meus inquilinos depois.
P – Ah, é? E seus irmãos nesse meio tempo, Orlando? Você disse três, mas na verdade eram quatro.
R - Não, quatro comigo.
P - Três irmãos e você já lá trabalhando no primeiro emprego com 12, 13 anos de idade, eles já eram mais velhos. Onde eles estavam nessas alturas do campeonato?
R - O meu irmão, um deles coitado, ele se formou mecânico e trabalhava numa indústria metalúrgica e, curiosamente, não sabemos até hoje o que aconteceu, ele casou e morou numa dessas casas, o primeiro a casar. E teve um filho, um sobrinho que a gente tem um bom relacionamento até agora e com a mãe dele também. Esse irmão mais velho faleceu sem mais e sem menos, houve um enfarte fulminante que na época... Quando foi que ele faleceu? Faz bastante tempo, uns 40 anos talvez, por aí, eu sei que eu tinha uns 17 anos, uns 50 anos faz isso. Jogamos malha na rua até escurecer, porque na rua não existia iluminação, ele foi para seu quarto, cozinha e banheiro, subiu na escadinha e quando foi de madrugada, a minha cunhada desceu e chamou os meus pais e eu garoto de 17, 18 anos fomos todos lá ver o que aconteceu e ele tinha morrido sem mais sem menos. Curiosamente ele jogava bola e uns dois anos antes ele foi no caminhão jogar bola lá próximo e esse caminhão capotou e morreram uns três ou quatro e meu irmão saiu ileso, isso uns dois anos antes. E logo em seguida aconteceu esse fato sem explicação, foi feita a autópsia e era morte natural, enfarte, mas nunca tinha problema nenhum, esse era o mais velho. O segundo irmão na época meu pai colocou ele na Companhia Antártica Paulista, estudou um pouco lá, aprendeu a ser gráfico, entrou numa gráfica lá na Rua Uruguaiana no Brás e nunca mais saiu de lá e se aposentou ali. Quer dizer operário que entrou e se adaptou e lá permaneceu até se aposentar e depois foi embora também.
P - E a irmã?
R - E a irmã sempre doméstica, casou... O meu cunhado era na época vendedor e morava também próximo, eu não sei exatamente qual foi o início do relacionamento, mas existia uma ligação até de família onde começaram a namorar e chegaram a casar.
P - E a sua mãe? Você tinha uma relação boa com a sua mãe? Como era?
R - Tinha uma relação boa de todo dinheiro que eu ganhava quando trabalhava tinha que dar na mão dela pra ela me dar um troquinho pra eu poder ir ao cinema no final de semana.
P - Ela cuidava da casa.
R - Cuidava somente da casa.
P - Descreve a sua mãe pra gente assim? Como é que ela era?
R - Veja bem, uma senhora coitada do lar, nunca teve prazeres tipo shopping, cinema, viagem, uma mulher realmente dentro das quatro paredes, simples, rígida. Quando eu falo rígida, eu não falo ao ponto de bater, mas assim: “O que você fez hoje? Onde você foi? Por quê? Onde você vai?”. Lembro-me de uma ocasião o meu pai me pegou no pé porque eu ia ao baile e não ia namorar com a menina que morava em frente. Meu pai me deu um puxão de orelha e disse: “Seja homem na vida. Se for ficar indo a bailinhos já desmancha o namoro, não faz o que você está fazendo, não, desmancha o namoro e vai embora. Esse negócio de você ir pra bailinho e voltar às cinco da manhã está errado.” Lembro-me outra passagem, o meu pai disse em uma ocasião que o homem sem dinheiro não é homem, nessa época eu devia ter meus 17 anos aproximadamente. Eu achei ridículo aquilo: “Como deixar de ser homem porque não tinha dinheiro?” Eu tinha amigos, só que depois numa casa que eu comprei, eu passei um período tão difícil financeiramente que eu tinha vergonha de ir ao bar, então eu me toquei e falei: “Meu velho, filho da mãe tinha razão, eu deixei de ser homem”. Por quê? Eu podia ir lá, o amigo pagava a cerveja hoje ou o café ou o refrigerante e amanhã quem paga? E depois de amanhã quem paga? Eu falei: “Meu velho tinha razão, eu deixei de ser homem no sentido amplo”. Como que era a vida?
P - Bom, e nós te deixamos lá com 13 anos de idade trabalhando como sapateiro depois de fazer o curso do SENAI?
R - Perfeito.
P - A essa altura você já estava virando um adolescente ali.
R - Sabe o que aconteceu? Nessa época adolescente comecei a ir a bailinhos, comecei a praticar esportes lá no Belém halterofilismo, isso trabalhando em fábrica de calçados, até que uma dessas fábricas tinha uma academia de boxe, Clube de Boxe na Avenida Celso Garcia ao lado do Cine Roques. Eu cismei de entrar e praticar boxe e lá fiquei durante uns dois anos e pouco, três anos treinando boxe e adorei. É um esporte que disciplina o homem e te dá reflexo e te dá... Enfim disciplina o homem, porque há muito respeito entre os atletas, eu me lembro disso.
P - E como era essa academia? Ela fazia parte da fábrica?
R - Não, não tinha nada a ver com a fábrica por ser próxima a empresa, eu não me lembro exatamente qual foi o vínculo, eu sei que eu saía da Rua Silva Jardim lá no Largo do Belém e ia até a academia que era na Rua Bresser quase esquina com a Celso Garcia e eu ia a pé treinar quase todos os dias, treinar meu boxe. Lembro que naquele período que eu treinava boxe meu pai ia junto várias vezes, fizemos várias exibições, disputei a Forja de campeões, você já ouviu esse nome? Existe até hoje, promovido pela Gazeta Esportiva e o que é Forja de Campeões? Forjou campeões, então nas academias todo ano existe esse torneio organizado pela Gazeta Esportiva e eu participei de um deles, um só porque é só o primeiro, depois você já vai pra outro nível de esporte. Lembro que participei e lembro também que naquela ocasião, eu cheguei a fazer uma luta no Ginásio do Ibirapuera.
P - Olha só E como foi isso? Conta pra gente?
R - Isso foi uma luta de reflexo na época DVD ou vídeo cassete e nem máquina fotográfica meu pai tinha senão me engano não tinha, não, então eu não consegui documentar isso daí, eu me lembro disso aí de passagem.
P - Mas essa luta aconteceu em que contexto? Você saiu lá da zona leste veio pro Ibirapuera, era campeonato?
R - Era contexto de disputa entre academias, a gente fez as lutas preliminares. Eu não me lembro se nesse dia o Eder Jofre chegou a lutar ou não, eu não me lembro exatamente se isso aconteceu, embora ele fosse a pessoa mais importante na época dentro desse esporte. Eu não me lembro o que eu me lembro desse fato que lá estive numa ocasião.
P - Interessante. Agora quando não estava lutando boxe, estava nos bailinhos?
R - Nos bailinhos, festinhas e por aí a fora.
P - Descreve pra gente, eu fico curioso pra saber como é que eram essas festinhas de adolescentes naquela época década de 60?
R - Mais ou menos isso.
P - Final de 50?
R - No início de 60, você entrava em um baile inteiro, quando eu falo inteiro é sem droga e sem álcool e você ia tirar as meninas pra dançar, pegava na mão, saía, dançava, devolvia. Lembro-me dos boleros daquela época. Olha foi uma infância gostosa, todo final de semana era bailinho, lembro-me de um fato curioso que aconteceu nesse período, eu costumava chegar em casa de sábado pra domingo às três, quatro horas da manhã. Nesse período eu dormia na sala e meu pai tinha aquela vitrola com aquelas duas tampas que abria assim, adorava música sertaneja e eu tinha bronca naquela época. Ele levantava às seis da manhã e pegava seus discões e botava bem alto: “E aí, filho, estava bom o baile ontem? Agora é minha hora, eu quero ouvir as minhas músicas.” Eu era obrigado a levantar.
P - E os bailinhos então iam até as três, quatro horas da manhã?
R - Mais ou menos isso.
P - E quem frequentava era o público ali do bairro, da rua?
R - Normalmente o público da região, normalmente não existia tanta mídia quanto hoje que traz público de fora. Lá no meu bairro já promovi vários eventos, inclusive teve um agora em dezembro 87 aniversário no bairro de Vila Matilde e quem promove é esse meu amigo Mário Borges que ele tem um jornal e em parceria com a Transcontinental, desculpa eu fui lá e saí rapidinho e falei: “Isso não é local pra uma pessoa como eu, desculpa.” Porque era uma bagunça geral, antigamente não existia isso. Lembro-me que eu sempre participei de atividades do meu bairro, quantos desfiles eu promovi de 7 de setembro ou carnavalesco na Rua Dona Matilde que é a rua principal nossa. Lembro-me de um 7 de setembro onde as fanfarras da região... Existia na época a fanfarra, estavam desfilando e o diretor da escola, eu me lembro até hoje da escola e o nome do diretor, o senhor Pedro passou por mim, porque eu estava segurando a fita pra ninguém invadir tentando fazer alguma coisa lá, ele falou: “Vocês não tem coração. Deixar as crianças desfilarem debaixo de chuva”. Eu falei: “Senhor Pedro, o senhor quer que eu faça o quê? É o programa”. Várias escolas faziam essa apresentação na rua. Lembro-me de festa junina que nós fazíamos também e acabamos com isso, a última que fizemos voltando na escola 19 de Novembro, eu fui presidente lá um período da APM faríamos festa junina pra arrecadar um dinheirinho pra comprar instrumento pra fanfarra, certo? Lembro-me disso, o que mais eu poderia citar desse período aí? Me ajuda, você fez uma pergunta e eu fuji do foco agora.
P - Não, o que eu queria... O senhor pode ficar à vontade pra falar o que quiser, mas nesse período você já estava trabalhando, já estava na adolescência. Tinha esse hobby do boxe, ia sempre pra bailinhos e foi nessa época que o senhor conheceu sua primeira namorada?
R – Não, foi bem antes.
P - Mas foi bem antes quando? Com que idade era?
R - É o que eu falei agora, meu querido, é uma menina que morava defronte a minha casa e meus pais tinham uma boa amizade e eu comecei a namorar com ela.
P - Quantos anos o senhor tinha?
R - Eu tinha uns 10, 11 por aí.
P - O senhor era bem novinho mesmo.
R - Mas era aquele namorinho de: “Estamos namorando?”. “Estamos”. Aquela brincadeira de criança que durou, eu acho que uns seis anos.
P - Com a mesma menina? Seis anos?
R - A mesma menina só que nesse período eu comecei a me libertar daquele local que eu morava, entendeu? Eu comecei a me libertar e o que é libertar? Outros amigos ir ao parquinho, ir ao bailinho, ir a outros clubes dançar, enfim... Eu comecei a levantar as asinhas, vamos dizer assim, onde felizmente eu comecei a ver realmente a juventude, porque até então a minha juventude foi restrita entre aqueles amigos daquele trecho que eu tinha na época. Era pipa, era pião, era malha, era carrinho de rolimã, enfim aquela era uma vidinha gostosa sim.
P - E conta pra mim qual foi a cidade de São Paulo que você descobriu nessa época quando seus horizontes foram além ali da Vila Matilde? Como era a cidade que você descobriu?
R - Cidade de São Paulo? Que coisa linda você pegar o bonde, inclusive dois tipos de bonde, um era Camarão porque ele era fechado e o outro era aberto. Esse fato, o bonde quantas vezes vinha o motorneiro puxar a alavanquinha pra registrar quando você pagava, vocês sabiam disso? Não ouviu isso? Na Celso Garcia o bonde Rangel Pestana e Celso Garcia e vinha até a Penha esse bonde. O aberto, ele rodando você conseguia subir nele e quando vinha o cobrador você pulava. Também poderia fazer isso. Se não me engano é Camarão, ele já era fechado, abria as portas e você entrava e tinha, eu não lembro se catraca ou o cobrador que vinha cobrando essa passagem.
P - E você pegava o bonde de onde lá na Vila Matilde?
R - Ia até a Penha, na Vila Matilde tinha um ônibus que ia até a Penha e lá eu pegava o bonde pra poder vir para o Centro.
P - E qual era o trajeto que você mais fazia? Onde você ia passear? Onde você frequentava na cidade de São Paulo nesse período?
R - Poucos lugares, Museu do Ipiranga, eu havia falado sobre isso, se não me engano eu fui até lá, Aparecida eu já havia dito, o Horto Florestal lá na Anchieta no... Aquele parque que tem lá como chama? Na Anchieta, até estão criando caso lá agora o Estoril também ia fazer esses tipos de passeio e quando não os meus pais iam visitar os parentes em São José do Rio Pardo, ficávamos lá alguns dias e também era um passeio gostoso.
P - Eu já vou te perguntar de São José do Rio Pardo porque eu estou curioso, mas antes disso quando o senhor tomava o bonde você costumava frequentar o centro da cidade de São Paulo?
R - Sim, costumava como eu havia dito agora há pouco Cine São João, Cine Piratininga, Cine Aladim tudo naquele trecho pra ir ao cinema e quando não, ir à academia lutar boxe.
P - E que filme você viu nessa época que te marcou?
R - Ah, você falar de cinema, eu não sei se estaria falando correto, mas naquela época talvez eu vá misturar um pouco o cinema ou TV Rin Tin Tin eu adorava, Johnny Vany eu adorava, filme de televisão O Combate de guerra, eu adorava também, mas esse eu acho que era de televisão. De cinema mesmo mais marcante, eu não me lembro deles, eu sei que vira e mexe era cineminha e de mãozinha dada.
P - Isso que eu queria saber, como era o programa de ir ao cinema? Tomava o bonde lá na Penha e vinha pro centro.
R - Isso.
P - Como é que eram as construções, as pessoas que frequentavam? Como era o hábito de ir ao cinema? Com quem você ia? Conta pra gente?
R - Normalmente com companhia às vezes até com colegas, por que não? Mas normalmente era com uma menina, ia ao cinema, saía tomava um suco e entregava a menina na porta da casa dela, entendeu? Ou às vezes não, enfim nada assim tão gritante.
P - Bom, Orlando, você estava contando pra gente dos seus programas no centro no final dos anos 50 e começo dos anos 60.
R - 60 o mais marcante que foi com 17, 18 anos por aí que foi que eu consegui me encontrar, porque até então a juventude... Eu costumo... Eu tenho eu costumo costumo dizer que é muito cedo pra você encontrar o seu foco, o que você quer ser. A minha infância foi até os 15 anos mais ou menos, levado, depois você começa a montar a sua personalidade, eu me lembro que eu era operário de fábrica e saiu um anúncio de uma empresa pegando vendedores iniciantes pra vender assinaturas de jornal Shopping News, conhece esse jornal? É um jornal que acho que ainda é distribuído gratuitamente só que na época, isso nos anos 60, um pouquinho antes por aí, eles queriam cobrar uma mensalidade. Então lá vou eu pedir conta da empresa, porque no tempo que eu fui cortador de calçados, eu passei por umas cinco fábricas se aqui me pagava. Eu tenho o meu caderno que eu fiz um pequeno diário ali, pagava 300, na outra 350, então eu ia pra lá, na outra era 400 eu ia pra lá sempre procurando...
P - Subir de vida.
R - E curiosamente na época existia o que a gente chamava de envelope de pagamento, pegava o envelope de pagamento dava pra mamãe e fim de papo. Você pedia no final de semana algum dinheirinho pra ir ao cinema e jogar um bilharzinho, até na época quando eu comecei a jogar um pouquinho, nessas mudanças de emprego, a empresa que eu mudei não tinha mais envelope de pagamento, entendeu? Eu acho que você não captou a mensagem.
P - Porque você era dono do seu dinheiro.
R - Não, se eu ganhava 400, eu mudei pra lá pra ganhar 450, então era: “Mãe, o salário lá é o mesmo só que não tem envelope, aqui está os 400”. E ficava com os 50.
P - Você começou a cuidar da sua renda.
R - Sim.
P - E agora que você começou a ser mais dono do seu dinheiro. O que você fazia? O que você comprava? Você se lembra de alguma coisa que você tinha muita vontade de comprar e não podia e conseguiu?
R - Lembro-me de uma ocasião que eu fui a loja da Sears lá na Avenida Pacaembu e comprei uma bela de uma camisa e de marca, que puxão de orelha eu levei em casa. “Como é que você comprou essa camisa?”. “Eu não sei, eu paguei baratinho”, entendeu? Porque meus pais nunca tiveram esses tipos de prazeres e sofisticação. Nunca tiveram então você falar que comprar um Pierre Cardim por cinco reais, eles acreditam, ou melhor, acreditavam. Comprei uma bela camisa pra poder aparecer um pouco mais. Outro fato também dessa época que eu participei bastante do carnaval da minha região, blocos carnavalescos. Se você entrou no blog, você deve ter visto lá umas três ou quatro fotos de bloco carnavalesco e o que é isso? Um grupo de amigos assim que faziam a fantasia de Tarzan. “Está bom”, então todo mundo fantasiava de Tarzan e vamos cantar aquela música do Tarzan, lembro-me que quando saiu aquela música Mamãe eu quero nós fizemos um bloco com todo mundo de chupeta e fraldinha, entendeu?
P - E como chamava o bloco?
R - Bloco do chupeta, até naquela época teve um apelido meu aqui de chupeta, deixa pra lá.
P - Isso tudo na Vila Matilde?
R - Tudo na Vila Matilde.
P - E como era esse carnaval na Vila Matilde?
R - No sentido interno ou externo?
P - Como assim?
R - De rua era lindo de morrer o de rua, porque você também participava de qualquer jeito, tinha os blocos e o povo ao lado onde a gente às vezes era obrigado a levar com corda pra não se misturar, não atrapalhar quem estava indo ali e tal, era lindo. Carros alegóricos, dois clubes mais marcantes que faziam carros alegóricos lá o Clube Atlético Ipiranga que está no meu blog, o trenzinho Maria Fumaça que tem lá Adeus Maria Fumaça, na época tinha acabado e começou a surgir o trem elétrico. Outro do dragão que eu ainda não pus, mas qualquer hora eu vou colocar o dragão, normalmente as fantasias eram em cima das músicas da época, a gente fazia o bloco carnavalesco.
P - Eram vários blocos?
R - Sim, vários blocos, vários clubes, eu citei bastante já a Vila Matilde, mas tinha Vila Esperança também o RUV Recreativo União Vila Esperança, o RUV e mais uns dois ou três clubes da Vila Esperança que também faziam isso, blocos carnavalescos. Só que existia uma rixa esse negócio de bairrismo entre Vila Esperança e Vila Matilde, abaixo dos trilhos é Vila Esperança e pra cá é Vila Matilde, nós não atravessávamos nos trilhos, porque existia uma rivalidade. Os nossos blocos desciam até a estação de Vila Matilde na época que tinha uma escadaria que você descia pra poder pegar o trem e ali se dissolvia. Depois de alguns anos nós começamos a fazer o contorno e ir até a Vila Esperança, isso quando começou a surgir a escola de samba Nenê de Vila Matilde, a mais tradicional de São Paulo, o qual me lembro do Largo do Peixe, eles eram uns...
P - O senhor estava falando do trajeto dos blocos.
R - Isso, então os blocos começaram a descer e conseguiam porque existia uma escadaria onde você descia e passava pelos trilhos. Tinha uma cancela e ia até a Vila Esperança. Isso no sentido a pé da Vila Matilde para a Vila Esperança ou de ônibus, o ônibus descia a Dona Matilde contornava a esquerda, virava a direita e passava pelo pontilhão pra ir até a Vila Esperança. Lembro-me dessa época com um ônibus lotado descendo a Dona Matilde e virando pra ir a Vila Esperança. Uma colega minha que morava defronte a minha casa pendurada no ônibus, bateu a cabeça no poste, porque não fazia curva, o ônibus inclinou e bateu a cabeça no poste e veio a falecer ali mesmo, eu me lembro desse fato.
P - Mas voltando ao carnaval então os blocos desciam e existia essa rivalidade. Cada ano... Não existia um bloco com o mesmo nome? Era uma coisa informal, não é isso?
R - Informal e orientado pelas músicas da época.
P - E quais eram as músicas da época? Fala algumas pra gente, você consegue lembrar?
R - Bom, eu já havia dito uma agora há pouco.
P - Bom, as músicas carnavalescas da época?
R - Eram as músicas da época... Eu me lembro: “Estrelinha linda, me responda, por favor”. Era uma música que também marcou, quer dizer eu estou falando em nível de música, não em nível de cordão também que era feito os blocos. Agora recapitulando um pouco mais pra eu poder me lembrar dessas músicas da época, eu participei tanto de organizações de bailes internos na Sociedade Amigos da Vila Matilde onde na época a gente punha camisa de diretor e ficava rodando o salão pra ver se não havia ninguém sem camisa, quando tirava a camisa: “Você põe a camisa ou você é colocado pra fora.” Isso naquela época quantas vezes eu fiz isso.
P - Isso nos bailes de carnaval ou qualquer baile?
R - No baile que eu era diretor na época.
P - Mas no carnaval ou não?
R - No carnaval.
P - Então tinha o carnaval lá de rua com os blocos e os bailes?
R - E os bailes.
P - E os de rua ficavam cheios de gente vendo os blocos passar?
R - E os blocos passando como diz aquela música do Chico Buarque: “Pra ver a banda passar” e coisa assim e o povo ficava lá vendo.
P - E ao mesmo tempo lá na Vila Esperança acontecia a mesma coisa e ninguém se bicava?
R - Não, eles desciam. A rivalidade, o bairrismo. Era tão marcante.
P - E foi nessa época que a escola de samba foi criada? A Nenê de Vila Matilde?
R - A Nenê de Vila Matilde foi criada... Você me pegou agora, em 50 e pouco, eu acredito que sim, talvez em 52. Eu não me lembro exatamente, mas é uma das mais antigas de São Paulo.
P - E você se lembra do... Embora não se lembre o ano, você se lembra da movimentação, de como se deu essa criação da escola?
R - Lembro, porque no Largo do Peixe, eu residia ali próximo. Então quantas vezes eu ia até lá pra vê-los, tocar descontraidamente pandeiro, chocalho, enfim eles faziam a rodinha com cavaquinho e eu ficava vendo eles tocarem, ensaiarem, cantarem, isso daí. Isso bem antes de formarem o bloco. Então é o que eu te falei agora em 50 mais ou menos, na década de 50 quando foi fundada a Nenê de Vila Matilde.
P - E o primeiro desfile deles como foi?
R - Não me lembro exatamente como foi o primeiro desfile e foi ali no bairro na Vila Esperança e a Vila Esperança conseguiu se promover e organizar muito mais o carnaval de rua. Na Vila Matilde, ele era mais na raça entre três ou quatro clubes que existiam lá, na Vila Esperança eram mais clubes e eles conseguiam se organizar e pegaram mais nome. Então todo mundo no dia X, normalmente dois dias no período carnavalesco, é que aqui tinha desfile e lá tinha mais público, isso quando o carnaval de rua existia. Agora não existe mais, é uma pena.
P - E nesse meio tempo você já estava com uns 18 anos de idade?
R - Mais ou menos isso, um pouco mais até.
P - E você disse que passou por umas quatro ou cinco fábricas de sapato aumentando o salário e já começou a cuidar do dinheiro até que foi trabalhar com vendas.
R - Com vendas, vender jornal, assinatura do Shopping News.
P - E como foi essa experiência nova?
R - Foi excelente, foi aí que realmente eu comecei a me firmar mais como cidadão, como organizador, com respeito e por aí a fora. Eu me lembro de um fato curioso, essa empresa que eu fui vender a assinatura do jornal Shopping News, ela pegou um evento pra construir um estádio lá em Mogi Mirim, o estádio de Mogi Mirim e levou pra lá toda a sua equipe de vendas no qual nós fomos lá em 20 homens e vender o quê? Cadeira cativa no estádio de futebol que iam construir e lá eu ficava durante a semana inteira e só vinha embora sexta-feira feliz da vida porque estava ganhando dinheiro. Lembro-me que nesse trabalho meu de vender e bater de porta em porta ou em bar, de uma passagem curiosa que marcou bastante, eu querendo vender pro dono do bar, e o dono do bar falou: “Escuta, vai lá e oferece para aquele senhor ali que está sentado ali de chinelo havaianas e fumando o cachimbinho, se você conseguir convencer ele, ele pode te comprar umas cinco ou seis cadeiras. Está vendo aquela terra toda lá é toda dele.” Aí é que eu percebi que a aparência muitas vezes engana, isso foi uma lição de vida também, então eu fui lá e conversei com o velho, eu tinha até anotado o nome de todos que eu vendi cadeira cativa na época. Depois a empresa quebrou e não conseguiu construir mais, mas isso durou o quê? Uns seis meses talvez que nós ficamos lá e aí fui vender ações, ações... Inclusive vendi ações da Cássio Muniz se lembra dessa loja? Já quebrou faz tempo. Esse cunhado meu que era vendedor de papelaria me convidou: “Você não quer vender material de escritório?” Elá fui eu e comecei a vender material de escritório.
P - O senhor morava com seus pais ainda?
R – Isso, morava com meus pais na Rua Tomás Vita número 17.
P - Seu pai já tinha se aposentado? Ou ainda estava trabalhando?
R - Não, meu pai trabalhava ainda sim, ele trabalhava.
P - E como foi essa experiência... Como era o dia-a-dia de trabalho como vendedor de material de escritório?
R - Olha, foi um aprendizado também e tudo na vida é aprendizado, isso aqui também é um aprendizado. A gente está aí trocando ideias, ou melhor, só eu que estou falando, mas é um aprendizado. Você pegava a pastinha de manhã, pegava ônibus, pegava o bonde e ia até a Vila Maria visitar indústria pra vender material de escritório papel carbono, grampeador, clipes, enfim esse tipo de material de escritório. Uma das coisas que eu aprendi identificar quando é uma indústria pela entrada de fiação elétrica. Às vezes você vê um paredão e você não sabe o que tem ali. Às vezes é uma boa indústria. Lembro-me que pegava o bonde e ia pra Vila Maria trabalhar com a pastinha pesada visitar uma fábrica aqui, outra lá e por aí foi feito, vamos dizer assim a minha experiência profissional em vendas.
P - Como era a Vila Maria nessa época?
R - Vila Maria, a Avenida Guilherme Gotner era paralelepípedo, o bonde descia ali e andava a Rua da Gávea, a Rua Guaranésia ia até lá em cima no Parque Novo Mundo visitar uma indústria de alimentos que tinha lá e tudo praticamente a pé, porque na época não tinha carro, não.
P - O senhor se lembra de uma grande venda que o senhor fez assim especial?
R - Nessa época eu não me lembro de uma grande venda, não, eu me lembro do tipo indústria de tambores, uma indústria metalúrgica na Vila Maria, eu vendia sempre pra eles, eu me lembro da AMF do Brasil uma empresa americana que tinha na Vila Maria que eu vendia pra eles. E mais algumas assim, lembro-me de vender numa fundição que pra vender eu acabei entrando até na indústria onde saíam aqueles ferros num calor violento. “Ele está lá em baixo, vai lá visitar”. Isso aquele departamento que não tinha nada a ver. Então essas passagens, esses focos que vão acontecendo no dia-a-dia da gente.
P - Orlando, nós estamos agora na década de 60 que foi uma década de muita transformação social etc. Como você presenciou essas transformações na sua vida ali na zona leste? Quais foram as transformações que chegaram até lá, de hábitos, costumes? Eu tenho a impressão que esses bailinhos que o senhor frequentava deve ter transformados também?
R - Isso.
P - Como a década de 60 chegou na sua vida na prática?
R - Ah, como chegou? Puxa vida, eu havia dito agora há pouco sobre os bailes, isso foi fantástico, praticamente a única alegria que nós tínhamos exceto ir até o Centro, ir ao cinema e tal. Fundamos um clube lá chamado Creasy Clube onde nós promovíamos baile todo final de semana e praticamente foi essa vida que marcou ali essa passagem durante esse período aí de alguns anos cinco ou sete anos ou um pouquinho mais talvez lutando boxe em 62, onde eu praticava isso e simultaneamente os bailinhos. Até que eu comecei a me desviar um pouquinho do esporte. Lembro-me dessa época que chegava em casa, isso voltando um pouquinho no tempo do pugilismo chegava em casa com a toalha suja de sangue e minha mãe me dava a maior bronca. “Para com isso”, e não sei o que. Onde você começa a perder a motivação por aquilo que você está fazendo. Lembro-me de uma passagem curiosa no boxe, o técnico ia levar alguns pupilos, eu me lembro o nome dele era Arnaldo Tagliatti, um italiano muito enérgico. Também ia levar uns quatro ou cinco pugilistas pra Itália pra fazer uma exibição lá e naquela época por eu ter iniciado minha vidinha de baile, eu não estava muito bem preparado porque ele me deixou de fora, mas eu sabia que ele ia me levar porque tinham falado pra mim. Ir pra Itália praticar pugilismo, lembro-me um fato curioso dessa época, o nome inclusive, tem coisas que marcam mais, isso é normal. Ah, vou retroceder um pouquinho mais, campeão do Quatro Centenário quando São Paulo fez 400 anos, eu vibrei muito na época, o Corinthians foi campeão do Quarto Centenário, eu dei uma fugida um pouquinho do foco aí, eu estava no pugilismo. O que eu estava falando do pugilismo?
P - O senhor estava falando o que estava mudando na sua vida na época que a vida do baile te afastou um pouco do pugilismo.
R - Exatamente me afastou um pouco. O técnico levou esses quatro ou cinco pugilistas e um deles que ele levou se tornou campeão do mundo na Itália chamado Pedro Carrasco. Eu me lembro disso que por sinal esse Pedro Carrasco quando ele começou a praticar boxe na minha academia, eu digo minha onde eu estava é lógico, ele era magrinho, franzino e eu que já estava na academia há mais tempo. Você quer queira ou quer não, você manda nele. “Ô, meu, faz direito isso aí.” Então nós chegamos a fazer boxe juntos, a treinarmos juntos e nesse período talvez um ano, um ano e pouco onde ele também evoluiu lógico e acabaram indo esses seis atletas lá pra Itália. Eu me desliguei, eu não sei o que houve que eu me desliguei totalmente de boxe, embora adorando, eu não sei por que razão talvez os bailinhos talvez, o casamento depois, talvez até... Mas eu cheguei a ler a matéria que ele foi campeão mundial de boxe na categoria dele lá, peso meio pesado coisa assim, eu não me lembro bem.
P - Orlando, eu ia perguntar agora justamente da esposa quando e como o senhor conheceu a sua esposa?
R - Um fato curioso aconteceu com a minha esposa. Ela trabalhava numa tecelagem próxima à residência dela e eu tinha outra namorada, a gente não se conhecia, até que um dia eu andando de bicicleta no meu bairro, uma coleguinha brincando comigo e nós demos uma trombada e claro caímos no chão e me machuquei, isso foi num sábado. No domingo, eu acho que foi... Bom, eu não fui ao bailinho esse dia porque eu estava com o olho inchado ou qualquer coisa assim e domingo de manhã não tinha nada pra fazer. Eu fui à missa com a minha mãe, me levou à missa, meu pai junto e coisa assim, eu me lembro desse fato. E nessa missa eu vim a conhecer a minha esposa você acredita? Onde começamos: “Oi”. “Oi”. Ela morava ali perto, lembro-me que um dia eu fui namorar na casa dela de sapato branco e ela me deu a maior bronca, me mandou embora trocar de sapato, porque quem usava sapato branco era malandro. Lembro-me de uma das primeiras vezes ir ao cinema, tinha que levar o irmãozinho dela pequeno, chegava no cinema comprava uma balinha dava pra ele, ele ficava do outro lado e você ficava aqui namorando com beijinhos e abraços, entendeu? Coisa que hoje não existe mais isso, mudou totalmente.
P - Isso o senhor tinha o quê? Uns 18 anos?
R - Não, isso eu já tinha... Isso foi em... Eu casei em 66, eu namorei com ela dois anos e dois meses.
P - Estava no meio da década ali. E o senhor trabalhando como vendedor na mesma empresa de material de escritório?
R - De material de escritório, eu fiquei com ela talvez uns dez anos, então um cliente numa indústria que eu visitava fazia uma tecelagem, tecido pra estofamento, esse chenille aqui, isso é chenille, me convidou se eu queria vender tecido. “Tecido? O que é tecido? Como é que chama? O que é?” Então eu peguei e comecei a vender tecido e ia muito pra São Bernardo do Campo vender rolos de tecidos pra móveis, eu vendi muito para aquela região lá, eu fiquei lá também se não me engano 12 anos vendendo pra essa empresa e em seguida me convidaram pra ser representante da Teka cama, mesa e banho. Aí eu fui pra lá e fiquei até 2004, eu fiquei 20 anos com Teka.
P - Mas espera só um minutinho, vamos voltar um pouco daqui a pouco a gente chega na Teka. Então no meio da década de 60 o senhor se casou?
R - Perfeito.
P - Conta essa história do casamento pra gente?
R - Que história eu poderia contar? Tem uma foto aí sobre...
P - Como foi o casamento?
R - Como foi o casamento de igreja? Ah sim, eu entendi agora a sua pergunta, eu já respondo já. O casamento na igreja dentro da formalidade, só que naquela época eu era, não digo rebelde, mas questionador e eu costumo ser um pouquinho questionador. Na época do casamento, um pouquinho antes tinha que fazer um testemunho com o padre e como foi esse testemunho? Eu lembro que quando eu entrei pra conversar com o padre, o padre começou a me questionar e eu virei as costas e fui embora de raiva. Eu sentei, a minha noiva perguntou: “O que houve?”. Eu disse: “Deixa pra lá, o padre me encheu a paciência.” Mas foi um casamento bonito e como foi a festa? União de ambos os pais, tanto o meu quanto o dela. Um pagou a bebida o outro pagou a comida, a minha mãe fez 400 salgadinhos, a mãe dela fez o bolo, a festa foi feita onde? Na casa dela que era uma casa que tinha mais espaço e fizemos a nossa festa de casamento na casa da minha noiva, dos pais dela. Simples, mas que rolou até não sei que hora porque era... Eu não me lembro exatamente a hora, tipo meia noite, me levaram pra pegar o trem, porque eu fui de trem passar minha lua de mel no Rio de Janeiro onde eu fiquei no Hotel Novo Mundo durante uma semana, eu não me lembro bem, mas o casamento foi em casa.
P - Qual é o nome da sua esposa?
R - Clarisse.
P - O nome completo?
R - Clarisse Pascoalino D’Agostini.
P - Foram passar uma semana de lua de mel no Rio?
R - No Rio de Janeiro.
P - Você já conhecia o Rio?
R - Não conhecia o Rio até onde me lembro. É claro, tirei várias fotos, fomos assistir o jogo do Fla/Flu, é lógico tinha que visitar. O Maracanã e depois subi lá também pra ver aquela visão fantástica do Cristo. O bondinho, eu me lembro dessas passagens todas durante uma semana que a gente passou lá foi fantástico.
P - E o senhor saiu da casa dos seus pais?
R - Sim, veja, como eu havia dito, existia a casa de meu pai e mais três casas, os meus irmãos mais velhos moraram lá muitos anos e eu morei dois, quando eu consegui arrumar um dinheirinho queria comprar um carro e minha esposa falou: “Não, vamos comprar a nossa casa primeiro.” Quem manda é a mulher, mas entre aspas. Bom, eu acabei comprando uma casinha simples e lá vamos nós no final de semana, nessas alturas eu já tinha a minha filha mais velha, a Elaine e final de semana eu pegava o carrinho de bebê e ia visitar os meus pais lá próximo, eu comprei uma casa próxima. Até que consegui comprar o meu carrinho, um fusquinha 62 canela seca, você sabe o que é canela seca? Você não engata a primeira com o carro andando, você é obrigado a passar com ele parado e pra você mudar de marcha você tem que dar o tempo certinho se não cria dificuldades, mas pra você sair, você tinha que parar o carro pra poder colocar a primeira. Eu comprei esse carro de um japonês, eu tinha tirado a carta há pouco tempo e pedi pra ele: “O senhor me leva até em casa?” Ele me levou até em casa botou o carro na minha garagem, cuja garagem eu... O meu irmão mais velho... O outro já tinha ido, o meu pai e meu cunhado e eu fizemos uma garagem nos finais de semana. Bom, comprei o carro do japonês, ele enrolou um pouquinho, mas tudo bem, ele me levou o carro até em casa e chegou à noite. Eu ansioso pra pegar o carro e mostrar pros pais e no tirar da garagem eu já esfolei o paralama. Então cheguei na casa dos pais com aquela alegria toda. Que hoje isso infelizmente se tornou rotina, mas todo ano você já faz isso.
P – Agora, Orlando, você se lembra do primeiro passeio... Dessa primeira vez você foi lá mostrar o carro pro seu pai era pertinho. Mas você se lembra do primeiro passeio de carro que você deu com a sua esposa? Pra onde você foi?
R - O primeiro passeio foi... Eu já havia dito sobre isso foi Aparecida do Norte benzer a chave, benzer o carro e coisas assim, entendeu?
P - Por São Paulo por onde você costumava andava?
R - Por São Paulo eu não me lembro de nada marcante assim... Ah, eu fui a Poços de Caldas já com os dois filhos pequenos, por sinal já estão aí na foto, Itu, Águas de Lindoia, Serra Negra, São Pedro, quer dizer praticamente passagem, ali... Mas me lembro de vários passeiozinhos que nós fazíamos às vezes no final de semana. Lembro-me de chegar a Poços numa sexta feira procurar pousada e ficar lá dois dias com a família.
P - Em São Paulo nessa época já tinha bem mais carro. A gente começou contando do bonde e aproximando da década de 70 já era uma cidade que tinha passado por aquele processo de crescimento. Devia ter muito carro, por onde você andava aqui? Você trabalhava com o carro?
R - É lógico que quando eu comprei o carro foi uma alegria, eu consegui trabalhar de carro. Que gostoso, só que nessa época isso já foi em 70 e poucos eu nessa indústria que eu já vendia tecido. Depois desse carro, eu troquei e comprei uma Brasília zero e no ano seguinte mais uma outra, quer dizer troquei a Brasília zero, um Passat onde com esses carros eu fazia o meu trabalho que ia muito pra São Bernardo do Campo, inclusive pra entregar também tecido, eu vendi e ora eu entregava também.
P - Agora voltando um pouquinho, Orlando, quando você disse que a sua esposa disse: “Não, vamos primeiro comprar casa”. Nessa época você já tinha tido a sua primeira filha. Fala das suas filhas, a primeira chamava Elaine?
R – Elaine, chama-se Elaine.
P - Ela nasceu quando você estava na casa dos fundos ali do seu pai?
R - Não, eu já... Espera aí você agora me confundiu... Não, nasceu quando eu estava na casa dos fundos dos meus pais e depois nós fomos pra essa casa que eu comprei, ela já era pequenininha. Eu lembro que no começo eu morava no cômodo e cozinha, a casa que eu comprei tinha sala, mas só tinha sala, entendeu?
P - Era pequenino o resto?
R - Não, não tinha nada na sala.
P – Ah, só tinha a sala, não tinha nada dentro da sala?
R - Exatamente.
P - Você foi equipando aos poucos?
R - Isso era vida difícil.
P - Viviam você, a sua esposa e a sua primeira filha?
R - A primeira filha.
P - E quantas filhas mais você teve?
R - Depois da Elaine, dois anos mais ou menos veio a Adriana e daí mais uns três, quatro anos veio o Fabiano e eu e meus três filhos... Eu tive uma sorte fantástica também, porque todos os três tiveram condutas exemplares, a minha filha mais velha na época se formou professora, mas depois mudou ainda bem. Pra línguas e começou a dar aula de inglês na época e depois arrumou emprego na Dal Química empresa multinacional, onde ela está há 20 anos e muito bem realizada profissionalmente e dá um suporte pra toda América Latina, enfim teve essa ascensão também. A minha segunda filha, a Adriana se formou em Química na época queria ser nutricionista, eu cheguei até fazer inscrição na faculdade, mas depois ela mudou pra Química fez no Mackenzie Química e se formou, não chegou a doutor, mas fez Mestrado e profissionalmente ela agora está cuidando do meio ambiente. O trabalho dela é análises ambientais, ela está muito bem realizada ali. E esse filho meu que eu não sei se cheguei a comentar, mas acho que não já com 13 anos eu o registrei na minha empresa, porque houve um período eu era pessoa jurídica representante comercial pessoa jurídica, eu o registrei na minha empresa pra poder usufruir do INSS num prazo mais curto. Mas ele no colegial técnico, como é que fala? Eletricista? Não, bom, daqui a pouco a gente lembra, ah, é eletrônica. Logo em seguida arrumou estágio na Kodac do Brasil. Do estágio ingressou na faculdade e já foi efetivado na Kodac. Com 18 anos ganhou o carro da Kodac e saiu pra rua pra consertar essas máquinas Xerox de fotocópias, onde várias vezes eu saí com ele pra ver como era o trabalho dele. Tem aquelas máquinas enormes, não é essa que você levanta a tampinha, essas máquinas enormes, e ele consertava tudo aquilo lá pela Kodac do Brasil até que eu me lembro dele com 22 anos, eu já tinha dado o inglês pra ele, voltando um pouquinho mais, eu dei inglês para os três filhos. E pras duas eu fiz questão de dar um carro quando tirava a carta. 18 anos um Fiat 147 zero, mas dei pras duas. Quando chegou o filho 18 anos, eu falei: “E agora?”. “Pai, eu não preciso de carro, eu tenho o da empresa, eu fico com ele no final de semana também, põe o dinheirinho na poupança.” Eu botei o dinheirinho do carro na poupança pra ele dentro dos valores compatíveis. Ele com 22 anos falou: “Pai, eu já entrei em contato e vou me especializar nos Estados Unidos, vou pra Califórnia.” Nessa época eu estava lá na sede do Lions e fiz até uma festa de despedida com os amigos da Kodac dele, os amigos do Mackenzie e os amigos do bairro, uma festa despedida que cantamos aquela música: “Garoto eu vou pra Califórnia...” E lá foi ele pra Califórnia e nos deixou, desculpa eu fiquei agora um pouquinho emocionado. E ficou lá três anos, na verdade nesses três anos, dois finais de ano ele veio passar o Natal conosco, porque eu ainda mantenho uma tradição que eu herdei Natal família unida, final de ano se puder vai todo mundo pra praia e eu ainda consigo manter isso. Um final de ano a gente se comunicando ele falou: “Pai, esse ano eu não vou passar o Natal com vocês, não”. Deu as suas explicações e ele lá na Califórnia, filho da mãe, não é que chegou dia 22, 23 de dezembro. Começam a chegar amigos dele na minha casa pra me cumprimentar pelo Natal. Eu falei: “Você veio, muito obrigado, mas o Fabiano não veio”. E de repente o filho da mãe começa a subir com outros amigos fantasiado de Papai Noel, entendeu?
P - Pregou uma peça em você.
R - Pregou uma peça que eu e a esposa... Enfim, é lindo, lindo e houve um ano que nós fomos lá visitá-lo, ele bolou um roteiro. Eu peguei a esposa e as duas filhas e fomos lá visitar. E cometi um erro fantástico nessa época, eu saí daqui do Brasil de Cumbica pra Los Angeles e eu falei: “Eu vou ficar dez horas sem fumar...”, e eu sou fumante. “Eu não vou levar cigarro, não”. E de Los Angeles outro avião até São Francisco e quando chegamos a São Francisco que descemos assim ele estava lá fora com o carro que ele tinha alugado, ele não chegou a comprar carro lá não me deu aquele abraço e tal, eu falei: “Filho, eu estou louco pra tomar café e comprar cigarro.” Então meu filho me deu uma bronca. “Você não parou com essa droga ainda?”. Eu falei: “Infelizmente ainda não”. “Aqui não é igual o Brasil que cada esquina tem um boteco, deixa ver onde eu acho isso”. Então andando um pouquinho mais pra frente tinha uma loja de souvenir, pediu um café, um cigarro Marlboro botou uma nota de dez dólares no balcão e vi ele pegar o troco dois dólares e meio. Eu falei: “O que é isso?”. “Pai, o cigarro é cinco dólares e o café é dois dólares e meio”. “Eu vou jogar essa porcaria fora”. E já fui abrindo, desculpa eu não sei se tem algo a ver...
P - Pode falar o que quiser. Só vamos trocar a fita. O senhor estava contando dessa viagem pra Califórnia e depois do cigarro caríssimo como foi essa viagem?
R - Foi fantástica, olha, com o devido respeito ao nosso Brasil, porque eu sou brasileiro e defendo, mas nós somos realmente uma nação bem diferenciada do primeiro mundo, não vou usar o termo que eu tenho em mente porque existe respeito lá, disciplina inclusive. Eu, fumante, tinha até receio de jogar ponta de cigarro no chão, lembro-me... Porque meu filho montou um roteiro onde durante algumas horas a gente rodava, parava pra comer onde paramos em Santa Mônica a terra em que faleceu agora o Michael Jackson, Santa Mônica, Santa Bárbara. Eu fui conhecer o parque Jellystone, o parque do Guarda Belo, eu não sei se você se lembra de um seriado que tinha na televisão sobre o Guarda Belo, o guarda que guardava os ursos naquela reserva lá. Lembro-me que a gente parava, almoçava e sempre pegava um lanche, um biscoito alguma coisa e também umas latinhas cerveja. Lembro-me um dia nós paramos pra fazer um piquenique e falei: “Vamos almoçar por aqui mesmo”. Abri o porta-malas do carro e peguei uma cerveja e tomei. Meu filho me deu uma baita de uma bronca: “Pai, não pode”. “Eu não sabia”. E fui obrigado a pegar o lenço enrolar e continuar tomando minha cervejinha, entendeu? Lembro-me que ele nos levou lá em São Francisco no culto evangélico lá onde a Sharon Stone, aquela atriz famosa, costumava cantar e acabou que o dia que nós fomos lá, ela foi lá cantar o culto dela só que nós cinco entramos. É claro, eu procurei um banco que cabia os cinco, não estava preocupado com quem estava na frente e tal. Na hora do abraço quando viraram pro nosso lado pra dar aquele abraço, eu percebi que tinha uns quatro ou cinco gays na minha frente. Eu falei: “Tudo bem, faz parte, paz de Cristo”. Coisa assim, mas foi lindo. Lembro-me em Las Vegas, desculpa aquilo é a ilha da fantasia, mas sem o Tatu. Não sei se vocês já assistiram o filme, aquele seriado que tinha Ilha da Fantasia. Bom, voltando à ilha da fantasia chegamos em Las Vegas você entra naturalmente em qualquer hotel sem estacionamento, mas com total controle você põe o seu carro, tranca e vai embora e entra nos cassinos. E nosso objetivo lá era fazer turismo e não conhecer jogos, eu me lembro que eu trouxe uns 15 copos de plásticos onde eram colocado as moedas e quando você vai num caça-níquel você pega um copinho plástico e joga as moedas ali e cada copinho desse tem identificação do cassino. E eu trouxe pra casa como lembrança, souvenir uns 15 copinhos desses. São fantásticas as recepções que existe em cada cassino, não sei se deve me estender mais sobre isso, porque o foco mais acho que seria...
P - O foco é a sua vida pode contar.
R - E foi algo fantástico. Lembro-me de dois fatos curiosos dentre outros porque quando entramos nós cinco no cassino de Veneza, cujo teto parecia realmente um céu, mas era pintura e vieram cantando pra nós o rei e a rainha em fantasias, lógico que em italiano e nos abraçando, dando boas-vindas, que recepção fantástica. Em cada cassino que você entra é um tipo de recepção de acordo com o país, eu visitei também o cassino do Brasil, tem um cassino lá, eu não me lembro exatamente o nome. E outro cassino que me marcou barbaridade foi que determinada hora ia ter um show entre piratas e os barcos ingleses, como que chama? Os barcos têm um nome específico, mas como é isso? Bom, na frente do hotel um grande largo que fazia uma volta e contornava esse cassino, Corsários... Corsários eram os piratas e a fragata francesa, inglesa, eu não me lembro bem, conclusão: de repente sai do barco um pirata escondido atrás do cassino, começa aquela simulação de guerra com binóculo, os piratas e começam a trocarem tiros e nós numa passarela, nós cinco e trocam tiro. E de repente o barco consegue derrubar os piratas e afundam o navio deles, afunda quase que inteiro, todo mundo bate palma e aplaude e de repente o navio começa a subir outra vez e ele se esconde lá atrás para um show daí a mais duas ou três horas.
P - Isso foi em 2000?
R - Não, em 99, lembro-me um 7 de setembro em que nós estávamos lá em São Francisco e fomos passear no centro. Conheci um pouquinho o que é homeless, homeless é o favelado igual nós temos aqui. Nós andamos num prédio, andando numa praça e eu vi a bandeira do Brasil hasteada e eu falei: “Filho, que prédio é aquele ali? Com bandeia do Brasil hoje?”. Eu não estava me lembrando que dia era, porque eu estava fora. “Ah, vamos lá ver o que é”. Fomos todo mundo ver lá e quando entramos houve coincidência, em inglês eu não sei nada, mas meus três filhos sabem tudo. Subimos e ele falou: “Pai, hoje é 7 de setembro e São Francisco homenageia o Brasil”. Por algum fato que eu não estou bem a par de qual foi esse fato, mas São Francisco em 7 de setembro, era o prédio da prefeitura, e eles colocam a bandeira do Brasil lá.
P - Então isso foi 7 de setembro de 99?
R - Isso. Lembro-me nós rodando na rota 66 e felizmente era o meu filho que estava dirigindo, eu na frente, as três indo atrás e de repente na rota 66 surgiu um carro de polícia com sirene. O filho encostou, quando meu filho encostou o carro, nós estávamos rodando já por uma questão de uma ou duas horas. Então ele encostou e a viatura atrás, eu abri a porta do meu carro e saí pra calçada e o policial atrás fez assim pra mim. Como quem diz: “Volta e senta”. Eu sentei no carro e bateram boca o filho com o policial e assinou uma multa. Lá era 80 milhas se não em engano, o filho estava a 80 e poucas milhas e ele foi obrigado a assinar uma multa. E pra devolver o carro teve que pagar a multa. É o critério deles.
P - Bom, a gente deu um pulo grande na sua vida porque o senhor contou um pouco a trajetória dos três filhos. Agora eu queria voltar um pouquinho ainda no final da década de 70 porque eu tenho a impressão que você já estava estabelecido já com os três filhos e morando na sua casa lá na Vila Matilde onde você sempre morou.
R - Perfeito.
P - Eu queria que você falasse um pouco da sua trajetória profissional ao longo dessa década seguinte, a década de 80 que foi uma década muito complicada do ponto de vista econômico. Como foi a sua vida de vendedor vendendo tecido e depois indo pra Teka?
R - Meu querido, essa sua pergunta eu já havia dito antes, algo bem próximo da sua pergunta quando eu falei que meu pai disse numa ocasião que o homem sem dinheiro não é homem. Nessa fase que você citou em vendas não conseguia... Tive enfim aquela depressão violenta porque não conseguia vender e ganhar onde eu falei que meu pai tinha razão, eu tinha vergonha de ir a padaria pra tomar um café porque eu não tinha dinheiro e comprar sabonete era um só. Foi uma fase muito difícil. Na época eu tinha um carrinho e falei: “Fazer o que agora? Profissionalmente não existia como sapateiro, certo? Em vendas o que eu vou fazer agora? Vou ver se transfiro meu carro pra taxi”. Eu estava pensando o que fazer, mas no trabalho dia-a-dia começou a melhorar, foi indo e eu continuei em vendas até agora, mas foi um período difícil.
P - Isso você já estava na Teka?
R - Não, ainda não estava, eu entrei na Teka em 86 se não me falha a memória em 86, 84 coisa assim.
P - E como foi esse convite pra mudar de emprego? Como aconteceu?
R - Nessa empresa que eu trabalhava e vendia tecido, a Teka também fabricava tecido, então um colega me deu a dica: “Orlando, está surgindo uma vaga lá e tal pra ser preposto”. Eu fui ser preposto de um representante titular de um nome famoso, eu não sei se devo citá-lo ou não, mas eu não vou citá-lo, não. Uma pessoa famosa, eu fui preposto dele, sabe o que é preposto?
P - Não, eu sei que o preposto é o representante da empresa ou não?
R - Não, eu representava a empresa indiretamente, mas era ele que me organizava, ele que me pagava as comissões e ele recebia da sua empresa. Então ele recebia tipo cinco por cento e me dava dois ou três por cento de comissão, então eu era preposto. Mas foi um convite, eu fui e topei e trabalhei um período até que na época a Teka resolveu modificar o seu quadro de vendas em vez de ter só um representante, quis ter vários representantes. Só que pra você ser representante da empresa você tem que ser pessoa jurídica e na época eu era um autônomo, sabe o que é um autônomo? “O senhor tem que abrir uma jurídica”. Eu falei: “Tudo bem”. Então peguei o contador e abri uma empresa jurídica em 84, 85 onde eu comecei a vender Teka diretamente nas lojas, vendia pra supermercado, o Carrefour, vendia pra grandes empresas também e pequenas.
P - E o senhor tinha uma área de atuação em São Paulo? Ou era a cidade toda? Como que era?
R - Aí é que vem um detalhe. Empresa grande é complicado. Houve um período que eu tinha clientes. A partir do momento que eu abria o cliente ele era meu e assim funcionava, tanto é que no Brás eu tinha só uma meia dúzia de clientes, porque o titular que era tinha todos e eu só tinha uma meia dúzia de empresas novas que foram abrindo, enfim... E eu não tinha zona, eu fazia Brás, 25, zona leste prioritariamente, mas ia também pro ABCD só que depois chegou um período que a Teka começou a acabar com isso, me tirou o alto-serviço e o que é alto-serviço? Supermercado, me tirou o Carrefour, me tirou o Dabob, me tirou Master empresas que eu me lembro... Supermercados que é alto-serviço, o consumidor chega, pega e vai embora e houve esse acidente enorme com o filho, eu não sei se cheguei a comentar, mas acho que ainda não. Em 2002, o filho morando lá... Desculpa talvez um pouquinho fora de ordem...
P - Fique a vontade com a sua história.
R - O filho morando lá e depois do Bin Laden ele veio embora, lembro-me que 18 de agosto a 18 de janeiro de 2002 passou uma matéria no Jornal Nacional sobre jovens estudantes que foram para o exterior nos Estados Unidos e o Fabiano D’agostinho meu filho conta a sua história no Jornal Nacional dia 18 de janeiro de 2002. Então o filho conta na minha primeira entrevista: fiquei três anos nos Estados Unidos e no meu retorno na primeira entrevista aqui no Brasil já arrumei emprego e aparece ele no computador que foi a área que ele se especializou lá. Isso dia 18 de janeiro de 2002, quando foi 27 de março do mesmo ano retornando do seu trabalho com seu carro, o meu filho pra entrar na garagem parou um carro atrás e quando ele vai olhar... Bom, resumindo leva um tiro e meu filho vive sobre cadeira de rodas, isso ele tinha 26 anos foi pra lá com 22 e com 26 anos aconteceu essa desgraça com ele. Até nesse dia eu tinha uma reunião na qual eu sempre participei do meu bairro no CONSELHE, conselho de segurança, eu não sei por que eu não fui à reunião nesse dia, estava em casa e quando escutei o barulho, saí eu e a esposa e o filho estirado lá no chão quase morrendo. E aí foi aquele baque, um transtorno na nossa vida em 2002. Eu e a esposa é que sofremos mais, ele ficou lá comigo. Chorávamos todos os dias com psicólogo e fisioterapeuta em casa dia sim e dia não, chorávamos todos os dias. Eu me lembro de uma passagem curiosa, desculpa, está onde ele não queria tomar o remédio, não queria fazer sonda, queria morrer: “Me mata, eu quero morrer.“ Eu fui obrigado... Porque quem mais convive com esse tipo de drama são as mulheres, elas têm mais jeito pra isso ou mais sofredoras eu não sei bem... Eu ouvi aquele bate-boca que ele não queria tomar nada e nem fazer sonda, entrei no quarto dele e dei um tapa na mesa e falei: “Se você quiser se matar, vai se matar lá fora, aqui dento você vai obedecer sua mãe, vai tomar remédio sim, senhor”. Dei uma de machão, saí foi num cantão e chorei igual besta, por quê? Uma pessoa quando está em parafuso, que era o caso, o psicólogo conversando conosco, inclusive falou: “Vocês não podem jamais chorar perto dele e falar: “Que pena, que dó”. E vai por aí a fora. Isso foi o psicólogo que deu essa coordenada e a gente na frente dele dava uma de machão, entendeu. Isso passou 2002 com essa história toda, o sofrimento nosso todo, a família também, mas quem mais conviveu com ele fui eu e a esposa. Aí eu chorando comigo falei: “Meu Deus agora a vida está redonda pra mim sem grandes ambições somente viver, não vou comprar mais tijolo, eu quero é trocar de carro e viver bem, baile com a esposa, viajar, aproveitar a vida, a gente já está indo para aquele caminho, o que eu vou fazer pra cuidar desse filho agora? E agora, meu Deus, como eu faço?” E a Teka cortando clientes e por aí a fora, eu consegui colocá-lo na AACD, onde foi bastante útil, e logo em seguida surgiu uma peça de teatro promovida pelo Osvaldo Montenegro cuja peça era Noturno, onde o filho começou a conviver com as pessoas em comum e viu que cadeirante também vive, cadeirante também tem prazer. E ele fez esse teatro, algumas apresentações onde ele começou a levantar, porque até então ele... Tanto é que ele escreveu uma matéria, cujo título é Será que voltarei a viver? E voltou tanto é que em 2002. No finalzinho de 2002, naquelas idas a médicos, fisioterapia, AACD e por aí a fora, psicólogos, INSS que ele tinha os direitos e o INSS queria aposentá-lo por invalidez, isso após algumas perícias feitas em médicos contratados, a última palavra tinha que ser do posto do INSS e a chefe das médicas não quis dar alta pra ele. Nós fomos obrigados a mandar a correspondência até Brasília pra que dessem alta pra ele: “Eu não sou inválido", inclusive com a médica chefe do posto: “Escuta, aposentado por invalidez pode voltar ao trabalho profissional?“. “Não”. “A senhora quer que meu filho vá fazer o quê? Vender tênis no Largo da Concórdia, o meu filho não vai fazer isso, não, uma que ele não quer, não sou só eu, não”. “Não, mas de acordo com a lei...”. “Eu não estou preocupado com isso, meu filho tem capacidade”. “Não, mas eu vou aposentá-lo por invalidez”. “Não vai.” Resumindo enviei a correspondência a um amigo lá de Brasília e conseguimos que ele tivesse alta médica e recebe o benefício do INSS por acidente de trabalho e retornou a trabalhar na empresa que nesse período de 2002 a empresa adaptou-se para o cadeirante e o que é isso? Botar corrimão, ampliar porta, quer dizer a empresa fez tudo para que ele retornasse ao trabalho, houve um período de adaptação dele com os colegas sobre cadeira e aquela senhora vem dizer pra ele que ele não pode voltar ao trabalho? Isso não tem cabimento. Lembro-me uma ocasião nessas idas e vindas, uma delas foi para a empresa, a minha casa tem um patamar mais alto ali na garagem em baixo, eu tenho 12 degraus, quando saiu do HC pra ir pra casa, enfim... Uma das saídas de casa eu chamei o meu sobrinho pra ajudar descer com a cadeira de rodas 12 degraus e a esposa atrás de repente, eu não sei o que houve e nós rolamos lá em baixo nós três, eu, meu sobrinho e meu filho. Caiu óculos, celular pra tudo enquanto foi lado. Então a esposa perguntou: “Machucou, filho?”. “Mãe, onde eu sinto tudo bem, agora onde eu não sinto não sei.” Subimos no carro e fomos embora se não me engano fomos até pra empresa dele, eu saí do meu bairro até a Avenida Ibirapuera lá em baixo próximo ao supermercado Ibirapuera, o Shopping Ibirapuera sem falar uma palavra, fomos lá na empresa pra ele começar a se reintegrar com os amigos. Período difícil. Bom, e em casa agora? Eu preciso botar um elevador aqui, então lá vou eu procurar elevador pra colocar em casa, eu fui a um teatro que tem elevador e vi como funciona, aquela plataforma que você desce, põe a cadeira e... 40, 50 mil reais e vai por aí a fora até que um amigo, três, não, dois amigos e um sobrinho que é engenheiro do metrô, o Sérgio é meu sobrinho desse irmão que faleceu quando ele era pequeno. Ele falou: “Orlando, vamos fazer o seguinte: vamos comprar uma torre de carro...”. Aquela que levanta carro pra escapamento. “A gente fura aqui a laje, põe a torre e a gente faz um elevador.” Resumindo: fizemos um elevador em casa graças a um amigo que tem uma indústria metalúrgica que entregou lá a torre, ele dobrou a chapa pra fazer toda a parte. Outro amigo que é engenheiro do SESC, não o SESI, é professor, me ajudou na parte estrutural e esse sobrinho meu que me ajudou na parte eletrônica. Instalei um chamado monta carga, eu montei um elevador que serve agora felizmente quando vem do mercado ou feira sei lá, põe ali e sobe ali e vai pra sala e pronto. Isso em 2002 que eu tive que botar o elevador lá e de 40 mil eu acho que não gastei oito mil e tem elevador lá em casa. Na época eu corri muito atrás de delegacia e seccionais com o retrato falado de um dos três bandidos, a delegacia minha lá do bairro, a 21ª delegacia, o delegado... Eu já tinha amizade porque eu sempre participei da minha comunidade, inclusive ajudei até a reformar a delegacia e quando eu falo ajudei, não foi eu sozinho é em virtude da entidade que é Lions Clube e por aí a fora, não fui eu Orlando que fui lá e ajudei. Mas enfim eu fui lá também e botei um pouquinho de mão de obra... Com retrato falado em seccionais e três delegacias até que o delegado lá da 21ª falou: “Orlando, você tem o retrato falado, você mora lá, os bandidos eram três.” “Eram”. “Você mora na mesma casa?”. “Entendi o que o senhor está querendo dizer, caiu a ficha”.
Ele falou: “Vai pra casa, esquece isso aí, cuida do seu filho. É a melhor coisa que você faz.” Eu falei: “O senhor tem razão". Na época eu estava pensando realmente em vender a casa e mudar, mas eu falei: “Meu Deus do céu, eu moro aqui nessa casa há 30 e poucos anos, morei dez ali e mais 20 lá, eu vou fugir daqui por quê?”. Então eu acabei assimilando e felizmente em seguida o filho começou... A namorada que ele tinha na época foi embora, aí apareceu essa garota, a Cíntia divorciada, mas sem filho e começaram a se dar bem, a se dar bem e vai indo, eu fui conhecer os pais dela, eles vierem em casa nos conhecer, pra ver raízes coisas assim. Um dia o filho chega em casa e fala: “Mãe, arruma toda a minha roupa aí que eu vou morar com a Cíntia". Essa garota que ele veio a conhecer. Ah, voltando um pouquinho, essa garota vinha de casa e minha esposa tenta explicar pra ela o que é um cadeirante: “Olha, vocês estão juntos, mas cuidar de cadeirante é complicado, porque tem isso e tem aquilo.” Ela muito assim descontraída: “Dona Clarisse, eu quando era jovem eu cuidei de um primo que era cadeirante, então eu sei tudo que é um cadeirante.” Bom, eu sei que em seguida o meu filho falou: “Mãe, arruma toda a roupa minha, o que der porque eu vou morar com ela.” Eu cheguei pra ele e falei: “Filho, você vai morar? Você conheceu ela faz um ano, você não acha que é um pouco cedo pra você ir morar com ela?”. “Pai, você não me falou que o homem tem que tomar sua decisão? Eu estou tomando minha decisão e eu acho que está certa.” Eu até falei um palavrão. “Vai... qualquer pepino você volta aqui, estamos aí”. Ele foi embora, isso já faz quantos anos? Isso foi em 2003, faz sete anos, casou e me deu um netinho agora dia 9 de agosto passado dia dos pais, me deu mais um netinho que não está na foto, porque tem seis meses só. E está feliz da vida, já voltou pros Estados Unidos, já foi lá esquiar, já foi rever os amigos que ele deixou lá. Você vê curiosamente, eu já havia dito sobre participação comunitária. Um dia por telefone, ele falou: “Pai eu estou com a mão cheia de bolhas de água". Eu falei: “O que é isso? Bolhas d’água? Você está em São Francisco fazendo computação?”. “É que a empresa nesse final de semana foi fazer um trabalho social e eu fui lá trabalhar, pintei parede, arrumei parte elétrica, fiz isso...”. E contando o que ele fez lá de benemerência para os favelados americanos. A minha participação no bairro como Lions Clube no Brasil 500 anos, eu lancei uma campanha no meu bairro, “Brasil 500 anos Lions Vila Matilde 500 cadeiras de roda” e o que é isso? Queria doar 500 cadeiras de roda, eu não atingi a meta só doei 300 pra você ter uma ideia da minha participação na comunidade sempre lembrando quando eu falo: “Eu doei”, eu me refiro ao grupo de pessoas, não sou eu Orlando pessoa física.
P - Orlando, ouvindo a sua história de vida fica muito claro que você é um homem da cidade. Você veio do interior cedo, mas você é um homem de São Paulo, você não simplesmente passa por aqui como um cidadão, você exerce a sua cidadania em São Paulo. Sobretudo no seu bairro. Você está lá toda a vida tirando o pedacinho de vida da infância que você viveu no Ipiranga a vida toda, na Vila Matilde. Então agora que nós já estamos começando a caminhar pro final de entrevista eu gostaria de começar a fazer alguns balanços, sobretudo, por essa perspectiva de você ser um homem de São Paulo, um homem da Vila Matilde. Uma coisa que eu queria saber é como você... Eu gostaria de ouvir um testemunho seu da transformação da Vila Matilde ao longo dessas décadas de vida sua ali? Porque você não é só uma pessoa que mora ali, você vive a realidade da Vila Matilde, como você pode relatar essa transformação assim desde a rua de terra lá atrás até agora?
R - Eu me lembro quando rua de terra os primeiros comícios políticos que eu ouvia onde eu morava, eu não vou citar nome de político, não é o caso que eu achava que esse país aqui era lindo, maravilhoso. Lembro-me do primeiro asfalto quando veio, lembro-me de uma passagem, houve um período da minha vida antes de ser vendedor, eu fui prestar exame pra guarda-civil, a antiga guarda-civil daquela farda azul. Eu me lembro que o governador era, eu tenho quase certeza Ademar de Barros, aquele período lá de 60 e pouco por aí. E eu prestando exames até quase o ponto de pegar a fardinha amarela que era tipo experiência, mas só que quando eu cheguei ao final no exame médico, eu era obrigado a operar uma varize que eu tinha, uma pequena varize na perna que falaram: “Pro senhor pegar farda vai ter que operar essa varize.” Eu falei: “Tudo bem”. Acabei operando da varize, lembro-me que quando cheguei em casa na rua de barro, meu Deus do céu. Pra descer, pra chegar até em casa que sacrifício e eu operado andando todo enfaixado e atrapalhado, foi uma passagem curiosa. E logo depois parece que o Ademar de Barros suspendeu tudo que era efetivação de novos militares, houve um período que ele bloqueou onde eu reiniciei, não, eu iniciei o trabalho de vendas, isso foi com uns 20 e poucos anos. Outra passagem curiosa que havia passado despercebido comigo, transformação rua de terra que coisa linda quando vinha o asfalto, lembro-me que pra ir tomar o trem pra poder ir trabalhar, pegar o Maria Fumaça muitas vezes eu era obrigado a ir no engate dos dois vagões onde tem aquele engate, não sei se você sabe? Era ali em pé com marmitinha pendurada aqui pra ir trabalhar na fábrica. Lembro-me uma ocasião que descendo a escadaria de Vila Matilde, eu estava lá com uma garota e de repente passaram uns quatro ou cinco rapazes naquelas disputas de: “O que está olhando? Aqui não é seu bairro”, coisa assim e eu com uma garota, na época eu treinava boxe e quando começamos a bater boca à distância já mandei a garota passar por debaixo do trem e correr, eu falei: “Se manda, vai embora”. Então ela passou por debaixo e foi embora. Vieram uns quatro ou cinco pra cima de mim e um deles era... Ele estava servindo o Exército com aquele cinturão, com aquela fivela enorme e veio pra cima... Eu só me lembro exatamente que eu cobri e dei em dois e os dois caíram e eu falei: “Deixa ir embora, eu já ganhei a briga”. A garota já foi embora, eu já ganhei a briga o que mais eu quero? Comecei a subir a escada da estação correndo e por coincidência vinham descendo vários amigos: “O que foi?” Conclusão: aí inverteu a corrida. Eu me lembro dessa passagem que é curiosa também. A evolução como é que eu poderia citar sobre o progresso? Além do asfalto, o cinema na época já existia, uma praça que não era praça, era um terreno abandonado onde domingo eu costumava fazer exibição de boxe com mais dois colegas que treinavam boxe na mesma academia e moravam no mesmo bairro. A gente em dia de domingo ia fazer o que a gente chama de exibição, ia fazer sombra, uma luta, brincar ali só cujo terreno uma ocasião onde tinha os parques de vez em quando vinham, montavam e ficavam lá um período e iam embora. Construíram uns seis sobrados tudo geminados nessa praça, nessa época eu já era diretor da Sociedade Amigos de Vila Matilde e o nosso vereador da época nós brigamos muito com ele pra demolir aqueles sobrados que foram construídos em uma praça pública e conseguimos. Demoliram os cinco sobrados e assim foi feito uma praça cujo nome fizemos um acordo com o vereador: “O nome vai ser Praça da Conquista”, porque foi uma conquista, uma briga da sociedade, comunidade onde a gente venceu e foi feita a praça o nome da conquista. “Quando o senhor falecer a gente coloca o seu nome na praça.” Depois que ele faleceu convidamos a esposa dele e tornou-se Praça Vereador João Aparecido de Paula, um dos progressos que houve no bairro no qual eu participei, eu me lembro disso.
P - Como o senhor se envolveu na associação de lá? Quando foi isso?
R - Quando eu trabalhava nessa gráfica um amigo um pouco mais velho do que eu que já era diretor me convidou: “Orlando, você não quer participar da diretoria lá da Sociedade Amigos da Vila Matilde?”. “Diretoria eu não entendo bem, eu já fui da PM, posso ir”. Então fui. Lembro-me que de início houve uma coincidência ali, a Sociedade Amigos de Vila Matilde estava inaugurando o ginásio de esportes onde Olavo Setúbal foi lá inaugurar o ginásio de esportes nosso. E lá fiquei como diretor vários anos, fui presidente do conselho fiscal, depois me afastei e fui presidente de mais três ou quatro entidades e em 99, 2000 eu retornei pra endireitar algumas coisas que não estavam nos conformes, vamos dizer assim. E fiquei lá por mais três anos até perceber que eu devo mudar o meu foco tem hora que você... Como é trabalho de paixão, como é trabalho de raça, você não pode ter muita coisa que não aceito ficar me envolvendo, eu não concordo, não compactuo com esse tipo de comportamento por duas razões: primeira, não tenho poder pra mudar; segunda: pra ver algo que não condiz com a minha personalidade e terminou o mandato: “Tchau e benção, eu vou embora”. E foi o que eu fiz. Mudo pra outro, porque eu tenho uma dificuldade de andar lá no meu bairro, advinha qual é? “Orlando, vem cá, vamos tomar um café”. “Vamos tomar uma cerveja”. “Você foi lá ontem?” Entendeu? Desculpa a modéstia.
P - É conhecido por todo mundo.
R - Eu não sei se cheguei a falar sobre o encontro da turma dos anos 60, no qual eu sempre vibrei, participo. Pra você ter uma ideia eu montei 50 cartolinas com história do bairro com cartolina 66 centímetros multiplica isso por 50 e vê quantos metros têm de história do bairro e dos anos 60, não fotos minhas se for começar a pegar as minhas então e começar a... O filho quando voltou dos Estados Unidos você acredita que ele demorou um mês pra organizar suas fotos, trouxe mais de duas mil fotografias que ele tirou lá dos países que ele ficou visitando inclusive da Espanha que ele ficou lá em Salamanca durante um mês e pouco fazendo espanhol. Sei lá não sei se é raízes ou o que é se assimilou ou enfim é o jeito nosso.
P – Bom, Orlando, você estava contando do trabalho lá com as histórias da década de 60 com a turma da faculdade, perdão com a turma da escola de fundamental na época do colégio, então você disse que fez uns 25 metros mais ou menos...
R - Uns 30 metros, 60 por cinco dá 30 e poucos metros.
P - Uns 30 metros com histórias e fotos do bairro na década de 60? Algumas delas você deve ter mencionado aqui contando a sua própria história, mas tem alguma marcante que está ali nesse painel de histórias que você não contou pra gente?
R - Alguma marcante nesse painel de história? O que seria marcante? Tantas garotas que passaram por essa passagem que fica difícil você relembrar, o mais marcante não documentado foi esse acidente que eu tive com a bicicleta com uma garota, houve uma trombada. Que ela ficou brincando assim onde no dia seguinte, no domingo eu vim a conhecer a minha esposa, essa seria uma das marcantes o que mais poderia ser?
P - Essa história está lá na cartolina?
R - Não, essa aí não. Está lá onde? No blog?
P - Não, nas cartolinas lá.
R - Não, porque isso aí não está documentado.
P - Conta uma pra gente que ficou nessa exposição que você fez de histórias?
R - Você fala com relação a documento? Foto? Matéria?
P - Não tinham muitas histórias lá nessas cartolinas? Histórias especiais que aconteceram com as pessoas da turma lá no bairro? Eu queria ouvir uma delas, eu fiquei curioso, uma dessas histórias que você incluiu no painel?
R - No painel não incluí porque não tenho documento pra anexar, porque pelo menos no meu ponto de vista quando eu coloco uma foto, eu tenho que colocar alguma coisa e de preferência uma matéria curta, porque ninguém hoje em dia quer saber de ler. Então se eu não tenho uma foto que é minha... Eu coloquei a foto da primeira indústria do meu bairro, coloquei uma foto peguei os dados e coloquei ali em baixo curto umas cinco ou seis linhas só. O colégio do meu bairro Externato São José de Vila Matilde também coloquei a foto e uma pequena matéria dos formandos da época sem citar nome, porque também não vou me lembrar. Então dessas passagens minhas eu não tenho, vamos dizer algo que eu possa colocar escrever é só na memória, eu lembro-me saindo do cinema e indo para um baile com metais. Eu não sei se vocês conhecem metais em baile com trombone, sax, pistões, surdina. Lembro-me de um desse baile que eu estive que foi fantástico um dos bailes que mais gravou assim no sentido: o baile em si, dançar gostoso, bacana e depois sair com a garota também bacana, entendeu? Ou não? Você ter tido uma noite alegre e feliz, eu me lembro disso. Lembro-me de um... Dos carnavais de um deles que eu dancei as quatro noites e três matinês, sabe lá o que é isso? Lembro-me não na Sociedade da Vila Matilde outro clube ali próximo como eu havia dito existia uns quatro ou cinco clubes ali que tinham salão fora os campos de futebol, porque lá tinha vários e um desses bailes de carnaval eu lembro que vim a conhecer Dexamil, vocês sabem o que é isso? O chamado rebite que eu acho que caminhoneiro ainda usa hoje, não era craque, não era maconha, não era nada disso, eu não me lembro como isso surgiu na minha vida, mas um comprimidinho de Dexamil, meu Deus do céu Você dança 48 horas eletricamente sem parar, entendeu? Então são esses fatos que claro faz parte do museu, mas não é nada pejorativo, fez parte da minha vida num curto período isso daí, finais de semana bailes quando tinha... Na época eu já trabalhava então já me administrei financeiramente, não precisava mais dos pais, mas sempre dando satisfação em casa dos meus atos onde foi, porque foi. Eu contei a história da vitrola. “Estava bom o baile ontem? Que horas você chegou?”. “Quatro e meia”. “Então agora deixa eu ouvir o meu Tonico e Tinoco”. “Está bom, fazer o quê?”.
P - E hoje, Orlando, a vida hoje o senhor ainda continua trabalhando?
R - Continuo trabalhando em vendas.
P - Quando está fora do trabalho, o que o senhor gosta de fazer hoje lá na Vila Matilde?
R - Veja bem, como eu havia dito eu sou presidente de uma sociedade Amigos do Bairro, eu dou uma parada lá no final do expediente um pouco mais cedo. Sem muito compromisso e jogo minha bocha, jogo minha tranquinha, tomo minha cervejinha e chego em casa tranquilo com uma cervejinha na cabeça, até a mulher de vez em quando pega no pé. Eu falo: “Enquanto eu estiver tomando a cerveja, está bom, o pior é quando tiver tomando Diabinese ou Isordil e por aí a fora”. E esses remédios todos aí. Ainda dá pra aguentar um pouquinho, porque a vida é pra ser vivida. Você acredita que eu tive um fato marcante há três anos ou um pouco mais, por aí dois anos e pouco, eu como presidente lá da Sociedade de Vila Talarico. É uma equipe de 20 jogadores fora os que não são atletas, mas que frequentam. Tinha um senhor idoso que começou a jogar bocha lá conosco, simpático, bacana, beleza e tal e de repente a mulher lá que toma conta do barzinho, da lanchonete falou: “Senhor Orlando, o fulano está internado”. Citou o velhinho que estava no hospital. “E parece que não está nada bem, parece que vão ter que amputar a perna dele e coisa assim”. Contou aqueles dramas todos de saúde. Eu procurei a ficha dele e falei: “Não é possível, ele mora na minha rua”. Morava na minha rua e eu não sabia. No dia seguinte no final do dia, eu fui até a casa dele, bati palma, saiu uma senhora velhinha esposa dele e eu falei: “Como é que ele está?”. “Não está bom, está ruim, mas parece que vai ter alta, mas vão cortar a perna dele e eu não sei agora como é que eu faço, eu fui até arrumar cadeira de roda na igreja aqui em cima e lá não tem.” Eu falei: “Olha, a senhora esquece o assunto e amanhã cedo eu lhe trago uma cadeira de rodas”. “O senhor traz?”. “Trago, amanhã cedinho eu trago uma cadeira e por sinal nova”. “Tudo bem, um abraço, até amanhã”. Eu fui embora, fui à sede do Lions Clube peguei uma cadeira de roda, botei no meu carro, acho que passei no clube... Eu sei que no dia seguinte de manhã quando eu ia saindo pra entregar a cadeira e visitar alguns clientes me ligam e falam: “Orlando, o fulano faleceu”. “Faleceu? O enterro vai ser hoje mesmo?”. “O enterro vai ser tipo três, quatro horas...”. Eu não me lembro bem. “Onde é que está?”. “Está na Vila Formosa”. “Está joia, obrigado por ter me avisado.” O que eu fiz? Saí com o carro fui à sede do Lions, peguei a cadeira, devolvi e falei: “Eu não preciso mais”. E lá vou eu até o cemitério, entrei, são vários boxes, vários locais e procurei até achar o caixão com uma velhinha encostada, eu vi, entrei, cumprimentei e fiz lá o trabalho normal. De repente chegou um rapaz, rapaz não, ele devia ter uns 40 e poucos anos, não o conhecia: “Muito prazer”. “Esse é meu filho”. Eu fiquei lá uns 40 minutos, uma hora, então eu falei: “Vou até o bar tomar um café. Vocês gostariam de tomar um café comigo? Vamos lá a senhora”. “Não, eu vou ficar aqui ao lado dele”. Eu peguei, saí e fui embora. Já tinha feito o trabalho prazeroso, vai, porque eu me sinto na obrigação disso daí tudo por ser representante de uma entidade. Quando chegou à noite, eu cheguei no clube, os colegas lá falaram: “Orlando, você não foi no velório do fulano de tal? No enterro?” Eu falei: “Eu não fui no enterro, mas no velório eu fui, nove horas da manhã eu estava lá e fiquei lá até umas dez e pouco, então eu tinha um compromisso e saí, por quê?”. Ele falou: “É que, Orlando, na hora de levar o caixão, rapaz, que sufoco". “Por quê?”. “Tivemos que pedir ajuda no velório do lado, porque não tinha seis homens pra levar o caixão”, entenderam? Eu costumo falar isso que você plantou, enfim foi seu estilo de vida, viveu, cada um tem um critério. Tem sua postura. Sabe lá o que é isso? E o velhinho morava na minha rua há mais tempo que eu e a mulher dele ainda mora lá. Depois comentando com a minha esposa, ela falou: “Conheço ela, eu já vi, mas de oba, oba, nada de...”. Morou lá 50 anos e eu moro há 30, mas tudo bem vai.
P – Então, Orlando, pra terminar eu queria te fazer duas perguntas e você fique a vontade pra comentar o que quiser ou acrescentar outras coisas depois, a primeira das últimas perguntas é: eu queria te perguntar o seguinte: o que falta pra ser feito na Vila Matilde? Qual é o seu sonho que você tem pro seu bairro? Pra sua comunidade depois de tantos anos, de uma vida vivendo ali?
R - Dois, um eu iniciei em 95 se não me engano, eu tenho dados pra isso uma casa de cultura no meu bairro, o secretário estadual, municipal de cultura esteve lá e examinou o prédio, era pra ser feito uma casa de cultura, mas não consegui infelizmente. Você por ser um voluntário, um sonhador você não está propenso todo dia, toda hora a ir num órgão público cuidar desse assunto por várias razões dificilmente você encontra um funcionário público que te veja como cidadão e sonhador, ele te vê como cidadão normal fala: “espera aí que depois eu vejo” entendeu. Então eu perdi essa batalha e uma outra é um hospital decente no meu bairro, porque ainda não tem, mas até outro dia eu assinei novamente o abaixo-assinado para que no meu bairro tenha um hospital decente. Tem o Hospital Santa Marcelina um pouquinho longe lá em Itaquera, eu não sei se vocês conhecem a região? Nós temos um hospital medíocre cujo nome é Doutor Alberto Zaidro, hospital da Vila Nhocuné onde meu irmão ficou internado um ou dois dias e veio a falecer, o meu segundo irmão. Não temos hospital e não temos uma casa de cultura, área de lazer eu ajudei a fazer algumas inclusive o CDM UNILEST onde eu participei na época e estava muito lindo, mas mudou totalmente. O que mais poderia faltar pra Vila Matilde? Eu acho que mais nada, porque a hora que você sonha com um grande shopping ou grandes lojas, você traz problemas e Vila Matilde eu considero mais um bairro residencial. Temos lá o Shopping Aricanduva se não me engano o maior da América Latina. É o que me parece ou próximo disso. É muito bom. Temos o Shopping Penha também e Vila Matilde não tem mais o que você poderia pedir, pelo menos eu de momento não vejo nada exceto casa de cultura e um hospital e sem falar - lógico – em escolas mais decentes. Ah, outra briga minha também é posto de saúde, hospital ou posto de saúde, quer dizer hospital é uma coisa e posto de saúde de emergência é outra. Numa primeira passagem posto de saúde e depois hospital, isso Vila Matilde é carente sem contar a insegurança também. Nós temos essa praça cujo nome oficial agora é Vereador João aparecido de Paula que na verdade é mais conhecida como praça da Toko. Toko foi uma equipe de discoteca muito famosa na época, ganharam muito dinheiro, fizeram sucesso trabalharam e o apelido dessa praça é Praça da Toko. Parece que eu fugi um pouquinho do raciocínio que eu estava indo...
P - A falta de segurança.
R - A segurança? Ok, você me lembrou cuja praça é defronte à delegacia, mas nos finais de semana, quinta, sexta e sábado é uma baderna, inclusive não só de lixo como outro tipo de lixo falando assim mais francamente. Por coincidência ontem a minha gerente do banco me liga: “Senhor Orlando, está havendo uma movimentação estranha na sua conta, eu acho que o senhor usou internet e deve ter dado alguma abertura”. Eu falei: “Estou indo aí”. Então fui até lá e realmente houve algo estanho na minha conta bancária, mas ela já conseguiu bloquear tudo, conseguiu reaver quase tudo porque foi ontem dia 21. Conversando com a gerente, peguei os dados inclusive do cidadão que fez a transferência pra conta dele coisas assim. Então conversando com a minha gerente, ela me deu todos os dados, anotei e falei: “Quer saber de uma coisa, eu vou à vigésima primeira delegacia do meu bairro”. Entrei na vigésima primeira e falei: “Ficou bonito aqui agora. Parabéns, que bela reforma e tal”. Eu também já ajudei a reformar a minha delegacia, a delegacia do meu bairro que é a vigésima primeira. “Pois não, o que o senhor deseja?”. “Eu sou fulano de tal e estou com um problema aqui e queria fazer um BO.” Ele me fez igual São Pedro fez pra vendedor: “Senta aí e espera um pouco”. “Escuta, será que demora muito?” “Isso aqui não tem hora, moço”. Respirei fundo, chegou um militar e eu o cumprimentei, porque o batalhão da polícia militar é encostado. Então o militar entrou e falou: “Oi, tudo bem?”. Me cumprimentou porque eu já o conhecia e eu perguntei: “E o Capitão Carasec, como está?” “Orlando, ele não é mais capitão, ele foi promovido, não está mais aqui. O que o senhor veio fazer aqui?”. “Vim fazer um BO aqui, mas pelo que eu estou vendo vou sofrer, mas eu não gosto de sofrer, eu vou embora, prazer em vê-lo”. Virei as costas e fui embora, eu vou fazer isso hoje ou amanhã via internet. Veja só a que situação está chegando o cidadão. Segurança, saúde, educação, eu venho falando já há algum tempinho e eu tenho pena de quem tem filho na faixa de 15 a 25 anos, eu tenho pena se não tiver cuidado o futuro vosso vai ser triste, infelizmente é o sistema que a gente vive hoje. No meu clube, eu escrevi lá uma frase curiosa que eu peguei... Há pouco tempo tinha uma propaganda na televisão a cabo, porque eu tenho a Telefônica, eu não me lembro exatamente como é a propaganda “Eduque pelo exemplo” e tinha um azinho, mas ele era craseado assim, eu botei esse símbolo num quadro branco que eu tenho lá no meu clube e escrevi: “Eduque pelo exemplo”. E logo na pauta embaixo: pai, professor e político. Que exemplo estamos tendo hoje? Fala pra mim? O pai coitado não tem mais domínio sobre seus filhos, os professores coitados não têm nem autoridade pra dar bronca nos alunos e os políticos então nem se fala. Curiosamente cada desgraça política que acontece no Brasil existe outra pra abafar essa daqui, que nem o Haiti agora está abafando os Arrudas da vida e vai por aí a fora. Os Sarneys da vida por aí a fora e vai abafando até cair no esquecimento, infelizmente é isso que nós estamos vendo hoje.
P – Orlando, e a sua vida pessoal, você que tem os filhos bem criados. O seu filho que teve esse problema está superando como você mesmo disse, qual é o grande sonho que você tem na vida depois de conseguir deixar tudo aparentemente bem encaminhado?
R - Graças a Deus, eu me considero já um homem realizado com tudo já encaminhado com os três filhos, os dois netos inclusive uma dormiu em casa essa noite, eu tenho certeza que estão indo para um ótimo caminho que é a escola que eu não tive na época, está indo pelo mesmo caminho. Honestamente meu sonho agora o que eu quero é continuar fazendo aquilo que eu gosto e o que é? Participar, ter prazeres, trocar o carro e viajar e passear, no final do ano os filhos me deram um passeio pra Águas Quentes, eu e minha esposa ficamos lá alguns dias, eu quero ver se esse ano aqui eu faço dois passeios, inclusive um de navio como eu já havia dito. Comprar tijolo, eu não vou comprar mais, o que eu tenho dá pro gasto. Então o meu sonho é ver agora... Claro, os filhos já estão encaminhados, os netos também encaminhados e citar o que um político e grande empresário falou uma ocasião sobre o nosso problema, o problema do Brasil: “Eu tenho a solução pro Brasil”. E qual é a solução? “Aeroporto, estou indo embora”. Teve um empresário que falou isso numa ocasião, eu não vou citar o nome dele. E é verdade, queridos, é uma verdade. Eu sinto pena e por que eu sinto pena? Lembro-me uma passagem curiosa quando eu estava me aposentando, um pouco antes de me aposentar eu pedi direito meu na época, o que chamavam de pé na cova, era uma antecipação da aposentadoria, você tirava com... Eu não lembro exatamente a idade, mas tipo com 30 anos de contribuição você tinha direito de pedir um benefício do INSS, chamado na época pé na cova, quer dizer você está indo pro pé na cova. Recebi esse benefício durante alguns meses e depois alguns meses ou anos, eu não lembro exatamente, eu sei que em 91 eu entrei com o pedido de aposentadoria, me aposentaram e eu fiquei uns três meses, por um período recebendo os dois. O pé na cova e a aposentadoria, isso não está correto, isso não é justo qualquer hora vão me pegar, não é legal. Então lá vou eu no INSS cancelar aquele benefício que eu tinha de pé na cova, mas já fui preparado, puxaram lá e tal e falaram: “O senhor está recebendo faz três meses o pé na cova, o senhor vai ter que devolver”. “Querido, eu vim aqui pra resolver o problema, como é que eu resolvo?” Enfim fez um DARF, um documento de pagamento e eu devolvi 200 e poucos mil para o INSS, mil quando eu falo, eu acho que é em cruzeiro velho. Fui ao banco, devolvi ao INSS e voltei lá e falei: “Está aqui é isso aqui?”. “É”. “O senhor vai dar baixa?”. “Agora eu dou baixa”. Eu fiquei só com a minha aposentadoria. Eu entrei com ação duas vezes contra o INSS, porque eu contribuía sobre sete... Eu cheguei a contribuir sobre 12 salários mínimos quando o teto era 20 e depois caiu pra dez. O teto hoje é dez, eu na época contribuía sobre 12 salários mínimos. Então caiu pra seis e eu me aposentei com sete, entrei com uma ação no juizado federal e tudo e nada, nem satisfação dão. É um respeito que tem pelo trabalhador. Lembro uma ocasião que eu estava na fila do INSS pra me aposentar e encostou um idoso atrás de mim e perguntou: “É aqui a fila pra se aposentar?”. Eu falei: “É aqui mesmo”. Ele falou: “Você já está se aposentando?”. Eu falei: “Tio, eu comecei a pagar essa tranqueira aqui eu tinha 13 anos e nunca parei até agora.” Veja bem, quando você é empregado como eu fui, dos 13 até os 20 anos, sete anos de registro em carteira, você recebe o seu pagamento líquido, você já está pagando pro INSS, mas quando eu passei pra autônomo, você tinha aquele carnê. Na época era uma caderneta azul, depois virou laranja, enfim todo mês você era obrigado a ir lá e dar 20% pro INSS. Aquelas dificuldades que eu falei que não tinha dinheiro nem pra comprar dois sabonetes, comprava um, mas paguei o meu INSS e doía. Então é por isso que... Desculpa, eu falo mesmo. Foi duro chegar aonde cheguei. É por isso que eu dou muito valor quando eu cortava sapato pra ganhar um troquinho a mais pra poder ir ao cinema, nada caiu do céu. Fui usar relógio quando eu já tinha os meus 15 anos. Então o que mais eu quero hoje? Eu costumo brincar que é saúde, paz e amor e quais as metas? Vai ter baile sexta-feira que vem “tudo bem legal o baile”. “Tem um jantar essa semana da empresa você vai comigo?”. “Vou”. Entendeu ou não? O que mais eu quero? Você tem que ter aquilo que te dá prazer, você tem um castelo, aquilo vai te dar prazer? Eu te pergunto, eu acredito que não, o prazer seria você se desvencilhar dele e viver a vida igual àquele castelo daquele cidadão lá que nem conhece o castelo, aquilo te deu prazer ou é ganância? Ganância patrimonial, eu tenho clientes que eu cheguei até a falar com o devido respeito: “Para, homem, de trabalhar, vai cuidar da sua esposa, o senhor está aqui no balcão há 40 anos, relaxa um pouquinho, vai pra casa”. “É meus filhos não querem nem saber aqui da loja”. “Senhor Antônio, vende a loja”. Ele fala: “Ninguém paga o preço que vale”. E o que é valor pra você? Desculpa pelo Lions Clube nós temos lá uma sede própria cuja sede foi comprada com festa junina e por aí a fora. É uma casa antiga adaptada, reformada, derruba uma parede aqui e outra ali. Então nós temos um salão há cinco anos, eu numa reunião eu dei uma opinião, falei pro pessoal: “Nós estamos aqui com um patrimônio nosso, o nosso prédio está deteriorado, deformado é casa antiga e vira e mexe tem problema e temos também um zelador cujo zelador deve ser um problema futuro...” Porque mora ele, a mulher e a filha lá já há 20 e poucos anos, 25 anos por aí. Isso é um problema futuro. “Vamos chamar uma empreiteira e fazer um projeto do que nesse terreno de 12 por 30 pode ser feito no centro de Vila Matilde.” Então vêm aqueles... “Isso foi comprado com muito sacrifício, com muito amor, nós não vamos vender isso daqui”. “Meu querido, eu não estou falando vender, eu estou falando em administrar, eu não estou falando em pegarmos dinheiro e dividirmos entre nós, estou dando uma sugestão: pegar um dinheiro e chamar o zelador. Pega um advogado e o indeniza de acordo com a lei e a empreiteira constrói aqui alguns sobrados, uma sala pra nós ou duas salas e a gente vê o que pode ser feito aqui.” Quer dizer, na minha opinião, uma mentalidade muito conservadora, porque só porque foi comprado com muito suor ele acha que não pode ser nem modificado, inclusive tem... Eu não vou falar a relação o cidadão que não tem condição de ter um carro e tem um fusca porque é herança do pai e não tem condições de ter um carro, mas tem o fusca: “É do meu pai.” Lembro-me que quando morreu o pai, ele queria colocar a camisa do São Paulo no caixão, eu falei: “Não vai pôr, seu pai precisava de você em vida e não pós-morte, você querer dar uma homenagem pra ele, quando estava vivo você nunca deu um abraço nele.” Desculpa é história de vida e eu...
P - É mesmo final, eu queria saber dos seus sonhos e dá pra ver que seus sonhos é o melhor do mundo que é viver bem.
R - É viver bem, trocar de carro, estou reformando... Eu ia mudar de casa realmente, botei pra vender, mas não consegue preço quanto vale ou não vale, enfim... “Sabe de uma coisa, mulher, vamos reformar e ficar quietinhos aqui”. Reformei e até hoje o pião parece que ia terminar tudo hoje, pintar e mais não sei o que e não sei o que lá, espera agora fevereiro ou março pra pegar um carro mais novo e vamos passear e vamos curtir. Daqui a pouco eu vou tomar a insulina, até agora não tenho diabetes, minha mãe morreu de diabetes, ela tinha diabete e deu piripaque e de repente houve um piripaque enorme e acabou morrendo. E meu pai na Companhia Antártica Paulista tinha problema cardíaco, fez acho que duas pontes de safena quando ficou viúvo, ele continuou morando na mesma casa passou um ano e pouco arrumou uma mulher com quatro filhos. É o destino. Sei lá curiosamente. E ia morar dentro da casa que a gente já morava, fomos criados ali, a minha irmã não quis. “Onde já se viu morar na mesma casa da minha mãe”. Meu pai alugou uma casa próxima a minha e eu fui o fiador dele pra ele alugar a casa. Ele falou: “Filho, o patão é o dono do imóvel e precisa de um fiador”. Eu falei: “Dá aqui que eu assino”. E ele veio morar aqui com a mulher nordestina com quatro ou cinco filhos. Ficou lá de aluguel até nós vendermos a nossa mansão que foi dividido em quatro, porque nós éramos quatro. Meu pai pegou uma parte e nós quatro até esse irmão um pouquinho mais velho fez questão de ter uma parte um pouquinho maior, porque por eu ser o caçula eu não dava muito dinheiro em casa, eu dava menos, ele dava mais, mas tudo bem. Meu pai morou lá e de repente ele comprou um apartamento, entrou na COHAB e foi morar com essa mulher e esses quatro filhos, até me lembro que um dia eu estava mexendo no meu carro, limpando dando uma olhada no pneu, enfim... Um homem falou: “Senhor Orlando, meu pai está te chamando”. Eu estava meio de lado assim e falei: “Quem é seu pai?”. “O meu pai é o seu pai”. O molequinho falou isso pra mim, era um garoto com sete ou oito anos que ele tinha na época, você acredita nisso? E até hoje esses quatro, uma era mulher e acho que os três homens, até hoje mudaram pra Bahia e até hoje a gente se fala, quando vem pra São Paulo visitar um parente ela faz questão de passar lá em casa e nos cumprimentar, eu e a minha esposa. Essa passagem de quem é seu pai, de que meu pai é seu pai é algo que... Você consegue imaginar uma coisa dessas? Bom, desculpa se eu falei demais, mas é essa história que eu teria pra contar pra que fique registrado os dados de uma pessoa que vocês também chegarão lá... Trabalharam, lutaram, saíram do quase nada, mas se sente realizado familiarmente e socialmente também, financeiramente dá pra quebrar o galho, o pedidinho de hoje é uma água de coco e uma pedra de gelo.
P - Que coisa boa. Parabéns, a gente agradece muito o seu tempo, a sua história, a gente aqui e o Museu da Pessoa, nós todos agradecemos você por ter vindo aqui compartilhar a sua história com a gente, foi um prazer.
R - O prazer foi meu de estar aqui com vocês e o mais importante é que vocês... Parabéns pelo trabalho vosso, porque um povo sem memória é um povo criança e facilmente conquistado pelos outros, eu venho falando isso aí já faz tempo, povo sem memória é um povo criança. Eu acho um desrespeito quando você está contando a sua história e eu conto não estou preocupado e já muda de assunto e falo da história do fulano ou do tempo, eu acho isso uma tremenda falta de respeito. Isso eu estou falando no barzinho, no dia-a-dia da vida. “Hoje eu fui, meu carro furou o pneu...”. “Isso não é nada, você precisa ver o meu que...”. Ele não quer saber do drama dele, você quer contar é o seu o resto que se imploda, honestamente falando, eu acho isso uma tremenda falta de respeito: “O que houve? Você está triste?”. Eu costumo fazer isso. “Orlando, hoje eu...”. “Mas o que houve?” Inclusive outro dia eu fiz questão de ligar pra pessoa: “Ô, meu, eu estou precisando da sua ajuda, eu vou aí te pegar daqui a pouco”. Fui lá peguei e levei ao meu clube, eu estava jogando bocha, eu saí rapidinho e voltei. É tudo ali próximo, eu peguei uma mesa e duas cadeiras. “Celeste...“, a moça que toca o bar lá: “Traz a minha cerveja, você vai tomar alguma coisa? Refrigerante?”. “Não, tio, eu não vou tomar nada”. Eu já falei quem era. “Escuta, eu estou ouvindo falar que você está com problemas e qual é realmente o problema? O que você precisa?” Ele contou, contou: “Onde eu poderia te ajudar? Vê se você muda um pouquinho os ares, você está vivendo dentro de umas quatro paredes fechado sem abertura, porque você não pega metrô e vai passear? Vai andar ali em baixo”. Enfim eu fiz isso domingo passado, entendeu?
P - É isso aí o que a gente tenta aqui é criar um espaço pra ouvir as outras pessoas. E foi um prazer.
R - O prazer é meu e parabéns pra vocês pelo trabalho e tomara que vocês consigam ter histórias reais. De vida realmente e que possa ir crescendo cada vez mais e divulgue o vosso trabalho, porque eu vi isso pela CBN. Então eu pensei: “Deixa eu ligar pra lá, porque eu acho que tenho um pouquinho de história.”
P - Foi muito legal ouvir a sua história, foi prazeroso e foi um aprendizado também parabéns. Obrigado, a gente agradece muito.
R - Obrigado a vocês.Recolher