Programa Conte Sua História
Depoimento de Luci Araújo da Silva
Entrevistada por Leide Almeida e Eni Caldo
São Paulo, 03/07/2017
Realização Museu da Pessoa
PCSH_HV599_Luci Araújo da Silva
Transcrito por Mariana Wolff
MW Transcrições
P/1 – Luci, fala pra gente de novo o seu nome completo.
R – Lucineide Araújo da Silva.
P/1 – A data do seu nascimento.
R – Dia primeiro de dezembro de 2000.
P/1 – E onde mesmo você nasceu?
R – Eu nasci em Maceió, Alagoas.
P/1 – Maceió, Alagoas, legal. Conta pra gente como é que foi a sua infância.
R – Não lembro (risos).
P/1 – Nada?
R – Um pouco.
P/1 – O quê que você consegue lembrar?
R – Que eu era atentada.
P/1 – É? (risos) Como assim?
R – Ah, eu saía com os meus irmãos, brincava…
P/2 – Do que você mais gostava de brincar?
R – Não sei, não lembro (risos).
P/1 – O que você lembra da tua infância é lá em Alagoas?
R – Um pouco, não… não sei.
P/1 – Não sabe também?
R – Eu só lembro que o meu irmão me levava pra escola quando era criança.
P/1 –Te levava pra escola?
R – Ele me deixou preso no ônibus. Maldade.
P/1 – Presa onde?
R – No ônibus.
P/1 – No ônibus?
R – É, na porta. Me atropelou de bicicleta, já (risos).
P/1 – O teu irmão? Qual irmão?
R – Cristiano.
P/2 – É o seu único irmão?
R – Não, tenho dois em Alagoas.
P/2 – Eles estão lá?
R – É, os dois estão em Alagoas e um tá aqui.
P/1 – Esse irmão que te levava pra escola, então, ele mora e ele sempre morou lá, em Alagoas?
R – Morou lá e veio junto com a gente.
P/1 – Por isso que você não lembra direito se você ia pra escola lá ou aqui?
R – Aqui eu lembro mais do que lá.
P/1 – É? Com quantos anos você veio pra São Paulo?
R – Com seis.
P/1 – Seis?
P/2 – E como foi essa vinda para São Paulo, você lembra?
R – Lembro, a gente veio de ônibus com a tia. Tia não, marido do meu tio.
P/1 – Você morava com eles?
R – É.
P/1 – Quando você tinha seis anos, você morava com o teu tio?
R – É, acho que foi até os oito.
P/2 – E aí, como foi com oito anos?
R – A gente foi pro CRECA.
P/1 – Onde?
R – CRECA.
P/1 – O que é o CRECA?
R – É uma casa de passagem.
P/1 – Então, você morava com os teus tios e depois você foi pra…
R – Pro CRECA. Uma casa de passagem. Depois da casa de passagem, nós fomos para o abrigo AME com nove anos, aí com 11 eu vim pra cá, para esse abrigo.
P/2 – E me fala um pouquinho dos seus pais nessa história aí, o que aconteceu?
R – Minha mãe morreu de câncer no pulmão e o meu pai eu não lembro, acho que ele abandonou a minha mãe.
P/2 – Você nunca conheceu o seu pai?
R – Conhecer eu acho que eu conheci, é que eu não lembro mesmo, acho que foi com cinco e pouco, uma coisa assim.
P/1 – E quando a tua mãe morreu, quantos nos você tinha?
R – Seis, eu fiz seis anos. Quando eu fiz seis anos… pelo menos é o que tá escrito lá. Nove dias depois, ela morreu.
P/2 – E você tem alguma lembrança assim, da sua mãe? Alguma coisa que…
R – A foto.
P/2 – Como ela era?
R – De cabelo cacheado, longo, branquinha, magrinha… magrinha não tanto, né, que na foto tá gordinha, corpuda e baixinha.
P/2 – Você só tem a lembrança dela na foto? De algum momento com ela? Alguma coisa que vocês faziam juntas na infância, você não lembra?
R – Não.
P/1 – E as lembranças com os seus irmãos, que você falou… com esses dois irmãos. Com os tios, você lembra de alguma coisa, assim?
R – Com o tio?
P/1 – É, com o tio, com a tia…
R – Qual deles?
P/1 – Esse que você morava.
R – Mal.
P/1 – Como assim?
R – Mal. Maltratava a gente.
P/1 – É?
P/2 – Ele era irmão de quem? Da sua mãe ou do seu pai?
R – Da minha mãe.
P/2 – E aí, só para voltar um pouquinho para ver se eu tô entendendo também a passagem. Sua mãe faleceu, aí você foi morar com esse tio.
R – Não, a gente ficou lá em Alagoas, praticamente, acho que foi um ano com o Cristiano que tinha…
P/2 – Quem é o Cristiano?
R – Meu irmão.
P/2 – Seu irmão?
R – É, que mora aqui.
P/2 – Tá.
R – Aí, a gente ficou com ele um ano e a gente veio pra cá.
P/2 – E onde entrou o tio na história?
R – Quando acho que o meu tio… o Nilton disse que foi obrigado a trazer a gente pra cá. Porque ele não era tio de sangue. Não podia ficar com a nossa guarda.
P/2 – E quem é o Nilton?
R – Padrinho do Cristiano.
P/2 – Que era o que vocês estavam? Aí, vocês não puderam ficar com ele porque não tinha a guarda oficial…
R – É.
P/2 – Aí, foi morar com…
R – O tio.
P/2 – Com o tio. Que chama?
R – Paulo.
P/1 – E você lembra quanto tempo você ficou com eles? Com o tio?
R – Acho que foi… qual deles?
P/1 – Com esse tio que depois te trouxe.
R – Um ano e pouco…
P/2 – O Paulo.
R – O Paulo?
P/2 – É.
R – A gente veio com sete pra cá, oito, nove, acho que foi praticamente dois ou três.
P/2 – Três anos? já aqui em São Paulo?
R – É.
P/2 – Então, vocês saíram de Alagoas e vieram pra São Paulo com o tio Paulo?
R – Não… é, com a tia. Com a mulher dele, a gente veio.
P/2 – É? Como ela chama?
R – Cremilda.
P/1 – Eles moravam lá e o tio não veio? Veio só ela, só a mulher do tio com vocês?
R – Buscar a gente. É.
P/1 – Ela veio trazer vocês?
R – Ela foi lá buscar a gente e trouxe a gente.
P/1 – Ah! Ela morava aqui?
R – Ela morava.
P/2 – E ela trouxe quem? Você, o Cristiano…
R – Ela trouxe os seis, só que aí, ela não quis os dois mais velhos…
P/2 – Vocês eram em seis irmãos?
R – É. Três meninos e três meninas.
P/2 – Tá. E aí?
P/1 – Aí vieram todos com ela?
R – Ela não quis os dois mais velhos, mandou pra Alagoas de volta. Aí, eles ficaram com o Nilton.
P/1 – Então, esses dois irmãos seus que moram lá hoje são esses dois que voltaram logo que vocês chegaram aqui? Tá. E aí, vocês quatro ficaram com ela?
R – Uhum.
P/1 – Quanto tempo?
R – Uns dois anos, eu acho.
P/1 – E aí, depois?
R – A gente foi para o CRECA.
P/1 – E aí, ficaram…
R – Um tempinho lá, depois do CRECA Pinheiros, nós viemos pro abrigo AME, que fechou, aí nós teve que vim pra cá.
P/1 – Abrigo AME fechou faz tempo?
R – Eu acho que sim. Nós veio pra cá porque eles morava perto daqui, do abrigo.
P/2 – E como foi assim… você lembra desse momento de chegar no abrigo pelam primeira vez com os seus irmãos? Como é que foi essa vida sua lá?
R – Chato.
P/2 – Por quê?
R – Porque a gente não queria ir.
P/2 – Você queria ficar em Alagoas?
R – Também. Se não fosse pra cuidar da gente, não mandava a gente vim, se não quisesse a gente.
P/1 – Você pode contar pra gente como é que… você falou que foi chato, como assim, chato? Por quê?
R – Pra vim pra cá?
P/1 – isso. Pra vir pra cá.
R – Porque nós tinha um costume lá em Alagoas, já tinha uma convivência boa com o tio, aí vem pra cá, tudo diferente.
P/1 – Você achou as coisas todas muito diferentes, aqui? Pode contar um pouquinho pra gente o quê que era diferente?
R – Tudo! Cidade, lugar, não tinha praia perto.
P/1 – Lá você tinha praia bem pertinho?
R – As ruas.
P/1 – São muito diferentes as ruas daqui e de lá? É? O quê que você lembra das ruas de lá que você gostava ou que você gosta?
R – Do piso, paralelepípedo.
P/1 – Ah é? E aqui, o que você não gosta das ruas?
R – Não sei.
P/2 – E o que você gosta?
R – Da rua?
P/2 – Isso.
R – As ladeiras.
P/2 – Tem muita ladeira aqui?
R – Uhum.
P/1 – E como é que foi? Então, você falou que vocês chegaram, vocês seis, mas aí, os dois voltaram pra lá e ficaram vocês quatro, né? E como é que era, assim, a relação com os seus irmãos?
R – Boa.
P/1 – É? O que vocês faziam juntos? Do que vocês brincavam? Conta um pouco pra gente como é que era isso?
R – Quase nada, né, a gente fazia junto, porque eu estudava de tarde e eles de manhã. Aí, quando eles estudaram de tarde, eles que me levavam pra escola.
P/1 – Eles que te levavam?
R – Uhum.
P/2 – Eles são mais velhos que você? Seus irmãos?
R – É. Eu sou a caçula.
P/1 – É bom ser caçula? Por quê?
R – Porque não. Porque eles falam que você é a mais mimada.
P/1 – Você falou pra gente que você era… eu não lembro exatamente o termo que você usou. Você usou peralta… acho que não foi peralta. Atentada. Você usou um termo assim.
R – Atentada.
P/1 – O que você fazia?
R – Aterrorizava os meus irmãos.
P/1 – Como?
R – Provocando eles. De tudo que eles não gostam eu faço e continuo fazendo.
P/1 – Continua fazendo (risos)?
R – Você pode contar pra gente algumas coisas que você faz que eles não gostam?
P/1 – Não sei, tem um monte.
P/2 – Tenta contar uma assim, só pra gente…
R – A Jessica não gosta que abrace ela e beije, aí eu vou lá abraço ela e beijo. O Cristiano não gosta que grite com ele, aí eu grito. A Elaine não gosta que eu responda pra ela, ai eu respondo.
P/1 – E tem coisas que eles gostam e que você faz, também? É? Pode contar?
R – É difícil (risos). Comida.
P/1 – Comida?
P/2 – Você cozinha?
R – Uhum. Eu lavo a louça, arrumo a casa e tratar bem o João Miguel que é namorado da Erica, ele visita ela. Só. Acho que é isso.
P/1 – Quer dizer que você gosta de cozinhar?
R – Não, não gosto, não.
P/1 – Não gosta?
R – Não gosto, não. Só falei que eu faço (risos).
P/1 – Ah! Você falou que você faz.
P/2 – O quê que você faz?
R – Arroz e o feijão, ela deixa lá. Ela só faz, aí eu tempero. O frango eu tempero, frito. Faço um monte de coisa.
P/2 – Aí, você disse que você cozinha mas não gosta?
R – É.
P/2 – O que você faz que você gosta de fazer?
R – Dormir e café.
P/2 – Café?
P/1 – Café você gosta de fazer?
R – Sim. Da prazer de fazer, cheirinho bom.
P/1 – É? E os teus irmãos gostam de café?
R – Gostam.
P/1 – E que mais você gosta de fazer?
R – Dormir.
P/1 – Além de dormir?
R – Assistir, escutar música.
P/1 – Que tipo de música?
R – Tudo. Tudo um pouco.
P/1 – Mas tem alguma preferida?
R – Não. Ainda não.
P/2 – Você ouviu música hoje?
R – Um pouco.
P/2 – O que você ouviu?
R – Internacional.
P/2 – Qual?
R – Affe, eu não vou lembrar tudo, não (risos).
P/2 – Fala uma só.
R – Eu não lembro (risos), não sei falar Inglês também.
P/1 – Mas você gosta de ouvir?
R – É.
P/1 – Legal. Você tava falando que você tá de férias agora, né, e que você tá fazendo ensino médio.
R – É.
P/1 – E que tal a escola? Você gosta?
R – Um pouco (risos).
P/1 – Um pouco… do que você gosta?
R – Dos amigos, só.
P/2 – Você tem muitos amigos?
R – Não.
P/1 – Não?
P/2 – Quem são os seus amigos? Conta pra gente.
R – A Bia, inspetora, os professor e alguns da sala, uns seis, só. O resto são conhecidos.
P/1 – É uma sala grande? Quantos alunos?
R – Quarenta e pouco.
P/1 – Você estuda nessa escola desde que ano? Desde que série?
R – Do ano passado, primeira. Que eu sai do Elias.
P/1 – E das outras escolas, você gostava?
R – Do Elias, sim. Por causa do diretor.
P/2 – Como ele era?
R – O Nesio? Ele era legal. gordinho, baixinho, careca. Artista, professor de Artes.
P/2 – Você gosta de Artes?
R – Não, eu gostava dos desenhos dele.
P/1 – Ah, ele desenhava. E você gostava dos desenhos?
R – Caricatura, acho que é isso.
P/1 – E dessa escola, o quê que você lembra da escola? Você estudou nessa escola anterior desde o primeiro ano?
R – Desde a quinta. O quê que eu lembro?
P/1 – É.
R – Que eu cheguei lá, eu só tentava e o nico amigo que eu tive foi o Nesio.
P/2 – Que era o diretor?
R – É. E que me elogiou quando eu sai.
P/2 – O que ele te disse?
R – Ele me deu o certificado de melhor aluna da classe.
P/1 – É mesmo?
R – E da escola, também.
P/1 – Que legal. E por quê que ele te deu esse certificado?
R – Porque eu era inteligente, pelo menos eu pensava isso (risos). E que eu não fazia bagunça na escola, eu não faço bagunça.
P/2 – Na escola, não?
R – Não.
P/2 – E ele te deu esse certificado de melhor aluna da aula dele?
R – Não, da escola. Da escola e da sala.
P/1 – E você gostava nessa época de estudar?
R – Não.
P/1 – Mas você tinha facilidade?
R – Sim.
P/1 – E em que disciplinas você tinha mais facilidade?
R – Português, Geografia, menos em Matemática.
P/1 – E você lembra de alguma coisa interessante, alguma coisa que tenha te marcado nessa escola? Alguma coisa que aconteceu além…
R – Quando eu fui para as olimpíadas de Matemática.
P/1 – Você foi para as olimpíadas de Matemática?
P/2 – E como foi? Conta pra gente um pouquinho.
R – Eu nem sabia que eu tinha passado (risos).
P/1 – Foi uma surpresa?
R – Foi, achei que errei tudo. Eu não sou inteligente. Só sei fazer as matérias. Mas não sou inteligente.
P/1 – Mas como que foi essa experiência? O quê que aconteceu? Conta um pouquinho pra gente como que foi essa experiência de ir para as olimpíadas.
R – Não sei, eu fui, falei pra minha tia que eu passei, a minha tia ficou espalhando para todo mundo. falei: “Sem graça”. Passei por pura sorte. Aí, na segunda eu fui e não vi mais se eu passei ou se eu não passei.
P/1 – Ah é? E você foi pra onde? tem várias etapas, né, a olimpíada.
R – Eu passei para a segunda.
P/1 – Que era dentro da própria escola?
R – Não, em outra escola.
P/1 – Que aventura, hein!
R – (risos).
P/2 – Como é que foi essa segunda etapa? O que você teve que fazer?
R – Foi difícil. não aprendi nada na segunda etapa.
P/2 – Mas você teve que fazer o quê? Exercícios, testes, como é que é?
R – Exercícios.
P/2 – Só de Matemática?
R – Uhum.
P/2 – Competindo com outros alunos?
R – Sim. Com um monte.
P/2 – De várias escolas?
R – É.
P/1 – E como você se sentiu?
R – A burra (risos).
P/1 – Como assim?
R – Eu fui a última a sair da sala.
P/1 – Mas quem vai para uma olimpíada de Matemática…
R – É, mas não sou inteligente, eu acho que eu chutei. Eu não chutei, né, porque aprendi alguma coisa, aí também não sei se acertei tudo.
P/1 – E quando você tava lá fazendo, você gostou?
R – Gostei não, muita pressão.
P/1 – É? Luci, conta pra gente como que é? Você tem mais três irmãos que moram aqui, né? Como que é a sua relação com eles, assim? Vocês se veem sempre? Vocês se encontram? Como que é?
R – Como que é? A gente morava tudo no mesmo abrigo, mas só briga, porrada. Aí quando foi saindo um por um foi unindo. Eu sou difícil de visitar, agora que eu tô passando as férias, eu não gosto de sair de casa, não. Se eles quiserem, eles que venham me visitar (risos).
P/1 – É mesmo? Você gosta de ficar no abrigo?
R – Sim.
P/1 – Como é lá, o abrigo?
R – Grande, meio que chato, meio que legal. Tem os momentos bons e os momentos ruins.
P/1 – Você pode contar pra gente alguns momentos bons e alguns momentos ruins?
R – Quando eu atento eles, momento bom. Porque eu saio correndo depois.
P/2 – E o ruim?
R – O ruim é quando mexem nas minhas coisas. Eu não gosto, aí eu fico brava. Aí eu explodo.
P/1 – Como é que você atenta eles no abrigo?
R – Mexendo nos cabelos deles.
P/1 – Nos cabelos?
R – É. Ou eu fico chamando eles toda hora (risos).
P/2 – No abrigo, você tem um quarto que é seu?
R – É.
P/2 – É sozinho ou você divide com outras meninas?
R – Era pra dividir com quatro meninas, só que agora, eu só divido com a Graziela. Só ficou nós duas de menina, adolescente.
P/1 – No abrigo, só tem vocês duas?
R – De adolescente.
P/2 – Vocês são amigas?
R – Não. Colegas. Parceira de quarto, infelizmente.
P/2 – Por quê?
R – Porque já mexeu nas minhas coisas.
P/2 – E você tem algum amigo no abrigo? Alguém que você goste?
R – Tenho, as crianças.
P/1 – As crianças?
R – É. Que hoje em dia, eu não convivo muito.
P/2 – Você gosta de atentar elas também?
R – Não, elas que me atentam.
P/1 – E o quê que você faz junto com as crianças?
R – Eu brinco, converso, danço, ponho a caixinha lá no meu quarto, aí elas vão para o meu quarto dançar.
P/1 – Ah é? O que vocês dançam juntas?
R – Forró, samba, sertanejo, internacional, o funk que elas gostam.
P/1 – Então, elas gostam de você?
R – Eu acho que sim (risos). Se não gosta é o quê?
P/1 – E você também gosta delas?
R – Eu gosto.
P/1 – E aí, eu queria voltar um pouquinho na história com os teus irmãos, que você disse que quando vocês estavam todos juntos no abrigo, vocês brigavam. E que conforme eles foram saindo, vocês foram se unindo mais.
R – É.
P/1 – Aí você pode falar um pouquinho de cada um dos teus irmãos, como que é hoje?
R – O Cristiano eu não tenho muito convívio, não.
P/1 – Não tem muito?
R – É, mas quando eu tô passando lá as férias com ele e com a Jessica, nós dois juntos, tá sendo legal.
P/1 – É?
R – Sim, a gente se dá bem.
P/1 – E o que vocês fazem juntos? O que vocês gostam de fazer juntos?
R – Quando eu tô lá na casa dele?
P/1 – Uhum.
R – Nada (risos).
P/1 – Nada?
R – Nada, ele fica deitado no colchão dele, eu dou o fone pra ele. Que ele fica escutando os vídeos dele, lá, em japonês, inglês, sei lá… o anime. Eu não gosto, eu dou o fone, ele começa a dar risada.
P/2 – E a Jessica?
R – Às vezes, nós conversa sobre o trabalho dela, sobre a escola, sobre um monte de coisa.
P/1 – Você gosta de conversar com ela? Com a Jessica?
R – Uhum. A Daiane. eu vou ver ela.
P/1 – Como que é?
R – A Daiane, eu vou ver ela.
P/1 – Quem que é a Dani?
R – A Daiane? É a irmã mais velha.
P/2 – Eu tive uma impressão errada, ou ela tem dois filhos?
R – Um filho.
P/2 – Como ele chama?
R – João Miguel.
P/2 – Então, você tem um sobrinho?
R – Uhum.
P/2 – E como é ser tia?
R – Nossa, dá trabalho. Porque toda hora sai nós três juntos, aí a Daiane fala: “A tia tá aí pra olhar”, eu falo: “A tia não tá aí pra olhar nada, não. Tem mãe pra que?”, aí ele vai lá e chama a tia: “Tia faz tete”, eu falo: “Tem outra tia ali, olha”.
P/2 – Ele tem quantos anos?
R – Dois.
P/1 – Aquela hora que a gente conversou ali, você… eu te perguntei se você fosse trazer uma foto, algumas, você me disse que traria uma do João Miguel. De vocês dois juntos.
R – Que a gente tem várias.
P/1 – Tem várias fotos?
R – Só que tem uma que parece que ele é o meu irmão, meu clone. Aí, eu traria essa.
P/1 – Essa que ele parece muito com você?
R – É, ele fazendo biquinho, também.
P/1 – E aí, você costuma ir para a casa dos seus irmãos, é isso? Nos finais de semana você vai visita-los?
R – Às vezes, pra casa dele visitar ou passar o final de semana e às vezes, pra casa da Nádia.
P/1 – Da Nádia, né? Quem que é mesmo a Nádia?
R – Minha madrinha (risos).
P/1 – Conta pra gente essa história.
R – A minha madrinha, apadrinhamento afetivo. Ela que me acolheu na casa dela.
P/1 – Você pode contar pra gente essa história sua com a Nádia?
R – Como foi?
P/1 – É.
R – Sério?
P/1 – Sim. Pode ser?
R – Quando a gente chegou lá no abrigo, tem esse negócio de apadrinhamento afetivo, só que nós não tinha, né, a Nádia já tinha alguém. Aí, acho que esse menino foi embora, nós não queria ela também, né, foi por acaso, mas nós deu sorte. Aí, nós começou o apadrinhamento com ela, há cinco anos, nós tá com ela. Eu tô com ela, né? Que fui a última a sair do abrigo. Eu convivo com ela, às vezes, eu vou para o final de semana com ela, passar lá.
P/1 – E por quê que você falou que vocês não queriam que fosse ela?
R – Não queria que fosse ninguém, né? Porque a gente não tinha aquele… confiança em todo mundo, ainda, que a gente foi praticamente abandonada pelos tios, então nós perdeu a confiança em todos. Aí, a gente não queria essa aí, também. Aí quando a gente foi, foi se apegando aos poucos.
P/1 – E você pode contar pra gente como é que foi isso? Como é que vocês foram se aproximando?
R – Pela ação, pelos eventos que tinha, nós fomos lá. Aí, a gente ia passar final de semana, nós conversava, isso e aquilo, eu sou a menos que conversa com ela, mas eu gosto dela.
P/2 – E como foi? Você falou que antes, por conta dos seus tios terem abandonado vocês, vocês perderam um pouco a confiança nas pessoas, né? E aí, conheceu a Nádia e no primeiro momento, também não teve muita aproximação, mas depois isso foi acontecendo...
R – Foi aos poucos.
P/2 – Como você foi sentindo que você tava passando a confiar mais nela?
R – Quando ela tratava a gente com o maior carinho, principalmente eu, né? Não sei porque, mas ela deitava na cama dela, conversava, abraçava, beijava, pulava, conversava com ela.
P/2 – E como ela é?
R – Carinhosa…
P/2 – Se tivesse que contar como é a Nádia, como você contaria pra gente?
R – É uma mãezona! Cuidadosa, cuida muito da gente, se preocupa, carinhosa, fica dando atenção pra gente. Brincalhona também com a gente, não parece, mas é.
P/1 – É?
R – Uhum.
P/2 – O que você mais gosta nela?
R – O abraço. O abraço dela é muito bom.
P/1 – Como é que é esse abraço bom?
R – Abraço fofo, forte e carinhoso. Me sinto muito acolhida.
P/1 – E as brincadeiras? Você disse que ela é brincalhona, né? Como é que são essas brincadeiras?
R – Ah, quando eu falo de menino, ela fala: “Não vai namorar, não”, não sei o que, eu começa a dar risada. Eu começo a dar risada, não tem como não dar risada.
P/1 – E vocês iam… voltando de novo um pouquinho, vocês iam os quatro para a casa dela?
R – Não, ia nós três.
P/1 – Três, você…
R – É porque o Cristiano entrou e já saiu, praticamente, entrou com 16, eu acho.
P/1 – Ah tá! Ficou pouco tempo?
R – Uhum. Antes desse apadrinhamento… não sei com quem ele ficou, eu acho, ficou passando o final de semana na casa de alguém, eu acho. Ficou eu e a Jessica, depois foi a Daiane. Aí, ficou nós três.
P/1 – Aí, vocês iam as três juntas então para a casa da Nádia?
R – Uhum.
P/1 – E o que vocês faziam juntas?
R – Nada. Limpava a casa. O resto, nada.
P/1 –É?
R – É.
P/2 – Mas você gostava de estar lá?
R – Uhum.
P/2 – Mesmo sem fazer nada?
R – Uhum.
P/1 – Você conheceu a Nádia logo que você foi pro…
R – Pro abrigo?
P/1 – É. Logo no comecinho?
R – Acho que sim. No primeiro dia, não, acho que foi uma semana depois. Acho que foi isso, eu não lembro, muito. Faz muito tempo.
P/1 – Faz tempo?
R – Cinco anos.
P/1 – Tem alguma coisa que tenha acontecido além do que você já contou pra gente, alguma coisa que tenha acontecido no momento em que vocês estavam juntas, assim, em que você estava junto com a Nádia? Algo que foi importante para você? Alguma coisa que vocês fizeram juntas, que vocês viram juntas?
R – Quando a gente vai pra praia em final de semana, ela leva a gente pra lá, pra praia, eu não sou muito fã de praia, mas eu vou, porque toda vez que eu vou, eu tô naqueles dias, não é nada bom. Ela dá risada. Aí, a gente vai lá, fica lá, dentro de casa e ela: “vai lá pra praia” Eu tô naqueles dias”, ela começa a dar risada. Aí, vai as minhas irmãs, ia a minha irmã lá. Brincava, ela me chamava a minha irmã, mas eu sempre tava naqueles dias, então não dava certo, aí eu ficava lá com a Nádia. Teve um dia, quando a gente tava almoçando, aí ela não fez o feijão. “Nádia cadê o meu feijão?”, aí ela: “Tá na geladeira o seu feijão”, aí eu dei risada, aí eu: “Eba”. Odeio comida sem feijão.
P/1 – Gosta muito de feijão?
R – Feijão e café.
P/1 – Feijão e café?
R – E farinha.
P/1 – Então, pelo jeito, feijão é a sua comida preferida?
R – É.
P/1 – Que outras comidas você gosta?
R – Farinha.
P/2 – Pura?
R – Também. A farofa do Ge é muito boa, filho dela.
P/1 – Faz uma farofa boa?
R – E o macarrão dela também é bom. Macarronada, acho que macarrão com um monte de coisa, negócio. O feijão dela é bom. Café também. Agora quando ela faz aquele arroz com negócio, eu não gosto, não, de arroz.
P/1 – E ela tem um filho, então?
R – Quatro.
P/1 – E como que é…
R – O Junior, ele mais sai, trabalha muito, quando eu convivo, a gente brinca, às vezes, dá risada. O Flavio também, o Flavio é gente boa. Fabricio também. Moram os três juntos, agora o Fabio a gente não tem muito convívio, mas ele trabalhava no abrigo.
P/1 – E eles são mais velhos que você?
R – São. São adultos. O Flavio tem três filhos, eu gosto da filhinha dele, meu xodozinho. Aí o Fabricio tem dois filhos, três, né, mas um não tenho convívio, então eu só tenho com dois. O menininho pequenininho, mais caçula, eu não sou muito chegada, sou mais chegada na Vanessinha, a do meio. A gente brinca, conversa, considero ela como minha prima.
P/1 – Legal. Você tá no segundo ano, né, do ensino médio? Ano que vem, terceiro ano? E aí, como estão as expectativas?
R – Eu tô rezando que acabe logo.
P/1 – Por quê que você quer que acabe logo?
R – Chega de acordar cedo.
P/2 – Você gosta de dormir, né?
R – Eu gosto.
P/1 – Você estuda de manhã, então?
R – É.
P/1 – Antes, na outra escola, você estudava de manhã também?
R – Eu estudei acho que um ano à tarde, depois de manhã.
P/1 – E você lembra da outra escola? Porque então você estudou em três escola, né?
R – Eu não lembro, não.
P/1 – Não?
R – Lembro que era Osvaldo alguma coisa. A gente brincava só com a professora também.
P/1 – É? Você lembra de uma professora?
R – É.
P/1 – Você falou: “Brincava com a professora”?
R – Uhum.
P/1 – Como é que era o nome dela?
R – Ah, o nome dela eu não lembro, não. Difícil, eu só lembro de uma, que era a Marinês. Acho que é isso.
P/1 – E você lembra do que vocês brincavam nessa escola?
R – De tudo.
P/2 – O que você mais gostava de brincar desse tudo?
R – Quando ela ia me ensinar a matéria, ela era muito cuidadosa comigo.
P/1 – Era? Como assim? Conta pra gente como que era.
R – Ensinar a matéria, quando eu falava que eu não entendia, ela ia lá e explicava de um jeito que eu conseguia entender, não sei como.
P/1 – E era uma matéria em espacial? Ou as matérias?
R – Uma matéria, porque as outras eu sabia.
P/1 – Qual que era essa matéria?
R – Matemática (risos). Aí, acho que sempre vai ser assim, todos os professores vão ter que explicar de um jeito especial. Igual essa escola, também, de um jeito especial. Eu faço reforço depois da escola, porque eu quero.
P/1 – Por que você quer?
R – É, porque ela diz que eu não preciso. Mas eu quero.
P/1 – Aí, você faz reforço em que disciplinas?
R – Matemática.
P/1 – Só Matemática?
R – Sim.
P/1 – Eu ainda tô curiosa para saber sabe o quê? Do que você brincava. E do que você gostava de brincar.
R – Gostava de brincar é difícil, eu quase não gosto de nada.
P/1 – Mas quando você era pequena, tinha alguma brincadeira?
R – Pega-pega e esconde-esconde.
P/1 – É? Eram as que você mais gostava? Você brincava com os teus irmãos?
R – Quando era criança? Não.
P/1 – Com quem?
R – Com o pessoal do abrigo.
P/1 – E antes do abrigo?
R – A gente não saía de casa, praticamente.
P/1 – Ah, ficava bastante dentro de casa? E aí, vocês não brincavam dentro de casa?
R – Não, nós assistia e como sempre, eu ia dormir cedo. Antes das nove.
P/1 – E assistia o quê?
R – SBT. Passava TV Globinho.
P/1 – E tinha algum programa que você gostava?
R – Não, só desenho, mesmo.
P/1 – Você ainda gosta de ver desenho? Tem algum em especial?
R – Tem “Os Jovens Titãs”.
P/1 – E por que você gosta desse desenho?
R – Porque é engrado.
P/2 – Você é uma pessoa pelo o que você tá contando pra gente que gosta de bastante brincadeiras, você gosta de brincar bastante.
R – Eu gosto de brincar bastante, mas sou muito fechada.
P/2 – Você acha que você é fechada?
R – É. Que se eu ficar brava, eu fico fechada o dia inteiro.
P/2 – E o que te deixa brava?
R – Tudo (risos).
P/2 – Tenta lembrar de alguma situação que te deixou muito brava e aí, você se fechou.
R – Quando eu tô na TPM e eles ficam fazendo muita pergunta. Aí eu fico irritada, não gosto de repetir.
P/2 – A Nádia não te deixa irritada?
R – Não.
P/2 – Por quê?
R – Porque ela não faz muita pergunta (risos).
P/2 – Então, você tá brava coma gente?
R – Não.
P/2 – Que a gente só tá te fazendo pergunta.
P/1 – Escute Luci, o quê que você… você pretende continuar estudando?
R – Tem que estudar, né? (risos).
P/1 – E o que você imagina, assim, que você vai fazer? Ou você já tem algum projeto?
R – Medicina.
P/1 – Medicina? E por que Medicina?
R – Não sei, desde criança eu quero fazer.
P/1 – Ah é?
R – Pediatria. Cuidar de criança.
P/2 – Quando você pensa em fazer Medicina, Pediatria, você se imagina como?
R – Não sei, cuidando das pessoas.
P/2 – Igual você cuida das crianças no abrigo?
R – Cuidar, não, eu dou quase umas porradas nelas. Quando me irrita, dou uns gritos. Agora, da Maria Fernanda eu cuido, da neta da Nádia.
P/1 – E como é que você… que assim, você falou pra cuidar das pessoas, cuidar das crianças, né? E o quê que você… como você acha que você vai cuidar das crianças sendo pediatra, sendo uma médica?
R – Ajudando na saúde, brincando com elas, um pouco.
P/1 – E você diz que desde pequena, você se imagina sendo médica? E pediatra?
R – É.
P/1 – E você sabe por quê que veio essa vontade? Consegue identificar?
R – Hum, hum.
P/1 – Não? E o que você imagina… onde você imagina que você vai trabalhar?
R – Não sei.
P/1 – Mas seria aqui em São Paulo?
R – Sim, né?
P/1 – É?
R – Praticamente já fiz minha família aqui.
P/1 – E os seus dois irmãos que estão lá em Alagoas?
R – A gente mantem um contato.
P/1 – Eles vêm te visitar?
R – Não, porque um tá preso e o outro tem filhos.
P/1 – Vocês nunca mais se viram depois que você veio pra São Paulo?
R – Nunca mais.
P/1 – Mas vocês se falam por telefone? Se correspondem?
R – Não. Só com o Nilton.
P/1 – Você falou que um tem filhos. Ele tem quantos filhos?
R – Três.
P/1 – Você conhece os seus sobrinhos de lá?
R – Só vejo por foto.
P/2 – Por que o seu irmão tá preso?
R – Não sei.
P/2 – Faz tempo? Você nunca foi visita-lo?
R – Eu fiquei sabendo que ele tava preso pelo Nilton. Mas eu não sabia que ela tava preso.
P/2 – E ele tem quantos anos?
R – Eu não sei.
P/2 – Mas ele é mais velho do que você, porque você é a caçula, né?
R – É.
P/2 – E você nunca mais voltou para Alagoas?
R – Nunca.
P/2 – Desde que você veio criança?
R – É.
P/2 – Você tem vontade de voltar em algum momento para passear ou…?
R – Sim.
P/2 – Se você voltasse, você faria o que lá?
R – Eu ia para a antiga escola.
P/1 – Antiga escola?
R – É, ver se a professora tava lá.
P/1 – Ah, então tem uma escola que você lembra lá de Alagoas.
P/2 – Quem foi essa professora?
R – Eu não lembro o nome dela.
P/2 – Como que ela era?
R – Ela era magrinha, alta, cabelo liso, legal.
P/1 – E por que você tem vontade de rever essa professora?
R – Porque toda vez que a gente ia fazer uma atividade ou sair pro parquinho, pra fora, ela fazia fila indiana. Aí, começava a cantar a musiquinha ou quando ia no lanche: [cantando] “Meu lanchinho…”, aí começava a cantar (risos).
P/1 – E essa música você nunca mais esqueceu?
R – Não.
P/1 – Que delicia! E você lembra de mais alguma coisa nessa escola além da professora e da música?
R – Da comida que era boa (risos).
P/2 – O que tinha de gostoso?
R – O sanduiche… fala sanduiche, né, pão com presunto e o suco de maracujá. Muito bom.
P/2 – E o que você mais gostou de fazer nessa escola além da professora, da comida e da dancinha? Do canto, da musiquinha?
R – Não sei. Acho que nada (risos).
P/2 – E se voltasse hoje pra lá e encontrasse essa professora, o que você falaria pra ela?
R – Que tava com saudade dela. Daria um abraço.
P/1 – Luci, já que a gente voltou um pouquinho, deixa eu aproveitar. Como era o nome da sua mãe?
R – Maria Cícera.
P/1 – E enquanto a gente tava conversando aqui, teve alguma coisa a respeito dela que você tenha lembrado?
R – Não.
P/1 – Não?
R – Só lembro que ela fumava.
P/1 – Ela fumava? Você lembra de alguma… você lembrou de algum momento, de alguma coisa ou você lembra que ela fumava sempre?
R – Sempre eu não sei. E quando eu fui ficar banguela, ela amarrou o meu dente e me amarrou na cama. Disse que só ia sair daí quando fosse arrancado. Quando ela falou que tava pronta a comida, eu sai correndo, aí arrancou.
P/1 – São duas cenas que você lembra? E o teu pai, o nome dele?
R – Cicero Francisco.
P/1 – E com ele? Você lembra de alguma coisa? Alguma cena? Nada? E desse tio que você ficou, que teve o padrinho, né, o tio, e a mulher do tio, né? Deles, tem alguma coisa que você lembra assim, que te marcou muito?
R – De bom ou de ruim?
P/1 – De bom e de ruim.
R – De bom não tenho, de ruim, as porradas. E das ameaças da mulher dele.
P/2 – Qual era a ameaça que ela fazia?
R – É porque tinha eu acho a sobrinha dela, aí chamava a gente pra ir pra casa dela, aí o minha tia disse que era pra dizer “Não”. Aí, toda vez, a gente tinha que dizer “Não”, aí vinham os filhos dela que era tudo adulto, aí tinha um filho que gostava de mim, né? Eu gostava dele, também, aí tinha a mulher dele também que gostava de mim, aí pedia pra passar o final de semana, ela dizia que não, mandava dizer que não. Aí eu dizia que sim, aí quando voltava, eu apanhava.
P/1 – Você apanhava por isso? Porque queria ir pra casa de outra pessoa.
R – Uhum.
P/1 – Apanhava por algum outro motivo?
R – Fazer xixi na cama, talvez não lavasse louça, eu não sabia lavar, então. Não podia comer nada, praticamente.
P/1 – Comer?
R – É. Só quando ela tava e a culpa do filho dela ia toda pra gente, então, praticamente, ela nunca encostou o dedo no filho dela, só na gente.
P/1 – E desse período que vocês viveram lá em Alagoas, você falou que sente saudades da praia, né? Tem mais alguma coisa que você sente saudades?
R – Da rua.
P/1 – Da rua, da praia…
R – Descia a ladeira assim, com o carrinho.
P/1 – Carrinho?
R – É. A gente descia e eu ficava brincando.
P/2 – Como é que era essa brincadeira? Conta mais.
R – Às vezes, eles empurrava lá com o carrinho, eu ficava abrindo a boca, aí ficava saindo uns eco (risos). E quando eu aprendi a andar de bicicleta sozinha. :levei vários tombos, mas aprendi.
P/1 – Como É que foi essa aventura aí?
R – Ruim, porque eu levei vários tombos (risos).
P/1 – E você gosta ainda de andar de bicicleta?
R – Gosto.
P/1 – Anda sempre?
R – Não, faz tempo que eu não ando.
P/1 – Enquanto a gente foi conversando aqui, teve alguma coisa que você lembrou que você queira contar preá gente? Ou alguma coisa do passado, alguma coisa de agora?
R – Não. Só que tenho que ir visitar a Nádia.
P/1 – Tem que visitar a Nádia, né?
R – Amanhã eu vou passar o dia inteiro lá na casa dela. Até às cinco pra poder levar a chave para minha irmã.
P/1 – E me fala uma coisa, daqui a algum tempo, você também vai sair do abrigo?
R – É que eu sei que o abrigo vai fechar, então, eu vou morar com a minha irmã, agora.
P/1 – Certo. E como é que tá essa expectativa de morar com a sua irmã?
R – Eu não queria ir agora.
P/1 – Por quê?
R – Porque eu gosto do abrigo, não queria sair, assim.
P/2 – E em algum momento, como você tem a Nádia como padrinho afetivo, você vai morar com ela?
R – Ir morar com ela, não.
P/1 – Não?
R – Não, porque já tem muita gente na casa dela. E não dá, né? Então, eu vou morar com minhas irmãs que são o que pedem, né, pra eu morar com eles, porque se fosse por mim, eu não ia, não. Eu ficava no abrigo até os 18.
P/1 – Luci, hoje as coisas que você tem feito hoje, né, mais recentemente, você lembra de alguma coisa importante recente que tenha acontecido? Aconteceram várias coisas importantes, você falou de várias, né, agora. Você falou da questão do abrigo, você falou dessa provável ida para a casa dos seus irmão, tal. mas você também falou várias vezes de coisas suas, que você não gosta que mexam nas suas coisas. Tem alguma coisa importante que você gosta de fazer, que você gosta de guardar. Não tô te pedindo para contar os teus segredos pra gente, mas enfim, se tem alguma coisa que você gosta de fazer, que você gosta de guardar que é uma coisa mais sua, além de estudar, além de dormir, tomar café…
P/2 – Comer feijão.
R – Eu acho que é só decoração.
P/1 – Decoração? Como assim?
R – Eu fiz o curso “Agente de Recreação e Produção de Eventos”, faço caixinhas, faço negócios, começo a decorar.
P/2 – Conta mais pra gente.
R – Quando eu tô sem paciência, às vezes, pego uma coisa e começo a fazer , aí eu me acalmo ou escuto música, assim.
P/1 – Mas como que é essa história da decoração? É um curso que você faz lá?
R – Eu fiz.
P/1 – Você fez?
R – Aí, eu aprendi um monte de coisas de decorar, fazer um monte de negócio, desenho, eu não sei desenhar, mas eu sei desenhar o bonequinho de EVA, no papelão, fazer um arco de bexigas eu sei.
P/1 – Decoração pra festas?
R – Pra eventos também.
P/1 – Pra eventos.
P/2 – E você já fez algum?
R – Não.
P/2 – Tem vontade?
R – Não.
P/1 – E essas caixinhas?
R – Essas caixinhas são de cartolina ou papel cartão.
P/1 – E você faz sempre?
R – Não.
P/1 – E o que você faz com as caixinhas que você faz?
R – Eu entrego. Às vezes, as primeiras que eu faço, eu entrego pra Debora, pra educadora de lá. Já fiz uma bonequinha, eu entreguei pra ela, fiz uma caixinha, entreguei pra ela. Acho que eu fiz um bolo fake e entreguei pra ela. Entreguei tudo pra ela.
P/1 – E é uma coisa que você curte fazer, então?
P/2 – E como você se sente quando você tá fazendo isso?
R – Calma. Eu me concentro muito, aí eu fico calma.
PAUSA
P/1 – Tem alguma coisa que a gente não te perguntou que você gostaria de contar?
R – Acho que não. Eu faço psicólogo. Não entendo porque, não sei, mas eles falam que eu preciso.
P/1 – E aí? É uma coisa que é boa pra você?
R – Eu gosto dela, mas ela me irrita.
P/1 – Por quê que ela te irrita, Luci?
R – Porque ela faz muita pergunta. Eu não gosto de falar muito. Tem vezes que eu chego lá falando que eu não vou falar, ela começa a fazer um monte de pergunta. Aí, eu falou: “Eu já falei que eu não vou falar”, aí eu fico irritada.
P/2 – Há quanto tempo você tá fazendo?
R – Comecei no ano passado, acho que foi no meio do ano, setembro, acho que foi isso, não sei, não lembro.
P/1 – E você vai uma vez por semana?
R – É.
P/2 – Como ela chama?
R – Ângela.
P/2 – Você gosta da Ângela, apesar dela te irritar?
R – Gosto.
P/2 – Você disse que você tá fazendo mas você não sabe porquê.
R – É, porque no começo, eu sabia, mas agora não sei porque ela não quer me dar alta, não.
P/2 – No começo, você sabia. O quê que você sabia?
R – Porque eu estava em estado de depressão, tava ficando muito triste. Ela falou que era isso.
P/2 – E hoje, como você tá?
R – Normal (risos).
P/1 – E você sabe por quê que você ficou muito triste?
R – Eu acho que era muita saudades da minha mãe.
P/2 – Do que você sentia saudades dela?
R – Sentia saudades dela de estar do lado, né? De ter um apoio de mãe.
P/2 – Como era essa mão que apoiava?
R – Não sei, mas tipo, eu sinto falta. Os meus amigos falam, às vezes, da mãe deles, falam mal, e eu começo a falar: “Vocês têm que valorizar a mãe que tem, mesmo que não esteja se dando bem”.
P/2 – O quê que a sua mãe representou na sua vida enquanto ela esteve com você?
R – Acho que um apoio pra mim, quando eu era criança. Aprendi muitas coisa, eu acho com ela.
P/1 – Pode contar o quê, por exemplo?
R – Não sei (risos), mas uma parte de ser atentada não foi com ela, não (risos), foi com as minhas irmãs.
P/2 – Você falou da sua mãe, que você aprendeu muita coisa com ela, você lembra de algum momento dela te ensinando algo que você leva para a sua vida até hoje?
R – Acho que foi ser forte, um pouco.
P/2 – Como é que é isso?
R – É ruim.
P/1 – Como assim?
R – Porque tem que ser forte, toda hora. não pode mostrar ser fraca. Eu não choro, só choro quando tô brava de raiva.
P/1 – E você se sente forte?
R – Não.
P/2 – Como você se sente?
R – Frágil.
P/2 – Como é essa fragilidade?
R – Sei lá, às vezes, se bater a saudades, eu vou chorar. Se alguém gritar comigo, eu choro. Não choro na frente, mas eu choro depois, qualquer coisa.
P/1 – Luci, enquanto a gente tava ali conversando, eu te perguntei se você gostava mais de fotografar ou ser fotografada. Aí você me disse que não gosta de ser fotografada. Por quê?
R – Sei lá, já não gostei de estar gravando.
P/1 – Mas por quê que você não gosta de ser fotografada?
R – Não sei.
P/2 – Você não gosta de ser fotografada, mas você gosta da foto com o seu sobrinho?
R – Ah, dessa foto eu gosto. Tirei com ele, postar no aniversario dele e deixar no papel de parede da minha irmã, porque eu sou folgada. E pra quando eu tiver dinheiro, imprimir, fazer um quadro bem grandão, igual do abrigo.
P/1 – Tem amis alguma coisa que você queira contar pra gente?
R – Acho que não.
P/1 – Você quer mais alguma coisa?
P/2 – Acho que não.
P/1 – Bom, então, Luci, a gente… se você lembrar de alguma coisa a qualquer momento, é só me interromper. Mas assim, a gente quer te agradecer muito essa conversa, essa entrevista, muito importante pra gente, tá? A gente agradece a sua disposição, o tempo que você ficou aqui com a gente, tá bom?
P/2 – A confiança.
P/1 – A confiança. Muito obrigada.
R – De nada.
FINAL DA ENTREVISTA
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