P/1 – Adelsinho, para deixar registrado, por favor, o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Adelson Fernandes Murta Filho, nascido em Belo Horizonte, no dia 10 de outubro de 1960.
P/1 – Conta um pouquinho da sua trajetória escolar, o que você fez, onde você estudou, formou em quê.
R – Eu nasci no bairro da Serra, em Belo Horizonte, mas mudei ainda neném para o bairro Indaiá, que ficava na periferia de Belo Horizonte, um bairro que tinha muitas árvores. E a rua em que eu morava era a última do bairro e atrás de minha casa havia um grande espaço verde. E lá nesse bairro tinha um grupo escolar, Grupo Afrânio de Melo Franco, que foi onde comecei a minha trajetória escolar. Lá eu fiz o primeiro ano, depois eu mudei para uma escola municipal e estudei em escola pública até chegar ao vestibular. No vestibular eu fiz o cursinho e entrei na Universidade Federal. Antes da Universidade Federal eu fiz dois anos de uma escola particular de Engenharia, mas não completei o curso. Na Universidade Federal eu fiz Belas Artes, Artes Plásticas. Fui um aluno de escola pública quase a vida toda.
P/1 – Universidade Federal de Minas Gerais?
R – De Minas Gerais. Estudei em um tempo que a escola pública era boa, levada com seriedade. As pessoas que chegavam até a escola, embora não fosse ainda para todo mundo, quem chegava até ela tinha um atendimento satisfatório era levado a sério, estudava. E como era tempo de ditadura a escola era rígida, meio militar, mas a gente tinha todo um tempo livre de brincar que compensava essa dureza da escola.
P/1 – E como se desenvolveu a sua faculdade, quais cursos que você gostou mais? Já se encantava por algum professor, alguma disciplina em específico?
R – Eu passei pela Engenharia porque eu sempre fui um menino construtor, gostava de construir e pela minha formação familiar e da própria escola que eu tinha frequentado, eu não tinha acesso às informações que existiriam outros cursos...
Continuar leituraP/1 – Adelsinho, para deixar registrado, por favor, o seu nome completo, data e local de nascimento.
R – Adelson Fernandes Murta Filho, nascido em Belo Horizonte, no dia 10 de outubro de 1960.
P/1 – Conta um pouquinho da sua trajetória escolar, o que você fez, onde você estudou, formou em quê.
R – Eu nasci no bairro da Serra, em Belo Horizonte, mas mudei ainda neném para o bairro Indaiá, que ficava na periferia de Belo Horizonte, um bairro que tinha muitas árvores. E a rua em que eu morava era a última do bairro e atrás de minha casa havia um grande espaço verde. E lá nesse bairro tinha um grupo escolar, Grupo Afrânio de Melo Franco, que foi onde comecei a minha trajetória escolar. Lá eu fiz o primeiro ano, depois eu mudei para uma escola municipal e estudei em escola pública até chegar ao vestibular. No vestibular eu fiz o cursinho e entrei na Universidade Federal. Antes da Universidade Federal eu fiz dois anos de uma escola particular de Engenharia, mas não completei o curso. Na Universidade Federal eu fiz Belas Artes, Artes Plásticas. Fui um aluno de escola pública quase a vida toda.
P/1 – Universidade Federal de Minas Gerais?
R – De Minas Gerais. Estudei em um tempo que a escola pública era boa, levada com seriedade. As pessoas que chegavam até a escola, embora não fosse ainda para todo mundo, quem chegava até ela tinha um atendimento satisfatório era levado a sério, estudava. E como era tempo de ditadura a escola era rígida, meio militar, mas a gente tinha todo um tempo livre de brincar que compensava essa dureza da escola.
P/1 – E como se desenvolveu a sua faculdade, quais cursos que você gostou mais? Já se encantava por algum professor, alguma disciplina em específico?
R – Eu passei pela Engenharia porque eu sempre fui um menino construtor, gostava de construir e pela minha formação familiar e da própria escola que eu tinha frequentado, eu não tinha acesso às informações que existiriam outros cursos onde eu poderia desenvolver esse meu potencial criador. Então, foi já frequentando a universidade que eu tomei contato com a Escola de Belas Artes, que era uma escola que era muito mais próxima do que eu pretendi. Lá eu podia lidar com desenho, escultura, argila, modelagem, pintura, fotografia, essas coisas que me fascinavam muito mais do que ficar só fazendo conta. E dentro da Engenharia eu já tinha conciliado estágio numa empresa de engenharia, uma multinacional, e a minha tarefa era furar uns cartõezinhos para computador. Naquele tempo computador ainda estava engatinhando, as informações tinham que ser passadas através de cartões perfurados. Eu passava o dia perfurando aqueles cartõezinhos e acho que aquilo foi desencorajador também para minha jornada na engenharia. Ao passo que lá na Belas Artes eu estava fazendo coisas vivas, com movimento. Mas mesmo assim, as Artes Plásticas não me encantaram tanto quanto a cultura das crianças que eu só fui descobrir em uma oficina que eu fiz no Festival de Inverno promovido pela própria Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, onde eu conheci uma professora da Bahia que se chama Lydia Hortélio. E a Lydia me apresentou o universo que eu fiquei encantando, o universo da cultura especial e própria das crianças do Brasil. Quando eu tomei conta de que havia esse outro olhar sobre as crianças, diferentemente daquele que eu via na universidade até então, um olhar para o mundo a partir da ótica das crianças, aquilo vibrou dentro de mim, teve uma provocação e eu fui atrás. Fui trabalhar com a Lydia em Salvador fui ajudando nos projetos dela, fui aprendendo. Então, a minha grande escola, na verdade, foi ter carregado as pastas, a sacola de dona Lydia.
P/1 – Por que ela te chamou? Você foi até ela, ela veio até você?
R – A Lydia tem uma formação em Música. Ela ensina Música, já ensinou Musicologia, se encantou pela cultura da infância e começou uma jornada de pesquisa e divulgação desse olhar dela sobre a infância. Sempre realizou muitas oficinas e eu ia ajudando. Como eu era do fazer com as mãos, de certa forma íamos se completando porque ela trazia as dimensões musicais e eu trazia a dimensão plástica da construção, fizemos uma dupla que funcionava bem. Enquanto isso eu ia aprendendo com ela questões essenciais. Fizemos oficinas, depois eu retornei para Minas Gerais e comecei a minha jornada pessoal, de recolher os brinquedos no interior de Minas, aprender com as crianças, curtir as brincadeiras, principalmente no Vale do Jequitinhonha, onde tinha naquela época, ainda tem alguns resquícios hoje de uma cultura popular muito viva, muito forte. Então, eu fui aprender com o povo lá do Vale do Jequitinhonha brinquedos e brincadeiras e, ao mesmo tempo, provocando as professoras do lugar, em oficinas pra educadores, esse olhar mais sensível pra valorização da cultura local, da cultura dos meninos do lugar. Porque é muito comum nos pequenos lugares principalmente onde as culturas ainda resistem um desejo em trazer coisas de fora, essas coisas de fora vão cobrindo, de alguma forma vão fazendo que essa cultura original vá se esquecendo. Eu achei que era importante na época e acho até hoje, provocar os educadores para valorização do fazer local. Pensei em encontrar alguns parceiros e comecei a criar nesses lugares onde eu fazia as pesquisas, onde eu fazia meus levantamentos, núcleos de fortalecimento e irradiação da cultura local; pelo Fundo Cristão para Crianças, que era uma entidade que agia em todo o Vale do Jequitinhonha, junto com a Viviane e com a Companhia do Sonho a gente implantou 31 Casinhas de Cultura nesses locais pra fortalecimento e irradiação da cultura deles. Isso nos anos de 2000 até 2010 mais ou menos.
P/1 – E como se deu esse desenrolar dessa carreira até chegar o Programa Nutrir na sua vida? Como se deu isso?
R – Nesse período eu tava fazendo as Casinhas de Cultura e elas começaram a ter certa ressonância e fui convidado para fazer alguns trabalhos em outros lugares. Em Belo Horizonte eu ajudei a implantar o Centro de Referência Cultural da Criança e do Adolescente, pela Secretaria de Cultura, e também em São Paulo eu comecei a fazer, uma vez por ano um módulo do curso de educadores do Teatro Brincante, na Vila Madalena, do Antonio Nóbrega e da Rosana. Eles têm esse núcleo de formação de educadores brincantes e eu dava um módulo pra construção de brinquedos. E lá em São Paulo eu tive contato com muitas pessoas que trabalhavam na área da infância em setores diversos, ligados a empresas, a organizações não governamentais. E foi lá no Brincante, em um trabalho que a gente fez em parceria com o Instituto C&A, que eu conheci a Silvia Zanotti. A Silvia me convidou, quando ela já estava na Nestlé, pra fazer uma oficina com os voluntários do Programa Nutrir, que naquela época estava ainda nos seus anos iniciais.
P/1 – Quando foi isso, mais ou menos?
R – Foi uns 12 anos atrás. O Nutrir vai fazer 15, dos 12 anos em diante. Acho que o programa tinha dois anos. Aí eu fiz um encontro para voluntários, depois fiz outro encontro pra voluntários e fui fazendo até que há uma mudança no Programa Nutrir que ele ia deixar de ser realizado somente pelos voluntários com as entidades parceiras de cada localidade e ele passaria também a ter uma parceria com o Instituto Telemig Celular, a acontecer em algumas cidades de Minas Gerais, abertas para as escolas públicas. Nessa época são formadas duas equipes de consultores, com educador, culinarista e nutricionista pra que a gente fizesse formações de multiplicadores pra esse programa ir crescendo. É nessa época que eu passo a fazer parte mais regularmente do programa, até então eu trabalhava eventualmente com os voluntários. Então começa essa experiência e ela foi muito legal para mim porque eu vinha da área da Cultura, das Artes, do Brincar, mas eu sabia muito pouco sobre nutrição e alimentação. E fui fazendo pontes preciosas com o conhecimento que eu tinha já das tradições, da relação que o povo tem com o alimento isso tudo foi ficando fortalecido à medida que eu fui participando do programa, foi um fator que me ajudou a ter mais alegria para participar das equipes. E quando o programa é expandido para todo o Brasil, não fica só em Minas Gerais, mas acontece em várias regiões do Brasil que ele me possibilitava conhecer culturas de outros lugares do país, que até então eu estava mais restrito à região metropolitana de BH, São Paulo e aos Estados de Minas e Bahia. No Nutrir, a minha contribuição maior foi levar a questão do movimento do brincar, da atividade física, não na dimensão da Educação Física, mas na dimensão do movimento espontâneo que as crianças já têm e que corresponde a sua natureza e a sua necessidade de movimento. Eu trazia isso para o Nutrir no encontro com os educadores, com os coordenadores de escola, com as merendeiras e provocava esse olhar mais aberto para acolher esse movimento na escola, enxergar valor nesse movimento e aí permitir que as crianças tivessem uma escola mais alegre com mais movimento e, naturalmente, cumprisse a necessidade de atividade física que era esperado pra idade. Baseado nisso é criada outra necessidade dentro da Fundação Nestlé, que era o programa de educação ambiental, que foi o Programa Cuidar, que Viviane e eu que também tivemos a experiência primeira na cidade de Mirabela e depois se transformou num programa. Esse programa durou até o final do ano passado e tivemos a chance de experimentá-lo também, esta mesma dimensão, falar do meio ambiente, falar do homem que mora no meio ambiente e quais são os movimentos das crianças e das pessoas que habitam o meio ambiente. Que relação saudável elas podem ter com o espaço e com a natureza do lugar, partindo dos seus movimentos naturais. A gente fez isso pelo Brasil afora, do Rio Grande do Sul até a Ilha de Marajó e eu tenho boas lembranças.
P/1 – Foi inovador para época você falar de se movimentar com o próprio movimento da criança, espontâneo dela? Era inovador nessa época falar sobre isso, tratar sobre isso? Foi inovador para programa?
R – Sim. Na verdade, já havia dentro do Nutri pessoas que consideravam a importância desse movimento que era a Rosana Padial, a Adriana e a própria Silvia. Elas já tinham a consciência disso e foi por isso que elas me convidaram. Mas eu vim trazendo experiência de campo de muitos anos que eu tinha. Eu considero que foi inovador para o programa e considero que até hoje é um diferencial que o Programa Nutrir tem em relação aos outros programas de educação alimentar e educacional que eu conheço pelo Brasil, afora justamente esta questão da infância, do movimento da infância, que é diferente. Porque no começo tudo era voltado para questão da desnutrição, teve toda aquela ação da Pastoral da Criança e de outros organismos pra radicar a desnutrição no Brasil. A partir de uma determinada época, o quadro da infância começa a mudar e o sobrepeso passa a ser um problema maior do que a própria desnutrição. Nessa hora vem a atividade física como algo muito importante. E aí vem os profissionais de Educação Física trazendo a atividade física, mais uma dimensão do exercício e do esporte e pela própria linha de ligação deles. Mas o Nutrir, com essa participação dessas pessoas que eu citei, e da minha própria participação, a gente vem trazendo uma dimensão do movimento natural que a criança já tem. Isso eu acho que é um diferencial pro programa e facilita para o professor em sala de aula que não tem uma formação em Educação Física, mas que foi criança um dia. Ele reconhece nos seus alunos a criança que ela foi antes quando tinha a idade dos seus próprios alunos facilita essa relação e ela pode valorizar o que a criança já sabe.
P/1 – E para você, o que foi inovador trabalhar dentro do programa? O que foi um diferencial na sua área? Você como profissional.
R – O que me marcou, acho que primeiro foi a questão da importância do alimento na vida das pessoas, não só como fonte de energia, mas como algo sagrado que começa no plantio tem toda a lida com a terra, depois o preparo do alimento. E todas as outras ações cotidianas que estão interligadas a esse preparo do alimento, a partilha do alimento, até chegar o resultado final que é essa absorção pelo organismo vivo da gente dos elementos que aquele alimento traz. Trabalhando no programa tive uma experiência interessante porque trabalhávamos sempre em três, o educador, a culinarista e a nutricionista. A gente tinha formações muito diferentes e começava na própria equipe a gente ter que fazer concessões, intermediar, achar um consenso pra levar uma mensagem com experiências diferentes. E como a gente trabalhava com públicos diferentes também, educadores de sala de aula, coordenadores, cozinheiras, pessoas da limpeza da escola, formávamos um grupo múltiplo. E essa troca de experiências diversas, pra mim, foi o grande diferencial do projeto e para minha experiência também porque a gente costuma sempre trabalhar com grupos afins essa diversidade do grupo acho que foi o ponto.
P/1 – Principal, né?
R – É.
P/1 – Conta algum caso marcante que você se lembra com carinho, algum lugar que você tenha ido e tenha ficado registrado na sua memória?
R – O Nutrir, nos encontrávamos geralmente em escolas ou em algum lugar indicado pela Secretaria de Educação da cidade, não havia algo de muito especial naquele ponto em si. Vinham as educadoras e vinham as culinarista e o que realmente me marcou vou contar duas historinhas rapidinhas. Uma não é uma história, é um geral, que a satisfação que as cozinheiras, as merendeiras ficavam de serem tratadas como iguais, serem tratadas no mesmo plano e no mesmo patamar das diretoras da escola. Era a primeira vez que elas saíam de um lugar menor dentro da escola e eram colocadas num lugar igual, onde elas podiam falar, cantar, dançar, se expor, participar de atividades que não eram só focadas na preparação do alimento, estavam cuidando da saúde delas, da alegria delas. Então, foram inúmeras manifestações e relatos no final dos encontros da alegria dessas merendeiras, eu acho que é algo muito bacana. E a gente ficava surpreso que em muitos lugares algumas merendeiras sabiam mais, tinham lembranças da infância mais ricas e contribuíam mais para o processo do que as próprias educadoras de salas de aula que eram meninas que muitas vezes tinham vindo do interior, tinham vivido uma infância rural, aquilo enriquecia relatos e a própria experiência. E a outra que eu disse que é interessante foi na cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo. O grupo era muito grande e a gente teve que fazer três turmas, dentro do grupo de educadores, umas três turmas de 40 ou de 30, essa hora já não lembro mais. E esse grupo além de estar o pessoal da escola tinha alguns representantes da Secretaria de Educação e havia uma senhora que era do Conselho dos Direitos da Criança. Ela veio no primeiro módulo e era a pessoa mais negativa do grupo. Ela falava tudo para ela era contrário ao que a gente propunha. Falava mal da natureza, tudo pra ela era coisa do passado. Ela achava que aquilo tudo era equivocado, que estávamos tendo atitude saudosista. Foi a atitude dela no primeiro encontro. E fomos contornando, ela foi pra cozinha e acabou fazendo o primeiro bolo da vida dela, ela nunca tinha entrado numa cozinha uma pessoa muito técnica. E aí o que aconteceu? Quando foi duas semanas depois e voltamos para dar o segundo encontro, quem está na turma novamente? A mesma senhora. Eu brinquei com ela: “Você voltou? Gostou e tal”, e ela já veio bem mais amena. Fizemos a formação, ela foi pra cozinha, fez mais um pratinho toda satisfeita na hora da partilha final. Voltamos para o terceiro encontro, olha quem está na sala de novo? Ela participou da mesma formação três vezes. Mansinha, doce, ela falou que já tinha até tomado um banho de cachoeira, que era uma coisa que ela tinha descartado no primeiro encontro, como sendo impossível pra vida dela. Acho que esse exemplo é bacana, como o programa tocava as pessoas de alguma maneira.
P/1 – Para finalizar Adelsinho, vou fazer mais duas perguntas. Uma você já falou um pouquinho, sobre os seus aprendizados. O que você ganhou com isso e o que o Brasil ganhou com esse programa? Já que você passou por tantas regiões, o que era o antes do Nutrir e depois do Nutrir na sua vida e fora da sua vida?
R – Eu vou falar da minha impressão pessoal, eu não teria dados para confirmar isso, mas a sensação que eu tenho é de que o Programa Nutrir trouxe uma contribuição para o Brasil, aquelas cidades por onde passamos por cada um que esteve presente em cada encontro nosso, de um olhar mais sensível para infância. E para necessidade de alimentos que cada ser humano, criança, ainda tem, precisa para que o seu desenvolvimento seja pleno. Que o alimento não se resume ao que é ingerido, mas também ao carinho, à alegria, à cultura, às artes. Acho que um grande presente que a gente deixou para o Brasil foi isso, uma infância com alegria. E que a alimentação é algo maior não é só um prato bonito e saudável. Acho que é isso.
P/1 – Adelsinho, muito obrigada!
R – De nada.
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