Projeto Conte Sua História – Estúdio Aberto
Depoimento de Sérgio Teperman
Entrevistado por Danilo Eiji Lopes
São Paulo, 23 de julho de 2019
Realização Museu da Pessoa
PSCH_HV798 _ rev.
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Sérgio, boa tarde...Continuar leitura
Projeto Conte Sua História – Estúdio Aberto
Depoimento de Sérgio Teperman
Entrevistado por Danilo Eiji Lopes
São Paulo, 23 de julho de 2019
Realização Museu da Pessoa
PSCH_HV798
_ rev.
Transcrito por Selma Paiva
Revisado por Paulo Rodrigues Ferreira
P/1 – Sérgio, boa tarde!
R – Boa tarde!
P/1 – Sérgio, inicialmente, eu queria agradecer pela sua presença no Museu, por estar aqui no Museu da Pessoa. Muito obrigada por ter vindo!
R – Obrigado a vocês pelo convite também!
P/1 – Sérgio, para nossa identificação, eu gostaria que você falasse o seu nome completo, o local e a data de nascimento.
R – É Sérgio Teperman. O local: nasci em São Paulo, em dez de abril de 1937.
P/1 – Então, vamos lá! Sérgio, a gente vai falar sobre sua história de vida e, antes de ir na sua história, eu gostaria que você falasse um pouco das suas origens, da sua família. Você conheceu seus avós? Conte um pouco sobre eles, o que você conhece.
R – Veja, eu tenho uma dificuldade de falar em público. Eu demorei seis anos para conseguir falar em público. De modo que, quando eu tinha seis anos de idade, eu respondi a uma pergunta de um “quiz show” no rádio. Eu respondi porque o prêmio era uma viagem para o Rio de Janeiro, uma coisa assim. Eu respondi e meu pai teve que me levar para o show. Era um programa de auditório e o microfone não era telescópico, era ___________ [1:54], eu tinha seis anos, era muito alto e tinha uma assistente de palco que me pegou no colo e me colocou para falar, porque eu não conseguia alcançar. E assim foi a primeira vez que eu falei em público. (risos) E poucas pessoas estiveram no colo da Hebe Camargo, (risos) que era a assistente de palco. Ela cantava. Ela era uma sambista. Era morena, não tinha nada de loira. E assim começou minha entrevista, minha primeira. Agora, contando sobre minha família, realmente nós somos judeus de tradição, eu não sigo a religião, mas meus avós paternos e maternos seguiam. Meus avós maternos vieram da Rússia e meus avós paternos vieram da Bessarábia, que atualmente é Moldávia, país independente. __________ [03:02] os dois vieram da Bessarábia, na época. Eles vieram na época entre... Meu pai nasceu ainda lá, e minha mãe também. Eles nasceram em 1910, de modo que minha mãe veio com seis meses e, portanto, mais ou menos tem uma data disso aí. Uma história gozada: eu sempre achei que minha mãe era argentina, porque quando eles vieram, minha mãe foi para a Argentina e veio para o Brasil com dois anos. Mas, na verdade, eu soube, quando a irmã dela foi enterrada... Eu tenho um tio que tem 104 anos, que conta toda essa história, e então ele falou: “Olha, a dona Pepa não sei o que lá, era uma jovem e veio para a Argentina com seis meses”. E no enterro, eu fiquei satisfeito que minha mãe é russa e não é argentina. Mas eu sempre achei que ela fosse argentina. Enfim, meu pai era médico, se formou em Medicina, no Rio de Janeiro. Em Niterói, tinha uma colônia judaica grande e ele conheceu minha mãe lá. E vieram para São Paulo. Eu acho que eu dei um pouco de azar, porque meus avós vieram para o Brasil, todos. Grande parte dos primos da minha mãe, os avós dele foram para os Estados Unidos. Bom, a segunda coisa: minha mãe foi para Buenos Aires. E depois foram para Niterói. Meu pai foi fazer a Faculdade no Rio, conheceu minha mãe, em vez de ficaram lá no Rio, vieram para São Paulo. Então, dei azar.
P/1 – Duplamente.
R – É, mas enfim...
P/1 – Sérgio, só para entender um pouco, os seus avós vieram nessa época por qual motivo? Você sabe o que os trouxe para o Brasil? Para a Argentina, depois para o Brasil.
R – Na verdade, tinha perseguições dos judeus, na época. Naquela época, era problema, perseguições. Agora, eu não sei. Meu avô paterno já tinha recursos. Portanto, não foi só uma questão de recursos. Agora, meus avós maternos eram pobres. Vieram com a raça. A razão pela qual eles vieram... Em geral, os judeus acabaram... Um monte de judeus veio para o Brasil. Para o Brasil, para a Argentina, para os Estados Unidos.
P/1 – Já estava no começo do século XX.
R – Exatamente.
P/1 – Já era revolução, pós-revolução.
R – É.
P/1 – E você chegou a ter contato, ouvir as histórias deles, dos avós? Ter intimidade?
R – Avô paterno eu tive intimidade, realmente, grande, com ele. Porque eu era o neto mais velho e acontece o seguinte: o meu avô paterno casou duas vezes. Então, ele tinha três filhos. Deixa eu contar: casou com minha avó paterna, juntaram os filhos e ainda tiveram mais filhos juntos. Então, é o seguinte: tio Júlio e tio Isaac vieram de um casamento; depois, tia Rosa era de outro. E meus avós, ao se casarem, tiveram dois filhos: meu pai e minha tia Antonieta. Os avós maternos, eu tive maior contato com minha avó, porque morei junto com ela, depois eu conto. Mas o avô materno esteve internado em um sanatório, teve tuberculose. Naquela época, eu não tinha muito contato. Eu cheguei a vê-lo, assim, mas à distância, porque eu era mantido à distância. Ele morava em São José dos Campos. Minha avó paterna era metida, uma senhora toda sofisticada, dormia o tempo todo, um pouco fria, assim. Meu avô paterno era um personagem. Na foto aí tem um sujeito barbudo. Era um patriarca. Eu, normalmente, como era um neto do segundo casamento, eles me levavam sempre. Eles moravam em Santos, por questão de pressão, não sei o que lá. Atualmente ninguém mais faz isso, não é? Naquela época, tinha pressão alta. Então, eu passava as férias com eles lá e meu pai sempre me levava sábado e domingo para lá. Então, eu tinha contato, bastante. Agora, minha avó materna, nós morávamos na Aclimação, meu pai era médico e morou em três casas da Aclimação. Eu era um aluno fora de série, na verdade. Porque eu tinha aprendido a ler com três anos, eu lia ‘pra burro’ e a escola na qual eu estava inscrito chamava-se Externato Macedo Vieira, que tem até hoje. O primeiro aluno da escola inteira não pagava o ano seguinte e eu fui o primeiro aluno todos os anos. Então, meus pais mudaram para a Vila Mariana porque o meu pai sempre alugava casa, nunca comprava. No fim, acabou tendo que mudar para Vila Mariana, mas acho que eles tinham pena de me tirar da escola, então eu fiquei morando com minha avó materna e minha tia, na Aclimação, até entrar para o Ginásio. E eu me lembro da admissão, que eu falei dessa história do exame e, realmente, era complicado entrar. Tinha um cursinho que você subia e tinha que subir a rua Paraíso a pé, com meus colegas, porque eu ia de manhã para a escola, normal. Depois ia almoçar e, depois do almoço, subia com todos eles a rua Paraíso, a pé, até o alto, para o cursinho de admissão e, no final da tarde, meu pai tinha um carro, me pegava, eu jantava lá e, de noite ele me trazia para a casa da minha avó de novo. Foram quatro anos assim. E eu me lembro de que, quando eu terminei o Ginásio, meu pai veio me buscar para eu morar com ele e com a mãe. E eu não queria, porque todos os amigos estavam lá. E o jeito dele me levar, falou: “Então, você não vai mais chamar Teperman, vai chamar ………..., que era o nome da minha mãe. Foi o jeito dele me levar para casa, porque eu queria ficar na Aclimação.
P/1 – Mas não teve conversa, não é?
R – Não, lógico. Daí eu fui para o Ginásio e, no Ginásio, era realmente um exame dificílimo, tinha mais dificuldade de vaga do que eu tive no vestibular.
P/1 – Como era o exame? Você lembra o que caía? O que era a prova?
R – Caía Matemática, Português, basicamente História, Geografia. Eu desde pequeno tinha mania de viajar. Eu me lembro de ter tirado cem do primeiro ano do primário até o último Científico; no Colegial, sempre tirei cem, dez em Geografia. Me lembro que meu pai me deu um globo, sabe um globo? Eu girava o globo e dizia: “Eu vou visitar aqui este ano”, e apontava um país, assim. Essa história de viagem se incutiu em mim. Na verdade, eu acabei viajando bastante. Depois eu conto, não é? Faz parte da conversa, mas, enfim, o bom de estudar no Estado é que tinha gente de tudo quanto era... Sabe? Meus pais eram classe média, mas meu pai era médico, não ganhava grande coisa e tinha alunos de todo tipo. E uma coisa a que eu me acostumei: tinham feito... Chamava, sei lá, Takashi - para mim era brasileiro. Tinha Steiner, um outro lá que era descendência alemã, mas para mim eram todos brasileiros. Nem passava... Eu fui descobrir nomes de estrangeiros quando estava na Europa: “Esse cara é descendente disso”. Mas aqui era todo mundo brasileiro. Na escola, era impressionante isso aí. O Ginásio do Estado era uma coisa formidável para isso aí.
P/1 – Tem alguma aula que você se lembra, algum professor, alguma situação dessa escola?
R – Eu me lembro de uma situação desagradável. Eu não era o melhor aluno da classe, mas, por mais que eu me esforçasse, era o segundo, terceiro, e a coisa que eu me lembro mais: tinha um professor de Ciências que, de repente, resolveu fazer prova oral e eu não sabia a matéria porque não tinha estudado. E passei tão mal que eu tive que pedir para alguém me levar para fora da sala, que eu tive enjoo, passei mal. E eu tenho isso de vez em quando, cai a pressão, se eu tiver numa situação terrível. Eu me lembro isso aí.
P/1 – Tinha castigo na sua escola?
R – Castigo, não, mas eu me lembro uma vez que eu ganhei... Parecia um punhal, mas não era, era uma régua, mas com forma de punhal, toda marcada e eu levei para a escola e não sabia de nada - aquilo eu usava para medir. Um dia, o diretor, que era uma fera - o doutor Dami - que era super ruim, me chamou e eu disse: ‘Puxa, eu me comporto tão bem, que será que eu estou fazendo errado?” Era bem-comportado. Me deu uma bronca por causa disso: “Você vai ser suspenso, leva isso para casa”. Então, eu me lembro disso aí. Mas, assim... Era bem rígido. E no último ano, eu vou contar como é que eu resolvi fazer Arquitetura, que é outra história. Na verdade, minha mãe casou, não com o médico, que era meu pai. Ela teria que ter um filho médico. Resumo: eu virei arquiteto, o Rogério virou engenheiro, o Isaac virou advogado. Médico nunca teve. A minha mãe estava crente de que eu ia estudar Medicina. Eu nunca tive vontade. Um dia, ela perguntou: “O que você vai fazer?” Na verdade, eu queria viajar. É o que eu queria fazer na vida. Eu disse: “Quero ser diplomata”. Porque aí você viajava. Ela disse: “Olha, um judeu nunca vai ser embaixador”. Ela tinha razão, na verdade. Eu disse: “Então, não serve. Então, eu quero ser jornalista”, porque eu lia muito. Ela disse: “Você vai morrer de fome”. Ela queria que eu fosse médico. Aí parou, depois de um tempo, eu disse: “Decido: vou ser arquiteto”. Ela disse: “Você não sabe desenhar”. Eu falei: “Isso eu aprendo”. Então, assim que eu conheci ser arquiteto.
P/1 - Mas a vontade veio de onde? De onde veio a influência para chegar na Arquitetura?
R – Eu acho que tem, sim. Na verdade, meus pais fizeram curso e me levaram no TBC, sabe? A primeira peça do TBC que eu fui ver, era com a Cleide Yáconis, eu vi as peças da Cacilda Becker, todo aquele pessoal, quando lançaram teatro no Brasil. A primeira Bienal que teve, de parte de Arquitetura, foi em 1954, no Trianon ainda. Meu pais me levaram e, sem querer, eles acabaram incutindo essas coisas. Sem querer, porque minha mãe queria que eu fosse médico. Mas queria que eu fosse culto, não é? Eu tinha parente que tinha uma casa projetada, o Henrique Mindlin, que era arquiteto conhecido, tinha cinema na casa do cara. Então, eles passavam filmes de neorrealismo italiano e meus pais - eu tinha 12, 13 anos - me levavam para assistir a tudo isso. Então, eu tive essa influência. Depois, aí uma coisa de família: meu avô fundou a sinagoga Beth-El, que é a sinagoga principal, que fica na Martinico Prado, agora virou Museu Judaico, não é? O outro, irmão dele - o irmão do meu avô, meu tio-avô - fundou, tomou conta do Asilo Lar dos Velhos. Meu pai era diretor da Escola Renascença. Era serviço voluntário, mas meu tio-avô, outro, para completar, virou pedreiro do cemitério. Eles moravam todos na mesma rua. Nós morávamos, a família toda, na Vila Mariana, que era uma rua particular toda curva, parece rua de São Francisco, que tem uma descida, assim, com uma flor. No meio morava meu tio e meu tio- avô morava no alto da rua, na Rodrigues Alves. E aí eles vestiam, todos, roupa preta, tinham olhos pretos e tinham todos os móveis cobertos com um lençol de uma cor. Eu tinha terror de entrar na casa, mas eu ia lá porque tinha um parque enorme, um jardim com bicho, sabe? Construíram, depois, um tremendo conjunto residencial na casa. Eu gostava de ir, mas não queria entrar de jeito nenhum. E ele virou presidente do cemitério. Você vê que tinha alguma coisa estranha.
P/1 – Interessante que todos moravam do lado, era uma comunidade próxima.
R – E um pouco, na rua, duas quadras depois, morava meu outro tio, irmão da minha mãe. Casou depois, veio morar numa rua travessa. Ali tinha cinco famílias.
P/1 – Você viveu com as tradições ao seu entorno, mas você não quis seguir a religião. Onde...
R - ... Pegou pelo seguinte, olha: meu pai não é ortodoxo de jeito nenhum, mas nas festas judaicas você tinha que ir na sinagoga: Yom Kipur, Rosh Hashaná, no Ano Novo, dois dias seguidos. E meu pai me levava e a minha família tinha um lugar de honra, de frente, não é? E eu ficava sentado, não entendia nada, porque aquilo era tudo em hebraico, o dia inteiro. Quando você é pequeno, você vai, não tem jeito. Então, isso aí eu dizia: “Não é isso que eu quero”. Realmente, eu fui empurrado para isso, mas eu desisti. Mas eu não tenho nada contra, na verdade. Só não consegui engolir a religião.
P/1 – Imagino que tenha ido para Israel também.
R – Eu fui quando estava na Europa. Quando eu estava na Europa, meus pais vieram me visitar e fomos lá, mas aí tudo bem. Não tinha nada religioso nisso. Mas, realmente, eu acho que foi uma reação contrária. Na verdade, é. Hoje eu não vou à sinagoga, nunca fui, mas entendo o pessoal, quem tem religião e tal. Só que eu não sigo.
P/1 – Mas você não teve o bar mitzvah, aquelas coisas?
R – Tive, claro. Uma bruta festa, um negócio enorme.
P/1 – Conta um pouco dessa festa. É com 13 anos?
R – Treze anos.
P/1 – Como foi a sua?
R – Na época, a festa principal era na Maison Suisse, que era um grande local de eventos em São Paulo. Fica na Caio Prado. Meu irmão Rogério tem filme disso aí. Incrível, não é?
P/1 – Do dele?
R – Do meu e do dele. Mas eu nunca consegui seguir isso. Estou respondendo à sua pergunta.
P/1- Lembra dessa festa?
R – Da festa eu lembro.
P/1 – Conta um pouquinho. O que você lembra da festa? Porque é um ritual.
R – Foi ‘O’ evento em São Paulo.
P/1 – Mas é um evento na vida?
R – Mas foi ‘O’ evento. Que, realmente, na época, meu pai estava bem de vida. Então, realmente, foi um negócio espetacular. Todo mundo falou. Meu pai era médico e depois de um certo tempo ele não conseguiu ganhar a vida em Medicina e, realmente, atendia pessoas sem cobrar nada. Eu me lembro que ele pegava o carro, ia me levar - sábado e domingo - e acabava visitando paciente e me levando junto, sabe? Mas eu não me submetia de jeito nenhum. Aí, numa certa época, meu pai, provavelmente com ajuda de alguém, comprou a Farmácia Municipal, em São Paulo, que era na esquina da Barão de Itapetininga com a Dom José de Barros. Isso aí equivaleria, hoje, à Faria Lima com Augusta, entende? Era um ponto, todo mundo passava ali. E essa farmácia tinha bijuteria também, vendia perfume. Meu pai conseguiu uma situação financeira bem boa, não é? Essa farmácia, no fim, meu pai vendeu. Não, não vendeu, não. Depois de uma época já não era negócio, então ele se associou ao meu tio, junto com dois italianos, e fizeram um café chamado Café União. Que foi a primeira vez que teve um café espresso no Brasil. A União bancou. Primeira vez que teve uma franquia. Meu pai foi falar com ele. Então, não sei como, tiveram a ideia disso e também a arquitetura daquilo: contrataram o Victor Reif, que é um professor do Mackenzie, um terror até hoje, dos alunos, e tal. Eu me lembro que tinha painel do Aldemir Martins em todo café, com três metros de altura. Um negócio enorme! Um negócio fora do comum. Depois foi vendido, mas meu pai ganhou um dinheiro com isso aí. Ele dividiu em lojinhas e perdeu a graça. Meu pai comprou um hotel junto com um primo, na São João. E foi essa vida até quando ele morreu. A morte do meu pai foi um negócio trágico: meu pai foi fazer uma endoscopia e, terminada a endoscopia, o colocaram no quarto. Não colocaram na UTI. E minha mãe percebeu, em um determinado tempo, que ele estava dormindo e não estava respirando. Chamou o médico, o médico veio, deu uma chacoalhadinha: “Acorda, dorminhoco”, meu pai acordou e foi embora o médico. Meu pai, depois, dormiu de novo e morreu, desse jeito. Eu fiquei louco da vida. Eu e Isaac, meu filho. A gente queria processar, mas Rogério achou que era melhor, a família também não se meteu, mas eu escrevi um artigo, um ano depois, para o Jornal da Tarde, para o O Estado de São Paulo, metendo o pau, dizendo que era um absurdo. E um ano depois eu escrevi porque um jogador da Seleção Brasileira foi fotografado pelo Jornal da Tarde antes de fazer uma endoscopia e dizendo assim: “Esse jogador morreu, depois, por falta de cuidados médicos”. Então isso me revoltou. E o Jornal da Tarde publicou duas colunas da carta sem nenhuma bronca do Conselho de Medicina, de modo que, realmente, estavam por dentro que foi uma negligência. Quando minha mãe morreu, ela morreu de morte morrida, estava dormindo. Ela dizia: “Não quero incomodar ninguém”. E não incomodou. Ela morreu no dia de Natal, mas com 85 anos, dormindo. Chegaram lá meus irmãos, ela morava sozinha e morreu realmente como alguém... Sem sentir nada. Agora, a morte do meu pai foi um choque para nós, um negócio terrível, especialmente para o meu irmão mais moço, que estava sempre com ele.
P/1 – Você estava com quantos anos?
R – Eu tinha 37 anos.
P/1 – Puxa, quanto tempo, não é? Morreu novo.
R – Meu pai morreu com 64 anos. Minha mãe morreu com 85, de morte morrida, normal.
P/1 – E esses negócios do seu pai, você nunca quis também? Porque eu percebi que seus pais sempre tentavam lhe trazer. Então, levou para ver a prática médica, levou para ver coisas... E no trabalho desses não...
R – Na verdade, às vezes eu ia na farmácia do meu pai, gostava de ficar no Caixa e era um lugar frequentado por todo mundo. Eu me lembro de ter, mais de uma vez, dado troco ali para a Tônia Carrero, que chegava lá e comprava bijuteria com ele. Todo mundo. Isso aí eu me lembro, mas eu ia de farra. Agora, como é que eu resolvi fazer Arquitetura? Foi o seguinte: meu avô tinha feito a sinagoga, meu tio-avô tinha feito o Lar dos Velhos, que era um asilo, projetado pelo Henrique Mindlin, que era um arquiteto conhecido e primo meu em terceiro grau, mas ele era conhecido. Foi o cara que profissionalizou a Arquitetura no Brasil. Ele escreveu um livro sobre Arquitetura. Um tipo conhecido. E eu fui estagiar lá depois. Então, depois, meu pai, quando resolveram fazer o Hospital Einstein, ele, como era médico, participou da fundação. Então, ele me levou para ver o terreno. Eu me lembro. Depois a Hebraica, meu pai me levou para ver o terreno. Eu não era arquiteto, mas sabe quando, sem querer, foi ficando? O Café tinha sido projetado pelo Victor Reif, que era professor. Foi incrementando. Aí resolvi, de repente, Arquitetura. Na verdade, quando entrei na Arquitetura, era uma Faculdade sensacional. Tinha 150 alunos na Faculdade inteira. Atualmente, cada classe tem 150 alunos. Era 30 alunos por classe. Quando tinha uma prancheta, a gente projetava lá. E eu, quando entrei, o professor era senhor Lotufo, que era um cara que tinha projetado junto com o Niemayer, no Ibirapuera, mas ele não entusiasmou e eu achei que eu não dava para isso: “Minha mãe acertou, eu não dou para isso”. Mas ele ficou doente, aí entrou o Vilanova Artigas, um arquiteto, mas era um professor fora de série. Que ele ensinou, eu tive a sorte de ter um segundo semestre com ele no primeiro ano, um segundo ano inteiro e um quinto ano inteiro. E era aula particular, porque 30 alunos... Ele passava duas horas da tarde em cima de você. Eu tinha quatro horas de aula. Então eu tive, praticamente, um curso particular de Arquitetura com o Vilanova Artigas. Realmente, valeu a pena.
P/1 - Isso foi na FAU, não é?
R – Foi na FAU.
P/1 – Não era no Campus ainda? Isso era no Centro?
R – Não. Era na rua Maranhão. Era uma casa doada lá pela família Penteado. Antes, eu tive um sócio que era arquiteto, depois, e ele foi aluno antes. Eu entrei na oitava turma da FAU. Mas ele tinha entrado e se formado antes e dizia que, no meio da tarde ou de manhã, dez horas, vinha um garçom servir café para os alunos, acredita? Eu não passei isso.
P/1 – Você não pegou essa parte.
R – Mas é incrível! Um luxo!
P/1 – Outra estrutura.
R – Tinha professores extraordinários e o engraçado é que hoje... Na época nós achávamos que era uma porcaria a Faculdade. E eu dei aula na FAU agora, há alguns anos. Não se compara. Estrutura, quem ensinava era Figueiredo Ferraz, que era calculista do Masp, prefeito etc. Urbanismo era Anhaia Melo, gente assim. Fundações, era o Vitor Melo, que era o cara que ajudou a segurar a fundação da Torre de Pisa. Você imagina! Para reforçar, para não cair. Então, eram todos professores extraordinários.
P/1 – Mas e a relação alunos/professores? Eles eram distantes? Porque era fase catedrática também.
R – É. Tinha aula catedrática. De Arquitetura não ___________ [30:26]. Professor de Arquitetura, não, mas professor de Matemática, era aula catedrática e tinha que estudar. Tinha que prestar exame difícil.
P/1 – Conte um ‘causo’ da Universidade aí, um projeto. Conte alguma situação para a gente, que tenha sido marcante.
R – Na época... Eu sempre gostei de competir. Tinha concurso de Arquitetura, não é? No primeiro ano eu me juntei com uma moça que morreu, era bonita, uma japonesa, e um outro arquiteto; e nós tiramos quinto lugar. Mas, primeiro ano concorrendo com todo mundo, era fora de série. E nós não reclamamos de nada. Mas teve o dia em que foram julgar, os caras começaram a discutir e quebrar o pau. E o Vilanova Artigas falou: “O pessoal do primeiro ano não fala nada”. Não. Depois de dois anos, nós tiramos o terceiro, no outro concurso; e depois, no quinto ano, a gente ganhou. Não construíram nada, mas enfim... Mas depois, quando eu vim... Eu acho que concurso de Arquitetura é um negócio que não vale a pena. Por quê? Você obtém o melhor projeto no júri, porque o júri é que seleciona, não necessariamente o cliente. O júri tem arquiteto formado pela IAB. Não necessariamente é o que o cliente quer. Então, acaba ganhando. Na hora, mudam totalmente o projeto, que tem que fazer conforme o cliente e um monte de gente trabalha de graça. Entram 40 escritórios de Arquitetura, por exemplo, com oito, dez arquitetos, 300 arquitetos trabalham de graça para um ganhar. Não faz sentido.
P/1 – Mas isso acho que depende do concurso. Imagino, não sei.
R – Não. Qualquer concurso é assim. O Senac faz um concurso diferente: chama cinco, seis arquitetos e remunera, pelo menos, o custo. Quem ganhar...
P/1 – O custo da elaboração?
R – É. Agora, o concurso aberto é uma loucura. Não vale a pena, de jeito nenhum.
P/1 – Já participou de banca disso?
R - Não. Porque eu sou contra.
P/1 – Coerente.
R – Mas eu participei de banca de projeto... Uma vez, a Basf chamou sete arquitetos para a sede deles. E era concurso aberto e eu fui participante de júri. Fechado, desculpa. O concurso. E não tinha assinatura. Tinha que adivinhar. Eu adivinhei os sete desse projeto: esse projeto é do……………; esse é do carvalho; esse é do ………………. E o sétimo, que eu não sabia quem era, eu fiz por exclusão. Então, era questão de conhecimento, de você conhecer o trabalho.
P/1 – Qual foi o período da Universidade? Quais foram os anos ali? Década de 60?
R – Foram anos 56 a 60.
P/1 – Até 60?
R – Foram os anos que a arquitetura brasileira, na minha opinião, em geral, em muito, foi a melhor arquitetura que foi feita no Brasil. E também o Brasil de Juscelino Kubitschek. Eu tinha parentes no Rio de Janeiro, então eu ia para a casa dos meus parentes. E eu tinha um amigo que tocava violão com o pessoal da bossa-nova, então eu conheci, ia no escritório, nos apartamentos de Copacabana, tinha o Oscar Castro-Neves, a Nara Leão. Cantavam ali no apartamento, se lançando. Incrível! E esse Rio de Janeiro não existe mais, mas era uma maravilha, era uma cidade fora do comum.
P/1 – Essa cidade também, São Paulo também, não é? Como mudou na década de 50, 60...
R – É. Nossa! São Paulo...
P/1 – Nem garoa tem mais, não é?
R – É. É incrível! São Paulo mudou totalmente. O Rio, fora dessa história da bandidagem, tem uma cara que, em relação a Olimpíada, fizeram coisas e tal.
P/1 – Eu não entendi. Você ia para o Rio de Janeiro por...
R – Eu tinha parentes lá. Eu ia porque era um lugar do qual eu gostava, passava as férias lá. Todas.
P/1 – Isso na sua juventude?
R – É. Toda a época de juventude eu passava lá. Todas as férias, Semana Santa, Semana da Pátria, ia para a casa da minha prima, lá.
P/1 – Ah, que morava em Copacabana?
R – Morava em Ipanema. Não, desculpa, morava em Copacabana, depois mudou para o Leblon e depois mudou para a Barra da Tijuca. Mas eu sempre ia lá.
P/1 – E dessas ali, conte uma dessas soirées, festas, uma dessas que você viu ou foi.
R – Eu ia nessas... Não era festa, as pessoas tocavam. Era um apartamento pequeno e então estava lá todo esse pessoal da bossa-nova, para ensaiar. Eu me lembro que eu fui, da FAU, uma vez, para o Rio, para ver uma peça que foi um show na Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio. Chamava A Mais-Valia Vai Acabar. Mas não tinha nada com isso, era bossa-nova pura. E teve uns colegas - eu não fui - que foram ver, no Rio, um show que se chamava Orfeu do Carnaval, ________ [36:22], que foi feito pelo Vinícius de Moraes, com música de Tom Jobim e cenário do Oscar Niemayer. Luxo maior não podia ter. Então, os colegas foram ver. Enfim, quando eu terminei a Faculdade, eu comecei a trabalhar num escritório de um cara chamado Marcos Botukovski e depois eu mudei para o Jorge Willhem, que era o escritório mais conhecido de São Paulo. Mas eu queria ter um escritório próprio. Depois de três, quatro meses, eu consegui. Eu tinha colegas, juntei com os colegas, fiz um cartãozinho e consegui arrumar serviço. Naquela época, tinha trabalho. Formavam 30 na FAU, 30 no Mackenzie, 60 arquitetos por ano, tinha serviço para todo mundo. Você conseguia montar. E, na minha classe, tinha o Flávio Império, que era um cenarista, virou famoso, morreu moço. O Benito Lima de Toledo, que era uma das maiores autoridades em patrimônio histórico. O Pedro Cury, ganhou ‘n’ eleições de IAB, foi presidente do IAB, presidente da OAB. Uma turma! Júlio _________ [37:42], que era meu colega de classe. Então, uma turma tão pequena, um monte de gente sobressaiu. O Zaratin, que era diretor da Emplasa. Todo o pessoal conseguia trabalhar e tinha capacidade, a gente era treinado. Quando eu terminei, então, eu queria escritório e eu estava louco para ganhar uma bolsa. Minha mãe incentivou. Nisso aí minha mãe empurrava, realmente, mas eu queria viajar. Se eu ganhasse uma bolsa para o Paraguai eu ia, entende? Qualquer lugar. Aí, depois de um tempo, com o escritório andando, já, direito, no final de 1961, primeiro ano em que eu estava trabalhando, eu recebi uma bolsa. Veio uma carta em Italiano, dizendo Ella acetta. Eu não entendi. Que azar! Era uma bolsa... “pensam que eu sou mulher”. Mas Ella quer dizer Vossa Excelência. Eu não conhecia nada em Italiano. No alto da escada - era um escritório que ficava na rua Major Sertório - eu despenquei da escada, quando li a carta. E aí, tive um mês para viajar, arrumar tudo. Era uma bolsa da Olivetti que, na época a Olivetti era a maior empresa de Design do mundo, com máquinas e tal. E eles perderam o bote, muito, por causa do computador, não é?
P/1 – Mas como é que você conseguiu? Você mandou um projeto? Como foi? Teve uma seleção?
R – Não. Na verdade, a primeira bolsa, eu peguei documento, tudo que eu tinha, nota da Faculdade, trabalho, concurso, e me inscrevi na raça, no Instituto Brasil Itália, no curso. Só para dizer que eu falava Italiano, mas não falo. Eu fui, peguei inscrição, nunca fui no curso. E a bolsa, tinha um pintor – Roppon - que era um catalão, e ele me apresentou para o presidente do Instituto Cultural Brasil Itália. Só que o sobrinho do presidente, Eduardo Almeida, que é um arquiteto conhecido, ganhou a bolsa inicial. Só que no fim do ano, a Olivetti resolveu dar uma outra bolsa e era uma concorrência. Primeiro você concorria na cidade de São Paulo, depois no Brasil, e depois na América do Sul. Era uma bolsa para cada um dos contingentes. E eu ganhei isso e, realmente, era uma bolsa de um valor fora do comum. Podia viver bem na Itália. Bolsa de estudo você vive apertadíssimo, eu vivia bem. Então, depois de um mês eu fui embora e lembro de que, para ir para a Itália, eu consegui com o Zé Mindlin, que era parente nosso. E ele falou com o Anísio Teixeira, na Capes, eu consegui a passagem pela Capes, que a bolsa não dava. E também com o Itamaraty você conseguia - na época era dinheiro - 50 dólares por mês, a mais. Ganhei uma bolsa do Itamaraty também. Aí, foi a maior moleza. Fui para a Itália e lembro direito que eu cheguei no final da tarde em Roma e tal, não falava nada de Italiano, conversei com o cara que dirigia e tal e amarrando... Podia falar em Inglês, mas tinha que me virar em Italiano, falava barbaridade. Me tratou muito bem. Depois de um mês eu fui para Florença logo, que foi onde foi a primeira bolsa. Depois de um mês, não veio o dinheiro. Aí eu liguei para ele e ele disse: “Mas quem está falando?” “Sérgio”. Ele disse: “Não é possível. Você está falando Italiano. Você não falava nada”. Mas é que eu passei um mês só com gente bolsista e não tinha nenhum brasileiro. Então, falei Italiano muito bem. Essa bolsa foi fora de série, realmente. Todas foram boas.
P/1 – Você chegou em Roma e daí foi realocado para Florença? E o estudo, as aulas eram em Florença?
R – As aulas eram em Florença, sábado, só. Eu faltava num sábado, o professor faltava outro, no final viajava, era um curso de Desenho Industrial e a Olivetti pagava viagem para qualquer lugar da Itália. Eu acabei comprando um carrinho pequeno, tem uma foto aí dele. Então, eles pagavam e eu usava com gasolina. Viajei com o Eduardo Almeida, visitei a Itália inteirinha. Até Sicília, tudo. E em Florença, a gente morava numa vila, que era uma casa antiga, um palácio, meio deteriorado, porém tinha um parque imenso. Eu jogava futebol no parque. Era uma vida... E tinha um monte... Que eram da África, um monte de africanos e eram todos filhos, sobrinhos de presidente, todos ali estudando mesmo e dançavam ‘pra burro’, não é? Então tinha dança, não, festa, todo dia. Toda noite tinha festa. No fim, acabei tirando 30, que era a nota principal – 30 sur 30 - com uma luminária que eu tive que desenhar. Foi um pouco de propaganda deles também.
P/1 – O projeto final você criava.
R – É. E, na Itália, eu conheci... Falei com o Rogério antes disso, que faz parte da minha vida falar um pouco das mulheres que eu conheci, porque algumas das coisas aconteceram devido a elas. Então, na Itália, eu conheci uma moça que veio, uma francesa, que veio passar férias. E a gente passou, acho que uns 15 dias juntos, 20 dias. E eu, de cara... Ela falou que era filha de italianos, então ela falava Italiano, eu falei: “Não, vou falar Francês”. Eu estudei Francês na escola, mas nunca falei. E, depois de 15 dias saí falando Francês. Literalmente. A gente foi para a Inglaterra depois, falando Francês perfeitamente, Francês que aprendi com ela. Na raça. Eu sei que esse negócio na Itália, meus pais vieram me visitar...
P/1 – Não, calma aí. Qual é o nome dela? Como você conheceu? Virou sua namorada? É isso?
R – Virou namorada.
P/1 – Explica um pouco melhor isso aí. Conheceu no curso? Não conheceu?
R – Conheci na casa. Essa casa, essa vila em que a gente morava, a partir de abril, o dono - era uma concessão - para ganhar dinheiro, empilhava a gente nos quartos e ele colocava os quatro cartunistas que vinham da Escandinávia. Então, vinha um monte de moças escandinavas. Os italianos eram impressionantes! O pessoal de lá ia no aeroporto, na estação de trem, esperar. Chegava gente de fora... Porque mulher, na Itália, você não namorava uma italiana, não tinha jeito. Eu conheci essa francesa por acaso.
P/1 – Numa dessas festas ali.
R - Na casa. Bom, isso aí acabou. Enfim, essa bolsa foi uma maravilha.
P/1 – Quanto tempo durou?
R – Um ano acadêmico. Eu ganhava tão bem que os meus pais vieram para me visitar. Aí sim, eles foram para Israel e eu falei: “Vamos para a Grécia, vamos para Istambul”. Eles até espantaram: “Istambul?” Istambul é um país muçulmano, não tinha nada. Um lugar bárbaro.
P/1 – Vocês fizeram essa viagem?
R – É. De avião.
P/1 – Grécia...
R – ... Israel e Turquia. Com meus pais. Aí acabou a bolsa e minha mãe tinha trazido uma carta, que eu me inscrevi quando estava no Brasil, eu queria uma bolsa de qualquer jeito. Então, me inscrevi também na Fundação Casa do Brasil, na Grã-Bretanha, e a bolsa saiu exatamente quando eu estava terminando a bolsa da Itália. Então, minha mãe trouxe a carta, valeu: “Eu recebi a carta hoje também”. Então, dali eu fui para a Inglaterra. Quer dizer, a bolsa
minha foi para a Inglaterra. Para você ter uma ideia o que eu queria viajar, quando eu estava no quinto ano, o voo desceu em Cuba e resolveram que o governo cubano... Os arquitetos, então, de Cuba, foram para Miami. Precisavam de arquitetos. Era o governo João Goulart, então vieram contratar gente no Brasil. E Vilanova Artigas perguntou quem queria e eu mandei o currículo. E, por incrível que pareça, meu sócio e os dois caras com quem a gente dividia a casa e o escritório, nós quatro fomos contratados. Só que demorou tanto para vir, que eu já estava na Itália e não fui, mas eles três foram para Cuba e voltaram. Mas eu teria ido.
P/1 – Eu já ia lhe perguntar daqui a pouco. Eu só estava abrindo a janela nessa questão política, no fim, que você viveu, que foram períodos desde a sua infância, inclusive, até sua juventude.
R – A questão política eu te conto um pouco depois.
P/1 – Tá bom. Porque não era qualquer um que iria para Cuba também, com o regime.
R – Não era, mas eu estava entusiasmado com isso. Na época da FAU, todo mundo.
P/1 – Com certeza.
R – Arquitetura você lida com urbanismo, os problemas da cidade, saneamento, você quer lá, você acaba indo para a esquerda.
P/1 – Com certeza.
R – Eu estava muito entusiasmado. Mas, realmente, fui para a Itália antes. Se tivesse ido para Cuba antes, eu teria ido. É que eu fui para a Itália, depois é que veio a bolsa.
P/1 – Mas, provavelmente, você vai pegar maio de 1968 em algum lugar aí. Pelo jeito, no estrangeiro.
R – Não. 1968 eu estava aqui, já.
P/1 – Mas vamos lá! Você foi para a Inglaterra.
R – Antes de ir para a Inglaterra, eu fui com meus pais para Israel e as férias eram julho, agosto e até setembro. Então, eu viajei com meus pais, em julho, que terminou a aula, e disse: “Bom, eu queria conhecer a Escandinávia”. Eu era vidrado na Escandinávia. E, na época, veio uma moça também, uma finlandesa, nesse grupo que vinha, que eu conheci, namorei e tal, e eu disse: “Bom, está aí mais uma razão para ir para a Escandinávia”. Só que o carrinho era pequeno, um Fiat 500, esportivo, mas era um Fiat que, para pegar aquelas rampas alemãs - passava pela Alemanha - no máximo, em subida, dava 80. Mas foi. Aquele monte de Mercedes, passando a 200, na Alemanha você pode viajar a velocidade que você quer. Era trainée e o tempo para chegar! Mas eu cheguei na Finlândia e já fui de carro para a Finlândia.
P/1 – Mas a saída foi de...
R – Florença. Nossa! Uma viagem à parte. Uma outra história! Quanto tempo?
R – Durou, para chegar, uns quatro, cinco dias.
P/1 – Parando e passando por fronteiras.
R – Tinha passaporte em cada lugar. Eu fui lá e falei com essa moça que eu tinha conhecido e tal e, na Finlândia, tinha um arquiteto que era um dos cinco pioneiros da Arquitetura Moderna. Chamava-se ____________ [51:41]. Eu disse: “Vou trabalhar com esse cara”. E eu fui lá. E tinha um francês, todo metido, que me atendeu: “Aqui não dá, ninguém consegue isso. Tem americanos que pagam para trabalhar aqui, o professor não aceita”. Eu disse: “Tá bom”. E deixei quieto, porque eu tinha bolsa na Inglaterra. De lá eu peguei o carro e voltei. E antes de ir para a Inglaterra, fui encontrar com a minha namorada francesa, em Paris. Cheguei lá, ela tinha ido para a Inglaterra. Imagina: eu guiei da Finlândia até Paris. Chegou lá, eu disse: “Então já vou para a Inglaterra, ganhei a bolsa”. E fui para lá. Só que eu não tinha endereço dela, nada. Por acaso ela liga, ela sabia que eu iria para a Inglaterra, dois dias depois que eu cheguei ela ligou, aí nós nos conhece… ficamos lá. E, voltando, quando eu estava no Jorge Wilhem, no Brasil, no quinto ano, ele chegou, num sábado, e disse: “Quem fala Inglês?” Eu falei: “Eu falo”. Eu tinha estudado Inglês. Ele disse: “Porque tem um arquiteto inglês que está aqui em São Paulo e eu gostaria que você o levasse para ver algumas coisas”. Eu fui. Até brinquei agora: “Quem fala Inglês? Então joga a corda”. Piada. Eu fui lá e levei o cara para ver tudo, não é? No fim, ele disse: “Você gostaria de trabalhar na Inglaterra comigo?” Eu falei: “Claro”. Então, quando eu ganhei a bolsa, eu disse: “A bolsa é para eu fazer o que quiser”. E eu fui trabalhar lá, com esse cara. Só que eu falhei, porque ele estava entusiasmado com Brasília. Brasília era o topo para os ingleses. Para o mundo, não é? Imagina: eu era recém-formado, tinha um ano e ele me deu um prédio para projetar, no Centro de Myfair que é o lugar mais tradicional. E eu coloquei um prédio tipo Brasília. Claro que eles não aceitaram de jeito nenhum e, no fim, o cara me dispensou. Tentei um concurso de ‘Nova Cidade’, da Prefeitura de Londres, ganhei o concurso e fui contratado para fazer um projeto num bairro, numa quadra residencial. Eu digo: “Agora, atenção, vamos fazer como inglês”. Eu fiz como a City aqui, os caras queriam Brasília. Um fracasso total. Os caras queriam Brasília. Aí, tive que acertar, acertei. Quando eu estava em Londres, eu tentei uma bolsa da ATEF, em Paris, que era Associação dos Técnicos Estrangeiros na França. Era uma coisa que acho que tem até hoje, porque eles queriam que você pegasse técnica francesa e aplicasse no Brasil, a indústria francesa. Mas tinha bolsa para Arquitetura. Eu soube disso, entrei e consegui a bolsa. Não. Lembrei. Quando eu estava no Brasil ainda... Desculpe, eu volto as coisas... Quando eu estava tentando viajar, estava no Ministério, que um grupo francês vinha visitar o Brasil, no início da construção francesa. Eu consegui, fui ao hotel, peguei um carro e falei: “Eu quero uma bolsa”. Ele disse: “Tá bom. Escreva”. Quando eu estava na Inglaterra, escrevi para ele, só que ele não era mais Ministro, era Prefeito de Paris, e me mandou: “Pois não. Está aqui a sua bolsa”. Ganhei uma bolsa, fui para Paris. Aí eu fui e cada ano terminava em julho, junho, e então eu tinha dois, três meses de férias, que eu viajava com o tal do carrinho caindo aos pedaços.
P/1 – Funcionou esse carrinho!
R – Durou quase 200 mil quilômetros e o Rogério ainda o levou para Israel. Passei para o Rogério, ele levou para Israel e vendeu lá. Então, eu passava três meses de férias.
P/1 – Mas você ficou o quê? Um ano também em Londres? É isso?
R – É. Um ano acadêmico. Um ano em cada...
P/1 – De acordo com as bolsas que você conseguia?
R – É. Aí passou, chegaram as férias, eu também estudei Desenho, me inscrevi numa escola de Desenho Industrial também e, com a bolsa, mais o salário que eu ganhava na Prefeitura de Londres, eu vivia bem de novo. Dava festa, o diabo. Realmente, eu vivi bem. E em Londres, eu vivia um pouco sozinho, era difícil, eu tinha amigos, mas foi difícil. Então, o que eu fazia? Eu passei em tudo que era concerto e eu vi concertos incríveis. Eu não guardo nenhum programa, porque não tinha como guardar, mas _______ [57:20] tocando ______ [57:21]. E, na época, por exemplo, eu me lembro: tinha um concerto que era o ___ [57:31], que era o maior violonista do mundo, junto com o ____________ [57:35], que eram um americano e um russo. E os ingressos foram todos vendidos, mas resolveram vender ingresso para o ensaio final. Eu fui às 6 da manhã, me lembro, porque o ensaio era às dez, e consegui pegar a fila. Entrei e assisti a uma coisa incrível: o cara ensaiando. E um erro: eu não falava Russo e a ____ [58:06] falava Ídiche. Quando meus pais não queriam me explicar, que eu não soubesse alguma coisa, falavam em Ídiche. Eu comecei a entender. Imagina: os caras paravam o concerto, falavam, entre outras coisas. Vi concertos incríveis! Mas eu tinha amigos na Inglaterra, fui fazendo amigos. Pena que, quando você consegue fazer grupos, está na hora de ir embora.
P/1 – A namorada, também, não sei se manteve.
R – Não, não mantive.
P/1 – Não manteve muito tempo a francesa?
R – Não. Ela não quis saber.
P/1 – Foi para Paris?
R – Fui para Paris, mas nas férias, antes de ir para Paris, eu voltei para Florença. Todo ano eu voltava para casa, em Florença, porque era ___ [58:56], que tinha um amigo que resolveu acampar...
P/1 – Isso sem pisar no Brasil, de volta.
R – Não. Quando eu estava em Paris, meus pais mandaram uma passagem para o casamento do Rogério e eu devolvi e falei: “Não vou porque eu achei que vim aqui, me perdi aqui e não vou voltar”. Acabei não indo. Fiquei lá. Mas eu sei que, nas férias, em Paris...
P/1 – Pausa. Seus pais mandaram a passagem para você vir ao casamento, você ficou com medo de que não fosse voltar mais. É isso?
R – É. Porque, na verdade, eu fui para a Europa para ficar seis meses, um ano, mas eu já estava com dois anos e pouco. O que eu fiz foi: nas férias, antes de Paris, eu voltei para Firenze, peguei um amigo e a gente foi, de carro - ele tinha uma namorada na Espanha - foi visitar e nós visitamos a Espanha e Portugal inteiros. Acampando. Acampei durante dois meses e tal. Eu me lembro de que a grana acabou e eu tinha um dinheiro para receber em Barcelona, só que eu estava em Málaga, são uns 800 quilômetros. Essa namorada do cara tinha um amigo, um senhor, que me recebeu numa casa e tal e ele não sabia que eu estava duro, mas ele deu para mim um saco imenso de amêndoa. Passei os quatro dias ali, até chegar em Barcelona, comendo amêndoa. Avelã, desculpa. Não aguento avelã nem pintada.
P/1 – Não consegue nem sentir o cheiro mais.
R – Era avelã ou gasolina, não tinha jeito.
P/1 – Mas ficava acampando onde?
R – Em camping.
P/1 – Campings oficiais ou parava em um lugar, comunidade?
R – Não. Camping oficial. Não tem. Tinha que ser em camping. Custava barato.
P/1 – Chegou em Paris para fazer sua próxima bolsa, não é isso? Que foi pela Prefeitura.
R – Essa bolsa foi o Prefeito quem me deu. Eu visitei o cara, ele me encaminhou, aí cheguei e não tinha programa. Não tinha um curso. Arquitetura francesa, na época, era bem fraca. Agora mudou, mas na época era muito fraca. Eu disse: “Vou visitar todos os castelos, até a arquitetura antiga”. Então, o sócio do escritório, que tinha vindo de Cuba e, de Cuba não podia voltar direto para o Brasil, tinha que ir para a Europa, ele desembarcou, de repente, veio me procurar, eu o levei lá no lugar da bolsa, ele conseguiu uma bolsa também. Aí, nós resolvemos fazer uma viagem pela França inteira. E pagavam para a gente o equivalente à passagem de trem. Com isso aí, a gente conseguiu viajar a França inteira. E o truque que a gente tinha é que tinha que ver alguma coisa moderna. Então, eu inventei em cada lugar em que eu ia, procurava alguma coisa moderna qualquer, não importava, porque arquitetura era ruim, mas que fosse uma cidade importante e que tivesse uma catedral. Na verdade, eu queria visitar uma coisa antiga. Mas eles indicavam um arquiteto para nos acompanhar. Então, a gente ia. E no começo, eles ___________ [1:02:48], esculachando, só me levava em restaurantes incríveis e eu comecei a gostar da comida. O cúmulo. Teve um cara que nos levou num negócio, que eu não acredito, hoje eu entendo, no ________ [1:03:03]. Eu não sabia quem era. Eu me lembro que eu era tão ignorante com esse cara, esse sócio meu... Nós estivemos em Bordeaux, lá na viagem, e pedimos comida chinesa, que eu não aguentava mais comida... E pedi vinho rosé. Imagina só, em Bordeaux, pedir vinho rosé! É o fim da picada! Mas eu não conhecia nada. E com blue jeans. Entrar no ________ [1:03:36] de blue jeans. Imagina só! Mas tudo bem. O cara nos levava porque eles queriam comer bem, os caras que nos recebiam. Quem pagava a conta era o governo. Então, eles iam nos restaurantes superbacanas nos levar, por conversa, eles queriam. Descobri isso no final.
P/1 – E depois você tinha que fazer um relatório?
R – Nada. Não tinha que fazer nada.
P/1 - Nessas viagens, mesmo falando nessa questão moderna, que não tinha muito, mas deu para aprender alguma coisa ou foi só uma desculpa?
R – Não. Deu para tomar vinho e visitar a França. O que você aprende de Arquitetura? Você absorve Arquitetura. Você vê. Mesmo a Arquitetura histórica, você absorve isso. É uma profissão que, se você viajar...
P/1 - ... Ganha um escopo, não é? Isso aqui era o quê?
R – França, 1963.
P/1 – Você acompanhava as notícias no Brasil? Que começa a ser um ano já caótico, não é?
R – Não. Pouco.
P/1 – Em 1964 tem o golpe, mas antes já estava fervilhando.
R – É. Começava. Eu estava completamente por fora, assim, sabe? A minha mãe escrevia a toda hora e dizia: “Olha, está fogo”. Porque meus pais eram de esquerda, vamos dizer assim. O pessoal que frequentava a casa dos meus pais eram todos para quem o Artigas tinha feito casa.
P/1 – O próprio Artigas, o Anísio Teixeira, que você citou, eram pessoas...
R – É, todo mundo. Meus pais eram. Gikovate, _________ [1:05:16], todo o pessoal. Mas eu estava por fora. E, na França, eu também gostava de ver show etc e tal. Acredite se quiser, eu vi no teatro um show dos Beatles. Na fila N, no teatro. E ainda tinha gente apresentando antes. Então, tinha Sílvio ____________ [1:05:43] e, no fim, The Beatles. E o público pegando fogo. Mas ainda não era tão conhecido, porque não tinham ido aos Estados Unidos ainda, mas, realmente, eu fui lá para ver o show, que me custou quatro dólares. Ou seja: equivalente a... Podia ser, sei lá, cem dólares hoje, mas eu iria.
P/1 – Mas você já os conhecia, assim, já era um nome...
R – Claro! Porque eu tinha vindo da Inglaterra. Na Inglaterra, todo mundo: “Você conhece os Beatles?” Porque iam ficando conhecidos. Incrível, não é? E eu não guardei programa nenhum de nada. Nunca, nem de teatro.
P/1 – Imaginar, também, o que ia virar, não é? Em 1963, ainda.
R – Não, mas eu tinha programas _________ [1:06:33] me barrou, a mulher dela, teatro. Os franceses eram muito mal-educados. Era uma coisa. Eu me lembro que o carro quebrava toda hora e eu que pagava. Um dia, eu levei especialmente na firma, porque custa uma nota, paguei, saí, era abril. Estava primavera, tinha capota e tal. No meio do trânsito, o carro quebra. Tinha ficado cinco dias no conserto, caindo a maior neve, de repente. E o carro não pegou, tive que pagar o reboque. Eu cheguei lá: “O carro não está funcionando”. “Pode deixar que a gente...”. Quando eu fui tirar o carro, receber, veio uma conta: “Não vou pagar de novo”. Aí chamaram a patrona, mulher, não é? Virou para mim, literalmente, não me conhecia, uma velha: “Você vai pagar porque eu prefiro mais dormir com meu marido do que trabalhar por nada”. Eu me lembro de que eu virei e falei: “Se eu fosse seu marido, eu preferia trabalhar por nada, do que dormir com você”. Mas paguei. O fim da picada! Os franceses eram muito grossos. Até hoje são.
P/1 – Você teve alguma situação outra também, de racismo? Ser excluído?
R – Não. Isso não, mas eles são grossos entre si. Parisienses são grossos entre eles.
P/1 – E você pegou uma questão ali, da Argélia. Eu não sei como estava isso.
R – A Argélia, você sabe que essa moça que indicaram para a gente jantar... Uma família francesa, a primeira família que me chamou, e a mulher me deu uma bronca que eu não tinha respondido, por carta, o convite anterior, telefone, e ela: “Sabe, é bom que o senhor tenha vindo, porque eu não quero nem um árabe, nem um africano”. Vê só. Eu ali, banquei e fui embora. Depois me convidaram, um francês, Pièrre Noir, um cara que era da Argélia e tinha saído, mas ele era argelino, tinha seis filhas e esse cara, realmente, era aberto, bacana, mas ele deixou a Argélia por causa da guerra.
P/1 – O seu trabalho ali era com a Prefeitura?
R – Não. Na França, nada. Na França era passeio.
P/1 – Não era nada?
R – Nada. Eu podia, claro, o que eu quisesse em Arquitetura, mas eu não tinha que prestar...
P/1 – Mas trabalho, dia a dia...
R – Nada. Tomei vinho, aproveitei ‘pra burro’.
P/1 – Você estava em qual ___________ [1:09:39]? Estava em qual? Você morava em...
R – Morava na Cidade Universitária. Dentro. Tem uma coisa curiosa: eu consegui... Na Inglaterra, morei na Casa do Brasil, na Inglaterra. Que era um convento, um lugar horrível, não podia fazer nada, ainda tinha que dividir um quarto com um cara chato. Eu até mudei - como eu ganhava bem - para um apartamento em ___________ [1:10:05], mas, na França, entrei na Casa do Brasil. E a Casa do Brasil era tão horrorosa... Quer dizer: era bárbara como alojamento, porém as portas da escada eram fechadas, uma tinha entrada de mulher e outra de homem. Se pegasse fogo, você morria, mas morria virgem (risos). Porque era um troço absurdo. Eu digo: “Aqui eu não fico”. E aí, eu descobri a Casa da Suécia, que tinha só 20 lugares. E eu fui falar com o cara e ele disse: “Eu preciso de lugares para moças suecas, porque aqui só tem lugar para homem. Você me arruma um lugar na Casa do Brasil para uma moça sueca, eu quebro um galho para você aqui”. Eu fui lá, falei com o diretor e tal, consegui o lugar para a moça. E aí, para reforçar, eu me inscrevi na Sorbonne, para aprender Sueco e Francês. Você imagina aprender Sueco! Também fui três, quatro aulas, e larguei. Não dava. Mas eu consegui. A Casa da Suécia, realmente, era uma farra, todo mundo numa liberdade danada. Como na Escandinávia. Eu morei um ano, também lá. Daí eu fui para a Finlândia. Rogério tinha ganho a bolsa para a Finlândia. Minha mãe disse: “Vai de trem”. Eu tinha acabado de voltar de uma viagem ________ [1:11:40], não dava mais para pegar o carro, deixei o carro em Paris, peguei um trem e fui para lá. Deixei o carro. O carro estava morto de cansado. E também ia demorar muito tempo. Aí, fui com o Rogério à Finlândia, voltei e disse: “Agora eu preciso arrumar uma bolsa para trabalhar em Nova Iorque”. Que era o top da Arquitetura. Eu descobri que tinha a Fundação Comercial Finlandesa, da Unesco, um setor da Unesco na Finlândia. Eu fui lá e pedi uma bolsa: “Quero trabalhar em Nova Iorque”. Disseram: “Tá bom, vamos ver”. Depois de uns meses, quando eu estava em Paris, veio bolsa não sei o quê lá, aí eu fui para lá e o cara, que tinha me recusado a vaga, não falei com ele, fui falar com o diretor, tinha uma carta da bolsa: “Quero trabalhar aqui. Não precisa me pagar nada”. Disseram: ‘Não, aqui nós pagamos, ou nada”. Eu falei: “Então me paga”. Pagaram, sei lá, uns dois, três dólares, quatro dólares, acho, por hora, mas enfim, eu tinha bolsa. Com esse trabalho, lá eu aprendi ‘pra burro’. Alguns projetos meus têm típicas coisas de Nova Iorque.
P/1 – Conte um pouquinho desse intercâmbio, o que você aprendeu.
R – Esse cara... Acontece o seguinte: ele era um dos cinco arquitetos fundadores da Arquitetura Moderna. Ele, em 1927, tinha feito um sanatório que é uma obra-prima. No lugar, sabe, eu não tinha contato com ninguém. Imagina, Finlândia! No escritório tinha 25 arquitetos, não tinha desenhista, só arquiteto e se fazia tudo quanto era tipo de projeto, só que eu era um pobre coitado, não é? Todo mundo lá era gênio. Eu era um cara recém-formado, praticamente. Desenhava, fazia coisa, mas o contato era incrível. E a primeira semana, eu fiquei uma semana numa masmorra que tinha todos os projetos, umas gavetas guardadas, para aprender, para ver o que ele tinha projetado. Tinha muitos desenhos. Eu peguei um e trouxe num papel-manteiga, está na minha casa, envidraçado. É o dormitório do MIT, nos Estados Unidos, que ele projetou quando terminou a guerra. Ele foi para lá, para dar aula, e eu guardei isso. E aí não fazia projeto, eu fazia desenho, mas você absorvia o que...
P/1 – Mas você ensinava? Tinha contato com ele?
R – Tinha.
P/1 – Como era? Era trabalhar no escritório dele? Você acompanhou algum projeto?
R – É, mas 25 arquitetos é muito pouca gente. Você tem contato. E o cara que me contratou, que era o chefe do escritório, que era um finlandês, se encantou comigo. Então ele me ensinava, mostrava. O Alvaralto fazia um croqui, esse arquiteto arrumava e daí passava para a gente detalhar o desenho. Um caso curioso: como eu falava várias línguas - na época, já falava Português, Inglês, Espanhol, Francês e Italiano e estava aprendendo Sueco - de repente, um dia, tinha duas secretárias... Uma loirinha, a Bárbara, e tinha uma velha que falava dez línguas…. Tinha um escritório no segundo andar... De repente, a loirinha sobe correndo e diz assim: “Michelângelo is here!”. “Manda subir”. Na época, nós estávamos fazendo exposição do Michelângelo ___________ [1:15:53] em Florença. ____________ [1:15:57] manda ele subir”. Ela mandou Michelângelo... Chegou um cara lá e eu era encarregado de mostrar o escritório, porque eu era o mais moço, era o mais dispensável e falava a língua. Mostrei. Quando vinha um arquiteto conhecido, ele falava para a gente que eu levasse o cara para almoçar. Então, eu levei o cara para almoçar, sentei e falei: “O seu escritório é em Milão?” Ele disse: “Mas eu não sou arquiteto”. “Não? O que você faz?” “Faço cinema”. Eu falei: “Fala de cinema, eu gosto muito. Que filme o senhor fez?” Ele disse: “Eu fiz Eclipse”. Era Michelângelo Antonioni. Eu estava almoçando com o cara, sem saber que era ele. Parece piada. E aí perguntei: “E a sua mulher?” Mônica Vitti chamava. Ele falou: “Ela ficou em Estocolmo, não está interessada. Eu gosto muito de Arquitetura, então eu vim ver o ____________ [1:17:09]”. Incrível! Almocei com o Michelângelo Antonioni, parece piada. E assim, na Finlândia, passei um ano, acabei e tal.
P/1 – Mas ali trabalhando para valer, dia a dia de escritório?
R – Trabalhando, dia a dia, mas era uma moleza. A gente entrava às dez horas, almoçava lá mesmo, do meio dia até uma e depois saía às cinco. Mas a gente trabalhava, mesmo. E tinha um concurso ali, falava para entregar a lápis, e ponto final. E ele e o coordenador bolavam o concurso e a gente desenhava enquanto tivesse fôlego e
o Alvaralto era conhecido por beber ‘pra burro’. Beber, na Finlândia, todo mundo bebe. É o país mais bêbado do mundo. Você podia trazer, entrar no país com duas garrafas de vinho. O Alvaralto entrava com duas garrafas... Sabe essas de um metro e sessenta, que vem de vidro, da Itália? Ele trazia e ninguém dizia nada. Mas ele chegava no escritório já com bafinho, onze horas da manhã. Uma noite, a gente terminou o concurso e foi embora. Eu não estava porque eu já tinha terminado o trabalho dele e o pessoal saiu para desenhar. Ele chegou em casa, devia estar tão alto - eram 200 metros do escritório... Já tão alto, que ele confundiu nove horas da manhã com quinze para meia-noite, no relógio. Ele acordou todo mundo, no telefone: “Vem aqui para o escritório”. Todo mundo foi lá, no fim ele pensou que eram nove horas da manhã, a hora de entregar o projeto. Eram quinze para meia-noite. Na hora em que você olha no relógio... Incrível!
P/1 – Total.
R – Mas era um lugar que todo dia tinha alguém batendo na porta.
P/1 – No escritório?
R – Teve um casal de suíços... Ele gostava muito, eram ótimos arquitetos, uns arquitetos suíços que estavam lá e disseram... Deram a desculpa tradicional: “Vocês são ótimos, mas não tem prancheta aqui”. Os caras, no dia seguinte, apareceram lá com duas pranchetas: “Estão aqui as pranchetas”. Botaram em um canto e ficaram trabalhando lá.
P/1 – Chamavam do mundo inteiro? É porque era uma referência.
R – Tinha japonês, italiano, francês, russos...
P/1 – Desses, você acompanhou a implementação de algum projeto que hoje é uma referência, uma construção? Você falou do sanatório, que é um projeto dele, de outro tempo. E teve algum...
R – A biblioteca de _____________ [1:20:17] eu desenhei, aprendi a desenhar a biblioteca lá. Realmente, são fantásticas as bibliotecas. Eu acompanhei bem esse projeto.
P/1 – E esse estilo de pensar Arquitetura você incorporou para você?
R – Sim. Tem um projeto aqui, acho que eu mandei para o Rogério, está no Sesc de Sorocaba, que tem o típico: o auditório em cima, o teto do teatro, o _____________ [1:20:47] fez na Faculdade de Arquitetura um anfiteatro em cima do teatro. Como o teatro é inclinado, ele tem um teatro embaixo e um anfiteatro a céu aberto em cima. Eu usei isso aqui em Sorocaba. Realmente, isso aí foi ideia dele, mas ideias de iluminação, isso eu realmente aprendi lá. Eu estava ali, vendo.
P/1 – E na questão cultural, o que você falou? Porque nessa época ainda, que não tinha internet, não tinha telefone celular, como foi essa experiência de estar na Finlândia, frio, o álcool, a cultura diferente...
R – Cultura diferente não tem problema nenhum.
P/1 – Comida?
R – Eu nunca cozinhei. Hoje eu perguntei para o __________ [1:21:42]: “Você cozinhou?” Ele falou: “Não”. O problema é que era muito caro. Então, tinha que comer sanduíche, mas comida nunca foi problema para mim. Não ligo. Eu falei que eu sou magro. Essa aqui é uma doença, eu perdi 14 quilos, mas estou em ordem. Enfim, mas o duro lá não era nem o frio. O frio, sem pôr muito agasalho, não é que você não sente frio, você se habitua a sentir frio. Como aqui no Brasil a gente se habitua a sentir calor, não é que você não sinta, você se habitua. Então, eu me habituei. Porém, era muito ruim. É que de dia ficava claro nove e meia da manhã e escuro quatro horas da tarde. Isso aí meses a fio. A partir de outubro e vai até abril, março. Em compensação, de abril em diante tem sol o tempo todo. Eu me lembro de ter entrado, uma vez, em um boteco à noite, onze horas, estava claro; saí uma hora da manhã, estava claro de novo. O sol já tinha baixado. Essa era uma experiência bárbara. E tem outra coisa: a Finlândia é um país onde as mulheres mandam. Os homens obedecem. Até a presidente da Finlândia esteve aqui na época, com a Dilma, uma mulher de 60 anos, chegou no Alvorada, de manhã, seis horas da manhã, botou um biquini e foi nadar na piscina. O pessoal ficou chocado. Falou: “Ué, aproveitar uma piscina no verão, aqui, lógico”. As mulheres, realmente, dominam o país. Em todos os lugares. Imagina, é uma coisa curiosa. Só vê empoderamento feminino, é empoderamento masculino, porque as mulheres dominam.
P/1 – Daí você ficou lá também um ano, nessa experiência?
R – É, um ano e pouco. Um ano e meio, quase. Aí aconteceu o seguinte: eu me apaixonei por uma mulher, uma finlandesa. E resolvi trazê-la para o Brasil. Mas eu tinha que ganhar. Eu disse: “Eu vou voltar, ganho”. Aí, minha mãe conseguiu, para mim, uma editora que ia lançar uma revista de Arquitetura e um americano que bancava isso. Tinha um primo meu que trabalhava lá e minha mãe falou que eu escrevia bem e, realmente, eu escrevia, mas nunca tinha escrito para coisa nenhuma. O americano acreditou, me contratou e eu ganhei, me pagou bem ‘pra burro’, eu ganhava mil dólares por meio-dia de trabalho. O resto eu trabalhava para montar meu escritório. E o dólar, na época, equivalia, hoje, a oito mil. Eh, oito mil, era um dinheiro danado, só que a responsabilidade era imensa. Ele pensou que eu já tinha editado revista, eu virei redator-chefe. Tinha que escolher e entrevistar todo mundo, contratar gente para desenhar os projetos que apareciam, chamar fotógrafos e fazer layout. Eu nunca tinha editado uma revista, não sabia nem como fazia. Mas tive que aprender em três meses e, depois de quatro meses, tinha que lançar o primeiro número. Esse cara chamou... Era uma revista de Arquitetura e Engenharia e o engenheiro tinha um sogro que era publicitário. Começaram a fazer layout, mas o cara não manjava nada. O americano bancou a vinda de um americano para cá, era um cara que tinha feito layout para a Architectural Record, para o Time, para um monte... Jan White. E mais gente do Brasil, depois, conhecia esse sujeito. Um cara formidável. E me ensinou, em três dias de batalha, como fazer layout. Depois passei a mandar os layouts para ele e ele disse: “Está aprovado”. E o dono da revista não economizava. Tanto que eu ganhei bem ‘pra burro’. Por exemplo: minha revisora era Esther Góes, essa artista de teatro. Era revisora. Um dos redatores era o Guzzo, que era o cara da Veja. O cara que escreve.
P/1 – Você que juntou essa turma?
R – Ele, o Guzzo, estava lá, a revisora também, mas eles trabalhavam para a gente. O cara da Economia era da Delfim Boys, um dos caras do Delfim Netto. Todo mundo, um grupo espetacular, aprendi ‘pra burro’, aprendi a editar a revista. Depois de um ano...
P/1 – Isso já aqui, no Brasil? Foi sua volta, depois do quê? Uns quatro anos lá fora. É isso? Uns três?
R – Cinco anos. Foi 1966 que eu fiz isso e aí estava aqui pegando fogo a história da revolução. Eu me lembro que eu escrevi um artigo. O Gama e Silva era o Reitor da Universidade. E ele tinha que demolir um prédio residencial para fazer uma avenida monumental. E eu escrevi um artigo: Avenida do Seu Reitor. Acontece que ele tinha virado Ministro da Justiça e o cara bancou, a revista aguentou isso. Mas, depois de um certo tempo, acabou a publicidade, não conseguia. O americano está acostumado a ganhar dinheiro com publicidade chamada ‘médico moderna’, de laboratório estrangeiro. Era um cara que passava um tempo na Europa conseguindo anúncio de laboratório estrangeiro. Para você ter ideia, ele esteve em Berlim, na Schering e, na volta, o cara perguntou: “Você viu o muro?” Ele disse: “Eu fui lá vender, você acha que eu ia ver muro?” O muro passava no jardim da Schering. O cara não teve nem dúvida, comerciante. O filho dele virou presidente da Câmara Americana de Comércio e esse cara, quando eu era garoto, eu lembro… Quando eu era garoto, eu ia num acampamento, chamava Acampamento Bairro Grande. Era um acampamento onde só tinha gente rica. Era um acampamento nos Estados Unidos que você tinha que fazer sua cama, lavar, limpar, fazer comida. Meus pais me botaram lá, aí foi a diferença, eu conheci também um pessoal que tinha grana, então lá eu lutei box com o Hitland, que era o filho do dono, quando eu tinha uns 12 anos. E lutei box com o Eduardo Suplicy, que virou negócio deles. Ele luta box até hoje! Parece piada, não é? São coisas que você lembra no meio do caminho.
P/1 – E você a trouxe, no fim?
R – Não. Infelizmente. Quando eu estava na Finlândia, o embaixador do Brasil na Rússia e a mulher vieram para comprar tudo da embaixada, e em Helsinque... A indústria russa era um país que ia para a Lua, mas ponto final. Coisa de conforto não tinha. E a Finlândia era conhecida por Designer. Eu já passei três dias comprando na loja de departamentos e o cara chegava: “Mister _____________ [1:28:47] please, come here”, chamando. Passamos três dias pajeando o cara. Conclusão: nós conseguimos. Depois disso, ele convidou a gente a ir para Moscou, de carro. Imagina, no meio do país comunista! Nem de avião você entrava e nós partimos de Helsinque a Leningrado, são 500 quilômetros, num hotel chiquérrimo, que era pago pela embaixada. E eu lembro que, de manhã, a gente queria tomar chá e eu falava: “Tea”, ninguém entendia nada. Como é que é chá em russo? O cara: “Tchaika”. Eu sei que a gente foi para Moscou e a filha do embaixador nos acompanhou e tal, e uma tarde, estava um frio danado, estava cansado, e a gente conheceu o Arthur Moreira Lima, que era um pianista que estava com uma bolsa lá. Louco por futebol, passamos a tarde jogando botão com o Arthur Moreira Lima! Minha cunhada, na época, era uma mulher muito bonita e um dia eu fui ver um show do Arthur Moreira Lima, um concerto aqui no Brasil e falei: “Eu estive na Rússia”. Ele falou: “Eu sei. Você tinha uma cunhada, não sei o que lá”. Eu falei: “Nós jogamos botão”. “É isso mesmo”.
P/1 – Nem lembrava? Que ótimo! Que experiência!
R – No fim, eu passei um ano com esse negócio, e não tinha mais publicidade. O americano pagou a viagem de volta para a Finlândia, queria que eu entrevistasse alguns arquitetos americanos em Nova Iorque, nos Estados Unidos, porque ele queria editar a revista, assim, por um ano, só com o material que eu tinha mandado. Para mim, foi uma tremenda oportunidade. Conheci escritores americanos mais famosos.
P/1 – Por exemplo.
R – E depois o Marcel ………., um cara da Bauhaus, conheci, entrevistei o cara e, no fim, eu falei: “Gostaria muito de trabalhar no seu escritório”. Ele falou: “Pois não”. Eu falei: ‘Mas no seu escritório em Paris”. Ele virou para mim e falou: “Muito...”. Ou seja: ponto final. Eu voltei para a Finlândia e, no fim, não deu certo, porque ficou um negócio marcado. Fiquei um ano lá, voltei para a Finlândia, fiquei mais dois, três meses, não deu certo, eu não queria voltar, tinha ganho um dinheiro lá, fui para a Dinamarca, onde eu tinha um amigo, esse cara veio até o Brasil, depois, várias vezes, eu fiquei uns 15 dias na casa dele e um dia, no jornal, estava: “Contratados arquitetos escandinavos nas embaixadas em Brasília”. Eu vi o nome do cara, fui no escritório, o cara me contratou na hora. Eu falei: “Trabalhei no ____________ [1:33:00]”, contratou na hora. Fiquei uns quatro meses e daí eu disse: “Não tem mais trabalho aqui” – não tinha, terminei o trabalho – “eu quero trabalhar, fazer o projeto da embaixada norueguesa”. Chamou, me mandou para Oslo, e conheci o arquiteto lá e fiz o projeto da embaixada norueguesa em Brasília. Acabou tudo isso, acabou a grana, voltei para cá. Aí que eu fui tocar meu projeto no escritório. Quando eu voltei para cá...
P/1 – Você veio, ficou, daí voltou, esse empreendimento da revista, você foi e voltou?
R – Voltei, passei um ano fora e comecei a tocar o escritório aqui. Na raça, não é?
P/1 – Não tinha sócio?
R – Não tinha sócio. O cara que eu tinha conseguido para ele a bolsa da França, que veio de Cuba, concordou... Eu trabalhava no escritório, dividia o escritório, mas o serviço que eu trazia era dividido em três. E o que eles traziam, eles só... Porque o escritório estava estabelecido. Durante dois anos eu fiz isso. Até que eu fiz tanto contato, mas tanto contato, que realmente o escritório começou a depender de mim. Eu dividi com eles o negócio, tal, tudo. Mas eu me lembro que trabalhei para a Cbpo, que era a Companhia Brasileira de Projetos de Obras. Isso foi assim: eu fui no BNH e consegui uma carta, a lista das empresas que trabalhavam para o BNH. Eram mil e quinhentas empresas. Não existia xerox. Eu cheguei para a secretária - porque eu era folgado - e falei: “Você escreve a mesma carta para mim. Escreveu mil e quinhentas cartas”. Eu tive uma resposta. Porém, essa resposta quebrou o galho. Era Companhia Brasileira de Projetos de Obras, que era do Oscar Americano. Um engenheiro precisava fazer um desenho, topei, cobrei uma nota, eles pagaram, e vinha o arquiteto deles. Durante anos, eu trabalhei para eles. Até que eles pegaram um projeto enorme e aconteceu o seguinte: no fim de semana, o engenheiro que nos controlava: “Estou precisando de um orçamento”. Não era orçamento de projeto, era de obra. “Está aqui o projeto”. Um monte de projeto. Eu falei: “Não dá”. Para segunda-feira, ele veio na sexta-feira. Quando a gente viu o projeto, eu falei que não prestava. Era um projeto de 28 andares, com seis metros de diferença entre cinco blocos, sabe? Não ia entrar sol. Ninguém ia comprar aquilo. Expliquei para ele, disse: “Isso aqui não dá”. Ele falou: “Tá bom”. Na sexta-feira de manhã. À tarde, ele ligou para mim e disse: “Quero conversar com você. Você consegue me fazer uma maquete nisso aqui, para eu mostrar para o cliente que isso é inviável?” Nós pegamos, montamos com isopor, com gesso, o diabo, só para mostrar. E, realmente, o cara disse: “Não dá”. E depois de dois, três meses, ele disse: “Vocês podem mandar uma proposta para vocês fazerem esse projeto?” Mandei a proposta. Ele falou: “Só que não endereça a mim, endereça ao Banco Safra, porque é o cliente”. “Tá bom”. Mandei e eu disse: “Isso aqui não vai ficar assim”. Liguei para minha mãe e falei: ‘Mãe, fala com meu tio”. Meu tio é o cônsul de Israel. Era o cônsul, não é? “Fala com meu tio falar para o Safra”. E ele ligou. Eu não soube disso, mas depois de dois meses, quando vieram, o cara chegou para mim e disse assim: “Até o cônsul de Israel entrou nesse negócio! Vocês estão contratados”. A gente tocou um projeto de cem mil metros, na rua dos Franceses. Aí, realmente, a gente ganhou dinheiro e ficamos conhecidos. Eu ainda fiquei com esse sócio. Depois que a gente terminou isso, demorou uns quatro, cinco meses que eu não dormia, trabalhava feito... Quando a gente terminou, eu disse: “Eu vou passar três dias descansando”. Mas não descansando. Passei três dias, não tinha mais serviço. Tinha mudado a lei de zoneamento, iam mudar de seis vezes a de cada terreno para quatro vezes, então o proprietário ____________ [1:38:06]. Eu conhecia um patrício que tinha um terreno na Vila Olímpia e em Pinheiros. Eu fui atrás dele e disse: “Vamos aprovar um projeto aqui, que isso vai mudar”. Voltei depois de três dias no escritório, tinha 26 projetos. Mas o meu sócio, quando eu cheguei lá, disse: “Está de férias?” Eu disse: “Tá bom, esquece”. Aí fui embora. Tinha trabalhado para conseguir serviço. Aí toquei meu escritório e aconteceu uma outra coisa: quando eu estava em Paris, teve a Bienal de Arquitetura lá. Bienal, sei lá, Congresso Internacional dos Arquitetos. E teve um convite que eu não guardei, que era assim: “Monsieur e Madame Charles de Gaulle convidam para ___________ [1:39:07] no Palácio de Versalhes”. Eu fui, não é? Para os arquitetos comerem. E lá tinha uma arquiteta brasileira que eu conheci não sei onde, depois de anos ela voltou para cá e a conheci de novo, começamos a namorar e ela trabalhava na Telesp. E a chefe da arquitetura da Telesp me apresentou, que era a Chu Ming, que é a arquiteta que desenhou o orelhão. A Chu Ming gostou do meu trabalho e deu um projeto de central telefônica para eu fazer. Eu nunca tinha feito, tinha o layout mais ou menos que o fornecedor dava, mas eu vi que esse layout não prestava; arquitetonicamente não funcionava. Entreguei correndo, com uma perspectiva. Normalmente, ninguém entrega perspectiva, porque não interessa. Para o cara que quer uma central telefônica interessa... Mas o cara ficou entusiasmado e deram mais dois projetos. Então, entreguei três, tudo com perspectiva. Para o cara não interessa o prédio, para a telefonia não interessa, mas o cara que está construindo, está mostrando para o patrão lá, ele gosta. Conclusão: depois de seis meses, o cara me chamou e disse: “Não é mais para a Telesp, é para a Telebras. Você tem que concorrer com a Promon e a Hidroservice”.. Tinha uns cinco arquitetos, a Hidroservice tinha três mil funcionários, mas tinha que entregar na segunda-feira uma proposta. Só o valor. Entreguei a proposta e disse: “Estou concorrendo com a Hidroservice, posso dar um valor alto ‘pra burro’, que vai dar”. E também eu tinha experiência. Eles disseram para o monitor: “Nós contratamos qualquer um”. Claro, eles podiam contratar quem eles quisessem, mas eles não tinham know how. E a Telebras acabou topando o trabalho. Daí era um projeto por metro quadrado que tinha que entregar... Normalmente, um projeto desses demora seis meses para fazer. Eu tinha que no dia zero começar, no dia 90 entregar o projeto. Hidráulica, concreto, estrutura, telecomunicações, tudo. Não é só arquitetura. Tinha que coordenar. E no dia 90, eu tinha que entregar quatro projetos. No dia 120, outros quatro. E assim, durante três ou quatro anos, foi isso. Então, era um trabalho infernal, mas, no fim, virou... Nem indústria faz isso aí. Fazíamos muito.
P/1 – Aumentando o número de funcionários?
R – Aumentando. Chegou a ter 35 arquitetos. Aí foi a época em que eu ganhei dinheiro. O que acontecia? Prédio de telecomunicações são os mais altos da cidade. Isso era no Brasil inteiro e não tinha telefone para falar. Era para pôr telefone. Então, imagina! Você está em Roraima, ou no Acre, sem telefone. Tinha que mandar telex, o diabo. E a gente conseguiu. Não podia atrasar nenhum dia. Porque telefone é que nem hotel: um dia que perdeu, não recupera. Hotel é assim, não é? A diária. Telefone __________ [1:42:35] uma grana danada. Para você ter ideia, a obra inteira, incluindo a rede, custa 6% do valor do telefone, do equipamento que está lá. Um projeto custa o quê? 5%. Então, o problema é não atrasar nenhum dia. Porque o fornecedor, se atrasar um dia, a Ericsson paga uma multa brutal. Em compensação, a Ericsson também paga. Conclusão: o prédio tinha que estar pronto em um dia. A gente nunca atrasou nada.
P/1 – Em uma dessas não lembra nada, assim, de...
R – Nada. Nunca atrasei. Eu lembro que uma vez eu falei com alguém, porque eu esqueci de colocar um andar. Por sorte, liguei para o calculista: “Esqueci o andar”. Ele disse: ‘Não tem problema. A gente tem um quociente de segurança que aguenta qualquer coisa”. Essa foi a única mancada, mas, realmente, a gente conseguiu. Conclusão: era o prédio mais alto em Roraima, no Acre, em Pernambuco, Maceió. Os caras viam um prédio bem feito lá, nos contratavam para fazer colônia de férias de funcionários, escritório, e passei a trabalhar com o Brasil inteiro.
P/1 – Conhecia o Brasil inteiro?
R – Eu conheci o Brasil inteiro.
P/1 – E por ser Telebras, como era essa questão do governo, de discutir seu trabalho? Como era isso? Você tinha uma liberdade? Não tinha?
R – Ninguém conhecia nada de telecomunicações, muito menos eu. Mas eu tinha que entregar, não discutia nada. Depois de uns quatro anos entrou um cara metido lá, que resolveu bancar que ele conhecia. E eu percebi que ele só queria mudar por mudar. Na Telebrás. Eu fui umas duas vezes. Depois que eu percebi, eu levava o anteprojeto lá, ele olhava e falava: “Isso aqui não está bom, não sei o que lá”. Depois de uns 15 dias, eu voltava: “Mudei aqui, vê como está bom”. “É, realmente”. Não havia mudado nada. Somente dizia que tinha mudado. Ele não lembrava de nada e deixava. Eu percebia que era pura banca que o cara queria botar. A partir daí, falava: “Mudei”. Não havia mudado nada. Foi a única vez. Nem mudava.
P/1 – Depois de algum tempo, aí começa a ficar meio “padronizado” o seu trabalho.
R – Claro!
Não, padronizado não.
P/1 – Não sei se é essa a palavra, mas...
R – Porque tem o terreno, depende do terreno.
P/1 – Mas e a parte de criação, criatividade? Não tem?
R – Não tinha. Eu criei. A gente criou um sistema, que é o seguinte: tentando explicar para quem não é engenheiro, mas enfim, com a Ericsson, o layout do equipamento... E, para isso, precisava... Para o projeto, estrutura. Porque furava um buraco para subir cabo. O pessoal de estrutura precisava do layout da Ericsson para fazer, não dava certo desse jeito. Eu inventei um negócio: punha os dutos para fora - que você passava ar-condicionado, passava tubo, tudo - e dentro ficava limpo. Conclusão: os prédios também não tinham muita graça, porque eram prédios fechados. Agora, com duto, ficavam melhores e era proibido colocar vidro, porque não podia pegar pó e não podia pegar sol, o equipamento. Mas o pessoal era tão visionário. Imagina! Levantar um prédio... Para você ter uma ideia, em Santarém, com 60 mil telefones... Faz 20 anos. Imagina! Não é possível! Tudo, a arquitetura, o prédio não custava nada, então eles construíam e falavam: “Vamos encher pelo menos dois mil ou três”. O que aconteceu? Os equipamentos ficaram desse tamanho, os prédios ficaram sobrando e, por sorte, eu não obedeci. Coloquei janela assim, só para entrar luz, não para iluminar, mas para entrar, porque eles não queriam de jeito nenhum. Coloquei vidro fumê para evitar sol e está sendo usado agora por todos os prédios, para call center das empresas. Senão, teria perdido tudo. No fim, o escritório ficou conhecido. Passei a tocar tudo. Conhecido anos.
P/1 – O seu escritório ou seu nome?
R – O escritório.
P/1 – Com seu nome?
R – Meu nome. O que aconteceu? Projetos de tudo quanto é tipo. Nos últimos anos aconteceu o seguinte: no ano 2010 eu tive uma doença séria, que se chama ataxia cerebelar, que é o seguinte: falta de movimento no cerebelo. Provoca desequilíbrio. Falta de equilíbrio. E eu passei a enrolar, falar enrolado, eu fiquei completamente apagado durante seis meses. Eu fui morar na casa do Isaac, meu irmão, e nem me dei conta disso. Eu fazia barbaridades. Não conseguia falar coisa com coisa. E eu tinha um médico... A mulher do Rogério tinha um neuropsiquiatra que ia cuidar da filha dele. Mas o cara simplesmente não me examinava. Eu achava que era psicólogo, fazia perguntas. Depois de seis meses, eu desisti e, finalmente, achei um médico que viu que era um problema neurológico, me tratou durante dois anos. Depois do segundo ano, eu voltei para o escritório, mas eu ainda enrolava um pouco a língua. Eu perdi todos os clientes, menos o Sesc e o Senac. E, para recuperar os clientes, impossível. Muito mais fácil achar um novo do que pegar um velho. Além do que, tem uma crise terrível. Então, eu reduzi brutalmente o escritório, fechei e fui trabalhar com um arquiteto que foi estagiário meu e que tem o escritório montado. Um cara muito vivo, muito esperto e ele pegou a Igreja Universal, que é um prédio horroroso, mas ele nem diz que fez, porque é um detalhe dos Estados Unidos, sei lá o quê. Mas ele ganhou uma grana. E, com isso, ele comprou uma casa na Vila Nova Conceição, para ele morar. Reformou, ganhava superbem, quando estava para ir morar, um cara chegou lá e disse: “Quer me vender a casa?” Ele vendeu, ganhou um dinheiro, disse: “É bom negócio”. E passou a reformar casa, ele vive disso e bastante bem. Nós somos muito amigos, me aceitou no escritório, disse: “Fica aqui e você faz o seu serviço. Quando eu estiver aqui, a gente racha”. Nós somos tão amigos que esse rapaz era estagiário, eu tinha indicado a revista, ele viu o artigo sobre o _________ [1:50:32], que o meu sócio tinha escrito, viu a foto, o cara veio no escritório e falou: “Eu gostaria de trabalhar aqui”. “Pois não, pode ficar como estagiário”. Ele pensou que era o escritório do ____________ [1:50:42]. Falei: ‘Não tem nada a ver, mas você fica”. Ficou como estagiário e ele era muito competente, passou a ser coordenador, fez tudo. E teve uma época em que ele ganhou uma bolsa nos Estados Unidos, ele foi para Los Angeles com a mulher e voltou uns seis meses depois para passar três, quatro meses. Eu perguntei para ele: “Você tem onde trabalhar?” “Não” “Então trabalha aqui no escritório, que 35 mais um...” Trabalhou lá. Falei: “Você tem onde morar?” “Não”. Acontece o seguinte: eu estava de férias, eu tinha casado com a Ivone, a gente ia para a Europa e eu estava mudando para uma casa nova e falei: “Fica aqui no meu apartamento”. E eu tinha um Puma conversível - na época eu ganhava bem - falei: “Usa o carro aí”. Porque eu ia deixar o carro parado. Ele virou para mim e falou: “E as mulheres?” Dei tudo para ele. Ele não esqueceu e sempre me ajudou muito. Na verdade, tem uma coisa até curiosa: nós tivemos, ao longo do tempo, quatro namoradas em comum. Quer dizer: eu namorei quatro pessoas que ele também namorou, em outra época. (risos)
P/1 – Aquele ímpeto de viajar não voltou mais? De querer ir para fora...
R – Eu viajei um monte de vezes, de turismo.
P/1 – Não, mas para ficar.
R – Para ficar, não.
P/1 – Porque você tinha esse ímpeto de querer ir morar, viver...
R –Tinha. Na verdade, o que eu gostaria não era de ter sido arquiteto. Eu gostaria de ter sido aventureiro, sabe? Não gosto de velejar, mas gênio é o Amyr Klink, esses caras que fazem escalada e que vivem de escrever. Mas na época, não tinha isso. Porque senão, eu teria feito isso. Eu viajei muito, mas a turismo. Mas eu passava dois meses viajando.
P/1 – Que é diferente desse outro começo.
R – Diferente.
P/1 – Que era uma coisa de querer morar, ver a cultura, pegar a festa.
R – Diferente. Não tem nada a ver
P/1 – Mas é ótimo!
R – É bom de todo jeito. Viajei com a Ivone, minha mulher.
P/1 – Conte um pouco da sua esposa, como você conheceu.
R – Eu dava aula na FAU. Na época das telecomunicações. Então, você imagina: eu pegava avião para Manaus, ia de manhã, chegava lá na hora do almoço, trabalhava à tarde, voltava à noite, pegava o avião internacional, descia aqui em Recife. Eu ia de manhã, pegava o avião meio-dia de volta, às três já estava na FAU, dando aula. Isso no período de dois anos. E eu era um professor reconhecido, porque eu me esforçava, realmente. Dar aula não era para ganhar dinheiro, era para dar aula. E era muito solicitado para o trabalho de redação final. A Ivone, um dia, me pediu se eu podia ser orientador. Eu a desorientei e acabei casando com ela. Ela veio no escritório, tal, mostrei. Escritório, não. Tinha uma casa, era uma casa perto do Dante Alighieri e então nunca tinha vaga ali para parar e ela sempre chegava e tinha uma vaga na porta. Ela dizia: “Puxa, que sorte!”. “Sorte, nada. Eu punha alguém para estacionar aqui, só para você chegar”. (risos) Mas nós nos damos muito bem. Casei durante 12 anos. Aí morreu, sei lá. Um casamento, chega uma hora em que a gente... Separou, mas continuamos amigos até hoje. Nós viajamos duas vezes, três, quatro vezes para o exterior, junto com os filhos, numa boa. Tudo numa boa.
P/1 – Vocês tiveram filhos.
R – Dois filhos.
P1 – Fale um pouco deles.
R – Acho que, antes, valia a pena falar dos meus irmãos. Porque, quando eu estive doente, realmente, eles bancaram um reforço danado. Meu irmão Isaac me aguentou dentro de casa. Um dia, eu estava pelado na cozinha, pendurado no freezer, querendo tirar coisa. Estava completamente biruta. E o Rogério, atualmente, me trata 100%, realmente. Eles aguentaram uma barra muito pesada. Eu agora estou aguentando a barra financeira disso aí. No ano 2000 eu tive infarto. Depois, no ano 2011, eu tive esse negócio e tive um infarto agora, em novembro, outra vez.
P/1 – Mas tem relação?
R – Não. O primeiro infarto, acredite se quiser, eu estava no Shopping Iguatemi, com uma namorada, tomando um sorvete, peguei o carro para voltar para casa, no meio do caminho senti uma tontura, guiando com tontura cheguei no prédio, parei e quem me viu entrar na garagem, diz que eu entrei assim como se estivesse bêbado, cambaleando. Cheguei e quando eu fui apertar o botão do elevador, eu não tive força. Não é piada. Estava mal. Me sentei no chão da garagem. Demorou uns tempos... “Não dá!” Deitei no chão. De tontura, só. Eu tinha pressão baixa, então estava com pressão baixa. Por sorte, era hora do jantar, 30 segundos depois chegou um casal de médicos, olharam: “Vamos para o hospital, não sei o que lá”. Era um infarto. E eu não senti nada, fora tontura. Se eu tivesse me fechado em um quarto, estivesse no apartamento - eu moro sozinho - teria morrido. Me lembro de que quando estava na maca, eu estava ouvindo o pessoal e falei, chamei a médica: “É infarto, não é?” “É, acho que é”. Eu falei: “É”. Estavam perguntando porque eu entrei lá sem documento, sem nada, tirei do bolso e falei: “Está aqui meu documento”. Eu deitado lá. E depois eu falei: “Meu médico é ___________ [1:57:35], que é meu primo”. Que é cardiologista do Einstein. Ligaram para ele. Você imagina que eu não lembro mais, mas o cara que me levou para lá, para o hospital, às oito horas da noite, tinha São Paulo e Corinthians no trânsito contrário. Um inferno! Acabou que colocou assim bandeira branca para chegar. Disseram para mim que iam fazer o cateterismo e botar ‘stent’. Aí resolveram botar o ‘stent’: “Você vai sentir uma dor muito forte, um calor danado”. Eu falei: “Tá bom”. Aí veio o calor, dei um berro, uma dor danada. “De zero a dez, quanto é essa dor?” Eu falei: “Nove” “Só? Todo mundo fala dez”. Eu falei: “Se eu não sei o que vocês vão fazer depois, tem que deixar _____________ [1:58:41]”. A próxima, essa ataxia cerebelar, foi assim: eu não posso dirigir carro, que é perigoso, e não posso andar de bicicleta. Eu fazia 60 quilômetros fim de semana, 30 ida e volta, fechado. Isso é chato. Não faço mais.
P/1 – Qual é a origem disso? O que é?
R – Ninguém sabe. É um negócio no cerebelo. Dizem que é autoimune, mas tanto lugar que você quiser pesquisar a origem, mas não resolve. Que é para saber se, eventualmente, pode transmitir isso para alguém. Mas custa vinte mil dólares para mandar para os Estados Unidos. Muito obrigado. Deixa quieto.
P/1 – Você está extremamente lúcido. Totalmente diferente de você pelado no freezer. Foi remédio, o que foi?
R – Não sei. Foi remédio. Eu tomei um monte de remédio. Aí eu tive um outro infarto há seis meses, sete agora em novembro. Isso foi na sexta-feira, eu senti um pouquinho de dor aqui. Chegou no domingo, dor de novo. Eu disse... Tinha um médico no prédio, falei: “Dá uma olhada”. Ele falou: “Acho melhor ir para o hospital, _________ [1:59:49], infarto”. Cheguei, me levaram... Na época não estava mais no hospital, que é muito caro, eu tinha um convênio que chamava Prevent Sênior. Me levaram ao médico, me fizeram cateterismo, disseram, meu primo, meu cardiologista tinha me dito: “Se você tiver outro infarto, você vai ser muito bem tratado, porque você teve interrupção na junção de duas artérias. Você bota ‘stent’ na artéria,, libera uma e entope a outra”. Então, disse que tinha que operar. Aí, o pessoal do Prevent Sênior disse: “Nós podemos fazer ‘stent’. Minha filha tinha uma amiga que era da equipe do Kalil, do Sírio Libanês. Conseguiu convencer, a filha, a que eu não pagasse, mas que eu tinha que pagar todo o hospital. Não pagar o honorário do médico. Ele não cobrou. Me cobrou agora, disse: “Desculpa, foi combinado”. Custou uma nota de qualquer forma. Mas me operaram e o cara, o médico que fez esse troço, virou e disse: “Eu sou encanador”. Eu falei: “Tá bom”. Consegui ficar à parte, 20% de chance de não escapar. Eu não tinha outra chance. E deu certo. Agora eu estou inteiro.
P/1 – Está bem?
R – Estou bem.
P/1 – Mas está com restrições?
R – Não. Restrição nenhuma. Já é suficiente não guiar carro e não andar de bicicleta.
P/1 – E hoje você está morando sozinho?
R – Moro sozinho e tenho uma empregada que fez curso de... Como é que chama isso?
P/1 – Enfermagem?
R – Não é. De acompanhamento. De curador.
P/1 – Home care?
R – Não. Tem um nome isso aí. Cuidadora. Mas ela vem na segunda, à noite, e vai embora na sexta, à noite. E durante o dia ela trabalha e o trabalho não tem nada... À noite, ela dorme aqui, fim de semana eu fico sozinho. Não tem problema, não. É isso. História, tem mil.
P/1 – Não dá nem para abarcar tudo. Eu só queria pegar algumas coisas, assim. Bom, você falou dos seus filhos. Você tem dois filhos. Hoje eles já estão adultos. Você já é avô?
R – Sou. Eu sou avô faz dois anos e minha neta nasceu faz 15 dias.
P/1 – Parabéns!
R – Minha filha é colega do Raí e a filha do Raí, no Palmares, aqui na escola. O Raí teve uma filha com 17 anos e a filha teve o nenê com 16. Ou seja: o Raí é avô jogando futebol, com 33 anos. Eu fiz o contrário: eu fui avô com 80 anos.
P/1 – Muito bom! Nesse período, essa questão política, como foi essa fase aqui?
R – Ah, foi bom você falar. Antes de casar com a Ivone, eu morei quatro anos com uma mulher. Chamava-se Míriam Selma. Que era uma pessoa, imagina: era advogada, escrevia peça de teatro e eu conheci todo o pessoal de teatro. O pessoal de teatro vinha todo dia na minha casa. Todo esse pessoal: Raul Cortez, o Cuoco, o Pereio, todo mundo. E uma das amigas dela chamava-se Ana Maria, que trabalhava no Jornal da Tarde. Ana Maria, um dia, falou: “Meu namorado vem aqui. Dá para vocês ficarem com ele?” “Pois não”. Ele ficou em casa um pouco, eles ficaram lá, e depois, na hora de sair, eu tinha um fusca e disse: “Vai por aqui, não sei o que lá”. Percebi que tinha alguma coisa. Deixei quieto, não falei nada. Mas essa amiga contou para a sogra que a gente o tinha guardado um pouco em casa. Eu não sabia de nada, fui com a minha parceira, por acaso, para Campos do Jordão, fomos para o Turiba Hotel: “Estado civil não aceito, não sei o que lá”. Porque ela era divorciada e eu era solteiro. Não aceitaram. O hotel chamava Jardim Embaixador, que ela conhecia. A mulher me recebeu maravilhosamente, superlegal. Engraçado, no último dia em que a gente ficou lá, ela disse: “Muito obrigado pelo que vocês fizeram pelo meu filho”. “O que a gente fez?” Ele tinha sequestrado o cônsul americano, estava escondendo, e o filho foi preso. Mas ele escapou. Mas a gente lidava com esse pessoal de teatro o tempo todo e tinha gente em cana ‘pra burro’. Uma coisa impressionante! Meu irmão, Isaac, tinha uma namorada que trabalhava na Abril. A Míriam também trabalhava na Abril, minha mulher da época. E virou amiga dessa moça. E o Isaac, então, saiu com ela. Eu sei que, um dia, o Isaac não estava com ela, o cara deu uma raspadinha em outro carro, no Largo Santa Cecília, em Perdizes. E ela era uma criadora de caso, não sei o que lá, a raspadinha no carro da amante do General Humberto Souza Mello, general do I Exército, aqui. Foi em cana, o Isaac passou o dia na Operação Bandeirante para tirá-la de lá. Então, essa moça virou amiga da Míriam, vinha em casa toda noite, era meio chata. Uma noite, ela deixou um pacote e falou: “Deixa aqui”. Desceu, eu olhei o que era, falei: “Isso aqui é fumo, vamos jogar fora”. A Míriam disse: “Mas ela deixou para ficar aqui”. Eu falei: “Não. Sai daqui”. Jogamos fora. Quando a gente olhou na janela, embaixo... Ela tinha um Karmann-Ghia vermelhinho, a polícia estava cercando o Karmann-Ghia. Ela apresentou, tudo bem, então foram embora. Imagina se sobem!
P/1 – Mas você lembra de ter esse ambiente de medo, de perseguição, de não poder falar, censura?
R – Eu lembro de uma vez, no escritório, quando estava ainda com o cara que estava em Cuba, veio um cara, um americano, nos entrevistar, queria saber como era a vida. Nós abrimos, falamos tudo e a Míriam, minha mulher na época, disse: “Vocês estão loucos? Esse cara é da CIA, só pode ser, como é que veio perguntar?” Inocente, na verdade. Mas eu não tive perseguição direta. Mas meu sócio também não, porque a gente conseguia trabalhar em Cuba, mas escondendo o currículo. Não tinha sistema tão organizado como tem hoje, porque senão teria dado um rolo danado. Mas, na revista, por exemplo, o artigo lá da Avenida do Seu Reitor deu um rolo danado, depois. Mas o César Latim, que era meu colega, sócio depois de alguns anos, virou diretor da Emplasa, com o Fernando Henrique etc Na época, eu deixei de pegar um projeto, a Previdência tinha projetos, a gente foi, o cortaram de cara. E tinha um cara, o Zaratin, que era um terrorista. Quando eu tinha escritório lá em Itu, que a gente trabalhou com o negócio do Safra, que a gente virou três meses, quatro meses, uma noite o calculista chegou apavorado, entrou e disse: “Passei por um sufoco. Estavam atirando aqui do lado”. Então, no dia seguinte, nós descobrimos: nós tínhamos escritório lá em Itu e tinham pego o Marighela na Casa Branca, do lado. Cruzou o tiroteio, nem sabia o que era.
P/1 – Que coisa! Uma época...
R – Sabe que quando eu quis ir para Cuba, que não saía de jeito nenhum, demorou dois anos, saiu o Artigas, fomos falar com o Artigas: “Mandei um currículo”. Ele falou comigo: “Faz o seguinte: ‘Vai para o Rio, com o César, e vão falar com esse sujeito aqui, que ele resolve’”. Nós fomos para o Rio, na sede de um sindicato, estava lá uma Assembleia, conversamos com o cara e ele resolveu o assunto. Era o caso Marighela.
P/1 – Você conheceu?
R – Sim, claro. Tratamos. Conheci um monte de pessoas, por acaso.
P/1 – O próprio Artigas teve problemas em relação a isso?
R – O Artigas, por exemplo, ele foi recuperado porque na época, o tinham cortado por ser comunista, mas depois deixaram, ele deu aula um certo tempo, depois se aposentou.
P/1 – Mas ele teve esse negócio de ter que voltar, não é? E teve até essa situação de alunos dele ter que sabatiná-lo. Você deu aula na FAU em que período?
R – Eu dei aula na FAU dez anos, de 1970 a 1980. E acontece o seguinte: eu queria dar aula e, um dia, tinha um professor de Urbanismo que perguntou se eu queria dar aula, ele gostava do meu trabalho, eu falei: “Quero. O que faz?” “Manda o currículo”. Mandei e deixei quieto. Na FAU tinha um monte de cara que trabalhava dois, três anos dando aula de graça. Eu disse: “Bom, tudo bem”. Depois de dois anos me ligam e diz: “Quer dar aula?” “Quero”. Pago, tudo bem. Fui dar aula e eu fiquei numa decepção danada, porque a FAU, que eu achava que não prestava, na minha época, com aula particular do Artigas, Figueiredo Ferraz, 150 alunos que ficavam subindo e descendo a rampa, não prestavam muita atenção e eu queria dar aula. Eu me lembro que dei aula para um arquiteto, que virou professor, e quando eu encontrei com ele, depois de muito tempo, disse: “Você foi a maior perda da FAU”. Mas porque eu queria dar aula. Eu não queria reunião de Conselho, sei lá. Eu não queria, queria dar aula. Mas o pessoal não se interessava. Tinha muito pouco. Só se interessava esse pessoal de trabalho de graduação, que vivia de número. Até parei, porque passavam o dia inteiro fazendo isso. E tinha outra coisa: eu dei aula, depois de um certo tempo, você é contratado. E você tinha que ter mestrado e doutorado. Então, tive que fazer mestrado. Primeiro eu entrei com os créditos do que eu tinha feito na Europa e consegui 30%. Eu dei aula, fazia um curso por semestre. Teve uma hora que durou nove anos o mestrado, porque eu não fazia questão. E, quando terminou, eu perdi a vontade de dar aula, quando eu já tinha mestrado. Um desânimo danado daquele e larguei. Mas eu dei aula dez anos.
P/1 – A gente pensou nas partes meio ruins, mas e nas partes interessantes, que foram legais dentro da FAU, você lembra de algum ‘causo’?
R – Bom, primeiro eu conheci a Ivone.
P/1 – É verdade.
R – E depois o fato de trabalhar, ter sido escolhido tantas vezes pelo pessoal que fazia trabalho de graduação, que vinha pedir para mim. Aquilo foi um reconhecimento. Eu cheguei ao ponto que não dava mais, entendeu? Porque teria passado ficando a aula inteira. Lá era dividido, tinha quatro professores para 150 alunos. Era o Eduardo Almeida, que era um cara com quem eu morei na Europa, na Itália; o Arnaldo Martino... Enfim, era um ambiente bom. O Abrahão Sanovicz, que morreu... Mas era um ambiente bom de professores. Eles eram, na verdade... Queriam também dar aula, mas eles já tinham, sabe, uma certa acomodação, porque eles eram professores concursados, aquela história toda.
P/1 – E tem uma fase difícil também, de pegar os anos 80, de pegar depois...Os caras vão ficando...
R – Todo mundo, os alunos só queriam saber... Eles tinham sido preparados, no primeiro e segundo anos, por um professor que é bastante conhecido, o Zenit. Ele queria que eles fossem na favela medir casa, descobrir. Então, os alunos sabiam fazer... No terceiro ano, eu deveria dar aula de projeto de construção, já. E eu tinha que ensinar a fazer projetos e eles só sabiam medir casa popular. E você, em Arquitetura, não faz só isso. Depois, por isso que eu gostei do quinto ano, porque era outra coisa. Mas mesmo assim me enjoou. Não tem comparação com o que era.
P/1 – Daí já era uma concepção, no quinto ano, de pensar em... Isso é interessante: tem alguma marca a arquitetura brasileira? Porque é interessante. Eu, que sou leigo, penso muito nesse período moderno, no fim, e essa influência, mas qual é o nosso? Qual é a arquitetura brasileira? Você foi acompanhando isso? Você foi discutindo isso?
R – A arquitetura brasileira ficou... Eu escrevo muito para revistas dos anos 40 aos anos 60. Nessa época, tinha café, samba, futebol e arquitetura. O Brasil era conhecido por essas coisas. O café virou da Colômbia, o futebol já era, o samba realmente avacalhou e a arquitetura, depois dos anos 60, passou a fazer só concreto aparente. Toda a arquitetura do Brasil é a arquitetura do Rio de Janeiro. Tudo é carioca, não é? Tem Niemeyer, Lúcio Costa, Affonso Reidy... O aterro do Flamengo. No duro, eram os arquitetos cariocas. Aqui tinha o ____________ [2:16:08] e o Artigas, mas o que ficou conhecido no mundo foi a arquitetura dos anos 40 e 60. Porque a arquitetura brasileira teve _________ [2:16:20] chamava Brasil __________ [2:16:21], que era uma coisa conhecidíssima e trazida por americanos. Então, eu sou meio saudosista nisso, mas normalmente a pessoa considera, realmente, internacionalmente, que o Brasil ficou conhecido naquela época.
P/1 – E você conseguiu colocar... Eu consigo ver obras suas aí por São Paulo?
R – Você consegue, sim, por São Paulo.
P/1 – Tem alguma que marcou você, como criação, como criatividade?
R – Tem. A Associação Alumni, que é o Centro Cultural Alumni, que foi vendido para o Carrefour. O outro é o Sesc Sorocaba, que é a melhor obra. E deixa eu ver o que mais. É que eu tenho obra no Brasil todo. São Paulo, quando pergunta, tem pouca coisa.
P/1 – Qual a que marca e qual o motivo da escolha? Por que marca, no fim?
R – O que marca, na verdade, é a influência do ___________ [2:17:20]. O tipo de acabamento, que era com tijolinho. Mas o acabamento, o que importava era a criação de espaço, que você se interessava bem, porque você tinha muito espaço de fachada aqui, e lá ele interessava. A fachada claro que é importante, mas interessa pelo conforto interno. Tudo isso... Interesse para eles tem sempre um hall iluminado, vários andares com pátio, vazio interno, enfim. E depois, claro, você não copia, você se inspira. O que mais que tem em São Paulo?
P/1 – Uma obra sua que você fala: “Poxa, essa aqui o processo foi esse, foi legal. Isso aqui a ideia seguiu por aqui. Isso me emociona”. Eu não sei. Qual a que te...
R – Em São Paulo seria a Associação Alumni, mas ela foi vendida para o Carrefour. Eu não sei como está. Mas para você ter ideia, era um prédio... A história disso é curiosa: o Banco Cidade, que era meu cliente, conhecido, precisava de um terreno para fazer uma sede lá onde estão os prédios agora, perto do Morumbi. Eu achei um terreno, mas o Banco Cidade desistiu. E a Alumni estava procurando e eu disse: “Olha, tem esse terreno”. O terreno pertencia a uma construtora _________ [2:19:05], excelente. Vendeu o terreno para a Alumni, construiu o prédio e foi feito com um capricho danado. Se não foi danificado pelo Carrefour, eu botei as salas de aula assim, em leque. Porque a aula da Alumni é de Inglês, tem intervalo de __________ [2:19:42]. O intervalo é rápido. Mas entre as salas tinha uma espécie de __________ [2:19:49], não era um corredor, você via uma espécie de canto, onde os alunos ficavam entre uma aula e outra. Tinha um pé direito alto. Realmente, se não foi muito danificado, em São Paulo, é a obra de que eu gosto mais. Fora de São Paulo, tem Sorocaba.
P/1 – E que traz os seus conceitos?
R – É. Espero que não tenham detonado demais. Realmente, lá em Sorocaba, o meu filho passou e-mail para o Flávio, acho que para o Rogério deve ter dado aqui, aí você pode olhar.
P/1 – Você tem uma história fantástica! Eu teria ‘n’ questões aqui, eu estou só preocupado com o horário, não é?
R – Seu horário. Para mim eu estou tranquilo, mas você tem mais coisas para fazer.
P/1 – Eu estou pensando, na verdade, assim: tem alguma história, alguma coisa que eu não perguntei, que você gostaria de contar? Não sei. Algo que você lembre e fale: “Poxa, isso aqui eu não comentei, queria falar”?
R – A Míriam dizia... Ela cismou... Ela era uma pessoa meio diferente, que tinha uns __________ [2:21:10] indianos que puxavam fumo, ficavam lá e escreveu-se um livro que chamava Encontro com Homens Notáveis. Eu acho que, na verdade, eu tenho encontro com pessoas notáveis, por acaso. Por exemplo: o João Carlos Martins. Sabe o pianista?
P/1 – Não conheço.
R – Ele é bem conhecido. Ele virou maestro. Ele casou com a minha prima e morava em Nova Iorque. Ele era fanático pela Portuguesa e foi jogar e bateu uma bola no dedo dele e ele ficou com o dedo paralisado. Conseguiu recuperar e foi tocar na Bulgária, deram um assalto nele, bateram na cabeça, ele ficou com o dedo imobilizado e agora é maestro, mas toca só com um dedo. Há algum tempo eu fui ver um concerto que era João Carlos Martins e Arthur Moreira Lima. O cara com quem eu tinha jogado botão na rua e o João Carlos Martins, que tinha casado com minha prima. O João Carlos se separou da minha prima, aliás minha prima se separou dele, e a mãe dela, que era prima de segundo grau, casou ‘n’ vezes, uma das quais com um italiano, morava a uma quadra da Scala de Milão, super chique, numa cobertura, e era uma personagem. Ela tinha uma língua! E a filha fez questão: “Pô, o João Carlos Martins, me casei com ele, agora não toca música, não sei o que lá”. Ela virou para ela e disse: “Se você gostava tanto da música, por que em vez de casar com ele, você não comprou o disco?”. Essa minha prima era uma personagem. Uma vez, quando eu morava na Itália, eu fui passar meu aniversário na casa dela. Era uma prima mais velha, lógico. Fiquei lá: “Seu aniversário, então eu vou fazer um almoço aqui”. Disse: “Oba, vou conhecer gente!” Vieram onze homens, todos tinham tudo um caso com ela. E o marido sentado. Era um cara forte, tinha uma casa, um apartamento, ___________ [2:23:54] na Suíça, tinha fazenda na Itália. Estava depauperado. Ela falou na hora do almoço: “Eu sempre fui fiel ao meu marido, mesmo quando ele ficou impotente. Fala se eu te traí”. Na frente de todo mundo! Essa era um personagem, incrível. Estava falando para o meu irmão, o Rogério disse que o Adhemar Ferreira da Silva, recordista mundial de salto triplo, já fez aqui uma entrevista.
P/1 – Sim.
R – Contei para ele: um dia, quando ele não era conhecido ainda, ele estava próximo, não era famoso, estava muito preparado para bater o recorde mundial. Eu tinha uns 15, 16 anos, meus pais estavam viajando, eu peguei o Rogério, empregado, e fui no Tietê para vê-lo bater o recorde mundial naquele dia. _________ [2:25:09] falei, lembrei. Coisa assim, impressionante... Você lembra? Uma coisa assim...
P/1 – É, são muitas coisas assim...
R – São muitas. De repente, o show dos Beatles, você olha assim...
P/1 – Você ir ao show dos Beatles, realmente incrível.
R – O Armstrong, por exemplo, veio aqui e eu fui com um sócio comprar ingresso. E a gente assistiu ao primeiro show, escondemos no banheiro e voltamos para assistir o segundo. Estava na FAU. E ele estava no hotel Jaraguá e tinha um primo americano que veio para cá para nos visitar e estava no hotel Jaraguá. Eu tinha um disco com a capa dele, branco, só com ele, Louis Armstrong… ”e ele pede o seu autógrafo”. E aí ele mandou o autógrafo, eu tenho o autógrafo. Esse primo, sabe, queria investir no Brasil. Então, ele queria fazer uma fábrica de peças de automóveis. Disseram para ele que tinha que conversar com um cara no Rio de Janeiro. Eu tinha 16, 17 anos, fui de intérprete. Cheguei lá, o cara era o Leonel Brizola. E o Brizola falou, na lata, eu me lembro direitinho: “Você faz isso no Rio Grande do Sul, senão não tem nada”. Acabou aí a conversa.
P/1 – E ele foi para o Rio Grande do Sul?
R – Não, ele não topou. Meu primo não queria fazer isso em São Paulo, queria fazer em São Caetano, São Bernardo. Rio Grande do Sul não tinha mercado. O Brizola falou na lata.
P/1 – Me fala, assim, agora, enfim, olhando para a sua vida agora, você está com 82, não é isso?
R – Isso.
P/1 – O que você espera? Quais são seus balanços atuais? Você tem um sonho ainda? Você tem um desejo de conhecer um lugar que você não foi?
R – Tenho desejo de conhecer um monte de lugares a que eu não fui. Porque eu conheço a Europa, basicamente. Estados Unidos eu fui duas vezes, a trabalho. Mas essa doença me botou mal. Não pessoalmente, financeiramente. Vou ter que batalhar para ganhar a vida. Está difícil! Mas então eu tenho que dar um jeito nisso. Eu estou emprestado meu escritório, tentando conseguir uns projetos que ponham em ordem. E um sonho que eu tenho, eu tenho um monte de lugares que eu gostaria de ir, mas um é a Patagônia. Esse eu ainda vou. E é difícil. Uma coisa é viajar para a Europa e Estados Unidos. É fácil. Agora, para a Patagônia...
P/1 – Tem uma outra disposição, não é? Por que a Patagônia?
R – Pela paisagem, puramente. Antes de ir para os Estados Unidos, já gostava de neve, de montanha, de lago, e tudo isso que tem na Patagônia.
P/1 – Você leu esses expedicionários que você falou, esses aventureiros?
R – Li alguns. Tem um que chama A Pior Viagem do Mundo. É uma viagem do Scott para o Polo Sul, que ele chegou um mês depois que o ___________ que tinha chegado lá. ___________ [2:28:54], desculpe.
P/1 – Esse livro é um clássico.
R - É terrível o livro. Até eu li muito. E todo livro de aventura eu leio. Mas eu leio, hoje, por gosto. Mas eu já gostava disso antes. Eu gostaria de ter conhecido o mundo inteiro. Mas não dá. A Europa inteira eu conheço, realmente, eu dirigi de carro. Na época do comunismo, a Hungria, Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, tudinho. Realmente, a Europa eu conheço.
P/1 – Não falta história para contar, não é?
R – Não.
P/1 – Você pegou isso, as questões políticas, o movimento cultural, um monte de coisas. Só ver o tema mesmo. Tem alguma história que você gostaria de registrar, que a gente não passou?
R – Não. Acho que eu registrei tudo. Acho que foi bastante.
P/1 – Uma pincelada, não é?
R – Acho que geral, acho que tudo bem, não é?
P/1 – Você gostou de contar um pouco da sua história?
R – Gostei, sim. Eu conto pedaços dessa história quando eu faço palestras, mas pedaços. Porque o pessoal interrompe, sabe que começa a debater, perguntar como eu consegui bolsa de estudo, eu digo: “Olha, é assim...“. Eu consegui uma bolsa para Portugal, até esqueci... Quando eu estava na França, tinha uma namorada que chegou para mim: “Dá para você escrever uma carta em Português para mim?” Eu falei: “Por quê?” “Porque eu estou concorrendo a uma bolsa da Fundação Guggenheim, que é em Portugal”. Eu falei: “Mas para quê? Para aprender Português lá? Tem que escrever a carta em Português para aprender Português?” “Mas eles querem”. Aí mandei, falei: “Você se incomoda de eu pedir uma bolsa também?” “Não, tudo bem”. Mandei uma carta para ela e uma minha. Foi autenticada: “Pode vir”. Eu cheguei em Portugal na época em que eu estava com a moça da Finlândia, eu fui com ela para Portugal. Cheguei em Portugal e disse a pergunta famosa: “Tem que fazer relatório, não sei o quê lá?”. É o cúmulo. Todos os países davam dinheiro __________ [2:31:02]: “Está aqui sua bolsa”. Eu falei: “E relatório?” “Não precisa”. Passei três semanas em Portugal e disse: “Chega, vamos para a Espanha”. E passamos as férias na Espanha. O cúmulo! Fundação Guggenheim é bárbara. Paga todo mundo. Mas imagina: alguém quer aprender Português e tem que escrever uma carta em Português!
P/1 – E família? Como foi a sua vida pai, quando nasceram os filhos? Como foi isso aí?
R – O Rogério também lembra um pouco. Você não falar da família, porque no currículo que eu mandei era profissional, não tinha __________ [2:31:44] nenhuma. Realmente, a primeira coisa: meu casamento com a Ivone foi bom enquanto... __________ [2:31:55], foi ótimo. A gente separou, eu continuei com meus filhos, vinha em casa e tal, não teve briga nenhuma. Teve uma crise. Você lembra que eu disse que quem me deu o primeiro projeto de telecomunicações foi Chu Ming, que tinha feito... Quando eu estava trabalhando, um dia, chegou para mim e disse: “Você precisa conhecer meu marido”. “Tá bom”. Eu fui com a Ivone conhecer. O marido dela tinha sido um cara que era colega do Paiol Grande, um acampamento, e eu conhecia da praia do Guarujá. A Chu Ming realmente bancava a casa dela e ele fazia uma onda. Quando foi depois de muitos anos, ela teve um câncer do intestino e morreu. Já estava separada faz tempo. Porque ela era arquiteta. A Ivone e a Chu Ming faziam projetos e precisava alguém que tomasse conta dos projetos. Foi, tratou, administrou a casa, tudo, e acabou ficando com ele. Só que depois de um certo tempo, a Ivone teve um câncer também e fui eu que fui tratar de tudo e tal. É uma história, porque eles eram parentes, eram nossos padrinhos de casamento. Mas, enfim, essa é uma história estranha. O que mais?
P/1 – Mas ela está bem? Passou?
R – Passou, tudo bem. Não, ela teve câncer no seio depois. Se recuperou, está bem. É uma coisa hereditária, porque os pais... O pai dela teve um câncer no cérebro, morreu; a mãe teve câncer; ela. E o irmão também morreu jovem. Quando a gente casou, um ano depois, ele morreu. Então eu fico preocupado pelos meus filhos, não é? Taís já teve câncer da tiroide, tirou, mas está em ordem. Enfim, agora, minha vida com meus filhos, é gozado. Eu digo assim: a primeira geração de japoneses chama issei, que é it, ni, san; nissei é a segunda geração; e sansei é a terceira. Meus filhos são não sei.
P/1 – Está distante, não é?
R – Não sei. Ele tem cara, realmente.
P/1 – Mas você é próximo deles?
R – Sou.
P/1 – Convive com frequência? Eles te visitam? Vai no almoço de domingo?
R – Não. É coisa com muita frequência. Eu vou sempre lá.
P/1 – Porque eu percebo que você, no seu núcleo familiar, era bem próximo, sempre foi. Os seus pais. Você quis dar uma fugidinha, mas o pessoal era próximo, não é?
R – Uma fugidinha?
P/1 – De morar fora.
R – Não, tudo bem, continuei próximo.
P/1 – Mas era próximo ao núcleo.
R – Sempre.
P/1 – E no seu, você mantém isso também?
R – Mantenho. Eu não tenho é religião. Eu brinco quando eu dou palestra, digo assim: “Eu sou ateu, graças a Deus!”.
P/1 – Maravilha!
R – Por exemplo, eu lembrei que... Acho que isso é um jeitinho de encerrar, um dos projetos muito bacanas meus, que fica na Raposo Tavares, mas é quilômetro 15, por aí. É o velório do cemitério israelita.
P/1 – No Getsêmani?
R – Não. Butantã. Cemitério Israelita do Butantã. Raposo Tavares. O velório só, que eu projetei, tá? Engraçado isso aí. Eu escrevi um artigo e dei uma palestra no Mackenzie e uma aluna foi se queixar para a Federação Israelita, dizendo que eu era antissemita. Eu tive que mandar o artigo para ela, para provar que não tinha coisa nenhuma. Porque eu fiz brincadeira com isso: “Um dos poucos locais onde nenhum cliente reclama das instalações”. Esse tipo de coisa. Tinha um lugar lá que os judeus não enterram pessoas no sábado, porque é o dia santo. Então, o pessoal do interior, por exemplo, que não tinha cemitério, vem e tem que enterrar só no domingo. Então a gente criou uns quartos lá para a família ficar. Eu chamei de motel. Mas não tinha nada demais isso aí.
P/1 – Mas o pessoal foi atrás de você.
R – Foram atrás. O cara era meu amigo, o presidente da Federação. Falou: “Sérgio, o que tem?” Eu falei: “Olha, eu vou te mandar o artigo. Se tiver alguma coisa...”. Não tinha nada, evidentemente. Tinha coisa que o pessoal do cemitério fazia justiça direta, porque eles recebem um dinheiro danado e eles distribuem para órgãos da colônia, que não ganham tanto, não tinham tanto dinheiro. Faziam justiça social direta. É isso. Que bom a gente terminar com o cemitério!
P/1 – Em nome do Museu da Pessoa, eu gostaria de agradecer pela sua entrevista. Muito obrigado! É um recorte, mas a gente poderia ficar aqui mais horas...
R – Eh, mais ‘time’...
P/1 - Mas eu acho que a gente conseguiu pegar algumas coisinhas. Muito obrigado!
R – Eu que agradeço, realmente, a paciência. Contei tanta história... Eu gosto de contar história. Tem um monte. Tem outras histórias que, se quiser saber, assim, eu conto em qualquer outra hora, independente de entrevista. Ok?
P/1 – Maravilha! Muito obrigado!Recolher