IDENTIFICAÇÃO Antonio Carrara, nasci em Salto Grande, São Paulo, no dia 25 de junho de 1957. FAMÍLIA / PAIS Meu pai é Gil Carrara e minha mãe Guiomar Leocádio Carrara, meu avô paterno Francisco Carrara, meu avô materno Francisco Leocádio. Meus avós, principalmente os ma...Continuar leitura
IDENTIFICAÇÃO Antonio Carrara, nasci em Salto Grande, São Paulo, no dia 25 de junho de 1957.
FAMÍLIA / PAIS Meu pai é Gil Carrara e minha mãe Guiomar Leocádio Carrara, meu avô paterno Francisco Carrara, meu avô materno Francisco Leocádio. Meus avós, principalmente os maternos, tinham um sítio e trabalhavam na lavoura em Salto Grande, que fica no Estado do Paraná. Meus avós paternos, depois, tiveram outras atividades. Meu avô paterno trabalhou com indústria de madeira em Salto Grande. Meu pai trabalhou e se aposentou na Prefeitura de Salto Grande. Durante algum tempo ele ficou fora, trabalhou em uma indústria de farinha. Na região, tem muita mandioca, então ele trabalhou na indústria de farinha de mandioca. Depois, trabalhou como operador de máquinas e também trabalhou com caminhão. Ele tinha um caminhão para transportar areia, pedras, essas coisas, mas se aposentou na Prefeitura. Minha mãe ajudava em casa, ela sempre foi do lar e ajudava meu pai lavando roupas para famílias. Ela contribuía assim, mas sempre do lar.
SALTO GRANDE Eu fiquei em Salto Grande até os nove anos de idade. Lá não tem bairro, é uma cidade muito pequenininha, a gente chama “cidade de primeira”, porque se você botar segunda marcha no carro você não vê a cidade. Então, não tinha bairro, eu morava no centro, e a cidade era aquilo. Eu me lembro um pouco quando meu pai trabalhou nessa indústria de produção de farinha de mandioca. A gente morava na fábrica, que ficava fora da cidade, numa região onde tinha o plantio da mandioca, próxima do plantio das lavouras de mandioca. Eu me lembro dos rios que tinha lá, tem muito rio naquela região.
BRINCADEIRAS DE INFÂNCIA Eu gostava de brincar nos rios, minha mãe não gostava muito. A gente gostava de nadar, mas a minha mãe sempre ficava preocupada, porque a gente ia para o rio, aí ficava com medo de se afogar.
FAMÍLIA / IRMÃOS Eu sou o filho mais velho, então eu tinha que cuidar dos outros meus irmãos. Nós somos em cinco: quatro homens e uma mulher. Depois de um tempo, minha mãe adotou uma outra menina, que é minha irmã também. Então, somos em seis, na verdade. A gente brincava no rio, brincava com os meus irmãos e eu tinha essa tarefa de cuidar dos meus irmãos. Salto Grande é uma ilha, a gente chama de “quase uma ilha”, porque ela é cercada por três grandes rios. Então, a nossa atividade era pescar, a brincadeira era pescar.
RELIGIÃO / SEMINÁRIO Minha mãe é uma beata, meus avós também eram religiosos, então a gente nasceu dentro da Igreja. A relação que a minha família tinha com a religião e a freqüência com que íamos à Igreja nos levou – eu falo nos levou porque os meus três irmãos também foram – para o Seminário. Então, com nove anos, eu saí da cidade e fui estudar num Seminário. Minha mãe tinha a vocação, mas nenhum dos três conseguiu se ordenar padre. Eu fui o último a sair do Seminário. Eu fiquei com essa carga nas costas, porque a minha mãe queria ter um filho padre. Então, eu fiquei no Seminário até terminar meus estudos. Comecei fazendo Filosofia, nessa época em que saí do Seminário. Saí de Salto Grande com nove anos, eu e o meu irmão abaixo de mim, o Paulo.
EDUCAÇÃO / RELIGIÃO Teve toda essa relação com o padre lá na paróquia e foi ele que nos levou para o seminário. O seminário era assim: nós começamos num seminário menor, que era em Ourinhos, uma cidade próxima a Salto Grande, a 16 quilômetros de Salto Grande. Naquela época, tinha admissão e eu entrei na admissão no seminário. A gente chama de “seminário menor”, naquela época tinha, hoje já não tem mais, mas era um seminário onde eram trabalhadas as vocações adolescentes, ainda de meninos nessa fase de nove e 10 anos. E o seminário tinha uma disciplina meio rígida parecida com o regime militar. No Exército, por exemplo, tem horário para tudo. Mas era muito bom, era gostoso, porque tinha a oportunidade de exercer atividades culturais, educacionais e lazer, que a gente não tinha se a gente tivesse ficado na cidade e feito o nosso estudo. Por exemplo, foi no admissão, depois o ginásio, a nossa atividade seria ali, aquela coisa de ir para a escola, ir para casa. E foi ali que a gente começou de fato a nossa educação, porque a gente teve oportunidade de conhecer muita gente. Eu me lembro que fiquei quatro anos estudando nesse Seminário de Ourinhos, que era o seminário menor, fiz todo ginásio, quatro anos de ginásio, e pude conhecer gente do Brasil todo que vinha estudar ali. Então, eu acredito que passaram por ali mais de duas mil pessoas, com quem a gente conviveu ao longo desses quatro anos. O objetivo era que ali começassem os estudos e a pessoa fosse se desenvolver e de fato despertasse a vocação. Então, muitos saíram dali, mais de 50% não ficaram no seminário, ao longo desses quatro anos. Eu fiz o ginásio lá, entrei com nove e saí com 13 para 14 anos. Quando eu fui fazer o colegial, mudei para uma outra cidade, porque essa Congregação tinha o Seminário em Ourinhos, depois um em Apucarana, que é no Paraná, e o Seminário maior, que é quando você já está iniciando o curso superior, em Curitiba. Então, fiquei até os 13 anos ali, fui para Apucarana, para fazer o colegial, era o seminário médio, que a gente chamava. Fui com o meu irmão e nesse período o meu outro irmão, o terceiro, entrou no Seminário de Ourinhos, mas ele ficou dois anos e saiu. E o meu irmão abaixo de mim, a gente chegou a ir para Apucarana. Em Apucarana, esse meu irmão saiu também, aí fiquei só eu. Eu fiz o colegial lá, os três anos, fui para Curitiba. Aí lá a gente tem uma coisa que chama noviciado. Noviciado é um ano que você estuda a sua Congregação. Aí já começa a fazer os seus primeiro votos de pobreza – pobreza não precisava fazer, porque... Mas fiz votos de castidade e obediência. Eles são votos temporários, já é uma coisa mais de preparação para o celibato, para ser padre. Regime interno era internato, só íamos para casa nas férias de julho e final de ano.
JUVENTUDE / FESTA Eu me lembro de um episódio que aconteceu nesse seminário em Apucarana, porque aí já éramos mais adolescentes, já havia aquela coisa de namorar. A gente morava dentro do seminário e tinha um colégio, o Colégio São José, que era um desses colégios particulares, onde estudavam todos os alunos que podiam pagar as mensalidades. Era um colégio particular dos padres e a gente freqüentava o mesmo colégio, junto com esses jovens. E aí, lógico, tinha as jovens também, as meninas, e é claro que você se apaixona. Vou contar um fato que aconteceu nesse seminário. Uma das nossas amigas da nossa classe, também de família católica, freqüentava a Igreja e nos convidou para ir ao aniversário dela, todo pessoal da classe. A gente poderia sair, não tinha problema. Esse seminário não era uma coisa fechada, diferente do de Ourinhos, que era mais fechado. Então, a gente podia sair para a cidade, podia assistir filme, não ficava preso. E a gente ia a aniversários, festas. Só que os pais dela convidaram também o nosso Reitor, mas a gente não sabia. E a gente está lá na casa dela, todo o meu pessoal do seminário, aí começou a tocar uma musiquinha, e fomos dançar. Nisso chegou o nosso Reitor, viu e não falou nada. No outro dia de manhã, no horário que a gente acordou, ele nos chamou para conversar e disse: “Ó, hoje vocês vão pensar o que vocês querem da vida aqui. Porque aconteceu isso e isso ontem. Então, vocês hoje não vão para o colégio, vão ficar o dia todo meditando se vocês querem continuar aqui ou não.” Aí a gente ficou o dia todo pensando, tinha muito esse negócio de meditação. E cada um ficou pensando na vida. E tinha essa coisa de ir embora, arrumar a mala, aí ele falou: “No final do dia, quero conversar com um por um e, se for o caso, quem optar, pode arrumar suas malas para ir embora.” Eu optei por ficar. Fiquei ainda mais uns três anos. Era assim, a nossa vida era um pouco diferente de um jovem que viveu fora de um seminário, tinha algumas restrições, que eram normais.
ESPORTES / LAZER Tinha tudo. Eu tinha piscina, tinha o campo de futebol, a gente podia ir ao cinema, como eu disse, a gente podia sair normalmente. A gente saía na sexta-feira e no sábado, era mais tranqüilo. Sexta à noite, às vezes, a gente ia ver um filme. Então, a gente tinha uma relação com a comunidade. Nós também exercíamos um trabalho junto à comunidade, pastoral, junto com jovens, grupos de jovens que participavam daquela paróquia. Então, a gente tinha toda uma relação com a sociedade e um trabalho também junto a eles.
MOMENTO DE DECISÃO Quando eu terminei o meu colegial, fui fazer um ano de noviciado e, nesse tempo, eu já comecei a pensar um pouco mais. Foi aquilo que disse: na verdade, a vocação era muito da minha mãe. Ela queria ter um filho padre, então eu fiquei com essa carga muito pesada nas costas e tive que conversar com ela um dia e falar: “Olha, não dá mais, não é isso que eu quero.” Mas aí, logo depois que eu terminei o noviciado, fui começar filosofia, aí já saí do seminário. Uma coisa que eu senti é que todo o estudo que tive ali, o conhecimento, isso foi muito importante para a minha vida. O que eu acho que foi negativo foi que, quando saí, eu saí num mundo diferente. Nunca tinha trabalhado fora, a gente tinha a convivência com a comunidade, mas não era uma coisa... Ali tinha tudo, tinha roupa, comida, estudo, você não se preocupava com nada. Quando saí, eu tinha que me preocupar, porque os meus pais não tinham condições de bancar estudo, não tinham condições de nada disso. E aí eu fui ver e disse: “Bom, eu tenho que me virar.” Então, a minha vida profissional mesmo começou daí. Eu comecei a ver que tinha que buscar um trabalho e tive muita dificuldade por não ter experiência nenhuma.
PRIMEIRO TRABALHO Na verdade, o meu primeiro trabalho, eu coloquei na ficha que trabalhei no hotel, mas, quando eu saí e voltei para a minha cidade - meus pais já estavam morando em Ourinhos -, meu trabalho foi num balcão de restaurante desses postos de estrada. Tinha um lá e foi o primeiro emprego que eu tive, então eu atendia no balcão. O primeiro trabalho mesmo que eu conto é esse do hotel. Quando eu entrei no hotel, fui registrado, trabalhei como garçom e como recepcionista durante dois anos. Quando eu saí do hotel, não consegui mais trabalho, aí eu saí de Ourinhos, porque era uma cidade que não oferecia muitas oportunidades. E eu fui para São José dos Campos.
TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Fui para São José, porque eu tinha um amigo que tinha estudado comigo no seminário e estava morando em São José, estava estudando lá. Aí conversei com ele, fui para São José e fiquei na casa dele. Fui procurar trabalho, fiquei dois meses em São José dos Campos procurando trabalho e não consegui. E foi numa época, em 1978, 1979, que São José estava em crescimento, em expansão, tinha muita indústria se instalando. Mas o grande problema era a falta de experiência. Então, naquela época, eu fiz ficha em tudo quanto é empresa de São José dos Campos, mas não conseguia porque sempre pediam experiência. Aí foi difícil de conseguir emprego. Eu voltei para Campinas. Eu tinha um irmão trabalhando no Bradesco, em Campinas, e ele foi até São José: “Ah, vamos embora para Campinas, lá vamos ver se a gente consegue um trabalho.” Foi quando eu fui trabalhar na construção da Rodovia dos Bandeirantes, que ligava Campinas a São Paulo, em 1978, onde trabalhei por seis meses, porque já estava no fim da obra. Fiquei até terminar a obra, trabalhando no Laboratório de Análise de Solo, aprendi lá também e foi quase no final da obra. Acabou a obra, acabou o trabalho. Eu poderia ter acompanhado essa empresa, que era um laboratório que analisava solos e asfaltos. Eles estavam indo para a região do Nordeste e eu não quis acompanhar. Aí voltei para Ourinhos, fiquei em Ourinhos. Comecei a trabalhar com meu pai. O meu pai tinha dois caminhões e fiquei trabalhando com ele um tempo, por conta. Eu puxava areia e pedra, areia do rio, para construções que tinham lá, vendia areia e pedra para construção.
CONCURSO PETROBRAS Um amigo do meu irmão que trabalhava na Refinaria de São José dos Campos, Refinaria Henrique Lage (Revap), desde 1978, foi passear em Ourinhos e foi conversar com meu irmão lá em casa. Eu lembro que estava em casa, esse amigo chegou e chamou o meu irnão para conversar e perguntou se ele queria entrar na Petrobras. O meu irmão ainda era novo, o caçula: “Não, não quero, mas o meu irmão...” Aí ele falou de mim, falou que eu estive em São José dos Campos e me chamou. Fui conversar com esse amigo, o Mauro (Rosa), que está até hoje na Petrobras, em São José dos Campos também, e ele me falou: “Olha, vai ter concurso na Petrobras.” Eu me lembro que tinha concursos para três funções. As três que ele falou - eu não conhecia nenhuma - eram Auxiliar de Segurança, Auxiliar de Serviços Gerais e não sei o quê mais. Eu disse: “Mas eu não conheço isso, eu não sei o que é isso.” Ele falou: “Ó, vai lá, vai ter concurso para aquilo que eu estou fazendo, eu sou Auxiliar de Segurança. Acho que é o melhor dos três.” Peguei todos os dados, fui de carro com ele para São José, fiz a minha inscrição, aí teve o concurso. Eu voltei, porque depois deixei todos os endereços, a Petrobras disse que ia demorar um tempo para sair o resultado, ia sair primeiro nos jornais da cidade, e que eu tinha que ver a minha inscrição. Eu só esperei isso, quando saiu no jornal, vi que eu tinha passado, vi que estava classificado. Eram 11 vagas, não lembro, mas muito mais de mil pessoas prestaram concurso para essa função, Auxiliar de Segurança, que eu nem sabia o que era. Fui no escuro, porque eu precisava trabalhar.
IMAGEM DA PETROBRAS Quando eu estive em São José dos Campos procurando trabalho, eu fui lá na Petrobras. Estava tendo obras e a Refinaria ainda não estava pronta, estava sendo construída, tanto é que quando entrei na Petrobras, ela não estava operando. Ela estava em final de obra, mas foi quando de fato conheci mais a Petrobras. Conheci a Revap, na verdade, não conheci a Petrobras ali. Esse tamanho da Petrobras, não tinha idéia do que era, só conhecia ali primeiro, e foi esse o meu primeiro contato.
INGRESSO NA PETROBRAS Para mim, era a minha oportunidade de começar a minha vida, e foi isso que aconteceu. Foi a primeira oportunidade, o fato de eu não ter experiência e poder prestar um concurso, mesmo sem saber, nem conhecia o que eu ia fazer. Foi a grande oportunidade da minha vida e nem acreditava que passaria, com mais de mil candidatos para 11 vagas, eu não acreditava que ia passar. Fui logo chamado, foi tudo muito rápido, eu não lembro quando foi, mas acho que num espaço de tempo curto. Quando eu fiz a primeira inscrição e o primeiro teste; foi teste de conhecimentos gerais, essas coisas todas, que já eliminou a grande parte, mais da metade nessa primeira avaliação. Aí já foi eliminado mais da metade, depois começaram os exames médicos e psicológicos, e fui chamado. Eu acredito que foi um espaço de 30 dias de quando eu fiz a minha inscrição até de fato começar o curso. Porque também nos disseram o seguinte: “Você vai começar o curso, são 11 - nós estávamos em 12 -, dos 12, um vai sair.“ Aí começamos a fazer o curso, que durou uns três meses, mais ou menos.
CURSO DE TREINAMENTO Foi em São José dos Campos, na Refinaria, fizemos o curso lá. Era um pouco do conhecimento e fazíamos provas. Eram aulas teóricas e provas de todas as matérias. Então, a gente ficou um tempo estudando; não me lembro agora se foi um mês, dois meses. Um saiu, não me lembro nem quem foi. Ficamos em 11. Aí, como a Refinaria ainda não estava produzindo, nós fomos para Campinas. Fui conhecer a Refinaria de Paulínia. Essa Refinaria foi construída em 1970 e já estava funcionando, servia como uma escola para nós. Aliás, não só nós, muitos trabalhadores que entraram na Revap, na área de operação, área de segurança, também ficaram em Campinas fazendo estágio. A gente foi para Campinas e lá começamos a trabalhar, aí sim já foi prático. Em Campinas, foram seis meses, antes de iniciar a operação da Revap. A gente ficou lá para, de fato, ter mais um conhecimento prático.
TRAJETÓRIA / REPLAN Eu gostei muito da Replan e do pessoal que trabalhava lá. Tanto é que, depois, eu me transferi para Campinas, para a Replan. Voltei para São José, trabalhei um tempo em São José e pedi transferência para Campinas. Gostei Fiquei seis meses nesse trabalho prático, foi mesmo para a gente vivenciar o trabalho. Me assustei no começo, a primeira vez que eu vi o que era o meu trabalho, eu fiquei meio assustado, falei que não ia ficar lá.
SEGURANÇA DO TRABALHO A minha atividade de Segurança do Trabalho também tem atuação como Bombeiro, então a gente atendia as emergências e fazia treinamento. A primeira vez que fui ver o treinamento, que eu vi o pessoal fazer o treinamento, foi apagar fogo no Maracanã. Tem um lugar que é o campo de treinamento, que eles botam fogo e a gente vai apagar, é treinamento mesmo para combater incêndio. E tem um treinamento que se chama “combater o fogo no Maracanã”. Maracanã porque é um tanque grande, tem relação com o estádio, por isso que se chama Maracanã. Um tanque grande em que eles botam gasolina, botam diesel, botam combustível lá dentro, metem fogo e você vai apagar. E aí apaga contra o vento. Contra o vento é o seguinte: o tanque é baixinho, não é tanque alto, e a gente entrava com as mangueiras contra o vento, para se proteger e combater o incêndio e abaixar aquele fogo. Então, eu fiquei olhando o pessoal, eles entraram, eu só via fogo e o pessoal no meio do fogo. Eu falei: “Não, vou embora, não vou fazer isso aqui.” Mas a gente perdeu o medo. É um pouco isso, com as técnicas e o conhecimento que você vai tendo nessa coisa, você perde o medo. Até porque não tem risco, se você ficar tranqüilo, não tem risco nenhum.
COTIDIANO DE TRABALHO Eu voltei para São José dos Campos e comecei a trabalhar, a Refinaria ainda não tinha entrado em operação. Eu era Auxiliar de Segurança, o que ele faz? Ele atende as emergências; seria um tipo de Corpo de Bombeiros e também atua na prevenção. Você vê as áreas, faz ronda na área, cuida dos equipamentos de combate a incêndio, emergência de combate a vazamento de gás, tudo, a gente cuida disso. A rotina era essa de liberação para trabalho. Por exemplo, vai ter um trabalho numa área lá, que o cara vai soldar uma linha que passa gasolina ou que passou gasolina ou vai fazer qualquer trabalho a quente. Trabalhar a quente é qualquer coisa que gere fagulhas, que tenha risco de dar um incêndio ou uma explosão.
Então, a gente acompanha isso também, você mede qual é a concentração de gás, tem todo um trabalho técnico. Lógico que é muito mais amplo do que isso, mas a minha atividade enquanto Auxiliar de Segurança era mais essa coisa da prevenção e de manutenção de equipamentos de combate de prevenção a incêndios: extintores, hidrantes e toda essa coisa. E a gente operava os caminhões de bombeiro. Eu fiquei em 1979, aí entrou em operação, a gente acompanhou toda a operação, instalamos todos os equipamentos de segurança na área. A gente trabalhou bem no começo da obra, antes de entrar em operação. Então, todo equipamento que foi instalado na área a gente é que fez, extintores, mangueiras, hidrantes, a gente fez isso. Entrou em operação e eu saí de lá em 1981. Aí tinha uma vaga em Campinas, eu pedi para ir para Campinas, porque gostei muito do lugar e do pessoal que trabalhava lá. Na refinaria, a gente fez uma amizade muito grande. Em São José, também era bom, mas o problema é que era todo mundo novo, então é um pouco mais difícil para engrenar. Lógico que isso ia acontecer depois em São José, mas como a Refinaria de Paulínia já era uma Refinaria mais antiga, já estava com tempo, pessoal muito experiente, e eu gostei do grupo que eu trabalhei, pedi para ir lá e fui transferido para Campinas.
ACIDENTE EM SÃO JOSÉ DOS CAMPPOS Eu fui para Campinas antes de acontecer um grande acidente em São José dos Campos, no qual eu perdi dois amigos que entraram comigo e morreram nesse acidente. Eu não estava lá, tinha ido para Campinas, logo depois teve um vazamento de H2S, que é um gás altamente tóxico e letal. E, numa manhãzinha, teve um vazamento desse gás num dos tanques próximo à casa de controle, na área operacional, e o pessoal estava chegando, eles estavam fazendo troca de turno. Então, estava chegando o pessoal da manhã para render o pessoal que trabalhou à noite. E, nessa troca de pessoal, foi quando deu o vazamento e o pessoal notou o seguinte: as pessoas entraram numa área e começaram a cair. Foi quando deu o alarme: por que o pessoal estava caindo? Muitos funcionários morreram e morreu também uma senhora que era terceirizada. Ela estava trabalhando dentro da casa de controle, os operadores que estavam dentro da casa de controle morreram lá. As salas são pressurizadas, pegam o ar de fora para pressurizar, e ela pegou ar próximo ao tanque onde estava vazando H2S e jogou esse gás dentro da casa de operação. Os operadores que estavam dentro e essa senhora que cuidava do café e da limpeza morreram na sala de controle. E eu perdi os dois amigos que entraram comigo. Foi em 1981, logo depois que eu saí, morreram 11 pessoas nesse acidente. Era um gás muito letal, ele vaza, dependendo da concentração, você consegue sentir o primeiro cheiro dele, porque tem um cheiro característico de ovo podre. Depois, ele neutraliza o seu olfato e aí neutraliza o sistema nervoso, pára tudo, dá parada respiratória, é muito rápido. Dependendo da concentração, às vezes, você nem sente o cheiro dele. E lá foi alta a concentração. Ele é mais pesado que o ar, vazou e desceu. Foi o maior acidente em São José dos Campos.
TRABALHO EM CAMPINAS Em Campinas, era tudo que eu queria. Com esses seis meses, a gente já conhecia o pessoal, se enturmou. E tinha uma coisa que me admirava muito que era a unidade que havia entre nós, a gente ali era uma família. A gente convivia muito tempo, você vive uma parte muito grande da sua vida dentro do trabalho. Isso era muito bom e foi o que me levou a trabalhar em Campinas, porque a gente tinha essa coisa mesmo de companheiro, era isso. A operação com o meu Setor de Segurança era em turno. Trabalhar em turno é bom por isso, porque você conhece todo o seu grupo, você tem uma amizade, você conhece cada um, tem que confiar em cada um, por conta do risco que tem, você depende do teu companheiro para, principalmente, as emergências e para a rotina mesmo, depende dele até para a sua segurança. Isso era muito bom em Campinas, lá na Replan eu senti isso muito forte, essa interação entre as pessoas, entre o pessoal que trabalhava ali, muito boa, muito grande. É isso que me motivou a ir para lá, era uma coisa de trabalhar, de gostar de fazer aquilo, de estar ali. Você se sentia bem, foi sempre assim.
GREVE DE 1983 A gente teve uma greve em 1983. Aí começou a mudar um pouco com essa greve. Quem iniciou foi a Replan. Eu ainda não era do movimento sindical, fomos nós da Replan e o pessoal de Mataripe. Foi uma greve importante para mim, foi a primeira greve mesmo que a gente enfrentou no governo militar e que começou a dar consciência para a gente, consciência de luta. Foi aí que eu comecei a participar mais do movimento sindical, até então eu não participava. Toda a diretoria do Sindicato foi cassada. Me lembro dos diretores, eles passavam sempre pelo meu setor para conversar, para dar informação sobre as coisas que diziam respeito a gente e eles foram todos cassados. O Sindicato sofreu intervenção e a partir daí comecei a militar no movimento sindical, a partir de 1983. E fui para o Sindicato em 1987. Eu participei da primeira gestão no movimento sindical em 1987.
TRAJETÓRIA / FAMÍLIA Para mim, era tudo ali. Acho que a gente, como eu disse: foi o meu primeiro trabalho, um trabalho que eu gostei, lógico que teve toda a dificuldade no começo, para adaptar, mas aprendi a gostar. E dava tudo aquilo que eu queria de retorno para a realização profissional. Tem uma fase minha pessoal, nesse meio de São José para Campinas, quando o meu pai se separou da minha mãe. Eu levei a minha mãe e meus irmãos mais novos para morar comigo, assumi isso e a Petrobras me dava condição de bancar essa situação da minha mãe separada, dos meus irmãos que não tinham trabalho também. Então, eu sentia muita segurança ali. E tudo que a Empresa me oferecia era muito importante para mim e para minha família também. Então, fiquei um tempo em São José e a minha transferência para Campinas foi um pouco essa experiência de não ser casado, mas de assumir uma responsabilidade com a minha mãe, a minha irmã adotiva, a minha irmã caçula, o meu irmão. Os quatro moravam comigo e a gente tocou a vida. E essa segurança que eu tive, a condição de poder cuidar da minha família, foi muito importante, principalmente num momento onde aconteceu tudo isso. Não via desvantagem nenhuma, não. Acho que esse tempo foi melhor que agora, é importante dizer que
éramos mais bem remunerados. Nessa época, tinha toda essa unidade, eu acho que o trabalhador tinha mais, não digo respeito, mas melhores condições. Tinha mais condições, tinha mais oportunidades.
RELAÇÃO PETROBRAS – GOVERNO E a Petrobras foi mudando, lógico que ela mudou. Nesse tempo todo, a gente teve períodos muito difíceis. A partir de 1983, 1984, 1985, aí a gente começa a ter que enfrentar um monte de dificuldades, de ataques, a Empresa começa a sofrer ataques por parte do governo. A greve de 1983 foi, justamente, um momento onde o governo já estava pensando na privatização e começava a tomar medidas no sentido de diminuir direitos dos trabalhadores. E, lá em 1983, o que estava mais focado era com relação ao pessoal novo que entrasse na Petrobras já com os direitos mais reduzidos, porque já tinha um pouco esse projeto de desmontar a Empresa. Eu acho que começa aí. Eu falo daí porque foi quando eu conheci a Empresa, que eu vivi na Empresa, nessa fase de 1979 até 1983, a gente não era tão organizado. Não tinha organização, o movimento sindical ainda não estava enraizado, era muito dividido, muito pulverizado. Os sindicatos ainda estavam iniciando, alguns deles, outros estavam com direções que não tinham muita preocupação de defender interesses dos trabalhadores.
ORGANIZAÇÃO SINDICAL A partir de 1983 é que a gente começa a organizar; eu acho que 1983 foi um momento histórico na nossa organização. Aí eu já falo um pouco da organização enquanto representante dos trabalhadores. Em 1983, começa a criação da CUT – Central Única dos Trabalhadores, e começa a nossa organização interna, porque a gente não tinha. Então, a gente começa a criar departamentos, começa a juntar os sindicatos para discutirem juntos, isso foi fortalecendo para a gente pode defender a Empresa, porque o nosso papel é defender a Petrobras enquanto uma empresa pública e defender os interesses também dos trabalhadores. Então, foi a fase que a Empresa começa a ser atacada por políticas de diversos governos que tinham os mesmos objetivos de privatizar a Petrobras.
COTIDIANO DE TRABALHO Eu trabalhava em turno. A Constituição de 1988 mudou a nossa jornada. Foi aí que a gente começou a negociar a jornada de seis horas, mas até 1988 nós trabalhávamos em quatro grupos, oito horas por jornada, fazendo revezamento, com folgas numa escala. O horário mais difícil era a zero hora, porque à noite sempre é mais difícil para trabalhar, por conta do cansaço e do sono, mas era muito gratificante essa coisa de poder trabalhar nesses horários. Uma coisa que eu sinto é que as pessoas que estão no turno não querem trabalhar de dia, elas se acostumam com esse ritmo de vida. Lógico que tem um prejuízo social, a família, você não está todo tempo, principalmente em dias que estão os trabalhadores normais, no final de semana, sábado e domingo, vão para a piscina, vão para a festa e, às vezes, a gente tinha que ir para a Petrobras no Natal, Ano-Novo. Tudo isso tem um prejuízo social, de convivência social com a família e com a sociedade como um todo, porque você trabalha diferente.
Eu lembro que morava num condomínio e as vizinhas ficavam preocupadas, porque, às vezes, segunda-feira eu estava em casa, terça-feira eu estava dormindo o dia todo, então me viam lá e falavam: “Mas esse cara não trabalha?” É que eu já tinha trabalhado à noite, enquanto eles dormiam. Mas o prejuízo desse regime é a convivência social e a família, porque, às vezes, tinha que trabalhar na noite de Natal, estava todo mundo comemorando e você estava trabalhando. Lógico que eu sei que é mais difícil trabalhar na plataforma, que fica 14 dias embarcado, e às vezes você passa o Natal e o Ano-Novo lá. A gente ia lá, mas você saía depois daquelas oito horas. Por exemplo, no Natal, você estava na Petrobras, aí a gente fazia uma ceiazinha nossa lá.
RELAÇÕES DE TRABALHO Acho que todo ser humano tem essa vontade de crescer, de progredir, de melhorar profissionalmente, economicamente, então, natural que eu tivesse essa vontade. A gente era Auxiliar de Segurança, depois tinha o Sub-Inspetor e o Inspetor de Segurança, que era do nível médio, era o máximo da carreira. Depois de 1988, foi refeito o plano de cargos, hoje é o Técnico de Segurança I, II e III. Você tinha o T.O., o Técnico de Segurança Operacional, que ficava durante o dia, mas a nossa carreira era essa: Auxiliar, Sub-Inspetor e o Inspetor. Lógico que, para Inspetor, as vagas eram menores, eram poucas vagas, lógico que tem uma disputa entre os trabalhadores para subir. Não é uma disputa desleal, mas é uma disputa de estudar, de querer se interessar, mostrar trabalho, tem muito disso. Lógico que sempre tem alguns que são mais “puxa-sacos”, é natural. Acho que eu não era “puxa-saco”. Não sei, porque, para contar minha vida profissional, ela é um pouco diferente, eu interrompi a minha vida profissional na Petrobras por conta do movimento e da militância, mas quero progredir. Eu entrei como Auxiliar de Segurança e saí para o movimento sindical como Auxiliar de Segurança. E aí parou. Porque eu fiquei no movimento sindical, me afastei da Empresa para exercer essa atividade e aí é uma coisa que nos penaliza. Na verdade, o dirigente sindical abre mão da sua vida profissional, penaliza você e penaliza a sua família. Você, profissionalmente, família também, por conta do crescimento, porque todo mundo quer crescer, quer melhorar, quer melhorar suas condições de vida. Na verdade, a gente fez uma opção, não reclamo disso, porque é uma opção que eu fiz, só acho que a gente poderia ser visto de outra forma. Eu sinto que, no passado, muito mais do que hoje, o seu chefe, o teu gerente, ele te olha como um ser diferente. Mas isso é uma coisa que a gente administra.
MILITÂNCIA SINDICAL Foi a partir da greve de 1983, foi uma greve muito difícil, foram seis dias de greve e participei dessa greve. Só que, por conta da minha função, eu fui liberado para ficar dentro da Empresa, participando da greve, mas por conta da segurança. No dia que parou a refinaria, a gente foi ajudar a parar a refinaria, porque tinha que parar com segurança, e foi a partir daí que eu comecei a me interessar por isso, a participar das discussões com o movimento sindical. Foi aí que começou a minha vida de militante mesmo.
SINDICATO DE CAMPINAS Já era filiado desde quando eu entrei. Eu não me filiei em São José dos Campos, porque o sindicato ainda estava sendo construído e a refinaria era nova. Então, quando eu saí de lá, ainda não tinha o sindicato, estava começando ali. Mas me filiei quando cheguei em Campinas, me filiei no Sindicato em Campinas. Aí já comecei a participar das atividades, a gente tinha as assembléias, a gente tinha conversa com o pessoal do sindicato que ia à área. Eu sou filiado ao Sindicato de Campinas. Hoje não é o Sindicato de Campinas, é o Sindicato Unificado do Estado de São Paulo, porque a gente unificou o Sindicato de Campinas com o Sindicato de São Paulo e de Mauá, é um sindicato só. E sou filiado ao Sindicato do Rio de Janeiro também. Quando eu vim para cá, há dois anos, eu me filiei aqui, então sou filiado a dois sindicatos.
TRABALHO NO SINDICATO Em 1992, eu saí liberado, porque precisava diferenciar um pouco o dirigente sindical que é liberado e o dirigente sindical que trabalha na base. Mas eu fiquei de 1987 até 2002, comecei a militar aí mesmo como diretor do sindicato, mas eu trabalhava na base, quer dizer, não abri mão da minha função. Eu exercia a minha função e meu trabalho sindical dentro da área, em Campinas, na Refinaria de Paulínia. Tem essa diferença. Eu me desliguei mesmo da Empresa, da minha atividade no dia-a-dia a partir de 1992, quando fui liberado para fazer a atividade. Mas eu entrei no Sindicato em 1987.
DIRETORIA DE BASE A primeira participação minha como diretor foi em 1987, mas eu era diretor de base, aí não abandonei, eu continuei. Diretor de base é aquele que é diretor, mas trabalha, faz a sua jornada e faz o trabalho sindical lá dentro, que é importante, e aí você concilia a sua atividade. Uma coisa muito importante é que o diretor do sindicato tem que ser melhor que os outros, ele tem que ser profissionalmente melhor do que os outros. Então, é uma coisa que a gente sempre colocava para o nosso pessoal da diretoria, que você tinha que atuar, você tinha que exercer a sua função, tinha que ser muito bom naquilo. Até porque seria ruim um diretor de sindicato que não era um bom profissional, então isso sempre foi um lema nosso de que você tem que ser melhor do que os outros, profissionalmente. Lógico que você, dentro da área, está muito próximo do gerente, das questões ali dentro, você está sempre fazendo os embates com o seu chefe, com o gerente da área.
Eu me lembro de um movimento que nós fizemos em Campinas que foi assim: nós voltamos de uma folga grande um dia, era final do horário de verão. Naquele tempo, a gente tinha uma folga que a gente chamava de “a única folga por mês”, que era grande, pegava sexta, sábado, domingo e segunda, a gente voltava na terça. Eu lembro quando a gente voltou na tarde, tinha uma orientação de que, no outro dia, a gente ia ter que entrar uma hora mais cedo por causa do horário de verão. Aí a gente falou: “Ué, que a gente tem que ver com isso, com horário de verão?” “Porque vai mudar o horário de verão, você tem que entrar mais cedo?” Eles colocavam que era para pagar a hora, uma hora que a gente teve quando mudou. “Ué, mas isso é absurdo Eu não tenho culpa se mudou o horário e eu estava trabalhando, em vez de trabalhar às oito, trabalhei às sete, agora vou ter que repor uma hora por causa do horário de verão?” Aí eu já era diretor do sindicato, nós conversamos, porque veio só a seguinte orientação: “Amanhã, o ônibus, a tua condução vai te pegar mais cedo, uma hora mais cedo.” “Ah, não vamos” Aí conversamos com o pessoal: “Ninguém vem no ônibus, pode passar o ônibus.” Fizemos uma conversa lá dentro da área, muito rápida, e comunicamos ao Cotu, que era o coordenador de turno, o cara que, fora do horário administrativo, seria o gerente da refinaria. Comunicamos o Cotu de que nós já tínhamos fechado de que não viríamos mais no ônibus, podia passar o ônibus, mas nós não iríamos vir, nós iríamos vir no nosso horário normal. E a gente já se preparou, conversou com todo mundo: “Você tem carro, então passa na casa de fulano...” Organizamos isso. Aí eu lembro que me chamaram, no final do turno, a gente ia sair às 11 e 30 da noite, já veio a orientação: “Vai passar no horário normal.” Mas são coisas que você faz enquanto diretor dentro da área, que bota você sempre numa relação de embate com as coisas que acontecem no dia-a-dia.
Então, o diretor de base é um cara que está sempre exposto a isso e isso tem o reflexo também na sua vida profissional: você não recebe mais letra, você não é promovido. Letra seria o nível, você aumenta por mérito, eu fiquei 13 anos sem receber uma. Eu saí em 1992, nunca tive aumento por mérito Por exemplo, a gente tinha uma coisa que o aumento por mérito era 12, 18, 24 meses. Normalmente, a gente nunca tinha de 12, dirigente sindical nunca tem de 12. Não é porque você é um mau funcionário, não é porque você é um mau profissional. É porque você está sempre em atrito ali dentro, atrito com teu chefe, com teu chefe imediato. Então, o diretor sofre muito. O diretor de base vive esse embate constantemente, dia-a-dia, e isso tem um prejuízo profissionalmente. E ele não abandonou a profissão, ele está ali, ele exerce a sua função, ele é tão bom quanto, ou até melhor, porque tem que ser, a gente acha que tem que ser melhor do que os outros. Não tem por que ser penalizado por conta do que ele faz em defesa de coisas que acha que não é daquele jeito, ou ele defende alguns interesses coletivos, não é dele, e ele é perseguido e sofre um prejuízo profissional.
SALÁRIOS E AUMENTOS Eu fiquei 13 anos sem ter aumento por mérito e as pessoas têm, porque faz parte da carreira, faz parte da sua provenção. Mesmo que você não mude de função, você pode, de tempo em tempo, ir melhorando a sua renda, e isso vem através desse incentivo que é o aumento por mérito. Hoje é diferente, fica a cargo do chefe - pior ainda do que no passado Porque, no passado, você não tinha nem com 12, nem com 18, você tinha com 24 meses. Com dois anos, você teria que ter, embora também criassem muitas situações para você não ter nem com dois anos. Isso aconteceu muito. Hoje é pior Depois de 1995 que começou isso, acabou com essa coisa dessa metodologia de 12, 18, 24. O gerente dá para quem ele acha que tem que dar. Tem um tal de GDP, que é uma avaliação que eles fazem, mas fica muito na mão do gerente. Se ele não for muito com a tua cara, não vai ter. É assim Então, isso que eu falo é muito forte, não é perseguição, mas é a dificuldade de uma pessoa que é dirigente sindical poder ter um crescimento profissional. Não são todos, não se assuste, porque não são todos, temos gerentes que têm tido pelo menos uma percepção disso tudo, tem tido um bom diálogo. Mas uma parte deles trata a “ferro e fogo”.
RELAÇÃO SINDICATO E TRABALHADORES
A gente é eleito, então eles depositam na gente toda confiança e acreditam, essa relação é muito boa. Eles te elegem para isso. De tempo em tempo, você é eleito para cumprir esse mandato. Na verdade, delegam para você uma coisa que vai cuidar de interesses corporativos. É lógico que também é questão política, maior que a questão corporativa. Mas essa relação é muito boa, muito importante. É lógico que a gente tem dificuldades, tem sempre crítica, e o movimento sindical é isso. Você está aqui, você sofre pressão de todos os lados, da base que te cobra, ela quer ver resolvido, da direção da Empresa, que também te pressiona muito, então você fica ali no meio do conflito. Mas o sindicato, somos todos Lógico que a gente tem conversado muito isso com os trabalhadores, eles entendem que o sindicato somos nós, a direção é mais para poder dar os encaminhamentos e dar as direções que tem que ser dadas num determinado assunto.
REINVINDICAÇÕES SINDICAIS O dia-a-dia tem muitas questões. A principal reivindicação, no passado, era a questão econômica, a questão do reajuste e de ganho real. E, de um tempo para cá, eu acho que o movimento sindical saiu dessa coisa economicista e foi para outras áreas importantes, como, por exemplo, condições de trabalho, área de segurança. Quem trabalha no setor do petróleo, sabe do risco que é e o que isso pode trazer. Tanto é que em muitos acidentes, como nesse que eu citei de São José e muitos outros que foram acontecendo, a gente teve perda de vidas, de pessoas que morreram nos acidentes. Então, essa é uma preocupação muito latente dentro da categoria, por conta do risco que ela convive. É um risco inerente ao setor petróleo, ao setor petroquímico, mas que, na nossa avaliação, ele é potencializado por conta de políticas, da forma como a política é tocada. Uma política dentro de uma empresa que, se não tiver uma preocupação com isso, esse risco é potencializado. Então, essa é uma grande reivindicação dos trabalhadores. São essas as principais, talvez as mais importantes, depois tem outros “trocentos”. Se você pegar uma pauta de reivindicação, tem cento e poucos itens de reivindicações. Então, vai das coisas das menores do dia-a-dia até as mais importantes.
COTIDIANO DO DIRETOR DE BASE Em 1987, eu era da diretoria, mas não era da executiva. Meu trabalho qual era? Diretor de base era estar ali, pegar as coisas do dia-a-dia, essa conversa mais direta com o trabalhador, ir para as reuniões da direção, levar todo esse sentimento, essas reivindicações, e procurar resolver as questões do dia-a-dia. Essa história que eu contei do horário de verão é um exemplo de coisas que você faz lá, que o diretor de base faz, sem ter que fazer muita reunião, não tem que fazer reunião, não tem que fazer nada, é uma ação no local do trabalho. Esse é o trabalho do diretor de base e essa era a minha função. Eu comecei na Área de Segurança, porque eu sou da Área de Saúde e Segurança do Trabalho. Então, minha secretaria era essa no Sindicato, eu estava atuando mais nessa área, Cipa, condições de trabalho, essa era a minha atuação no início do meu trabalho no movimento sindical.
PREVENÇÃO DE ACIDENTES Cipa é Comissão Interna de Prevenção de Acidente. Está na NR-5, ela cria uma comissão que analisa acidentes, trabalha na prevenção, as condições de trabalho, faz inspeções dentro do local do trabalho. Então, Cipa é isso, é uma comissão de prevenção de acidentes.
MOVIMENTO SINDICAL / DÉCADA DE 80 Em 1983, a partir daí, eu comecei como militante, não era da direção. Ia para as assembléias, mas eu era um militante, não era um dirigente. A gente costuma dizer que em 1983 tinha aquele medo de fazer greve na Petrobras, não era uma coisa comum. A greve de 1983, que aconteceu em Campinas e em Mataripe, foi o fomento para despertar a consciência dos trabalhadores. E foi um processo de construção, de formação, foi a partir daí que a gente começou a se organizar melhor nacionalmente, porque é uma categoria nacional, não é um trabalho fácil. Então, aí começou a nossa participação mais direta em Campinas, principalmente, porque a Replan, com o evento dessa greve, se destacou no movimento sindical nacional e até internacional. Ela teve repercussões nessa greve, tivemos muitas demissões na Replan e também em Mataripe e ela foi o fomento da nossa organização. Então, a partir daí começou a se organizar. Lógico que o Sindicato sofreu intervenção, nós tivemos que retomá-lo. Começou o movimento que a gente chamou “o movimento de resistência”, em Campinas, onde a gente começou a reunir todo o movimento organizado, o ABC. Os metalúrgicos tiveram uma participação também nesse movimento em 1983, tanto é que eles também sofreram intervenção por isso. E aí começam a criar a CUT – Central Única dos Trabalhadores e a gente começa a participar dentro da CUT e todos os anos a gente tinha os movimentos. Então, a partir de 1983 e principalmente de 1987 para frente, começou a ter muitas greves dentro da Petrobras, muitas greves. A gente perdeu aquele medo. Porque nós éramos tratados como uma coisa assim: segurança nacional, não pode ter greve, não pode ter isso. Então, havia toda uma pressão do resquício da ditadura, do militarismo, que está impregnado, eu sinto que ainda tem um pouquinho dentro da Petrobras desses resquícios. Lógico que, hoje, para a nossa felicidade, é muito pequeno, mas você ainda percebe no comportamento.
MOVIMENTO SINDICAL / GOVERNO COLLOR Então, a gente todo ano fazia movimentos e quais eram os nossos movimentos? Fazíamos “panelaços”, assembléias na porta da refinaria, atrasávamos a entrada, movimentos reivindicatórios, políticos, participações em greves gerais, que é uma greve mais política. Saímos do corporativismo da categoria de pedir aumento dos nossos salários, mas por questões políticas maiores, como defesa da Empresa, a atuação que nós tivemos junto ao governo, principalmente quando o Collor ganhou as eleições e quis desmontar a Empresa. Ele fez o que chamou de “reestruturação” da Petrobras, privatizou e extinguiu empresas do Sistema Petrobras.
Então, esses movimentos que foram impulsionados por nós, eu acho que começa ali essa consciência de que nós tínhamos que nos organizar para defender os trabalhadores, mas também, principalmente, defender a Empresa como uma empresa pública, uma estatal. Acho que vocês conhecem a história, no final da década de 80 e a década de 90, que a Petrobras sofreu um ataque muito forte por conta do governo, no sentido de desmontar a Empresa. Lógico que essa nossa resistência é que barrou, mas o Collor fez muitos estragos na Petrobras, ele extinguiu empresas, privatizou o setor petroquímico, foram muitos trabalhadores para a rua, muitos demitidos, a Interbras e a Petromisa foram extintas. Interbras era uma empresa altamente lucrativa e foi extinta e todos os seus trabalhadores foram embora para rua, do dia para a noite ele acabou com a empresa e famílias ficaram sem emprego. E a gente conseguiu voltar agora.
Eu acho que é importante afirmar que nós voltamos esses trabalhadores, estamos voltando mais de 400 trabalhadores, lá do Collor. Depois de 13 anos, nós conseguimos voltá-los a Petrobras. Agora, quer dizer, está reparando uma injustiça que foi cometida. Eu acho que é tudo isso, essa é a nossa história de luta e de organização, que começou para mim em 1983. A FUP - Federação Única dos Petroleiros é fruto desses movimentos, de pessoas que foram pensando nessa coisa da organização nacional. E a FUP é a realização desse sonho, de ter os trabalhadores hoje, petroleiros do Brasil, que não são só petroleiros da Petrobras. Com a quebra do monopólio em 1997, começam a entrar empresas privadas também e a gente começa a organizar esses trabalhadores, não só da Petrobras.
MILITÂNCIA SINDICAL / DIFICULDADES Eu acho que é uma coisa natural. Você vai militando, vai exercendo a sua atividade e a gente não pode ter quadros permanentes. Acho que a gente tem que ter uma renovação de quadros, esse processo de renovação de quadros que não é fácil, porque não é fácil uma pessoa assumir o sindicato. Quando você vai convidar as pessoas: “pô, vamos lá para o sindicato, vamos montar uma chapa lá”, as pessoas, não é que têm medo, eu acho que não é questão de medo, mas elas sabem da dificuldade que é, tem que abrir mão do seu profissionalismo e tem a sua família. Então, a gente tem uma dificuldade, agora foi essa renovação de quadros. A gente vai assumindo e eu venho mesmo para o movimento assim, saio da Petrobras e vou para o sindicato na época em que o Collor fez aquele incentivo e muita gente saiu. A Petrobras perdeu muito profissional por conta disso, foi muito ruim essa saída precoce que o Collor fez com a Petrobras. Muitos profissionais que tinham todo conhecimento da Empresa, o conhecimento técnico, a memória da Empresa: “Vamos embora?” “Vamos” Por medo, inclusive, do que o Collor podia fazer, privatizar. Então, saíram, foram embora. O movimento sindical também perdeu gente aí. Foi quando eu vim para o movimento sindical, porque muita gente que estava lá no sindicato também saiu da Empresa e aí tiveram que ser substituídos. Foi quando eu saio liberado para o Sindicato de Campinas. Eu fiquei de 1987 a 1992 dentro da base como diretor, saí como secretário. Eu era diretor, fazia parte de uma direção, nós éramos em 24 lá em Campinas. O tamanho da direção é 24, tem mandato de três anos, então, teve as eleições. Eu fui eleito em 1987, depois em 1990 teve nova eleição e fui reeleito, depois em 1993, então, de três em três anos. Fui sendo reeleito, mudei de funções, aí fui para o sindicato. Depois assumi o sindicato como coordenador também, por dois mandatos, em Campinas.
DIREÇÃO DA CUT E DO SINDICATO Foi muito rica. Uma coisa que a gente tem que diferenciar é que o diretor de base está muito ligado ao dia-a-dia. Quando você sai para assumir o sindicato, você fica fora da Empresa, aí você tem uma abrangência, porque começa a participar de outras categorias. Nesse período, eu vou para a direção da CUT em São Paulo também. Sou diretor do sindicato e sou diretor da CUT, começo na minha região a organizar outras categorias, a participar de mobilizações, a ajudar os outros sindicatos. Então, você abre um leque de conhecimento, do movimento sindical como um todo, e aprende muito. Você faz cursos para poder desenvolver a sua atividade, cursos na área de sindicalismo, prática, gestão, concepção e prática sindical, área de segurança. As questões de segurança têm um leque muito grande de formação que você começa a participar. E começa a participar também do movimento como um todo, porque o que a gente defende é isso. Nós isolados, sozinhos, não vamos para lugar nenhum, então você precisa organizar também outras categorias, outros trabalhadores, para poder fortalecer lutas outras que são de interesse do país.
Greves gerais que aconteceram foram organizadas dessa forma, que aí era contra uma política, política contra o FMI – Fundo Monetário Internacional, ou de defender uma política do salário mínimo, reajuste do salário mínimo, quer dizer, você começa a ter um leque mais amplo do que aquilo dentro da uma refinaria. Então, a experiência que eu tive e esse crescimento foram em função de começar a ver outras coisas, a participar de outras categorias também, isso foi muito importante.
A nossa greve de 1995, nós ainda não chegamos ainda, mas eu vou falar, o que foi muito forte para nós, para poder sustentar uma greve de 32 dias com um ataque ferrenho do governo, foi essa solidariedade do movimento sindical como um todo. Então, a gente recebia lá alimentos, por exemplo, dos acampamentos do MST - Movimento dos Sem Terra, dos rurais, do Sindicato dos Rurais, lá de Sumaré, apoio dos metalúrgicos, vieram caminhões de cesta básica, porque o pessoal ficou 32 dias sem salário, sem nada. E o fato não é porque trouxe uma cesta básica, mas a solidariedade desses trabalhadores e de outras categorias foram importantes para a gente poder sustentar o movimento.
CONQUISTAS SINDICAIS Eu não vou falar conquista do nosso sindicato, porque aí a gente já trabalhava assim: “conquista dos petroleiros”. A maior conquista, que para muitos era utopia, que era uma bandeira antiga nossa, foi a jornada de seis horas para quem fazia turno, em 1988. Ninguém acreditava que a gente ia conseguir. A jornada de seis horas para quem fazia turno foi uma luta nossa muito ferrenha, porque era muito difícil você trabalhar em turno uma jornada de oito horas, muito estressante. Essa foi a nossa conquista, porque muitos achavam que isso era uma utopia, mas a gente vivia nessa utopia e a gente conseguiu, porque em 1988 a Constituição criou a jornada de seis horas para turno ininterrupto de trabalho. Essa foi, para mim, a maior conquista.
Lógico que tivemos o retorno do pessoal que foi demitido em 1983 e nesse período acho que foi a primeira experiência nossa de luta, porque a gente fez a greve, foi demitido o pessoal e, depois de dois anos, através de ações institucionais e mobilizações, a gente consegue voltar esses trabalhadores que tinham perdido o emprego por conta de uma luta. Então, foi uma injustiça que a gente também reverteu, foi uma das primeiras conquistas nossas também. Mas a maior conquista foi a nossa jornada, a jornada de seis horas.
DIREÇÃO DO SINDICATO DE CAMPINAS Eu saí da refinaria para ficar no Sindicato, passei a ser o diretor liberado. Fiquei em Campinas, meu mandato faltava um ano para terminar. Terminou em 1993, aí fui reeleito e assumi como coordenador do Sindicato. Isso está no acordo coletivo, a diretoria da Petrobras não libera porque quer liberar não, isso faz parte de uma conquista que nós tivemos, onde nós temos dentro do nosso acordo coletivo a liberação. Nós somos liberados por acordo coletivo. Então, tem liberação, a Empresa mantém o seu vínculo empregatício, a gente só não exerce a função lá dentro. Eu sou liberado, recebo o salário da Petrobras, vivo do salário da Petrobras, não ganho do movimento sindical. O movimento sindical não paga ninguém para isso, quem banca a gente, quem está bancando é a própria Empresa. Isso está dentro do nosso acordo que é renovado ano a ano, todo ano a gente renova. Tivemos perdas, a gente tinha mais liberados no passado, fomos perdendo liberados, a Empresa foi diminuindo, a gente começou a recuperar isso de novo, agora nos últimos dois anos a gente começa a recuperar esse número de diretores liberados. Mas quem banca é a Empresa. Eu sou liberado por ela, meu vinculo é com a Petrobras, ela me paga o meu salário para que eu exerça a função.
DIREÇÃO SINDICAL / DESAFIOS Como toda a experiência nova, um desafio novo, você sempre fica achando se tinha capacidade para fazer isso. É um desafio que você topa, mas fica sempre naquela avaliação: “Pô, será que vai dar certo?” Porque era uma nova experiência. Sair da Empresa, sair de dentro da fábrica, assumir uma responsabilidade, porque é muito grande a responsabilidade de estar no Sindicato e tocar a política dele. Você é o responsável direto por aquilo. Foi um desafio, foi uma experiência que teve dificuldade no início. Lógico que você tem, porque você está dentro de uma área, você trabalha num setor, você exerce a sua função ali, o seu trabalho enquanto profissional e o seu trabalho enquanto sindicato é muito tranqüilo, porque você domina aquilo ali dentro da área, você conhece. Ir para uma coisa que você ainda não conhecia, isso sempre gera um pouquinho de um friozinho na barriga: “Pô, será que eu vou conseguir isso?” Mas foi um desafio importante, eu comecei a ver, a sair fora, a ir para a CUT. Comecei a ir para lá e, no ano seguinte, vou para a direção da CUT do Estado de São Paulo, assumo outras atividades que não eram só de petroleiros, mas atividades também de tocar o trabalho sindical com outras categorias, condutores, rurais, metalúrgicos. Então, você começa a conhecer, começa a aprender, começa a ter uma experiência que é muito rica. Foi importante isso. O início foi difícil, era difícil até de você chegar, por exemplo, numa assembléia para falar, você ficava sempre com aquele receio: “Pô, vou falar para esse monte de gente, eu não conheço esse pessoal daqui, vou...” “Oh, vem aqui numa assembléia dos metalúrgicos.” “ Vem aqui numa assembléia dos condutores.” E você é sempre recebido, porque as pessoas, os trabalhadores, querem te ouvir, então fica sempre aquela expectativa. E você sempre fica falando: “Pôxa, será que eu vou dar conta desse recado?” Essa dificuldade é natural, mas a gente vai superando e vai aprendendo e vai conhecendo outras áreas. Porque o medo é daquilo que você não conhece, então o início foi assim.
SECRETARIA GERAL E COORDENAÇÃO Quando eu saio liberado em 1992, eu vou para secretário-geral do Sindicato e termino o mandato como secretário. E aí a gente tem novas eleições. A gente tinha chapa única e eu assumo a coordenação do Sindicato de Campinas por um mandato de três anos, de 1993 a 1996. Eu acho que o que a gente fez foi dar continuidade ao trabalho que os meus companheiros fizeram antes de mim. Eu acho que a gente correspondeu com isso, de dar continuidade a esse trabalho, manter os petroleiros inseridos num contexto dentro da política municipal, dentro da política estadual e nacional, tanto em relação aos trabalhadores petroleiros dos outros estados, quanto com relação aos outros trabalhadores; a relação que a gente teve com o movimento sindical de outras categorias. Então, não foi nada de anormal, foi dar continuidade a essa política, acho que a gente fez isso, acho que a gente conseguiu dar continuidade a isso. Não fiz nada de extraordinário, a gente seguiu os princípios que a gente tinha enquanto um movimento sindical cutista, de classe e de luta, e a gente deu conta do recado.
RELAÇÃO PETROBRAS E SINDICATO Eu faço aí um paralelo com o movimento sindical. Eu acho que a gente evoluiu, o movimento sindical também evoluiu, e essa relação também mudou. Essa relação não foi fácil. Hoje eu posso dizer que a gente tem um respeito muito maior por parte da direção da Empresa, que não tinha no passado. Quando tem a greve de 1995, eu estou na direção do Sindicato de Campinas e ali foi um embate muito duro, muito difícil, onde tinha uma política governamental que colocava para a Empresa o que ela tinha que fazer e os gerentes da Empresa seguiam a orientação nacional do maior acionista, que é o Governo. Então, a década de 90 foi um período onde a gente teve um ataque muito ferrenho a direitos, compras de direitos, a gente teve que desempenhar uma luta junto com a categoria para segurar isso. E posso dizer que os petroleiros seguraram a barra. Através da nossa luta, a gente conseguiu manter os nossos direitos; nós não conseguimos avançar, mas se você fizer um paralelo com outras categorias, elas perderam direitos nesse período. E a coisa se intensificou a partir de 1995, quando a gente fez esse movimento, a greve nossa de 32 dias. A partir dessa greve, nós sofremos um ataque, a categoria sofreu um ataque muito duro do Governo e da própria Petrobras. O grande problema foi a postura gerencial da direção da Empresa, que seguia o catecismo, que seguiu o que o Governo ditava. E aí foi o período talvez mais difícil que a gente teve, pelo menos eu tive, enquanto na direção de Campinas. Foi uma resistência. Eu acho que nós “seguramos o rojão”.
QUEBRA DO MONOPÓLIO A gente começa agora a buscar as perdas e as injustiças que foram cometidas nesse passado. Foi aí também nesse período que teve a quebra do monopólio, uma resistência que nós tivemos, mas infelizmente o Governo Fernando Henrique quebra o monopólio da Petrobras e abre o setor petrolífero para as empresas privadas que começaram a chegar no Brasil entrarem no mercado. Mas eu acho que a gente conseguiu, não privatizaram; o principal foi “não à privatização da Petrobras”. Quebra o monopólio, porque a seqüência era essa, você vai diminuindo, o Collor começa a quebrar o Sistema Petrobras, que era muito amplo. Aí ele começa aquilo que eu contei, ele privatiza a empresa do setor petroquímico, que era do Sistema Petrobras, extingue empresas como a Intebras e a Petromisa e vai diminuindo esse tamanho da Petrobras, para poder facilitar a privatização.
Aí vem o Fernando Henrique, quebra o monopólio e começam a entrar empresas do setor privado, que iriam disputar o mercado com a Petrobras – as multinacionais entraram aqui para isso. E isso tinha o objetivo de enfraquecer, para poder depois ser mais fácil. Qual é a lógica para você poder privatizar uma empresa? A lógica usada foi aquela de primeiro atacar o trabalhador, porque um trabalhador que começa a perder os direitos, começa a ser tratado de uma forma como foi tratado em várias empresas. Ele começa a perder o interesse, para depois perder o interesse de defender a empresa. Então, o primeiro ataque é aí, nos direitos, nas condições de trabalho, para você desmontar essa resistência. Mas a gente resistiu, embora tivemos algumas perdas como: a criação da Transpetro, que separou o transporte da Empresa, a parceria feita na Refap com a Repsol, que foi a troca de ativos entre a Repsol e a Petrobras - 30% da refinaria hoje é da Repsol –, a entrada de empresas na produção de petróleo aqui, que começaram a explorar e produzir petróleo, como a Shell. A gente teve essas perdas, mas a gente conseguiu segurar a empresa-mãe, quer dizer, a Petrobras e a Transpetro também, que é 100 % Petrobras, mas ela está separada. A gente conseguiu segurar e resistir contra a privatização.
DIREÇÃO DA FUP A direção da FUP - Federação Única dos Petroleiros – é eleita diferente de uma eleição de sindicato. Eleição de sindicato você monta a sua chapa, vai lá na base e a base vota direto, elege a direção do sindicato. A FUP não é um sindicato, é uma federação. Ela não é um sindicato nacional, ela foi criada com o objetivo de fortalecer essa organização, unificar os petroleiros, porque nós somos 17 sindicatos no Brasil, de petróleo, representamos o setor privado e o setor estatal. Em alguns sindicatos, a gente já está conseguindo representar também os trabalhadores terceirizados da Petrobras. Temos muitas dificuldades, porque hoje a legislação no movimento sindical da organização sindical no Brasil não permite que nós representemos esses trabalhadores.
A direção da Federação, então, é eleita de dois em dois anos, tem mandato de dois em dois anos, diferente do sindicato, que é de três em três anos. A gente já quis igualar isso, mas tem uma resistência de parte do movimento sindical. A direção da FUP é eleita de dois em dois anos em congressos nacionais, onde cada sindicato tem um número de delegados eleitos na base, que vão para esse congresso e lá elegem essa direção nacional. Eu fui eleito em 2002 para o meu primeiro mandato na FUP, como coordenador, com um grupo de sindicatos que montaram uma chapa. Então, lá no congresso nós tivemos três chapas nesse ano. Essas chapas são votadas pelos delegados que são eleitos para esse congresso, essa chapa recebe os votos e depois você divide proporcionalmente. Então, cada chapa tem um número de representação dentro da direção da FUP, de acordo com o percentual que ele obteve nesse congresso.
FUP
/ CRIAÇÃO E DESAFIOS A Federação foi criada em 1993, para ser mais preciso. Em 1994, elege a primeira direção com mandato de dois anos. Além dessa coisa de unificar a luta nacionalmente, de poder fortalecer essa luta, nós também tínhamos o seguinte: a gente pensava da Federação ser a entidade que iria tocar outras políticas também, não só fazer negociações com a Petrobras. Então, o desafio nosso era manter essa unidade nacional, com todas as diferenças que a gente tem dentro de um regime sindical de pensamento. A gente tem dentro de um regime sindical forças, todas as forças do movimento, que estão representando dentro da Federação e que trabalham nesse sentido de buscar unificar a nossa luta para fortalecer e contribuir com a nossa vitória. O grande desafio nosso, além de tudo isso, é mudar essa legislação que foi criada na quebra do monopólio, porque a lei do setor petróleo do Brasil abre, por exemplo, brechas para entrada de empresas multinacionais, no sentido de explorar o petróleo do Brasil. Esse é um dos desafios, nós tivemos uma ação contundente no 6o leilão de petróleo. A gente tem como objetivo ainda discutir com o Governo Lula a mudança da Lei do Petróleo no Brasil, no sentido de proteger a questão do petróleo, porque ele é essencial para nós e, por ser essencial, ele tem que ser desenvolvido, tem que ser explorado, para trazer contribuição para o país, para o Brasil. Então, essa é uma das nossas expectativas, no sentido de a gente, ainda antes do final desse Governo, poder mudar essa lei, para proteger essa riqueza que é nacional, que é do Brasil.
TRAJETÓRIA / MOVIMENTO SINDICAL É aquela história que eu contei sobre 1992. Eu saio para o movimento sindical, saio de dentro da Petrobras, do meu dia-a-dia na Petrobras, para ir para o Sindicato de Campinas. E aí contei toda aquela história da nossa luta, foi o período de maior embate e o principal embate foi a defesa da Petrobras, porque teve a entrada do projeto neoliberal no Brasil, mais intensamente com o Collor, e que tinha como objetivo a privatização das empresas, tanto é que muitas empresas foram privatizadas.
POLÍTICA SINDICAL E GOVERNO Aconteceu uma coisa que foi importante para nós. Tanto nós do movimento sindical, quanto a Empresa, quando teve o impeachment do Collor, que entrou o Itamar, a gente conseguiu fazer um trabalho conjunto. A Petrobras e o movimento sindical na defesa da Petrobras. Teve um grupo de sindicalistas que criou uma comissão, que estiveram o tempo todo em Brasília fazendo gestão juntos aos parlamentares e, inclusive, a própria Empresa também lá junto, fazendo esse lobby; essa conversa, no sentido de a gente poder defender a Petrobras. Foi um momento muito rico para a gente, de resistência. Tivemos algumas derrotas aí que eu contei, que foi a quebra do monopólio, em 1997. Mas tivemos uma vitória que foi manter a Petrobras como uma empresa estatal. Então, a gente conseguiu reunir esse grupo de sindicalistas, que fizeram um trabalho muito intenso em Brasília, que viajavam para Brasília toda semana e que estavam lá o tempo todo acompanhando todas as discussões do Congresso. Tivemos mobilizações lá, ocupamos o Plenário do Congresso, da Câmara dos Deputados, tivemos embates com a polícia, tivemos uma luta ali. Tivemos nesse período também uma participação muito grande dos trabalhadores sem terra, que nos ajudaram nessa luta; quer dizer, foi um momento muito rico nessa época para a defesa da Petrobras.
A BUSCA PELA IGUALDADE DE DIREITOS Quando eu venho para a FUP, a gente vem com uma carga muito pesada, que era de buscar a igualdade de direitos. O Governo Fernando Henrique, em 1997, edita uma resolução que diferenciou os trabalhadores que entraram a partir de 1997 na Petrobras. E a gente começa uma luta no sentido de igualar. Em 1997, você não tinha concurso na Petrobras, não tinha trabalhadores novos, ficou muito tempo sem abrir concurso. Mas a partir daí começam a abrir concursos e começam a entrar trabalhadores na Petrobras com direitos diferenciados. Por exemplo, férias diferentes, as férias da lei, tudo que eles tinham era o que estava na lei. Nós tivemos conquistas ano passado, por exemplo, uma gratificação de férias que não é um terço. A lei diz um terço, mas nós a temos inteira. Esses trabalhadores que entraram depois de 1997 não tinham, tinham só um terço. O que aconteceu: com essa resolução, os trabalhadores que entraram a partir de 1997 só tinham os direitos restritos à lei. Tudo que nós conquistamos no passado, tudo que a gente tinha de direito do passado, eles não tinham, só tinham aquilo que a lei dizia que eles tinham que ter. Então, anuênio não tinha, que é um adicional por tempo de serviço. Assistência médica, eles pagavam muito mais do que nós.
Era um absurdo ter o trabalhador junto com você, fazendo a mesma coisa, e você vê o trabalhador com outros direitos, diferentes do seu, quer dizer, você tinha isso e ele não tinha. Muitas desvantagens A hora extra dele era diferente, era menor, o adicional de sobreaviso dos embarcados era menor. Era uma coisa de maluco essa diferenciação entre os trabalhadores que o Governo colocou. E, num momento muito difícil, onde a Petrobras começa a abrir concurso. Porque a gente viveu uma década de desmonte da Empresa, onde começa com o Collor incentivando todo mundo a sair da Petrobras, o cara se aposentar. Ele queria fazer 10 mil demissões na Petrobras. A gente vai para um movimento de greve, segura isso, e ele consegue demitir em torno de 900 trabalhadores. A gente volta depois esses trabalhadores para dentro da Petrobras, todos eles, e acho que a Petrobras foi a única empresa que conseguiu. A gente tem trabalhadores do setor petroquímico que foram demitidos no Governo Collor e estão na rua até hoje. Nós do movimento sindical conseguimos segurar essa barra, diminuímos, quer dizer, a nossa resistência fez com que o Collor recuasse, mas mesmo assim ele demitiu em torno de 900 trabalhadores e nós fomos para a briga. A gente trouxe de volta esses trabalhadores para dentro da Petrobras. E foi nessa década em que começou a diminuir os números de trabalhadores próprios e aumentar os terceirizados, para a gente chegar hoje na casa de 120 mil terceirizados dentro da Petrobras contra 37 mil trabalhadores próprios, um absurdo Fazia parte da estratégia de desmontar a Empresa. Você diminui os trabalhadores próprios, bota terceirizados, que estão mais fragilizados, não são filiados ao nosso sindicato, porque a legislação não permite. Eles são filiados a outro sindicato e esses sindicatos não têm condição de entrar dentro da área, para ver as condições de trabalho, são impedidos, o máximo que eles conseguem é chegar na porta da refinaria ou no embarque na Bacia de Campos, onde conversam com o pessoal, mas não conseguem ter uma ação no local do trabalho.
Tudo isso foram condições criadas dentro da Petrobras que tinham o objetivo da privatização. Então, foi uma década de questões que foram criadas, de injustiças que foram criadas, de direitos que foram subtraídos e que nós, quando a gente assume o mandato em 2002, tínhamos esse desafio. E a gente coroou com esse último acordo de 2002, em que acabamos com as restrições, com as diferenciações entre os novos, eles hoje têm férias, tem o anuênio, tem assistência médica igual, tem a hora extra igual, tudo igual. E, nesse último acordo, a gente consegue conquistar o ATS, que eles não tinham.
REINVINDICAÇÕES SINDICAIS O adicional por tempo de serviço e as férias entram dentro do acordo. No acordo do ano passado, a gente conseguiu igualar as férias, mas foi feito um acordo aditivo, um termo aditivo fora do acordo coletivo. Esse ano, a gente bota para dentro do acordo, iguala e acaba com a diferenciação entre esses trabalhadores. E a gente consegue também uma discussão com a Empresa ao longo desses dois anos, no sentido de primeirizar. É importante ressaltar que, para esse número, 120 mil terceirizados, está muito tímido ainda na Petrobras o processo de primeirização. Mas já é uma sinalização de mudança, a Petrobras, no seu planejamento, está colocando a contratação de mais 11 mil trabalhadores até 2010. Então, a gente vai ter nesse período, de dois anos atrás até 2010, mais ou menos, 18 mil novos trabalhadores na Petrobras. Então, isso é importante. Na Transpetro, começa agora em janeiro a primeirização de 100% do trabalho terceirizado, daqueles trabalhadores que exercem funções permanentes dentro da empresa. Então, acho que a gente começa uma mudança e esse foi o nosso desafio ao longo desses anos. Eu vou falar de 2002 até hoje, porque foi 2002, 2004 eu fui reeleito e a gente está tocando, estamos avançando. Lógico que ainda tem muita coisa, foi tanta injustiça que cometeram no passado com a gente, que a gente não vai resolver tudo de uma vez. Tem ainda problemas com o plano de previdência comunitária, tem aposentados tendo diferenciações no seu reajuste.
CONQUISTAS Todas essas que eu coloquei são conquistas importantes, nós temos ainda desafios e essa coisa do plano de previdência complementar, os novos ainda não tem o plano de previdência complementar, a Petros, não tem ainda. Nós estamos num trabalho junto à Empresa e junto ao Governo também para poder resolver isso o mais rápido possível. A gente conseguiu agora que a Empresa assuma o serviço passado; é o seguinte: os trabalhadores tinham que ter um plano de previdência complementar e não têm. Então, a Petrobras, nesse acordo, assumiu que, na solução desse problema até a solução desse plano, ela que vai pagar a contribuição dela e do trabalhador. Acho que isso foi importante porque também vai fazer com que pressione a Petrobras para agilizar a solução desse problema. Quanto mais demorar, mais ela vai gastar, porque ela está pagando as duas partes. Nós pagamos uma parte do plano e a Petrobras paga outra, é paritária, é meio-a-meio. Então, se eu pago 10%, a Empresa tem que pagar 10% para o plano. Como ela tinha o compromisso de ter dado um plano para o pessoal e não deu, ela está colocando nesse acordo, que a gente fechou de 2002 até a solução, que ela vai pagar as duas partes. Foi uma conquista importante para nós. Têm muitas outras. Eu não sei colocar todas, mas eu acho que essa solução dos novos foi uma conquista que a gente conseguiu. E o retorno de mais de 400 trabalhadores da Interbras e da Petromisa foi a coisa mais importante. Pessoas que tinham uma empresa, trabalhavam numa empresa e acordaram no outro dia, no Governo Collor, sem esse emprego. Depois de 13 anos, a gente conseguiu restaurar esse direito do emprego, porque ele foi injustiçado. Nesse mês, já estão voltando mais 68 trabalhadores, em janeiro voltam mais 35 lá em Sergipe. Eu acho que são conquistas, são coisas que eu acho que precisam ser destacadas como muito importantes, porque o emprego é o essencial para o resgate da dignidade, da cidadania dessas pessoas. Você tem, hoje, trabalhadores da Interbras que voltaram e da Petromisa, que estão com 50 anos e que ficaram 13 anos na rua por conta de uma política injusta que foi feita – eu estou sendo muito bonzinho em usar a palavra injusta. E uma outra coisa importante foi zerar, a gente não conseguiu zerar ainda, mas estamos nesse encaminhamento de voltar os trabalhadores demitidos da greve de 1994 e 1995, nesse mandato nosso. A gente conseguiu voltar todos aqueles petroleiros da Petrobras que fizeram a greve de 1994/1995 e estamos agora fechando outras punições. Tem mais de 12 mil punições que estão sendo anistiadas, que acho que tem que destacar como uma das nossas conquistas nesses últimos anos, de dois anos para cá. Eu acho que é isso.
GREVE DE 1995 Foi muito dura Eu estava no Sindicato de Campinas. A Replan sempre foi referência nacional para o movimento sindical. Então, quando ia começar uma greve, o trabalhador, da Bahia ou de Manaus ou da plataforma, queria saber o seguinte: “A Replan já começou a greve?” Essa história da Replan, eu não gosto muito de falar isso, porque o pessoal fala: “Você está contando muita vantagem.” Mas como a Replan, depois da greve de 1983, onde a gente começou tudo isso, essa organização nossa, adquiriu um respeito nacional. Os trabalhadores da Replan têm um respeito. Então, na greve de 1995, eu tive uma experiência que foi muito, muito difícil. Eu estava no Sindicato, o Silvio (José Marques) era o Presidente do Sindicato. Ele estava em Brasília e eu fiquei lá. Foi quando no 11o dia, não lembro agora, veio a primeira ordem do TST – Tribunal Superior do Trabalho, de a gente botar 30% da refinaria para produzir. Um absurdo Porque você não consegue operar uma refinaria com 30%. Era 30% do que? De carga, de produção, das pessoas? Então, havia essa complexidade.
Em 1995 foi a greve que os dirigentes sindicais não tiveram trabalho nenhum de parar os trabalhadores, porque a história é que nós fechamos um acordo, depois descumpre o acordo, então a gente não fechou, saímos da nossa campanha de setembro de 1994 até março de 1995 sem fechar campanha; onde foi assinado acordo e a Empresa o descumpre acordo, o Governo descumpre o acordo, rasga o acordo.
Aí os trabalhadores foram ficando naquela agonia de não fecha acordo e o desrespeito a categoria, levou os trabalhadores para a greve. Se o sindicato não chama a greve, a categoria passa por cima da direção e faz a greve. Então, foi a greve mais fácil, não precisava fazer piquete, não precisava fazer mais nada, os trabalhadores pararam e zeraram a produção no Brasil. Parou a produção de petróleo, pararam todas as refinarias, pararam os terminais.
GREVE HISTÓRICA
Depois de 1983, foi a greve mais forte que nós fizemos. O ano de 1995 foi histórico, mas foi também onde a gente levou a maior cacetada, porque o Governo estava fortalecido, o Fernando Henrique Cardoso tinha sido recém-eleito e tinha que dar um exemplo para os trabalhadores: “Ó, se esses trabalhadores conseguirem, eu estou derrotado.” Foi fulminante Para mim, foi o ataque mais forte do que o que nós tivemos na ditadura em 1983, no regime militar. Embora não tenha tido intervenção dentro do sindicato, mas, através do TST, ele conseguiu uma medida que acabava com a organização sindical. Por exemplo, interviu nas contas do sindicato, impôs multa para os sindicatos, multa de 100 mil reais por dia de greve. Nós terminamos a greve, cada Sindicato e a FUP, cada um devendo dois milhões; onde que a gente ia pagar? Cada Sindicato dois milhões Você faz a conta: eram 21 Sindicatos, mais a FUP, 22 vezes dois milhões. Foram 100 mil reais por dia de greve, 100 mil reais. Era impagável E aí nós não pagamos. E o que ele fez? Bloqueou as contas dos sindicatos, tudo que tinha de dinheiro foi para a justiça, os sindicatos não podiam mais. Tudo que entrava nessa conta ficava preso. Então nós tivemos que criar associações nossas para poder sustentar o sindicato, para poder viabilizar a nossa estrutura, os trabalhadores. E
foi importante para essa politização dos trabalhadores porque eles começaram a contribuir por fora, via associação, eles pagavam todo mês e os aposentados também, que nessa época vinham, pagavam direto no sindicato. Foi o que viabilizou a sustentação da organização, mas eles penhoraram todos os bens: os carros, as sedes, as máquinas, tudo foi penhorado nesse Governo.
IMPASSES Então, essa greve de 1995 foi um ataque fulminante. E a experiência que queria contar que foi muito difícil para mim foi que a primeira ordem judicial que veio do TST era que a gente botasse 30% para produzir. Só que você não bota uma refinaria a 30%, tem unidade que você não consegue botar 30% de carga, ela não funciona. Então, essa falta de conhecimento da Justiça, como funciona uma refinaria, a complexidade que é, colocou alguns absurdos para a gente fazer. Eu me lembro que, numa tarde, eu recebi um telefonema da Procuradoria de Campinas, chamando o Sindicato para uma reunião. E eu fui para essa reunião, eu e mais uma companheira e mais um companheiro do Sindicato, junto com a Petrobras. Nós começamos a reunião quatro horas da tarde, eram duas horas da manhã e a gente não tinha chegado num acordo, e colocavam que a gente tinha que cumprir, tinha que cumprir, porque senão ia ser preso, porque não sei o quê. Aí eu acabo chamando o nosso jurídico A gente pediu um recesso, duas horas da manhã, chamamos o nosso jurídico e o jurídico foi para lá. Aí foi pior, era melhor não ter chamado o jurídico porque ele faz a leitura do legal, do legalismo mesmo: “Vocês têm que cumprir isso” E aí o que a gente fazia? A preocupação que eu tinha era que se, no outro dia, saísse na imprensa que Campinas estava produzindo 30%, poderia desmontar a greve nacionalmente, por conta dessa referência que os trabalhadores do Brasil tinham com relação a Campinas. Então, a gente estava num momento muito delicado. Aí a gente volta para a reunião duas horas da manhã e não tinha jeito: “Bom, então vamos fechar o acordo.”.Aí fechamos lá, mais ou menos, no sentido de produzir 30%. Só que não tinha nenhuma secretária na hora, já tinham ido todas embora, a secretária do gerente da refinaria, aí não pôde fazer a ata. Então, a gente só listou os pontos e ficou de fazer a ata, que a gente ia encaminhar na assembléia de manhã, na porta da refinaria. Aquela noite eu não dormi, quer dizer, eu cheguei ao Sindicato, fiquei lá, não conseguia dormi, porque a minha preocupação era essa, se a gente botasse 30% para produzir, a gente podia desmontar a greve nacionalmente. Só que a gente deu uma sorte, quando chegou de manhã, eles foram levar a ata para que eu pudesse assinar e um gerente tinha colocado um item que nós não tínhamos discutido. Eram cinco pontos e colocou um item que era com relação aos trabalhadores da manutenção e nós não tínhamos discutido o número de trabalhadores manutenção para botar 30%. E aí foi a nossa saída para dizer o seguinte: “Não cumprimos porque vocês não cumpriram o acordo.” E a gente continuou a greve por mais 20 dias. Mas a experiência foi muito rica nessa greve de 1995, trouxe para a gente um conhecimento e um aprendizado muito grande dessa briga. Todas as refinarias foram ocupadas pelo Exército e foi muito duro porque a gente não entrava na refinaria, não conseguia entrar e você via os tanques dentro da refinaria, em quase todas elas. A refinaria de Cubatão foi ocupada pelos trabalhadores, o pessoal ficou lá dentro e foi onde a gente teve o maior número de demitidos, mas que a gente conseguiu reparar agora.
RESULTADOS DA GREVE DE 1995 Não foi fácil para terminar a greve, porque nós estávamos há 32 dias e a Empresa não cedeu em nada. Nós, de fato, não conquistamos nada nessa greve. Nós tivemos 32 dias sem salário, tivemos perdas, tivemos punições, tivemos demissões, perdemos férias, perdemos 13o, os trabalhadores saíram do ponto de vista de ganho imediato, de resultado imediato da greve, a gente levou uma “paulada” do Governo Fernando Henrique. Ele saiu fortalecido. E, a partir daí, a gente começou a briga, porque a imprensa toda noticiava que faltava gás. Eu lembro que saía da minha casa e, perto da minha casa, tinha uma distribuidora de gás. O pessoal no meu bairro me conhecia, sabia que eu era petroleiro, sabia que eu era do Sindicato. Quando eu saía de manhãzinha, tinha uns amigos meus
que gritavam da fila: “Olha lá, aquele cara é que é responsável, por isso é que não tem gás” E aquela fila de gás. Depois, o próprio Tribunal de Contas da União divulgou que teve também toda a maracutaia das distribuidoras de gás, que esconderam o gás, armazenaram e esconderam para poder ter um reajuste e vender depois.
Logo que termina a greve, vem o reajuste do gás, eles ganharam. Foi um acordo
para desmoralizar a gente, para colocar a sociedade contra nós. Essa greve teve muito disso, a imprensa jogando toda a sociedade contra os petroleiros. Então, nós éramos os terroristas aqui no Brasil. Não sei se vocês lembram dessa greve, mas tinha isso a todo momento na imprensa, TV, e eles gostam de ver a coisa pegar fogo. Mas também foi o começo de desmistificar essa coisa de que petroleiro era “marajá”. Nós fizemos outras ações que colocavam nossos holerites em varais e a imprensa vinha, fotografava. Tanto a imprensa escrita, quanto a imprensa televisiva colocavam isso e a sociedade também começou a ver. Depois, eu lembro de uma pesquisa, foi a Folha fez, onde estava colocado se o petroleiro era “marajá” ou não, e a gente viu que a sociedade entendeu que a gente não era “marajá”. Se lembra que o Collor criou essa coisa de que nós éramos “marajás”? A gente conseguiu começar a mudar essa visão que tinha a sociedade com relação aos petroleiros. Lógico que a gente tem uma condição um pouco mais privilegiada, mas não somos aquilo que a imprensa colocava, que o Governo colocava.
Agora, o ganho mesmo que a gente teve nessa greve foi a organização, o fortalecimento do Sindicato, do movimento sindical e o respeito, inclusive, do próprio Governo. Isso foi em março; em setembro, a gente estava sem nenhuma condição de fazer movimento nenhum, porque levamos uma “paulada”. Isso foi uma coisa negativa, porque nós ficamos um “tempão” sem fazer movimento por conta do tratamento que o Governo deu aos petroleiros. Então, teve um refluxo no movimento sindical no sentido de mobilizações mais fortes, a gente ficou muitos anos sem fazer greve por conta disso. Mas mesmo a gente não fazendo nada, nós tivemos o maior reajuste de todas as categorias no Brasil, em setembro de 1995. A gente não ganha nada na greve, que termina em março, e em setembro, na nossa campanha, nós temos o maior índice de reajuste de todas as categorias do Brasil. Não precisava fazer nada, era o fruto do movimento. Essa é um pouco a história de 1995. O Spis (Antonio Carlos Spis), que era o coordenador da FUP, foi demitido. O Governo pegou o Spis para dar o exemplo e o demitiu. Eu acho que ele deve ter contado isso no depoimento dele, deve ter contado um pouco essa coisa da greve de 1995, porque ele viveu. Ele era o coordenador da FUP, então viveu muito intensamente a greve de 1995.
CARTA DE COMPROMISSO Não tivemos acordo, não. Na greve de 1995, o que nós tivemos foi uma carta compromisso, no final da greve, para acabar com ela. Teve muitas resistências para acabar a greve, lógico que ela estava num momento que não dava para continuar, a direção sindical teve que dar o indicativo para que a greve fosse suspensa mesmo sem ter conquistado nada. É aquela coisa, às vezes, tem que dar um passo atrás para poder avançar dois. E a gente chegou num momento que não tinha mais como tocar a greve. O ataque foi muito forte e aí a gente teve uma carta compromisso que foi construída pelo senador Eduardo Suplicy e alguns outros senadores, parlamentares e deputados. Era uma carta que, depois, a gente trabalharia a questão das punições, tinha a questão da construção de uma lei de anistia também e a questão da quebra do monopólio, tudo isso estava posto nessa conjuntura. Então foi um compromisso dos parlamentares de buscar uma saída junto ao Governo para resolver problemas que a gente teve durante o movimento, como as punições e demissões. Daí começa a ser construída uma lei de anistia para anistiar os sindicatos, porque os sindicatos e a Federação foram punidos com essa multa. Tinha que ter essa anistia, porque era impagável, a gente não tinha e não pagaria nunca. Então, esse foi o entendimento, não foi um acordo, mas foi uma carta compromisso escrita por vários parlamentares, no sentido de estar negociando todas essas questões com o Governo.
MOVIMENTO SINDICAL / DÉCADA DE 90 Trabalhador não gosta de fazer greve, nem dirigente sindical gosta de fazer greve. É uma ferramenta legítima que, se for preciso, a gente usa. Como eu disse, de 1995 para cá, a gente teve muita dificuldade de fazer greve, muita. Nós só fomos conseguir fazer uma greve de cinco dias em 2001. A gente foi de 1995 a 2001 sem movimentos muito fortes, porque ficou esse resquício mesmo da “paulada” que nós levamos em 1995. Então, a gente teve que começar a reconstruir. Também foi a partir de 1995 que começa a ter mudanças na política da Empresa em relação à organização sindical. Começam a ser trabalhadas políticas no sentido de neutralizar o sindicato, de tirar o sindicato da jogada, políticas de RH que começam a trabalhar a retirada de direitos, começa um ataque muito forte.
Em 1997, vem a proposta da Petrobras de vender direitos nossos, vender o ATS. Nós fizemos uma luta muito grande nessa época para que a categoria não vendesse o ATS, que é o Adicional de Tempo de Serviço. Era o seguinte: ela te dava um dinheiro e você congelava. Por exemplo: nós temos o Adicional de Tempo por Serviço, que é um percentual por ano. Cada ano que você trabalha na Petrobras você ganha um percentual, e isso vai ao seu salário. A Petrobras começou a implementar a política de tirar todas essas coisas. E, para tirar, o que ela fez? Ela fez uma proposta: “Eu te dou tanto em dinheiro para você abrir mão desse direito.” Nós fizemos uma briga, nós fomos vitoriosos porque a grande maioria não vendeu, teve trabalhadores que venderam, porque é negociação individual, embora passasse por assembléias, teve aprovações em assembléias e que os sindicatos conseguiram segurar; alguns não conseguiram, alguns trabalhadores votaram que o direito de vender e aí acabaram vendendo. Só que não toda base vendeu, porque é um direito individual, você tem que ir lá e concordar. Então, eu não sei
dizer quantos venderam, mas a grande maioria não vendeu. E outras coisas que foram as tentativas de que a gente vendesse o direito nosso da jornada de seis horas. Queriam acabar com a quinta turma, porque a jornada de seis horas nós conquistamos o que: uma turma a mais, nós éramos quatro grupos; lembra que eu te falei que a gente trabalhava em quatro grupos lá? Então a gente começou a trabalhar em cinco grupos, quer dizer, diminuiu o tempo de ida a empresa, que você teve mais dias de folga, quer dizer, diminuiu a sua jornada semanal. Hoje a nossa jornada é de 33.6 horas por semana. E eles também vieram com tentativas de comprar isso, chegavam a ameaçar isso, só que tinha uma resistência, a gente conseguiu segurar. Então, esse período de 1995, pós 1995, foi um período de muitos ataques a direitos nossos, que a gente resistiu. Resistimos, mas não fizemos greve, fizemos mobilizações, fizemos paralisações, mas não conseguimos fazer greve, vamos fazer greve mesmo só em 2001. Uma greve de cinco dias com parada de produção, que também foi muito importante, onde a gente zerou a produção de óleo no Brasil, principalmente na Bacia de Campos, e a gente conquistou. Foi uma experiência que, pela primeira vez, a gente, em greve, continuou a negociação, a Fup e a Petrobras. E a Petrobras não suspendeu as negociações. Com aqueles cinco dias de greve, a gente negociou e conseguimos conquistar as nossas reivindicações, que eram muitas.
PROJETO MEMÓRIA PETROBRAS Primeiro, queria dizer que eu fui um dos que, junto com um grupo de companheiros de Campinas, idealizamos isso aqui. Essa coisa de registrar a memória dos trabalhadores através deles, da história que eles contam, porque ela é mais rica; a minha não é tão rica, mas eu acho que a de companheiros nossos que viveram esses anos todos dentro da Petrobras é muito rica. Então, para mim, isso aqui é a realização do que um dia nós tentamos, eu, Bagas (Osvaldo), Santarosa (Wilson Santarosa), o Marcelo ( Benites Ranuzia) lá em Campinas, e vimos a experiência dos companheiros do metalúrgico que fizeram a história deles. Então, isso é a realização. Eu acho que esse projeto é rico por conta de que a história é contada por quem viveu, não é contada pelo chefe. Ele também conta a história, mas não só ele, não só a Petrobras conta, mas todo mundo que viveu a história: os trabalhadores todos, tanto no cargo mais baixo, até o mais alto, contam a história da Petrobras. Para mim, isso é a realização desse sonho. Eu sempre falo: “Pô, a primeira parte do projeto eu não participei, não tinha tempo.” Eu queria participar para contar um pouco também dessa história. E fico muito feliz de poder contar um pouquinho da minha história aqui, de falar um pouquinho do que foi essa vida e que está sendo dentro da Empresa. A Empresa que nós temos orgulho de poder viver nela, de participar, de poder ajudar, de poder manter uma Empresa que tem que trazer e traz para o nosso país muitos benefícios. Lógico que precisam ser corrigidas muitas coisas, mas eu acho que vai ser essa nossa vontade de corrigir que vai fazer com que a Empresa possa contribuir para uma sociedade mais igual, mais justa. Eu estive em Urucu anteontem e vi aquela miséria nas comunidades que fazem parte, por volta da Amazônia, ali onde está Urucu.
E vejo que a Petrobras tem muitas experiências lá e que contribuiu muito com a riqueza. Às vezes, o que eu sinto, o que eu vejo é que muito da riqueza que a Petrobras dá para a cidade onde ela está instalada ou para o próprio governo do Estado nem sempre se traduz em melhoria de vida para a comunidade, infelizmente. Eu acho que nós vamos ter que mudar isso e acho que passa pela mudança da lei do petróleo, para que esses recursos sejam de fato usados em benefícios da sociedade e dos mais excluídos. Eu vejo, por volta da Petrobras, muitas comunidades pobres que não tem por que ser pobre, porque os municípios têm a maior arrecadação. Por exemplo, um município da Amazônia, que eu vi lá perto de Urucu, recebe o dinheiro que recebe de royalties e a gente vê a miséria do povo e vê que não está sendo usado. Então, precisa ser pensada a mudança da lei para que a sociedade e a população que está ao longo desse país e nas vizinhanças das instalações da Petrobras possam ser de fato beneficiadas. Então, essa é a satisfação de estar aqui falando e de poder ajudar e contribuir nesse projeto. Eu agradeço a vocês. Obrigado pela paciência em ouvir a minha história.Recolher